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Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 1

Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 42
Bem-vindos à nossa 42ª aula da Escola Tomista. Salvo engano, Tratado
dos Predicamentos ou Categorias X.

Pois bem, hoje eu vou ocupar a aula, ocupar-me na aula apenas quanto à
categoria ou predicamento ubiquação. Na próxima aula entrará a categoria ou
predicamento quando. Pois bem, que muita gente chama impropriamente tempo.
Pois bem, eu mesmo já o chamei assim.

Pois bem, vimos que, já ao longo deste nosso tratado, que os acidentes,
conquanto só tenham ser, ou seja, conquanto só existam na substância e
conquanto não possam ser considerados essencialmente, senão em abstrato, o
fato é que os acidentes não são entes de razão, eles são algo mesmo na
substância e mais que algo na substância, eles se distinguem realmente da
substância. Lembram-se do exemplo dado sobre vela e iluminação. São algo
mesmo na substância e diferente, distinto da mesma substância. Se assim é, a
ubiquação não poderia ser distinta. Quando chegamos, porém, em nosso
Tratado das Categorias à ubiquação, temos o grave problema de que Aristóteles
não o tratou. Saltou, em suas Categorias, isto. Não se sabe bem por quê, mas o
fato é que não temos nas Categorias nada escrito sobre o lugar. É melhor,
desculpem-me, olha eu incidindo no erro, nada acerca da ubiquação (em latim
ubi).

Pois bem, se é algo na substância e se se distingue realmente da


substância, o acidente ou predicamento ubiquação afeta essa mesma
substância, essa mesma coisa natural de certa maneira. Como a afeta? Afeta
enquanto esta substância ou coisa natural ocupa um lugar determinado, ocupa
determinado lugar. Então repita-se, a ubiquação, como todo e qualquer acidente
ou predicamento, não só não é um ente de razão, senão que se dá efetivamente
na substância ou coisa natural e se distingue dela realmente. E como é que a
ubiquação afeta a substância ou coisa natural? Afeta enquanto na medida em
que esta mesma coisa natural ocupa um lugar.

E, com efeito, a ubiquação é algo intrínseco à coisa natural ou à substância.


Intrínseco! Toda realidade acidental, ainda que seja ou ab intrinseco ou ab
extrinseco, o fato é que elas são intrínsecas à coisa, porque, se não, não seriam
na coisa, na substância. Então, a ubiquação é algo na coisa, na substância,
enquanto o lugar é algo extrínseco a ela.
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Eis aqui um problema que nos cabe resolver nesta aula, já começamos na
aula passada, que é distinguir a ubiquação do lugar. Daí que seja impróprio
chamar este predicamento “lugar”.

E por que o lugar é algo extrínseco à coisa? Porque a coisa ou substância


pode ou tomar o lugar ou deixar o lugar e é com respeito ao lugar que se
determina a ubiquação. E, com efeito, num movimento local – lembrem-se da
minha mão, por exemplo – cada lugar que ela vai ocupando se refere às
mudanças que minha mão sofre segundo a ubiquação. Mas, para entender
perfeitamente o que é a ubiquação, devemos entender o que é o lugar, com o
que damos um salto à Física Geral para voltar à nossa Categoria. Repita-se que
a categoria – definindo-a explicativamente, não essencialmente, né? – a
ubiquação é aquela realidade acidental que afeta uma coisa natural ou uma
substância pelo fato mesmo de essa substância ocupar um lugar determinado,
determinado lugar.

Então, para entender o que é a ubiquação devemos entender o que é o


lugar, devemos dar um salto à Física para voltar circularmente ou
espiraladamente ao nosso Tratado das Categorias.

É Aristóteles quem explica perfeitamente o que é o lugar e a coisa ainda é


melhor porque Santo Tomás comentou a Física. Não sei se já disse aqui, creio
que sim, eu traduzi o comentário de Santo Tomás à Física de Aristóteles junto
ao qual, no ano que vem, será lançado junto ao qual vai meu livro Da
necessidade da Física Geral aristotélico-tomista. É um opúsculo de 150 páginas,
120, que vai junto com esta tradução, com a tradução desta obra indispensável
que é o comentário de Santo Tomás à Física de Aristóteles. Pois bem, vamos
seguir estritamente, portanto, a Aristóteles e Santo Tomás de Aquino.

Pois bem, então para começarmos a entender o que é o lugar, dê-se desde
já sua definição:

Lugar é: o termo imóvel continente primeiro.

Definição de lugar: o termo imóvel, imóvel, continente primeiro.

Pois bem, vamos entender cada partícula desta definição.

Termo. Antes de mais nada, é difícil, às vezes, traduzir esta... a palavra


grega e latina, porque poderíamos dizer “término”, mas término implica algumas
confusões que é melhor evitar, porque, com efeito, o termo, por exemplo no
movimento, é tanto o ponto de partida como o ponto de chegada. O termo que é
o ponto de partida se diz termo a quo – já disse essa palavra na aula passada –
e o termo final, ou término, seria o termo ad quem, ad quem. Pois bem, então o
melhor é usar termo que não término.
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Pois bem, o lugar refere-se à magnitude das coisas, ou seja, à extensão de


sua quantidade contínua. Ao estudarmos o tratado... a quantidade já vimos o que
é quantidade contínua.

Pois bem, o que é o termo da quantidade? O termo da quantidade é


exatamente aquilo que delimita sua extensão, assim como o termo de uma
propriedade é seu limite, é seu limite. A propriedade está dentro deste termo que
são seus limites.

Pois bem, demos exemplos para que se entenda isto, ou seja, que o termo
da quantidade é o que delimita sua extensão. Pois bem, o termo de uma reta é
o ponto que delimita seu comprimento. A reta é puro comprimento e o ponto é o
que delimita dos dois lados a reta. É o termo. O ponto é o termo da reta. Já o
termo do plano é a linha que delimita sua superfície. E o termo do corpo é a
própria superfície que delimita seu volume. A minha superfície delimita meu
volume que, aliás, está um pouco alto, um pouco demasiado ultimamente de
tanto ficar sentado aqui gravando aula e escrevendo livros.

Pois bem, as coisas naturais são corpos cujos termos são as superfícies
mesmas que delimitam o volume que ocupam. Num cubo são os seis planos
quadrados em que terminam seus lados.

Pois bem, quando nos movemos deixamos um lugar para ocupar outro e
esse lugar, por sua vez, é ocupado por outra coisa, qualquer que seja, por
exemplo o ar, mas pode ser outra pessoa. Então repita-se que, quando nos
movemos, deixamos um lugar para ocupar outro e o que é deixado por nós é
ocupado por outra coisa, outra pessoa, o ar, por exemplo. Né?

Pois bem, ao falar de lugar ocupado não é difícil que imaginemos o espaço
que ocupamos e que, depois, o ar ocupa. Aristóteles, no entanto, já adverte que
não se deve imaginar que o lugar seja o espaço ocupado, mas sim que é a
superfície terminal, a superfície terminal.

Pois bem, assim como a ubiquação é, como dito, algo real na coisa, algo
real na substância, porque, com efeito, não dá no mesmo estar em um lugar ou
outro (estar em um lugar ou outro são ubiquações diferentes), pois bem, mas
assim como a ubiquação é algo real na coisa, o lugar, ou seja, aquilo segundo o
qual se define a própria ubiquação, há de ser também algo real e não um ente
de razão. Com efeito, podemos pensar em nosso espaço corporal ou corpóreo,
maior ou menor de acordo com o que estejamos mais gordos ou mais magros e
daí pensar ao mesmo tempo no espaço ocupado que fica quando nos movemos.

Pois bem, mas isto é uma espécie de jogo da imaginação. Por quê? Porque,
enquanto estamos num lugar, o único espaço corporal real é o nosso, é o nosso.
Se definíssemos o lugar assim como o espaço ocupado, não seria coisa real,
mas certo ente de razão matemático, de tipo matemático. Pois bem, o espaço
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não é o lugar ocupado, mas é a superfície terminal ou mais facilmente o termo,


o termo, o termo, o termo. Entende-se, assim, a primeira partícula da definição
de lugar, o termo imóvel, continente, primeiro.

Acabamos de entender o que é um termo. Mas por que se diz que é imóvel?
Pois bem, diz-se que é imóvel porque, se não se dissesse, poderíamos pensar
em nosso termo corpóreo, corporal como se fosse a camisa que usamos, a
camisa com que vamos a todos os lados. O lugar, porém, deve ser definido como
o termo que deixamos quando nos movemos, como a camisa que trocamos pra,
que tiramos, pra pôr, para vestir uma nova. É por isso que termo é... entra na
definição como se fosse um gênero. Lembrem-se: gênero da definição de
homem: animal – animal racional – e a diferença específica então será imóvel.

Pois bem, a necessidade mesma de definir o lugar como algo distinto do


termo – isso é que é importante, né? –, o lugar como algo distinto do termo do
corpo, dos corpos, surge, dá-se a ver com o movimento de um corpo com
respeito aos demais corpos. Então o que distingue de fato o termo que é o próprio
lugar do termo próprio do corpo é que este se move com o corpo enquanto
aquele é imóvel. Eu dei o exemplo que, supondo que, já vamos tratar disso, que
o termo de meu corpo seja minha pele – está certo? –, ela vai comigo quando eu
mudo enquanto o termo, que é o lugar, ficou pra trás e já está ocupado por outro.
Então o que é que distingue o termo de meu corpo do termo que é o lugar? É
que o termo do lugar é imóvel – ele não se moveu, eu é que me movi, a minha
pele não ficou pra trás, a minha pele foi comigo. Jajá voltaremos a ver se é bom
esse exemplo da pele. Dêmo-lo por hora. Pois bem, então o termo de nosso
corpo é móvel, enquanto o termo do lugar é imóvel.

Com efeito, se a cada segundo se tirasse, se tomasse uma holografia de


nossa posição corpórea, teríamos, como num desenho, como numa imagem, a
sucessiva posição local que vamos tomando, que vamos assumindo e deixando
com o tempo, ao longo do tempo. Pois bem, o lugar de um corpo natural, então,
pode, deve definir-se como termo, o termo imóvel. O termo seria o gênero dessa
definição ao passo que imóvel seria a sua diferença específica.

Mas eu disse que a definição de um lugar é o termo imóvel continente


primeiro. Então cabe-nos explicar agora a partícula “continente”.

Pois bem, amiúde se pensa na superfície terminal de um corpo como se


fosse... como a pintura de uma parede, ou então como a pele do animal que são
partes do corpo. Vejam, eu dei o exemplo da pele, mas agora vamos questionar
este mesmo exemplo. Por quê? Porque amiúde, frequentemente, de fato se
pensa na superfície terminal de um corpo como se fosse a tinta da parede, ou
da mesa, ou como a pele, da nossa pele, do animal, do homem e, no entanto, a
pele do animal é parte do corpo do animal. Pois bem, a superfície terminal de
um corpo não é parte dele, é precisamente o termo ou limite e, ali onde termina
um corpo, começa precisamente ali o corpo contíguo, contíguo, que é contíguo
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– casa geminada, já viram? – contíguo, uma coisa contígua a outra. Onde


terminam... não, casa geminada não é um bom exemplo, onde termina um corpo,
começa o corpo contíguo, contíguo. Isto é que é o limite do corpo e não a pele,
e não a pele que eu usei na partícula anterior apenas como introdutória; aqui
devemos negá-lo. Se determinássemos num sistema de coordenadas a
superfície terminal do champanhe – da garrafa de champanhe, né? – e a
superfície interior da mesma garrafa de champanhe como se pode representar,
por exemplo, num programa de gráficos tridimensionais. Chama-se CAD, é o
CAD (Computer Aided Design, Computer Aided Design). Aided é a-i-d-e-d.
Computer Aided Design – design todo mundo sabe escrever. Computer Aided
Design. Não teríamos... com efeito, se fizéssemos esse gráfico CAD, teríamos
de fato dados distintos tanto para o champanhe como para a garrafa.

Pois bem, a superfície do champanhe tem a mesma posição que a


superfície interior da garrafa de champanhe. É a mesma posição. Mas a
superfície do champanhe termina o conteúdo, enquanto a superfície interna,
interior da garrafa de champanhe termina o continente. Continente é o que
contém, conteúdo é o que está dentro do continente. Então repita-se: a superfície
do champanhe tem a mesma posição que a superfície interna da garrafa de
champanhe, com a diferença de que uma – a primeira – termina o conteúdo – o
champanhe – enquanto a outra termina o continente, ou seja, a garrafa de
champanhe, razão porque elas são realmente – não segundo a razão – distintas.
Por quê? Porque são exatamente termos de corpos distintos, limites de corpos
distintos. Quem haverá de negar que a garrafa é um corpo distinto do corpo que
é o champanhe? Impossível negar! Tanto é que se pode esvaziar o conteúdo da
garrafa e a garrafa continua exatamente a mesma com seu termo.

Pois bem, é por isso mesmo que pomos... que a superfície terminal imóvel
que entendemos, que inteligimos como lugar, não é a superfície que termina o
corpo contido, que se move com ele. Não é a pele, mas se move com ele, como
se move a pele, só que não é a pele, como acabamos de ver, mas é a superfície
envolvente, é a superfície continente. Mas esclareça-se ainda mais para que se
tenha tudo isso muito claro: tampouco é a superfície continente quanto pertence
ao corpo natural que envolve o corpo em questão. Não é a superfície interna da
garrafa, não é a superfície interna da garrafa que envolve o champanhe. E por
que não é? Porque os corpos naturais – todos eles, os corpos – são móveis e
suas superfícies se movem com eles. Então a superfície interna da garrafa se
move com a garrafa; a superfície do champanhe se move com o champanhe. É
o termo continente considerado independentemente dos corpos contidos, dos
corpos continentes. É o termo continente – continente, que envolve –
considerado independentemente dos corpos continentes, como a garrafa.
Independentemente desta garrafa, para o caso do champanhe, e é considerado,
então, como se disse, imóvel.
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Mas por que se diz que é primeiro? Foi o mesmo Aristóteles quem pôs que
é primeiro! Pois bem, com esta partícula o estagirita – Aristóteles – quis distinguir
o lugar próprio do lugar comum. Veja, se estamos todos numa reunião numa
sala. A sala é o lugar comum de tordos nós. Mas esta sala é o lugar, repita-se,
comum de todos nós de modo que, obviamente, nós nos podemos mover na
sala, nós podemos mover-nos na sala e isto não seria possível se não fosse o
lugar comum. E, ainda movendo-nos na sala, não deixaríamos o lugar chamado
sala. Se eu me movo na sala, se você se move na mesma sala em que eu estou,
se o outro se move na mesma sala que eu estou, movemo-nos na sala sem
deixar a sala, mas já vimos que o lugar não comum, mas o lugar primeiro é
imóvel. Com efeito, a sala é, pode dizer-se, um lugar imóvel continente, ao
menos com respeito à terra firme, porque, como massa agregada da terra, ele
gira, mas a sala pode dizer-se lugar também com termo imóvel continente, mas
não é o lugar próprio de cada um que está na sala. Por quê? Justamente agora
se entende a partícula: porque não são o termo continente imóvel primeiro. São
segundo. Não são termo continente móvel primeiro ou imediato. São um termo
imóvel, continente segundo ou mediato. O lugar próprio e comum de um corpo
natural como o lugar que ocupo agora é o termo primeiro, é o termo – perdão –
é o continente, imóvel primeiro e não o termo continente imóvel comum como
pode ser a sala em que todos estamos.

Pois bem, já é possível ver as propriedades do lugar. Já vimos as


propriedades com respeito aos demais acidentes que a ubiquação, mas nós
agora não estamos tratando a ubiquação, nós agora estamos tratando o lugar,
porque não se entenderá, repita-se, a ubiquação se não se entende o lugar.

Eu reconheço que, para entender o lugar, como eu disse tivemos que dar
um salto tremendo lá para a Física e que pode não ser tão fácil assimilação
quanto ao lugar. Por isso, ao terminar as propriedades, eu recapitularei todo este
assunto para que fique claríssimo o que é o lugar. Entendido do lugar, entende-
se ipso facto, ipso (i-p-s-o) facto – por isso mesmo – entende-se por isso mesmo
o que é a ubiquação que é aquele acidente que diz respeito ao lugar.

Pois bem, Aristóteles, na Física, dá quatro propriedades para o lugar. Todo


cientista, aliás, deveria adotar isso. Pois bem, vamos lá.

Vejam, aliás, antes de passar que não se tratou aqui de espaço. Desde o
início se vem dizendo aqui que não se trata do espaço. O espaço é um dos
assuntos mais árduos que há na Física e na Cosmologia em particular que o
Padre Calderón chama Física Especial. Não é fácil. É um dos problemas mais
árduos que há. Ao longo do tempo se foi alternando entre o espaço ser composto
de ar (hoje sabemos que não o é, ou seja, é na atmosfera terrestre, sobre a
atmosfera terrestre, não há ar no espaço sideral, isso sabemos hoje, então temos
de corrigir Aristóteles quanto a isso, ele não podia saber, não tinha instrumental
para sabê-lo), depois se disse que era o vazio, depois que era o éter. Pois bem,
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quando chegarmos à Física, à Cosmologia, eu vou expor a hipótese que me


parece probabilíssima do Padre Calderón e que antecipo numa senhora seta,
uma baita seta, que é uma substância. O espaço não é um nada, não pode ser
um nada. Não é o éter, não é o éter, mas não pode ser um nada, um vácuo, um
vazio. E por que não? Antecipe-se, é uma antecipação, apenas para dar um
refresquinho aqui. Nós não medimos o espaço? Aqui, ó! Nós medimos o espaço.
Ora, só é mensurável o que é substância, porque só a substância pode ter
quantidade. Ora, medir algo é medir sua quantidade. Razão porque o espaço há
de ser uma substância. Naturalmente será uma substância destituída de massa,
mas haverá de ser uma substância, sem o que seria, não seria mensurável. Isto
é apenas uma antecipação e trataremos isso na Cosmologia.

Pois bem, voltemos às propriedades que Aristóteles mostra, são do lugar.

Primeira propriedade: o lugar contém o localizado. Isto decorre de todo o


dito. O lugar contém o localizado. O lugar, já é óbvio pelo que se disse, tem
razão, tem noção de... tem razão de continente. Por quê? Exatamente porque é
ocupado ou desocupado, como vimos no caso do champanhe e da garrafa. Isto
está na própria definição: continente. Mas, então, o lugar contém o localizado, o
lugar contém o localizado.

Pois bem, outra propriedade. Essa é um pouquinho mais difícil. O lugar


primeiro (que é o lugar) é igual ao localizado. O lugar primeiro é igual ao
localizado. Pois bem, qualquer pessoa entende que o lugar que uma coisa ocupa
tem de ser igual em extensão à extensão da coisa que o ocupa. Repita-se: não
é difícil ver que o lugar que uma coisa ocupa tem de ter a mesma extensão que
a extensão da coisa que o ocupa. O problema é que, quando se vai definir o
lugar, aparecem problemas. Por quê? A propriedade anterior, ou seja, o lugar
contém o localizado (vejam, essa foi a primeira propriedade que eu dei: o lugar
contém o localizado) –, requer, exige que o lugar seja algo distinto da coisa,
obviamente. Vimos vendo isto desde o início. Mas, quando eu disse como
primeira propriedade do lugar que o lugar contém o localizado, isso requer
indubitavelmente a distinção entre o lugar e o localizado, ou seja, entre o lugar e
o corpo. Por quê? Justo porque a contém. Mas esta segunda propriedade – o
lugar primeiro é igual ao localizado – requer que seja igual. Então, como
ficamos? É a própria definição quem o resolve quando diz que é “termo primeiro”.
Por quê? Porque a superfície terminal do continente, ou seja, do lugar, é
exatamente igual à superfície terminal do conteúdo, ou seja, do localizado, ainda
que uma pertença a uma coisa (o continente ou lugar) e a outra pertença a outra,
ou seja, a coisa ou substância ou localizado. Então repita-se para que fique muito
claro isto: a superfície terminal do continente ou lugar é precisamente, é
exatamente igual à superfície terminal do localizado, da coisa, da substância que
está no lugar, mas uma pertence a uma coisa e a outra pertence à outra. Tudo
isso requer de nós, evidentemente, certo esforço de abstração, mas assim é. E
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esta distinção – uma pertence a uma coisa e a outra à outra – não é de razão, é
real.

Pois bem, a terceira propriedade é que todo corpo tem um lugar. Nenhum
corpo pode estar fora de um lugar. Nunca. E entenda-se corpo largamente. Nós
já vimos que o champanhe é corpo. Corpo em sentido lato. Pois bem, os corpos
naturais caracterizam-se exatamente por estar localizados. Insista-se em que é
impossível que as substâncias naturais, que os corpos naturais, que as coisas
naturais não estejam localizadas, não sejam localizadas. Dentro de quê? Dentro
de um lugar. Pois bem, a definição que demos permite atribuir a cada corpo um
lugar distinto. Eu estou aqui, estou num lugar, vocês estão em outro lugar, o que
me é contíguo está em outro lugar, aqui ó, o ar que me é contíguo está em outro
lugar... Pois bem, e não pode haver, não pode haver corpos distintos num
mesmo lugar. Dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar. Vejam que
interessante! Isto, aliás, já antecipo um problema teológico. Cristo, em Emaús,
atravessou as paredes, a parede da casa, mas, no momento mesmo em que
atravessava, obviamente dois corpos – ele já era corpo ressurrecto – ocupou,
em algum instante, o mesmo lugar da parede. Mas acabamos de formular que
dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar. Por isso é que... isto é uma baita
seta! Por isto é que Santo Tomás duvidou, disse que não era possível nem
sequer ao corpo glorioso como o de Cristo ocupar o mesmo lugar que a parede,
a não ser por um milagre. Alguns documentos da Igreja, no entanto, nos induzem
a crer ao contrário, que um corpo glorioso teria por propriedade o poder ocupar
o mesmo lugar que outro corpo. Agudo problema teológico que estudaremos ao
alcançar a nossa, nosso quinto ano, o ano da nossa teologia segundo a Suma
Teológica. Não nos angustiemos por isto. Tudo isto tem solução. Pois bem, às
vezes não tem, mas neste caso parece-me que se pode dar uma solução.

Pois bem, qual é a única coisa corpórea ou corporal a que não se pode
atribuir nenhum lugar? Repita-se: qual é a única coisa corpórea ou corporal à
qual não se pode atribuir nenhum lugar? Só uma coisa: é a totalidade do universo
que é corpóreo. Vejam só o que nós teremos de discutir em primeiro lugar na
Cosmologia ou Física Especial. O universo, universo, tem de ser finito. Ele não
pode ser infinito. Ele tem de ser determinado em extensão. O contrário, como
veremos na altura adequada, é impossível. Que o universo fosse infinito é
impossível. Mas, ainda que seja finito, ele é imenso. E imenso quer dizer que
nunca vamos conseguir medir. E por quê? Porque ele não tem termo continente.
Então vamos, repita-se: conquanto o universo não possa ser infinito e conquanto
ele tenha, portanto, de ser determinado em extensão, o contrário é impossível,
ele, no entanto, não tem termo continente. A totalidade do universo está onde,
então? Em nenhum lugar. O universo não ocupa um lugar! Ele não está em
nenhum lugar! Parece loucura, mas, se a gente pensar, se houvesse movimento
local de todo o universo, para onde ele iria se ele é tudo quanto existe? Para
onde iria o universo se ele se movimentasse localmente, ou seja, se ele
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ocupasse lugares, se ele não tem para onde ir? Ele é tudo quanto existe! O
universo são suas partes que se movem, são as partes do universo que se
movem e cada uma dessas partes, repita-se, ocupa um lugar determinado.
Vejam que interessante, né? Isso já nos remete à disputada questão sobre a
figura do universo. Se se deixam de lado loucuras como a de Hawking, né, que
dizia que o universo estava dentro de uma casca de noz, se se deixam de lado
essas aberrações, o fato é que não poucos atribuíram a figura esférica ao
universo. Mas não é possível. Se ele tivesse figura esférica, ele teria superfície,
e, se tivesse superfície, ele teria contato com outra superfície, com algo contíguo,
mas já disse que não há nada além do universo. Logo a figura do universo é não
ter figura. Ele nem ocupa um lugar, nem tem figura. Isto é uma baita seta, não
se assustem, mas digo apenas a modo de antecipação.

Mas há uma quarta propriedade: todo corpo tem seu lugar próprio. Vamos
entender isto, esta quarta propriedade. Isto que se chama lugar próprio pode
chamar-se também lugar natural. Com efeito as coisas naturais, as substâncias
naturais não são indiferentes ao lugar. Daí que a ubiquação, que é o acidente de
ocupar o lugar, tampouco seja indiferente, ou seja, é uma coisa real. Sabemos
por experiência, perfeitamente sabemos por experiência que as coisas naturais
agem umas sobre as outras. Pode chamar-se, veremos isso ao chegar à Física,
pode chamar-se o universo um grande sistema ecológico – não tem nada a ver
com Greenpeace. Pois bem, mas se umas coisas agem sobre as outras
mutuamente, o lugar, se se entende como entendemos como a superfície
continente de uma coisa, é aquilo mesmo mediante o qual uma coisa natural
entra em relação ou interação com o restante do universo corpóreo. É por isso
que cada coisa tem seu lugar natural e, neste lugar natural, sua natureza,
natureza desta coisa, está em harmonia com a natureza das demais coisas, as
outras coisas que os cercam ou rodeiam.

Pois bem, o lugar natural do homem não é o espaço sideral, o espaço vazio
de massa. Não é isso. Não é ali, nem a atmosfera de Marte, ou de Plutão, ou de
qualquer outro. Mas é a Terra. A Terra é o lugar natural comum do homem.
Tampouco é o cume do Everest, né? Creio que são nove mil metros de altitude,
de altura. Nem a fossa das marianas, né? São cerca de onze mil metros de
profundidade. Não pode ser lá o lugar natural do homem. O lugar natural do
homem é a superfície temperada da Terra, a única que, aliás, lhe permite a vida
e a única que lhe permite interagir com a restante natureza.

Pois bem, recapitulemos tudo, todo o dito nesta aula começada na aula
passada e insistindo no que é a ubiquação. Comece-se por aí. Insista-se em que
a ubiquação é aquela realidade acidental que afeta uma coisa natural pelo fato
mesmo desta coisa, de esta coisa natural ocupar um lugar determinado ou outro.
Não é indiferente que eu esteja aqui ou esteja ocupando outro lugar. E que eu
esteja ocupando este lugar e não aquele outro é o que nos dá esta realidade
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acidental que é a ubiquação. Então a ubiquação é a realidade acidental que afeta


uma coisa natural pelo fato mesmo de esta coisa ocupar determinado lugar.

Pois bem, se assim é, a ubiquação é uma realidade intrínseca da coisa, ao


passo que o lugar é algo que lhe é extrínseco à coisa, mas é com respeito ao
lugar que se determina a ubiquação. Assim como na quantidade podemos ter,
segundo a quantidade podemos ter 80 ou 120 quilos, assim também, segundo a
ubiquação, podemos estar em determinado lugar ou em outro lugar determinado.

Pois bem, pra entender tudo isso, como disse, é preciso dar aquele salto
impressionante para a Física Geral para que possamos entender o que se acaba
de dizer da ubiquação, e quem no-lo diz é Aristóteles e quem no-lo explica é
Santo Tomás em seu comentário à Física de Aristóteles.

Pois bem, demos, então, logo de saída, a definição de lugar. Lugar: o termo
imóvel continente primeiro. O termo imóvel continente primeiro.

Pois bem, termo: termo quer dizer limite. No movimento, como já disse,
pode dizer-se termo a quo, a partir do qual, do qual, e termo ad quem, para o
qual, ao qual. Termo a quo – movimento local – ad quem que é o termo final.
Este é que se poderia mais traduzir por término, mas mantenhamos o rigor
terminológico e usemos termo.

Pois bem, termo continente, termo imóvel continente primeiro.

Comecemos pela partícula “termo”. O lugar se refere à magnitude das


coisas e já vimos o que é magnitude ao estudar o acidente quantidade. E o que
é a magnitude das coisas? Aqui é a extensão de sua quantidade contínua. Pois
bem, o termo da quantidade é justamente o que delimita sua extensão. E, assim,
o termo de uma reta é o ponto. E o ponto delimita o quê? O comprimento da reta.
Mas o termo de um plano é a linha, que delimita o quê? A superfície deste plano.
E qual é o termo de um corpo? É esta superfície que delimita seu volume.

Pois bem, as substâncias naturais, as coisas naturais são termos, são


corpos cujo termo é a superfície que delimita seu volume. Relembremos o
exemplo do cubo: o cubo tem seis planos quadrados em que terminam seus
lados.

Pois bem, quando nos movemos deixamos um lugar para ocupar outro. E
esse lugar é ocupado por outra coisa. Pelo ar, por exemplo. Mas entendamos
bem: quando falamos de lugar ocupado, facilmente imaginamos o espaço que
ocupamos e que depois é ocupado pelo ar. Mas já vimos que, se fosse assim,
isso não passaria de um ente de razão matemático. Por quê? Se definíssemos
um lugar como espaço ocupado, não seria efetivamente real. Por quê? Porque
o lugar não é o espaço ocupado; o lugar é a superfície terminal: é o termo. Por
isso, daí a primeira partícula da nossa definição.
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A segunda partícula é “imóvel”. A primeira partícula está para esta definição


como o gênero animal está para a definição de homem. Resta, então, achar a
diferença. A diferença é dada aqui, antes de tudo, por imóvel.

Pois bem, é necessário, como visto até agora, definir o lugar como algo
distintos dos corpos, algo distintos. E isso se vê se se toma em consideração o
movimento de um corpo com respeito aos demais corpos. E o que, e vendo é
que concluímos que o que distingue um termo que é lugar do termo próprio do
corpo – são duas coisas distintas – é que este – o termo próprio do corpo – se
move com o corpo, enquanto o termo que é o lugar permanece imóvel, porque,
se não, não o poderíamos deixar. É por isso que se diz que o lugar de um corpo
natural é seu termo imóvel, não o termo móvel que é o termo do próprio corpo.

Mas há uma terceira partícula que é a partícula “continente”. Amiúde se


imagina a superfície terminal de um corpo como se fosse a pintura de uma
parede, por exemplo, ou como se fosse a pele do animal. Mas a pele do animal
é parte do corpo do animal, enquanto a superfície terminal não é parte do corpo
do animal, mas é exatamente o termo ou limite e, ali mesmo onde termina o
corpo, começa o corpo contíguo, contíguo. Pensemos numa garrafa de
champanhe, no champanhe e nesta mesma garrafa. A superfície do champanhe
tem a mesma posição que a superfície interna da garrafa. Isto é indubitável.
Repita-se: a superfície do champanhe tem a mesma posição que a superfície
interna da garrafa de champanhe. Mas o champanhe não é o conteúdo de uma
garrafa que é seu continente? Então a superfície do champanhe termina o
conteúdo, enquanto a superfície interna da garrafa termina o continente e essas
duas coisas são realmente, efetivamente distintas. Por quê? Porque são termos
de corpos distintos. Quem vai, quem há de dizer que champanhe, que o
champanhe e a garrafa são o mesmo corpo? Isto é impossível! Afirme-se, então,
que a superfície terminal imóvel – que é o que entendemos como lugar – não é
a superfície que termina o corpo contido que se move com ele, mas, mas, mas,
mas não é minha pele, mas é a superfície continente ou envolvente de mim
mesmo. Não é minha pele! A pele é parte de meu corpo! O lugar é continente e
envolvente de todo o meu corpo, incluindo a pele. Então uma coisa é a superfície
do próprio corpo, outra coisa é o termo que é o lugar que o envolve ou contém.
Mas então não é a superfície continente enquanto pertence ao corpo natural que
envolve o corpo em questão, nem é a minha pele, nem é, digamos, a pele interna
da garrafa de champanhe. Os corpos naturais são móveis e suas superfícies se
movem com eles. Então tanto a superfície interna da garrafa como a superfície
minha ou do champanhe se move com champanhe, comigo, com a garrafa, mas
o termo continente considerado independentemente dos corpos que são
contidos independentemente da garrafa de champanhe, é considerado imóvel e
não móvel, enquanto a superfície da champanhe ou a minha superfície é móvel.
O lugar, o lugar é imóvel. Por isso podemos deixar, enquanto a superfície do
corpo que ocupa este lugar se move com ele.
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Repitamos esta parte algo difícil: a superfície do champanhe tem a mesma


posição que a superfície interna da garrafa de champanhe, mas uma termina o
conteúdo e outra termina o continente que é a garrafa e são distintas, pois são
termos de corpos distintos, são termos de corpos distintos. Por isso é que o que
chamamos superfície terminal imóvel (que é o lugar, que entendemos
exatamente como o lugar) não é a superfície que termina o corpo contido, mas
é a superfície continente ou envolvente imóvel. Também não é, tampouco é a
superfície continente enquanto pertence ao corpo natural que envolve o corpo
em questão enquanto pertence à garrafa. Por quê? Porque os corpos naturais
são móveis e suas superfícies se movem com eles.

O lugar é o termo continente considerado independentemente dos corpos


continentes, independentemente da garrafa no caso do champanhe, e por isso
se diz imóvel, e resta-nos é que seja primeiro. Aí é primeiro porque não é o termo
continente imóvel, é o termo imóvel continente segundo que é o lugar comum,
como se todos tivéssemos numa sala. Enquanto nos movemos na sala estamos
em um lugar comum, mas se trata do continente primeiro, do continente imóvel
primeiro, aquele em que estamos agora. Seu... ó, eu me mexi, saí do lugar, se
eu for ali, saí do lugar. Então é primeiro, e, no entanto, se alguma outra pessoa
aqui em meu escritório, nós estamos em um lugar comum, mas só eu estou num
lugar continente imóvel... num lugar que é termo imóvel continente primeiro.

Pois bem, recapitulemos as propriedades, as propriedades do lugar.


Lembremos que Aristóteles dá quatro. Primeiro: o lugar contém o localizado. Não
é difícil de entender. O segundo é mais difícil: o lugar primeiro é igual, ou seja, o
não comum como a sala, o lugar primeiro é igual ao localizado, o que quer dizer
que é igual, conquanto se distingam realmente, realmente.

A superfície terminal do continente do lugar é exatamente igual à superfície


terminal do conteúdo. A superfície interna da garrafa é exatamente igual à
superfície do champanhe, mas um pertence ao champanhe e outro pertence à
garrafa. Se assim não fosse, não seriam coisas distintas e teremos uma mesma
coisa chamada garrafa-champanhe ou champanhe-garrafa.

A terceira propriedade é que todo corpo tem lugar. Todo corpo. Ele não
pode deixar de estar em um lugar. A única coisa que se pode dizer, que se deve
dizer que não ocupe lugar é o conjunto do universo. Ele não ocupa lugar, ele não
está em termo continente, porque, se estivesse, ele poderia mover-se, mas, se
ele se mover, seria pra onde se ele é a única coisa que existe? Já disse que todo
esse imbróglio será discutido ao chegarmos à Cosmologia.

E, finalmente, a quarta e última propriedade: todo corpo tem seu lugar


próprio, tem seu lugar natural. Isto não é difícil de entender. O lugar natural do
homem é a terra, não o alto cume, o cimo do Evereste, nem tampouco as fossas
das marianas que ficam a onze mil metros de profundidade no mar.
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Creio que posso dar por terminada esta aula de hoje e até nossa próxima
aula.

Muito obrigado pela intenção, atenção. Qualquer dúvida, escrevam-me.

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