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Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 1

Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 18
Bem-vindos à décima oitava aula de nossa Escola Tomista. Não nos percamos.
Estamos na introdução à Lógica VIII. Pois bem, tampouco nos percamos no fio
da exposição. Na aula passada comecei a falar do capítulo das propriedades da
Lógica; e vimos que, como se trata de introdução à Lógica, não podemos esgotar
aqui o estudo de todas as suas propriedades. Mas, devemos sim, sob pena de
não fazer uma boa introdução, estudar suas primeiras, principais, ou, antes que
tudo, mais evidentes propriedades. Vimos que estas mais evidentes
propriedades são, antes que tudo, três: a unidade da Lógica (que tem que ver
com o transcendental ‘uno’), a verdade da Lógica (que tem que ver com o
transcendental ‘verdadeiro’) e a bondade da Lógica (que tem que ver com o
transcendental ‘bom’). Relembremos que os transcendentais são: ente, coisa,
algo, uno, verdadeiro, bom e belo. Os transcendentais se estudarão, de início,
no âmbito da mesma Lógica, mas seu estudo só se completará cabalmente na
Metafísica, ou seja, já bem adiante no curso. Pois bem, estamos ainda na
primeira destas três mais evidentes propriedades da Lógica. Estamos na
unidade.

Pois bem, vimos até agora quais são, em geral, as partes da Lógica, por vários
ângulos. Vimo-lo, creio, suficientemente na aula passada. Isto que se disse na
aula passada não diverge muito do que dizem os aristotélicos estritos, ou seja,
não tomistas. Um dos mais importantes é Pierre Aubenque que, conquanto seja
um dos mais abalizados e autorizados comentadores de Aristóteles, apresenta
problemas, apresenta conflitos em sua interpretação de Aristóteles com Santo
Tomás de Aquino. Então, tudo isso é mais ou menos consensual entre os
tomistas, entre os aristotélicos estritos. Mas, o que se vai dizer hoje não é que
Aristóteles não soubesse, é que Santo Tomás e, em particular, Santiago Ramírez
O. P. sistematizaram a questão do todo e das partes, aplicando isto também à
Lógica. O que vou dizer hoje funda-se, em parte, no dito pelo padre Calderón em
seus magníficos Umbrales de la Filosofía; mas, sobretudo aqui, o padre Calderón
se funda em Santiago Ramírez. Então, ao dito pelo padre Calderón,
acrescentarei alguma que outra coisa, fundado também em Santiago Ramírez.

Pois bem, antes de tratar da Lógica, vejamos de que modo um todo pode dividir-
se. Não é difícil entender o que seja um todo; esta casa em que moro é um todo;
um instrumento musical é um todo. E são compostos de partes. Pois bem, há
três maneiras de que um todo pode dividir-se em partes. Antes de tudo temos o
todo integral, cuja partes também se dizem integrais. Comecemos pelo exemplo
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clássico da casa. Quais são as partes da casa? Os alicerces, as paredes, o


telhado. São as partes integrais da casa. Por que se dizem partes integrais da
casa? Porque sem uma delas não se tem casa. Pois bem, propriamente falando
nem os alicerces, nem as paredes, nem o telhado podem dizer-se casa. Eu não
posso dizer que os alicerces são casa. Eu não posso dizer que as paredes são
casa. Posso dizer que o teto é casa, tanto assim que dizemos correntemente
“meu sonho é ter um teto”. Mas, vejam que aí este uso de teto como casa – ou
seja, uso em que se toma uma parte integral pelo todo integral – é metafórico.
Chama-se este uso de analogia de proporcionalidade imprópria ou metafórica.
Mas, se se tira a analogia imprópria ou metafórica, nem os fundamentos, nem
as paredes, nem o teto são casa. Casa é o todo integral. Então, esta é a primeira
maneira de ser todo e de dividir-se esse todo.

Dê-se outro exemplo. Tome-se uma guitarra ou violão. Temos o corpo do violão,
o braço do violão, as cordas do violão, as tarraxas com as quais se afinam as
cordas do violão; pois bem, o braço do violão, as cordas, as tarraxas são partes
integrais do todo integral chamado violão. Com efeito, se faltar uma parte destas,
não temos um violão íntegro. Pois bem, esta é a primeira maneira de ser um todo
e de dividir-se em partes esse todo.

Mas há uma segunda maneira de ser todo e de ser partes. Tome-se o gênero
animal. Tanto o homem quanto a zebra, quanto o cisne, quanto a mosca são
propriamente animais, são univocamente animais. O que quer dizer unívoco?
Estudá-lo-emos quando estudarmos as Categorias. Tanto o homem como a
zebra, como o cisne, como o cavalo, como a mosca podem dizer-se
univocamente animais. O cisne é tão animal quanto a mosca, que é tão animal
como a cobra, que é tão animal como o gato. Isto se diz univocamente. Pois
bem, são as chamadas partes subjetivas de um todo universal. Não lhes pus isso
em documento porque isto estará na transcrição da aula. Um todo universal
divide-se em parte subjetivas, com respeito às quais pode atribuir-se
univocamente este todo. A atribuição unívoca se dá, então, com respeito a quê?
Ao todo universal que se divide em partes subjetivas. Esta é a segunda maneira
de ser todo e de ser parte.

Há uma terceira maneira, que é um pouquinho mais complicado, mas nada de


outro mundo. É o chamado todo potencial, que se compõe de partes potenciais.
Tome-se a alma humana (estudaremos no ponto da psicologia). A alma humana
é composta de três partes: a parte vegetativa ou nutritiva (que tem que ver com
o crescimento), a parte sensitiva (que compartilhamos com os animais brutos ou
irracionais) e temos, enfim, aquela parte superior, que é a parte intelectiva,
composta de intelecto e vontade. Pois bem, destas três partes podem dizer-se
que são humanas, mas, a intelectiva é mais humana que a sensitiva, que é mais
humana que a vegetativa. Isto é que é um todo potencial composto de partes
potenciais. É na parte intelectiva que está a plenitude da alma humana, mas as
outras partes também se podem dizer humanas.
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Muito bem. Esses são os três modos de ser todo e de ser parte: o primeiro é o
todo integral de partes integrais; o segundo é todo universal de partes subjetivas;
o terceiro é o todo potencial de partes potenciais. Neste caso também se trata
de analogia. Vejam que, no primeiro caso, eu disse que se eu dissesse que o
teto é a casa, isso seria metafórico. Disse que o todo universal com partes
subjetivas se trata de univocidade. Agora, no caso do todo potencial, que se
divide em partes potenciais, se trata de analogia própria. Toda essa dificuldade
de analogia e univocidade será detidamente estudada, porque é de fundamental
importância na doutrina tomista.

Então, temos assim três modos de ser todo e três modos correspondentes de
ser parte. Antes ainda de ir para a Lógica, para ver como isto se aplica à Lógica,
vejamos como se aplica, em geral, à ciência, à arte e à prudência. Pois bem,
comecemos pelo todo e a parte na ciência. Qual é a ciência por excelência (digo
a ciência por excelência dentre aquelas se podem alcançar pela só razão, ou
seja, exclua-se aqui a Sagrada Teologia, porque parte de princípios que nossa
razão não alcança por si)? É a Metafísica. A Metafísica tem três nomes:
Metafísica, Filosofia Primeira ou Teologia (Teologia filosófica, obviamente).

Já se viu aqui a demora para definir o sujeito da Lógica; como nos foi árduo, mas
como foi necessário. Então, anteciparei aqui, ao modo de seta, o sujeito da
Metafísica. O sujeito da Metafísica é o ente enquanto ente. Diga-se, desde já,
para os que lêem livros fora de nosso percurso, que, em geral, mesmo os
tomistas e certamente os aristotélicos modernos traduzem ‘ente’ (ens, entis)
equivocadamente por ‘ser’, por exemplo, o equívoco de Pierre Aubenque. São
coisas que se há de distinguir com cuidado, para que não nos embaralhemos
nas nossas pernas ao percorrer doutrinas tão complexas, como a de Aristóteles
e São Tomás.

Pois bem, o sujeito da Metafísica não é o ser enquanto ser, como se lê em tantos
autores importantes, como Étienne Gilson e Garrigou-Lagrange; o sujeito da
Metafísica é o ente enquanto ente. Tenha isto valor de seta e de guia para o que
vou dizer agora. Assim como a casa é um todo integral que tem partes integrais
(o telhado, as paredes e os fundamentos), assim também a Metafísica tem suas
partes integrais. Quais são? São os primeiros princípios comuns do ente. Que
primeiros princípios são esses? O princípio da contradição, o princípio do terceiro
excluído. Isto é parte da Metafísica. Mas mais que isso, é parte da Metafísica o
ente primeiro, que é Deus. E diga-se, contra boa parte dos tomistas, não
considero o princípio de identidade (direi por que em seu devido momento, ou
seja, ao estudarmos os Segundos Analíticos).

Outra parte da Metafísica são as propriedades transcendentais, de que já falei


hoje, e que se estudarão primeiramente na Lógica, mas só cabalmente na
Metafísica. Também é parte da Metafísica o ente enquanto inteligido. Vejam
como a Lógica não pode entender-se completamente senão na mesma
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Metafísica. Portanto, os primeiros princípios comuns a tudo, o ente primeiro


(Deus), as propriedades transcendentais e o ente enquanto inteligido são partes
da Metafísica. Mas que partes são essas? São partes integrais.

Mas vejam que a Metafísica também é um todo potencial de partes potenciais.


Que todo potencial é este? Que partes potenciais são essas? Uma dessas partes
é aquela que estuda o ens quantum (o ente segundo a quantidade), ou seja, a
Matemática, e a outra parte é aquela que estuda o ente móvel, a saber, a Física.
A Física e a Matemática são partes potenciais da Metafísica, porque podem
dizer-se ciências também, mas não são tão ciência como o é a ciência por
excelência, que é a Metafísica. Mas estas mesmas partes potenciais da
Metafísica são, por sua vez, todos universais que se dividem, cada um deles, em
partes subjetivas. Como assim? A Física ou ciência natural tem partes subjetivas,
que partes subjetivas são essas? A Cosmologia ou Física Especial, a Química,
a Biologia e a Psicologia. São partes subjetivas porque todas elas podem dizer-
se univocamente Ciência Natural; assim, a Cosmologia é uma ciência natural; a
Química é uma ciência natural; a Biologia é uma ciência natural; a Psicologia é
uma ciência natural, embora, no caso da Psicologia, a assunto seja muito mais
complexo. A Matemática também tem partes subjetivas (Aritmética e Geometria).
São partes subjetivas do todo universal chamado Matemática.

Pois bem, podemos agora aplicar estes três modos de ser todo e de ser partes
à arte, tomando sempre exemplos. Comecemos pela arte edilícia por excelência,
que é a Arquitetura. A Arquitetura é a arte edilícia por excelência. Pois bem, são
partes da Arquitetura os elementos arquitetônicos de um cômodo da casa --
fazem parte da Arquitetura assim como os primeiros princípios comuns fazem
parte da Metafísica --, as casas todas de uma cidade, as construções para uma
família, a construção de um hospital, a de uma fábrica, a de um quartel. Cada
uma destas partes, repita-se, não são artes especiais, pertencem todas à
Arquitetura, ou seja, são partes integrantes, e sem uma delas não se dá a arte
da Arquitetura; e a prova é que basta, para todas estas partes da arquitetura, um
só artista, o arquiteto. Então, antes de tudo, a Arquitetura é um todo integral de
partes integrais.

Mas tomemos, agora, a arte da carpintaria, do pedreiro, a arte da eletricidade


(vejam quão distantes estamos aqui do sentido restrito que hoje se dá à arte). A
arte é a reta razão dos factíveis. Logo, a Carpintaria, a arte do pedreiro, a arte
da pintura, da eletricidade são todas partes subjetivas das artes edilícias. A
Carpintaria é uma arte edilícia? Sim, o é. A eletricidade é uma arte edilícia? Sim,
o é. A pintura é uma arte edilícia? Sim, o é, assim como tanto o cisne, como a
zebra, como a mosca são univocamente animais. Cada uma dessas artes se
dizem igualmente arte edilícia, e a prova está em que para cada uma dessas
artes é preciso um artista próprio, distinto dos demais.
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Agora, vejamos como se pode considerar a coisa como um todo potencial


composto de partes potenciais. Provemo-lo. Com efeito, a arte do engenheiro
civil e a arte do construtor são partes potenciais da arte do arquiteto. Explique-
se. A primeira delas, ou seja, a arte do engenheiro civil, com respeito à arte do
arquiteto, tem uma função deliberativa. Por quê? Com respeito ao projeto do
arquiteto a arte do engenheiro civil tem uma função deliberativa, porque ela é
que determina os meios concretos com que a obra pode ser feita. E a arte do
construtor? Se a arte do engenheiro civil tinha uma função deliberativa com
respeito ao projeto do arquiteto, e determina os meios pelos quais se pode levar
a cabo o projeto do arquiteto, a segunda, ou seja, a arte do construtor tem uma
função executiva. Ela, com efeito, leva a efeito o projeto já determinado. Pois
bem, tanto a arte do engenheiro civil como a arte do construtor são artes
arquitetônicas, mas não tão plenas como a arte do arquiteto.

Vejam, podemos tem uma analogia com a música. O compositor compõe a


música, põe-na numa partitura. Pois bem, o maestro está para o compositor
assim como o engenheiro civil está para o arquiteto; e os músicos da orquestra,
que executam a música, estão para o compositor assim como o construtor está
para o arquiteto. Vejam, o compositor compõe a música assim como o arquiteto
faz o projeto da obra; o maestro da orquestra delibera quanto aos meios de
execução desta obra; e os músicos executam a obra composta assim como o
construtor leva a cabo o projeto do arquiteto. Mais uma vez, apesar de que aqui
nos falta um pouco as palavras, o fato é que os músicos são menos músicos que
o maestro, que é menos músico que o compositor, que o é plenamente. Estamos
no campo da plena analogia.

Então, vimos um todo e suas partes, de um modo geral. O todo e as partes na


ciência. O todo e as partes nas artes. Resta-nos estudar como se aplica o tríplice
modo de ser todo e ser parte à virtude da prudência (phrónesis). Uma vez mais,
para quem quiser comparar com o estudo de Santo Tomás a respeito da
Prudência, veja aqui outro livro de Pierre Aubenque, “A Prudência em Aristóteles”
(La Prudence chez Aristote). Este assunto é o mais complexo de toda esta aula:
a aplicação do tríplice modo de ser todo e de ser parte à virtude da Prudência.

Breves considerações antes de entrar no assunto. O estudo da Prudência, e das


virtudes em geral, é magnífico na Suma Teológica, é um dos ápices do tomismo.
Vou antecipar este estudo para o ponto da Ética, porque Santo Tomás
incorporou a Ética à Teologia Sagrada. Ao estudarmos a Ética não nos
limitaremos aos livros éticos ou morais de Aristóteles, e seu comentário por
Santo Tomás. Pois bem, como é um ponto de alta complexidade, não seria
absolutamente necessário expô-lo aqui, mas fique como seta e fique como uma
espécie de tira-gosto, que aumentará nosso apetite de chegar à Ética e depois
à Teologia Sagrada.
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Pois bem, é o único documento dessa aula, chamado ‘Das partes da prudência’.
Que fiz eu? Traduzi um trecho de Santo Tomás de Aquino em sua Suma
Teológica, II-II, q. 47, artigo único. Vou lê-lo com certas explicações na medida
do necessário. Então, trata-se de aplicar o tríplice modo de ser todo e de ser
parte à virtude da prudência. Diz Santo Tomás: “Pode distinguir-se um triplo
gênero de partes [ele aqui não vai senão insistir nisso que já dissemos]: integrais,
como são partes de uma casa a parede, o telhado e o fundamento; subjetivas,
como a vaca e o leão no gênero animal; potenciais, como a virtude nutritiva e a
sensitiva na alma. Assim, pois, são três os modos de poder atribuir partes a uma
virtude.

→ O primeiro, por semelhança com as partes integrais [cujo exemplo dado por
São Tomás são as partes integrais da casa]. Neste caso se diz que são partes de
determinada virtude aqueles elementos que necessariamente devem concorrer
para o ato perfeito dela [assim como as partes integrais da Metafísica deve estar todas
nela, sem o que a Metafísica não será perfeita; e, assim como as partes do violão ou
estarão no violão, ou o violão não emitirá som algum]. E assim se podem tomar oito
para a prudência. Destas oito, cinco pertencem à prudência como cognoscitiva
[algo cognoscitivo é algo que conhece], ou seja, a memória, a razão, a inteligência,
a docilidade e a sagacidade; as outras três lhe pertencem como preceptivas,
aplicando o conhecimento à obra, a saber: a previsão ou providência, a
circunspeção e a precaução [vejam que magnífico, vejam a catedral que é esta
doutrina, vejam a superioridade dela com respeito a todas as demais].

→ As partes subjetivas de uma virtude chamamo-las espécies dela.


Consideradas assim, são partes da prudência em sentido próprio a prudência
com que cada um se governa a si mesmo e a prudência ordenada ao governo
da multidão [dupla parte subjetiva, ambas se dizem prudência igualmente]; as duas
são especificamente distintas entre si. A prudência que governa a multidão
diversifica-se, por sua vez, segundo as distintas espécies de multidão. Há, em
primeiro lugar, uma multidão congregada em ordem a um negócio particular,
assim como o exército se reúne para lutar, e dele se encarrega a prudência
militar. Outra multidão se forma para toda a vida, como a casa ou a família, e
esta se rege pela prudência econômica [a econômica é, antes de tudo, familiar; é o
governo da família, que se desdobra socialmente]; ou a agrupação de uma cidade ou
de uma nação, para cuja direção reside no chefe a prudência governativa; nos
súditos, em contrapartida, está a prudência política propriamente dita.

→ Consideram-se igualmente partes potenciais de uma virtude as virtudes


anexas ordenadas a outros atos ou matérias secundárias porque não possuem
a potencialidade total da virtude principal [assim como a parte nutritiva e a parte
sensitiva não possuem a potencialidade total da virtude intelectiva]. Neste sentido,
consideram-se partes da prudência a eubulia, que se refere ao conselho
[conselho aqui não é propriamente o conselho que eu dou a alguém, senão que o
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conselho quer dizer aqui a boa decisão]; a sínese, ou bom 2 senso, para julgar o que
acontece ordinariamente; e a gnome, ou perspicácia, para julgar aquelas
circunstâncias em que é conveniente, às vezes, afastar-se das leis comuns. A
prudência, por seu lado, ocupa-se do ato principal, que é o preceito ou império
[agir com império é agir ordenando].”

Belíssimo tudo isso, não? Sirva de seta imensa para que vocês já possam
saborear algo desta parte magnífica da doutrina aristotélico-tomista. Pois bem,
visto como o tríplice modo de ser todo e de ser partes -- todo integral de partes
integrais, todo universal de partes subjetivas e todo potencial de partes
potenciais – se aplica à ciência em geral, à arte em geral e à virtude da prudência,
podemos ocupar-nos de como esse tríplice modo de ser todo e de ser partes se
aplicar à Lógica.

Comecemos pela Lógica como todo integral de partes integrais. Já vimos que o
ato de nossa razão se faz por divisões e definições. É por uma divisão da
substância que chegamos à definição de homem. Pois bem, essas divisões e
definições, por sua vez, implicam proposições. Estamos na segunda operação
(juízo ou composição e divisão). Assim, quando digo ‘os animais brutos não são
racionais’, isto é um juízo, que, por sua vez, implicam as demonstrações; são as
três operações do intelecto.

Pois bem, já vimos que cada uma destas operações é estudada por um tratado.
A primeira operação é estudada pelo tratado das Categorias ou Predicamentos
(de Aristóteles); a segunda operação é estudada pelo Peri Hermeneias (Sobre a
Interpretação); e a terceira operação é estudada pelos Analíticos (Anteriores e
Posteriores). Estes três tratados são partes integrais da Lógica. Aqui vamos dar
um salto para o todo potencial de partes potenciais; é a parte que mais me diz
respeito, não só na Suma Gramatical, mas no Das Artes do Belo.

Pois bem, diga-se, antes de tudo, que as artes se distinguem entre si, sobretudo,
pelo fim. De certo modo, há dois fins nas artes. O sujeito da arte já é um fim, mas
também há um fim último. Seja como for, é um assunto árduo, e ainda mais árduo
se se trata das artes do belo. As artes se distinguem, sobretudo, pelo fim.

A Dialética tem por fim alcançar a opinião mais provável. E a Lógica? A Lógica
tem por fim alcançar a ciência. Logo, com fins distintos, trata-se de artes
distintas. Mas, plenamente Lógica é a Lógica em sentido estrito, essa mesma
cujo fim é alcançar a ciência. Abaixo dela vem a Dialética, cujo fim é alcançar,
como já dito em alguma aula, a opinião mais provável, porque, com efeito, antes
de alcançarmos a ciência, alcançamos uma opinião, conquanto nem sempre seja
necessário ter antes uma opinião. A Dialética ensina a alcançar a opinião mais
provável, ou seja, ela visa a verossimilitude ou a inverossimilitude de uma
opinião.
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Depois da Dialética bem a Retórica. Ela, como diz Aristóteles, é correlativa da


Dialética, e seu fim é fazer amar o verossímil e odiar o inverossímil. Abaixo da
Retórica vem a Poética, ou seja, o conjunto das Artes do Belo. A Poética faz
propender ao verdadeiro mediante o belo, e faz afastar-se do falso mediante o
horrendo. Assim, a Poética conduz à Retórica; a Retórica conduz à Dialética; e
a Dialética, de certo modo, conduz à Lógica. Mas, estas três artes – Dialética,
Retórica e Poética – são lógica só potencialmente. A Poética é menos arte lógica
que a Retórica, que é menos arte lógica que a Dialética, que não é a Lógica
propriamente dita, razão por que propriamente dita lógica, só a Lógica stricto
sensu. A Dialética, a Poética e a Retórica são partes potenciais decrescentes.
Tudo isso está bem explicado por Aristóteles em seu livro ‘A Retórica’. Assim, a
Lógica pode ser um todo potencial de partes potenciais. Uma coisa que é
necessário dizer: a parte potencial da Retórica e da Poética, com respeito à
Lógica, é bem frágil.

Temos ainda, de certo modo, outra parte potencial da Lógica, que é a chamada
Sofística. Pois bem, já antecipei várias vezes que as artes e as ciências são
hábitos intelectuais, e todo hábito é uma virtude (estou simplificando e
antecipando). Ora, os sofistas visam a fazer que algo falso tenha a aparência de
verdadeiro. Esta é a “arte” dos sofistas; mas isto não é arte, porque aquilo que
tende a um fim mau não é virtude, e se não é virtude, é vício. O que é vício não
é hábito e nem arte. Então, em princípio, a sofística não é parte potencial da
Lógica, porque nem sequer é arte (isto essencialmente, per se), no entanto, per
accidens (acidentalmente) podemos usar a sofística especulativamente para um
fim bom. Assim, para flagrar os sofistas em pleno ato, e para impedir que nós
mesmos incorramos em sofismas ou falácias, que não tem lugar na ciência,
aprendermos a arte sofística.

Resta-nos ver, portanto, depois de haver visto que a Lógica é um todo integral
de partes integrais e um todo potencial de partes potenciais, a que ver se
também pode ser um todo universal de partes subjetivas. Pois bem, parece que
sim, e muitos até dizem que sim. Pois bem, há duas maneiras de ser um todo
universal de partes subjetivas. Uma maneira é como a Física ou Ciência Natural
é um todo universal de partes subjetivas. Com efeito, a Física ou Ciência Natural
tem as partes subjetivas, que são: a Cosmologia, a Química, a Biologia e a
Psicologia. Mas, ela mesma, a Física Geral -- conquanto as outras também se
digam univocamente ciências naturais –, é uma ciência. Neste primeiro modo de
ser todo universal com partes subjetivas há uma ciência geral.

Mas há um segundo modo de ser todo universal com partes subjetivas, é o caso
da prudência. Com efeito, a prudência é um todo universal que se divide,
primeiro, nas partes subjetivas, que são o governo de cada um sobre si mesmo
e o governo em ordem à multidão, este, por sua vez, se divide em vários. Mas,
isto que chamamos todo universal que é a prudência não existe à parte, ninguém
nunca viu a prudência à parte de suas partes subjetivas.
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Pois bem, parece que a Lógica é um todo universal composto de partes


subjetivas, assim como a Física Geral é um todo universal de partes subjetivas
(a Cosmologia, a Química, a Biologia e a Psicologia). Porque, com efeito, dizem
alguns que na introdução de cada uma das ciências (Matemática, Física,
Metafísica) trata-se de Lógica, porque a Lógica não existe senão para fazer
alcançar a ciência; e, como dito, no início de cada ciência há que haver uma
introdução lógica. Logo, a Lógica é um todo universal -- como o é a Física Geral
– com partes subjetivas, ou seja, a Lógica Matemática, a Lógica Metafísica. Mas
não é assim. Este é um equívoco, é um engano de ângulo. Porque, com efeito,
a Lógica trata dos entes de segunda intenção, mas quando se trata de aplicar
logicamente a Lógica à introdução de cada uma das ciências, já não se tratará
de entes de segunda intenção, mas entes de primeira intenção. Assim, quando
na introdução da Matemática, o matemático estuda logicamente seu sujeito já o
faz como ente de primeira intenção, e assim também o metafísico. Logo, a Lógica
não tem partes subjetivas. Logo, ela não é um todo universal.

Pois bem, disse eu na aula passada que hoje já terminaríamos o ponto da


unidade da Lógica, mas não o vamos fazer, não haveria tempo para isto; ficará
este término para outra aula. Ainda há que discutir a Lógica enquanto Lógica de
uso (utens) e enquanto Lógica de ensino (docens). Depois de ver isso é que
poderemos refutar cabalmente a distinção entre Lógica material e Lógica formal.
Para que entendam o rumo que a coisa tomará doravante: na próxima aula
terminaremos o ponto da unidade da Lógica; depois passaremos a estudar a
verdade da Lógica; depois a bondade da Lógica, ou seja, sua necessidade.

Ao terminar, na próxima aula, veremos também a opinião quanto à unidade de


outros tomistas, e em particular de João de Santo Tomás. Depois estudaremos
o método da Lógica, para depois estudar a ordem pedagógica da Lógica. Aí
terminamos a introdução. Mas vejam, neste ponto penúltimo, em que falaremos
um pouco do método da Lógica, está presente a questão das relações entre
Lógica e Linguagem, e entre Lógica e Gramática. Então, sempre digo que a
Gramática é uma arte subordinada à Lógica. Pois bem, faz pouco tempo algum
gramático me criticou isto, ou seja, o dizer que a Gramática é subordinada à
Lógica. Aliás, curiosamente, também o diz, embora muito brevemente, o
gramático Napoleão Mendes de Almeida; também o diz Othon Garcia. Mas o fato
é que algum gramático, de certo renome, criticou a Suma Gramatical, ainda que,
parece, não nomeando-me. Muito bem. Eu já havia prometido desde o anúncio
da Escola Tomista que faria questões disputadas para os alunos da Escola
Tomista. Pois bem, creio que será interessante para os alunos -- não só para ver
como se dava uma disputa medieval, mas para o próprio aprofundamento do
ponto – que eu convide este gramático ou alguém que o apóie (alguém que tenha
certa importância, obviamente) a que venha disputar comigo exclusivamente
para os alunos da Escola Tomista. Se o aceitar será em benefício da própria
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doutrina, mas se não aceitarem, manterei a cortesia de não revelar-lhes o nome.


Tomara que aceite.

Pois bem, termino esta aula com esta promessa, ou seja, a de convite a que
venham debater comigo este ponto tão importante. Ficamos por aqui nesta aula,
espero que lhes tenha sido de utilidade. Qualquer dúvida podem sempre
escrever-me, e muito obrigado pela atenção.

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