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A GEOGRAFIA FÍSICA COMO CIÊNCIA E AS

LEIS GEOGRÁFICAS GERAIS DA TERRA1


KALESNIK, S. V.

Embora a Geografia já existia há muitos séculos, seu objeto e seus objetivos acham-se
ainda parcialmente indeterminados e dão lugar à inúmeras discussões. Essa ausência de um ponto de
vista único quanto aos problemas é um entrave ao desenvolvimento de nossa Ciência.
Estudando a literatura mundial, facilmente nos damos conta de que infelizmente, só um
pequeno número de geógrafos se interessa pelas questões teóricas gerais, ou seja, pelos problemas
metodológicos da Geografia. A maioria prefere dedicar-se a pesquisas geográficas concretas, ou a
descrições geográficas de regiões e países diversos. Tais problemas, naturalmente, revestem-se de uma
importância toda especial, visto que as ciências não podem existir e desenvolver-se com proveito, se
não basearem em uma fundamentação teórica. Assim, por exemplo, os biólogos não conseguiram, até
o presente, chegar a uma definição unanimemente aceita de “espécie” e os climatólogos não podem
definir de um modo satisfatório a noção de “clima”, o que, entretanto, não impede nem à Biologia nem
a Climatologia de evoluírem, fazendo grandes progressos. Esses progressos seriam, porém, ainda mais
evidentes e rápidos se as definições fossem mais precisas. Também a Geografia faria hoje progressos
ainda mais efetivos se contasse com uma concepção teórica generalizadamente admitida. As ciências
não se tornam verdadeiras ciências se não quando se acham em condições de elaborarem suas próprias
teorias. A maior parte dos geógrafos soviéticos concordam no que diz respeito ao objeto da Geografia
em alguns pontos essenciais.

A GEOGRAFIA FÍSICA COMO CIÊNCIA - SEU OBJETO E SUAS FINALIDADES

Primeiramente, a Geografia é uma Ciência única, ou constitui um conjunto de ciências?


Como a palavra Geografia se emprega no singular, poder-se-ia supor que não designa
senão uma ciência única, mas, na verdade, já faz longo tempo que se emprega o termo para definir um
grupo todo de ciências naturais e sociais. As primeiras ciências desse grupo têm por objeto o estudo
das particularidades naturais da superfície do globo terrestre e as segundas, o estudo das condições e
das particularidades e da distribuição e do desenvolvimento da atividade econômica do homem nas
diferentes regiões e países da terra. É por isso que no singular o termo Geografia corresponde à noção
de Ciências Geográficas, no plural. Denominam-se Faculdade de Geografia, Instituto de Geografia,
Sociedade de Geografia às instituições que visam o ensino, o desenvolvimento ou a difusão de
conhecimentos ligados a todo o sistema das Ciências Geográficas, e não a um dos seus ramos tomados
separadamente.

1
Este artigo é o texto de duas conferências que o Prof. S. V. Kalesnik fez no Instituto de Geografia da
Universidade de Paris, pronunciadas em francês. O texto quase não foi alterado a fim de que as idéias expressas
sejam fielmente reproduzidas. Achamos que as concepções dos geógrafos soviéticos podem provocar reflexões
úteis (Nota do Tradutor).
2

Eis a enumeração das Ciências Naturais que fazem parte da família geográfica: Geografia
Física, Climatologia, Geomorfologia, Oceanografia, Hidrologia Continental, Pedologia, Geografia
Botânica, Zoogeografia, etc.
Quanto as ciências sociais, elas são representadas na Geografia pelos diversos ramos da
Geografia Econômica. Nessa enumeração, a Geomorfologia, a Climatologia, a Hidrologia, estão no
mesmo rol que a Geografia Física. Tais ciências estão diretamente ligadas à Geografia, mas não
constituem partes integrantes ou capítulos da Geografia Física. Disso resulta, então, que a Ciência a
que chamamos “Geografia Física” não representa absolutamente a soma total de ciências, tais como a
Geomorfologia, a Climatologia, a Hidrologia e outras. Um certo número de geógrafos franceses tem
sobre o assunto, opinião contrária à dos geógrafos soviéticos. Para estes, a Geografia Física é Ciência,
tão independente quanto a Geomorfologia, ela própria ciência independente.

Surge uma questão, como e por quais critérios se pode avaliar o valor integral de uma
ciência?
Esse valor é dado pelo próprio objeto das pesquisas da Ciência em questão. Se tal objeto
dá lugar a pesquisas inteiramente diferentes daquelas de outras ciências, se possui qualidade
nitidamente distinta e seu próprio caráter de estudo, a ciência que dele se ocupa toma um valor
completamente independente. Portanto, a ciência é considerada independente quando estudados por
outras ciências.
Cada Ciência Geográfica é uma Ciência independente, pois cada qual tem um objeto de
estudo que lhe pertence e que não coincide com os objetos de estudo de outras ciências. Assim, o
objeto das pesquisas da Geomorfologia vê-se que é o relevo; o clima, os oceanos do mundo, as bacias
hidrológicas da terra firme, os solos são igualmente objetos particulares das ciências que deles se
ocupam exclusivamente. Embora todas essas ciências estejam ligadas ao grupo das Ciências
Geográficas, os métodos de suas pesquisas não são de nenhum modo limitado, podendo cada uma
delas empregar não só os processos já há longo tempo estabelecidos na Geografia Física, por exemplo,
mas também os que se empregam em qualquer outra ciência, como Matemática, Física, Geologia, etc.
Tendo, pois, estabelecido que a Geografia Física é uma ciência independente, é
necessário definir o objeto de suas pesquisas.
Se lançarmos um rápido olhar para a história das Ciências Geográficas, podemos
imediatamente dar-nos conta de que toda atenção dos físico-geógrafos foi levada no decorrer dos
séculos para o mesmo objeto de estudo, isto é, para a superfície do globo terrestre. Conclui-se,
necessariamente, que o objeto da Geografia Física sempre foi à superfície da Terra.
Qual o sentido intrínseco da noção de superfície da Terra?
Notou-se há muito, que a Terra, enquanto Planeta, é constituída de várias esferas que envolvem umas
às outras. O primeiro desses invólucros exteriores é o invólucro de gás, a atmosfera, sob a qual se
acham a hidrosfera e a litosfera. O interior da Terra é igualmente composta de camadas que possuem
diferentes propriedades. Algumas dessas camadas estão distantes uma da outra, que não podem
exercer nenhuma influência física recíproca imediata. Na superfície da terra, porém, a água, o ar, os
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organismos e as substâncias minerais não só entram em contato direto, penetram-se umas as outras,
influenciam-se reciprocamente, achando-se assim, em relações extremamente complexas. Quase todo
calor do Sol concentra-se na superfície da Terra e não pode penetrar nem do interior do globo, nem de
modo levemente eficaz nas camadas da atmosfera mais afastadas da Terra. É só na superfície da Terra.
É só na superfície da Terra ou na sua proximidade que a vida se desenvolve. É aí que mais
intensamente se efetivam os processos determinados pela energia solar do espaço cósmico, da ação da
água, dos ventos, do globo, etc., é aí que se fazem sentir com nitidez bem característica as
conseqüências de influências contrárias às quais são submetidas esses processos nas suas relações
com outro grupo de processos, provocados pelo calor interno da Terra, pelos diversos movimentos da
crosta terrestre. Enfim, não é senão na superfície da Terra e em nenhuma outra parte, que se efetua a
formação dos solos e das rochas sedimentares e que podem existir os três estados físicos das
substâncias – os corpos sólidos, líquidos e gasosos.
Todos esses dados, tomados em conjunto, permitem estabelecer que a superfície da Terra
e as partes da atmosfera e da hidrosfera que lhes são as mais próximas constituem um domínio que,
por sua qualidade, se distingue de todos os outros invólucros do nosso Planeta.
Ao falar da superfície da Terra como objeto de sua Ciência, o físico-geógrafo visa não só
a superfície física ou matemática da Terra, mas a um sistema material completo que constitui um todo
absoluto, um envoltório terrestre especial que se distingue dos outros invólucros do Planeta pela
extrema complexidade de seus elementos e de sua estrutura. Pelo aspecto, esse sistema representa em
cada momento dado, uma certa combinação do relevo da litosfera, de sua estrutura geológica e de seus
complexos litológicos, das massas de ar e de água, dos solos e do mundo orgânico na mais ampla
acepção da palavra.
Esse sistema deve, antes de tudo, ser estudado sob seus dois aspectos essenciais:
- 1º. como um todo único e completo, como um complexo regular de classes de fenômenos, é um
gênero de estudo complicado e orientado unicamente para a realidade concreta; - 2º. em cada uma das
partes integrantes do sistema, ou todo um grupo de suas partes, é um estudo que compreende agora,
certos elementos de abstração.
Esses dois métodos têm absoluta razão de ser, são ambos sucessórios desenvolvem-se
paralelamente e prestam-se serviços recíprocos, mas é claro que tomando formalmente o total das
informações fornecidas pelo segundo, não poderemos de nenhum modo, obter os dados resultantes do
estudo da superfície terrestre, de acordo com o primeiro.
Muitas ciências estudam separadamente as partes essenciais do sistema complicado da
natureza terrestre que acabamos de descrever. Mas o sistema tomado por inteiro, como um todo único
que representa uma composição natural regida por leis determinadas, só serve de objeto de estudo a
uma única Ciência Geográfica à Geografia Física. É o que explica porque a cada camada externa do
globo terrestre recebe o nome de camada geográfica da Terra (Landschaft-sphère ou, segundo outros
autores, esfera geográfica, geócore, ou meio geográfico).
Quais são os limites da Landschaft-esfera? Baseando-nos na definição que acabamos de
propor, podemos supor que se estende, em altura, a partir da superfície física da Terra até a
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estratosfera, pois que toda a troposfera com suas massas de ar, põe-se diretamente em relação ativa e
recíproca com a superfície da Terra.
Quanto a crosta terrestre, é penetrada pela Landschaft-esfera até a profundidade de 4 a 5
Km, correspondente a espessura média do invólucro das rochas sedimentares formadas sob a
influência da litosfera, da atmosfera, os organismos e da hidrosfera. O máximo estabelecido do
afundamento da superfície da litosfera sobre o nível do oceano mundial (nos geossinclinais, de 15 a 20
Km) vem a ser o limite inferior extremo da Landschaft-esfera. Toda a espessura da hidrosfera e o
mundo orgânico no seu conjunto, estão também compreendidos na Landschaft-esfera da Terra. Ao
todo, sua espessura não vai além de 30 a 35 Km.
As partes integrantes essenciais, ou por outras palavras os componentes da estrutura da
Landschaft-esfera da Terra são o relevo com a combinação de suas substâncias, isto é, com as rochas
sedimentares, as massas de ar, o calor solar que atinge a Terra, as diversas formas das bacias
hidrológicas, os solos e o mundo orgânico com toda a variedade de associações vegetais e animais.
A Geografia Física estuda a Landschaft-esfera nas suas relações com a sua composição,
na sua estrutura, no seu desenvolvimento e na sua distribuição territorial. Esses aspectos diferentes de
pesquisa constituem um todo intimamente ligado.
O conteúdo da Landschaft-esfera compõe-se do conjunto das influências combinadas e
recíprocas de seus componentes. Como esses componentes formam combinações diversas nas diversas
partes da superfície do globo, esta resulta dividida em numerosas regiões que se distinguem umas das
outras pelo aspecto e pela composição. Diz-se então que as estruturas da Landschaft-esfera diferem
segundo os lugares, designando-se sob a expressão estrutura, o caráter de interação e de ações
recíprocas entre os diversos componentes. Assim, por exemplo, as combinações do relevo, do calor e
da umidade, dos solos, da vegetação e dos outros componentes da Criméia diferem da Bacia de Paris.
Na Groelândia tal combinação é diversa da dos desertos da Ásia. Uma viagem de avião permite que se
constate com facilidade e em pouco tempo o fracionamento de terra firme em regiões de características
diferentes. As pesquisas efetuadas na superfície oceânica e na superfície do fundo dos mares que
também aí se encontram regiões diferentes que se distinguem uma das outras por toda uma série de
particularidades, que igualmente resultam do caráter diferente das combinações, das relações
recíprocas e das interações dos componentes pelos quais se constituem as diversas partes dessas
superfícies.
Podemos pois concluir que nos limites da Landschaft-esfera, onde se encontram em
contato as rochas sedimentares, a água e o ar (a terra firme), ou apenas a água e o ar (a superfície do
oceano), ou as rochas sedimentares e a água (o fundo dos mares) existem diferenças territoriais
nitidamente delineadas, embora em todos os casos citados, a combinação dos componentes da
Landschaft-esfera continue sendo sempre a mesma, como por exemplo o da terra firme, ou não mude
senão muito pouco, como por exemplo, o da superfície do oceano, na qual não entram o relevo e os
solos.
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Na Geografia Física, as regiões da superfície terrestre que se distinguem das outras por
suas qualidades, possuem limites naturais e cada qual constitui um conjunto único de objetos e de
fenômenos ligados entre si por relações e influências recíprocas e regidas pelas leis internas.
A presença de traços semelhantes nas paisagens geográficas vizinhas permite reuni-las
em grupos que possuem uma série de indícios semelhantes e são, por sua vez, unidos em grupos ainda
maiores. O limite extremo que essa “integração” taxonômica procura atingir é a superfície da Terra
tomada no seu conjunto. É justamente por ser a existência das paisagens geográficas uma das
particularidades, a mais característica da superfície da Terra, que denominamos esta última de
Landschaft-esfera da Terra.
Cada paisagem geográfica tem traços próprios, mas, do ponto de vista taxonômico, a
unidade superior caracteriza-se não só pela soma das peculiaridades das paisagens geográficas por ela
compreendidas, mas também por esta conformidade que exige pesquisas especiais. Por outro lado, os
traços particulares, individuais da paisagem geográfica, não são um indício de seu isolamento em
relação às outras regiões. Pelo contrário, todas as paisagens geográficas que lhes determinam, a
qualidade predominante e permitem distingui-las umas das outras, não aparecem senão no fundo e sob
a influência das leis que regem a estrutura e o desenvolvimento de toda a superfície terrestre.
Vemos assim, que a unidade interna da Landschaft-esfera não quer absolutamente
significar a sua uniformidade. A diversidade, a diferenciação territorial da Landschaft-esfera é
conseqüência direta de seu desenvolvimento irregular de um lugar para outro. A irregularidade dos
movimentos tectônicos que provocam o levantamento da crosta terrestre numa região seu afundamento
em outra, a desigualdade que se segue na distribuição da terra firme, do mar, e das formas diferentes
do relevo, a idade diferente dos terrenos, livre da cobertura glacial ou saídos do nível do mar, etc., são
outros fenômenos, que ligados ainda aos fenômenos da zonalidade vão dar no funcionamento da
superfície terrestre no curso de sua evolução em uma multidão de unidades físico-geográficas
concretas e reais, as paisagens geográficas e seus agrupamentos de graus diversos.
Os problemas especiais que constituem o objeto da Geografia Física são: a estrutura da
Landschaft-esfera, a diferenciação da estrutura durante seu desenvolvimento e, como conseqüência, o
fracionamento territorial atual que a envolve em unidades geográficas. O estudo desses problemas
apresenta imensa importância prática e científica. O conhecimento preciso da estrutura, isto é, o
caráter das relações internas entre os componentes, permite que se preveja a maneira pela qual se
comportaria os outros componentes, se um deles ou alguns entre eles fossem mudados de repente, por
acaso, ou por um ato consciente. Quanto ao conhecimento da direção do desenvolvimento, ele
permitirá julgar se as transformações dirigidas conscientemente ou provocadas por um acaso na
Landschaft-esfera irão a par da corrente natural dos processos da natureza ou se efetuarão justamente
em sentido contrário. Se o objetivo da Geografia Física é o conhecimento da Landschaft-esfera da
Terra, tomada por inteiro com as peculiaridades mais gerais de sua composição material, de sua
estrutura e de seu desenvolvimento. É o estudo das paisagens geográficas e de seus agrupamentos
diversos, com as particularidades especiais de sua estrutura e de seu desenvolvimento, todas elas
intimamente ligadas às Leis da Geografia Geral.
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A Geografia Física estuda, antes de mais nada, a Landschaft-esfera e as paisagens


geográficas em seu estudo atual. Porém, não se pode estudar com proveito a paisagem geográfica de
nossos dias, sem conhecer-lhe a origem, vale dizer, sem haver estudado as paisagens geográficas de
que ela resultou. Direi mais, as pesquisas científicas ficam incompletas se não se procura prever em
que a paisagem geográfica atual vai mudar. É por isso que, como já observamos anteriormente, a
Geografia Física compreende não só o estudo da composição e da estrutura do objeto dado, mas
também a constatação das leis de sua evolução, no passado e no futuro. Como a Landschaft-esfera no
seu todo e em cada paisagem geográfica tomada separadamente tem um longo passado e uma longa
história e como o estudo dessa história exige outros processos e outros métodos, é preciso distinguir
em Geografia Física, além da Geografia Geral e da Geografia Regional, um terceiro ramo de estudo, a
Paleogeografia, que se ocupa precisamente da história do desenvolvimento da Landschaft-esfera (a
Paleogeografia Geral) e as paisagens geográficas tomadas separadamente (Paleogeografia Regional)
em todo o decurso de sua existência.
Nestes últimos tempos, estamos vendo a Paleogeografia separar-se pouco a pouco da
Geografia Histórica, Ciência que trata das transformações que se efetuaram sob a influência sempre
crescente da sociedade humana.
A Geografia Econômica, porém, desempenha papel a parte. Se a Geografia Física tem por
finalidade o estudo das leis naturais espontâneas da Landschaft-esfera da Terra, sempre levando em
consideração a influência da sociedade humana sobre a natureza, a Geografia Econômica toma como
base de suas pesquisas o estudo das leis econômicas e sociais, levando sempre em conta a influência
das condições da natureza. Deste modo, a Geografia Física e a Geografia Econômica, ocupando-se de
fenômenos diferentes pelos seus princípios, não são apenas ciências interdependentes, como também
se relacionam a grupos de ciências diferentes: a Geografia Física faz parte das Ciências Naturais e a
Geografia Econômica pertence ao grupo das Ciências Sociais. Daí poder-se deduzir a impossibilidade
da existência de uma Geografia única, que englobe as Geografias Física e Econômica.
Mas essas duas ciências são todavia intimamente ligadas entre si, pois a sociedade
humana não pode existir a não ser no meio geográfico, sob cuja influência se acha; utiliza e refaz esse
meio geográfico, que constitui uma das condições constantes e necessárias da existência e do
desenvolvimento da sociedade humana.

LEIS GEOGRÁFICAS GERAIS DA TERRA

Sabe-se que cada ciência independente, achando-se numa dada etapa de sua evolução,
descobre leis adequadas ao objeto de seus estudos. Conhecemos a Química e as leis periódicas de
Mendelev, a Mecânica e as leis de Newton, na Biologia as leis de Darwin.
Se a Geografia Física é ciência independente, ela deve também descobrir as leis
características da existência e da evolução da Landschaft-esfera da Terra.
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1. Lei da Integridade da Landschaft-esfera

A existência e o desenvolvimento de cada um dos componentes da Landschaft-esfera


estão sujeitos às suas próprias leis. As da formação do solo não são as mesmas da formação do clima,
as leis do desenvolvimento da matéria inorgânica diferem das do mundo orgânico, mas a interação de
todos os componentes as une umas as outras, num sistema único e integral.
Profundas relações internas enlaçam toda a Landschaft-esfera. A forma da Terra
determina a distribuição da radiação solar, e por conseguinte, do calor. De um lado, a distribuição da
temperatura regulariza a evaporação e, pois, também a nebulosidade e as precipitações; de outro lado,
é a temperatura com as conexões feitas pela rotação da Terra sobre o próprio eixo que depende o
relevo básico.
Deste relevo dependem a direção e a força dos ventos, e destes aos quais é preciso
acrescentar os processos que regular as diferenças de nível do oceano – dependem as correntes
marítimas. Todas essas condições, tomadas no seu conjunto, criam as diversas particularidades do
clima. Considerando a influência do clima no seu conjunto ou em seus diversos elementos, podemos
estabelecer, com facilidade, as interações criadas pelas relações entre o clima e o relevo, o clima e a
formação do solo, o clima e o mundo orgânico, bem como a influência retroativa do relevo, dos solos
e do mundo orgânico sobre o próprio clima, sem falar das relações que já ligam os solos e os
organismos entre si. Inserindo assim, na análise geral os processos endógenos, podemos igualmente
estabelecer sua ligação íntima com os processos exteriores: é assim, por exemplo, que, se a formação
das montanhas modifica todo o conjunto dos processos exógenos, estes, por seu turno, se fazem sentir
na existência e na transformação das formas criadas pelas forças internas da Terra; a repartição das
matérias na superfície da Terra estimula as oscilações da crosta terrestre, fá-la dobrar-se sob o peso
das precipitações ou facilita o levantamento e o enrugamento das diversas partes da litosfera, ao fazer
com que desapareçam desses terrenos enormes massas de matéria. Logicamente, o homem está
inserido nesse sistema geral de relações: o meio geográfico o mantêm num estado de dependência do
qual não pode se libertar completamente. Não pode tão pouco substituir seja lá pelo que for às forças
da natureza, mas, ao mesmo tempo, ele mesmo exerce enorme pressão sobre o meio geográfico e
desempenha papel considerável no movimento circular das substâncias da Terra.
É óbvio que as relações e as interinfluências da Landschaft-esfera sempre existiram tanto
no passado geológico quanto em nossos dias. R. Daly apresentou um dos mais vivos quadros dessas
relações na época quaternária, baseando-se em análises pormenorizadas de grande número de fatos.2
Nas épocas em que as condições naturais favoreceram a glaciação, vêm-se aparecer
geleiras e calotas glaciares enormes. Como cada geleira se compõe de precipitações atmosféricas
congeladas e como estas provém da umidade cuja maior parte resulta da evaporação do oceano
mundial, as provisões de umidade na terra firme sob forma de cobertura glaciária fazem
inevitavelmente baixar o nível de todo o oceano, de onde a umidade foi tomada.

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DALY, R. O mundo em transformação no período glacial. New Haven, 1935.
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O rebaixamento do nível do oceano far-se-á sentir diretamente e indiretamente sobre a


Terra. A influência direta acarretará o dissecamento da Shelf (bancos de areia) e assim desnudará parte
da plataforma continental; os continentes e ilhas aos quais se acrescentou uma superfície suplementar
de terra firme tomarão nova configuração; arquipélagos transformar-se-ão em ilhas, algumas ilhas
unir-se-ão aos continentes, continentes separados ficarão ligados entre si por “pontes” terrestres que
facilitarão a imigração de diversas espécies de animais e de vegetais, que assim, poderão distribuir-se
de novo e mudar a sua área de extensão. Para os organismos aquáticos, essas mesmas pontes tornar-se-
ão barreiras intransponíveis.
A influência indireta manifestar-se-á pelo abaixamento do nível de base dos rios
resultante do abaixamento do nível do oceano mundial. A erosão vertical reforçar-se-á, os vales
escavar-se-ão mais, o relevo da terra firme se tornará mais acidentado.
Durante os períodos interglaciários quentes, as águas resultantes do derretimento das
geleiras que recuaram voltam ao oceano, do qual tinham sido tomadas de empréstimo alguns milênios
antes, e levantam o nível do oceano, os shelfs recobrem-se de água; os continentes e as ilhas separam-
se, o nível de base do rio levanta-se estimulando a fase decrescente do relevo, a imigração da flora e
da fauna terrestre torna-se menor, a migração dos organismos aquáticos aumenta, as construções de
coral começam a brotar, etc.
Portanto, a Landschaft-esfera é um organismo ajustado de modo surpreendente: o
derretimento dos gelos perto da Groelândia ocorrido logo ou depois, repercutiu nos lugares mais
afastados dos continentes, onde se reflete pela ação erosiva dos rios, e nos mares tropicais, onde os
corais pelas suas construções de recifes e de atóis parecem querer atingir o mais depressa possível o
nível marinho que sobe.

2. O Processo Circular de Matérias da Landschaft-esfera

Toda a atmosfera apresenta um sistema de processo circular, basta lembrar o processo


circular das massas de ar entre o Equador e os Trópicos, movimento composto do ramo ascendente
acima do Equador, e o contra-alísio, do ramo descendente dos Trópicos. O sistema das correntes
marítimas caracteriza-se no hemisfério norte pelo movimento da água que se desloca na mesma
direção dos ponteiros do relógio e no hemisfério sul, pelo movimento da água em sentido contrário.
A água da Landschaft-esfera que para grandes e pequenos processos circulares ao passar
pelas fases líquidas, sólidas e gasosas, começa e termina seu curso no oceano mundial e seus domínios
intermediários de existência são os cursos fluviais, as depressões lacustres, a ecosfera, os vazios e os
canais litorâneos, os poros das rochas sedimentares e os corpos dos organismos.
O oxigênio que durante a respiração, os organismos absorvem, volta a atmosfera durante
a fotossíntese. O carbono, que as plantas verdes extraem do gás carbônico do ar e que utilizam na
formação de substâncias orgânicas, volta a atmosfera, graças ao processo de mineralização dos restos
orgânicos. O azoto, que se encontra nas combinações aluminosas em substâncias inassimiláveis pelas
plantas, pode ser novamente assimilado por elas e torna-se parte integrante de seu organismo, quando
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as matérias albuminóides dos corpos atrofiados são decompostas pelos micróbios até a sua
mineralização.
Os fenômenos vulcânicos tiram as matérias dos focos magmáticos à superfície, e aí esses
materiais transformam-se em rochas vulcânicas e plutônicas.
Os antigos terrenos eruptíveis destruídos pela decomposição das rochas, levados e
depositados em outro lugar, servem de base as rochas sedimentares. O afundamento das camadas
sedimentares nas profundezas, se de caráter progressivo, acarreta o metamorfismo das rochas, até sua
fusão se o afundamento atinge o domínio do magma: o processo circular terminou. O processo circular
da matéria efetua sempre na natureza ao mesmo tempo que o movimento circular da energia ligada a
essa substância. Assim, a evaporação da circunferência de uma roda que gira em linha reta.

3. Os Fenômenos Rítmicos

Uma das peculiaridades da Landschaft-esfera é representada por suas diversas


transformações rítmicas. Cada paisagem geográfica possui um ritmo diurno, o qual decorre uma
diferença nas relações internas das paisagens durante as diversas horas do dia e da noite. De modo
geral, cada paisagem geográfica possui um ritmo anual e sofre mudanças de acordo com as estações.
As biocenoses mudam de aspecto. Os regimes dos rios e das bacias hidrográficas transformam-se, bem
como o regime dos mares. O processo de decomposição das rochas sofre modificações de caráter e de
intensidade. Dá-se o mesmo com o processo da formação dos solos. Assim, nos desertos, na primavera
quando a umidade é grande, forma-se uma substância orgânica que se transforma em húmus, ao passo
que as diversas combinações dos solos lixiviados; no verão, o húmus sofre uma mineralização e ao
invés da lixiviação, produz-se uma subida capilar da umidade subterrânea e uma carga de sais solúveis
nos horizontes superiores do solo; quando o outono chega, as chuvas fazem com que os sais tornem a
descer a uma certa profundidade.
Os organismos aquáticos, em particular o zooplancton, ficam a noite nas camadas
superiores da água, onde as substâncias nutritivas se acham em maior quantidade. Durante as horas
diurnas, descem as camadas inferiores (200 a 250 m), a fim de não se tornarem, na dúvida, a presa dos
outros organismos; temos, pois, aqui, a reação rítmica adaptativa, criada pela seleção natural.
Acontece, por vezes, que tais ritmos diurnos e anuais coincidem, retornando-se
reciprocamente, em espaços situados nos polos, outras vezes ainda – e é o que acontece mais
freqüentemente – o ritmo diurno evolui sobre o fundo das mudanças sazonais; assim o ritmo diurno de
cada dia que se segue distingue-se pouco em seus resultados, e por seu caráter do ritmo do dia
precedente.
É muito importante observar que os ritmos diurnos e anuais, bem como os outros
processos circulares, não são tão pouco completamente formados sobre si mesmos.
Em geral, a Landschaft-esfera, tal como as paisagens geográficas, se modificam com a
idade e que esta deve ser contada semanas e por anos, por séculos ou por milênio. É verdade que nem
sempre notamos fenômenos no ritmo anual que consideramos como ritmo cíclico: cada outono, as
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folhas caem das árvores, no inverno elas se cobrem de neve, na primavera os rios transpõem as
margens; neste ano tudo acontece do mesmo modo que no ano passado na mesma estação. Porém, esse
caráter cíclico, que se afigura completo, não deve ocultar-nos a verdadeira essência da forma de
movimento a que chamamos ritmo.
O ritmo é um traço particular da Landschaft-esfera. Uma paisagem distingue-se de outra
não só pelo caráter da combinação do relevo, dos solos, da vegetação e de seus outros componentes,
distingue-se, de igual modo, pelo caráter de seu ritmo está compreendido na noção da estrutura da
paisagem, pois a interação dos componentes, que se exerce se organiza no tempo, é dotado de certa
linha de continuidade.
A causa do ritmo diurno e anual e os períodos são exatamente conhecidos. Mas há
também na Landschaft-esfera, fenômenos rítmicos que parecem não ter períodos regulares. São por
exemplo, como no aumento e a queda da temperatura num clima, o aparecimento depois do recuo das
geleiras; a subida e a descida do nível dos lagos, etc... Esses processos que se repetem em intervalos
regulares de tempo, contados por anos, ou dezenas de anos ou por séculos, constituem prova das
modificações que ocorrem na Landschaft-esfera e não podem separar de sua vida.

4. A Zonalidade

Pode-se estabelecer a existência das zonalidades por meio da generalização empírica dos
fenômenos que se podem observar na superfície do globo e sua análise aprofundada mostra ademais,
que a estrutura da Landschaft-esfera efetua não pode deixar de ser marcada com o sinete da zonalidade
(as zonas).
As causas principais da zonalidade são a forma da Terra e a posição da Terra em relação
ao Sol. Graças a distribuição zonal do poder radiante, tudo se torna zonal: as temperaturas, a
evaporação e a nebulosidade, o relevo barométrico, o sistema dos ventos, a salinidade das camadas
superiores da água do mar, o grau de saturação gasosa, os climas, os processos da decomposição das
rochas e da formação dos solos, a vegetação, o mundo animal, o caráter da rede hidrográfica, etc..
também as particularidades geoquímicas das passagens são zonais: o íon hidrogênio é característico
das tundras, da taiga, das florestas mistas, dos trópicos úmidos; o cálcio é das estepes e dos desertos; o
sódio, dos desertos; o ferro, das tundras e da taiga; o sílex e o alumínio, dos trópicos úmidos.
As zonas exprimir-se-iam idealmente se o relevo terrestre fosse uma planície úmida e se
as águas pudessem se distribuir com regularidade por todo o globo terrestre, isto é, se a terra firme
fosse simétrica, em relação a um dos meridianos. Em tal caso, as zonas do oeste para o leste, suceder-
se-iam, do norte ao sul em faixas regulares.
Mas a natureza não se parece com as matemáticas. O relevo do globo terrestre é
caprichoso em extremo: a terra firme e a água repartem-se de modo irregular as orlas de um continente
são banhadas por correntes frias, as de outro por correntes quentes, a radiação solar não se manifesta
de modo passivo na superfície terrestre. Está por vezes sujeita a transformações importantes; é por isso
que a estrutura zonal se afasta freqüentemente de um esquema ideal.
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A distribuição peculiar da umidade na América do Norte, causada pela situação das


cordilheiras, muda também a posição das zonas que, ao invés de se estenderem de acordo com os
paralelos, se tornam quase meridianos na parte européia da URSS, onde a continentalidade do clima se
revela no Noroeste ao Sul, as zonas, que se sucedem na mesma direção são tanto inclinadas e
estendem-se de OSO a LNL. O relevo dos países montanhosos torna mais complicada a zonalidade em
latitude. A extensão igual e contínua das zonas é interrompida tanto pelas peculiaridades do relevo
quanto pelos oceanos que separam os continentes. É verdade que, neste último caso a zonalidade não é
rompida, mas transformada por uma manifestação cuja causa reside na maior unidade do meio
aquático em relação ao meio terrestre. Entretanto, mesmo na superfície do oceano, e ninguém duvida,
por exemplo, que as diversas paisagens do Mar de Coral e do Mar da Groelândia pertencem a zonas de
paisagens diferentes.
As contradições essenciais da graduação é a queda rápida da temperatura com a altitude:
nesse caso é bem mais rápida que ao nível do mar, desde o equador aos pólos.
Há inegáveis analogias entre as zonas e os degraus verticais, não podendo ser de outro
modo porque tanto aqui como lá, tem-se em vista, em primeiro lugar, o regime do calor, seja qual for o
seu foco. Mas há também diferenças. Os componentes da Landschaft-esfera movimentam-se em
altitude e em latitude segundo um ritmo diferente. Freqüentemente, chegam a efetuar esse movimento
em sentido contrário. A quantidade de precipitação atmosférica, de baixo para cima, o regime de
luminosidade sofre, modificações de intensidade e de composição diversas das que se podem observar
nas planícies numa direção que nas latitudes altas às latitudes baixas; as mudanças da duração dos dias
e das noites são menores que nos movimentos que se efetua do Equador aos Polos, e nelas se mesclam
complicações de climas, relacionadas com o relevo, a exposição por vento, as condições de reserva de
água subterrâneas, a drenagem, a decomposição das rochas, etc. Disso resulta que os solos e as
biocenoses opulentam-se de traços novos que não possuem nas condições de zonalidade latitudinal.
Daí podermos concluir, pois, que os degraus verticais não são cópias das zonas latitudinais que lhes
correspondem, não sendo sequer as variantes particulares destas últimas, porque temos causas
diferentes na origem dos degraus verticais e horizontais. No primeiro caso, temos mudança do ângulo
de incidência da radiação solar sobre a superfície terrestre segundo a latitude; no segundo caso, uma
diminuição de temperatura em altitude.
A graduação vertical é mais especial que a zonalidade. Quase toda região montanhosa da
Terra possui seu próprio aspecto de pavimentação vertical, ou mesmo uma série interior de tais
espectros, segundo a exposição das vertentes, a extensão geral descritas de montanhas e sua situação
recíproca. Não é absolutamente necessário que os raios dos espectros imitem em rigor a linha de
continuidade das zonas de latitude; assim, por exemplo, a tundra não existe em montanhas, e é
substituída pela pavimentação de pastos de montanhas. Mas o grau de diferenciação desses espectros
dependem, entretanto, da presença de região montanhosa nos limites de tal ou qual zona latitudinal.
Duas cristas de montanhas de igual altura terão na tundra um espectro encurtado (somente nos
pavimentos da tundra e das neves eternas) e no Equador um espectro desdobrado até seu ponto
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máximo. Em tal caso como em muitos outros manifesta-se a expressão natural e legítima da ligação
das zonas de latitude e das graduações verticais.
Quando chamamos de Lei Mundial a zonalidade para sublinhar a importância toda
particular desse traço da estrutura da Landschaft-esfera, não empregamos o adjetivo mundial em seu
sentido literal. Não podemos, como fazem certos geógrafos, encarar a lei da zonalidade como fato
absoluto a explicá-la automaticamente a todos os fenômenos e a todos os tempos.
Em primeiro lugar, a zonalidade não se faz sentir em toda a espessura da Landschaft-
esfera. Não existe nas maiores profundidades do oceano (os traços de zonalidade que se podem notar
na repartição das vasas são causadas por fenômenos de zonalidade na superfície do oceano). Não
existe tampouco nas camadas superiores da troposfera e, nas camadas profundas da crosta terrestre.
Geralmente adapta-se à superfície física da Terra. À parte isso, a presença da zonalidade é
rigorosamente determinada pela posição absolutamente exata da Terra, no Sistema Solar, e em parta
também pelas dimensões da Terra. Se a Terra se achasse a mesma distância do Sol que Plutão, a
zonalidade não existiria: o calor solar que atingiria a Terra seria então mil e seiscentas vezes menos
forte que agora e sua superfície não apresentaria mais que um deserto de gelo sem fim. Se a Terra
tivesse dimensões bem menores que as suas dimensões reais, Ela perderia sua atmosfera, o que faria
desaparecer quase toda a zonalidade.
Não há nenhum indício de zonalidade na Lua, que praticamente não possui nenhuma
atmosfera, é precisamente essa ausência de zonalidade que dá a Geomorfologia da Lua seu aspecto
único, devendo se acrescentar que esse aspecto é determinado apenas pelos processos endógenos –
pelo vulcanismo e desmoronamentos). É fácil de observar a influência do afastamento do Sol e da
rarefação da atmosfera no planeta Marte, onde a zonalidade não se expressa senão pela presença de
duas calotas polares de neve e pelo esforço compreendido entre essas duas extremidades.
Por fim, as perturbações de zonalidade que se observam na Terra, em relação ao esquema
ideal, tão acentuado por vezes, que a zonalidade como que fica anulada, provam com clareza que a
Landschaft-esfera possui fatores possantes que podem e devem ser opostos à zonalidade. Tais fatores
denominam-se fatores sazonais ou regionais ou provinciais.
Tanto a zonalidade quanto a azonalidade são propriedades internas da Landschaft-esfera,
formando nela uma unidade contraditória. Ao mesmo tempo as causas primeiras que fazem surgir os
fenômenos de zonalidade e de azonalidade, situam-se além dos limites da Landschaft-esfera. A
primeira causa acha-se no espaço cósmico (o Sol) e a segunda, nas camadas profundas da Terra (as
forças tectônicas).
A radiação solar é condição necessária à formação de zonalidade. Quanto a própria
zonalidade, não representa a mera marca passiva das influências cósmicas: é uma criação da Terra,
uma espécie particular de transformação, por parte da Terra, das ações externas, a reação ativa da
Terra, causada exclusivamente pela forma do planeta e pelas propriedades de sua superfície. O feixe
de raios paralelos enviados pelo Sol não teria podido criar a zonalidade, se a Terra não fosse esférica.
Ao penetrar na Terra a energia solar não exerce apenas uma ação direta, transforma-se em outra
espécie de energia, entra no conteúdo da Landschaft-esfera e torna-se uma de suas partes internas.
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Mesmo a distribuição das zonas na Terra não é uma simples função da quantidade de radiação solar. A
natureza terrestre da zonalidade prova-se também pelo fato de que mal guiado a constância da
condição exterior, isto é, da radiação solar, as zonas de passagens no decorrer dos períodos geológicos,
se estenderam, se deslocaram, se transformaram profundamente.
As forças tectônicas constituem condição necessária do aparecimento da zonalidade.
Quanto a própria azonalidade, é criada pela reação da superfície terrestre, por sua estrutura, por sua
rigidez, ou sua maleabilidade, etc. Outros fenômenos correspondentes a esses fatos desenvolvem-se na
Terra: são os grandes levantamentos e as “subsisdências” que regularizam a distribuição da água e da
terra firme ou as faixas estreitas de construções montanhosas, o vulcanismo, os tremores de terra são
fenômenos de extrema importância da Landschaft-esfera, mas na sua gênese, eles não tem nenhuma
relação com a zonalidade, interrompem a regularidade das leis zonais e criam a variedade das leis
zonais e criam a variedade das zonas de paisagens.
Todavia, a própria zonalidade, utilizando as forças exógenas, põe sua marca nos
fenômenos de origem azonal. Isso explica que em qualquer momento, seja lá qual for a região, esta
traz simultaneamente a marca dos traços de zonalidade e azonalidade. A intensidade com que se fazem
sentir os traços de uma ou da outra é completamente determinado pelo grau de desenvolvimento da
região em apreço. Não há um só dos diversos aspectos dessa unidade contraditória que seja
inteiramente predominante nem inteiramente subordinado: a importância relativa da zonalidade
depende do lugar e do tempo.
As zonas de paisagem da superfície da Terra são categorias históricas tem seu começo e
suas fases de desenvolvimento. A paleogeografia provou que as manifestações de zonalidade na Terra
em diferentes períodos ora se reforçaram ora se enfraqueceram, mas a tendência geral do
desenvolvimento da Landschaft-esfera consiste no aumento de sua diferenciação zonal.
As condições zonais já se achavam presentes antes do aparecimento da vida na Terra: era
a zonalidade embrionária que não abarcava senão os corpos e os fenômenos inorgânicos. Então a
superfície terrestre era um deserto cujos elementos não se distinguiam um dos outros. Depois do
aparecimento dos protozoários e até o Paleozóico inferior, a terra firme tendo deixado de ser um
deserto, mal havia, entretanto, mudado de aspecto. As bactérias e as algas uniformes e ainda não
especializadas não podiam criar uma zonalidade biológica. A matéria viva é, por sua própria natureza,
azonal, mas recebem formas zonais no decurso de sua evolução e de sua adaptação ao meio. O
Devoniano é o período em que predominam as psilófitas, que são pequenas plantas do tipo das sarças.
No período que vai do carbonífero ao Cretáceo, a Terra estava coberta de densas florestas: a
zonalidade desse período é a zonalidade das formações florestais. A zona dos desertos e dos semi-
desertos não se formou senão no Terciário, a das florestas-estepes e das espetes só se formou no fim
do período terciário, as zonas da taiga e tundra no segundo período do Quaternário.
O desenvolvimento da zonalidade é acompanhado pela migração das zonas basta lembrar,
por exemplo, que durante o período do Paleôgeno, no sul da planície russa, as atuais estepes eram
ocupadas por florestas tropicais sempre verdes e que no mioceno estendiam-se Savanas numa enorme
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superfície da Eurásia que ia da península dos Pirineus à Mongólia. Em nossos dias, as zonas das
Florestas Tropicais e das Savanas acham-se bem distantes das latitudes temperadas

A CONTINUIDADE DA EVOLUÇÃO

Já chamamos a atenção para o fato de que a Landschaft-esfera é um sistema muito


complicado e que cada um dos seus componentes se transforma de acordo com leis que lhe são
próprias, mas ao mesmo tempo, é evidente que o desenvolvimento da Landschaft-esfera não pode ser
o total mecânico e fortuito do desenvolvimento separado dos seus componentes. A íntima unidade, a
intricação profunda e estreita das partes componentes da Landschaft-esfera fazem com que ela se
desenvolva como formação integralmente unida. Assim o processo de evolução da Landschaft-esfera é
processo complexo, interiormente contraditório, mas único. A prova de sua unidade é fornecida pelo
fato simples e evidente da evolução parcial dos componentes da Landschaft-esfera, a evolução de
todas as outras partes integrantes do conjunto. Tal fato revela grande analogia com o processo de vida,
que é único tanto quanto é constituído de processos parciais da nutrição da secreção, da respiração, do
crescimento, etc.
Discutiu-se, por longo tempo, na literatura geográfica sobre o que se deveria reputar
predominante na evolução da paisagem e da Landschaft-esfera: as influências externas ou os
estimulantes internos. Agora, porém, parece que esta discussão é vã.
A Landschaft-esfera desenvolve-se pela força de suas contradições internas. As
influências externas com a radiação solar criam as condições de seu desenvolvimento. Elas
determinam também seu desenvolvimento. Mas somente após sua refração nas particularidades
próprias da Landschaft-esfera onde sofrem uma transformação, ou antes uma espécie de assimilação.
O exterior não age, pois, senão, por intermédio do interior: tendo recebido a quantidade necessária de
calor, o ovo transforma-se em pinto mas o calor não pode transformar, por exemplo, uma pedra em
pinto porque sua qualidade é diversa.
Também o desenvolvimento da Landschaft-esfera no seu conjunto e o desenvolvimento
de cada paisagem a parte é sempre uma evolução que lhes é peculiar, uma evolução autônoma, que se
efetua em condições de meios especiais que lhe são estranhas e aos quais, entretanto, está intimamente
ligada. Se não levássemos em consideração senão os estimulantes internos, chegaríamos a isolar
artificialmente a paisagem de tudo que se acha a sua volta exterior; chegaríamos a negar a ligação
geral dos fenômenos; se ao contrário não considerássemos mais que os abalos externos do
desenvolvimento ou se só atribuíssemos as paisagens tomadas isoladamente, não consignando aos
outros fenômenos senão modificações acionadas por influências externas estaríamos renunciando ao
conhecimento das fontes de toda evolução.
A origem da evolução da Landschaft-esfera é o resultado do encontro de inúmeras
tendências contrárias que nela se acham unidas. A absorção e o despreendimento do calor, a ação
destrutiva da água e dos depósitos, em particular a erosão e a acumulação, o levantamento e o
afundamento da crosta terrestre, a interação do organismo e do meio, em especial, o metabolismo, a
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vida e a morte, a evaporação e a condensação, a transgressão e a regressão do mar, a interação dos


solos e das plantas, são outros tantos exemplos de contradições da Landschaft-esfera. Mas a
contradição essencial, sobre cuja base se realizam as contradições secundárias, vem a ser a contradição
de zonalidade e azonalidade, que exprimem as propriedades internas e as tendências da Landschaft-
esfera, ou, por outras palavras, a contradição de processos exógenos e endógenos, a da influência
recíproca da radiação solar na superfície da Terra e da tectônica.
Tal como a vemos hoje com toda a sua variedade de paisagens, a Landschaft-esfera é
formada pelo resultado de toda a marcha evolutiva da superfície terrestre e não apenas pela
combinação de suas atuais relações recíprocas de uma paisagem sem se ocupar de seu passado.
O processo de desenvolvimento da Landschaft-esfera que é, em sua essência, um
movimento de progressão, exprime-se exteriormente por sua forma cíclica, mas isso não passa de um
ciclismo fictício. Quando no ciclo geográfico do desenvolvimento do relevo, temos o esquema:
planície – região montanhosa – planície, esta segunda planície (a plena planície, planície plena) não é
uma volta à primeira, é uma formação nova.
Quando o afundamento da terra acarreta uma transgressão marinha, seguida de regressão,
a segunda terra firme desse ciclo (terra firme – mar – terra firme) tem caráter essencialmente diverso
da primeira, pois sua superfície é no início abrandada pelo mar que avança, depois é coberta por uma
série de sedimentos que não existem antes da transgressão. Quando as geleiras avançam, depois
recuam, o terreno abandonado pelo gelo adquiriu novas particularidades: um relevo original
modificado pela atividade das geleiras, novos depósitos, formas de acumulação glaciária, outra rede
hidrográfica, novas condições de vida do mundo orgânico, que deve retomar posse do território antes
ocupado pelo gelo.
Deste modo, as Leis Geográficas mais gerais da Terra, ou seja, as Leis da Landschaft-
esfera são as seguintes: integridade, unidade da sua composição e da sua estrutura, a existência
dos processos circulares da matéria e da energia, a presença do ritmo em seus fenômenos, a
coexistência na estrutura da Landschaft-esfera de particularidades zonais e a continuidade de
sua evolução cujo resultado é a luta dos processos exógenos e endógenos.

BIBLIOGRAFIA
KALESNIK, S. V. A Geografia Física como Ciência e as Leis Geográficas Gerais da Terra. Tradução
de Roberto Monteiro de Oliveira. Annales de Geographie, Paris, a. LXVII, v. 362, p. 385-403,
set/out, 1958.

Digitação: I. M. FERREIRA, Geografia-RC/UFG, 2003.

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