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GEOGRAFIA REGIONAL E DO

BRASIL
AULA 2

Prof. Kauê Avanzi


CONVERSA INICIAL

A Geografia é um saber estratégico para o Estado e para a sociedade.


Por isso, conhecer o território é, também, exercer poder sobre ele. Yves Lacoste,
em seu livro A Geografia serve antes de mais nada para fazer a guerra, dizia que
era necessário “conhecer o território para nele combater” (Lacoste, 1988, p. 115).
Neste sentido, quando falamos em relevo, clima e vegetação brasileiras,
estamos falando não só de elementos da chamada geografia física que estão
desconectados de nossa vida política, econômica e social, mas do uso
estratégico que, enquanto país, podemos fazer de nossas riquezas não somente
em momentos de crise, mas para o funcionamento de nossa vida cotidiana.
O preço do pão, da energia elétrica, o acesso ao emprego e à renda, os
direitos sociais e a forma como se produz e distribui a riqueza social do Brasil
dependem do conhecimento e uso do território.
Nesse sentido, faremos aqui a exposição de dois mapeamentos do Brasil,
tendo em vista conhecê-lo em suas feições geomorfológicas, climáticas,
biológicas e ambientais, assim como as apropriações pela sociedade brasileira.
Primeiramente, conheceremos o mapeamento do relevo brasileiro a partir
da perspectiva de Jurandyr Ross, baseado nas formas do relevo e na estrutura
geológica dos terrenos. A seguir, exporemos os domínios morfoclimáticos de
Aziz Ab’Saber, um mapeamento complexo que pensou o território a partir da
noção de paisagem e as interações entre relevo, clima, hidrografia e vegetação
que nelas ocorre.

TEMA 1 – GEOLOGIA BRASILEIRA

O professor Jurandyr Ross, da Universidade de São Paulo, elaborou um


complexo mapeamento do relevo brasileiro a partir de imagens de satélite e
dados obtidos com sua participação no projeto RADAMBrasil, de 1975. Para
entender o relevo brasileiro, no entanto, é necessário observar a geomorfologia
de todo o continente sul-americano.
A América do Sul (mapa 1) está sobre a Placa Sul-Americana, que na
borda Oeste é margeada pela Cordilheira dos Andes, formada entre os períodos
Mesozoico e Cenozoico pelo movimento convergente entre a placa Sul-
Americana e a de Nazca. Ao centro do continente, situam-se formações

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rochosas antigas, datadas do Pré-Cambriano e, ao Norte, na região das
Guianas, terrenos baixos de formação sedimentar (Ross, 2011).

Mapa 1 – Estruturas do relevo da América do Sul

Crédito: João Miguel.

Sendo assim, o Brasil possui terrenos que, de maneira geral, são do Éon
Fanerozoico, datados do Paleozoico e Mesozoico – de base sedimentar – e do
Pré-Cambriano – escudos cristalinos. Apesar da formação rochosa ser antiga,
as formas do relevo são recentes, provenientes do desgaste e da sedimentação
dos terrenos cristalinos.
Como método de análise do relevo brasileiro, Jurandyr Ross classifica o
território dividindo analiticamente as formações em estruturas e formas. As
estruturas dizem respeito, principalmente, à composição rochosa de cada
compartimento, sendo divididos em crátons, antigas estruturas cristalinas
compostas por rochas vulcânicas e metamórficas, desgastadas ao longo do
tempo pelos agentes erosivos; cinturões orogênicos, de formação mais recente
e provenientes de soerguimentos derivados de movimentos tectônicos; e bacias

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sedimentares, frutos do desgaste e sedimentação de regiões mais altas (mapa
2).
As formas dizem respeito às características das paisagens, suas áreas
planas ou de declives, sua homogeneidade ou heterogeneidade e estão
classificadas em Bacias Sedimentares (Amazônica, do Maranhão e do Paraná);
Dobramentos do Ciclo Brasiliano (Brasília e Paraguai-Araguaia); Coberturas
Sedimentares Correlatos ao Brasiliano e Crátons pré-brasilianos Amazônico,
São Francisco e Sul-Rio-Grandense.

Mapa 2 – As grandes estruturas do revelo brasileiro

Crédito: João Miguel.

TEMA 2 – GEOMORFOLOGIA E SOLOS BRASILEIROS

Da relação entre forma e estrutura desenvolve-se uma rica classificação


do relevo brasileiro, dividindo-o em 11 planaltos, 10 depressões e 5 planícies.
Os planaltos são os pontos de rocha mais resistentes à erosão e que, por isso,
soerguem-se na paisagem como uma sequência interminável de morros, de
altos e baixos em direção ao horizonte. As diferenças de resistência das rochas
formam depressões na paisagem, provenientes da erosão diferencial que ali
age.

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Um exemplo desse tipo de formação em pequena escala é o cartão postal
do Pão de Açúcar, na cidade do Rio de Janeiro, RJ (figura 1). Enquanto o Pão
de Açúcar e o Morro da Urca são compostos por orto-gnaisses, rochas bastante
resistentes, entre os dois há uma depressão formada por para-gnaisse, mais
frágil, gerando entre as duas formações rochosas uma porção do terreno com
solos mais profundos e, por consequência, com vegetação mais abundante e
diversa (Fernandes; Peixoto; Tupinambá et al., 2009). Ross (2011) classifica os
planaltos em 1. planaltos em bacias sedimentares; 2. planaltos em intrusões e
cobertura de resíduos; 3. planaltos em núcleos cristalinos arqueados e 4.
planaltos em cinturões orogênicos.

Figura 1 – Pão de Açúcar, na cidade do Rio de Janeiro-RJ

Crédito: Avanzi, 2014.

As depressões no Brasil possuem a característica de, no geral, serem


formadas por processos erosivos nas bordas das bacias sedimentares. Essa
característica não está presente, por exemplo, na depressão amazônica
ocidental. São terrenos baixos formados pela alternância da erosão química e
linear dos períodos úmidos alternadas a fases de erosão dos períodos secos nos
períodos Terciário e Quaternário, formando extensas manchas ao longo do
território Nacional.
As planícies, por outro lado, são formações derivadas do Quaternário, em
especial no Holoceno, e são áreas formadas da deposição recente de
sedimentos de origem marinha, lacustre ou fluvial. O litoral brasileiro oferece
bons exemplos de escarpas, como a Serra do Mar, que se estende por cerca de
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1000 quilômetros, do Norte de Santa Catarina até o Rio de Janeiro, que correm
ao lado de extensos terrenos monótonos da planície litorânea.
Essa conjunção entre formas e estruturas deu origem ao conhecido
mapeamento do relevo brasileiro, apresentado no mapa 3. Nele podemos
observar a paisagem geológica e geomorfológica do relevo brasileiro e as
diferentes maneiras como esses dois, forma e estrutura, interagem entre si.

Mapa 3 – Unidades do relevo brasileiro

Crédito: João Miguel.

TEMA 3 – HIDROLOGIA BRASILEIRA

O documentário Sertão Velho Cerrado (2018), dirigido por André D’Elia,


evidencia como o avanço do agronegócio – em especial as plantações de soja e
a criação de gado bovino – e da mineração sobre o bioma do Cerrado vêm
causando uma série de problemas ambientais tanto em comunidades
tradicionais, como o Quilombo Kalunga, que passam a ter suas vidas e seu modo
de viver afetados pelos empreendimentos que contaminam as águas, quanto
nacionais.
O Cerrado é um bioma que depende muito da água subterrânea infiltrada
no solo pelas chuvas. O longo período seco do inverno fez com que as plantas
desenvolvessem raízes profundas, que atingem o lençol freático, gerando toda
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uma dinâmica hídrica que é interrompida quando a vegetação típica é removida
por qualquer motivo. Tal fato faz com que grande parte das nascentes das
principais bacias hidrográficas brasileiras, que têm origem na região do Cerrado
(mapa 4), sejam comprometidas, reduzindo a vazão dos rios e prejudicando o
abastecimento de água e energia elétrica em grande parte das grandes cidades
brasileiras.

Mapa 4 – Divisão Hidrográfica Nacional, Resolução n. 32, do Conselho Nacional


de Recursos Hídricos, de 15 de outubro de 2003

Crédito: João Miguel.

TEMA 4 – CLIMAS BRASILEIROS

O Brasil é um país bastante diverso quando nos referimos também a suas


paisagens. No entanto, por muito tempo, essas foram descritas por naturalistas
europeus que, por sua pouca familiaridade com ambientes tropicais, acabavam
por destacar a homogeneidade destas, desconsiderando suas nuances e
sutilezas. Foi a fundação dos primeiros cursos universitários em geografia,
inicialmente construída por professores franceses e alemães, é que se começou
um trabalho mais intenso de descrição dos biomas, climas e paisagens
brasileiras.
O geógrafo Aziz Ab’Saber, em seu livro Os Domínios de Natureza no
Brasil, define que “a paisagem é sempre herança. Na verdade, ela é uma
herança em todo o sentido da palavra: herança de processos fisiográficos e

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biológicos, e patrimônio coletivo dos povos que historicamente as herdaram
como território de atuação de suas comunidades” (Ab’Saber, 2012. p. 9).
Se utilizando, então, dessa noção de paisagem, o geógrafo elabora uma
classificação das paisagens brasileiras em Domínios Morfoclimáticos, em que se
estabelecem regiões paisagísticas de acordo com características
geomorfológicas, climáticas e biológicas do território nacional. Para Aziz,

entendemos por domínio morfoclimático e fitogeográfico um conjunto


espacial de certa ordem de grandeza territorial – de centenas de
milhares a milhões de quilômetros quadrados de área onde haja um
esquema coerente de feições de relevo, tipos de solos, formas de
vegetação e condições climático-hidrológicas (Ab’Saber, 2012. p. 12).

Seguindo esses critérios, elabora-se então a classificação de seis grandes


domínios paisagísticos e macroecológicos do Brasil, sendo quatro intertropicais
e dois subtropicais (mapa 4). São eles: 1. domínio das terras baixas florestadas
da Amazônia; 2. o domínio dos chapadões centrais recobertos por cerrados,
cerradões e campestres; 3. o domínio das depressões interplanálticas
semiáridas do Nordeste; 4. o domínio dos “mares de morros” florestados; 5. o
domínio dos planaltos de araucárias e 6. uma região denominada faixa de
transição, onde se mesclariam elementos de dois ou mais domínios.

TEMA 5 – BIOMAS CONTINENTAIS BRASILEIROS

5.1 Domínio das terras baixas florestadas da Amazônia

Como o próprio nome já diz, se refere às regiões de terrenos baixos,


cobertos por nuvens carregadas de umidade devido à enorme quantidade de rios
meândricos e anamostosados e pela evapotranspiração da floresta latifoliada. O
Clima Equatorial, ou seja, quente e úmido, favorece o desenvolvimento da
biodiversidade, ainda mais quando observamos as diferenças entre os igapós
(zonas baixas e inundadas de maneira perene), as várzeas (inundadas no
período de chuvas de verão) e matas de terra firme.
As paisagens baixas são interrompidas de maneira brusca nas grimpas
de montanhas, presentes na região da Serra dos Carajás e na fronteira norte
brasileira, com a formação de enclaves cerrados e campestres revestidos por
densas matas de encosta.

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Mapa 5 – Domínios Morfoclimáticos Brasileiros (Áreas Nucleares – 1965)

Crédito: João Miguel.

Esse domínio foi ocupado com mais intensidade a partir da década de


1950, por projetos de colonização com vistas a explorar o potencial agrícola da
região, sem sucesso devido à pobreza dos solos quando desmatados. A
construção da rodovia Belém-Brasília integrou economicamente a Amazônia ao
resto do país, trazendo como consequências o aumento do desmatamento e de
violências contra as comunidades indígenas ali presentes, em especial para
atividades de mineração e da pecuária.

5.2 Domínio das Depressões Interplanálticas Semiáridas do Nordeste

O Domínio das Depressões Interplanálticas Semiáridas do Nordeste é


considerado a região semiárida mais povoada do mundo. Trata-se de uma área
de depressão situada entre dois planaltos e de clima seco, o que explica a baixa
decomposição química das rochas. Trata-se de uma grande diversidade de
Caatingas rústicas, um mosaico vegetal que se desenvolve em áreas de pouca
chuva (entre 350 e 600 mm anuais) devido aos ventos alísios, que graças à
orografia dos planaltos e às células de alta pressão no atlântico encontram
dificuldade em levar umidade para a região, que alterna entre os tons de amarelo

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e marrom na época de estiagem para um colorido muito vivo na época de
chuvas, entre dezembro e março.
Pontos de umidade são encontrados, em especial, nas zonas de
chapadas, como na Diamantina, na Bahia, e do Araripe, no Cariri cearense. É
possível também encontrar belíssimas formações de Inselbergs na Região de
Milagres (Bahia), Quixadá (Ceará), Caicó-Pau dos Ferros (Rio Grande do Norte)
etc. Trata-se de uma região com um potencial turístico pouco explorado, já que
conta com paisagens deslumbrantes em qualquer época do ano, e que sofre com
processos de desertificação e descolagem que, em conjunto com a estrutura
fundiária concentrada, deu origem a diversos problemas sociais, como os
históricos fluxos migratórios desta região em direção ao restante do país.

5.3 Domínio dos “Mares de Morros” Florestados

Trata-se de extensa área ao longo de todo o Brasil tropical Atlântico


caracterizada pela decomposição de grandes blocos de rochas cristalinas
sujeitas a processos de mamelonização. Possui características de relevo muito
diversas, variando em altitudes entre 10 m e 1.300m, alternadas por planícies
fluviolacustres típicas dos períodos Pleistoceno e Holoceno, por onde desaguam
rios preguiçosos e meândricos, como nas regiões das cidades de Curitiba e São
Paulo. As precipitações anuais, que variam entre 1.100 e 4.000 mm junto ao
clima tropical, formam densas florestas que recobrem os diversos níveis dos
morros e escarpas do tipo “Serra do Mar”.
É o meio físico brasileiro mais afetado pelas atividades humanas, em
especial por abrigar grandes centros urbanos como São Paulo e Rio de Janeiro,
mas também pelos sucessivos ciclos agrícolas que determinaram e determinam
a vida econômica da região. É também uma zona que, por sua ocupação, sofre
com constantes movimentos de massa nos morros sujeitos a deslizamentos e
escorregamentos que, quando habitados, podem gerar grandes tragédias
sociais e humanitárias.

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Figura 2 – Área de Mata Atlântica na região de Visconde de Mauá, região serrana
do Estado do Rio de Janeiro

Crédito: Kauê Avanzi.

5.4 Domínio dos Chapadões recobertos por Cerrados e penetrados por


Florestas-Galeria

Trata-se de um extenso domínio que se espraia pelo interior do Brasil. Um


tipo paisagístico equivalente às savanas africanas, como que circundando
florestas tropicais, porém com caráter menos longitudinal e mais interiorizado
que essa.
Trata-se de planaltos de origem sedimentar, pouco mamelonados, onde
as regiões mais rebaixadas (300 m), em geral próximas ao leito dos rios
espaçados, apresentam vegetação mais densa, com grande presença de
árvores de caule fino e retorcido e folhas duras e esparsas. Esses vales
compartimentam as regiões de maior altitude (1700 m) mais secas e com maior
predominância de gramíneas de caule grosso e resistente.
Em geral, apresentam solos pobres para a agricultura (em especial um
latossolo de vermelho bastante vivo, que impregna por tudo ao redor), mas que
arenosos, funcionam como esponja para a infiltração de água, sendo um
ambiente muito rico em água subterrânea. Daí que muitas das nascentes de
importantes rios do país ter origem nos Cerrados.
Ambiente de poucas chuvas no inverno, especialmente, mas de bastante
pluviosidade durante o verão, nos meses de dezembro e janeiro. Existem
cânions e chapadas, como a Chapada dos Veadeiros e dos Guimarães, onde há

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grandes concentrações de cristais e minerais, em especial quartzo, e de quebras
de nível que dão origem a lindas cachoeiras e sítios com águas termais, devido
a proximidades com áreas onde, no passado, ocorreu intenso vulcanismo,
fazendo das águas dos rios naturalmente quentes, como é o caso da região de
Caldas Novas (GO) e Poços de Caldas (MG), que hoje são tomadas por hotéis
e resorts de luxo.
É inegavelmente a região que mais sofre com o avanço do agronegócio
brasileiro, em especial depois que a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária) desenvolve sementes de soja capazes de viver em ambientes
quentes, secos e arenosos, como o Cerrado (Embrapa, 2016). Nesse sentido,
este, que é conhecido como o Berço das Águas do Brasil, vê sua capacidade
hídrica se reduzindo, sendo uma das causas da crise hídrica vivenciada em
muitos estados do Brasil atualmente. Restam 13,21% deste ambiente original
preservado.

5.5 Domínio dos Planaltos das Araucárias

São planaltos subtropicais que se estenderiam desde o Sul do Estado de


São Paulo até o Norte do Rio Grande do Sul, variando de 800 m a 1300 m,
revestidos por uma vegetação florestal densa e diversa, com predomínio de
araucárias, mas que atinge a maturidade com as Imbuias. É alternada por
campos de altitude, onde predominam gramíneas e arbustos. Trata-se da
paisagem menos tropical do país. De inverno seco e frio, as árvores
desenvolvem folhas duras e grosseiras, a fim de conservar a água destas na
estiagem.

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Figura 3 – Fragmento de Mata com Araucárias na região de Almirante
Tamandaré (PR)

Crédito: Kauê Avanzi.

Apesar da aparente homegeneidade, as diferenças de altitude presentes


no planalto curitibano dão origem a uma diversidade enorme de vegetação.
Existem também formações ruiniformes, na região de Ponta Grossa, formada
por intemperismo físico, em especial a ação dos ventos.
Há também formações cársticas, que se estendem desde a região de Apaí
(SP) até Almirante Tamandaré, que são importantes zonas de recarga do
Aquífero Guarani. Há a formação de cavernas e grande presença de calcários,
o que favorece a exploração pela mineração.
Com a grande devastação das matas com Araucárias, houve uma
ampliação dos campos subtropicais, além da grande predação dos solos
proveniente da silvicultura. Essa formação florestal encontra-se em risco crítico
de extinção, restando cerca de 3% de sua área original.

5.6 Domínio das Pradarias Mistas do Rio Grande do Sul

A mais bela formação de colinas no Brasil. É uma região de campos


conhecida por coxilhas, região das campinas, campanha gaúcha e,
popularmente, por Pampas. Situada no extremo Sul do país, na região de

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fronteira com Argentina e Uruguai, é uma área típica de zonas quentes,
subúmida e sujeita a estiagem de fim de ano.
São prados mistos, onde predominam gramíneas e arbustos. Os rios são
pouco volumosos e meândricos, formando áreas de Várzea, conhecidas
popularmente como banhados, como é o caso da Estação Ecológica do Taim,
no município de Rio Grande (RS), uma das principais zonas de preservação
ambiental do mundo.
Os fortes ventos da região estimularam a construção de diversos parques
eólicos nesse domínio. Grande parte da vegetação original foi retirada para dar
espaço à rizicultura e à pecuária bovina, assim como a silvicultura que ocupa
grande parte das encostas, provocando acelerado processo de arenização e
desertificação dos solos (Suertegaray, 2018). É um dos biomas mais degradados
e menos protegidos do Brasil (Fontana; Reed, 2019).

Figura 4 – Plantações de arroz nos chamados Pampas gaúchos, no município


de Rio Grande (RS)

Crédito: Kauê Avanzi.

NA PRÁTICA

Os Domínios Morfoclimáticos apresentados por Aziz Ab’Saber não são


homogêneos, já que dentro de um mesmo domínio podem-se encontrar
diferentes variações destas mesmas feições, e mesmo resíduos ou refúgios de
formas típicas de um domínio em outro.

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Os climas no Brasil foram alterados ao longo do tempo. Mudanças
climáticas, causadas naturalmente por pequenas alterações na dinâmica
atmosférica, fizeram com que durante algum tempo, por exemplo, fosse possível
caminhar pela Bahia de Guanabara, já que o período da glaciação de Würm, que
durou até cerca de 12 mil anos atrás, resfriou o planeta, rebaixando o nível dos
oceanos. Nesse sentido, ambientes como a Mata com Araucárias tinham neste
momento uma dimensão muito maior pelo que hoje chamamos de território
brasileiro.
Com o aquecimento da atmosfera, esse domínio se retrai às atuais
dimensões, mas deixando “ilhas” de sua formação típica em outros domínios,
como podemos ver nas formações de Araucárias da região serrana no Rio de
Janeiro, ou ao Sul da Bahia, mostrando que esse ambiente pode ter sido muito
maior no passado.
Essas “ilhas” ou “refúgios” podem ser encontradas em todos os biomas,
como nos pontos de cactáceas, típicas de Caatinga, em zonas de Mata Atlântica.
Trata-se de enclaves ecossistêmicos em espaços de médio porte que
denunciam a dinâmica das mudanças climáticas e paleoecológicas do
Quaternário.
É um conhecimento de extrema importância já que nos permite avaliar e
antever os impactos que possíveis mudanças nos climas que viemos a sofrer
pela ampliação do processo de urbanização e industrialização podem provocar
na dinâmica das paisagens.

FINALIZANDO

Elisée Reclús, geógrafo francês de fins do século XIX, dizia que “o Homem
é a Natureza tomando consciência de si mesma” (Reclus, 2010, p. 44). O fato de
termos que isolar poucos fragmentos de vegetação sob a forma de Parques
Nacionais ou Estaduais é uma consequência histórica de uma cultura criada
onde o que se chama hoje de “natureza” é algo externo – e feminino – que deve
ser dominada pelo homem – no masculino.
Foi necessária a “naturalização” da cisão entre o ser social e o ser natural
para justificar a “dominação” da natureza. Mas a chamada natureza não é
natural. No processo histórico da evolução dos processos produtivos e de troca,
foi necessário inventar uma ideia de natureza.

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A geografia, que, em teoria, deveria ser a ciência que não propõe a cisão
entre o homem e a natureza, cria uma divisão interna se apropriando de tal
discurso quando se fala em Geografia Humana e Geografia Física. Logo, se
temos um problema de, por exemplo, a grande fragmentação da Mata Atlântica,
que nos obrigou a confiná-la em parques e reservas como a Grande Reserva
Mata Atlântica, na região de Serra do Mar entre os Estados de São Paulo e
Paraná.
E se hoje esses mesmos parques têm dificuldades em renovar-se graças,
também, a esse mesmo isolamento e tendo-se em vista que projetos como
corredores ecológicos não são suficientes para restabelecer plenamente esses
sistemas das perdas que sofrem decorrentes dessa mesma fragmentação,
temos um problema muito grande em mãos.
A problemática ambiental que hoje tanto nos aflige é, antes de tudo, um
problema social. Logo, dentro de um modo de produção em que a natureza é
vista enquanto recurso ou obstáculo para a obtenção de lucros e sua
preservação é ainda vista enquanto reserva para uso futuro, não é possível
criarmos a concepção de que, ao derrubarmos uma árvore, estamos derrubando
um pouco de nós mesmos.
À geografia e aos geógrafos cabe pensar nos ambientes naturais
brasileiros, no sentido de pensar, pela educação ambiental, caminhos para uma
vida digna no que diz respeito ao direito fundamental ao “meio ambiente
ecologicamente equilibrado”, presente no artigo 255 da Constituição Federal.

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REFERÊNCIAS

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2012.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Distrito Federal:


Centro Gráfico, 1988.

CONTI, J. B.; FURLAN, S. A. Geoecologia: o clima, os solos e a biota. In: ROSS,


J. L. S. (Org.) São Paulo, Edusp. 2011.

EMBRAPA. Circular Técnica n. 116: soja em solos arenosos – papel do Sistema


Plantio Direto e da Integração Lavoura-Pecuária. Londrina: 2016.

FERNANDES, N. F. et al.. Rio de Janeiro: A metropolis between granite-gneiss


massifs. In: GEOMORPHOLOGICAL Landscapes of the World. Piotr Migon.
2009.

FONTANA, V.; REED, S. Mais degradado que Cerrado e Amazônia, Pampa é o


bioma menos protegido do país. Revista National Geographic, out. 2019
Disponível em: <https://www.nationalgeographicbrasil.com/meio-
ambiente/2019/10/degradacao-cerrado-amazonia-pampa-bioma-brasil-rio-
grande-do-sul-vegetacao>. Acesso em: 17 set. 2021.

GONÇALVES, C. W. P. Os (Des)caminhos do Meio Ambiente. Rio de Janeiro:


Contexto, 2005.

LACOSTE, Y. A Geografia serve antes de mais nada para fazer a guerra. São
Paulo: 1988.

RECLUS, E. Da ação humana na Geografia Física: Geografia comparada no


Espaço e no Tempo. São Paulo: Editora Imaginário, 2010.

ROSS, J. L. S (Org.). Os Fundamentos da Geografia da Natureza. São Paulo:


Edusp, 2011.

SUERTEGARAY, D. M. Arenização, transfiguração através de imagens.


Entrelugar, Revista do Programa de Pós-Graduação em Geografia da
UFGD, v. 7. n. 17. 2018.

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