Você está na página 1de 294

(https://md.claretiano.edu.

br

/geobraagrmeiamb-gs0034-ago-2022-grad-ead-np/)

1. Introdução
Boas-vindas!

Você iniciará o estudo de Geogra�a do Brasil, Agrária e Meio Ambiente, uma


das disciplinas que compõem o seu curso de Graduação na modalidade EaD.

De um modo geral, a proposta desta disciplina é articular o conhecimento das


dimensões naturais e sociais que produzem os territórios em diferentes esca-
las geográ�cas. Nesse sentido, são estudadas as características naturais
(Geologia, Geomorfologia, clima e vegetação) do Brasil, bem como suas ques-
tões sociais, como os problemas urbanos e agrários.

Na questão agrária, são enfatizadas a estrutura agrária e as formas de desen-


volvimento do capitalismo no campo, que corroboram para a persistência de
con�itos sociais e territoriais.

Por �m, a disciplina destaca a importância do planejamento ambiental para o


equilíbrio da relação sociedade e natureza.

Desse modo, a disciplina contribui para que o aluno possua um arcabouço teó-
rico que permita pensar, investigar e analisar a produção do espaço geográ�co
brasileiro em sua totalidade, oportunizando, assim, instrumentos teóricos ne-
cessários à sua prática pedagógica na Educação Básica.

Vamos em frente?

2. Informações da Disciplina
Ementa
A disciplina Geogra�a do Brasil, Agrária e Meio Ambiente aborda a produção
do espaço geográ�co como produto das especi�cidades das dinâmicas da na-
tureza e social e das relações que se estabelecem entre elas. Essas dinâmicas
também estão articuladas em diferentes escalas geográ�cas, que envolvem do
local ao global, perpassando as escalas regional e nacional. Assim, as condi-
ções naturais do território brasileiro (clima, vegetação, relevo, hidrogra�a),
analisadas a partir dos domínios morfoclimáticos, relacionam-se à análise
das características biogeográ�cas estudadas em escala mundial. Além disso,
a disciplina propõe uma re�exão crítica do processo de desenvolvimento do
capitalismo no país, com destaque para problemas sociais, econômicos e polí-
ticos que afetam o campo e a cidade no Brasil. Nesse sentido, o exame de con-
centração de terras, con�itos sociais e processo de modernização da agricul-
tura contribuem para explicar tanto a desigualdade do campo como os proble-
mas ambientais e sociais do espaço urbano. Essa forma de abordagem propi-
cia ao aluno entender o espaço como uma totalidade, subsidiando-o teorica-
mente, para re�etir sobre a natureza dos problemas e, para além disso, conhe-
cer as possibilidades de intervenção da sociedade no espaço e, particularmen-
te nesta disciplina, das ações estabelecidas por meio do planejamento ambi-
ental.

Objetivo Geral
Compreender a produção do espaço geográ�co por meio da relação entre a di-
nâmica da natureza e das ações sociais, articulando a questão agrária e ambi-
ental, visando pensar o território brasileiro em sua totalidade.

Objetivos Especí�cos
• Compreender as características naturais do território brasileiro.
• Articular características climáticas, geológicas, geomorfológicas e hidro-
grá�cas para a caracterização do território brasileiro.
• Re�etir sobre o processo de modernização da agricultura e as contradi-
ções da questão agrária brasileira.
• Analisar os impactos ambientais do desenvolvimento do capitalismo no
campo e na cidade e as perspectivas do desenvolvimento sustentável.
• Identi�car os principais instrumentos de planejamento ambiental.
(https://md.claretiano.edu.br

/geobraagrmeiamb-gs0034-ago-2022-grad-ead-np/)

Ciclo 1 – Características Naturais do Território


Brasileiro

Jucilene Galvão
Vivian Fernanda Mendes Merola

Objetivo
• Compreender as características naturais do território brasileiro.

Conteúdos
• As principais unidades do relevo brasileiro.
• Os sistemas atmosféricos atuantes e os tipos de clima no Brasil.
• As bacias hidrográ�cas brasileiras.

Problematização
Quais as principais unidades do relevo brasileiro? Como os sistemas atmos-
féricos atuam sobre o Brasil? Qual a composição do sistema hidrológico bra-
sileiro?

Orientação para o estudo


Este ciclo de estudos está estruturado para fornecer a base necessária para a
sua compreensão do tema, entretanto, é muito importante que você aproveite
os materiais complementares disponíveis para consolidar os conhecimentos
apresentados. Para tal, é fundamental, que você acesse os links e assista aos
vídeos indicados durante o desenvolvimento desta disciplina.   Vamos lá?
Bons estudos!
1. Introdução
Para iniciar os estudos sobre as características naturais do território brasilei-
ro, neste primeiro ciclo de aprendizagem, conheceremos as principais unida-
des do relevo. Para tanto, buscaremos compreender os conceitos pertinentes a
esse tema, diferenciando as categorias de forma e estrutura. Feito isso, identi-
�caremos as estruturas que compõem o relevo brasileiro para, em seguida, ca-
racterizarmos as formas, ou seja, as unidades geomorfológicas. Por �m, vamos
espacializar os planaltos, as depressões e as planícies, tecendo as relações
pertinentes com os climas do Brasil.

2. Estruturas do relevo brasileiro


As estruturas e as formas do relevo são visualizadas na litosfera terrestre,
também conhecida como crosta terrestre, que pode ser caracterizada como a
camada mais rígida da Terra, cuja espessura varia, em média, de 5 a 70 km.
Ela se encontra imediatamente acima do manto terrestre e é dividida em cros-
ta continental e crosta oceânica.

De acordo com Tassinari (2009, p. 85), “esses dois tipos de crosta apresentam
espessuras muito diferentes entre si, geralmente entre 25 e 50 km para a cros-
ta continental, e entre 5 e 10 km para a crosta oceânica [...]”, podendo a crosta
continental chegar até 100 km sob as cordilheiras para manter a isostasia,
princípio de equilíbrio entre o peso da litosfera e o manto.

A crosta continental é composta por rochas graníticas, ígneas e metamór�cas,


além das sedimentares. Apresenta-se de forma descontínua, não é �xa e
descola-se de acordo com o movimento do manto terrestre, que apresenta sig-
ni�cativa plasticidade. Já a crosta oceânica, segundo Ross (2001, p. 22), apre-
senta em sua constituição “[...] rochas básicas, representadas pelos basal-
tos/diabásicos, ricos em silicatos de magnésio e ferro (SIMA), pertencentes ao
grupo de rochas ígneas ou magmáticas”. Isso nos permite concluir que o asso-
alho oceânico é formado pela ascensão e pelo derramamento do magma.

Podemos destacar, também, que a crosta terrestre está fracionada em partes


conhecidas como placas, as quais “[...] não são da mesma dimensão e também
não são �xas, apresentando sinais de deslocamento no plano horizontal e des-
lizamento sobre o manto” (ROSS, 2001, p. 25). Essas placas estão divididas em:
Placa Africana, da América, da Ilha de Páscoa, do Pací�co, da Índia-Austrália,
da Eurásia e do Antártico.

Vale dizer que, estando o Brasil situado sobre a Placa Americana, as análises
que faremos aqui se referem, pois, à porção brasileira da Placa Americana.

Antes de iniciarmos a caracterização do relevo brasileiro, devemos diferenciar


os conceitos de forma e de estrutura. Grosso modo, podemos de�nir que:

[...] o relevo terrestre é fruto da atuação de duas forças opostas – a endógena (inter-
na) e a exógena (externa) – sendo que as internas são as geradoras das grandes for-
mas estruturais do relevo e as externas são as responsáveis pelas formas escultu-
rais (ROSS, 2001, p. 33).

As forças internas são provenientes do movimento interno da Terra, ou seja,


pela tectônica de placas, que, em seu movimento, provoca efeitos como vulca-
nismo, magmatismo, terremotos, epirogênese, orogênese etc., os quais, por sua
vez, podem causar falhas ou dobramentos visíveis na superfície; já as forças
exógenas se dão pelos efeitos provenientes do calor solar, que resultam no in-
temperismo ou meteorização das rochas.

Embora as estruturas geológicas que compõem o território brasileiro sejam


muito antigas, as suas formas de relevo são recentes. Sabemos que as estrutu-
ras e as rochas que formam o relevo brasileiro já existiam antes da atual con�-
guração do subcontinente americano, que passou a ter esse formato após o
Mesozoico. No Brasil, encontramos, como grandes estruturas, as Plataformas,
também conhecidas por Crátons, os Cinturões Orogênicos e as grandes Bacias
Sedimentares.

Veja, na Figura 1, a disposição das placas tectônicas vizinhas à Placa Sul-


americana:
Figura 1 Placa Sul-americana no contexto global: porção continental (América do Sul) e porção oceânica (Atlântico

Sul).

Plataformas ou Crátons
Segundo Ross (2001), as Plataformas, ou Crátons, são formadas por rochas me-
tamór�cas muito antigas que já estiveram expostas a inúmeros processos ero-
sivos. Tais processos conferiram a essas estruturas formas muito rebaixadas,
e, devido a essa característica, elas estão sempre localizadas nas bordas dos
Cinturões Orogênicos e das Bacias Sedimentares. Além disso, as Plataformas
datam da era Pré-cambriana, ou seja, apresentam idades entre 900 milhões e
4,5 bilhões de anos.

No Brasil, como exemplo dessa estrutura, temos a Plataforma das Guianas,


com terrenos elevados na porção norte do Brasil, mais precisamente nas fron-
teiras com a Venezuela e as Guianas.

Já a Plataforma Sul-amazônica é formada por rochas metamór�cas antigas,


representadas por rochas intrusivas e por depósitos sedimentares residuais.
Geogra�camente, situa-se ao sul da Bacia Sedimentar da Amazônia e
caracteriza-se por apresentar terrenos mais baixos ao norte da Plataforma, os
quais vão se elevando ao sul.

A Plataforma do São Francisco localiza-se no norte de Minas Gerais, seguindo


até a porção central da Bahia. As terras dessa Plataforma são baixas, confor-
me veri�camos na Depressão Sertaneja e do São Francisco, pois ambas apre-
sentam superfícies aplainadas.

Finalmente, ainda encontramos essa estrutura no extremo sul do país, na


Plataforma Sul-rio-grandense.

Cinturões Orogênicos ou Dobramentos


No território brasileiro, podemos encontrar essa estrutura (dos Cinturões
Orogênicos), cuja formação data do período Pré-cambriano, ou seja, ela existe
há, aproximadamente, 600 milhões de anos. De maneira geral, estão registra-
dos, nessas estruturas, os terrenos mais elevados existentes na Terra. Sua ori-
gem se relaciona aos eventos de vulcanismo, aos abalos sísmicos e aos falha-
mentos, bem como à tectônica de placas. Em muitos desses Cinturões, ainda
se veri�cam atividades tectônicas.

Normalmente, os Dobramentos concentram-se nas bordas dos continentes, na


face em que ocorre o choque entre as placas tectônicas. No Brasil, as rochas
que constituem essa estrutura apresentam grande complexidade litológica,
compreendendo: o Cinturão Orogênico do Atlântico, o de Brasília e o do
Paraguai-Araguaia.

Segundo Ross (2001), o Cinturão Orogênico do Atlântico estende-se desde a


parte oriental da região nordeste até a porção sudeste do Rio Grande do Sul.
Alguns trechos dessa estrutura apresentam altitudes elevadas e, devido à
complexidade da rocha, sofrem o processo erosivo de forma mais lenta. Como
exemplos, podemos citar: a Serra do Espinhaço (Figura 2) em Minas Gerais e
na Bahia, a Serra do Mar e da Mantiqueira, os Maciços do Itatiaia e a Ilha de
São Sebastião. O Maciço de Poços de Caldas também é um bom expoente des-
sa estrutura.
Figura 2 Serra do Espinhaço.

Já o Cinturão Orogênico de Brasília estende-se desde o sul do Tocantins, che-


gando ao sudeste de Minas Gerais. Esse Cinturão sofre ativamente os proces-
sos erosivos. As formas de relevo que o caracterizam são as serras alongadas e
estreitas que se encontram em alguns pontos, com chapadas de topos planos e
altos. Como exemplo, é possível destacar a Serra da Canastra (Figura 3) e a
Serra Negra, ambas em Minas Gerais, e a Chapada dos Veadeiros, em Goiás.

Figura 3 Vista geral da Serra da Canastra, MG.

Finalmente, o Cinturão Orogênico do Paraguai-Araguaia ocorre desde o norte


de Goiás e Tocantins até o Mato Grosso, sendo possível veri�car sua presença
no sul do Pantanal. Boa parte dessa estrutura já foi largamente erodida, mas
ainda encontramos serras com formação litológica mais resistente, fato que
as mantém preservadas. Como exemplo, devemos citar a Serra da Bodoquena
(Figura 4), no Mato Grosso do Sul.
Figura 4 Vista da Serra da Bodoquena, MS.

Bacias sedimentares
No Brasil, essa estrutura (de bacias sedimentares) é representada pela Bacia
Sedimentar Amazônica, pela Bacia Sedimentar do Parnaíba ou Maranhão-
Piauí e pela Bacia Sedimentar do Paraná. Essas bacias são formadas por ca-
madas de rocha e podem atingir cinco quilômetros de espessura. Algumas da-
tam do período Pré-cambriano, ou seja, começaram a se formar há 600 mi-
lhões de anos, constituindo-se pelas inúmeras fases de deposição marinha e
glacial que ocorreram no planeta. Devemos destacar que as Bacias
Sedimentares muitas vezes recobrem áreas de Plataformas e ocupam, segun-
do Ross (2001), 75% das terras emersas do planeta.

No processo de formação dessas estruturas, os terrenos do subcontinente


apresentavam altitudes mais baixas; assim, foi possível a transformação dos
depósitos marinhos e continentais em rochas sedimentares que comporiam
essas bacias.

Os depósitos de rochas mais recentes, que são os do Cenozoico-terciário, ou se-


ja, os de, aproximadamente, 70 milhões de anos, são encontrados na porção
ocidental da Bacia Amazônica e no litoral do nordeste. Os depósitos do
Cenozoico-quaternário, de um milhão de anos, são encontrados no Pantanal
Mato-grossense, no litoral do Rio Grande do Sul, na planície do rio Araguaia e
nas planícies do rio Amazonas.
Figura 5 Escala do tempo geológico.
Figura 6 As grandes estruturas do território brasileiro.

Com a caracterização das estruturas, vamos, agora, tratar das formas, ou seja,
das unidades do relevo do Brasil.

3. Formas do relevo brasileiro


Unidades do relevo
A primeira grande classi�cação do relevo brasileiro foi elaborada por Aroldo
de Azevedo por volta dos anos 1940. Ele utilizou o critério de altimetria, que
estabelecia o limite de 200m para diferenciar uma unidade de outra, classi�-
cando, assim, dois tipos de relevo: o planalto e a planície.

Porém, em �ns dos anos 1950, após novos estudos, Aziz Ab’Saber usou um no-
vo critério para tal classi�cação: o morfoclimático, baseado nos processos de
sedimentação e erosão. Assim, todas as áreas onde predominam agentes de
erosão são planaltos, e todas as áreas onde predominam agentes de sedimen-
tação são planícies.

Mas foi Jurandyr Ross, nos anos 1980, que, apoiado nos estudos anteriores e
em novas tecnologias de mapeamento e observação do espaço, chegou mais
perto da realidade, destacando uma terceira unidade de relevo, a depressão.
Para tanto, ele se utilizou da análise das características morfoestruturais (es-
truturas do relevo), morfoclimáticas (efeitos do clima) e morfoesculturais
(ações externas).
Assim, partindo da classi�cação do relevo brasileiro proposta por Ross (2001),
estudaremos três tipos de unidades geomorfológicas: os planaltos, as depres-
sões e as planícies.

Planaltos

Segundo Ross (2001, n. p.):

[...] os planaltos dividem-se em: planaltos em Bacias Sedimentares, planaltos em


intrusões e coberturas residuais de Plataforma, planaltos em núcleos cristalinos
arqueados e planaltos em Cinturões Orogênicos.

As bacias sedimentares são circundadas por depressões periféricas, apresen-


tando relevos escarpados no contato entre as duas formas: planaltos-
depressões.

No Brasil, encontramos essas características nos planaltos da Bacia


Amazônica Oriental, da Bacia do Parnaíba, da Bacia do Paraná e nos planaltos
e chapadas dos Parecis.

Os planaltos em intrusões e coberturas residuais de Plataforma são formas


que se desenvolveram sobre as coberturas residuais sedimentares.
Encontramos, no país, os planaltos residuais Norte-amazônicos e os planaltos
residuais Sul-amazônicos.

Já os núcleos cristalinos arqueados ocorrem na parte oriental da região nor-


deste e no Planalto Sul-rio-grandense. Um exemplo desse relevo é o Planalto
da Borborema. Essas unidades são muito antigas e já foram trabalhadas pelos
intensos processos erosivos do Terciário. Uma importante característica é que,
no reverso desses planaltos, se encontram depressões que se interpõem entre
esses maciços antigos e as bacias sedimentares.

Os planaltos em Cinturões Orogênicos ocorrem nas faixas mais antigas dos


cinturões, localizando-se em áreas dos Cinturões do Paraguai-Araguaia, de
Brasília e do Atlântico. Nesses planaltos, veri�ca-se a aparição de serras, cuja
formação se dá pelos resíduos de estruturas dobradas e pelos processos erosi-
vos. Podemos destacar, como planaltos em Cinturões, as serras do Atlântico
Leste-sudeste, planaltos e serras de Goiás-Minas e serras residuais do Alto
Paraguai.

Depressões

As depressões foram geradas por meio de processos erosivos com grande atu-
ação nas bordas das bacias sedimentares. Essas erosões, ocorridas em perío-
dos secos e úmidos, esculpiram as formas do relevo conhecidas por depres-
sões periféricas.

As depressões não apresentam grandes altitudes e, geralmente, não ultrapas-


sam os 500m. Podemos destacar, no Brasil, a Depressão da Amazônia
Ocidental, as Depressões Marginais Amazônicas, a Depressão Marginal Norte-
amazônica, a Depressão Marginal Sul-amazônica, a Depressão do Araguaia, a
Depressão Cuiabana, as Depressões do Alto Araguaia e Guaporé, a Depressão
do Miranda, a Depressão do Tocantins, a Depressão Sertaneja e do São
Francisco, a Depressão da Borda Leste da Bacia do Paraná e a Depressão
Periférica Central ou Sul-rio-grandense.

Planícies

As planícies são áreas planas originadas pela deposição recente de sedimen-


tos de origem marinha, �uvial e lacustre. Como representantes dessa unidade,
temos as planícies dos rios Amazonas, Guaporé, Araguaia e Paraguai, a
Planície do Pantanal Mato-grossense, a Planície das Lagoas dos Patos e
Mirim, entre outras de menores proporções.

Dentro da caracterização dessa unidade, devemos citar as planícies ou tabulei-


ros litorâneos, que podem ser de�nidos como formas de relevo esculpidas nos
sedimentos areníticos do Terciário. São colinas interrompidas bruscamente
do lado oceânico por falésias, que podem apresentar 50m de altura em relação
ao nível do mar.

Na Figura 7, é possível visualizar o mapa com as unidades do relevo brasileiro,


segundo a classi�cação de Ross (2001).
Figura 7 Mapa com as unidades do relevo brasileiro.

Ao longo do tempo, o Brasil teve três importantes classi�cações dos seus com-
partimentos de relevo, todas elaboradas por professores e pesquisadores da
Universidade de São Paulo (USP). A primeira delas data da década de 1940 e
foi criada pelo professor Aroldo de Azevedo e coincide com o início do curso
superior de Geogra�a no país. A segunda, de 1958, é de autoria de Aziz
Ab'Saber, e a terceira, mais recente e comumente reconhecida, foi elaborada
por Jurandyr Ross e publicada em 1989.

Para conhecer um pouco mais sobre essa última classi�cação, assista, no ví-
deo a seguir, a uma palestra do professor doutor Jurandyr Ross, na qual apre-
senta como o relevo brasileiro pode ser regionalmente dividido e expõe a me-
todologia de diferenciação das formas em uma perspectiva regional.

4. Estudos de climatologia no mundo e no


Brasil
Para darmos início a este tópico, que tem como objetivo tratar não só dos sis-
temas atmosféricos atuantes, mas também, dos tipos de clima no Brasil, é ne-
cessário fazermos algumas considerações.

Trataremos, inicialmente, do surgimento dos estudos climatológicos. Nesse


sentido, podemos a�rmar que os primeiros registros sobre o comportamento
atmosférico são atribuídos aos gregos. Hipócrates e Aristóteles já desenvolvi-
am seus trabalhos entre os anos 400 a.C. e 350 a.C.

Após a iniciação dos gregos, esses estudos �caram esquecidos durante muitos
séculos, voltando a �orescer com o Renascimento. Galileu Galilei, por exem-
plo, foi o inventor do termômetro em 1593, e Torricelli inventou o Barômetro,
em 1643.

Já no século 20, a Climatologia ganhou, com o desenvolvimento técnico-


cientí�co, um grande aporte de instrumentos, como as estações meteorológi-
cas e os satélites meteorológicos, além de radares e outros equipamentos que
subsidiaram os estudos nesse campo. A internet, já no �nal do século 20, tam-
bém contribuiu imensamente para a formação de redes de especialistas, que
propiciaram uma rápida atualização de dados e informações.

No Brasil, as primeiras estações meteorológicas datam do século 19, e, somen-


te em meados do século 20, foi criado o Departamento Nacional de
Meteorologia. Além disso, na década de 1930, surgiram os primeiros estudos
brasileiros sobre massas de ar e clima, que, normalmente, visavam compreen-
der as dinâmicas atmosféricas no centro-sul do país.

Conforme aponta Mendonça e Danni-Oliveira (2007), surgiram, na comunida-


de cientí�ca brasileira, alguns expoentes da Climatologia, como, por exemplo,
Lysia Bernandes, que elaborou uma tipologia climática baseada em Strahler.
Essa classi�cação ainda é utilizada e, em linhas gerais, consiste em dividir os
climas terrestres em três grandes grupos: o de latitudes baixas, o de latitudes
médias e o de latitudes altas. Obviamente, a partir dessa separação, ele criou
os subtipos, que serão estudados em momento oportuno.

Ainda como grande climatólogo, devemos citar Carlos Augusto Figueiredo


Monteiro, bem como sua obra, de 1951, intitulada Notas para o estudo do clima
no centro-oeste brasileiro. Suas contribuições teórico-metodológicas serviram
de base para o surgimento da Escola de Climatologia Urbana Brasileira e a
Escola de Climatologia Dinâmica Brasileira.

Segundo Mendonça e Danni-Oliveira (2007, p. 15):

A Climatologia constitui o estudo cientí�co do clima. Ela trata dos padrões de com-
portamento da atmosfera em suas interações com as atividades humanas e com a
superfície do planeta durante um longo período de tempo.

Assim, a Climatologia apresenta dois importantes componentes: os elementos


climáticos e os fatores geográ�cos do clima, sendo o primeiro constituído por
temperatura, umidade e pressão, e o segundo constituído por latitude, altitu-
de, maritimidade, continentalidade, vegetação e atividades humanas. Dessa
forma, na atualidade, a Climatologia ganha uma importância a mais, contri-
buindo, de forma signi�cativa, para os estudos referentes ao meio ambiente e
à qualidade de vida no planeta, seja no ambiente urbano, seja no âmbito rural.

Finalmente, cabe aqui apresentarmos uma breve diferenciação entre os con-


ceitos de tempo e clima, pois o tempo refere-se às questões atmosféricas; sua
condição é instável por depender tanto do comportamento atmosférico quan-
do de sua manifestação em determinado tempo e lugar. Já o clima é algo mais
estável, pois, apesar de também analisar o comportamento atmosférico, ele
observa a sucessão de tempos meteorológicos que se repetem, caracterizando
os ciclos. Além disso, as alterações climáticas ocorrem em períodos maiores.

5. Sistemas atmosféricos
Os sistemas atmosféricos são entendidos, de maneira geral, como as intera-
ções dos diferentes campos de pressão. Esses sistemas possibilitam a intera-
ção de todos os elementos que os constituem, a saber: o conjunto de gases, a
energia recebida em forma de calor e os movimentos de rotação da Terra,
além dos fatores climáticos, responsáveis pela consolidação do tempo e dos
climas. Os componentes dos sistemas atmosféricos são: as massas de ar e as
frentes.

Massas de ar e frentes
Para iniciarmos a caracterização das massas de ar que atuam no Brasil, é ne-
cessário conceituá-las brevemente. De acordo com Galvani (2012):

Uma massa de ar é uma parcela de ar que se encontra em determinado local por


um período de tempo e adquire as características da superfície terrestre em termos
de temperatura, umidade do ar e pressão atmosférica. A extensão de uma massa
de ar pode chegar a milhares de quilômetros quadrados de extensão.

As massas de ar se formam sobre grandes áreas de terra ou água uniformes, onde


não há muito vento. Assim, o ar vai adquirindo características de acordo com a su-
perfície sobre a qual se encontra. Uma massa de ar localizada sobre um oceano, por
exemplo, costuma ser bastante úmida, ao contrário de uma massa de ar formada
sobre o continente, que, geralmente, é seca.

A circulação e o deslocamento das massas de ar (https://brasilesco-


la.uol.com.br/geogra�a/sistemas-atmosferico.htm) são derivados das varia-
das pressões atmosféricas, ou seja, da variação do “peso” que as colunas de ar
exercem sobre a Terra, em todo espaço existente no mundo. Esse deslocamen-
to se dá das áreas de alta pressão (anticiclonais/ dispersoras de ventos) e de
baixa pressão (ciclonais/ receptoras de ventos).

De maneira geral, as massas de ar apresentam algumas classi�cações.


Observe o Quadro 1.

Quadro 1 Classi�cação das massas de ar.

GRUPO PRINCIPAL SUBGRUPO CARACTERÍSTICAS

Polar marítima Fria e instável


Polar
Polar continental Fria e estável

Tropical Tropical marítima Quente e úmida


Tropical continental Quente e seca

Equatorial marítima Quente e úmida


Equatorial
Equatorial continental Quente e úmida
Fonte: Galvani (2012).

No Quadro 2, podemos veri�car a ocorrência das massas de ar no Brasil.

Quadro 2 Massas de ar que atuam no Brasil.

Massa equatorial atlântica Quente e úmida (Região Norte e parte do


(mEa) NE)

Massa equatorial continental Quente e úmida (Região Norte e parte do


(mEc) CO)

Massa tropical atlântica (mTa) Quente e úmida (litoral do SE do Brasil)

Massa tropical continental Quente e seca (Chaco paraguaio e oeste


(mTc) paulista)

Fria e instável (Centro-Sul do Brasil no in-


Massa polar atlântica (mPa)
verno)
Fonte: Galvani (2012).

A Massa Equatorial do Atlântico (mEa) é quente e úmida, formando-se no


Oceano Atlântico, mais precisamente na região dos Açores, ao norte, e em
Santa Helena, ao sul. Chega ao continente devido à diferença de pressão at-
mosférica entre o continente e o oceano.

A Massa Equatorial Continental (mEc) também apresenta a característica de


ser quente e úmida e sua formação se dá na porção centro-ocidental da
Planície Amazônica. Diferentemente de outras massas continentais, ela guar-
da a característica de ser úmida, pois forma-se numa região de grande evapo-
ração, oriunda dos grandes rios que cortam essa região. Essa massa apresenta
maior incidência durante o verão.

A Massa Tropical Atlântica (mTa) é quente e úmida. Atuando majoritariamen-


te na porção litorânea do território brasileiro, sua formação ocorre nos centros
de alta pressão atmosférica do Oceano Atlântico. Essa massa de ar in�uencia
signi�cativamente o clima tropical, e seu deslocamento pode, na região litorâ-
nea, intensi�car as chuvas mais acentuadas no verão.

A Massa Tropical Continental (mTc) é quente e seca, formando-se na região


central da América do Sul. Sua maior incidência ocorre entre o �nal do inver-
no e o início da primavera; além disso, seu alcance é pequeno, atingindo mais
a porção sudeste e sul do Brasil.

A Massa Polar Atlântica (mPa) forma-se na porção do extremo sul da


América do Sul, apresentando, como característica, o fato de ser fria e instável.
A in�uência dessa massa é veri�cada na região centro-oeste e, pela costa do
Atlântico, chega até o norte do país.

As massas de ar anteriormente descritas são as que interferem mais direta-


mente na distribuição do clima brasileiro.

As frentes podem ser de�nidas como o encontro de duas massas de caracte-


rísticas diferentes, fenômeno que produz uma zona de descontinuidade na at-
mosfera. A Climatologia aponta a existência de duas únicas frentes: a frente
ártica/ antártica e a frente polar. As frentes frias que conhecemos têm origem
na frente polar, que separa o ar polar do ar tropical; já as frentes quentes reali-
zam o processo inverso, ou seja, o ar quente segue em direção ao ar frio. A vi-
sualização desse fenômeno se dá pelo fato de a atmosfera se tornar mais ins-
tável, gerando signi�cativos aumentos ou quedas de temperatura. No inverno,
estamos mais suscetíveis à ocorrência de frentes frias, uma vez que as mas-
sas de ar polar ganham força. Entretanto, no verão, predominam as frentes
quentes.

Existe, também, a Zona de Convergência Intertropical – ZCIT, que se forma


próxima ao Equador e tem signi�cativa interferência no clima do Brasil. Essa
zona pode ser de�nida como um importante sistema meteorológico que atua
nos trópicos, limitando a circulação atmosférica entre o hemisfério norte e sul.
No país, a ZCIT revela-se como um dos principais sistemas geradores da preci-
pitação na região norte e nordeste.
Os mapas apresentados a seguir (Figuras 8 e 9) visam espacializar as áreas de
formação das massas de ar descritas anteriormente. Observe.

Figura 8 Formação e in�uência das massas de ar no verão.

Figura 9 Formação e in�uência das massas de ar no inverno.

6. Climas e subclimas do Brasil


Por causa da grande proporção do território brasileiro, veri�camos uma ampla
diversi�cação climática. De acordo com Mendonça e Danni-Oliveira (2007), fa-
tores como a con�guração geográ�ca, a maritimidade/continentalidade, as
modestas altitudes do relevo, a extensão territorial, as formas combinadas e
as dinâmicas das massas de ar e das frentes geram os diferentes climas do
país. Conforme a classi�cação proposta por esses autores, predominam, no
Brasil, cinco grandes climas, subdivididos segundo características especí�-
cas. Vejamos esses subgrupos a seguir.

Clima Equatorial
Predomina na porção norte do país, mais precisamente nos estados do
Amazonas, Pará, Acre, Rondônia, Amapá e em parte do Mato Grosso e do
Tocantins. Esse clima sofre in�uência direta da Massa Equatorial do Atlântico
(mEa) e da Massa Equatorial Continental (mEc). A temperatura média varia
entre 24°C e 26°C; dessa forma, essa região não apresenta grandes variações
de temperatura entre o dia e a noite, e os meses de setembro e outubro são
considerados os mais quentes. Já entre os meses de junho e agosto, há ligeira
queda nas temperaturas, justi�cada pela penetração da Massa Polar Atlântica
(mPa). O regime pluviométrico, apesar de abundante, não é homogêneo; assim,
as chuvas concentram-se mais no inverno.

Os subtipos que caracterizam esse clima são: Clima Equatorial sem seca ou
superúmido, cuja ocorrência se dá no estado do Amazonas; Clima Equatorial
com subseca e com um a dois meses secos, que se concentra mais no centro
dos estados do Amazonas, Acre, sudeste de Roraima e parte do Amapá e Pará;
e Clima Equatorial com subseca e com três meses secos, que ocorre especial-
mente na fronteira entre o Clima Equatorial e o Tropical do Brasil central.

Clima Tropical Equatorial


Predomina em parte da região norte e nordeste, sobretudo nos estados do
Maranhão, Piauí, Bahia, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.
Esse clima também apresenta subtipos, que serão detalhados a seguir. As
temperaturas médias anuais variam em torno de 24°C e 27°C, e o regime de
chuvas também não apresenta homogeneidade, a�nal, em algumas áreas, a
ocorrência de chuvas é maior do que em outras.

Os subtipos desse clima são: o Clima Equatorial Tropical com quatro a cinco
meses secos, que ocorre em algumas áreas do estado do Tocantins, do
Maranhão e de Roraima; Clima Equatorial Tropical com seis meses secos;
Clima Equatorial Tropical com sete a oito meses secos; e Clima Equatorial
Tropical com nove a onze meses secos.

Clima Tropical Litorâneo do Nordeste Oriental


Predomina na porção oriental do litoral norte do Brasil, recebendo a in�uência
das massas de ar úmidas que se originam no Atlântico, ou seja, a Massa
Equatorial do Atlântico (mEa) e a Massa Tropical Atlântica (mTa), além da
Zona de Convergência Intertropical (ZCIT). Uma importante característica des-
se clima é a homogeneidade das temperaturas, que se mantêm elevadas du-
rante o ano todo, com temperaturas médias oscilando entre 23°C e 26°C. Em
termos pluviométricos, podemos dizer que apresenta um bom índice, com mé-
dias anuais que variam entre 1.500mm a 2.000mm, concentradas no inverno.

Esse clima apresenta os seguintes subtipos: Clima Tropical Litorâneo do


Nordeste Oriental com cinco a sete meses secos; Clima Tropical Litorâneo do
Nordeste Oriental com três a cinco meses secos; e o Clima Tropical Litorâneo
do Nordeste Oriental com um a três meses secos.

Clima Tropical Úmido ou Seco ou Tropical do Brasil


Central
Predominante na região centro-oeste, é considerado uma área de transição
climática e sofre signi�cativas in�uências da Massa Equatorial Continental
(mEc). Essa denominação de Clima Tropical Úmido ou Seco justi�ca-se pela
ocorrência bem delimitada dessas duas fases; assim, no verão, o clima é quen-
te e úmido, e, no inverno, é quente e seco. As temperaturas médias anuais os-
cilam muito, entre 20°C e 26°C. As chuvas ocorrem predominantemente no ve-
rão.

Os subtipos climáticos são bem variados: temos o Clima Tropical do Brasil


Central sem seca; o Clima Tropical do Brasil Central com um a três meses se-
cos; o Clima Tropical do Brasil Central com quatro ou cinco meses secos; e o
Clima Tropical do Brasil Central com seis a oito meses secos.
Clima Subtropical Úmido
Esse clima sofre forte in�uência da Massa Tropical Atlântica (mTa), da Massa
Tropical Continental (mTc) e da Massa Polar Atlântica (mPa). No verão, a re-
gião sul do país, local de ocorrência desse clima, também sofre com a atuação
da Massa Equatorial Continental (mEc), apresentando, diferentemente dos de-
mais, uma regularidade pluviométrica, ou seja, o regime de chuvas é homogê-
neo, e o inverno apresenta temperaturas baixas. As médias anuais de tempe-
ratura são bastante variadas, entre 14°C e 22°C.

Os subtipos climáticos apresentam pouca variação; de modo geral, o verão é


de quente a fresco, e o inverno é de fresco a frio, mas o regime pluviométrico é
relativamente constante, independentemente do subtipo. Entretanto, existem
dois subtipos bem característicos: Clima Subtropical Úmido com inverno fres-
co a frio; e Clima Subtropical Úmido com inverno frio.

Os climas anteriormente descritos indicam como o sistema atmosférico, os


componentes geográ�cos e as formas do relevo atuam no território nacional.
Na Figura 10, do Instituto Brasileiro de Geogra�a e Estatística, podemos obser-
var não somente os domínios climáticos do Brasil, mas também seus subti-
pos. Veja que o mapa apresenta uma gradação de cores dentro de um mesmo
tipo, pois essa representação foi assim desenvolvida para demarcar a localiza-
ção dos subtipos climáticos:
Figura 10 Domínios climáticos do Brasil e os subtipos.

Além disso, assista ao vídeo a seguir, que trata dos chamados "rios voadores",
fenômeno natural que leva umidade para as regiões Sul, Sudeste e Centro-
Oeste do Brasil e tem importante in�uência na dinâmica climática.

7. As bacias hidrográ�cas brasileiras


Como vimos anteriormente, as condições climáticas estão diretamente liga-
das às questões hídricas. Para aprofundar o conhecimento sobre o assunto, es-
tudaremos a divisão hidrológica brasileira, conceituando e caracterizando es-
ses grandes sistemas, bem como identi�cando os seus aspectos físicos, natu-
rais e socioeconômicos.

O ciclo da água na natureza


Segundo Karmann (2000, n. p.):
[...] a água é a substância mais abundante na superfície do planeta, participando
dos seus processos modeladores pela dissolução de materiais terrestres e do
transporte de partículas. É o melhor e mais comum solvente disponível na
natureza e seu papel no intemperismo químico é evidenciado pela hidrólise. Nos
rios, a água é responsável pelo transporte de partículas, desde a forma iônica (em
solução) até cascalho e blocos, representando o meio mais e�ciente de erosão da
superfície terrestre. Sob forma de gelo, acumula-se em grandes volumes, inclusive
geleiras, escari�cando o terreno, arrastando blocos rochosos e esculpindo a
paisagem.

Esse importante elemento se encontra distribuído no planeta conforme o


Quadro 3 a seguir.

Quadro 3 Distribuição de água nos principais reservatórios naturais.

Reservatório Volume (%)

Oceanos 94

Geleiras e capas de gelo 2

Águas subterrâneas 4

Lagos, rios, pântanos e reservatórios arti�ci-


<0,01
ais

Umidade nos solos <0,01

Biosfera <0,01

Atmosfera <0,01
Fonte: Karmann (2000, n. p.).

O volume de água no planeta Terra é relativamente constante, devido à exis-


tência do ciclo da água, que mantém o equilíbrio do sistema. A água pode ser
encontrada nos estados líquido, sólido e gasoso, nas proporções apresentadas
anteriormente.

Assim, em linhas gerais, esse ciclo se inicia com as precipitações, ou seja, pela
ocorrência das chuvas oriundas da condensação do vapor de água presente na
atmosfera. Assim, a aglutinação dessas partículas gera uma gota e precipita.

Durante esse processo, ainda pode ocorrer a transformação do vapor de água


em gelo. Quando essas partículas se aglutinam, ganham peso e tamanho,
transformando-se em cristais de gelo e precipitando-se em forma de neve ou
granizo. Esse processo garante a manutenção das geleiras, das calotas polares
e dos cumes de montanhas, que correspondem a 2% da água armazenada na
superfície terrestre.

O segundo passo desse ciclo ocorre pelos processos de evaporação direta in-
trínseca à precipitação; concomitantemente, ocorre o vapor de água formado
sobre o solo. A junção desses dois momentos forma a evapotranspiração.

Evapotranspiração = evaporação direta + vapor d'água sobre o solo


Segundo Karmann (2000, n. p.):

[...] a evapotranspiração em áreas �orestadas de clima quente e úmido devolve à at-


mosfera até 70% da precipitação. Em ambientes glaciais o retorno da água para a
atmosfera se dá pela sublimação do gelo, na qual a água passa diretamente do esta-
do sólido para o gasoso, pela ação do vento.

Seguindo no ciclo, quando a água atinge o solo, podem ocorrer dois processos:

• Em estado líquido, a água in�ltra, dependendo da permeabilidade da su-


perfície, ou seja, das características da cobertura. Essa água in�ltrada é
conduzida pela força da gravidade aos lençóis freáticos.
• O escoamento super�cial ocorre quando o lençol freático satura, ou seja,
quando a capacidade de absorção da água no subsolo se esgota-se, de mo-
do que aquela água que não in�ltrou escoa super�cialmente. Sob efeito
gravitacional, a água tende a se depositar nas áreas mais baixas do rele-
vo.

De acordo com Karmann (2000, n. p.):


Este escoamento inicia-se através de pequenos �letes de água, efêmeros e dissemi-
nados pela superfície do solo, que convergem para os córregos e rios, constituindo
a rede de drenagem. O escoamento super�cial, com raras exceções, tem como des-
tino �nal os oceanos. É bom lembrar ainda que parte da água de in�ltração retorna
à superfície através de nascentes, alimentando o escoamento super�cial ou, atra-
vés de rotas de �uxo mais profundas e lentas, reaparece diretamente nos oceanos.
Durante o trajeto geral do escoamento super�cial nas áreas emersas e, principal-
mente na superfície dos oceanos, ocorre a evaporação, realimentando o vapor de
água atmosférico, completando, assim, o ciclo hidrológico. Estima-se que os ocea-
nos contribuem com 85% do total anual evaporado e os continentes com 15% por
evapotranspiração.

Por meio da Figura 11, podemos visualizar o ciclo da água.

Figura 11 Ciclo da água.

O ciclo hidrológico brasileiro requer atenção, uma vez que “O Brasil concentra
em torno de 12% da água doce do mundo disponível em rios e abriga o maior
rio em extensão e volume do Planeta, o Amazonas” (SOCIOAMBIENTAL, 2012).

Pela posição, dimensão territorial e fatores como condição climática, geológi-


ca e geomorfológica, o processo de evapotranspiração é acentuado e quase a
totalidade do território brasileiro recebe chuvas abundantes durante o ano,
culminando na formação de uma extensa e densa rede de rios. Essa água, no
entanto, é distribuída de forma irregular, apesar da abundância.

Segundo o site do Instituto Socioambiental (2012):


A Amazônia, onde estão as mais baixas concentrações populacionais, possui 78%
da água super�cial. Enquanto isso, no Sudeste, essa relação se inverte: a maior con-
centração populacional do país tem disponível 6% do total da água.

Destaca-se que os rios e os lagos brasileiros têm apresentado péssima


qualidade da água disponível para captação e abastecimento. Os cursos de
água em regiões como a amazônica e o Pantanal apresentam contaminação
por metais pesados utilizados nos garimpos clandestinos, além dos
agrotóxicos nos campos de lavoura; já nas grandes cidades, a qualidade dos
recursos hídricos é ameaçada pelo despejo de esgotos domésticos e
industriais não tratados, além do uso dos rios como local de despejo de lixo.

Divisão hidrológica brasileira


Os sistemas hidrológicos que ocorrem no Brasil são muito relevantes e
constituem-se num expressivo recurso natural. Aliás, a bacia Amazônica,
principal Bacia Hidrográ�ca do mundo, está localizada em território brasileiro.

A densidade da rede �uvial brasileira ocorre pela pluviosidade que, em


algumas regiões, pode chegar, segundo Cunha e Guerra (2003), a 2.000mm
anuais. É claro que esse índice não é veri�cado em todo o território, pois, como
acompanhamos anteriormente, o clima e o relevo exercem signi�cativa
in�uência na composição hídrica.

A nossa vasta rede hidrográ�ca é um importante recurso natural, a�nal, seu


tamanho e volume, associados às formas de planaltos que constituem o relevo
brasileiro, podem gerar 66.618,23 mW de energia elétrica. Isso acontece devido
ao elevado potencial hídrico de nosso país, que também viabiliza processos de
irrigação nas áreas de produção agrícola e de abastecimento dos núcleos
urbanos.

Os principais rios brasileiros nascem no Planalto das Guianas, na Cordilheira


dos Andes e no Planalto Brasileiro. Esses rios são responsáveis pela formação
das grandes bacias, que, segundo a Resolução nº 32, de 15 de outubro de 2003,
da Agência Nacional de Águas (ANA), estão divididas em 12 Regiões
Hidrográ�cas, conforme a Figura 12.
Figura 12 Mapa das regiões hidrográ�cas do Brasil, segundo o IBGE, 2003.

Cabe ressaltar que a con�guração das Bacias Hidrográ�cas depende não só da


interação de fatores físico-naturais, mas também da intervenção antrópica.
Segundo a conceituação utilizada pela ANA (2003, n. p.), as Bacias
Hidrográ�cas podem ser de�nidas como uma área de drenagem de um curso
de água e, especialmente, como:

[...] uma área de�nida topogra�camente (divisor com outra Bacia Hidrográ�ca), on-
de toda a chuva que cai no seu interior é drenada por um curso d’água (rio princi-
pal) ou um sistema conectado de cursos d’água (a�uentes ao rio principal). Toda
vazão e�uente é descarregada através de uma simples saída (“boca” do rio) no pon-
to mais baixo da área.

Já a região hidrológica é entendida como:


[...] o espaço territorial brasileiro compreendido por uma bacia, grupo de bacias ou
sub-bacias hidrográ�cas contíguas com características naturais, sociais e
econômicas homogêneas ou similares, com vistas a orientar o planejamento e
gerenciamento dos recursos hídricos (ANA, 2003, n. p.).

Partiremos, agora, para a caracterização dessas áreas.

Vamos lá?

Região Hidrográ�ca Amazônica


De acordo com o site da ANA (2012), a Região Hidrográ�ca Amazônica:

É constituída pela bacia hidrográ�ca do rio Amazonas situada no território nacio-


nal, pelas bacias hidrográ�cas dos rios existentes na Ilha de Marajó, além das baci-
as hidrográ�cas dos rios situados no Estado do Amapá que deságuam no Atlântico
Norte.

Essa região apresenta uma extensão de 6.112.000 km2, o que representa,


aproximadamente, 42% do território nacional. Estão compreendidos, nessa
bacia, os estados do Amazonas, do Amapá, do Acre, de Rondônia e de Roraima,
além de porções do território do Pará e do Mato Grosso (Figura 13).

O principal rio dessa bacia é o Amazonas, com uma extensão de 6.275 km. O
relevo é majoritariamente constituído por planícies, o que não viabiliza a
produção consistente de energia elétrica. Entretanto, nos Andes, local da
nascente do rio Amazonas, a topogra�a apresenta boas quedas. Segundo os
dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANAEEL) (2009), essa bacia,
apesar de ser a maior do mundo, possui uma reduzida capacidade de
produção energética, com apenas 667,3 mW, ou seja, 1% de toda a energia
hidroelétrica produzida no país.

No Brasil, o rio Amazonas assume, inicialmente, a denominação de rio


Solimões, recebendo o nome de Amazonas após a con�uência com o rio
Negro.
Essa bacia está numa área de Clima Equatorial, com uma vegetação muito
densa e fechada. Essas características favorecem a umidade do ar, que,
associada ao clima quente, contribui para a precipitação; dessa forma, há,
nessa área, um alto índice pluviométrico, que varia entre 1.800mm e 3.400mm
anuais.

Os rios que compõem essa bacia são perenes, ou seja, nunca secam. Além
disso, a coloração das águas indica as características dos cursos de água: os
que transportam grandes quantidades de sedimentos são conhecidos como
rios de águas brancas, como, por exemplo, o rio Madeira; já os rios com menor
carga de sedimentos são rios de águas pretas, como o rio Negro.

Segundo o IBGE, conforme pesquisas realizadas no Censo de 2000, essa região


apresenta, aproximadamente, 7.609.424 habitantes, o que corresponde a 4,5%
da população brasileira e a uma densidade demográ�ca de 2,01 hab./km².
Devido ao processo de ocupação e desenvolvimento dessa bacia, iniciado em
meados do século 20, foram construídos barramentos não só para geração de
energia (os quais eram possíveis pela forma do relevo), mas também para
abastecimento.

Inúmeras políticas públicas atuam para promover a ocupação desse território;


entretanto, como produto dessas políticas de desenvolvimento territorial,
veri�camos o grande e acelerado desmatamento da área. Esse fato pode
comprometer o regime pluviométrico, pondo em risco as nascentes dos rios
que compõem a bacia. Outro problema que vem comprometendo essas águas
são os garimpos, que aceleram os processos de assoreamento dos rios da
região.
Figura 13 Mapa da Bacia Hidrográ�ca do Amazonas.

Região Hidrográ�ca do Tocantins/Araguaia


Essa região é constituída pela Bacia Hidrográ�ca que vai do rio Tocantins até
a sua foz no Oceano Atlântico, localizando-se quase entre os paralelos 2º e 18º
e os meridianos de longitude oeste 46º e 56º.

Possui uma área de 967.059 km², o que representa 11% do território nacional, e
engloba o estado de Goiás (26,8%), de Tocantins (34,2%), do Pará (20,8%), do
Maranhão (3,8%) e do Mato Grosso (14,3%), além do Distrito Federal (0,1%). Os
principais rios são o Tocantins e o Araguaia; o primeiro apresenta 2.640 km de
extensão. Essa bacia encontra-se subdividida em dez sub-bacias.

A média pluvial anual é de 1.660mm. Os rios são perenes, com enchentes no


verão; entretanto, seu potencial hidroelétrico não é muito expressivo, uma vez
que está na área plana das depressões presentes na Plataforma Amazônica, ou
seja, apresenta relevo formado por colinas amplas e altitudes que, em geral,
não ultrapassam 600m. Segundo a ANEEL (2009), essa bacia tem um potencial
de produção de energia em torno de 11,7% em relação à capacidade nacional.

A Região Hidrográ�ca do Tocantins/Araguaia (Figura 14) guarda uma questão


bem expressiva no que se refere à intervenção antrópica no meio físico-
natural, pois, nessa área, foi construída a Barragem do Tucuruí, que provocou
um grande impacto no meio ambiente. Vale destacar que, devido às caracte-
rísticas do relevo, o potencial hidroelétrico da região é muito baixo.

Nessa área, habitam, aproximadamente, 7,9 milhões de pessoas, sendo 72%


em áreas urbanas. A sua densidade demográ�ca é de 8,1 hab./km², bem menor
que a densidade demográ�ca do país (19,8 hab./km²).

Do ponto de vista econômico, essa região apresenta grande potencialidade pa-


ra a agricultura irrigada, especialmente para o cultivo de frutas, arroz e outros
grãos (milho e soja). Atualmente, 66% das águas da Bacia do Tocantins são
usadas para esses �ns, sobretudo para o cultivo de arroz por inundação.

Figura 14 Mapa da Bacia Hidrográ�ca do Tocantins/Araguaia com as dez sub-bacias.

Região Hidrográ�ca Atlântico Nordeste Ocidental


É constituída pelas Bacias Hidrográ�cas dos rios que deságuam no Atlântico,
especi�camente no trecho nordeste, limitada, a oeste, pela Região
Hidrográ�ca do Tocantins/Araguaia e, a leste, pela Região Hidrográ�ca do
Parnaíba. Os estados que a compõem são o Maranhão e uma pequena parte
oriental do Pará; além disso, a região é formada pelas Bacias Hidrográ�cas dos
rios Gurupi, Turiaçu, Pericumã, Mearim, Itapecuru e Munim, bem como o lito-
ral do Maranhão. Essa região ocupa uma extensão de 254.100 km2, represen-
tando 4,3% do território nacional.

As águas subterrâneas são a principal fonte de abastecimento da população


do estado do Maranhão, sobretudo nas regiões de Clima Semiárido, nas quais
muitos rios são intermitentes (MMA, 2012).

De acordo com o site MMA (2012):

A região contempla porções de diferentes ecossistemas, dos quais os mais


importantes são a Floresta de Transição entre o bioma Amazônico e o do Cerrado, a
�oresta estacional decidual (mata caducifólia), o cerrado e as formações litorâneas.
A região costeira do estado do Maranhão abriga ecossistemas de relevante
importância tanto para os estudos biológicos quanto para o desenvolvimento
sustentável do ecoturismo, dada as suas características singulares de riqueza
natural e beleza cênica.

Os impactos ambientais negativos mais signi�cativos em função da ocupação


antrópica são observados, atualmente, na zona de transição ocidental da �oresta
tropical. Em grande parte da região, observa-se o uso e o manejo inadequado dos
solos, principalmente em função de práticas agrícolas impactantes, acarretando
processos erosivos, salinização e, em alguns casos, formação de áreas
deserti�cadas.

Nessa região, 35% dos recursos hídricos são destinados para uso rural, 29%
para uso urbano e 17% para irrigação. A demanda para o uso industrial é
somente de 4%, e:

[...] embora apresente essa reduzida demanda, o setor industrial tem alguma
importância, principalmente no que se refere ao complexo siderúrgico de Itaqui
(MA) e segmentos de indústrias leves agrupados em distritos industriais. Algumas
das principais tipologias agroindustriais presentes na bacia são frigorí�cos, sucos e
conservas, abatedouros e fecularias (MMA, 2012).

Região Hidrográ�ca do Parnaíba


É constituída pela Bacia Hidrográ�ca do rio Parnaíba. E, de acordo com o site
MMA (2012), “hidrologicamente a segunda mais importante da Região
Nordeste do Brasil, após a bacia do rio São Francisco”.

Essa região apresenta uma área de 344.112 km2, o que representa 3,9% do terri-
tório nacional, e drena quase todos os rios do Piauí e parte do Maranhão e do
Ceará. O principal curso de água é o rio Parnaíba e, segundo o site da ANA
(2012a):

O rio Parnaíba possui 1.400 quilômetros de extensão e a maioria dos a�uentes


localizados à jusante de Teresina são perenes e supridos por águas pluviais e
subterrâneas.

Já o site MMA (2012) a�rma que “a água subterrânea representa a principal


fonte de abastecimento da população do estado do Piauí. Estima-se que mais
de 80% das cidades do estado usam água de poços”.

A vegetação que caracteriza essa região é a Caatinga, presente na porção ori-


ental da região, na região semiárida, na Floresta Úmida e na Floresta
Semiúmida e, na porção ocidental, na Floresta Tropical Úmida.

A economia dessa região é muito incipiente, com elevado índice de pobreza


associado a um quadro demográ�co de baixa evolução populacional, de forma
que a população rural é mais numerosa. A produção agrícola é constituída pe-
la subsistência e pela rizicultura cultivada em áreas alagáveis. Parte de sua
improdutividade justi�ca-se pelas condições climáticas pouco favoráveis,
uma vez que predomina o Clima Tropical Equatorial. Na região hidrográ�ca do
Parnaíba, as temperaturas médias anuais variam em torno de 24°C e 27°C, e o
regime de chuvas não apresenta nem homogeneidade, nem densidade.

O uso das águas dessa região está dividido em: irrigação, com 64%; necessida-
des rurais e urbanas, que correspondem, respectivamente, a 12% e a 13% do to-
tal dos recursos; e o uso industrial, que responde por 1% do consumo.

Região Hidrográ�ca Atlântico Nordeste Oriental


É constituída pelas Bacias Hidrográ�cas dos rios que deságuam no trecho
nordeste do Atlântico, limitada, a oeste, pela Região Hidrográ�ca do Parnaíba
e, ao sul, pela Região Hidrográ�ca do São Francisco. Com uma área de 287.348
km2, equivalente a 3% do território brasileiro, apresenta o bioma da Caatinga
no interior da região, fragmentos de Cerrado, Floresta Atlântica e ecossistemas
costeiros.

Economicamente, veri�camos a ocorrência da pecuária no sertão e da planta-


ção de cana-de-açúcar na zona da mata nordestina, além da extração da ma-
deira, que causa grande impacto no meio ambiente. Essa região apresenta cin-
co sub-bacias e a maior demanda de suas águas é para uso urbano e rural, o
que representa, respectivamente, 15% e 7% do total. O uso dos recursos para a
irrigação corresponde a 70% do total da região.

Segundo o site MMA (2012):

A Zona Costeira do Nordeste é caracterizada pela ausência de grandes rios e a pre-


dominância das águas quentes da Corrente Sul Equatorial, as quais determinam
um ambiente propício para a formação de recifes de corais, suportando uma gran-
de diversidade biológica.

Quanto ao potencial hidroelétrico dessa região, podemos dizer que a junção do


Parnaíba e do Atlântico Nordeste Ocidental corresponde a 300,92 mW, ou seja,
0,5% da produção nacional. Esse baixo potencial pode ser explicado pelo clima
predominante nas três regiões, que é de longos períodos de seca, bem como
pela irregularidade pluviométrica.

Aspectos do relevo e do clima predominante são importantes na de�nição do


regime pluviométrico e, consequentemente, na con�guração �uvial, pois, de-
vido à existência da Serra da Mangabeira, da Chapada do Araripe e do
Planalto da Borborema, as massas de ar vindas do oceano são barradas, favo-
recendo a ocorrência do Clima Tropical Equatorial e do Clima Tropical
Litorâneo do Nordeste Oriental. Essa con�guração físico-natural justi�ca a
baixa precipitação veri�cada na área central da bacia, que aumenta em dire-
ção aos extremos.

No litoral do Ceará, do Rio Grande do Norte, da Paraíba e do Pernambuco, en-


contramos manguezais, lagoas costeiras e estuários dotados de grande biodi-
versidade e riqueza de espécies de relevante interesse econômico; assim, a
área vem sofrendo forte pressão antrópica. No Ceará, essas áreas têm sido uti-
lizadas para aquicultura, sendo marcadas, também, pela pesca predatória. A
expansão urbana, as indústrias e a falta de saneamento básico geram um im-
portante impacto nessas águas e no meio ambiente como um todo. No Rio
Grande do Norte, os maiores impactos nesses ambientes são decorrentes das
atividades canavieiras e dos esgotos domésticos e hospitalares, além do extra-
tivismo predatório.

Nos estados da Paraíba e Pernambuco, as ameaças mais importantes são: o


desmatamento, a especulação imobiliária, as agroindústrias, os canaviais e os
e�uentes urbanos e químicos. O manejo inadequado da terra, cuja origem está
em práticas agrícolas inapropriadas, acarreta processos erosivos, salinização
e formação de áreas deserti�cadas. Parte signi�cativa das bacias costeiras
apresenta vulnerabilidade dos solos de moderada a acentuada.

Região Hidrográ�ca do São Francisco


Essa região é constituída pela Bacia Hidrográ�ca do rio São Francisco e tem
634.000 Km2, cerca de 10% do território nacional. Já o rio São Francisco tem
3.161 km de extensão. Os estados que a compõem são: Minas Gerais, Bahia,
Pernambuco, Alagoas e Sergipe.

Essa bacia apresenta-se fracionada em dez sub-bacias, agrupadas em quatro


grandes regiões: a do Alto São Francisco, a do Médio, a do Submédio e do
Baixo São Francisco.

Na região do Alto São Francisco, desenvolvem-se atividades mineradoras e si-


derúrgicas, além de uma grande concentração urbano-industrial. Na porção
do Médio São Francisco, predomina a atividade pecuária, pouco modernizada.
Já na parte sudoeste dessa região, há um crescente desenvolvimento da ativi-
dade agrícola moderna e da introdução de agroindústrias. Finalmente, na re-
gião metropolitana de Belo Horizonte, há uma forte presença do setor agrícola
e da atividade industrial correlata.

No Submédio São Francisco, onde se encontram as cidades de Juazeiro e


Petrolina, temos uma área de ocupação agrícola com utilização de tecnologias
modernas (perímetros de irrigados). Contudo, boa parte do espaço restante é
caracterizada por uma pecuária pouco modernizada e pela agricultura de sub-
sistência.

Temos, ainda, o Baixo São Francisco, no qual predominam somente as ativi-


dades agropecuárias e a agricultura de subsistência.

Do ponto de vista físico, temos, nessa bacia, uma média anual de precipitação
que varia de 350mm a 1.500mm, de forma que os maiores índices são veri�ca-
dos nas nascentes, �cando menos abundante no restante da bacia. Alguns rios
são perenes por causa da in�uência do clima tropical, enquanto outros são
considerados temporários e intermitentes, com características semelhantes
ao que ocorre na Bacia do Atlântico Nordeste. As temperaturas �cam entre
23°C e 26,5°C.

A Bacia do São Francisco (Figura 15) apresenta um signi�cativo potencial hi-


droelétrico. Segundo dados da ANEEL (2009), ela tem uma capacidade de pro-
dução que corresponde a 15,5% de toda a capacidade energética do país. Isso,
em números absolutos, equivale a 10.289,64 mW.

Figura 15 Mapa da Bacia do Rio São Francisco.


Região Hidrográ�ca Atlântico Leste
É constituída pelas Bacias Hidrográ�cas de rios que deságuam no trecho leste
do Atlântico. Abrange o estado de Sergipe, da Bahia, de Minas Gerais e do
Espírito Santo.

Conta com uma área de 374.677 km², equivalente a 4% do território brasileiro.


A população dessa região, no ano 2000, era de, aproximadamente, 13.641.045
habitantes, 8% da população do país, e a ocupação urbana representava 70% do
total. Nessa região, existe uma densidade demográ�ca de 36 hab./km², en-
quanto a média do Brasil é de 19,8 hab./ km².

Segundo o site ANA (2012b): “a Região Hidrográ�ca Atlântico Leste tem frag-
mentos dos Biomas da Floresta Atlântica, da Caatinga, pequena área de
Cerrados e, evidentemente, biomas Costeiros e Insulares”.

Essa região apresenta a maior intervenção antrópica; por isso, há o desmata-


mento da vegetação nativa. Devido às atividades pecuárias desenvolvidas na
área, a Caatinga foi devastada. Além disso, a cultura canavieira invadiu e des-
matou as áreas do Recôncavo Baiano e da Zona da Mata, e as matas úmidas
do sul da Bahia foram substituídas pelas plantações de cacau. “Ainda hoje, o
extrativismo vegetal, principalmente para exploração do potencial madeireiro,
representa uma das atividades de maior impacto no meio ambiente” (ANA,
2012b).

O potencial hidroelétrico dessa bacia é de 2.589,00 mW, o que representa 3,9%


da produção nacional. A Bacia do Atlântico Leste é formada por dez sub-
bacias e, dos recursos disponíveis, a demanda urbana responde por 35% do
uso total, a rural corresponde a 15% e a demanda para uso animal corresponde
a, aproximadamente, 8%.

Região Hidrográ�ca Atlântico Sudeste


É formada pelas Bacias Hidrográ�cas de rios que deságuam no trecho sudeste
do Atlântico, limitada, a norte, pela Região Hidrográ�ca do Atlântico, a leste e
a oeste, pelas Regiões Hidrográ�cas do São Francisco e do Paraná, e, a sul, pela
Região Hidrográ�ca do Atlântico Sul. Com uma área de 229.972 km2, 2,7% do
território nacional, ocupa o estado do Espírito Santo, do Rio de Janeiro e de São
Paulo, seguindo pelo litoral até o Paraná. Seus principais rios são o rio Paraíba
do Sul e o rio Doce, com, respectivamente, 1.150 km e 853 km de extensão.
Todos os rios que formam essa região deságuam no Oceano Atlântico e são
perenes, visto que a média pluviométrica anual é de 1.394mm. A produção hi-
droelétrica dessa região pode chegar a 2.519,32 mW, ou seja, 3,8% da capacida-
de nacional.

Seu elevado contingente populacional, com, aproximadamente, 25,6 milhões


de habitantes, ou 15,1% da população brasileira, justi�ca-se pela importância
econômica, sobretudo industrial, que desempenha no país. O desenvolvimento
socioeconômico da região tem gerado, especialmente por causa da pequena
disponibilidade hídrica da bacia, o esgotamento desses recursos, o que se con-
trapõe à grande demanda requerida pela população. Nessa região, 89,7% vi-
vem em áreas urbanas, concentrando-se em grandes regiões metropolitanas,
como a do Rio de Janeiro e a de Vitória.

O uso dos recursos para o abastecimento urbano chega a 41%; já a indústria


consome 15% do total da região hidrográ�ca. As principais atividades industri-
ais são a siderurgia, a alimentícia e a aeronáutica.

O maior impacto ambiental veri�cado nessa região ocorre por causa da ocupa-
ção irregular do solo, concentrando-se, muitas vezes, em áreas de encostas, ri-
beirinhas ou de mananciais, o que põe em risco a rede �uvial.

O bioma encontrado é o da Mata Atlântica, que começa no litoral norte do


Paraná e acompanha a costa até a divisa do estado do Rio de Janeiro e do
Espírito Santo, incluindo algumas das áreas mais bem conservadas de
Floresta Ombró�la Densa Atlântica do Brasil, como trechos da Serra do Mar.

Região Hidrográ�ca do Paraná


É constituída pela Bacia Hidrográ�ca do rio Paraná (Figura 16), possui uma ex-
tensão de 877.000 km2, ou 10% do território nacional, e abrange o estado de São
Paulo, do Paraná, do Mato Grosso do Sul, de Minas Gerais, de Goiás, de Santa
Catarina e o Distrito Federal.
O principal rio dessa bacia é o Paraná, com, aproximadamente, 4.000 km de
extensão, bem como seus a�uentes: o rio Paranapanema, o rio Paranaíba, o rio
Araguari, o rio Corumbá, o rio Grande, o rio Sapucaí, o rio Mogi-Guaçu, o rio
Tietê, entre outros. Essa bacia apresenta excelente potencial hidroelétrico,
sendo responsável por 59,3% de toda produção nacional, o que, em números
absolutos, representa 39.626,81 mW.

Atualmente, contabilizam-se 176 usinas hidroelétricas na região, com desta-


que para a de Itaipu, a de Furnas, a de Porto Primavera e a de Marimbondo. Tal
característica se justi�ca pelo fato de a área ser de planalto, com altitudes que
podem alcançar até 1.000m. Segundo a classi�cação do Ibama (2012), a Bacia
do Paraná encontra-se dividida em dez sub-bacias: Rio Paranaíba; Rio Grande;
Rio Paraná, Tietê e outros; Rio Paraná e Pardo; Rio Paraná e Parapanema; Rio
Paraná, Iguaçú e outros; Rio Paraguai, São Lourenço e outros; Rio Paraguai,
Apa e outros; Rio Paraná e Corrientes; Rio Paraná, Tercero e outros.

A média anual de precipitação pode chegar a 1.358mm. Os rios dessa bacia são
perenes e alguns deles cortam grandes núcleos urbanos, como, por exemplo, o
rio Tietê, que atravessa São Paulo, recebendo altas cargas de poluentes.

Do ponto de vista socioeconômico, essa região possui o maior desenvolvimen-


to econômico do país, além de 32% da população brasileira.

Segundo o site Ana (2012c):

Originalmente, a região hidrográ�ca do Paraná apresentava o bioma da Mata


Atlântica e do Cerrado, e cinco tipos de cobertura vegetal: Cerrado, Mata Atlântica,
Mata de Araucária, Floresta Estacional Decídua e Floresta Estacional Semidecídua.
O uso do solo na região passou por grandes transformações ao longo dos ciclos
econômicos do país, fato que ocasionou o grande desmatamento.

As terras dessa região são, majoritariamente, destinadas à pastagem (57%),


mas também são usadas para as lavouras (23%). Apenas 20% ainda abrigam a
vegetação nativa.

As atividades agropecuárias mais relevantes são a pecuária, o cultivo da


laranja, da soja, da cana-de-açúcar e do café. O setor industrial instalado nessa
região é composto por metalurgia, indústrias químicas e farmacêuticas.

As águas são destinadas à irrigação, ao abastecimento urbano, às indústrias e


ao abastecimento rural.

Figura 16 Mapa da Bacia do Rio Paraná.

Região Hidrográ�ca Atlântico Sul


É constituída pelas Bacias Hidrográ�cas dos rios que deságuam no trecho sul
do Atlântico. Essa região se inicia no litoral de Santa Catarina e estende-se até
o arroio Chuí, ao sul. Possui uma área total de 185.856 km2.

Nessa região:

[...] predominam rios de pequeno porte que escoam diretamente para o mar. As
exceções mais importantes são os rios Itajaí e Capivari, em Santa Catarina, que
apresentam maior volume de água. Na região do Rio Grande do Sul são
encontrados rios de grande porte, como o Taquari-Antas, Jacuí, Vacacaí e Camaquã
(BRASIL, 2012).
Esses rios estão ligados aos sistemas lagunares da Lagoa Mirim e dos Patos.

Possui, como vegetação original, a Mata Atlântica, que tem sofrido intensa
ação antrópica, desde São Paulo até o norte do Rio Grande do Sul. Estima-se,
atualmente, que apenas 12% dela estejam preservadas. A Floresta de Araucária
é encontrada em pequenas extensões e em áreas altas, acima de 600m ou
800m de altitude. Em função da atividade madeireira ocorrida no início do sé-
culo passado, a área está intensamente antropizada.

Na região litorânea, destacam-se os Manguezais e as Restingas. As formações


naturais de campos, que ocorrem predominantemente nas áreas altas de
Planalto do Rio Grande do Sul, foram fortemente alteradas pela instalação de
lavouras. A área aproximada das unidades de conservação na região é de 2,5%.

O site Portal São Francisco (2012) a�rma que:

As enseadas estuarinas localizadas ao entorno das cidades de Rio Grande,


Tramandaí e Torres, no Rio Grande do Sul, e de Itajaí, Laguna e em parte dos man-
guezais de São Francisco do Sul, em Santa Catarina, encontram-se sob forte pres-
são antrópica. No Rio Grande do Sul, o entorno das três regiões urbanas recebe forte
contaminação por e�uentes domésticos e industriais.

A população dessa região é de, aproximadamente, 11.592.481 habitantes, o que


corresponde a 6,8% da população do país, de modo que 84,9% estão localizadas
em área urbana. A densidade demográ�ca é de 62,4 hab./km2, enquanto a
média do Brasil é de 19,8 hab./km2.

O aproveitamento das águas dessa região está dividido da seguinte forma: a


irrigação consome 78% do total destinado ao cultivo do arroz (rizicultura) por
inundação; em seguida, vem a utilização para o abastecimento urbano, com
9%; e, �nalmente, o abastecimento rural, com 8%. O setor industrial consome,
aproximadamente, 9% do total da região.

Região Hidrográ�ca do Uruguai


É constituída pela Bacia Hidrográ�ca do rio Uruguai (Figura 17), limitada, ao
norte, pela região hidrográ�ca do Paraná, a oeste, pela Argentina e, ao sul, pelo
Uruguai. Essa bacia ocupa uma área de 178.000 Km2, cujo rio principal tem
uma extensão de 2.200 km, e é formada pelos estados de Santa Catarina e Rio
Grande do Sul. “A Região Hidrográ�ca do Uruguai tem grande importância pa-
ra o país em função das atividades agroindustriais e do seu potencial hidrelé-
trico” (ANA, 2012d). A junção das bacias do Paraná e do Paraguai formam a
grande Bacia do Prata.

Do ponto de vista hidroelétrico, essa região tem uma capacidade de produzir


2.859,59 mW, ou 4,3% do total nacional. A média pluviométrica dessa bacia é
de 1.567mm ao ano. Os rios são perenes, como os que compõem a Bacia do
Atlântico Sudeste.

Segundo o site Portal São Francisco (2012a):

Originalmente, a região apresentava, em termos de vegetação, nas nascentes do rio


Uruguai, os Campos e, na direção sudoeste, a Mata do Alto Uruguai (Mata
Atlântica). Atualmente, a região encontra-se intensamente desmatada e apenas
áreas restritas conservam a vegetação original. As principais alterações são con-
sequência da expansão agrícola, notadamente das lavouras de arroz irrigado na re-
gião da Campanha e as de soja e trigo no Planalto. Nas áreas de minifúndio, locali-
zadas nos vales, foram desenvolvidas, intensamente, a suinocultura e a avicultura.

A população, nessa região, chega a 3.834.654 habitantes, 2,3% da população do


país, e a densidade demográ�ca é de 22,0 hab./ km2, enquanto a média do
Brasil é 19,8 hab./km2.

O site Comitê Ibicui (2012) a�rma que “a maior parte do consumo de água vem
do cultivo do arroz (rizicultura) por inundação, que se concentra no oeste do
Rio Grande do Sul [...]”. E a�rma, ainda, que “os consumos para abastecimento
urbano, rural e industrial e dessedentação de animais são pouco signi�cativos
dentro da relação demanda/disponibilidade da região”. Na região,
São importantes fontes de contaminação das águas super�ciais e subterrâneas na
região os e�uentes da suinocultura e da avicultura no oeste catarinense e os agro-
tóxicos, utilizados principalmente na rizicultura (COMITE IBICUI, 2012).

Figura 17 Mapa da Bacia do Rio Uruguai.

Região Hidrográ�ca do Paraguai


Constituída pela Bacia Hidrográ�ca do rio Paraguai, essa bacia ocupa uma
área de 368.000 Km2, ou 4,6% do território nacional, e seu principal rio apre-
senta uma extensão de 2.070 km. Fazem parte dessa bacia o estado do Mato
Grosso e do Mato Grosso do Sul.

A grande importância dessa região é a presença do Pantanal, cujas terras são


baixas e apresentam uma capacidade de drenagem pequena, deixando a re-
gião inundada em partes do ano. Assim, o Pantanal funciona como grande re-
servatório, retendo a água que vem do planalto. Devido ao seu clima e ao seu
relevo, pode-se dizer que cerca de 60% da água proveniente do Planalto é per-
dida por evaporação.
Na Região Hidrográ�ca do Paraguai, observa-se a presença dos biomas de
Cerrado e Pantanal, além de zonas de transição. A vegetação predominante é
a Savana Arborizada (Cerrado) e a Savana Florestada (Cerradão).

A pecuária extensiva é a principal atividade da região, sendo praticada nos


campos naturais das planícies do Pantanal. Grandes áreas de cerrado na re-
gião do Planalto foram desmatadas para o estabelecimento de atividades
agroindustriais, com produtos para exportação. A mineração de ouro, diaman-
te, calcário, ferro e manganês também é uma atividade importante, especial-
mente em áreas do Planalto.

Desde a década de 1970, a expansão da pecuária e da soja em áreas do Planalto


tem fomentado o desmatamento e a erosão. O fato de vários rios da região, co-
mo o Taquari e São Lourenço, apresentarem elevada capacidade de transporte
de sedimentos tem aumentado a deposição de sedimentos no Pantanal e, con-
sequentemente, o assoreamento dos rios localizados nas regiões de menor al-
titude.

A média anual de precipitação nessa bacia é de 1.370mm. Os rios são perenes,


com características semelhantes àquelas da Bacia do Paraná. Os recursos hí-
dricos dessa região são destinados para a pecuária, a agricultura, a irrigação, o
abastecimento urbano e o uso industrial.

Além disso, assista ao vídeo a seguir, no qual o professor doutor Antonio Cezar
Leal aborda o Planejamento e Gestão das Águas em Bacias Hidrográ�cas.

Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem, respondendo à questão a se-


guir.

Para responder a questão, observe o mapa das massas de ar, na Figura 18, a se-
guir:

Figura 18 Massas de ar do Brasil.

8. Considerações
Neste primeiro ciclo de aprendizagem, você teve a oportunidade de aprender
sobre as características naturais do território brasileiro, no que se refere, espe-
cialmente, a relevo, clima e hidrogra�a. Ao �nal deste ciclo, é importante iden-
ti�car sobre qual relevo, clima e bacia hidrográ�ca seu município se encontra.

No próximo ciclo, continuaremos o estudo das características naturais do


Brasil, analisando os biomas e domínios morfoclimáticos.
(https://md.claretiano.edu.br

/geobraagrmeiamb-gs0034-ago-2022-grad-ead-np/)

Ciclo 2 – Domínios Morfoclimáticos

Eder Paulo Spatti Junior


Jucilene Galvão
Thaís Minatel Tinós.
Vivian Fernanda Mendes Merola.

Objetivo
• Articular características climáticas, geológicas, geomorfológicas e hi-
drográ�cas para a caracterização do território brasileiro.

Conteúdos
• Biomas brasileiros.
• Domínios morfoclimáticos.
• Litoral brasileiro.

Problematização
Como conceituar os biomas e quais suas características no Brasil? Quais as
características de cada um dos domínios morfoclimáticos brasileiros? Qual a
importância natural e socioeconômica do litoral brasileiro?

Orientação para o estudo


Neste ciclo de aprendizagem, estudaremos os biomas e domínios morfocli-
máticos, que, em alguns casos, parecem tratar do mesmo espaço geográ�co.
E, muitas vezes, isso realmente ocorre; entretanto, precisamos ter em mente
que foram concebidos com instrumentos analíticos diferentes.
Para o melhor aproveitamento deste ciclo de estudos, acesse os materiais
complementares para ampliar seus conhecimentos quanto aos temas abor-
dados.

1. Introdução
Avançaremos, agora, na compreensão da caracterização natural do Brasil.
Contudo, para que estes estudos e leituras tenham uma abordagem geográ�ca,
é preciso tentar interligar os aspectos geológicos, geomorfológicos, climáticos
e biológicos com a vida e as atividades humanas.

Nesse aspecto, vamos abordar os biomas brasileiros que sofrem as con-


sequências do processo de ocupação e exploração humana, bem como as áre-
as litorâneas que concentram a maior parte da população brasileira.

2. Ecossistemas brasileiros
As características gerais do território brasileiro quanto à constituição física
podem ser ressaltadas segundo a separação em macrodomínios paisagísticos.
Tais características foram reunidas seguindo como referência a obra do pro-
fessor Aziz Ab’Sáber (2003) sobre os domínios da natureza do Brasil e suas po-
tencialidades paisagísticas.

Este ciclo apresenta uma divisão do território por meio de seus ecossistemas.
O termo “ecossistema”, pela sua de�nição, deve abranger os componentes bió-
ticos e abióticos e suas relações. Muito próximo ao conceito de “bioma”, que,
“[...] de�ne-se como uma comunidade de seres vivos, ou seja, fauna e �ora e
suas interações entre si e com o meio ambiente” (TROPPMAIR, 2008, p. 69).

De acordo com o IBGE (2004), o bioma é formado pelo agrupamento de tipos de


vegetação contíguos e identi�cáveis em escala regional, com condições geo-
climáticas similares e história compartilhada de mudanças, o que resulta em
uma diversidade biológica própria.

A expressão “ecossistemas brasileiros”, no entanto, será abordada aqui sob a


óptica da Fitogeogra�a, propondo uma diferenciação do território brasileiro
com base nos estudos de diferentes autores do chamado “mosaico dos ecos-
sistemas brasileiros”.

Desde os tempos do Ensino Médio, aprendemos que os biomas brasileiros são


a Amazônia, a Mata Atlântica, o cerrado, a caatinga, os pampas, o Pantanal e a
mata das araucárias. Segundo o Ibama (2010), os ecossistemas brasileiros
dividem-se em Amazônia, Pantanal, cerrado, Mata Atlântica, caatinga, cam-
pos sulinos e ecossistemas costeiros.

Neiman (1989) classi�ca a �togeogra�a brasileira em Floresta Amazônica,


Mata Atlântica, formações arbustivas (cerrados e caatingas) e Pantanal mato-
grossense. Segundo o autor, há outros ecossistemas brasileiros, como os man-
guezais, as restingas, a mata de araucária, os campos rupestres, os banhados,
a zona dos cocais e os pampas.

Jurandir Ross, no livro Geogra�a do Brasil, adota uma classi�cação mais pró-
xima do conceito de domínios de paisagem proposto por Ab’Sáber, conside-
rando que “[...] uma formação vegetal é resultado de sua história e de sua eco-
logia, adotou-se o conceito de agrupamento” (ROSS, 2001, p. 158).

Assim, ele admite os seguintes recortes vegetacionais para o território brasi-


leiro: terras baixas �orestadas da Amazônia, �orestas costeiras, depressões in-
terplanálticas semiáridas do Nordeste, chapadões cobertos por cerrados e pe-
netrados por �orestas de galeria, planaltos de araucárias e mata subtropical,
região das coxilhas com pradarias mistas e Pantanal mato-grossense.

Aziz Ab’Sáber, em sua obra Ecossistemas do Brasil (2006b), insere os ecossis-


temas do Brasil no contexto dos domínios de natureza. O autor de�ne-os como
Amazônia, polígono das caatingas, cerrados dos chapadões centrais, matas do
Brasil tropical atlântico, planalto das araucárias, pradarias mistas do Rio
Grande do Sul e ecossistemas costeiros (das praias à retroterra, transições e
contatos). Ele classi�ca dessa forma o Pantanal, como um ecossistema de
transição.

Ecossistema amazônico
A Floresta Amazônica, região de uma das mais belas paisagens biodiversas do
planeta, estende-se do Brasil à Guiana Francesa, Venezuela, Colômbia, Peru e
Bolívia. Não existe um muro ou porteira indicando onde começa um bioma e
termina outro. As formações vegetacionais vão, aos poucos, ganhando sua
uniformidade. Segundo Ab’Sáber (2006b, p. 73):

Para quem faz pesquisas nos con�ns de Mato Grosso, no extremo norte de
Tocantins ou no centro do Maranhão, é fácil saber onde começa a Amazônia.
Quando as �orestas deixam de ser apenas galerias amarradas nos fundos dos vales
quando as matas sobem e fecham as vertentes e inter�úvios, onde antes, para o sul,
sudeste e leste existiam cerrados e matas secas cedem lugar a intermináveis �o-
restas [...] aí começa a Amazônia.

Além dos estados citados, a Amazônia abrange Acre, Pará, Amazonas, Amapá,
Rondônia e Roraima, totalizando cerca de 49,29% do território nacional (IBGE,
2004). De maneira geral, a vegetação amazônica divide-se em três patamares
básicos, associados à posição do relevo: matas de igapó, matas de várzea e
matas de terra �rme.

Mata de igapó

A mata de igapó (Figura 1) é a região da �oresta situada nas áreas baixas, bem
próximo ao leito dos rios, permanecendo inundada durante praticamente o
ano todo. As plantas adaptam-se para sobreviver com suas raízes e tronco
submersos parcialmente. Segundo Ross (2001), essa vegetação ocupa, aproxi-
madamente, 15 mil km2 do total da hileia amazônica. Dada a constante pre-
sença da água e a grande quantidade de matéria orgânica, os solos são extre-
mamente ácidos.

Essa região é composta de espécies vegetais perenes e latifoliadas (visto que a


retenção de água é desnecessária), com diversas espécies que apresentam raí-
zes aéreas. Nas águas do igapó, desenvolvem-se, também, as magní�cas
vitórias-régias, que, na hileia amazônica, chegam a medir vários metros de di-
âmetro. Segundo Ab’Sáber (2006b), o igapó representa um conjunto restrito de
espécies arbóreas, cujo caule permanece �ncado nos sedimentos síltico-
argilosos e biogênicos, na base das águas do ambiente alagado.
Figura 1 Mata de igapó.

Mata de várzea

As matas de várzea são matas inundadas periodicamente durante a cheia dos


rios. Em comparação à mata de igapó, apresenta maior número de espécies.
Essa parte da �oresta chega a cobrir, aproximadamente, 55 mil km2 da região
amazônica. Pode ser considerada uma zona de transição, assemelhando-se
aos igapós nas áreas mais baixas e à �oresta de terra �rme na parte alta
(ROSS, 2001).

Nessa área de mata, crescem espécies como a seringueira, da qual se extrai o


látex para a produção de borracha.

Justamente a extração dessa seiva foi uma das grandes responsáveis pela
con�guração política da Região Norte do país. Ao �nal do século 19, o Brasil
tornou-se grande exportador de borracha, principalmente para abastecer a
crescente indústria automobilística. No auge da produção da borracha, a cida-
de de Manaus ganhou status de grande capital, cujo principal expoente foi o
grande Teatro Amazonas, uma casa de ópera e grandes espetáculos localizada
no coração da �oresta tropical da América do Sul.

O território do estado do Acre foi anexado pelo Brasil (ele pertencia antes à
Bolívia) em razão da exploração da borracha naquela área da �oresta. Além da
seringueira, �orescem, na mata de várzea, diversos tipos de palmeiras, como a
bacaba e o famoso açaí, amplamente consumido em todo o Brasil, por seu alto
valor calórico e nutritivo (JOLY, 1970).

Matas de terra �rme

Situadas nos patamares mais distantes da calha dos rios, as matas de terra �r-
me (Figura 2) representam cerca de 90% da área total da bacia amazônica. É
na �oresta de terra �rme que se encontram os exemplares mais representati-
vos da �oresta sob o ponto de vista do valor econômico, com árvores ultrapas-
sando os 60m de altura, como a castanheira-do-pará, a sapucaia, a maçaran-
duba etc.

De acordo com Joly (1970), a principal diferença �sionômica para os demais


níveis da �oresta está na composição do dossel, ou seja, na continuidade da
cúpula formada pelas grandes árvores, em que cada copa toca a sua vizinha,
assim como, em um piso, um ladrilho está circundado por outros, formando o
conjunto, um mosaico.

Tal composição de dossel bloqueia a maioria dos raios solares que chegam à
�oresta, impedindo, dessa forma, a con�guração de uma vegetação expressiva
no solo da �oresta, tornando o ambiente com pouca luminosidade (quase ne-
nhuma de forma direta) e extremamente úmido. A pouca luz direta que atinge
o solo causa uma disputa constante pelos raios solares por parte das espécies
arbóreas recém-germinadas e com poucos centímetros de altura.
Figura 2 Mata de terra �rme.

Essa relativa homogeneidade da Floresta Amazônica, no entanto, não é tão


uniforme assim. Existem, dentro da mesma área geográ�ca, diferentes peque-
nos biomas, que se diferenciam da �to�sionomia da �oresta latifoliada, com
suas respectivas zonas de transição.

De acordo com Ab’Sáber (2006b), cerca de 90% do espaço territorial amazônico


brasileiro está coberto por �orestas biodiversas sempre verdes. O restante
apresenta quadros de vegetação diferenciados, como enclaves de cerrado,
campos inundáveis etc. Tais enclaves de cerrado, por exemplo, podem ser ex-
plicados pela Teoria dos Refúgios Florestais.

Um termo utilizado pelo mesmo autor é “campinamara”, que marca uma tran-
sição entre esses redutos de cerrado (campinas) e as �orestas “verdadeiras”.
Tal termo também é designado pelo Ibama (2010), que, aliás, também fatia a
�oresta em várias áreas além das já citadas, como �orestas ombró�las aber-
tas, �orestas ombró�las densas, formações pioneiras, refúgios montanos e sa-
vanas amazônicas.

A ocupação desse bioma já ocorre há muitos milhares de anos, como podem


comprovar alguns sítios arqueológicos. No entanto, a ocupação indígena, e
mesmo a extrativista, não representou impacto signi�cativo até meados dos
anos 1960. A partir dessa época, começou a se intensi�car a ocupação da
Amazônia por meio de projetos desenvolvidos durante o regime militar brasi-
leiro, no qual comumente se usava a expressão “inferno verde” para se referir
à Amazônia.

Segundo Ross (2001), a destruição da �oresta está relacionada com graves pro-
blemas agrários no país. O próprio governo brasileiro passou a lotear a
Amazônia em grandes projetos agrários subsidiados. Por ser grande fonte de
matérias-primas, a Amazônia recebeu diversos programas de mineração,
principalmente na Serra de Carajás. Esses programas, tanto de caráter agrário
como industrial, levaram à ocupação desordenada e à urbanização.
Um grande símbolo dessa ocupação sem critérios da Amazônia foi a constru-
ção da Rodovia Transamazônica, da BR-364 e BR-429, que facilitaram o acesso
à região, mas à custa de intensos desmatamentos. Além disso, projetos hidre-
létricos de grande porte, como a construção das hidrelétricas de Balbina e
Samuel, representam impactos ambientais muito grandes para a Amazônia.

A Amazônia hoje sofre pela retirada de seu bem mais precioso: a �oresta.
Veicula-se, a cada dia, a perda de dezenas de hectares pelo desmatamento e
queimada da vegetação, seja para a comercialização de madeira, seja para a
criação extensiva de gado. Inúmeras são as consequências desses impactos:

• Destruição da biodiversidade: ocorre por meio da retirada ou destruição


de diversas espécies e implantação de monocultura, homogeneizando o
ecossistema.
• Destruição do solo: com a retirada da vegetação, ocorre a quebra da cicla-
gem de nutrientes. Os solos da Amazônia não são muito profundos e tam-
bém são pouco férteis. Assim, sem a cobertura vegetal, a exposição aos
agentes externos (chuva, principalmente) e ao pisoteio animal permite o
avanço de voçorocas e a consequente perda de solo. Segundo a Embrapa
(apud ROSS, 2001), dos cerca de 3,5 milhões de hectares de pastagens que
substituíram a �oresta, 500 mil degradaram-se num intervalo de 12 anos.

Na Amazônia, mudanças climáticas podem ocorrer em curto prazo, pois gran-


de parte do volume de água de chuvas vem da evapotranspiração (ou seja, da
soma da água liberada para a atmosfera através da evaporação do solo e da
transpiração das plantas). Assim, a própria �oresta tem papel fundamental, le-
vando à diminuição considerável do total pluviométrico.

Caatinga
A palavra “caatinga” deriva do tupi-guarani, que signi�ca “mata branca”, devi-
do à aparência do cenário regional durante o período seco. A caatinga (Figura
3) constitui um conjunto, ou como mencionam alguns autores, um mosaico de
coberturas vegetais que formam uma área que separa, de um lado, a Floresta
Amazônica, e, de outro, as matas do domínio tropical atlântico. Como já abor-
dado, o domínio das caatingas caracteriza-se pela baixa pluviosidade; assim,
de uma maneira geral, constitui-se de um ecossistema mais espaçado, de for-
mações mais abertas em relação ao bioma amazônico.

O bioma da caatinga é o principal bioma encontrado na Região Nordeste do


Brasil, compondo uma área de cerca de 7% do território nacional, estendendo-
se pelos estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Minas
Gerais, Piauí, Maranhão, Ceará e Rio Grande do Norte (IBAMA, 2010).

Figura 3 Caatinga.

Para grande parte da população que vive distante desse ecossistema, as caa-
tingas constituem uma vegetação homogênea, composta somente por vegeta-
ção espinhenta, com pequena biodiversidade. Engana-se quem pensa dessa
maneira. É claro que essa é uma característica desse bioma, mas não a única.
Segundo Ross (2001), a caatinga propriamente dita é uma mata seca que perde
suas folhas durante a estação seca.

Segundo o Ibama (2010), a caatinga classi�ca-se como um ecossistema domi-


nado por tipos de vegetação com características xerofíticas – formações vege-
tais secas que compõem uma paisagem cálida e espinhosa –, com estratos
compostos por gramíneas, arbustos e árvores de porte baixo ou médio (de 3m
a 7m de altura), caducifólias (folhas que caem), com grande quantidade de
plantas espinhosas (exemplo: leguminosas), entremeadas de outras espécies,
como as cactáceas e as bromeliáceas. Ross (2001) admite que, ecologicamente,
é possível distinguir cinco tipos de caatinga:
1. Caatinga seca não arbórea: na qual a vegetação não forma um dossel; há
diversas cactáceas e raramente aparecem espécies arbóreas.
2. Caatinga seca arbórea: predomínio de pau-pereiro e de arbustos isolados.
3. Caatinga arbustiva densa: bosques densos com árvores isoladas.
4. Caatinga de relevo mais elevado: bosques mais densos com pluviosidade
mais elevada que nas áreas baixas. Nessa região, a vegetação tende a ser
perene durante o ano, mantendo suas características.
5. Caatinga do Chapadão do Moxotó: consiste num tipo especial de caatin-
ga que aparece nesse planalto arenoso, com muitos exemplares de cactá-
ceas arbóreas.

De acordo com Ab’Sáber (2006b, p. 110): “As caatingas nordestinas têm combi-
nações de espécies xerofíticas, conforme a variação das sub-regiões pedológi-
cas e climáticas regionais”. Dentro desse universo, ocorrem caatingas arbusti-
vas herbáceas nos solos mais rasos e de média altitude, cerca de 400-500 me-
tros. Nas bandas mais rochosas, de solos pedregosos, encontram-se espécies
de árvores de folhas miúdas e, por vezes, espinhentas, entremeadas por cactá-
ceas. Já nos lajedos, concentram-se todas as variedades de cactos existentes,
como mandacarus, xiquexiques e coroas-de-frade.

Andrade Lima (1966 apud AB’SÁBER, 2006b, p. 111) resume de maneira muito
didática essa heterogeneidade da caatinga:

Em grande contraste com a vegetação dos diferentes tipos de caatinga ocorrem


serras úmidas, baixios e brejos, revestidos de �orestas tropicais. O contraste ecos-
sistêmico hidrológico é berrante nesses setores de mudança radical de vegetação.
Em meio às serras úmidas, ocorrem solos de decomposição funda [...] incluindo es-
pécies arbóreas de Mata Atlântica e relictos da �ora amazônica.

Pode-se citar, como exemplo dessa vegetação, a Serra da Capivara (Figura 4),
no Piauí, onde existem a�oramentos de paredões de rochas sedimentares, for-
mando cânions de algumas dezenas de metros de profundidade, cujo subsolo
consegue armazenar uma reserva hídrica su�ciente para alimentar, pratica-
mente, durante o ano todo, uma vegetação de matas densas e biodiversas.
Locais como esse geram grande endemismo de espécies animais e vegetais,
ou seja, muitas espécies habitam somente esse local, em razão da especiação
genética promovida pelo isolamento em relação à vegetação mais aberta e
mais seca.

Uma curiosidade é que, na Serra da Capivara, se encontra um dos mais anti-


gos sítios de ocupação humana das Américas, datando de cerca de 50.000
anos, tanto que o Parque Nacional da Serra da Capivara é sede da Fundação
Museu do Homem Americano. São comuns na área registros de pinturas ru-
pestres e de restos mortais datados de muitos milhares de anos antes da che-
gada da colonização europeia.

Figura 4 Serra da Capivara – PI.

A ocupação desse bioma se dá há muito tempo. Pensa-se que é um ambiente


hostil à vida humana, mas o sertanejo habita essas terras, tirando delas seu
sustento há vários séculos, seja por meio da pequena lavoura, seja por meio da
criação de gado. Além disso, às margens do Rio São Francisco, está, em curso
estabelecido, um dos grandes polos de produção de frutas do Brasil.

Com a adição de técnicas de preparo e manutenção do solo e com ambiciosos


projetos de irrigação, a exemplo do que acontece já há vários anos na
Califórnia e em Israel, a pequena lavoura de subsistência dá lugar a grandes
plantações de manga, maçã, pera, caqui, azeitona e uva, permitindo a manu-
tenção de cadeias produtivas derivadas desses gêneros, inclusive na produção
de vinhos. Pode-se destacar, também, que projetos governamentais visam à
produção de gêneros de plantas, cuja extração do óleo proporcione a geração
de biodiesel. Vale lembrar que plantas como a mamona e o dendê já vêm sen-
do plantadas por pequenos produtores da caatinga.

Exemplos como os relatados mostram que, por mais hostil que pareça o ambi-
ente, não é o clima que faz da caatinga um lugar de vida difícil, mas, sim, a ig-
norância, a falta de vontade política em disponibilizar tecnologia para as fa-
mílias sertanejas, a �m de que estas possam �xar-se e viver decentemente da
sua produção.

Cerrados
Denominados por Ab’Sáber (2006b) de “cerrados dos chapadões centrais”, esse
bioma, ou domínio �togeográ�co, se distribui pelas diversas subunidades do
planalto brasileiro, ocupando uma área de mais de dois milhões de quilôme-
tros quadrados, envolvendo os estados de Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso do
Sul, Mato Grosso, Tocantins e Bahia, além do Distrito Federal.

Vale lembrar que essa espacialização do cerrado, como qualquer outro ecos-
sistema, se refere à área nuclear (ou seja, área onde os conjuntos faunísticos e
�orísticos formam uma paisagem homogênea), pois, como vimos anterior-
mente, existem pequenos redutos de algumas formações inseridos em outros
biomas, devido a pequenas variações de umidade, a características pedológi-
cas, ou, ainda, podem ser atribuídos à Teoria dos Refúgios Florestais.

O cerrado brasileiro (Figura 5) apresenta composição savânica, de caráter


mais aberto. Sua vegetação, que se caracteriza pelas árvores de troncos retor-
cidos, geralmente de pequeno a médio porte, é arbustiva, herbácea e de gramí-
neas. As árvores apresentam, além dos troncos e galhos retorcidos, cascas
grossas para a retenção de água durante a estação seca. Contudo, essa aparên-
cia bizarra se deve à caracterização mineralógica do solo, e não à ausência de
água no solo, fenômeno que é denominado de “escleromor�smo oligotró�co”,
diferentemente do xeromor�smo das plantas da caatinga, que têm sua aparên-
cia ligada à ausência de água (ROSS, 2001).
Figura 5 Cerrado brasileiro.

Sendo um ecossistema localizado na zona intertropical, apresenta duas esta-


ções bem de�nidas. As plantas têm raízes bastante profundas para a captação
de água no rebaixado lençol freático durante a estação seca, o que é permitido
pelos solos bastante profundos.

Existem aspectos peculiares ao cerrado brasileiro, como, por exemplo, os mu-


rundus, ou termiteiros, esculturas de barro formadas por cupins que se inte-
gram à paisagem dos cerrados (principalmente aos campos mais abertos) e
abrigam milhares de indivíduos que servem de alimento principalmente ao
tamanduá-bandeira, animal característico da fauna do Brasil central.

Outra peculiaridade é o fogo, elemento comum no cerrado, destacando-se que


diversas espécies de plantas estão adaptadas a ele. O fogo promove todo o pro-
cesso de reciclagem da matéria orgânica, que, ao ser queimada, se transforma
em cinzas, que se depositam sobre o solo e, com as chuvas, têm seus elemen-
tos químicos solubilizados e disponibilizados como nutrientes às raízes das
plantas.

Assim, ao contrário do que muitos pensam, o fogo de intensidade baixa ou


moderada não mata a grande maioria das plantas do cerrado, que são adapta-
das a esse fator ecológico. O extrato primário dos cerrados, formado por herbá-
ceas, na época da seca, funciona como um combustível para o fogo que, auxili-
ado pelo relevo que permite uma vastidão de campos abertos, avança, consu-
mindo rapidamente algumas áreas do ecossistema.
No entanto, há várias diferenciações para a �to�sionomia do cerrado. Sua sub-
divisão pode variar de autor para autor. Segundo Ross (2001), essa formação
subdivide-se em:

1. Cerradão: formação mais densa, com suporte arbustivo e espécies arbóre-


as atingindo entre 10 e 15 metros de altura em média.
2. Cerrado (ou cerrado sensu stricto, ou, ainda, cerrado típico): composto
por um estrato arbóreo arbustivo, com árvores raramente ultrapassando
seis ou sete metros de altura, e um tapete rasteiro formado por gramíne-
as.
3. Campo cerrado: formação com poucos exemplares arbóreos, de pouca ex-
pressão na paisagem, representando um estrato marcadamente gramíneo
arbustivo.
4. Campo sujo: não se compõe mais de exemplares arbóreos, apresentando-
se como subdivisão francamente arbustiva.
5. Campo limpo: a vegetação apresenta-se realmente como um campo ou
um pasto, predominando gramíneas, as quais funcionam como combus-
tíveis para o avanço de incêndios, muito comuns durante a estação seca.

Ab’Sáber (2006b) atribui ao que ele chama de “cerrados dos chapadões cen-
trais” três grandes variações: cerrados, cerradões e campestres. Pela de�nição
do autor, os cerrados são formados por uma vegetação de árvores baixas e
troncos retorcidos, que perdem as folhas durante a estação mais seca do ano.
Os cerradões apresentam-se, por vezes, como bosquetes e eventuais capões
com uma mata mais densa e um pouco mais biodiversa, não tão homogênea.
Os campestres caracterizam-se pela paisagem de uma vegetação mais aberta,
pontilhada por indaiás anões, característica principalmente do sudoeste de
Goiás.

A paisagem do cerrado, caracterizada por árvores retorcidas, muda drastica-


mente no fundo dos vales, onde há grandes palmeiras que aproveitam o solo
encharcado de água (hidromór�co) e se en�leiram formando as matas de ga-
lerias, conhecidas popularmente como “veredas”. Estas são dotadas de uma
beleza cênica ímpar, preservando grande biodiversidade e tendo seu tamanho
variável em função do corpo d’água e da área mais rica em água.

Algumas citações mais antigas comprovam a pouca noção da �to�sionomia


do cerrado e de sua variedade de espécies. Joly (1970, p. 39) coloca o cerrado
como uma vegetação de monotonia enorme:

[...] a monotonia exasperante da repetição da paisagem que passa nada atrai o olhar
do viajante. É tudo igual. Árvores e arbustos são réplicas mútuas, de tal sorte que
raramente algo diferente pode ser observado durante a rápida passagem de ônibus
ou automóvel.

De fato, os cerrados, até meados da década de 1950, eram pouco explorados, o


que mudou após a construção de Brasília, em 1960. A facilidade de acesso com
a abertura de novas estradas que ligariam a nova capital ao resto do país per-
mitiu que outros pesquisadores redescobrissem essa formação �orestal.

Tal avanço das pesquisas contribuiu para o melhor entendimento desse bio-
ma e, também, para o aumento da fronteira agrícola, que se deu com a derru-
bada da vegetação e o uso de fertilizantes em excesso, causando, assim, pre-
juízos de quase 70% a todo o ecossistema (IBAMA, 2010).

Como já mencionado, o solo do cerrado possui desequilíbrio de nutriente e re-


gime hídrico adaptado a duas estações muito distintas, uma seca e uma chu-
vosa. Com correções do solo e com irrigação adequada na época seca, os solos
dos chapadões do Brasil central tornaram-se ideais para a expansão da fron-
teira agrícola brasileira. No início da década de 2000, registravam-se números
recordes da produção de grãos, especialmente a soja, os quais são exportados
como farelo para abastecer as empresas produtoras de insumos agrícolas e ra-
ção animal.

Essa expansão da fronteira agrícola criou diversos polos de desenvolvimento,


como as cidades de Rio Verde, em Goiás, e Rondonópolis, em Mato Grosso. No
entanto, tal crescimento não se estendeu para toda a região, principalmente
por conta de a produção da soja limitar-se ao plantio, colheita, armazenamen-
to e escoamento da produção. Para um desenvolvimento pleno, seria necessá-
rio que esse produto fosse vendido com valor agregado, sendo bene�ciado,
transformado em óleo ou mesmo já processado como ração animal etc.
Mata atlântica
A Mata Atlântica (Figura 6) recobre a fachada oriental do território brasileiro.
É um bioma constituído por �orestas pluviais biodiversas. Sua composição
original foi extremamente alterada por conta dos diferentes estágios de ocu-
pação do território brasileiro, tanto que grande parte desse bioma está frag-
mentada, restando pouco mais de 7% da cobertura original. Constitui um ex-
tenso domínio de características plenamente azonais, ou seja, diferentes da
Amazônia ou da caatinga, que ocupam mesma faixa latitudinal ou zona geo-
grá�ca especí�ca.

Figura 6 Mata Atlântica.

A Mata Atlântica estende-se desde a mata do nordeste oriental, o Recôncavo


Baiano e a chamada “costa do descobrimento”, alargando-se muito no Sudeste
brasileiro, com os mares de morros, até a porção sul oriental de Santa Catarina
(AB’SÁBER, 2006b). Esse alongamento de norte a sul permite que o bioma pos-
sua diversas características, em razão de diferentes tipos de relevo, solo e in-
tensidade solar. Por conta disso, o Ibama (2010) admite que a Mata Atlântica é
um mosaico de ecossistemas, apresentando estrutura e composição �orística
diferenciadas.

De maneira geral, pode-se a�rmar que a Mata Atlântica propicia a existência


de vegetação de porte médio a alto, com folhas largas e perenes, mantidas pe-
la constante umidade advinda da evaporação do oceano. Nos trechos onde há
relevo mais acidentado (como no litoral do Sudeste, nos estados do Espírito
Santo, São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná), com a Serra do Mar, a Serra da
Mantiqueira, a Serra da Bocaina, a Serra dos Órgãos e a Serra de
Paranapiacaba, a umidade constante vinda do oceano alimenta um sistema
de chuvas orográ�cas responsáveis por uma das maiores taxas de precipita-
ção anual do país.

Joly (1970) faz um apanhado geral da composição �orística da Mata Atlântica


num setor da Serra do Mar em São Paulo, na região de Boraceia. Segundo o au-
tor, esse mosaico vegetacional é composto pelos vegetais inferiores (musgos e
samambaias), que, na extrema umidade, encontram condições ótimas de so-
brevivência, crescendo como epí�tas, revestindo o tronco e os galhos de árvo-
res. “Não há um substrato sólido que não esteja totalmente ocupado; cada es-
paço, cada centímetro dos troncos está tomado por uma ou mais plantas”
(JOLY, 1970, p. 51). Destacam-se, nesse cenário, espécies de vegetais inferiores
que recobrem grandes extensões de solo, formando “verdadeiras almofadas”.

A vasta presença de samambaias e bromélias de diferentes cores e tamanhos


chama a atenção. Além das epí�tas, o estrato arbóreo compõe-se de árvores de
pequeno a médio porte, como o ingá, e de palmeiras e árvores de grande porte,
como o jequitibá.

De acordo com o Ibama (2010), as diferentes tipologias da Mata Atlântica e


seus ecossistemas associados (estes, muitas vezes, se fundem com a Mata
Atlântica numa zona de transição) classi�cam-se em:

1. Floresta ombró�la densa, estendendo-se do Rio Grande do Sul ao Rio


Grande do Norte.
2. Florestas estacionais deciduais e semideciduais do Rio Grande do Sul,
Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo.
3. Florestas estacionais semideciduais do Mato Grosso do Sul (vales dos ri-
os da margem direita do Rio Paraná), Minas Gerais (vales dos rios
Paranaíba, Grande e a�uentes), Bahia (vales dos rios Paraíba do Sul,
Jequitinhonha, rios intermediários e a�uentes) e de regiões litorâneas li-
mitadas do Nordeste, contíguas às �orestas ombró�las.
4. Totalidade da �oresta ombró�la mista e os encraves de araucárias nos
estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
5. Formações �orísticas associadas (manguezais, vegetação de restingas e
das ilhas litorâneas).
6. Encraves de cerrados, campos e campos de altitude, compreendidos no
interior das áreas mencionadas.
7. Matas de topo de morro e de encostas do Nordeste (brejos e chás), parti-
cularmente as do estado do Ceará, com ênfase nas da Serra de Ibiapaba e
de Baturité, e nas da Chapada do Araripe.
8. Formações vegetacionais nativas da Ilha de Fernando de Noronha.

Repare que essas formações associadas se devem à grande extensão norte-sul


da Mata Atlântica acompanhando o litoral. Além disso, suas diferentes subdi-
visões estão presentes em todo o continente, ocorrendo processos ecológicos
que se interligam, como, por exemplo, áreas que recebem os ventos úmidos
vindos do oceano, permitindo a constituição da Mata Atlântica longe do ocea-
no. É muito importante, em algumas áreas, a constituição de um solo fértil,
que permita o aporte da vegetação.

Ab’Sáber (2006b, p. 167) descreve bem esse cenário. Segundo o autor:

A partir do extremo sul da Bahia é que se iniciava a Mata Atlântica densa e biodi-
versa para dentro do território do Brasil de Sudeste, penetrando pelas terras interio-
res do Vale do Rio Doce até se estender por toda a zona da mata sul-mineira.

Nos planaltos do interior de São Paulo ao norte do Paraná, a Mata Atlântica


predomina, tendo feições mais típicas no alto Vale do Paraíba, no meio da
Serra da Mantiqueira e na Serra de Jundiaí-São Roque, bem como mais para o
interior de São Paulo, condicionada às manchas de terra roxa, associada à de-
composição dos basaltos e diabásios na região de Ribeirão Preto, Sertãozinho,
Botucatu, Piracicaba e Limeira, em algumas áreas associada à subida do rele-
vo, como na feição geomorfológica das cuestas basálticas, que possibilitam as
chuvas orográ�cas.

Mata das araucárias


Designado também de “planalto de araucárias”, ou, ainda, de “�oresta ombró�-
la mista”, esse bioma marca a passagem de entrada dos ecossistemas de cará-
ter subtropical (Figura 7). Assim como o Ibama, alguns autores consideram
esse ecossistema parte da Mata Atlântica ou, quando muito, um sistema de
transição entre esta e os campos do sul, representado pelas pradarias mistas,
num domínio mais austral do território brasileiro.

Figura 7 Mata de araucárias.

Alguns autores ainda tratam de outras formações, principalmente se a pesqui-


sa se faz pela internet, em que diversos sites fazem uma compilação da vege-
tação brasileira. Contudo, classi�camos esse bioma como um ecossistema im-
portante, dada sua ocupação histórica e, a exemplo da Mata Atlântica, sua his-
tória de devastação.

Segundo Neiman (1989), essa é uma formação vegetal composta basicamente


por coníferas, daí seu nome popularmente conhecido como “pinheiro-do-
paraná”, tendo por nome cientí�co Araucaria angustifolia.

Em linhas gerais, de acordo com Joly (1970), constitui-se de árvores de porte


médio a grande, cuja principal característica são as folhas acicufoliadas, mui-
to �nas para a adaptação de um sistema de pluviosidade não muito alta e com
episódios de neve, em que esse formato de folha não permite que a neve se
acumule nem perca muita água durante a estação mais seca. Seu tronco (com,
aproximadamente, um metro de diâmetro em seu estágio adulto) ergue-se sem
rami�cações até seus 25-30 metros, quando se abre uma copa característica,
lembrando o formato de um guarda-chuva invertido.

Sua disseminação é feita pela avifauna, especialmente pela gralha-azul, que é


a responsável pela dispersão de suas sementes, os pinhões, os quais também
são bastante apreciados na culinária nacional. Nos bosques de araucárias, há,
obviamente, sub-bosques com estratos herbáceo e arbustivo; no entanto, as es-
pécies arbóreas aproximam-se umas das outras apenas na copa das árvores,
�cando seus troncos distantes devido à �to�sionomia dos exemplares de
araucárias. É evidente que existem outros exemplares arbóreos, como o sassa-
frás, a imbuia, entre outras árvores, mas o destaque desse ecossistema é a
araucária.

A mata das araucárias é um ecossistema que se estende do estado do Paraná à


borda da depressão periférica gaúcha, na região de Santa Maria, aparecendo
principalmente acima do limite altimétrico dos 600m de altitude, pelos pla-
naltos do sul do país, daí a nomenclatura de planalto das araucárias. Sua dis-
tribuição faz transição com a Mata Atlântica ao norte e com os campos reves-
tidos por pradarias mistas do extremo sul do país. Por ser uma formação sub-
tropical encontrada em regiões planálticas, estas se bene�ciam de episódios
de chuvas orográ�cas e de uma umidade constante retida nos fundos de vale.

Segundo Ross (2001), são matas que possuem solos férteis, sob climas com
temperaturas moderadas a baixas no inverno, porém são matas de clima úmi-
do. Um belo exemplo é a região de aparados da serra, onde há uma das paisa-
gens mais incríveis do país, com a formação de cânions bastante profundos,
na região da cidade gaúcha de Cambará do Sul. Existem, também, araucárias
distantes dos planaltos do sul do país, encontradas, por exemplo, em São
Paulo (região de Campos do Jordão) ou mesmo em Minas Gerais e no Rio de
Janeiro.

Nesses casos, a manutenção dessas espécies se dá pela perda da tropicalidade


por conta da altitude (em Campos do Jordão, por exemplo, elas encontram-se
acima dos 1500 metros de altitude), e não pela latitude. Explica-se que essa
formação possivelmente tenha se expandido em épocas glaciais e se retraído
devido à retomada do aquecimento, permanecendo como relictos em diversos
locais.

De acordo com dados fornecidos por Neiman (1989), estima-se que, até 1930,
havia cerca de quatro milhões de hectares de matas de araucárias, e, até mea-
dos dos anos de 1980, essa área estava reduzida a pouco mais de 200 mil hec-
tares, cerca de 5% da área total. O auge da destruição deu-se em razão da ex-
ploração madeireira, sem que houvesse preocupação com a recuperação vege-
tal, visto que grandes exemplares apresentam mais de 50 anos.

Dado o interesse na comercialização da madeira, houve a substituição, em lar-


ga escala, das araucárias por plantações de pinus e eucaliptos, que apresen-
tam crescimento mais rápido, porém são espécies exóticas, descaracterizando
completamente o cenário da região. A modi�cação do cenário, no entanto,
vem do início da imigração europeia no sul do Brasil, pois os colonos alemães,
italianos, suíços, entre outros, estabeleceram-se nas terras do planalto meridi-
onal, onde, hoje, se registram os maiores índices de longevidade da população,
dado o estilo de vida, que mudou muito pouco desde o início da colonização.

Em razão da história de retirada da vegetação, é difícil conceber esse bioma


como algo homogêneo, com características que o representem realmente co-
mo um bioma. Sua existência resume-se a pequenos bosques e exemplares
isolados, geralmente sem conexão entre si. Neiman (1989, p. 83) sintetiza da
seguinte forma:

[...] aquela que já foi a árvore símbolo do estado do Paraná está hoje restrita a algu-
mas pequenas reservas, muitas delas pertencentes a particulares [...] a mata de
araucária é, assim, um ecossistema considerado praticamente extinto.

Pradarias mistas do Rio Grande do Sul


Ecossistema brasileiro de caráter subtropical, a exemplo da mata das araucá-
rias, as pradarias mistas (Figura 8) são identi�cadas na literatura por diferen-
tes nomes, como “campos sulinos”, “campanha gaúcha”, “pampas”, “coxilhas”,
“campinas”. Bioma marcado por extensas áreas de baixa topogra�a, composta
por vegetação predominantemente herbácea e arbustiva, com poucos exem-
plares arbóreos formando a paisagem, com exceção das matas ciliares.
Figura 8 Pradarias mistas.

De acordo com o Ibama (2010), os campos sulinos (denominação dada pelo ór-
gão para essa formação �togeográ�ca) são, em geral, consequência muito
mais do tipo de solo do que propriamente do clima, bem como da terra para a
pecuária extensiva. Por isso, a região da campanha é propícia para a pecuária
de corte, prática adotada há vários séculos.

Joly (1970) atribui às pradarias, às quais ele denomina de “pampas”, uma pai-
sagem com muito pouca ou nenhuma variação altimétrica e vegetal. Segundo
o autor:

Uma planura sem �m, onde a estrada rola por suaves colinas [...] Faltam referênci-
as de apoio, elementos que permitam julgar distâncias pelas acanhadas vistas do
visitante [...] Uma árvore qualquer agiganta-se, sua silhueta recorta-se contra o azul
do céu e atrai a vista que dela não quer se desviar [...] a planura está coberta por um
verdadeiro mar de plantas herbáceas onde predominam as gramíneas que com su-
as hastes �exuosas curvam-se ao vento(JOLY, 1970, p. 133).

Ab’Sáber (2006b) propõe importantes subdivisões para a região. Ele emprega,


por exemplo, as expressões “superfície de campanha velha” e “superfície de
campanha nova” para designar, respectivamente, as diferenciações de coxi-
lhas onduladas amplas mais altas e mais baixas, revestidas por vegetação
“multigraminosa”, transformada em amplas pastagens. Ele chama a atenção
para a presença eventual de “montões de areia”, pontilhando onde o uso da
terra se deu de maneira totalmente inadequada, abrindo sulcos de erosão em
solos arenosos.

A retirada de extensas áreas de mata ciliar foi necessária, com o intuito de uti-
lizar os solos inundáveis para a plantação de extensos arrozais. As plantações
de soja proliferam na paisagem agrária em que há solos provenientes da de-
composição do basalto, a popular “terra roxa”.

3. Ecossistemas costeiros
O litoral brasileiro possui cerca de 8.000km de extensão, sendo o maior litoral
dentro de um mesmo território do Atlântico Sul. Estende-se desde o Amapá
até o Rio Grande do Sul, possuindo uma variação latitudinal imensa.

Essa variação confere ao litoral diferentes intensidades de radiação solar, pre-


sença de correntes marítimas frias e quentes, oscilações de maré de diferentes
escalas, variados tipos de ocupação humana e de fauna local; en�m, o litoral
do Brasil compõe um mosaico paisagístico fantástico. Podem-se considerar,
também, os ecossistemas marinhos e além da costa, como os atóis e as ilhas
oceânicas, como Fernando de Noronha, Trindade e Martim Vaz.

Cada autor vê o litoral de um determinado ponto de vista. Uns abordam mais


detalhes, apontando, inclusive, a toponímia dos lugares e as variações peque-
nas; outros autores já preferem uma abordagem voltada à Geogra�a Humana,
usando a �to�sionomia dos locais como pano de fundo para os processos de
ocupação. Neste ciclo, oferecemos uma visão mais generalizada para que você
possa buscar essa diferenciação em um ecossistema de seu interesse.

Segundo o Ibama (2010), o litoral do Brasil divide-se em cinco fronteiras dis-


tintas: o litoral amazônico, que representa o litoral de toda a fachada atlântica
norte, estende-se da foz do Rio Oiapoque ao delta do Rio Parnaíba, no Piauí.
Por estar próximo à Linha do Equador, o litoral amazônico é muito in�uencia-
do pela grande amplitude dos mares, apresentando um aspecto recortado em
comparação com os cordões arenosos das praias do litoral das demais regiões.
Essas oscilações permitem a manutenção de grandes terrenos de várzea, além
de grandes manguezais.

Os mangues são um ecossistema à parte, devido à sua grande complexidade.


Eles desenvolvem-se em ambiente salobro, numa transição entre o mar e o
continente. São tidos como berçário da vida marinha por apresentarem águas
calmas e ricas em matéria orgânica. Sua vegetação apresenta raízes aéreas,
ou seja, é muito difícil distinguir caules, galhos e raízes.
O litoral norte apresenta, também, outros aspectos, como praias e dunas, espe-
cialmente no litoral maranhense, onde há o Parque Nacional dos Lençóis
Maranhenses. O litoral do Nordeste estende-se do delta do Parnaíba ao
Recôncavo Baiano. Possui, ao norte, no litoral cearense (Figura 9), as falésias.
Apresenta grande quantidade de dunas �xas e móveis, comuns no estado do
Rio Grande do Norte. Há, ainda, grandes praias de cordões arenosos, com ex-
tensos coqueirais que marcam a paisagem dos estados de Alagoas e Sergipe
ao sul da Bahia.

Ao longo de trechos da costa, observados, principalmente, no litoral pernam-


bucano, há extensos recifes de corais, motivo pelo qual a capital pernambuca-
na leva o nome de “Recife”. Além disso, os estuários de diversos rios, como o
Capibaribe, por exemplo, permitem a manutenção dos grandes manguezais
que compõem a cultura local.

Figura 9 Litoral nordestino (Ceará).

O litoral do Sudeste (Figura 10), que vai do Recôncavo Baiano à divisa de São
Paulo com o Paraná, tem como forte característica a barreira da Serra do Mar.
Sua presença permite o barramento da umidade do oceano e faz que ocorram
chuvas orográ�cas constantemente, contribuindo, de maneira fundamental,
para a manutenção da Mata Atlântica. Possui praias bastante extensas, como
a Praia Grande, e a região da Jureia, ambas em São Paulo. Nos locais onde a
Serra do Mar se aproxima do oceano, o litoral �ca bastante recortado, forman-
do diversas baías e enseadas.

Cabe lembrar que tal processo se dá em função da geologia, e não da in�uen-


cia das marés, como no litoral norte. É o litoral mais densamente ocupado, da-
da a proximidade dos núcleos urbano-industriais do eixo Rio-São Paulo.

Figura 10 Litoral do Sudeste (Rio de Janeiro).

O litoral sul do Brasil compreende o litoral dos estados do Paraná, Santa


Catarina e Rio Grande do Sul. É o litoral mais austral do país, portanto, mais
susceptível às ações das correntes frias originárias no Oceano Antártico, bem
como das frentes frias advindas da Antártida. O litoral paranaense é um dos
mais curtos do Brasil, apresentando, ainda, muitas características do litoral de
sudeste, principalmente na região da Ilha do Cardoso e da Ilha do Mel, onde
domina a vegetação da Mata Atlântica.

A partir de Torres, no litoral norte gaúcho em direção ao sul, a paisagem


modi�ca-se, e passam a ocorrer grandes cordões arenosos, as restingas, com
praias a perder de vista, como, por exemplo, a Praia do Cassino (Figura 11),
com 254km de extensão. Esses cordões arenosos resultaram na formação da
Lagoa dos Patos, no extremo sul gaúcho. Também marca a paisagem do litoral
gaúcho a Estação Ecológica do Taim, uma área alagada localizada entre o lito-
ral e a chamada “Lagoa Mirim”.

A Estação Ecológica do Taim é uma área alagada muito semelhante ao


Pantanal mato-grossense, sendo abrigo de fauna exuberante, principalmente
de aves migratórias, além de animais típicos de áreas alagadas, como o ratão-
do-banhado, capivaras e jacarés. O litoral brasileiro termina ao sul com a foz
do Arroio Chuí, na divisa com o Uruguai.

Figura 11 Praia do Cassino.

Pantanal
O Pantanal mato-grossense (Figura 12) é um ecossistema que se caracteriza
pela sua grande área de inundação, consistindo na maior planície alagável do
planeta, visto que seu desnível altimétrico gira sempre em torno de 100m a
200m. O Pantanal é uma área deprimida, com, aproximadamente, 22.000km2,
distribuídos pelos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, drenada pelo
Rio Paraguai e por centenas de a�uentes que extravasam e preenchem a pla-
nície no período de chuvas, de novembro a abril.
Figura 12 Pantanal mato-grossense.

No período seco (de maio a outubro), a paisagem é marcada por diversas lago-
as (denominadas de “baías” na terminologia local). Devido à baixa declividade
do terreno, a velocidade da água que �ui pelos rios também é muito baixa, e,
durante o período chuvoso, a água extravasa da calha dos rios, formando, en-
tão, esse ambiente alagado, que é rico em nutrientes devido à grande carga de
sedimentos trazidos pelas águas (NEIMAN, 1989).

É interessante destacar que, mesmo em épocas de cheia, ainda restam áreas


mais elevadas que permanecem secas, proporcionando aporte para o desen-
volvimento de uma vegetação de porte arbóreo.

Em termos vegetacionais, o Pantanal não apresenta um conjunto �orístico en-


dêmico; muito pelo contrário. A composição �orística pantaneira apresenta
um mosaico de plantas características de diversos biomas, com um pouco
mais de semelhança ao cerrado, pois sua composição vegetal é mais aberta,
predominando espécies arbustivas e herbáceas que nascem no planalto cen-
tral brasileiro. Joly (1970) classi�ca a região do Pantanal como um caleidoscó-
pio, ou seja, as variações de tipos de vegetação ocorrem a cada passo.

A ocupação do ecossistema pantaneiro não foi tão agressiva até meados da


década de 1960, visto que a atividade pecuária extensiva se integrou bem à re-
gião. A partir do período citado, as tentativas de desenvolvimento da região le-
varam à construção de algumas grandes vias de ligação, como a
Transpantaneira (que não chegou a ser concluída), alterando o regime de chei-
as da região, devido ao barramento de alguns rios. Além disso, a pressão do
entorno das grandes plantações de grãos preocupa ambientalistas quanto à
manutenção do ecossistema pantaneiro.
 Vamos conhecer um pouco mais os biomas brasileiros?

Para saber um pouco mais sobre os biomas brasileiros, clique aqui


(https://mapbiomas.org/) e acesse o site MapBiomas, que traz mapas e
estatísticas sobre o uso e ocupação do solo brasileiro.

4. Domínios morfoclimáticos
Um dos conceitos mais importantes para a compreensão do território brasilei-
ro é o de domínios morfoclimáticos. Foi elaborado pelo geógrafo brasileiro
Aziz Ab'Sáber como sendo:

[...] um conjunto de certa ordem de grandeza territorial - de centenas de milhares


de quilômetros quadrados de área - onde haja um esquema coerente de feições de
relevo, tipos de solos, formas de vegetação e condições climático-hidrológicas
(2003, p. 11-12).

Assim, ao descrever um domínio morfoclimático, conheceremos os aspectos


principais do relevo, solo, hidrogra�a, clima e vegetação de uma região do nos-
so país.

Agora, estudaremos os grandes domínios paisagísticos brasileiros, os chama-


dos “domínios de natureza do Brasil”, ou, ainda, “domínios morfoclimatobotâ-
nicos”, termo esse que signi�ca (se observada a sintaxe): morfo-: a forma, ou
seja, estuda as características do relevo da área enfocada; climato-: estuda as
características de clima e tempo da área de estudo; -botânico: abarca as carac-
terísticas vegetacionais do domínio estudado.

Por se tratarem de grandes áreas do território brasileiro, essas características


são padrões gerais da geogra�a física dessas áreas, existindo, é claro, varia-
ções locais em cada uma delas.

Os grandes domínios a serem tratados são:


1. Domínio amazônico.
2. Domínio das caatingas.
3. Domínio dos mares de morros.
4. Domínio dos cerrados.
5. Domínio do planalto de araucárias.
6. Domínio das pradarias mistas.

A distribuição física desses domínios pode ser mais bem visualizado na


Figura 13.

Figura 13 Os domínios de natureza do Brasil.

É interessante observar, na Figura 13, que essas áreas não são exatamente li-
mítrofes entre si, ou seja, não há o �nal de um domínio e o início imediato de
outro. Há, entre todos os limites, zonas de transição, as quais apresentam ca-
racterísticas tanto de um domínio quanto de outro.

Ressaltamos, também, que a maioria dos termos apresentados e sua distribui-


ção espacial baseiam-se na obra Os domínios de natureza no Brasil: potencia-
lidades paisagísticas, do professor Aziz Nacib Ab’Sáber, um dos maiores expo-
entes da Geogra�a Física no Brasil.

Domínio amazônico
O domínio amazônico caracteriza-se por um sistema de terras baixas, com al-
titudes em média de 150m a 200m, equivalentes, em grande parte, à formação
geológica conhecida como “Grupo Barreiras”, que apresenta baixos e extensos
platôs. Além disso, há extensas planícies de acumulação de sedimentos, que
vão se depositando ao longo da calha dos rios que drenam a região (Figura 14).

Figura 14 Floresta Amazônica, macrodomínio das terras baixas �orestadas.

Essa feição de terras baixas se altera nas bordas do domínio. Ao Sul, tem-se a
estrutura geológica do planalto brasileiro. A Oeste, há uma grande barreira
constituída pela Cordilheira dos Andes, e, a Norte, está localizada a área do
Escudo das Guianas, que abarca, principalmente, o norte do estado do
Amazonas e parte do estado de Roraima. É nessa estrutura geológica que se
localizam as maiores altitudes do território brasileiro, com destaque para o
Pico da Neblina, que se situa acima dos 3.000 metros de altitude, e para o
Monte Roraima (Figura 15), que atinge altitudes superiores aos 2.700 metros.

É claro que essa feição de terras baixas é muito mais uma simpli�cação do re-
al; evidentemente, existem pontos do relevo que se destacam. Dentre esses
exemplos, pode-se destacar a Serra dos Carajás, no estado do Pará, local bas-
tante conhecido pela grande extração de minérios, como a bauxita.
Figura 15 Monte Roraima – exposição das rochas do Escudo das Guianas.

Por localizar-se na faixa equatorial, o domínio amazônico possui uma alta e


constante entrada de energia solar e também é receptor dos chamados “ven-
tos alísios”, que sopram tanto do hemisfério sul (alísios de sudeste) quanto do
hemisfério norte (alísios de nordeste). Esses ventos sopram das latitudes mé-
dias em direção às baixas latitudes e convergem carregados de umidade sobre
o Equador, na chamada “Zona de Convergência Intertropical”.

A Zona de Convergência Intertropical é o local onde os ventos do hemisfério


norte se encontram com os ventos vindos do hemisfério sul, constituindo uma
área de muito baixa pressão. O resultado é uma faixa praticamente contínua
ao longo da Linha do Equador, de nuvens de umidade muito elevada, chegan-
do a quase 500km de largura. Essa área, que apresenta instabilidade e mau
tempo, se desloca para norte ou para o sul em alguns quilômetros, de acordo
com as estações do ano. Alguns autores chegam a chamá-la de “Equador me-
teorológico”.

A soma desses fatores acrescida, ainda, à alta taxa de evapotranspiração, ou


seja, a quantidade de água liberada pelo solo e pela vegetação para a atmosfe-
ra, faz que o sistema climático da Amazônia produza grande movimentação
de energia. Isso se re�ete em toda a grandiosidade das formas desse macrodo-
mínio, seja na sua biodiversidade animal e vegetal (visto que os seres vivos
não precisam se preocupar em reter ou economizar água e energia em seu
metabolismo para períodos muito secos ou muito frios), seja no seu grandioso
sistema de águas, ou, até mesmo, no clima de todo o continente, por meio da
Massa Equatorial Continental.
O calor e a umidade constantes proporcionaram à Amazônia condições para a
constituição de uma das mais belas paisagens do planeta. É uma �oresta bio-
diversa, dotada de vasta heterogeneidade de espécies animais (de pequenos
insetos a carnívoros de grande porte) e vegetais (de ninfeáceas, como a
vitória-régia, a espécimes que ultrapassam os 40m de altura, como as casta-
nheiras).

Sob o dossel da �oresta, serpenteia a maior rede hidrográ�ca de água doce do


mundo, contendo cerca de 20% do volume de água doce em estado líquido do
planeta. Tendo por veio mestre o Rio Amazonas, a rede hidrográ�ca espalha-
se por meio de grandes rios e de pequenos veios d’água, denominados local-
mente de “igarapés”. Observe a descrição de Branco (1997, p. 57):

Num primeiro momento esse grande domínio de natureza parece homogêneo. No


entanto, as águas amazônicas possuem características distintas entre si.
Basicamente os rios da Amazônia se dividem em três categorias, os Rios de Águas
Pretas, Rios de Águas Brancas e Rios de Águas Claras. O Rio Negro, por exemplo, as-
sim como os seus a�uentes que nascem na estrutura geológica do Escudo das
Guianas atravessam áreas de relevo pouco acidentado, onde há pouca erosão dos
terrenos, assim há pouca quantidade de sedimentos em suspensão, permitindo as-
sim uma visibilidade de até 3 metros abaixo da linha d água. O Rio Amazonas
classi�ca-se como sendo de águas brancas. Ele nasce na cordilheira dos Andes e
durante seu entalhe erosivo carrega toneladas de sedimento em suspensão até
depositá-los quilômetros adentro do oceano atlântico, depois de sua foz. O elemento
da paisagem que melhor re�ete essa diferença (que não é só de aparência, mas
também de fatores físico-químicos) é o chamado encontro das águas, próximo à ci-
dade de Manaus, onde as águas do Rio Negro e do Rio Amazonas correm paralela-
mente antes de se misturarem. Os rios de águas claras apresentam-se bem menos
turvos que os anteriores, apresentando coloração levemente esverdeada e sua visi-
bilidade atinge cerca de 4 a 5 metros abaixo da linha d água. Exemplo desses rios
são o Xingu e o Tapajós.

Esse complexo emaranhado de águas determina o ritmo de vida da população


local. Na região amazônica, alternam-se dois períodos: o período da vazante,
de maio a outubro, e o período da cheia, de novembro a abril.

Um outro domínio que apresenta extrema interdependência para com as ta-


xas de precipitação elevadas é o domínio dos mares de morros. Vejamos.
Domínio dos Mares de Morros
O domínio dos mares de morros apresenta relevo variado, caracterizado, prin-
cipalmente, por colinas convexizadas, em forma de “meia laranja”, entendidas
como mares de morros �orestados. No entanto, ao longo de toda a extensão do
domínio, as características do relevo apresentam diferenciações que vão des-
de colinas mais suavizadas, como no interior de São Paulo (região da depres-
são periférica paulista), a escarpas abruptas, como nas unidades das serras do
Mar e da Mantiqueira ou, ainda, na região da Serra dos Órgãos, no estado do
Rio de Janeiro, onde aparecem as feições conhecidas como “pães de açúcar”, a
exemplo do famoso cartão postal carioca.

Por apresentar essa diversidade nas formas de relevo, o domínio dos mares de
morros é mais adequadamente tratado por “domínio tropical atlântico”, visto
que a expressão “mares de morros”, ou “mares de morros �orestados atlânti-
cos”, se cunhou devido à área, caracterizada por um relevo de colinas mamelo-
nizadas, encontradas, principalmente, na área core, no Vale do Rio Paraíba do
Sul (SP).

As características climáticas desse domínio são totalmente in�uenciadas pela


intensa umidade vinda do Oceano Atlântico, o que faz que ocorram índices de
precipitações acima dos 3.000mm em alguns pontos. Em razão da altitude do
relevo, as massas de ar carregadas de umidade sobem acompanhando a topo-
gra�a, resfriando-se. Quando ocorre o resfriamento da umidade da massa de
ar (em forma de vapor), há o processo de condensação, ou seja, a água sai do
estado gasoso e retorna para o estado líquido, precipitando grandes volumes
de chuva na região litorânea das escarpas atlânticas, principalmente na re-
gião do litoral norte de São Paulo.

Essa grande umidade, associada às altas taxas de precipitação, permite a


constituição de um bioma extremamente biodiverso, a chamada “Mata
Atlântica”. Diferentemente da Amazônia, que se situa na faixa equatorial e no
interior do continente sul-americano, a Mata Atlântica estende-se amplamen-
te no sentido norte-sul, apresentando variação latitudinal muito grande. Com
essa variação, aparecem, também, as diferenças de temperatura, entrada de
luz solar etc., facilitando que diferentes organismos coexistam em condições
distintas, trocando seu material genético, permitindo, assim, a constituição da
biodiversidade.

A constituição dessa vegetação em áreas afastadas do litoral se deve, exata-


mente, à penetração das massas de ar vindas do oceano e associadas, tam-
bém, à composição e à fertilidade dos solos. Por exemplo, a região do oeste
paulista, onde a constituição de solos mais férteis propicia a manutenção des-
sa vegetação mesmo distante da área core, ou seja, próxima ao litoral. Pode-se
destacar, também, a chamada “Zona da Mata mineira”, cuja composição �orís-
tica e faunística é semelhante à do domínio atlântico.

Um dado interessante é que a alta umidade e a pluviosidade permitem que es-


se domínio possua as mais altas taxas de intemperismo químico das rochas,
que consiste na alteração das propriedades da rocha por meio da ação contí-
nua da água e das condicionantes climáticas, o que propicia a formação dos
solos.

Esse fato pode favorecer o desenvolvimento de solos profundos, possibilitando


a manutenção de �orestas biodiversas. Entretanto, a alta pluviosidade, associ-
ada às vertentes íngremes de diversos setores do domínio tropical atlântico,
ocasiona movimentos de solo, identi�cados, também, como “deslizamentos de
terra”, que causam inúmeros desastres naturais.

Esses desastres, a cada verão, chamam mais a atenção. A ocupação de áreas


sem nenhum planejamento está se tornando um problema crônico em nosso
país, ao longo do domínio tropical atlântico. Deslizamentos de terra ocorrem
naturalmente, sendo observadas diversas cicatrizes de escorregamentos mes-
mo em áreas não ocupadas. Somam-se a essas características dos terrenos as
vertentes íngremes e as taxas de pluviosidade elevada.

No entanto, a falta de comprometimento com as políticas públicas relaciona-


das à ocupação do solo urbano faz que essas áreas sejam cada vez mais ocu-
padas sem nenhum critério. Casos recentes mostram isso claramente. Só em
2010, testemunhamos o ocorrido em Angra dos Reis, onde a construção de
uma pousada em uma área próxima à encosta levou ao soterramento e morte
de muitas pessoas devido aos deslizamentos de terra.
Outros casos também foram observados no estado do Rio de Janeiro, onde áre-
as ocupadas irregularmente e que já haviam sido classi�cadas como de risco
levaram à morte de centenas de pessoas. Na cidade de Niterói, por exemplo,
noticiou-se que, além da ocupação irregular da vertente, um bairro todo foi
construído sob um antigo aterro sanitário. Assim, tal fato já deixa o terreno
com maior instabilidade, expondo seus moradores a sérios riscos de contami-
nação pelo lixo ali compactado tempos atrás. Para compreendermos melhor
esse caso, vamos realizar a leitura de parte de uma notícia sobre um desliza-
mento no estado do Rio de Janeiro:

Deslizamento no Morro do Bumba


Deslizamentos de terras no Morro do Bumba provocados pelas chuvas ocasionaram cerca
de 10 mortes e 200 desaparecimentos em meio aos escombros, de acordo com estimativa
feita pelo Corpo de Bombeiros. O local é um assentamento de casas sobre um lixão desati-
vado há alguns anos. Jorge Roberto Silveira, prefeito de Niterói na época, justi�cou que a
prefeitura não fez objeções para a construção do assentamento pois o lixão já havia sido de-
sativado há mais de 50 anos (TERRA, 2011).

Outro dado interessante acerca da Mata Atlântica é que, dada sua localização
geográ�ca próxima à fachada litorânea, foi esse o primeiro bioma a ser explo-
rado pelos colonizadores. Esse fator fez que o domínio tropical atlântico se tor-
nasse o domínio de natureza mais densamente povoado e ocupado e, por con-
sequência, palco das alterações antrópicas mais signi�cativas, visto a extensa
urbanização e a industrialização no domínio, principalmente ao longo do eixo
entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.

Domínio das caatingas


Tal domínio de natureza se caracteriza por depressões intermontanas, ou seja,
extensas áreas de baixa altitude separadas por serras e planaltos de altitude
mais elevada, caracterizadas principalmente por relevos onde não há água na
escultura do modelado. Essa circunstância da seca ainda não foi desvendada
totalmente, mas existem alguns fatores que contribuem de maneira signi�ca-
tiva para a seca regional.

A atuação de células de alta pressão na área das depressões intermontanas


contribui para a dispersão, e não para a recepção de ventos com umidade, im-
pedindo que ventos úmidos cheguem constantemente à região. Outro fator
signi�cativo é a questão do relevo. O Chapadão do Araripe e o Planalto da
Borborema, por exemplo, barram a entrada de parte da umidade vinda do oce-
ano, que �ca retida nos contrafortes do relevo, nas áreas de brejo ou nas áreas
mais próximas ao litoral, na chamada “Zona da Mata nordestina”.

Segundo Ross (2001), explicações também podem ser conseguidas no oceano.


De acordo com o autor, as águas do atlântico equatorial são menos quentes no
hemisfério sul, favorecido pela ação da Corrente de Benguela, que é fria e pro-
voca redução da pluviosidade em diversas áreas, como na costa da Namíbia,
nos arquipélagos de Santa Helena, de Fernando de Noronha e do Nordeste bra-
sileiro. No entanto, essa faixa latitudinal não constitui exceção no tocante à
baixa pluviosidade. A Ilha de Galápagos, por exemplo, �ca próxima do Equador
e, apesar de estar em pleno Oceano Pací�co, recebe, apenas, em torno de
367mm de chuvas anuais.

Essa escassez de chuvas faz que a drenagem dessa região seja quase toda au-
tóctone e intermitente, ou seja, à exceção do Rio São Francisco, que nasce na
Serra da Canastra, em Minas Gerais, e corre de forma perene por grandes ex-
tensões do semiárido nordestino, a grande maioria dos rios seca durante os
períodos de estiagem prolongada.

Em razão da baixa precipitação e da intermitência da drenagem, o desenvolvi-


mento do solo não ocorre completamente, acarretando, na maioria das vezes,
um solo raso e, não raro, litólico, ou seja, onde a rocha não sofreu totalmente o
processo de intemperização. Essa con�guração do solo não permite que, quan-
do da chegada da chuva, a água se in�ltre em diversos pontos, ocasionando
um rápido escoamento super�cial, denominado “escoamento em lençol”, o
qual arrasta consigo diversos detritos, fragmentos de rocha etc., dando o as-
pecto de um chão pedregoso.

Outra característica importante é o alto grau de intemperismo físico das ro-


chas, que, devido à alternância de temperatura, faz que elas se partam sem
mesmo sofrer alteração química. Diferentemente do intemperismo químico, o
físico é ocasionado pela dilatação e pela contração da rocha, que se parte, mas
sem sofrer alteração de suas propriedades químicas ou perdê-las. Outras for-
mas do intemperismo físico são causadas pela penetração da água nas �ssu-
ras da rocha, a qual pode se congelar e se expandir (em ambientes muito fri-
os), provocando a quebra da rocha.

Dada a soma da baixa umidade com a intermitência dos rios, lagos etc., a ve-
getação perde em exuberância e quantidade (Figura 16). A adaptação das plan-
tas às severas condições climáticas dá-se por meio da retenção de água, evi-
tando ao máximo sua perda para a atmosfera. Por conta disso, diversas plan-
tas da região do semiárido têm suas características relacionadas ao xeromor-
�smo, apresentando, em diversas espécies, espinhos e troncos com cascas
bastante grossas.

Figura 16 Vegetação típica da caatinga.

Exemplo clássico dessa vegetação de caatinga é o mandacaru, uma cactácea


que se tornou o símbolo cultural da região. No entanto, quando da época das
chuvas, a alta taxa de luminosidade faz que se acelere o processo de fotossín-
tese, e a caatinga, outrora seca, reverdece-se.

Uma modi�cação interessante na região do semiárido nordestino foi promovi-


da na região das cidades de Juazeiro, no estado da Bahia, e Petrolina, no esta-
do de Pernambuco, às margens do Rio São Francisco. Foi implantado nessa re-
gião um sistema de irrigação, que consegue prover água para diversas planta-
ções, sendo referência no cultivo de frutas e na produção de vinho no Brasil,
provando, dessa forma, que estratégias de desenvolvimento não eleitoreiras,
se bem aplicadas, podem gerar resultados fantásticos.
Domínio dos Planaltos de Araucárias
O domínio dos planaltos de araucárias marca a entrada nos geossistemas bra-
sileiros de caráter subtropical, onde o aumento da latitude e de altitude causa
perda de tropicalidade, chuvas bem distribuídas e temperaturas mais amenas.
Quem vive no domínio intertropical consegue diferenciar bem somente a es-
tação quente e chuvosa e a estação fria e seca. Nos domínios de caráter extra-
tropical, as quatro estações do ano são sentidas mais claramente.

A mata de araucária, ou os chamados “bosques de araucárias” (Figura 17), é


formada por vegetação de porte médio, entre 10m e 15m de altura, com folhas
aciculifoliadas, ou seja, em formas de espículas. É interessante dizer que a ve-
getação de araucária existe pontualmente em diversos locais, onde há a perda
das características tropicais, seja pela elevação da altitude, seja pelo aumento
da latitude.

No entanto, a araucária como um ecossistema, como um bioma, não mais


existe efetivamente, devido à extensa devastação provocada pela ocupação in-
tensi�cada na época da instalação dos colonos europeus, principalmente nas
regiões das serras Gaúcha e Catarinense, cuja contrapartida a essa ocupação
foi a constituição de um dos mais belos modelos de paisagem rural do Brasil
(AB’SÁBER, 2003).

Figura 17 Paisagem típica do planalto de araucárias.

O relevo apresenta características diversas, compreendendo, nesse domínio,


uma predominância de planaltos de variada altitude. Uma feição do relevo
bastante destacável se situa a nordeste do estado do Rio Grande do Sul, na re-
gião conhecida como “Aparados da Serra”, com íngremes escarpas voltadas
para Leste, além de pequenos cânions que cortam a região da Serra Gaúcha.
Essa paisagem serrana se estende, também, para o estado de Santa Catarina,
onde, não raro, a entrada de massas de ar frio provoca episódios de neve no in-
verno.

Nessa variação do relevo, destacam-se diversas paisagens, que, apesar de per-


tencerem ao mesmo domínio morfoclimático e �togeográ�co, são bem distin-
tas entre si. Os arenitos da cidade de Vila Velha caracterizam-se por uma to-
pogra�a ruiniforme, possibilitada pela penetração de água através de diversas
fendas.

A penetração da água em uma rocha extremamente friável, como o arenito,


faz que ocorram intenso processo de intemperismo químico e abrasão ao lon-
go do corpo da rocha, ocasionando o desgaste do bloco de forma não uniforme.
A ação eólica faz que se formem, também, rochas de contornos distintos.

Outra paisagem com grande beleza cênica �ca na região da tríplice fronteira
entre Brasil, Paraguai e Argentina, que são as chamadas “Cataratas do Iguaçu”.
Tal cenário foi possibilitado pelo intenso e constante trabalho do Rio Iguaçu,
que, ao longo de milhares de anos, foi escavando os sedimentos contidos no
leito do rio até chegar à rocha, proporcionando quebra brusca na linearidade
do relevo e quedas com um volume d’água intenso (Figura 18).
Figura 18 Cataratas do Iguaçu.

Domínio das Pradarias Mistas


Em termos de área, as pradarias mistas são o menor dos domínios de natureza
no Brasil, compreendendo a região do centro-sul gaúcho, nas fronteiras com
Uruguai e Argentina.

Também conhecido pelo nome de “campanha gaúcha”, esse domínio apresen-


ta, de maneira geral, um relevo de colinas e topogra�a suavizada, denomina-
das de “coxilhas”, devido ao seu aspecto que, de certa forma, faz alusão à coxa
humana. A região da campanha apresenta drenagem perene, sem grande vo-
lume d’água nessas extensões.

Por ser o domínio morfoclimático mais austral, ou seja, mais ao Sul do Brasil,
as pradarias mistas caracterizam-se, a exemplo dos planaltos de araucárias,
por clima subtropical, e, ao contrário dos planaltos, a campanha não apresenta
grandes concentrações de chuva, em razão, principalmente, da sua baixa to-
pogra�a e evapotranspiração. É ainda interessante destacar o vento minuano,
soprando quase que constantemente do sul em direção ao continente, in�uen-
ciando todo o ritmo de vida da população local.

Na região do sudoeste gaúcho, com a intensa utilização das terras para a pe-
cuária e a não manutenção de uma vegetação que possa manter o solo, ocor-
rem processos crescentes de deserti�cação na região. Esses processos, uma
vez instalados, causam prejuízos imensos a todas as atividades, pois há cons-
tante perda de material do solo, que se desagrega de maneira crescente.

Culturalmente, a região possui criações de gado de maneira extensiva, facili-


tadas, em grande parte, pela vegetação arbustiva, com poucos exemplares ar-
bóreos, característica básica da vegetação de pradarias. A mata ciliar, que an-
tes protegia os veios d’água das planícies aluviais, fora retirada em cerca de
90%, e, em seu lugar, foram plantados extensos arrozais irrigados, causando
alterações muitas vezes danosas a toda a economia e meio ambiente a médio
e longo prazo, visto que a retirada da mata ciliar resulta no assoreamento
constante da calha do rio, alterando seu padrão ao longo dos anos.

Domínio dos Cerrados


O domínio dos cerrados apresenta relevo tipicamente planáltico, com cotas
entre 300m e 1700m, região ocupada e designada como “planalto brasileiro”,
ocupando praticamente toda a área do Brasil central.

Possui drenagem relativamente perene nos rios de primeira e segunda ordem,


com extensos inter�úvios, ou seja, grandes espaços entre um veio de drena-
gem e outro, possuindo uma das mais baixas densidades de drenagem entre
os domínios de natureza.

Alguns autores como Christofoletti (1981) e Strahler (1952) propõem uma hie-
rarquia para a rede de drenagem. Segundo essa hierarquia, rios de primeira or-
dem são canais que não recebem nenhum tributário e rios de segunda ordem
são rios à jusante da con�uência de dois ou mais canais de primeira ordem.

Pontua-se, ao longo das baixas vertentes, o a�oramento do lençol freático,


expondo-se e dando início a diversos veios d’água. Ao longo desses locais, do-
tados de uma beleza cênica muito grande, denominados “veredas”, o solo é ex-
tremamente hidromor�zado, ou seja, permanece em contato com a água por
períodos ininterruptos. A essa associação, dá-se o nome de gley, um solo com
muita matéria orgânica, porém de baixa fertilidade, justamente pela presença
constante da água, proporcionando um ambiente com propriedades redutoras
e não permitindo, dessa forma, a remineralização dos nutrientes dessa maté-
ria orgânica.
O clima dos cerrados caracteriza-se por duas estações bem de�nidas, com pe-
ríodos chuvosos e secos. Essa alternância climática faz que o meio geográ�co,
biótico e abiótico, tenha de se adequar a ela.

Os solos, por exemplo, tornam-se relativamente ácidos, ou seja, perdem boa


parte de suas propriedades ferrosas no processo de laterização, o que faz que
esses solos não sejam tão férteis. No entanto, a grande adaptação é notada sob
o aspecto vegetacional. O bioma do cerrado é caracterizado, especialmente,
por uma vegetação arbórea e arbustiva (Figura 19).

A vegetação do cerrado não se apresenta de maneira uniforme, podendo sofrer


variações, como os campos mais abertos e de vegetação arbustiva, onde pon-
tuam espécimes arbóreos denominados de “campo cerrado”; a formação mista
entre o arbóreo e o arbustivo, penetrada por matas de galeria que acompa-
nham a drenagem, denominada de “cerrado”, ou “cerrado típico”; ou, ainda, a
formação mais homogênea, com espécies arbóreas predominando na paisa-
gem, denominada de “cerradão”.

Figura 19 Paisagem típica da vegetação de cerrado, com espécies arbóreas e arbustivas.

Dada a alternância climática, as plantas precisam adaptar-se a longos perío-


dos de seca. Essa adaptação é resultado da retenção de água nas plantas. Tal
processo é possível por meio da manutenção de cascas grossas e raízes bem
profundas para facilitar a captação de água no lençol freático que se localiza a
muitos metros de profundidade, ao longo dos chapadões em épocas de seca. A
falta da água também faz que as plantas apresentem de�ciência de nutrientes
necessários ao seu pleno desenvolvimento, o que causa à planta um processo
de escleromor�smo oligotró�co, responsável pela aparência de troncos e ga-
lhos retorcidos. 

Para conhecer um pouco mais sobre o geógrafo Aziz Ab'Sáber e sua obra, as-
sista ao vídeo a seguir:

5. Litoral do Brasil: algumas de�nições


O litoral do Brasil é uma grande faixa costeira com, aproximadamente, 8.698
km de extensão e largura variável, sendo banhado pelo Oceano Atlântico e for-
mado por um grandioso ecossistema costeiro que ocupa uma área de, aproxi-
madamente, 388 mil km2.

Essa extensa costa é banhada por águas quentes que ocupam grande parte
das bordas tropicais e subtropicais do Atlântico Sul Ocidental, que vai desde o
Cabo Orange, na foz do rio Oiapoque, até o Arroio Chuí. Há, nessa faixa, diver-
sos tipos de habitats, que vêm sendo cada vez mais utilizados pelo turismo e
ecoturismo, uma vez que boa parte deles é dotada de relevante beleza cênica.

Segundo Ab’Saber (2006, p. 80), o litoral pode ser entendido como “uma heran-
ça de processos anteriores, remodelados pela dinâmica costeira hoje prevale-
cente”. Desse modo, compõem o litoral brasileiro (Figura 20): a convergência
de praias arenosas, sedimentos calcários, manguezais, costões, rochas, restin-
gas, lagos, rios, dunas, falésias, baías, estuários, recifes de corais e outras ca-
racterísticas, além da dinâmica climática.
Figura 20 Litoral brasileiro do Oiapoque ao Chuí.

A posição geográ�ca do litoral brasileiro e a orientação da linha de costa re-


sultam de atividades que datam do período Pós-paleozoico, ou seja, de mais de
200 milhões de anos. Do ponto de vista geológico (Figura 21), nosso litoral co-
meçou a se de�nir com a separação do grande continente de Gondwana, asso-
ciada aos eventos tectônicos e magmáticos responsáveis pela formação da
plataforma continental que conhecemos, que seria preenchida por depósitos
de sedimentos.

Figura 21 Escala do Tempo Geológico.

É importante ressaltar que, do ponto de vista do meio físico, esse ambiente


apresenta, em sua constituição, condicionantes geológicas, geomorfológicas,
oceanográ�cas e climáticas que induziram a compartimentação do litoral tal
como o conhecemos hoje. As condições climáticas propícias contribuem para
o transporte marítimo, que ocorre o ano inteiro.
Essa faixa do território brasileiro é constituída não só por aspectos físicos e
naturais, mas também por aspectos antrópicos, que, historicamente, vêm pro-
piciando um rápido e avassalador processo de desenvolvimento desordenado
que agrava os frágeis sistemas naturais ali estabelecidos.

Para caracterizarmos o meio físico-natural, dividiremos o estudo do litoral em


quatro grupos: norte, nordeste, sudeste e sul.

Litoral do Brasil: aspectos físico-naturais


Litoral Norte

O compartimento costeiro da região norte origina-se na foz do rio Oiapoque,


seguindo até o delta do rio Parnaíba. Ele abrange os estados do Amapá, do
Pará e do Piauí, apresentando uma larga plataforma continental recoberta por
extensos manguezais e matas de várzea, além de dunas e praias. O clima
dessa área é bem quente, com temperaturas que oscilam entre 250C e 280C. A
precipitação pode chegar a 3.500mm anuais, concentrados nos meses de
janeiro a julho.

O litoral norte brasileiro é formado por inúmeras ilhas, margeadas por gran-
des manguezais, que estão bem conservados devido à sua baixa densidade de-
mográ�ca. Mais da metade dos mangues que ainda resistem à pressão antró-
pica estão concentrados nessa região. As características físico-químicas e ge-
omorfológicas da costa do Amapá e do setor ocidental da costa do Pará são de-
terminadas pelo delta do Amazonas, pois é nessa região que o rio Amazonas
encerra seu curso, depositando uma grande quantidade de sedimentos no
mar. Isso gera uma signi�cativa quantidade de material particulado em sus-
pensão, favorecendo a alimentação de peixes e frutos do mar, que se aprovei-
tam da rica matéria orgânica ali depositada. Como consequência, atividades
como a pesca industrial e artesanal são muito favorecidas.

Encontramos, ainda, uma rica biodiversidade em espécies de crustáceos, pei-


xes e aves que se bene�ciam dos manguezais, adequadamente chamados de
berçário oceânico.

A região das reentrâncias do Pará-Maranhão é assim denominada, segundo o


site MMA (2012), por ter o aspecto de um litoral afogado pela transgressão ma-
rinha, sendo caracterizado pela sucessão de pequenos estuários que, em con-
junto, dão o aspecto de reentrância. Observe a Figura 22, na qual estão repre-
sentadas tanto a região do litoral norte do Brasil quanto as reentrâncias do
Pará-Maranhão:

Figura 22 Região do litoral norte do Brasil.

Litoral Nordeste

O litoral nordeste inicia-se na foz do rio Parnaíba e segue até o Recôncavo


Baiano. “Os habitats marinhos da Região Nordeste são típicos de áreas tropi-
cais e caracterizam-se pela grande diversidade biológica. Há recifes de coral e
de algas calcárias” (WIKIPÉDIA, 2012). Já na costa, ocorrem as “praias areno-
sas interrompidas por falésias, arrecifes de arenito e pequenos sistemas
estuarino-lagunares margeados por manguezais” (WIKIPÉDIA, 2012). É muito
comum, nessa porção do litoral, a ocorrência de dunas recobertas por vegeta-
ção, que contribuem para a sua �xação.
Os maiores impactos ambientais que podemos observar nessa área são
causados pela ocupação urbana, pelo turismo, pela sobrepesca, pelas obras
portuárias, pela mineração e pela ocupação de áreas de manguezais para a
carcinocultura (fazendas de criação de camarão), pois, muitas vezes, para
manutenção dessas atividades, a vegetação original é retirada, deixando as
dunas vulneráveis à ação dos ventos.

A Plataforma Continental, nesse trecho, é formada por poucos depósitos


sedimentares por causa da baixa drenagem hidrográ�ca, uma vez que essa
região sofre a in�uência do Clima Tropical, com alguns meses de seca e com
chuvas concentradas no verão e no outono.

O litoral nordestino apresenta duas linhas de costa bem demarcadas, uma


entre o rio Parnaíba e o Cabo São Roque (RN), com direção geral leste-oeste, e
outra na direção nordeste-sudeste, que se estabelece ao sul do Cabo São
Roque. Nesse litoral, temos a formação de tabuleiros e de praias de arenitos ou
rochosas; além disso, a Plataforma Continental é bastante estreita (menos de
80 km) e a drenagem mais expressiva do ponto de vista de transporte de
sedimento é a do rio São Francisco, com desembocadura na forma de delta.

A seguir, apresentamos a Figura 23, com o litoral nordeste do Brasil. Observe a


mudança brusca na orientação da linha de costa, inicialmente na direção
leste-oeste e, depois, na direção nordeste-sudeste:
Figura 23 Litoral nordeste do Brasil.

Litoral Sudeste

A região costeira do sudeste assemelha-se, parcialmente, à região costeira do


nordeste, mas conta com maiores interferências do clima.

De acordo com o site do Ibama (2012):


O litoral sudeste segue do Recôncavo Baiano até São Paulo. É a área mais densa-
mente povoada e industrializada do país. Suas áreas características são as falésias,
os recifes e as praias de areias monazíticas (mineral de cor marrom-escura). É do-
minada pela Serra do Mar e tem a costa muito recortada, com várias baías e peque-
nas enseadas. O ecossistema mais importante dessa área é a mata de restinga.
Essa parte do litoral é habitada pela preguiça-de-coleira e pelo mico-leão-dourado
(ambas as espécies ameaçadas de extinção).

Na sua porção mais oriental, entre o Recôncavo Baiano e a parte norte do Rio
de Janeiro, é caracterizada por ser uma área de transição entre o litoral nor-
destino e o sudeste, ou seja, possui elementos dos dois litorais. Por isso, apre-
senta tabuleiros e planícies costeiras formadas por depósitos sedimentares.

As drenagens são mais numerosas do que as do litoral nordestino. Os rios


Contas, Pardo, Jequitinhonha, Doce, Itabapoana e Paraíba do Sul são responsá-
veis pelo aporte �uvial mais signi�cativo, construindo planícies costeiras em
delta em suas desembocaduras.

A Plataforma Continental apresenta largura variável, com extensões que vão


desde apenas 30 quilômetros até mais de 200 km nas áreas de in�uência dos
bancos de Abrolhos e Royal Charlotte.

Na parte sul dessa região, ocorre a ressurgência das águas mais profundas
(ressurgência de Cabo Frio), e a temperatura, na parte próxima à costa, pode
baixar até 160C. Esse evento natural torna essa região extremamente produti-
va, sendo uma área de concentração de indústrias pesqueiras.

Veja, na Figura 24, o litoral sudeste, que vai do Recôncavo Baiano até o �nal do
litoral paulista.
Figura 24 Litoral sudeste do Brasil.

Litoral Sul

Segundo o site WWF Brasil (2012):

O litoral sul começa no Paraná e termina no Arroio Chuí, no Rio Grande do Sul.
Cheio de banhados e manguezais, o ecossistema da região é riquíssimo em aves,
mas há também outras espécies: ratão-do-banhado, lontras, capivaras etc.

A linha de costa dessa porção litorânea é retilínea, com dunas e inúmeras la-
gunas, como a Lagoa dos Patos. Ela apresenta, também, planícies costeiras ex-
tensas e arenosas, bem como baixa altitude, característica predominante nes-
se litoral. Contudo, esse padrão se altera um pouco na região de Torres, no Rio
Grande do Sul, devido à ocorrência de uma formação basáltica na linha de
costa.

De acordo com o site Geogra�a (2012):


Não há drenagem signi�cativa que deságue neste litoral. O maior aporte de água
doce é a desembocadura da Laguna dos Patos, na altura da cidade de Rio Grande
(RS).

A plataforma, por sua vez, é larga, exceto na região de Mostardas (RS), onde há a
presença de pequenas depressões e elevações, circulares e alongadas, em posição
oblíqua quando comparadas com a linha de costa.

Observe a Figura 25, na qual é apresentado o litoral sul do Brasil.

Figura 25 Litoral sul do Brasil.

Ilhas Costeiras
O Brasil, além de possuir um riquíssimo litoral, conta, ao longo da costa, com a
presença de um conjunto de ilhas marítimas, divididas, basicamente, em dois
grupos: as Ilhas Costeiras e as Ilhas Oceânicas.
Aquelas denominadas “Ilhas Costeiras” caracterizam-se por estarem próxi-
mas ao litoral e encontram-se apoiadas na parte do relevo do continente que
avança para o mar. “Algumas Ilhas Costeiras muito conhecidas abrigam capi-
tais de estado, como São Luís (MA), Vitória (ES) e Florianópolis (SC)” (JUSVI,
2012).

Temos, ainda, algumas ilhas muito procuradas para o desenvolvimento de


atividades turísticas, como é o caso da Ilha de Itaparica, na Bahia; da Ilha
Grande, no Rio de Janeiro; e de São Sebastião e Anchieta, em São Paulo.

Por �m, há um grupo de ilhas conhecidas por sua importância ecológica,


como Abrolhos, distante, aproximadamente, 70 km da costa brasileira.
Encontrada na região sul do estado da Bahia, a ilha é composta por um grupo
de recifes de corais e ilhas vulcânicas. Lá, foi criado o Parque Nacional
Marinho dos Abrolhos, conhecido como o primeiro parque marinho do Brasil.

Ilhas Oceânicas
Essas ilhas costumam estar distantes do litoral e estão apoiadas no fundo do
oceano. No Brasil, as principais Ilhas Oceânicas são os arquipélagos de
Fernando de Noronha, o Atol das Rocas, os arquipélagos de São Pedro e São
Paulo e as ilhas de Trindade e Martim Vaz, no estado de Espírito Santo.

De todas essas, a que tem maior importância é a de Fernando de Noronha,


formada por 19 ilhas de origem vulcânica em uma área de 18,4 km2, distante
360 km da costa do Rio Grande do Norte. Essa ilha foi anexada ao estado de
Pernambuco em 1988. Visando garantir sua preservação, hoje, ela é um parque
nacional marinho e a entrada de visitantes é limitada, sendo cobrada uma
taxa de preservação ambiental para aqueles que a visitam.

A a�oração vulcânica coberta de corais do Atol das Rocas é uma ilha de 7,2
km2, distante 250 km do continente e 150 km de Fernando de Noronha, cujo
acesso é difícil devido aos recifes. Foi a primeira reserva biológica do país,
sendo criada em 1979.

Ilhas Fluviais
O Brasil possui, ainda, algumas das maiores ilhas �uviais do mundo, como a
ilha de Marajó, com 50 mil km2, considerada a maior ilha �úvio-marinha do
mundo. Localizada na foz do rio Amazonas, no estado do Pará, a Ilha de
Marajó é considerada um dos grandes santuários ecológicos do mundo. Além
dela, há, também, a Ilha do Bananal, com 20 mil km2 de área, a maior ilha
�uvial do mundo, localizada no estado de Tocantins.

6. Litoral do Brasil – aspectos socioeconômi-


cos
Na faixa litorânea, há, segundo a contagem da população do IBGE realizada
em 1996, 36,5 milhões de pessoas (aproximadamente), distribuídas pelos qua-
se 400 municípios que compõem essa área. Desse modo, a densidade demo-
grá�ca média é de 87 hab./km2, o que supera muito a média nacional.

Devemos ressaltar que as maiores cidades do país ou estão no litoral, ou bem


próximas dele; assim, 13 capitais localizam-se nessa faixa. Também é nessa
área que se concentram 70% de todo o Produto Interno Bruto (PIB) produzido
no Brasil.

O processo que caracteriza a ocupação e o desenvolvimento social da costa


brasileira é histórico, datando desde o período colonial. O grande número de
cidades ali formado ocorreu por causa da criação de portos, que interligavam
a Metrópole à Colônia por meio do escoamento dos produtos que dela eram ex-
traídos. Os primeiros adensamentos populacionais ocorreram no litoral orien-
tal da zona da mata nordestina; seguido pelo Recôncavo Baiano, polarizado
por Salvador; pelo Litoral Fluminense, encabeçado pelo Rio de Janeiro; e pelo
litoral paulista, com a in�uência de Santos e São Vicente.

Atualmente, veri�camos porções do litoral muito e pouco povoadas. Segundo


Moraes (1998), os estados do Amapá, Pará, Maranhão e Piauí apresentam uma
baixa densidade populacional; um segundo grupo, que agrega os estados do
Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, apresen-
ta um padrão de ocupação bem avançado, sendo Pernambuco o estado com
maior densidade demográ�ca. O litoral dos estados da Bahia e do Espírito
Santo também constitui uma área de baixa ocupação populacional; contudo, a
porção mais sudeste do litoral brasileiro, formada pelos estados do Rio de
Janeiro e São Paulo, apresenta-se quase inteiramente conectada pela urbani-
zação das áreas.

Finalmente, o sul do país não se apresenta como um grupo do ponto de vista


de adensamento populacional, pois cada estado apresenta um comportamen-
to diferenciado em termos de ocupação. O estado de Santa Catarina é o maior
registrado no litoral sul.

O rápido desenvolvimento desse litoral gerou um grande desenvolvimento so-


cial e econômico em virtude da intensa urbanização associada às atividades
portuárias e industriais (como é o caso de Cubatão, no litoral paulista). A des-
medida exploração turística desses ambientes costeiros promoveu, em muitos
casos, uma ocupação irregular, que tem gerado signi�cativos problemas ambi-
entais, como o lançamento de esgotos e e�uentes industriais e domésticos,
além da ocupação em áreas públicas e das faixas marginais dos corpos
d'água.

Os danos causados ao meio ambiente, produtos do processo de ocupação não


planejada, devem ser tratados não só com políticas públicas, mas também
com uma legislação condizente com esse frágil ambiente costeiro. Assim, os
instrumentos legais devem buscar a mediação dos con�itos referentes ao uso
e à ocupação do solo, compatibilizando, sempre que possível, as práticas já de-
senvolvidas com a conservação, preservação e recuperação de áreas profun-
damente degradadas.

Obviamente, nem todo o litoral do Brasil está densamente povoado. Os espa-


ços de baixo adensamento demográ�co são frequentemente ocupados por co-
munidades tradicionais tais como quilombolas e comunidades de pescadores
semi-isoladas que, nas últimas décadas, tentaram se incorporar ao sistema
capitalista, inserindo-se na atividade turística e de veraneio.

A especulação imobiliária bem desenvolvida no litoral ajuda a descaracterizar


esses espaços destinados às comunidades locais de pescadores, agricultores e
extrativistas. Esse processo também impacta o meio ambiente costeiro, pois,
com a proliferação de balneários, de grandes projetos hoteleiros e de áreas de
segunda residência, os ambientes costeiros e marinhos encontram-se cada
vez mais vulneráveis.

Do ponto de vista do desenvolvimento econômico, além da intensa atividade


turística, a indústria do petróleo, especialmente em águas marinhas profun-
das, vem apresentando um forte crescimento nos últimos anos que tem acar-
retado a instalação e a operação de novas plataformas e dutos, aumentando o
trânsito de embarcações e instalações que interferem diretamente na zona
costeira, o que determina e acelera o crescimento das cidades, modi�cando as
relações sociais e econômicas das populações locais.

O setor portuário na região tem uma importância histórica que, em virtude


das demandas da economia globalizada e das convenções e normas internaci-
onais, passa por um processo de modernização e adequação competitiva, afe-
tando signi�cativamente a infraestrutura instalada e as áreas ao seu entorno,
bem como agravando o problema gerado pelos resíduos sólidos e líquidos (na
forma de esgoto) que são lançados diretamente nos rios, gerando seu assorea-
mento.

Finalmente, outra importante e tradicional atividade econômica desenvolvida


no litoral brasileiro é a pesca e, mais recentemente, as culturas em fazendas
marinhas de peixe, camarões e outros tipos de frutos do mar.

A pesca extrativista marinha representa 48,9% de toda a produção de pescado


no Brasil; contudo, as atividades de pesca têm con�itado com as fazendas ma-
rinhas pela disputa dos mesmos espaços. Um aspecto importante que deve-
mos considerar é que essas atividades não envolvem as comunidades extrati-
vistas tradicionais da região costeira; logo, essas comunidades sofrem pres-
são, de um lado, do intenso avanço do turismo de massa, muitas vezes levado
adiante por importantes grupos do setor de hotelaria, e, de outro, das empresas
que praticam a pesca em escala industrial.

A seguir, na Figura 26, apresentamos o mapa com a densidade populacional


brasileira, segundo dados do IBGE. Observe a grande concentração existente
na faixa costeira.
Figura 26 Mapa da densidade demográ�ca brasileira.

Portanto, diante do conteúdo tratado aqui, é extremamente importante buscar-


mos caminhos para a preservação e a conservação das riquezas que temos em
nossa linha costeira, assim como é importante encontrarmos formas de pla-
nejar melhor nossa ocupação do território sempre em conjunto com as ativi-
dades econômicas por ele distribuídas, visando à melhor manutenção do meio
ambiente e gerando bem-estar para as populações envolvidas.

Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem, respondendo à questão a se-


guir.

7. Considerações
Neste ciclo de estudos, foi possível conhecermos os biomas, os domínios mor-
foclimáticos e o litoral brasileiro. Como vimos, os ambientes naturais têm so-
frido cada vez mais com a ação humana.

Nesse sentido, um dos grandes responsáveis pela degradação ambiental são


as atividades agrícolas. Por isso, nos próximos ciclos, avançaremos para o es-
tudo da questão agrária, aprofundando a re�exão sobre os impactos ambien-
tais provocados pela dinâmica de expansão territorial do agronegócio e os
modelos alternativos de desenvolvimento sustentável.
(https://md.claretiano.edu.br

/geobraagrmeiamb-gs0034-ago-2022-grad-ead-np/)

Ciclo 3 – Questão Agrária Brasileira

Gustavo Henrique Cepolini Ferreira


Larissa Mies Bombardi

Objetivo
• Re�etir sobre o processo de modernização da agricultura e as contradi-
ções da questão agrária brasileira.

Conteúdos
• Relações de produção no campo.
• Con�itos agrários.
• Modernização da agricultura.
• Agronegócio.

Problematização
O que diferencia a produção camponesa da agrícola capitalista? Quais os
principais con�itos e movimentos de luta pela terra na história do Brasil? O
que signi�cam os conceitos de espacialização e territorialização da luta pela
terra? Quais as características de um movimento socioterritorial? Quais as
características do processo de modernização do campo no Brasil? Quais os
impactos da Revolução Verde? Quais são as relações existentes entre o cam-
po e a cidade? O que é o agronegócio? Qual a participação do agronegócio na
economia brasileira?

Orientação para o estudo


Como pretendemos construir nossos conhecimentos relacionados à
Geogra�a Agrária por meio da análise histórica, é imprescindível que, ao lon-
go do estudo deste ciclo, você consulte obras, sites, jornais e outros periódi-
cos que discutam a referida temática. Também há uma série de �lmes e do-
cumentários disponíveis, para que você aprofunde os seus estudos.

1. Introdução
Neste ciclo de aprendizagem, estudaremos a dinâmica territorial do Brasil na
perspectiva das relações de produção no campo, dos con�itos agrários, da mo-
dernização da agricultura e do agronegócio.

Como sugerimos no �nal do Ciclo 2, o mapa da questão agrária brasileira traz


um conjunto de informações e mapas que permitem aprofundar o conheci-
mento de diferentes aspectos dessa realidade. Por isso, ao desenvolver seus
estudos, retome esse material, ele é muito importante, para sua formação.

 Documentários e �lmes sobre a questão agrária

A USP tem um laboratório de Geogra�a Agrária e lá você também pode


encontrar outros materiais sobre a questão agrária. Clique aqui
(https://agraria.f�ch.usp.br/documentagro) e saiba mais sobre essa temá-
tica!

2. Modo capitalista de produção e agricultura


O processo de desenvolvimento do modo capitalista de produção tem marcas
concretas na história, conforme apontou Martins (1995) e Oliveira (1987; 1991;
2007).

Oliveira (1987) a�rma que:


O desenvolvimento do capitalismo é produto de um processo contraditório de re-
produção ampliada do capital. Ou seja, o modo capitalista de produção não está cir-
cunscrito apenas à produção imediata, mas também à circulação de mercadorias;
portanto, inclui também a troca de mercadorias por dinheiro e, obviamente, de di-
nheiro por mercadorias (OLIVEIRA, 1987, p. 28).

Nesse contexto, entendemos a produção da mais-valia como o excedente ad-


quirido ou acumulado com a mercadoria em si.

As relações capitalistas são, portanto, relações sociais que pressupõem a troca de-
sigual entre o capital e o trabalho, e ambos, capital e trabalho, são produtos de rela-
ções sociais iguais e contraditoriamente desiguais. São, pois, relações que têm ne-
cessariamente que supor capital e trabalho assalariado. Um cidadão só é capitalis-
ta e o seu dinheiro capital quando o coloca no processo produtivo (comprando mei-
os de produção e força de trabalho) para reproduzir, de forma ampliada, esse capi-
tal. É por isso que o capital é produto de uma relação social baseada na troca desi-
gual entre proprietários distintos, porém iguais. O capital é, pois, a materialização
do trabalho não-pago ao trabalhador. É, portanto, a mais-valia expropriada do tra-
balhador. É a fração do valor produzido pelo trabalhador que se realiza nas mãos do
capitalista (OLIVEIRA, 2007, p. 38).

Partindo desse contexto de apropriações capitalistas, deparamos-nos com as


relações não capitalistas de produção, ou seja, por mais contraditório que pa-
reça, para o capital se manter, é necessário que haja relações não capitalistas.

Na agricultura, esse processo de subordinação das relações não-capitalistas de pro-


dução se dá, sobretudo, pela sujeição da renda da terra ao capital. O capital rede�-
niu a renda da terra pré-capitalista existente na agricultura. Ele agora apropria-se
dela, transformando-a em renda capitalizada da terra. É neste contexto que se deve
entender a produção camponesa: a renda camponesa é apropriada pelo capital mo-
nopolista, convertendo-se em capital (OLIVEIRA, 2007, p. 40).

Vale observar que é na perspectiva dos limites para a produção camponesa no


campo, e não o lucro como �nalidade exclusiva, que entendemos a produção
camponesa, a qual lida com a sobrevivência.
No trabalho camponês, uma parte da produção agrícola entra no consumo direto do
produtor, do camponês, como meio de subsistência imediata, e a outra parte, o ex-
cedente, sob a forma de mercadoria, é comercializada. Por isso, é mister a distinção
entre a produção camponesa e a produção capitalista. Na produção capitalista,
ocorre o movimento de circulação do capital expresso nas fórmulas: D – M – D na
sua versão simples, e D – M – D’ na sua versão ampliada. Já na produção campo-
nesa, se está diante da seguinte fórmula M – D – M, ou seja, a forma simples de cir-
culação das mercadorias, onde a conversão de mercadorias em dinheiro se faz com
a �nalidade de se poder obter os meios para adquirir outras mercadorias igualmen-
te necessárias à satisfação de necessidades. É, pois, um movimento do vender para
comprar (OLIVEIRA, 2007, p. 40).

Oliveira (2007), utilizando a obra de José Tavares dos Santos, Colonos do vi-
nho, apresenta um conjunto articulado dos nove elementos estruturais da pro-
dução camponesa:

1. a força de trabalho familiar – é o motor do processo de trabalho na unida-


de camponesa; a família camponesa é um verdadeiro trabalhador coleti-
vo;
2. a ajuda mútua entre os camponeses – é a prática que eles empregam para
suprir, em determinados momentos, a força de trabalho familiar; entre es-
sas práticas está o mutirão ou a troca pura e simples de dias de trabalho
entre eles; esse processo aparece em função de os camponeses não dispo-
rem de rendimentos monetários necessários para pagar trabalhadores
assalariados;
3. a parceria – é outro elemento da produção camponesa decorrente da au-
sência de condições �nanceiras do camponês para assalariar trabalhado-
res em sua propriedade; assim ele, ao contratar um parceiro, divide com
ele custos e ganhos; é comum essa relação de trabalho aparecer articula-
da na produção capitalista como estratégia do capital para reduzir os
custos com a remuneração dos trabalhadores; da mesma maneira, a par-
ceria pode ser a estratégia que os pequenos camponeses utilizam para
ampliar a sua área de cultivo e conseqüentemente aumentar suas rendas;
4. o trabalho acessório – é o meio através do qual o camponês transforma-
se, periodicamente, em trabalhador assalariado, recebendo, via de regra,
por período de trabalho; essa transformação periódica constitui uma fon-
te de renda monetária suplementar na unidade camponesa;
5. a jornada de trabalho assalariada – aparece na unidade de produção
camponesa como complemento da força de trabalho familiar em momen-
tos críticos do ciclo agrícola, nos quais as tarefas exigem rapidez e muitos
braços; essa força de trabalho assalariada na unidade camponesa pode,
em determinados momentos, começar a ser permanente, e o camponês
passa, então, a combinar as duas forças de trabalho, a familiar e a assala-
riada;
6. a socialização do camponês – é importante elemento da produção cam-
ponesa, pois é através dela que as crianças são iniciadas, desde peque-
nas, como personagens da divisão social do trabalho no interior da uni-
dade produtiva; quando criança camponesa é pequena, brinca com mini-
aturas dos instrumentos de trabalho; quando é criança crescida, já traba-
lha com esses instrumentos;
7. a propriedade da terra – é na unidade camponesa, propriedade familiar,
privada para muitos, porém diversa da propriedade privada capitalista (a
que serve para explorar o trabalho alheio); na propriedade familiar se está
diante da propriedade direta de instrumentos de trabalho que pertencem
ao próprio trabalhador, é terra de trabalho, é propriedade do trabalhador,
não é, portanto, instrumento de exploração; nesse particular, três situa-
ções podem-se colocar para o camponês: ele ser camponês proprietário,
ser camponêsrendeiro (pagar renda para poder ter acesso à terra), ou ser
camponês-posseiro (recusar-se a pagar a renda e apossar-se da terra);
8. a propriedade dos meios de produção – exceto a terra, na maioria dos ca-
sos os meios de produção são em parte adquiridos, portanto mercadorias,
e em parte produzidos pelos próprios camponeses; como consumidor de
mercadorias (instrumentos de trabalho, por exemplo), o camponês se vê
subordinado ao capital, que lhe vende produtos caros e lhe paga preço
baixo pelos produtos agrícolas;
9. a jornada de trabalho – é outro elemento da produção camponesa a ser
distinguido, pois nesse caso não há rigidez de horário diário, como na
produção capitalista; a jornada de trabalho do camponês varia conforme
a época do ano e segundo os produtos cultivados; assim, combinam-se
períodos de pouco trabalho (muito tempo livre, quando então o camponês
pode desempenhar um trabalho acessório ou produzir instrumentos de
trabalho) e períodos de trabalho intenso (quando muitas vezes nem mes-
mo o nascer e o pôrdo-sol são limites naturais da jornada de trabalho)
(OLIVEIRA, 2007, p. 40-41, grifos do autor).
Veja que a perspectiva propiciada pela agricultura camponesa nos indica a co-
existência das relações capitalistas e não capitalistas no campo, o que é de ex-
trema relevância para reprodução e recriação do campesinato, visto que a ló-
gica que rege os grandes e os pequenos é distinta e que, nesse fazer, as contra-
dições consolidam-se no território.

Na Figura 1, podemos analisar e re�etir o espaço agrário brasileiro por meio de


um exercício amplo que envolve a apropriação histórica da agricultura, da ter-
ra e do capital.
Figura 1 O Brasil agrário.

E, para complementar os estudos, assista ao vídeo a seguir. Trata-se do �lme


Agricultura tamanho família, que revela a importância da agricultura familiar
para a produção de alimentos, a sustentabilidade ambiental e as relações soci-
ais que se estabelecem nesse modelo de produção.

3. Contexto da luta pela terra no Brasil


Os movimentos sociais de luta pela terra no Brasil não são recentes. Dessa
maneira, é difícil iniciar uma discussão sobre os con�itos pela terra, decorren-
tes da concentração fundiária no Brasil sem se remeter à própria formação do
território.

O conceito de território é uma:

[...] síntese contraditória, como totalidade concreta do processo de produção, distri-


buição, circulação e consumo, e suas articulações e mediações políticas, ideológi-
cas, simbólicas, etc. É, pois, produto concreto da luta de classes travadas pela socie-
dade no processo de produção e reprodução de sua existência (OLIVEIRA, 1999, p.
12).

Como você pode notar, os con�itos sociais no campo, não são uma exclusivi-
dade de nossos tempos, mas uma das marcas do desenvolvimento e do pro-
cesso de ocupação do campo no país.

Além disso, as transformações ocorridas nos últimos cincos séculos nos re-
metem a outra história: a história das possibilidades e das crises agrárias.
Sobre isso, abordaremos os movimentos históricos de luta pela terra no país,
permeando as in�uências deles na formação do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Nesse processo, nos deparamos com Palmares (1600-1695), localizado no inte-


rior do atual estado de Alagoas, tendo a Serra da Barriga como sua capital.
Como existiam centenas de quilombos ligados a Palmares, ele tornou-se uma
referência, de forma especial, por ser tratar de um Estado livre e autônomo em
meio ao Brasil Colonial. Ele era formado, em sua maioria, por escravos negros
de um engenho pernambucano, que se refugiam após uma sangrenta rebelião.

Segundo Andrade (1989), antes de Palmares houve a Guerra dos Bárbaros,


marcada por um levante dos índios no sertão do Rio Grande do Norte, da
Paraíba e de Pernambuco, sobretudo os cairiris, os quais lutavam contra os fa-
zendeiros que implantavam a pecuária nas terras antes utilizada por eles.

O avanço dos pecuaristas �zera recuar os índios para as áreas montanhosas e os


privara dos terrenos de caça. Os indígenas, por sua vez, caçadores por excelência,
encontrando em suas terras os bovinos e caprinos trazidos pelos fazendeiros, pas-
saram a caçálos como caçavam os animais silvestres, provocando a reação dos fa-
zendeiros, que os acusavam de roubar seus animais. Daí veio a luta, que durou cer-
ca de 41 anos (1683 a 1724) e só foi concluída com a vitória dos fazendeiros, que
contataram com bandeirantes paulistas, familiarizados com a caça ao índio, para
os defender (ANDRADE, 1989, p. 9-10).

Neste período, o negro (escravo), o índio e o mestiço eram excluídos do direito


da propriedade. De acordo com Martins (1995), os agregados das fazendas
eram obrigados ao pagamento de tributos variados, desde serviços até gêne-
ros.

Vale salientar que pertenciam também ao campesinato da época, os empobre-


cidos pelo morgadio. De acordo com esse regime, a herança da terra era so-
mente de um herdeiro. Desse modo, os que não herdavam o patrimônio pode-
riam tornar-se agregados ou moradores de favor do primogênito.
Enquanto vigorou a escravidão no Brasil, a renda capitalizada era o escravo, e
não a terra, mas, mesmo sem ter valor econômico, o acesso a ela não era fácil.

Segundo Fernandes (1999a), no �nal do século 16, havia mais de 15000 africa-
nos escravizados trabalhando nos engenhos. Uma das formas que os negros
tinham para lutar contra a escravidão (cativeiro) e pelo acesso a terra foi a for-
mação de quilombos.

Em todos os momentos, Palmares vivenciava, dialeticamente, a ameaça do


exército dos fazendeiros. Por essa razão, eles tinham, em sua organização so-
cial e política, duas frentes marcantes: a de proteger-se e a de manter a posse
coletiva da propriedade.

É válido salientar que o referido argumento era ressaltado nos escambos in-
ternos, haja vista sua autonomia e liberdade, pois, não defrontando com a �gu-
ra do patrão a renda �ca na sua mão, tecendo um paralelo com a classe operá-
ria por meio do trabalho assalariado. Conforme relata Oliveira (1996, p. 12): “[...]
a produção coletiva nativa era crime contra a lógica da produção privada/ ex-
propriada do escravo pelo senhor”.

Partindo dessa contextualização, visualizam-se no plano de fundo a �gura do


latifundiário europeu, o qual tem na produção de cana-de-açúcar, especial-
mente na Zona da Mata nordestina, seus engenhos estabelecidos, como mo-
nopólio e monocultura.

Para tanto, os latifundiários necessitavam cada vez mais de forças para o tra-
balho, o que os levou a utilizar sua perversa sabedoria para escravizar índios e
negros a laço, sob comando de seus jagunços, pistoleiros, tra�cantes, capitães-
do-mato, capangas e bandeirantes. Tal processo atingiu outras fronteiras, pois,
grande parcela da população escravizada era oriunda do continente africano.

Vejamos, a seguir, alguns eventos ligados a este contexto histórico.

Cangaço
A discussão sobre o cangaço, tem fortes laços com o messianismo.
Andrade (1989) a�rma que o cangaço se trata de revoltas populares e campo-
nesas simultaneamente ligadas ao messianismo e ao banditismo.

Na Figura 2, podemos visualizar no mapa a in�uência do cangaço, de Canudos


e de Padre Cícero no nordeste brasileiro. Note que a luta pela terra e as demais
injustiças fruto do poderes econômico e, consequentemente, político dos lati-
fundiários, servia de argumentado para luta dos cangaceiros e fanáticos.
Esses agentes realizavam movimentos de reação contra a estrutura fundiária.

[...] que negava o acesso à posse da terra aos que nela trabalhavam, em benefício
dos que, tendo direito à terra, utilizavam-na como uma mercadoria, como um bem
negociável (ANDRADE, 1989, p. 14).
Fonte: (ARRUDA, 1989 apud CAMPOS, 2000, p. 57).

Figura 2 Área de atuação/in�uência do cangaço, Canudos e de Padre Cícero.

Como você pôde notar, a Figura 2 apresenta três áreas de atuação dos movi-
mentos populares predominantes no nordeste. Observe que se faz necessário
de�nir a priori o sertão, visto a semelhança apenas com a seca, não contem-
plando a utilização para áreas mais longínquas, o que o é de fato. A referida re-
gião teve in�uência do cangaço, aproximadamente de 1870 a 1940,
acentuando-se após a Proclamação da República de 15 de novembro de 1889,
cujas bases fundavam-se no misticismo e no “banditismo social”.

O “bandido social” era livre, em relação ao jagunço que dependia do patrão pa-
ra sobreviver, sendo-lhe, portanto, subserviente.

Na origem no cangaço, deparamos com Antônio Silvino que, segundo Martins


(1995), foi o mais característico e importante cangaceiro da história do “bandi-
tismo rural” brasileiro.

Silvino começou sua luta muito moço, vingando o pai. Agiu em Pernambuco, Ceará
e Paraíba durante 20 anos, tendo sido ferido e preso em 1914, indultado em 1937 por
Getúlio Vargas. Silvino impunha como norma ao seu bando não atacar campone-
ses e trabalhadores pobres. Atacava fazendas e casas de comércio, promovia o sa-
que e muitas vezes distribuía o que arrecadava entre os pobres, inclusive dinheiro.
Era temido e admirado (MARTINS, 1995, p. 59-60).

Já Virgulino Ferreira da Silva, conhecido como “Lampião”, outro cangaceiro


célebre, atuou durante as décadas de 1920 e 1930 do século 20 em praticamen-
te todos os estados do nordeste brasileiro. Ele entrou para o cangaço com 20
anos para vingar a morte de seu pai, nem sempre fazia distinção entre pobres
e ricos e tinha acentuado preconceito racial contra negros (MARTINS, 1995).

Note que em ambos os casos, o cangaço representa um questionamento aos


coronéis que detinham grandes poderes.
Nesse contexto:

O cangaceiro era principalmente o camponês que fora expropriado, expulso, esbu-


lhado por um fazendeiro ou comerciante determinado, mas que em resposta se vin-
gava da classe, percorrendo vínculos de sangue de seus desafetos para exterminar
parentes. A vingança não era apenas pessoal [...].

O banditismo e o misticismo não se excluíram. Um líder messiânico, como Padre


Cícero de Juazeiro do Norte, Ceará (1870-1934), uma região que produziu muitos ja-
gunços, tornou-se célebre pela ascendência sobre os camponeses pobres e sobre ja-
gunços e cangaceiros. Foi ele quem em 1926 tentou armar Lampião para lançálo
contra a Coluna Prestes. Ao contrário, porém, de outros lideres messiânicos e de
outros rebeldes, a rebeldia de Pe. Cícero circunscreveu-se ao interior da Igreja, sus-
penso de ordens. Fora dela, juntou jagunços e coronéis, tornando-se ele próprio po-
deroso coronel sertanejo que chegou até a depor o governo do Ceará (MARTINS,
1995, p. 60-61).

Canudos
Ainda no contexto do nordeste, podemos destacar outro cenário con�itivo
com relação à terra, denominado de Guerra de Canudos, das Caatingas, das
Taipas entre outros títulos.

No período compreendido entre 1893 a 1897, observa-se um movimento lidera-


do por Antonio Vicente Mendes Maciel, nascido em 13 de maio de 1830, popu-
larmente conhecido como Conselheiro, Antônio Conselheiro, Bom Jesus
Conselheiro, Bom Jesus, Santo Conselheiro. Era um homem alfabetizado, com
conhecimento em latim e francês, um grande sábio, se analisarmos a educa-
ção na época em que os grandes proprietários eram razoavelmente letrados
(CAMPOS, 2000).

Antônio Conselheiro inicia suas andanças pelo Ceará, a princípio como ambu-
lante. Posteriormente, com o incentivo da Igreja Católica, preocupada em for-
mar beatos e beatas, passa a pregar “com os pés nos chão”, cumprindo várias
missões religiosas.

Resolveu se estabelecer na região próxima do rio Vaza-Barris, na antiga


Fazenda de Canudos, onde nasceu Belo Monte, com o propósito de concentrar
pessoas pobres, oriundas do caos que a “besta fera” da República estava insta-
lando, visto a opressão com a cobrança indevida de impostos (MARTINS,
1995).

Belo Monte é fundado, portanto, nos primórdios da produção coletiva, uma vez
que tudo que se produzia era distribuído conforme as necessidades de quem
recebia, sem se esquecer dos velhos e doentes.

É válido salientar que tal processo era auxiliado pela Companhia do Bom
Jesus, utilizando, também, do argumento que a terra era de todos. Assim, ape-
nas as coisas pessoais mantinham a particularidade, uma vez que qualquer
pessoa poderia ir para junto de Conselheiro, escolhendo o seu pedaço para
construir sua casa e consequentemente produzir.

Cabe destacar que existiam regras em Belo Monte dentre as quais, a mais rigo-
rosa, referia-se a proibição de bebidas alcoólicas, jogos de azar e de prostitui-
ção.

Canudos, agora conhecido como “povoado de Belo Monte”, chegou a ter aproxi-
madamente trinta mil habitantes e cinco mil casas, sendo considerada a se-
gunda maior cidade da Bahia, �cando apenas atrás da capital Salvador
(CAMPOS, 2000). Na Figura 3, podemos analisar sua dimensão, observem no
primeiro plano a centralidade ocupada pela igreja.
Fonte: (SOLA, 1997, p. 61).

Figura 3 O arraial de Canudos: desenho encomendado por Moreira César, comandante da terceira expedição.

Caracterizamos, desse modo, o enfrentamento de Canudos com base no se-


guinte tripé: fazendeiros, governo e igreja.

Nessa ordem, os fazendeiros (latifundiários) foram os primeiros a reivindica-


rem, por intermédio de documentos encaminhados ao governo, para que aca-
bassem com o núcleo de “subversivos” de Belo Monte.

Eles buscaram comprovar que não apenas o banditismo os amedrontava, mas


também que o desassossego residia na provável cidade de “fanáticos”, visto
que poderiam servir de exemplos aos outros grupos, o que poderia acarretar
no abandono dos grandes centros e na não submissão ao trabalho nas propri-
edades o que, consequentemente, os levariam a perder a base de seu enrique-
cimento: os pobres.

Em outras palavras, o “medo” de “quebrar”, foi evidente!

No �lme Guerra de Canudos, do diretor Sérgio Rezende, gravado em 1997, po-


demos veri�car, nas entrelinhas, tais problemas: a obra ressalta a parte do
con�ito com a polícia e a possível retirada de madeiras compradas pelos mo-
radores do Belo Monte, as quais não foram entregues e, por si, sustentou os
discursos dos fazendeiros que pressionavam os políticos.

Os políticos foram eleitos graças às in�uências dos fazendeiros no sistema


eleitoral. Além dessa pressão, os fazendeiros alegavam que sem os emprega-
dos não conseguiriam manter o nível de exportação e do mercado interno, o
que deixaria o país em uma conjuntura anormal.

A ausência de mão de obra, não era o único problema, visto o “mau exemplo”
que uma sociedade igualitária poderia fruti�car e espalhar pelo país. Ela de-
sestruturaria todos os valores sociais vigorantes, uma vez que a classe domi-
nante poderia perder parte de suas conquistas, em destaque: o status social,
seguido de suas posses.

Nesse contexto, as intervenções literárias construídas pelo engenheiro e jor-


nalista correspondente na Guerra de Canudos, Euclides da Cunha, em Os ser-
tões (1902), demonstra uma relevância geográ�ca signi�cativa, ao descrever a
terra, o homem e a luta por meio de análises dos traços psicológicos dos en-
volvidos e, sobretudo, pela critica à desigualdade instalada. É uma proposição
de que temos dois países: um moderno e outro atrasado (CAMPOS, 2000).

O governo estadual e federal, preocupados com tal situação propiciada pela


cobrança de impostos e o seu não pagamento, passou a sofrer resistência em
diversas localidades. Em outros termos, além do “episódio” de Canudos, teve
que lidar com inúmeras outras insurgências populares.

Para evitar novos motins, o governo federal decidiu apaziguar a situação “a


ferro e fogo”: ao invés de atender as reivindicações do povo, iniciou as expedi-
ções para destruição de Belo Monte.

Foram necessárias cinco expedições militares para eliminar Canudos do ma-


pa e colocá-lo na História, conforme podemos visualizar na Figura 4.
Fonte: (OLIVIERI, 1997 apud CAMPOS, 2000, p. 9).

Figura 4 Itinerário das expedições militares.

Com o argumento que Antônio Conselheiro era avesso à República, portanto


monarquista, chegou-se à conclusão de que Canudos era um reduto de monar-
quistas que visavam destruir a organização política instituída em novembro
de 1989, um ano após a assinatura da Lei que “libertou” os escravos.

Como você pode veri�car, isto nos revela a fragilidade da dependência da na-
ção.

Fechando o tripé, vejamos o papel igreja na �gura dos padres: eles podiam,
quando desejassem, rezar missas e confessar os habitantes de Belo Monte.

Vale ressaltar que Antônio Conselheiro não tinha função sacerdotal. Ele espe-
rava que Deus cuidasse e salvasse o povo por meio de seus milagres, o que evi-
dência novamente, que ele não era perigoso pelo seu misticismo religioso,
nem por sua liderança, mas por suas convicções políticas as quais objetivam
utilizar o que está à disposição dos homens sobre a terra.

O arremate �nal de Canudos, não ocorreu na quarta expedição, pois assim co-
mo nas anteriores, o exército teve que recuar. Contudo, na quinta expedição
contou com os seguintes reforços: mais de dez mil soldados e canhões afoita-
dos para manter a reputação do exército nacional e de seus senhores, extermi-
naram Canudos a “sangues quentes”.

Martins (1995, p. 55), nos lembra que: “[...] ao combater os republicanos, isto é,
os militares e fazendeiros, os sertanejos de Canudos tinham certeza de estar
combatendo os inimigos dos trabalhadores”.

Desse modo, o território de Antônio Conselheiro e de seus seguidores foi des-


truído, no confronto �nal “[...] eram quatro apenas: um velho, dois homens fei-
tos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil solda-
dos” (CUNHA, 2008, p. 597).

Durante a ditadura militar, com a tentativa de apagar da memória Canudos, o


governo vigente construiu o Açude de Cocorobó, nome também dado também
à cidade construída próxima ao açude.

Lacerda (1997) elucida sobre o receio do governo militar na incidência de no-


vas insurgências dos movimentos sociais.

Em 1986, através de um plebiscito, a pequena cidade voltou a se chamar Canudos.


As poucas marcas que restaram do arraial estão hoje submersas, como a realizar,
somente naquele local, a profecia do Sertão virar mar. Como da Jerusalém de taipa
ainda restaram algumas pedras sobre pedras, a inundação via açudagem pode ter
sido uma tentativa de apagar, da lembrança, o triste episódio. Entretanto, em cada
grande seca, a cidade submersa emerge, pelo esgotamento hídrico, para nos enver-
gonhar (CAMPOS, 2000, p. 87, grifo do autor).

Guerra de Contestado
Segundo Martins (1995), Contestado foi a maior guerra popular da história
contemporânea do Brasil. Trata-se de uma guerra camponesa ocorrida no sul
do país, especi�camente entre Paraná e Santa Catarina, prolongando-se de
1912 a 1916.

O governo brasileiro fez um acordo com a Companhia Brazil Railway para a


construção da estrada de ferro São Paulo-Rio Grande do Sul, concedendo uma
enorme extensão de terras à empresa estadunidense.

As terras foram exploradas e desmatadas por empresas que comercializam as


madeiras no Brasil e no exterior.

Com o início da construção da ferrovia, em 1911, os posseiros que ocupavam


essas terras onde produziam mate e tinham uma pequena produção de gado
foram expulsos.
Similar ao ocorrido em Canudos, “a ferro e fogo”, o movimento de camponeses
e ex-trabalhadores da companhia, desempregados após o término da obra em
1912, iniciaram parte da luta.

Nesse contexto, começam a dialogar com um monge (beato) José Maria que
tinha fama de curandeiro, levando-o ao entendimento com um dos coronéis
(Henriquinho de Almeida). No entanto, o outro (Francisco de Albuquerque) te-
mendo o crescimento dessa oposição, segue os mesmos meios utilizados em
Canudos, denunciando-os de proclamar a monarquia nos sertões (MARTINS,
1995).

Cabe ressaltar que a entrada dos Catarinenses no estado do Paraná foi inter-
pretada como invasão e resultou na intervenção das forças militares para
atacá-los, mesmo com pedidos e argumentos de que eram de paz, sendo o mo-
vimento de camponeses e José Maria, alvejados. Nessa ocasião, muitos foram
mortos, entre eles o próprio José Maria.

Partindo daí, em uma luta desigual, conseguem em um corpo a corpo tomar


algumas armas e munições para a árdua guerra que durou quase quatro anos,
tendo no ideário o retorno de José Maria e de outros camponeses mortos.

Eles eram considerados monarquistas, assim como em Canudos, mas a luta


era contra a monarquia dos coronéis responsáveis pela expulsão do povo, ali-
mentados no algoz da luta e na morte para ressuscitar e viver, princípio que
prolongou o combate.

Além do próprio exército, cerca de mil vaqueanos uniram-se a luta, que busca-
va o �m, para os que somente pregavam pela não violência aos pobres do
campo, de maneira religiosa e igualitária.

De acordo com Fernandes (1999a), Canudos e Contestado foram movimentos


populares que buscavam uma organização em oposição à república dos coro-
néis, da terra do latifúndio e da miséria. Fazer pelo qual foram exterminados.

Nessa lógica, Morissawa (2001) nos revela que dos 20 mil rebelados restaram
apenas três mil ao �nal dos combates em que até aviões foram utilizados. Foi
a primeira vez que um avião foi utilizado no país para �ns militares.

A Guerra de Contestado também �cou conhecida como A Guerra de Pelados,


assim chamados por rasparem a cabeça. Na Figura 5, é possível podemos vi-
sualizar os camponeses pobres e desempregados, protagonistas dessa guerra.

Fonte: (MORISSAWA, 2001, p. 87).

Figura 5 Camponeses pobres e desempregados, protagonistas da Guerra de Contestado.

Movimento dos Colonos, de Trombas e Formoso e das


Ligas Camponesas
Há inúmeros outros con�itos ocorridos no Campo brasileiro. Além das lutas
nordestinas e sulistas pela liberdade, as greves dos colonos nas fazendas de
café durante a economia cafeeira entre 1913 e 1930, foram reprimidas brusca-
mente.

Oliveira (1996) a�rma que a luta expunha o preço baixo pago na colheita, o não
pagamento dos salários, a tentativa de redução do pagamento, os castigos e as
multas arbitrárias, além da limitação do direito de plantio de alimentos.

Já Martins (1995), estudando as lutas no Campo, a�rma que a Revolta de


Trombas e Formoso representa a expressão maior de vários con�itos de ex-
pulsão no Campo brasileiro, salientando que nesse contexto os estados de
Goiás e Tocantins ainda estavam incorporados.

A luta foi entre grileiros de terras que não aceitam pagar pelas benfeitorias de
posseiros nas áreas de valorização da futura rodovia Belém-Brasília, em 1956.
Os jagunços intimidam os posseiros sob a terra grilada. Diante dessa resistên-
cia, são feitas tentativas para transformar os posseiros em parceiros como
ocorria em outras regiões. Aproximadamente três mil pessoas, na região, vi-
venciaram a violência.

O estopim ocorreu com a morte da esposa de José Porfírio após ter sua casa
queimada, além da chegada de militantes do Partido Comunista do Brasil que
iniciam um trabalho coletivo na região fortalecendo a organização desses
camponeses.

Por meio da luta armada contra jagunços e policiais, eles fundaram a


Associação dos Lavradores de Formoso e Trombas, esta encarregada de
organizá-los e representá-los para obtenção da propriedade da terra
(MARTINS, 1995).

Já as Ligas Camponesas retratam a luta simultânea contra os altos preços de


arrendamento, conhecida também como foro, e a renda terra contra o latifún-
dio na Zona da Mata em meados das décadas de 1950 e 1960, ganhando di-
mensão nacional.

Castro (1967) relata que, em primeiro momento, as Ligas estavam voltadas aos
direitos dos defuntos, visto à exclusão desses na sua morte.
Em 1955, João Firmino, morador do Engenho Galiléia, fundava a primeira das Ligas
Camponesas no nordeste brasileiro. Não fora seu objetivo principal, como muita
gente pensa, o de melhorar as condições de vida dos camponeses da região açuca-
reira, ou de defender os interêsses dêsses bagaços humanos, esmagados pela roda
do destino, como a cana é esmagada pela moenda dos engenhos de açúcar. O obje-
tivo inicial das Ligas fôra o de defender os interêsses e os objetivos dos mortos, não
os dos vivos. Os interêsses dos mortos de fome e de misérias; os direitos dos cam-
poneses mortos na extrema miséria da bagaceira. E para lhe dar o direito de dispor
de sete palmos de terra onde descansar os seus ossos e o de fazer descer o seu cor-
po à sepultura dentro de um caixão de madeira de propriedade do morto, para com
êle apodrecer lentamente pela eternidade afora. Para isto é que foram fundadas as
Ligas Camponesas. De início, tinham assim muito mais a ver com a morte do que
com a vida, mesmo porque com a vida não havia muito o que fazer [...]. Só mesmo a
resignação. A resignação à fome, ao sofrimento e a humilhação [...] (CASTRO, 1967,
p. 23, grifo nosso).

Andrade (1989) a�rma que as Ligas Camponesas ganharam importância nas


áreas onde haviam camponeses expropriados devido à expansão da cana-de-
açúcar.

A mais famosa das Ligas Camponesas:

[...] foi a fundada no engenho Galiléia com o nome de Sociedade Agrícola de


Plantadores e Pecuaristas de Pernambuco (SAPPP), quando o proprietário do enge-
nho do mesmo nome quis expulsar os foreiros que aí trabalhavam, há vários decê-
nios. Inicialmente era uma sociedade bene�cente, com �ns assistencialistas; com a
repressão ela foi se radicalizando e contratou como advogado, para defender os di-
reitos dos agricultores, o jovem parlamentar Francisco Julião, que fora eleito pelo
Partido Socialista Brasileiro, mas tinha grandes ligações com o movimento comu-
nista. Ele a organizou como sociedade de acordo com os artigos do Código Civil, e
deu-lhe dimensão estadual, criando um conselho diretor interpartidário e levan-
tando o problema da terra na Assembléia Legislativa estadual (ANDRADE, 1989, p.
27).

Assim como a Ultab e Master, que estudaremos na sequência, podemos a�r-


mar que o regime militar de 64, assumiu o controle do país, perseguindo e de-
sarticulando os movimentos e lideranças das Ligas Camponesas. Esses movi-
mentos deixavam a situação tensa, uma vez que englobava a luta por um pe-
daço de terra: uma “terra de trabalho” e “de vida” “manchada com sangue”.

Ultab e Master
A União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas (Ultab) foi criada pelo
Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1954, com o objetivo de coordenar, or-
ganizar as associações camponesas e criar condições para uma possível ali-
ança política entre operários e os trabalhadores rurais (MORISSAWA, 2001).

Em geral seus líderes eram camponeses, mas havia uns poucos líderes indicados
pelo PCB. Essa organização foi criada aos poucos em todos os estados, com exceção
do Rio Grande do Sul onde havia o Master [...], e em Pernambuco, onde havia as
Ligas Camponesas (MORISSAWA, 2001, p. 94).

De acordo com Morissawa (2001), seus principais líderes foram Lindolfo Silva
e Nestor Veras, este último sequestrado durante a ditadura e jamais encontra-
do.

Ainda sobre a Ultab, Martins (1995) a�rma que representou um germe da futu-
ra Confederação dos Trabalhadores Agrícolas (Contag), conforme conhecemos
atualmente.

O Movimento dos Agricultores Sem Terra (Master) surgiu no �nal da década


de 1950, no Rio Grande do Sul, partindo da luta de 300 famílias de posseiros no
município de Encruzilhada do Sul (MORISSAWA, 2001).

Nos anos seguintes, disseminou-se por todo o estado gaúcho. Para o movimento,
eram considerados agricultores sem terra o assalariado rural, o parceiro, o peão e
também os pequenos proprietários e seus �lhos (MORISSAWA, 2001, p. 94).

O Master iniciou os acampamentos em 1962, como estratégia particular para


organizar suas ações, ou seja, para entrar na terra. Contou com o apoio do
Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ao qual pertencia Leonel Brizola
(MORISSAWA, 2001).
Depois das derrotas dos partidos, o movimento passou a sofrer retaliações,
tendo sua luta enfraquecida.

Cabe destacar, que a sindicalização rural também ganhou espaço no início da


década de 1960, até porque a ditadura militar instalada no país a partir de 31
de março de 1964 trouxe uma “longa escuridão” para os movimentos sociais,
em especial, para os camponeses.

De acordo com Morissawa (2001), durante o regime militar todas as organiza-


ções de trabalhadores rurais foram fechadas e os sindicatos que sobravam
apresentavam um caráter assistencialista.

Martins (1984) também discute as implicações da militarização da questão


agrária no Brasil. Para ele, durante a ditadura, o Estado procurou evitar a ado-
ção de um novo direito de propriedade, fazendo com que houvesse uma des-
mobilização dos grupos locais que surgiram com os con�itos.

Nos casos extremos, essa desmobilização se dá através da desapropriação por inte-


resse social das terras em litígio; em outros casos, envolve a titulação das terras,
geralmente mediante um acordo entre as partes. Com isso, a redução do problema à
sua dimensão econômica tira dele o potencial político (MARTINS, 1984, p. 10).

Observe que as lutas camponesas não deixaram de ocorrer durante a ditadura


militar. No entanto, estavam submetidas à ordem dor militares, que esmaga-
vam os rebeldes avessos ao sistema em vigor.

Nesse período, a Igreja Católica, por meio da Comissão Pastoral da Terra e a


Teologia da Libertação auxiliaram na organização dos camponeses, o que em
parte propiciou a gestação do MST, conforme será estudado no próximo tópico.

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST


A luta pela terra, vivenciada há séculos no Brasil, nos aparece de diferentes
formas e contextos, em que o acirramento pela conquista da terra de trabalho
trouxe consigo inúmeros con�itos.
Os problemas referentes à questão agrária estão relacionados, essencialmente, à
propriedade da terra, conseqüentemente à concentração fundiária; aos processos
de expropriação, expulsão e exclusão dos trabalhadores rurais: camponeses e as-
salariados; à luta pela terra, pela reforma agrária e pela resistência na terra; à vio-
lência extrema contra os trabalhadores, à produção, abastecimento e segurança ali-
mentar; aos modelos de desenvolvimento da agropecuária e seus padrões tecnoló-
gicos, às políticas agrícolas e ao mercado, ao campo e à cidade, à qualidade de vida
e dignidade humana. Por tudo isso, a questão agrária compreende as dimensões
econômicas, social e política (FERNANDES, 2001, p. 23-24, grifos nossos).

Dessa maneira, deparamo-nos com o modo contraditório e desigual que o ca-


pitalismo se territorializa e transforma o Campo, desencadeando situações
que, a priori, não estavam na pauta daqueles que pensavam o desenvolvimen-
to do país.

Contudo, é preciso compreender que já foi ou nunca existiu o tempo em que


somente a luta pela terra fora su�ciente para contextualizar o movimento so-
cial mais signi�cativo do Brasil (CALDART, 2004; GARCIA, 2000).

Görgen e Stédile (1993, p. 15), ao analisarem o contexto da ocupação territorial


brasileira, a�rmam que: “[...] na verdade a luta pela terra existe desde o dia em
que os portugueses botaram os pés em nosso país”. Trata-se, portanto, das di-
vergências e da dominação imposta, uma vez que “[...] a posse das áreas de ter-
ras, fazem parte da formação das classes sociais e do poder econômico e polí-
tico em nossa sociedade”. Observe que a referida re�exão foi paulatinamente
vivenciada pelas pessoas, cujo vínculo com a terra era constante, embora os
discursos e ações por parte do governo, portanto das elites, davam-se com o
intuito de marginalizar os movimentos contrários: “[...] a história do Brasil é a
história das suas classes dominantes, é uma história de senhores e generais,
não é uma história dos trabalhadores e rebeldes” (MARTINS, 1995, p. 26).

O MST iniciou suas atividades primordialmente na região Sul do país, uma


vez que alguns �lhos de camponeses, arrendatários e posseiros não consegui-
am mais se reproduzir no Campo devido à modernização da agricultura. A so-
ja e o trigo adentravam as terras de maneira combinada expulsando do
Campo muitas pessoas. “Num primeiro momento, essa massa populacional
migrou para as regiões de colonização, especialmente Rondônia, Pará e Mato
Grosso” (STÉDILE; FERNANDES, 2005, p. 16).

Dessa maneira, entendemos como é signi�cativo para o Movimento mostrar


as contradições engendradas na sociedade, ressaltando os interesses de clas-
ses. Por essa razão, a formação do MST é tida como:

[...] resultado da intensi�cação da questão agrária. A ditadura militar (1964-1984)


intensi�cou a questão agrária com a implantação de um modelo de desenvolvi-
mento da agropecuária que privilegiou a agricultura capitalista em detrimento da
agricultura camponesa. Esse modelo dinamizou a territorialização do capital no
campo, por todas as regiões do país, principalmente com a expansão da soja, da
cana-de-açúcar e da pecuária (FERNANDES, 2004, p. 275, grifo nosso).

É essencial observar a existência do modelo de desenvolvimento que privile-


gia a agricultura capitalista em relação à agricultura camponesa, sendo essa
última constantemente expropriada sob o pretexto da modernização da agri-
cultura (FERNANDES, 2004).

Nessa lógica, o MST expõe uma das faces do que foi e do que é o povo brasilei-
ro, escancarando as feridas abertas do processo de formação territorial.

Dentre os problemas enfrentados pelos camponeses, que estavam acostuma-


dos com a agricultura camponesa, podemos veri�car os projetos de estímulo à
pecuária, a transferência de mão de obra para o extrativismo da madeira e pa-
ra garimpos.

Outra situação encontrada se refere à migração para as cidades, em que o pro-


cesso de industrialização, conhecido como “milagre econômico”, poderia ser a
solução para esses camponeses.

Stédile e Fernandes (2005) debatem sobre a gênese do MST, tendo em vista o


seu aspecto socioeconômico, em um primeiro momento e ideológico em um
segundo.

Nesse contexto, cabe ressaltar o trabalho desenvolvido pelas Comunidades


Eclesiais de Base (CEBs) no processo de formação e organização dos campo-
neses expropriados adiante da proposta dos militares, fazendo com que em
1975 surgisse a Comissão Pastoral da Terra (CPT), em meio a conjuntura das
lutas e articulações pela abertura política, e sobretudo pelo “[...] altíssimo grau
de violência cometida contra os posseiros das regiões Norte e Centrooeste do
país” (STÉDILE; FERNANDES, 2005, p. 20).

A referida mobilização, repudiando o modelo executado no Campo, baseava-se


na Teologia da Libertação, cuja aplicação prática trouxe consigo importantes
contribuições ideológicas para a luta pela terra. Portanto, vivenciou-se de 1979
a 1984, o processo de gestação do MST, uma vez que:

Chamamos de gestação o movimento iniciado desde a gênese, que reuniu e articu-


lou as primeiras experiências de ocupações de terra, bem como as reuniões e os en-
contros que proporcionaram, em 1984, o nascimento do MST ao ser fundado o�cial-
mente pelos trabalhadores em seu Primeiro Encontro Nacional, realizado nos dias
21 a 24 de janeiro, em Cascavel, no estado do Paraná. Em 1985, de 29 a 31 de janeiro,
os Sem Terra realizaram o Primeiro Congresso, principiando o processo de territori-
alização do MST pelo Brasil (FERNANDES, 1999, p. 40).

O Movimento pretende, partindo das contradições existentes na estrutura fun-


diária e na educação, transcendê-las, desa�ando a expansão do capitalismo
sobre o modo de pensar das pessoas.

Em outras palavras, “[...] o modo capitalista de produção, na sua acepção clás-


sica, é também modo capitalista de pensar e deste não se separa” (MARTINS,
1982, p. IX).

Cabe salientar a correlação existente entre a expansão do capitalismo e a es-


pacialização do Movimento:
[...] por meio da (re)produção das suas experiências de luta. Este processo é desen-
volvido pelo trabalho, pela ação criativa, reconstruindo o espaço de socialização
política. Espacializar, portanto é conquistar novos espaços, novos lugares, novas
experiências, desenvolver novas formas de luta e conseqüentemente, novas con-
quistas, transformando a realidade, lutando pelo futuro. Espacializar é registrar no
espaço social um processo de luta. É o multidimensionamento do espaço de socia-
lização política. É “escrever” no espaço por intermédio de ações concretas como
manifestações, passeatas, caminhadas, ocupações de prédios públicos, negocia-
ções, ocupações e reocupações de terras, etc. É na espacialização da luta pela terra
que os trabalhadores organizados no MST conquistam a fração do território e, des-
sa forma, desenvolvem o processo de territorialização do MST (FERNANDES, 1999,
p. 136, grifo nosso).

Espacializar, ou seja, abrir caminho para a conquista da terra, é fazer com que
o território possa transcender suas próprias dimensões, no que se refere à re-
produção da vida por meio da agricultura camponesa, pois:

[...] quando o capital se apropria da terra, esta se transforma em terra de negócio,


em terra de exploração do trabalho alheio; quando o trabalhador se apossa da terra
se transforma em terra de trabalho (MARTINS, 1980 apud OLIVEIRA, 1991, p. 14).

Partindo dessas discussões podemos observar as distinções e propostas de-


sencadeadas pelo MST, uma vez que este vê sua atuação em constante movi-
mento, ou seja, em repleta construção, embora a sua luta continue sendo con-
tra o capital (FERNANDES, 2004).

Nesse sentido, o Movimento vem enfrentando o desa�o de tentar construir novas


experiências, que permitam superar as relações sociais, isoladas do trabalho fami-
liar camponês sem reproduzir as relações capitalistas. Esse princípio é marca de
sua identidade política. Considerando-o é que compreendemos os avanços e os re-
�uxos do MST. É o que o torna admirado, odiado e criticado por instituições políti-
cos e cientistas (FERNANDES, 2004, p. 282-283).

Contudo, é importante lembrar que o desa�o de tentar construir uma nova ex-
periência se encontra na atuação do Movimento e no que costumam chamar
de “engendramento” prévio da sociedade, isto é, na transformação das concep-
ções e visões reducionistas da realidade.

A perspectiva de que existem visões prévias quanto às relações sociais para


com a terra é constantemente enfrentado pelo Movimento, pois a imprensa e
os latifundiários, não necessariamente nessa ordem, tentam deslegitimá-lo
publicamente em função das suas atuações.

Tudo isso, acrescido da estrutura fundiária do país, leva a espacialização do


Movimento, uma vez que, nessa dimensão, é que se fortalecem as demais rei-
vindicações.

Orrico (2004) salienta o papel da internet, e nós acrescentamos o Jornal dos


Trabalhadores Rurais Sem Terra e a Revista Sem Terra, que re�etem e deba-
tem com as posturas preconcebidas, as quais expõem somente uma das faces
da questão. É nesse sentido que usam:

[...] a palavra invasão, em vez de ocupação, para designar a entrada e o acampa-


mento dos sem-terra dentro de uma fazenda. É preciso que �que claro que a área
ocupada pelos sem-terra é sempre, por princípio, terra grilada, latifúndio por explo-
ração, fazenda improdutiva ou área devoluta (MORISSAWA, 2001, p. 112; grifos do
autor).

Isto nos leva a re�exão sobre a conscientização histórica, a qual pode ser en-
tendida como:

[...] inserção crítica na história, implica que os homens assumam o papel de sujei-
tos que fazem e refazem o mundo. Exige que os homens criem sua existência com
um material que a vida lhes oferece (FREIRE, 1980, p. 26).

Isso acontece porque, antes de reconhecerem-se como Sem Terras, eram cam-
poneses expropriados ou mesmo trabalhadores excluídos nas cidades; “[...] sua
conquista social maior talvez seja exatamente a transformação dos desgarra-
dos da terra em novos sujeitos [...]” (CALDART, 2004, p. 32).

Finalmente, podemos observar que nesse fazer eles recriam as lutas, transfor-
mando o sentido da terra, do trabalho coletivo e da escola, lugar privilegiado
para a construção da conscientização.

4. Espacialização e territorialização do movi-


mento socioterritorial
Noite alta, luar clareando os campos, os pirilampos são estrelas a brilhar,  parecem
adivinhar quem vem chegando, semeando vida nova no lugar. Cerca tombada,
mundos se desvelam; e os que vieram, no cair da madrugada, mãos na enxada, so-
nhos que se revelam, não esperam a história ser contada. E lonas pretas se espa-
lham “a lo largo”,no dia claro vem surgindo a ocupação. E o que era nada, no vazio
de coisa alguma, se transforma num verde plantação (MUNHOZ, 2007, s./n.).

O MST utiliza-se das ocupações tidas “[...] como forma de luta e acesso a terra,
é um contínuo na história do campesinato brasileiro” (FERNANDES, 2001, p.
61). Dessa forma, “[...] se cria uma outra condição para o enfrentamento. Ao
realizá-la, os sem-terra conquistam a possibilidade da negociação”
(MORISSAWA, 2001, p. 132).

Podemos veri�car nas Figuras 6 e 7, a espacialização do MST, na perspectiva


de que a construção e discussão, por intermédio da formação e da conscienti-
zação diante da luta de classe, não ocorre “no calar da noite”.

Fonte: acervo pessoal do autor.


Figura 6 Espacialização do MST 1984-1985.

Fonte: acervo pessoal do autor.

Figura 7 Espacialização do MST 2000-2007.

É interessante notar que, o MST atua em vários estados; no entanto, o número


de assentamentos ainda continua inferior aos parâmetros concebíveis para
uma ampla reforma agrária, que não se restrinja apenas em dar “terras” para
aqueles que não as têm:

[...] a cada assentamento que o MST conquista, ele se territorializa. E é exatamente


isto que diferencia o MST dos outros movimentos sociais. Quando a luta acaba na
terra, não existe territorialização. É o que acontece com a maior parte dos movi-
mentos que lutam pela terra. A estes chamamos de movimentos isolados, porque
começam a luta pela terra e param a luta na conquista da terra. Os sem-terra orga-
nizados pelo MST, ao conquistarem a terra, vislumbram uma nova conquista e por
essa razão o MST é um movimento socioterritorial (STÉDILE; FERNANDES, 2005, p.
78).

No entanto, a concentração fundiária no país continua elevada, mostrando-


nos que “[...] muitos têm pouca terra e poucos têm muita terra” (OLIVEIRA,
2003, p. 127, grifo do autor), conforme podemos visualizar na estrutura fundiá-
ria brasileira, explicitada no Quadro 1:

Quadro 1 Estrutura fundiária brasileira – 2003.


GRUPOS DE ÁREA
% DOS ÁREA TOTAL % DA
ÁREA TOTAL IMÓVEIS MÉDIA
IMÓVEIS (HA) ÁREA
(HA) (HA)

Menos de 10 1.338.711 31,6% 7.616.113 1,8% 5.7

De 10 a -25 1.102.999 26,0% 18.985.869 4.5% 17,2

De 25 a -50 684.237 16,1% 24.141.638 5,7% 35,3

De 50 a -100 485.482 11,5% 33.630.240 8,0% 69,3%

De 100 a
284.536 6,7% 38.574.392 9,1% 135,6
–200

De 200 a
198.141 4,7% 61.742.808 14,7% 311,6
–500

De 500 a
75.158 1,8% 52.191.003 12,4% 694,4
–1.000

De 1.000 a
36.859 0,9% 50.932.790 12,1% 1381,8
–2.000

De 2.000 a
25.417 0,6% 76.466.668 18,2% 3.008,5
–5.000

5.000 e Mais 6.847 0,1% 56.164.841 13,5% 8.202,8

Total 4.238.421 100% 420.345.382 100%


Fonte: (INCRA, 2003 apud OLIVEIRA, 2003, p. 127).

Observa-se que aqui há uma busca de desvendar parte dos mitos em relação
ao campo e ao agronegócio, uma vez que:

[...] alguns mesmos, acreditam que a modernização conservadora transformou os


grandes proprietários de terra, que agora produzem de forma moderna e e�ciente,
tornando seus latifúndios propriedades produtivas (OLIVEIRA, 2003, p. 126).

Note que se esse fato fosse verídico “[...] não haveria assim, mais terra impro-
dutiva no Campo brasileiro” (Ibidem, p. 126).
Portanto, fazer com que as “verdades” sejam desmisti�cadas se torna funda-
mental, uma vez que as grandes propriedades não são as mais produtivas e,
mesmo se fossem, continuariam nas mãos de poucos.

Segundo Oliveira (2003), são aproximadamente 32 mil latifundiários, os quais


estão ligados às grandes empresas industriais e �nanceiras que se utilizam de
terceiros para garantir seus negócios, cuja geração de empregos no Campo é
pequena.

São, portanto, “[...] as pequenas unidades, acompanhadas de perto pelas médi-


as” (OLIVEIRA, 2003, p. 134) que geram de fato o maior número de emprego no
Campo.

Já em relação à produtividade, com base em dados do IBGE, podemos enten-


der que “[...] são as pequenas unidades quem produzem a grande maioria dos
produtos do Campo” (OLIVEIRA, 2003, p. 134).

O MST se territorializa recriando-se para que a luta seja construída na práxis e


para que a consciência diante da situação veri�cada.

A ideia é que a realidade seja delineada para que a terra torne-se mais que ter-
ra, libertando-se da exploração e da barbárie que os negócios a impõe ao ex-
plorar o trabalho de quem não tem terra, ou mesmo utilizando-a como especu-
lação, evidenciando assim que o capitalista, ao se apropriar da terra, não dese-
ja de fato cultivá-la.

Compreendemos que:

A territorialização é um processo de expansão de uma relação de poder no espaço


geográ�co. A expansão ocorre com a ampliação da área do território e sua multipli-
cação. No Campo, a territorialização ocorre pela expansão de uma determinada re-
lação social.
Nesse caso, há dois tipos de relações sociais que têm se confrontado historicamen-
te: a propriedade capitalista e a propriedade camponesa (FERNANDES, 2004, p.
273-274).
Stédile e Fernandes (2005) discorrem sobre os três conceitos de reforma agrá-
ria.

O primeiro:

[...] poderia ser caracterizado como aquela reforma agrária do tipo clássico, que foi
feita pelas burguesias industriais no �nal do século passado e até depois da
Segunda Guerra Mundial. É a reforma agrária clássica, capitalista. Qual era seu
principal objetivo: democratizar a propriedade da terra, distribuindo a terra para
os camponeses e os transformando em pequenos produtores autônomos. (2005, p.
157, grifo nosso).

O segundo:

[...] se refere à confusão entre reforma agrária e política de assentamentos. Fazer


assentamentos de famílias sem-terra, não signi�ca necessariamente fazer reforma
agrária. Nosso guru, José Gomes da Silva, não se cansava de repetir que a essência
da reforma agrária é a distribuição da propriedade da terra, ou seja, a democratiza-
ção da estrutura fundiária. Ele dizia que reforma agrária é sinônimo de desconcen-
tração da propriedade da terra. Ora, fazer assentamento de algumas famílias que
podem ser milhares, não signi�ca que se está afetando toda a estrutura da proprie-
dade da terra, se ela não for massiva e rápida (2005, p. 159).

Por �m, a�rmam que:

O terceiro conceito de reforma agrária utilizado no Brasil seria o que os movimen-


tos sociais, a Contag, o MST, as entidades que estão no Fórum Nacional de Reforma
Agrária, en�m, as forças progressistas utilizam: considerar que o Brasil enfrenta
um grave problema agrário que é a concentração da propriedade da terra, e que
portanto, para resolver esse problema, é necessário realizar um amplo programa de
desapropriações de terra, de forma rápida, regionalizada, e distribuí-la a todas as
famílias sem-terra, que são 4,5 milhões em todo o Brasil (2005, p. 160).

Partindo da discussão estabelecida entre os conceitos da reforma agrária, po-


demos veri�car que os movimentos sociais, inclusive os ligados ao Fórum
Nacional pela Reforma Agrária (Contag, MST, CPT, Cimi, Inesc, Confederação
das Associações dos Funcionários do Incra, Abra etc.), representam o ideário
de uma luta contínua, a qual nos faz compreender os “sentidos” da democrati-
zação da terra e do capital.

O MST, assim como outros movimentos sociais, visa “derrubar as cercas” e lu-
tar por seus direitos: a terra em um primeiro momento, e a escola em um se-
gundo, embora as escolas itinerantes estejam presentes em diferentes mo-
mentos, inclusive nas marchas, acampamentos e nos eventos nos quais eles
costumam se reunir. O seu princípio é a �exibilidade, para que os educandos
possam aprender em qualquer lugar.

Talvez um dos principais aprendizados da Escola Itinerante esteja sendo de que é


possível trocar saberes, ensinar e aprender coisas importantes, mesmo sem todas
as condições de infra-estrutura, mesmo numa escola sem sala, como dizem as cri-
anças. Debaixo das árvores, num quarto de alojamento, em quadras de futebol, no
meio da estrada, nos pavilhões dos parques de exposições as aulas acontecem; au-
las de cidadania, de realidade, que produzem conhecimentos sobre a vida e como
torná-la mais bonita, mais justa, mais humana (MST, 2005a, p. 185).

A atuação do MST, enquanto movimento socioterritorial, tende a expandir-se


para além da terra, do capital e das escolas, ao considerá-los como um proces-
so permanente, que revela e transforma a realidade dos oprimidos.

O MST representa toda a luta dos demais movimentos anteriores a sua gesta-
ção. Dessa maneira, representa, juntamente com os demais movimentos soci-
ais agrários, a longa e sangrenta marcha do campesinato brasileiro.

Na sequência, convidamos você a fazer a leitura do texto do professor


Ariovaldo Umbelino de Oliveira, o qual se refere às questões estudadas neste
tópico.

Texto complementar

O presente exerto perfaz o caminho de um grande geógrafo do campesinato brasi-


leiro, Ariovaldo Umbelino de Oliveira, à luz dos seus estudos e orientações na
Graduação e Pós-graduação na Universidade de São Paulo, onde é professor desde
1980.

Vale salientar que esse autor percorreu o país de norte a sul, de leste a oeste nos
mais remotos con�ns dos sertões, sempre buscando a compreensão dos processos
que culminaram na expropriação dos camponeses diante do desenvolvimento
contraditório e desigual do capitalismo, conforme costuma a�rmar em suas re�e-
xões.

Ariovaldo, conhecido também como Ari, nasceu na área rural de Santa Rita do
Passo Quatro, interior de São Paulo. Ele  é �lho de trabalhadores e, portanto, sem-
pre discutia com o pai as coisas do campo e da política.

Para ampliar seus conhecimentos sobre trajetória de Ari, sugerimos que leia o tex-
to: O autor no contexto, presente na obra A geogra�a das lutas no campo, publica-
do, inicialmente, em maio de 1988.

Retomando, podemos observar que ao conciliar seu trabalho na universidade com


a intensa atuação junto aos movimentos no campo, Ariovaldo deixa clarividente
sua opção de vida. Para ele, fazer pesquisa:

[...] é ir em busca dos estudos concretos, indo lá no campo ver a luta de


perto. Meu trabalho na universidade vai sendo produto/ ação desta prá-
tica de vida que os mais “�lósofos” chamam de práxis (OLIVEIRA, 1996,
p. 10).

Os fragmentos apresentados a seguir, demonstram alguns con�itos e perspectivas


do campesinato brasileiro do início de século 21. Acompanhe.

Longa marcha do campesinato brasileiro: movimentos sociais, con�itos e refor-


ma agrária
A História que marca a Longa Marcha do campesinato brasileiro está
escrita nas lutas muitas vezes (ou quase sempre) sangrentas desta clas-
se social. Ao abordá-la, deixo claro que minha compreensão a respeito
da lógica do desenvolvimento capitalista moderno está calcada no en-
tendimento de que tal desenvolvimento se faz de forma desigual e con-
traditória. Ou seja, parto do princípio de que o desenvolvimento do capi-
talismo – e a sua conseqüente expansão no campo – se faz de forma he-
terogênea, complexa e, portanto, plural. Este quadro de referência teóri-
ca, por conseqüência, está no oposto daquele que vê a expansão homo-
gênea, total e absoluta do trabalho assalariado no campo com caracte-
rística fundante do capitalismo moderno [...].

Dessa forma, penso que o capital trabalha com o movimento contraditó-


rio da desigualdade no processo de seu desenvolvimento. No caso brasi-
leiro, o capitalismo atua desenvolvendo simultaneamente, na direção da
implantação do trabalho assalariado, no campo em várias culturas e di-
ferentes áreas do país, como ocorre, por exemplo, na cultura da cana-de-
açúcar, da laranja, da soja etc. Por outro lado, este mesmo capital desen-
volve de forma articulada e contraditória a produção camponesa. Isto
quer dizer que parto também do pressuposto de que o camponês não é
um sujeito social de fora do capitalismo, mas um sujeito social de dentro
dele

[...]

Assim, a chamada modernização da agricultura não vai atuar no senti-


do da transformação dos latifundiários em empresários capitalistas,
mas, ao contrário, transformou os capitalistas industriais e urbanos –
sobretudo do Centro-Sul do país – em proprietários de terra, em latifun-
diários. A política de incentivos �scais da Sudene e da Sudam foram os
instrumentos de política econômica que viabilizaram esta fusão. Dessa
forma, os capitalistas urbanos tornaram-se os maiores proprietários de
terra no Brasil, possuindo áreas com dimensões nunca registradas na
história da humanidade. O exemplo mais clássico é o famoso Projeto
Jari. Implantado pelo multimilionário Daniel K. Ludwig, foi “nacionali-
zado” no �nal do governo Figueiredo, quando passou para um grupo de
cerca de 25 empresas, lideradas pelo grupo Azevedo Antunes. [...]

No Brasil, esta aliança fez com que, ao invés de a burguesia atuar no


sentido de remover o entrave (a irracionalidade) que a propriedade pri-
vada da terra traz ao desenvolvimento do capitalismo, atuasse no senti-
do de solidi�car, ainda mais, a propriedade privada da terra. Foi em de-
corrência desta mesma aliança que, na Assembléia Constituinte de 1988,
o único capítulo da Constituição a ter recebido praticamente a unanimi-
dade dos votos dos representantes dessas elites, foi aquele sobre a refor-
ma agrária. Ressalte-se que tal comportamento não ocorreu com rela-
ção a outros capítulos da Constituição brasileira. Dessa forma, a concen-
tração da propriedade privada da terra no Brasil não pode ser compre-
endida como uma excrescência à lógica do desenvolvimento capitalista.
Ao contrário, ela é parte constitutiva do capitalismo que aqui se desen-
volve. Um capitalismo que revela contraditoriamente sua face dupla:
uma moderna no verso e outra atrasada no reverso. É por isso minha in-
sistência na tese de que a concentração fundiária no Brasil tem caracte-
rísticas sui generis na história mundial. Em nenhum momento da his-
tória da humanidade houve propriedades privadas com a extensão das
encontradas no Brasil. A soma da área ocupada pelas 27 maiores propri-
edade privadas no país é igual à superfície total ocupada pelo estado de
São Paulo, ou, se for somada à área ocupada pelas 300 maiores proprie-
dades privadas no país, ela equivale a duas vezes a superfície total deste
mesmo estado. [...]

Os dados referentes a 1992, divulgados pelo Incra, mostravam que havia


no Brasil 3.114.898 imóveis rurais e, entre eles, 43.956 (2,4%) com área
acima de mil hectares, ocupando 165.756.665 hectares. Enquanto isso,
outros 2.628.819 imóveis (84,4%), com área inferior a 100 hectares, ocu-
pavam apenas 59.283.651 hectares (17,9%). Estudos realizados revelam
que se o Incra aplicasse na totalidade os preceitos da Lei 8.624, que de�-
ne o que é terra produtiva e improdutiva no país, teríamos algo em torno
de 115.054.000 hectares (20% da área total) como propriedades improdu-
tivas. O Atlas Fundiário Brasileiro, publicado pelo Incra, indicava que
62,4% da área dos imóveis cadastrados fora classi�cada como não-
produtiva e apenas 28,3% como produtiva. Estas informações revelam,
pois, a contradição representada pela propriedade privada da terra no
Brasil, retida para �ns não-produtivos. Inclusive na prática, o único
compromisso social que os latifundiários deveriam ter seria o pagamen-
to do Imposto Territorial Rural (ITR), mas não é o que ocorre. Os dados
divulgados pela Receita Federal referentes a 1994 mostram que entre os
proprietários dos imóveis de mil a cinco mil hectares, 59% sonegaram
este imposto e entre os proprietários dos imóveis acima de cinco mil
hectares, esta sonegação chegou a 87% [...].

Essas grandes extensões de terras estão concentradas nas mãos de inú-


meros grupos econômicos porque, no Brasil, estas funcionam ora como
reserva de valor, ora como reserva patrimonial. Ou seja, como instru-
mentos de garantia para o acesso ao sistema de �nanciamentos bancá-
rios, ou ao sistema de políticas de incentivos governamentais. Assim,
estamos diante de uma estrutura fundiária violentamente concentrada
e, também, diante de um desenvolvimento capitalista que gera um enor-
me conjunto de miseráveis

[...].

A migração tem sido, dessa forma, uma das principais características


da população brasileira. O quadro geral tem revelado, contrariando mui-
tas interpretações, que a população rural cresceu em termos absolutos e
totais até 1970, quando chegou a pouco mais de 41 milhões de pessoas.
Registrada nos censos demográ�cos posteriores, houve queda que fez
com que ela chegasse a 38,5 milhões, em 1980; 35,8 milhões, em 1991;
33,9 milhões, em 1996; 31,8 milhões, no ano 2000. Ainda na contramão
de muitas interpretações, os censos demográ�cos de 1996 e 2000 conti-
nuam revelando, em vários municípios, o crescimento absoluto da po-
pulação rural. Este fato não acontece apenas nas regiões de fronteira,
mas também na área core do capitalismo moderno brasileiro, como é o
caso do estado de São Paulo. Muitas vezes, os novos assentamentos ru-
rais derivados da reforma agrária   estão na origem desse processo.
Movendo-se pelo país numa verdadeira aventura retirante, como tem
a�rmado D. Pedro Casaldaglia, os camponeses brasileiros, a seu modo,
foram se inserindo no campo [...].

Quanto à tecnologia o quadro não é diferente, pois apenas 10% possuem


trator, 38% utilizaram fertilizantes e 1% tem máquinas colheitadeiras.
Entretanto, o uso de agrotóxicos já chegou a mais de 60% dos estabeleci-
mentos. Mesmo assim, esses teimosos camponeses são responsáveis
por mais de 50% da produção de batatainglesa, feijão, fumo, mandioca,
tomate, ágave, algodão em caroço arbóreo, banana, cacau, café, caju, co-
co, guaraná, pimenta-do-reino, uva e a maioria absoluta dos hortigran-
jeiros. Produzem também, mais de 50% do rebanho suíno, das aves, dos
ovos e do leite. Os médios estabelecimentos (100 a 1000 ha) e os grandes
(mais de 1000 ha), ainda que ocupando 283 milhões de hectares (82% do
total), respondem por mais de 50% apenas no volume da produção de al-
godão em caroço herbáceo, arroz, cana-de-açúcar, milho, soja, trigo, chá-
da-Índia, laranja, maçã e mamão. A mesma realidade aparece nos dados
referentes ao valor da produção agropecuária, pois as unidades com
área de até 100 ha produziram 46,5% do total, ou seja, 18% da área agríco-
la gera quase a metade da riqueza oriunda do campo. Enquanto isso, os
estabelecimentos com mais de 1000 ha produziram apenas 21,2% do va-
lor de produção, embora ocupem 45% da área total [...].
É em decorrência deste conjunto de razões, que teimosamente os cam-
poneses lutam no Brasil em duas frentes: uma para entrar na terra, para
se tornarem camponeses proprietários; e, em outra frente, lutam para
permanecer na terra como produtores de alimentos fundamentais à so-
ciedade brasileira. São, portanto, uma classe em luta permanente, pois
os diferentes governos não os têm considerado em suas políticas públi-
cas. Por esse motivo, a luta pela terra desenvolvida pelos camponeses
no Brasil é uma luta especí�ca, moderna, característica particular do sé-
culo XX. Entendo que o século passado foi, por excelência, uma época de
formação e consolidação do campesinato brasileiro enquanto classe so-
cial. Assim, esses camponeses não são entraves ao desenvolvimento
das forças produtivas, impedindo o desenvolvimento do capitalismo no
campo; ao contrário, eles praticamente nunca tiveram acesso à terra,
sendo pois desterrados, “Sem Terra”, que lutam para conseguir o acesso
a terra. É no interior destas contradições que têm surgido os movimen-
tos sociais de luta pela terra, e com ela os con�itos, a violência [...].

Os con�itos sociais no campo brasileiro e sua marca ímpar, a violência,


não são uma exclusividade apenas do século XX. São, marcas constan-
tes do desenvolvimento e do processo de ocupação do país. Os povos in-
dígenas foram os primeiros a conhecer este processo. Há mais de 500
anos vêm sendo submetidos a um verdadeiro etno/ genocídio histórico.
O território capitalista, no Brasil, tem sido produto da conquista e des-
truição dos territórios indígenas. Como já mencionado em outro traba-
lho, esta luta entre as nações indígenas e a sociedade capitalista euro-
péia, anteriormente, e de características nacionais versus internacional,
na atualidade, nunca cessou na história do Brasil. Os indígenas, acua-
dos, lutaram, fugiram e morreram. Na fuga deixaram uma rota de mi-
gração, confrontos entre povos e novas adaptações. A Amazônia é segu-
ramente seu último reduto. Mas a sociedade brasileira capitalista, mun-
dializada, insiste na sua capitulação. As “reservas” indígenas, frações do
território capitalista para aprisionar o território liberto indígena, são de-
marcadas, porém, e muitas vezes desrespeitadas [...].

Simultaneamente à luta dos povos indígenas, nasceram as lutas dos es-


cravos negros contra os senhores fazendeiros rentistas. Dessas lutas e
das fugas dos escravos nasceram os quilombos, verdadeiras terras da li-
berdade e do trabalho de todos no seio do território capitalista colonial.
Muitos quilombolas morreram em decorrência da verdadeira guerra
promovida pelos senhores de escravos. Hoje, tardiamente, a sociedade
brasileira começa a reconhecer os direitos dos remanescentes de qui-
lombos à terra. Os posseiros são outra parcela dos camponeses Sem
Terra, que vêm historicamente lutando numa ponta contra a expropria-
ção que os gera e, na outra, contra os jagunços, “gendarmes de plantão”
dos latifundiários especuladores e grileiros. Muitos foram seus movi-
mentos: Canudos, Contestado, Trombas e Formoso fazem parte destas
muitas histórias das lutas pela terra e pela liberdade no campo brasilei-
ro. São também, memórias da capacidade de resistência e de construção
social desses expropriados na busca por uma parcela do território e me-
mórias da capacidade destruidora do capital, dos capitalistas e de seus
governos repressores. Nos anos 50 e 60 do século XX as ligas campone-
sas sacudiram o campo nordestino e ganharam projeção nacional, mas
muitas de suas lideranças foram assassinadas. A Confederação dos
Trabalhadores da Agricultura (Contag) foi criada e o governo de João
Goulart iniciou um processo de reforma agrária, criando a SUPRA.
Entretanto, a violência do golpe militar de 64 sufocou o anseio de liber-
dade do morador sujeito dos latifúndios armados do Nordeste brasileiro
e de muitos camponeses Sem Terra que a crise do café e o inicio da in-
dustrialização estavam gerando. Os militares extinguiram a SUPRA e
criaram o Instituto Brasileiro da Reforma Agrária (IBRA), mas reforma
agrária, nunca �zeram, mesmo depois de promulgarem o Estatuto da
Terra, em novembro de 1964 [...].

O Estatuto da Terra, tornado lei pelo regime militar, era lei morta. A colo-
nização na Amazônia aparecia como autêntica contra-reforma; como
escreveu Octavio Ianni, após 20 anos, os militares não permitiram se-
quer que do Estatuto saísse um plano nacional de reforma agrária. Foi a
“Nova República” que se incumbiu dessa missão histórica, sem entre-
tanto obter o apoio de sua base aliada no PMDB, no PFL, e dos latifundiá-
rios, en�m, esqueceu-se que para o Estatuto se tornar Plano havia de ser
superado o fosso controlado pelos especuladores rentistas. Aliás, mais
que isto, o fosso estava controlado pela aliança entre os setores nacio-
nais do capital mundializado e, agora, territorializados. A estatística dos
mortos nas batalhas pela terra foi crescendo, dobrando, triplicando, qua-
druplicando. Nascia a UDR – União Democrática Ruralista, entidade que
aglutinava os latifundiários na defesa de suas propriedades e na forma-
ção de um fundo para eleger congressistas constituintes para defende-
rem seus interesses na Constituição. Ganharam, e �zeram do capítulo
da reforma agrária um texto legal de menor expressão que o próprio
Estatuto da Terra [...].

O MST, como o movimento social rural mais organizado neste �nal de


século, representa, no conjunto da história recente deste país, mais um
passo na Longa Marcha dos camponeses brasileiros em sua luta cotidi-
ana pela terra. Essa luta camponesa revela a todos os interessados na
questão agrária um lado novo e moderno. Não se está diante de um pro-
cesso de luta para não deixar a terra, mas diante de um processo de luta
para entrar na terra. Terra que tem sido mantida improdutiva e apropri-
ada privadamente para servir de reserva de valor e/ou reserva patrimo-
nial às classes dominantes. Trata-se, pois, de uma luta de expropriados
que, na maioria das vezes, experimentaram a proletarização urbana ou
rural, mas resolveram construir o futuro baseado na negação do presen-
te. Não se trata, portanto, de uma luta que apenas revela uma nova op-
ção de vida para esta parcela pobre da sociedade brasileira, mas, muito
mais, revela uma estratégia de luta acreditando ser possível, hoje, a
construção de uma nova sociedade. Uma nova sociedade dotada de jus-
tiça, dignidade e cidadania [...].

O MST, com esta componente nova em sua organização, nasce como um


movimento de massa, de contestação contra o não-cumprimento pelo
Estado da lei da reforma agrária. Um dos caminhos para entendê-lo é a
análise de suas palavras de ordem. Quando ocorreu a formação do MST,
na década de 80, o lema era Terra para quem nela trabalha (1979-83).
Quando começou a enfrentar resistência ao acesso à terra, um novo le-
ma surgiu: Terra não se ganha, terra se conquista (1984). Ao se fortalecer
e avançar, sobretudo durante o governo Sarney, percebendo que o
Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária não estava sendo imple-
mentado, os lemas passaram a ser: Sem reforma agrária não há demo-
cracia (1985) e Reforma agrária já (1985-86). Com o aumento da violên-
cia, que não atingiu apenas os trabalhadores, mas lideranças, advoga-
dos, políticos, religiosos etc., o MST mudou suas palavras de ordem:
Ocupação é a única solução (1986), Enquanto o latifúndio quer guerra,
nós queremos terra (1986-87) e, por ocasião da Constituinte, Reforma
agrária: na lei ou na marra (1988) e Ocupar, Resistir, Produzir (1989), de-
pois que os assentamentos começaram a ser conquistados. Este proces-
so mostra que politicamente o movimento não só se consolidava, não só
se articulava em nível nacional, mas mudava também qualitativamente
do ponto de vista político [...].

Comparando-se o governo de Fernando Henrique Cardoso com os ante-


riores (Sarney, e Collor/Itamar) veri�ca-se, pelos dados divulgados pelo
Incra, que em seis anos foram assentadas 373.210 famílias em 3.505 as-
sentamentos rurais. Entre estes assentamentos incluem-se as regulari-
zações fundiárias (as posses), os remanescentes de quilombos, os assen-
tamentos extrativistas, os projetos Casulo e Cédula Rural, e os projetos
de reforma agrária. A pressão feita pelos movimentos sociais com a am-
pliação das ocupações pressionou o governo FHC a ampliar os assenta-
mentos. Tal fato mostra que a reforma agrária, antes de ser uma política
propositiva do governo é a necessidade de resposta à pressão social. [...]
Dessa forma, a política de reforma agrária do governo FHC vem passan-
do por momentos históricos e estratégias diferenciadas. Enquanto a po-
lítica do MST era a de colocar a nu a terra improdutiva e a grilagem de
terra pelos latifundiários, a resposta foi a violência policial ou a crimi-
nalizacão das lideranças. São os casos do Pontal do Paranapanema, no
estado de São Paulo, do massacre de Corumbiara, em Rondônia e
Eldorado do Carajás, no Pará.

A história da questão agrária no Brasil revela, na atualidade, que o MST


é a face moderna do Brasil, a parte deste país que está em luta. Por mais
estranho e extemporâneo que muitos possam achar, o movimento da ci-
dade para o campo contradiz o movimento geral da marcha do campo
para a cidade, mas é também um movimento que busca a construção de
uma nova sociedade. Nos assentamentos procura-se implantar a produ-
ção coletiva e/ou comunitária, ou mesmo individual. Os problemas são
muitos e vão desde os entraves para acesso ao crédito, ao mandonismo
burocrático, à imposição stalinista e à não-compreensão do ideário
camponês da produção em terra própria e da liberdade do trabalho. Mas,
são esses Sem Terra, agora no seio do Movimento dos Sem Terra, que
marcham pelas estradas e pelas cidades deste país, ocupando locais e
prédios públicos. O MST é praticamente, neste ano 2001, a única força
social de oposição ao governo Fernando Henrique Cardoso, por isso a
campanha para tentar destruí-lo.

Mas, mesmo assim, a história tem sido implacável com aqueles que ten-
tam ignorá-la. No Brasil, é quase consenso que qualquer alternativa de
remoção da exclusão social no país passa pela reforma agrária. Ela tem,
portanto, um objetivo social, ou seja, é o caminho para retirar da margi-
nalidade social, no mínimo, uma parte dos pobres. Mas, a reforma agrá-
ria é também econômica, porque certamente levará a aumento da oferta
de produtos agrícolas destas pequenas unidades ao mercado. A reforma
agrária, porém, tem que ser também política. Tem que ser instrumento
mediante o qual esta parcela da população conquiste a sua cidadania.
Sempre ouvi, nos acampamentos de sem-terra, os camponeses acampa-
dos dizendo frases como eu pre�ro morrer lutando por um pedaço de
terra, morrer dignamente, do que morrer como indigente nas periferias
da cidade. Portanto, a chegada à cidadania de grande parte destes po-
bres passa pela reforma agrária [...] (OLIVEIRA, 2001, p. 185-205, grifos do
autor).

Assim, por meio da leitura do texto, pudemos perceber os impasses históricos


na luta pela terra no Brasil. Dessa maneira, temos que ter clareza que a trans-
formação social almejada pelos Sem Terras passa pela reforma agrária.

Como vimos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra se tornou, a


partir da década de 1980, o mais organizado movimento de luta pela terra no
país, territorializando-se e conquistando assentamentos de reforma agrária
em todo o país.

Nos últimos anos, há um re�uxo nas lutas e nas políticas de assentamento ru-
ral. Isso não signi�ca o �m das con�itualidades e da violência no campo, que
atingem, especialmente, indígenas e camponeses nas áreas de expansão agrí-
cola.

 Quer saber mais sobre o Movimento Sem Terra?

O Movimento Sem Terra está organizado em 24 estados nas cinco re-


giões do país. No total, são cerca de 450 mil famílias que conquistaram a
terra por meio da luta e organização dos trabalhadores rurais. Clique aqui
(https://mst.org.br/quem-somos/) e saiba mais!

Também é importante que você assista ao vídeo a seguir, um documentário


que mostra a grilagem de terras, a luta pela terra e a ação dos fazendeiros na
principal área de con�itos agrários na década de 1990.

5. Modernização do campo e da cidade


O tema da modernização propicia a compreensão de inúmeros processos soci-
oespaciais. Buscaremos, portanto, compreender como ocorreu a moderniza-
ção do meio rural, a qual também re�etiu na sociedade urbana.

Como você poderá notar, a modernização do meio rural desencadeou inova-


ções na forma de produção agrícola, na comercialização e na distribuição da
forma de trabalho utilizado, bem como na forma capitalista de distribuição
dos valores produzidos e no modo de vida dos trabalhadores. Esta transforma-
ção teve início no pós-guerra, em grande parte dos países, com o objetivo de
suprir as necessidades dos famintos; contudo, se mostrou cruel a implantação
do sistema de alta produção e lucro a agricultura capitalista.

A temática em questão sugere uma leitura atenciosa, uma vez que:

O termo modernização tem tido uma utilização muito ampla, referindo-se ora às
transformações capitalistas na base técnica da produção ora à passagem de uma
agricultura “natural” para uma que utiliza insumos fabricados industrialmente.
Neste texto o termo modernização será utilizado para designar o processo de trans-
formação na base técnica da produção agropecuária no pós-guerra a partir das im-
portações de tratores e fertilizantes num esforço de aumentar a produtividade
(SILVA, 1996, p. 19).

No Brasil, por volta da segunda metade do século 20, o fenômeno apresentou


sinais quando a agricultura demonstrou que depende dos bens industrializa-
dos para sua sobrevivência, assim como para alcançar maior lucratividade e
produtividade.

Além disso, a substituição dos insumos naturais pelos adubos arti�ciais e da


maquinaria agrícola simples por equipamentos complexos, ambos provenien-
tes de indústrias de grande porte, desencadearam vínculos entre agricultura e
indústria, tanto em contratuais ou orgânicos, que possibilitaram a criação do
Complexo Agroindustrial – CAIs (MARTINS, 2006).

Nestes termos, procuramos compreender a modernização da agricultura co-


mo:
[...] um movimento de re-elaboração da base técnica, bem como das relações de
submissão do trabalho, ao longo da história do homem, entendendo que, com a ab-
solutização da propriedade privada e a produção da cidade capitalista, ocorre uma
metamorfose do processo de modernização, particularmente, no caso brasileiro, em
meados do século XIX (SUZUKI, 2007, p. 85).

Podemos retomar a um passado não muito remoto, no qual a pequena proprie-


dade coexistia com a grande. No entanto, o capitalismo “disfarçado”, herdado
desde a época feudal, aos poucos veio se implantando em espaços não ocupa-
dos: áreas com pouca produção, longínquas e inférteis para a produção, uma
vez que a alta tecnologia agrícola o permite.

Com tal avanço sobre os pequenos, foi reservado aos camponeses, de maneira
especial àqueles que resistiram em abandonar suas terras, a mão de obra ba-
rata usada pelos grandes empresários agrícolas.

Em meio às contradições na conceituação do termo “modernização”,


encontra-se divergências quanto aos benefícios e malefícios provocados tanto
no campo ou na cidade, como cita Suzuki (2007) em seus estudos: a moderni-
zação provocou novos contornos sociais, culturais, econômicos e políticos ad-
vindos de um processo ao longo da história, tanto na Europa como no Brasil.

A monocultura, o capital mercantilizado e as relações sociais baseadas no tra-


balho escravo �zeram parte da realidade brasileira até meados do século 19.

Vale salientar que essa situação permitia o acúmulo de riqueza nas mãos de
poucos. Desse modo, os grandes fazendeiros que gozavam da liberdade, da-
vam início às aglomerações urbanas com o papel fundamental na difusão da
produção de riqueza.

Observe que, enquanto na indústria, o trabalho humano teria a função de


transformar uma matéria-prima em um novo produto, na agricultura, ele po-
deria somente sustentar ou regular condições especí�cas sob as quais as
plantas crescem e se reproduzem.

Contudo, a globalização chegou à grande parte das comunidades rurais culmi-


nando em novos modos de vida, valores, técnicas, ciência e informação deter-
minadas como peças fundamentais para a construção de um “novo rural”
(MONDARDO, 2006).

É importante observar que um sistema de oposição entre as duas realidades,


em suma, não poderia prevalecer, uma vez que campo e cidade possuem suas
especi�cidades, em que tampouco o campo é sinônimo de rural e a cidade
abrange apenas o urbano; no campo a velocidade dos acontecimentos segue
de forma lenta com as relações sociais baseadas no cotidiano e na proximida-
de com o outro e a natureza, enquanto que na cidade a agilidade e a super�cia-
lidade se tornou quase um modo de viver (MONDARDO, 2006).

Desta maneira, a dependência citada por Graziano da Silva (1996), levaria a su-
bordinação da agricultura às formas de produção e transformações impostas
pelo ritmo da indústria, impedindo seu desenvolvimento autônomo e susten-
tável, talvez com menor agressão aos ecossistemas e a uma agricultura mais
solidária e justa na sua escala de produtividade. O urbano e o rural nas suas
diferenças.

6. Modernização e industrialização da agricul-


tura
A agricultura, até por volta da década de 1970, apresentava interdependência
dos demais segmentos industriais, uma vez que não havia, por parte das mul-
tinacionais, grandes interesses nos processos agrícolas, com a oferta de alta
produtividade utilizando seus insumos e tecnologia em maquinaria agrícola.
Além disso, o Estado se posicionava na retaguarda, sem liberar créditos para
investimentos na industrialização do setor.

Entretanto, a partir desse período, a dependência da indústria em relação à


agricultura se tornou progressiva e intensa, sendo que metade da produção
agrícola era do interesse do setor bene�ciador de matéria-prima. Por essa ra-
zão, a agricultura passou a depender não somente do crescimento da indús-
tria, mas também das exportações (MÜLLER, 1982).

Suzuki (2007) salienta que a modernização da agricultura ocorre desde que o


homem deu início ao uso da terra e a utilização dos animais para o trabalho,
evoluindo as técnicas e as formas de trabalho assalariado, mais especi�ca-
mente quando a Revolução Verde foi amplamente difundida, o que também
permitiu o avanço do capitalismo e a criação de uma rede para comercializa-
ção dos produtos agrícolas, ou seja, os centros urbanos.

Em Brandão (2007), sabemos que tudo está em constante mudança, mas ainda
há muito o que mudar. Somos alimentados por grãos, frutas e folhas, que, quei-
ramos ou não, são advindos da produção de pequenos agricultores familiares,
seja nas diversas formas de cultivo, orgânica, permacultura, agrossilvicultura.
Entretanto, imensas áreas são tomadas pelo cultivo da soja e criação de gado
que convivem com comunidades tradicionais, ora paci�camente, ora em con-
�itos. En�m, estas transformações podem representar uma resistência ao mo-
do de vida, assim também como uma progressiva perda da autonomia para
uma economia rural intensamente agropastoril.

A revolução tecnológica, expressa na modernização da agricultura, a partir da dé-


cada de 1970, representa esta transformação que, no entanto, não alterou signi�ca-
tivamente a con�guração do quadro brasileiro. A concentração de terras e riquezas
no campo e na cidade, as disparidades regionais no que tange à renda dos agricul-
tores, ao predomínio de certos cultivos, visando o mercado externo se mantiveram
(e se mantém) reproduzindo e fortalecendo as distorções estruturais que de�nem e
embasa a história da estrutura agrária brasileira (PESSOA, s./d. apud BRANDÃO,
2007, p. 43).

Além de transformações físicas, propriamente ditas, as de âmbitos sociais,


culturais e políticas sugerem um debate mais amplo no que se refere a questão
da reforma agrária.

Em outros termos, o problema entre o termo modernização e inviabilidade da


agricultura camponesa/familiar reclama por novas estratégias de desenvolvi-
mento avessas ao modelo mecânicoquímico implantado com base na
Revolução Verde.

Distante da forma como ocorreu na Europa, onde a industrialização contou


com o apoio do Estado junto ao pequeno produtor familiar para produzir com
tecnologia e menos agressão aos ecossistemas, a realidade que atingiu a agri-
cultura no Brasil, aos poucos foi se transformando em indústria para atender
ao domínio do capital. Não seria um ramo de atividade como outro qualquer,
mas teve seu desenvolvimento atrelado aos interesses da indústria
(MARTINS, 2006).

É uma modernização que foi inevitável, bené�ca em determinados aspectos e


irreversível no sentido de que a igualdade ainda possa acontecer para aqueles
que desejam viver da terra, visto:

[…] que “lá” na cidade, as fábricas estão repletas de trabalhadores, enquanto no cam-
po largos espaços de produção precisam estar cada vez mais vazios de braços hu-
manos, para dar lugar às poucas máquinas que, primeiro, substituíram famílias de
camponeses e, depois, as próprias pessoas de trabalhadores volantes. Assim, diante
do avanço expropriador e uniformizante do capital �exível, todas as supostas anti-
racionalidades que a ele se opõem podem ser compreendidas como diferentes al-
ternativas de outras realidades (BRANDÃO, 2007, p. 44).

Agroindústria e complexo agroindustrial


Neste fenômeno que revolucionou o modo de vida no campo e associado ao
modelo capitalista a que foi submetido à produção agrícola, as relações se tor-
naram extremamente racionais: o que é “pior ou melhor” para o mundo rural é
questionado no peso do capital e na transformação que a tecnologia pode fa-
zer para produzir em quase todo tipo de ambiente (BRANDÃO, 2007).

Mesmo com a expansão do moderno, as vertentes, campocidade, ainda encon-


tram meios para manter suas formas, enquanto como novas surgem no decor-
rer da própria história.

Suzuki (2007) defende que no campo, a existência dos caiçaras, dos quilombo-
las, das populações ribeirinhas, dos ocupantes de fundos de pastos, das popu-
lações indígenas, dentre múltiplas possibilidades de resistência e de criação
de formas sociais que se conformam em territórios que negam o território do
capital, marcado pela lógica da modernização buscando a constituição de
uma nova relação entre o campo e a cidade, no mundo da “modernidade” e do
“moderno”.

No entanto, podemos encontrar divergências na compreensão da realidade do


novo mundo rural, no que se de�niu como complexo de atividades agrárias e
industriais, ou seja, os já citados (CAIs).

A constituição dos CAIs e a industrialização da agricultura passam a ser os novos


determinantes da dinâmica da agricultura [...]. A partir desse momento o desenvol-
vimento da agricultura não é mais autônomo, mas passa a depender da dinâmica
da indústria; não se pode mais falar da agricultura como “grande setor” na econo-
mia (como na divisão tradicional agricultura-indústria-serviços), porque grande
parte das atividades agrícolas integrou-se profundamente na matriz de relações in-
terindustriais, sendo seu funcionamento determinado de forma conjunta (SILVA,
1996, p. 32-33).

Quase sempre apresentados nos meios de comunicação, a produção de mi-


lhões de toneladas a cada ano pela agroindústria, demonstram um Brasil que
emerge para uma autossustentabilidade invejável para muitos. No entanto, a
realidade é outra:

O Brasil rural que dá certo produz, mas não emprega, pois ao incorporar o moderno
(alta tecnologia) expulsa centenas de trabalhadores rurais. Se territorializa, mas ao
se territorializar, desterritorializa camponeses. Produz com selo para exportação,
porém, usando e abusando dos recursos naturais (BAGLI, 2006, p. 135).

Vale ainda ressaltar que Graziano Neto (1982) já traduzia os “dois lados da mo-
eda” sobre das di�culdades encontradas junto à agroindústria pelos pequenos
produtores, vejamos:

[...] defrontam-se, de um lado, com um setor industrial que produz a tecnologia


agrícola e força sua demanda com preços controlados e, de outro lado, um setor in-
dustrial que processa e/ou distribui a produção, impondo preços aos agricultores.
[...] ocorre claramente uma transferência de renda do setor agrícola para o setor in-
dustrial. E se o setor industrial é dominado pelo capital estrangeiro, a renda é
transferida em grande parte para o exterior (GRAZIANO NETO, 1982, p. 69).
Na vigência do atual complexo agroindustrial, um dos mais completos é a pro-
dução citrícola, na qual a integração acontece desde quem produz a laranja até
quem a industrializa e comercializa o suco concentrado para o exterior, ou se-
ja, são fundamentais na organização dos interesses do setor, promovendo uma
dupla integração entre agricultura e indústria.

Em suma:

[...] a agricultura se torna um ramo da própria indústria. Não se pode mais ser con-
siderada um setor autônomo, com mercado de trabalho e equilíbrio interno própri-
os. Ao contrário, integrou-se no restante da economia de tal forma que não pode
mais ser separada dos setores que lhe fornecem insumos e/ou compram seus pro-
dutos (SILVA, 1999, p. 1).

Podemos citar ainda como exemplo a agroindústria açucareira, em especial a


paulista, que representa na atualidade o processo de monopólio tanto na pro-
dução, como na circulação dos produtos, processo esse que de�ne a existência
da subordinação pelo capitalismo industrial e que submete aos consumidores
e comerciantes preços prede�nidos.

Vale salientar que a expansão do processo capitalista no Brasil:

[...] tem sido feita não só pela sujeição da agricultura à agroindústria através da
transformação desta em consumidora dos produtos industriais, mas também atra-
vés de tributos que os rentistas cobram à agricultura (renda da terra) (OLIVEIRA,
1981, p. 17).

Nessa lógica, a�rma que:

[...] aí reside uma diferença fundamental entre a terra e o capital, pois a terra sem
produção alguma rende, ou como se diz comumente “se valoriza”, e a condição de
proprietário é o requisito para se abocanhar de parte dessa riqueza produzida soci-
almente (OLIVEIRA, 1981, p. 6-7).
Como você pode notar, alguns dos motivos que as empresas multinacionais
utilizam para se apropriar de nossas terras, especialmente na Amazônia, asse-
gurando para si o direito de extrair renda, enquanto de fato não poderiam,
uma vez que agregam renda e lucro, tornando claro como a renda da terra está
subordinada ao capital.

Como legitimação desse processo é só acompanharmos a Medida Provisória


458 (Lei nº 11.1952 – 25/06/2009), que legitima a “grilagem” das terras públicas
rurais e urbanas na Amazônia Legal.

Lei de terras, Lei Eusébio de Queiroz e Lei do Comércio


Para compreendermos melhor toda transformação que culminou na agricul-
tura moderna e tecnológica de hoje, vamos retornar ao século 19, período em
que ocorreu o surgimento das cidades, ou seja, os aglomerados urbanos, ad-
vindos dos escravos e negros que conseguiram sua liberdade, assim como os
homens pobres e despossuídos de terra.

Martins (1996), estudando a relação da produção capitalista e a transição da


terra como mercadoria, salienta que a grande inovação iria se tratar do escra-
vo como renda capitalizada e não como capital; o que nos remete a condição
de que se liberou o escravo para aprisionar a terra, ou seja, ao “cativeiro da ter-
ra”.

Paoliello (1992), ao estudar os con�itos fundiários existentes no país, tece par-


te do conturbado histórico da posse da terra no Brasil, destacando que:
Em 1850, promulga-se a Lei de Terras do Império que visa consolidar a propriedade
titular com caráter mercantil predominante, ou seja, recobrir legalmente a terra na
prática convertida em valor mobiliário, e de�nir divisas geodésicas, ao modo da le-
gislação agrária norte-americana (até então, grandes e pequenos são possuidores,
quer dizer, têm assegurado seu direito porque detêm a coisa – a terra – de fato, têm
sua propriedade concreta, e não porque têm um direito de propriedade em abstrato,
representado em um título negociável). Segue-se, em 1854, a Lei de Registros que
obriga a todos declararem suas posses geodesicamente delimitadas nos Registros
Paroquiais. Na prática, pouco se cumpre essa lei, especialmente da parte dos pe-
quenos possuidores, ou, quando se cumpre, as divisas declaradas são as tradicio-
nais, e não as geodésicas. A imprecisão da descrição titular, assim originada, é uma
das fontes de con�ito em situações presentes, principalmente as que envolvem
processos de “grilagem”. Com esta legislação, fecha-se legalmente a livre posse,
mas não a sua prática, que persiste à revelia da lei (PAOLIELLO, 1992, p. 4).

Surgiu, portanto, como papel fundamental na difusão dos bens de capitais e


materialização das riquezas produzidas na colônia, atrelado ao poder do
Estado e também na Igreja, que somente com a Proclamação da República se
manifestou a divisão, levando assim a uma centralidade das atividades
econômicas, sobretudo em decorrência da expansão do comércio e o desen-
volvimento da atividade fabril e bancária (SUZUKI, 2007).

Assim, foram criadas leis que, ao mesmo tempo em que permitiam o acesso
de todos a terra, culminavam na apropriação indevida por meios ilegais, su-
bordinando o escravo agora livre e o imigrante que não possuía dinheiro para
adquirir seu pedaço de terra, o que contribui para a transformação nas rela-
ções de trabalho e in�uência do mercado exterior sobre o circuito de produção.

[...] Para tanto, três legislações foram das mais importantes: a Lei nº 601 – Lei de
Terras (que legitima a compra e a venda como única forma de apropriação da ter-
ra), a Lei Eusébio de Queiroz (que põe �m ao trá�co negreiro) e a Lei do Comércio.
Lei nº. 601, de 18 de setembro de 1850, Lei de Terras, vem legitimar a mercantiliza-
ção da terra como única forma de aquisição, bem como as posses anteriormente
existentes, sendo que, para a realização da titulação, o Estado, que estava em for-
mação, utilizou-se da única informação possível que garantisse o efetivo levanta-
mento da ocupação das terras: o registro paroquial (SUZUKI, 2007, p. 89-90).

Portanto, podemos sugerir que a transição do complexo ru ral ao complexo


agroindustrial começou a dar sinais bem antes do pós-guerra, como defende
Graziano da Silva (1996), ou seja:

[...] uma metamorfose do signi�cado da riqueza no Brasil, em que a terra se


torna o seu locus principal, em mediação com mudanças nas formas de su-
bordinação do trabalho (marcada por formas diversas de trabalho livre), com a
formação de um capital urbano-industrial, bem como por alterações técnicas
(SUZUKI, 2007, p. 93).

Atividades urbanas e agrárias


Neste início de século 21, muito se debate sobre onde termina o rural e começa
o meio urbano, assim como as atividades desenvolvidas em cada ambiente,
visto a modernização ocorrida com grande rapidez e intensidade no modo de
vida dos camponeses.

O rural que não vemos está presente também naquilo que é entendido por não agrí-
cola. A agricultura é uma das “partes” do rural. Ambos não podem ser tratados co-
mo sinônimos. Os espaços rurais são heterogêneos e comportam uma série de ati-
vidades que ultrapassam a lógica agrícola. Múltiplas são as estratégias de vida de-
senvolvidas no interior de tais espaços. Reduzi-los ao agrícola seria tão equivocado
quanto reduzir o urbano à indústria (BAGLI, 2006, p. 94).

Fato é que, com a elevada produção agrícola mecanizada, muito se perdeu da


mão de obra, a qual, de uma forma ou outra, sustentava os agricultores no
campo, trabalho esse realizado, hoje, por máquinas com avançada tecnologia.

No entanto, não podemos cair no erro de acreditar que o campo é somente a


agricultura, uma vez que é possível criar estratégias que viabilizem aumento
da renda em atividades não agrárias, dando funções que anteriormente não
existiam.

As atividades não agrárias são aquelas ligadas ao lazer, a moradia e as várias


atividades industriais e de prestação de serviços, que embora sejam realizadas
no meio rural, não dizem respeito ao cultivo de produtos agrícolas.
Os imóveis construídos no meio rural, mas que pertencem a grandes empre-
sas, por exemplo, na produção da laranja, carecem de funcionários, muitas ve-
zes vindos da cidade, como, secretárias, engenheiros, programadores etc.
Outra área utilizada combinada com a produção agrícola é o turismo rural, em
que fazendas se transformam em hotéis e pousadas, aproveitando a beleza na-
tural existente, tais como: cachoeiras, lagos e rios (RODRIGUES, 2000).

Em contrapartida, na cidade, o processo de modernização das técnicas de produção


propicia a expansão de atividades que no passado eram desenvolvidas no campo.
Produtos agrícolas passam a ser cultivados em áreas urbanas, graças à tecnologia
avançada que reduz a necessidade de grandes extensões de terra, poupando tempo
e mão-de-obra (BAGLI, 2006, p. 70).

Ainda podemos atentar para uma subordinação das atividades agrárias ao


modo urbano, seja pela falta de trabalho no campo, ou por uma mudança nos
valores e no modo de vida das famílias camponesas modernizadas.

[...] entre a máquina e a mídia, o universo da racionalidade do moderno-urbano do-


mina as paisagens naturais e humanas do campo. Não será ao acaso que a maioria
dos seus trabalhadores braçais ou vivem em cidades-dormitórios próximas, ou mi-
gram de espaço muito distantes (BRANDÃO, 2007, p. 58).

En�m, as mudanças na forma de agregar renda às famílias rurais demons-


tram que desenvolver estratégias que viabilizem uma justa reforma agrária e
apoio estatal à agricultura familiar, poderia ser um caminho intermediário pa-
ra os problemas do desemprego rural, uma vez que os estudos de Graziano da
Silva (1999) mostram rendimentos maiores para as atividades não agrícolas.
Portanto, é a estratégia vigente para manter os agricultores pobres em suas
moradias no meio rural.
[...] o rural que não vemos está presente também naquilo que é entendido por não
agrícola. A agricultura é uma das “partes” do rural. Ambos não podem ser tratados
como sinônimos. Os espaços rurais são heterogêneos e comportam uma série de
atividades que ultrapassam a lógica agrícola. Múltiplas são as estratégias de vida
desenvolvidas no interior de tais espaços. Reduzi-los ao agrícola seria tão equivo-
cado quanto reduzir o urbano à indústria (BAGLI, 2006, p. 94).

O crescimento do trabalho não agrícola é, portanto, impor tante para tantas fa-
mílias que hoje permanecem em suas terras, mesmo que a desigualdade na
atividade agrícola seja massacrante e que o processo pela qual estão sendo in-
corporadas, as atividades não agrícolas, pode minimizar o modo de vida e so-
brevivência do camponês, levando a uma disputa com o urbano.

A denominada “Revolução Verde” teve sua ideologia dispersada a partir de


1950, de maneira especial pelos países desenvolvidos com interesses de au-
mentar a produtividade agrícola nos países subdesenvolvidos, usando como
parte da “revolução”, o emprego de máquinas, tratores e fertilizantes agrícolas.

Acreditava-se que, com a utilização das técnicas de produção advindas dos


países emergentes, em pouco tempo se resolveria a questão da fome nos paí-
ses do Terceiro Mundo.

No entanto, tal ação, contava também com grande interesse de empresas


transnacionais norte-americanas, que ao viabilizar tais técnicas e produtos,
como consequência, teriam mais clientes aderidos e dependentes da sua pro-
dução, como por exemplo, o uso das sementes herbicidas, que desenvolvidas
em laboratório permitem uma produção de até três vezes mais que a semente
comum, sendo estas testadas, primeiramente no México e Filipinas (ADAS,
1988).

Como a descoberta da produção em larga escala, pensava-se que o problema


da fome estaria com os dias contados, o que provocou grande euforia em todo
mundo.
O Conselho de Desenvolvimento da Agricultura (ACD, Agricultural Development
Council), criado nos EUA pelas fundações Ford e Rockefeller, inspirou a abertura de
centros de pesquisas agrícolas em outros países. Em 1996 foi instalado, no México,
o Centro Internacional de Melhoramento do Milho e do Trigo; em 1968, o Instituto
Internacional de Agricultura Tropical na Nigéria e, no ano seguinte (1969), na
Colômbia; em 1972 foi fundado, no Peru, o Centro Internacional de Pesquisa de
Batatas e muitos outros em outros países (ADAS, 1988, p. 68).

Você pode pensar: apresentados o arsenal para uma produção de alto rendi-
mento, sementes variadas e grande aparato tecnológico, de que forma os paí-
ses pobres teriam acesso para produzirem em seus territórios?

A resposta é o que visualizamos atualmente no Brasil: no início por meio da


importação, e depois com subsídios para instalação de empresas transnacio-
nais do ramo agropecuário em nosso território.

Com o decorrer dos anos, percebeu-se que nem toda a tecnologia utilizada nos
países ricos era a mais indicada para as condições socioeconômicas dos agri-
cultores. A referida percepção foi talvez um pouco tardia, visto a dependência,
muitas vezes desnecessária destes agricultores, o que também elevou os cus-
tos da produção.

O fracasso da Revolução Verde demonstrou como os sistemas de produção in-


dustrial desencadearam uma produção agrícola insustentável, uma vez que:

[...] somente os grandes produtores tiveram condições de aplicar todo o “pacote tec-
nológico” que acompanhava as sementes “milagrosas” desenvolvidas nos centros
de pesquisa. A concentração da terra agravou-se. Mas agravaram-se também os
desequilíbrios ecológicos: surgiram pragas e doenças antes desconhecidas, que
exigiram maiores doses de venenos, que, por sua vez, desequilibraram mais ainda o
ecossistema e comprometeram toda a produção; surgiram problemas de conserva-
ção do solo, de erosão (NETO, 1982, p. 87).

Já inserida entre agricultores ricos e pobres, entende-se que o “verde” se tor-


nou “vermelha”, pois os pobres e famintos que surgiram nas regiões ricas dos
países subdesenvolvidos, demonstra que não somente inviabilizou a perma-
nência do pequeno agricultor na terra e uso de técnicas menos agressivas aos
ecossistemas, assim como, viabilizou o êxodo rural para as grandes cidades, o
aumento nos preços da terra e a concentração da terra e renda em poder de
uma minoria.

Além disso, na questão da fome, os termos colocados, culpam aqueles que na-
da possuem, vítimas deles próprios, de um crescimento desordenado da popu-
lação e da incapacidade de produzir riquezas.

7. Relação campo-cidade
Os termos “campo” e “cidade” conduzem a um pensamento de realidades dis-
tintas, o qual tem sofrido nas últimas décadas intensas modi�cações, criando
um novo quadro entre as relações, agricultura e indústria.

Em outras palavras, estabeleceu-se um novo rural, dinâmico e com estreita


forma de trabalho coletivo na produção e industrialização dos produtos agrí-
colas e na prestação de serviços ao meio urbano.

As famílias do meio rural que integram em suas propriedades a pluralidade,


também são sinais de novas identidades e modos de vida que estão sendo
construídos entre a realidade do que é rural ou urbano.

O campo e cidade no Brasil passaram por intensa metamorfose, não só porque hou-
ve uma mudança nos seus conteúdos e nas suas formas, mas, também, devido às
possibilidades novas que foram se constituindo de estabelecimento de vínculos e
de in�uência de um sobre a outra, ou vice-versa (SUZUKI, 2007a, p. 135).

Podemos observar que as relações entre campo e cidade são estreitadas no co-
tidiano, situação esta encontrada:
[...] haja vista a circulação de pessoas, mercadorias, informações e idéias que as es-
tradas, o comércio, a indústria, as redes de telecomunicação, dentre outras formas
de conexão, permitem, assim, relações dialéticas entre campo e cidade. São rela-
ções que se complementam, que se interpenetram, que se ligam demonstrando as
imbricações entre as relações do vivido, dos homens e mulheres e seu(s) espaço(s),
portanto, dos próprios espaços produzidos: campo e cidade (MONDARDO, 2006, p.
67).

É importante observar que muito ainda se discute quanto à ideia de oposição


entre o campo e cidade, pois são realidades distintas, que ora se misturam, ora,
são tão distantes, nas quais o tempo na cidade passa na velocidade e no arti�-
cial dos acontecimentos, enquanto no campo, a vida é mais lenta, com maior
atenção à natureza e aos acontecimentos ao redor.

Podemos recorrer às ideologias que complementam o estudo desta relação, vi-


sando uma ampla compreensão daquilo que sofreu mudanças profundas e que
perduram até a atualidade.

A oposição entre a cidade e o campo surge com a passagem da barbárie à civiliza-


ção, da organização tribal ao Estado, do provincianismo à nação, e persiste através
de toda a história da civilização até os nossos dias [...]. A existência da cidade im-
plica imediatamente a necessidade da administração, da polícia, dos impostos, etc.,
numa palavra, a necessidade da organização comunitária, partindo da política em
geral. É aí que aparece em primeiro lugar a divisão da população em duas grandes
classes, divisão essa que repousa diretamente na divisão do trabalho e nos instru-
mentos de produção. A cidade é o resultado da concentração da população, dos ins-
trumentos de produção, do capital, dos prazeres e das necessidades, ao passo que o
campo põe em evidência o fato oposto, o – isolamento – e a dispersão. A oposição
entre a cidade e o campo só pode existir no quadro da propriedade privada; é a mais
�agrante expressão da subordinação do indivíduo à divisão do trabalho, da subor-
dinação a uma atividade determinada que lhe é imposta. Esta subordinação faz de
um habitante um animal da cidade ou um animal do campo, tão limitados um co-
mo o outro, e faz renascer todos os dias a oposição entre os interesses das duas par-
tes. O trabalho é ainda o mais importante poder sobre os indivíduos, e enquanto es-
te poder existir haverá sempre uma propriedade privada (MARX; ENGELS, 1998
apud MONDARDO, 2006, p. 67).

Nesta contradição de de�nições, Alentejano (2010) contribui para a re�exão no


intuito de derrubar o mito do desaparecimento do rural no Brasil. Ele procurou
desmisti�car as associações feitas entre rural agrícola, natural e atrasado, e o
conceito do urbano, como moderno, industrial e arti�cial. Além disso, ressalta
que o rural não deixou nem deixará de existir, mas está tendo seu signi�cado
alterado.

Em suas re�exões, o autor deixa claro que não devemos a�rmar que o �m do
meio rural ocorre por simples ação da in�uência do meio urbano, mas em
uma transformação profunda e que ambos os meios sofrem com tais ações.
Por essa razão, devem-se buscar novos meios, ou:

[...] só nos restarão duas direções: aceitar a idéia de que o rural foi ou está sendo se-
pultado pela expansão do urbano e, portanto, não é mais uma categoria descritiva
ou explicativa útil, ou considerar que rural e urbano sempre foram categorias inú-
teis para a análise (ALENTEJANO, 2010, p. 8).

Se a diferença não é respeitada, pode-se cair no risco de suprimir as peculiari-


dades, tornando homólogo aquilo que por essência é heterogêneo.

No entanto, ambas as realidades dependem uma da outra, frente às contradi-


ções que o desenvolvimento do capitalismo impele para os trabalhadores ru-
rais que produzem e para os que industrializam os produtos, deixando claro
que a cooperação acontece, visto que:
A luta por valores comuns como cooperação, sustentabilidade, autonomia, sobera-
nia etc., cresce, se fortalece, não apenas na cidade e não apenas no campo. Mas em
ambos e de forma mesclada. Muitos dos que estão na cidade se voltam para os va-
lores da vida do campo e podem até mesmo se apropriar de valores da campesini-
dade. Lutam por uma segurança alimentar, buscam formas e redes de solidarieda-
de e cooperação, lutam para reproduzir a família, desejam a modernidade tecnoló-
gica, mas questionam o custo ambiental desta, buscam superar a falta do trabalho
no mundo do trabalho.

Outros, que estão no campo, lutam para se manter no campo, para se reproduzir en-
quanto camponês. Mas vão além. Lutam pelo acesso a tudo aquilo que a cidade po-
de representar. O acesso à infraestrutura, às diferentes opções de lazer, à possibili-
dade de continuar estudando, à comunicação, ao encontro, à centralidade etc.
(GOLDFARB, 2006, p. 135-136).

Além das dos detalhes no âmbito social, podemos observar no físico natural
de ambas as realidades diferenças na paisagem que ao mesmo tempo podem
se facilmente notadas e outras que nem sequer são visualizadas, seja nas for-
mas, cores, sons e sensações.

Iniciemos pela paisagem urbana, que apresenta as construções em sua ampla


dimensão: edifícios, (grandes ou pequenos), casas, sobrados, prédios comerci-
ais e públicos, ruas (largas ou estreitas) avenidas, alamedas, vielas, travessas,
monumentos, obeliscos, praças, todas com funções exigidas pelo meio urbano
e com intensa variedade (BAGLI, 2006).

No entanto, apresenta-se junto ao referido conjunto a contradição visível, la-


tente e cruel, ou seja, construções de moradias precárias junto a belos condo-
mínios fechados, o que gera uma intensa crítica em relação às diferenças sig-
ni�cativas do urbano (BAGLI, 2006).

En�m, no meio urbano as cores se apresentam nos mosaicos, veículos ou imó-


veis e roupas das pessoas revelando ao mesmo tempo uma variedade agradá-
vel, mas que se torna tanto agressiva quando excessiva (BAGLI, 2006).

Já a paisagem rural, por sua proximidade com a natureza, apresenta maior


sensibilidade, mesmo que as transformações ocorridas não sejam percebidas
com tanta intensidade como na urbana.

A paisagem rural também possui seu colorido próprio. Entretanto, são cores mais
discretas e singelas, encantando mais pela sutileza do que pela intensidade e varie-
dade. A predominância de tons verdes é marcante nos espaços rurais, o que torna o
colorido da paisagem rural mais homogêneo. Durante a noite, as cores se escon-
dem sobre a penumbra em ambas as paisagens. Eis que uma outra diferença se ex-
pressa. Diferença percebida por um outro colorido, oriundo das luzes dos faróis dos
carros, dos postes de iluminação pública, dos luminosos. A paisagem urbana se di-
ferencia por essa intensidade de luzes, podendo ser percebida a quilômetros de dis-
tância. Na paisagem rural, as luzes encontram-se dispersas, quase isoladas, como
estrelas solitárias. Formas, cores e também sons (BAGLI, 2006, p. 180).

Portanto, como salienta Bagli (2006), precisamos nos atentar para as particu-
laridades da realidade brasileira e suas transformações, para a construção de
estratégias que não somente incentivem o crescimento e solidi�cação do
agronegócio, mas também apoiem o desenvolvimento social no rural.

Isto signi�ca que não apenas em relação ao modelo capitalista de vida, é im-
portante primar por melhorias na vida camponesa sem deixar para trás a cul-
tura e os saberes de cada comunidade. Além disso, é preciso buscar o campo
como uma forma de vida e trabalho e não somente como uma “válvula de es-
cape” para os problemas existentes na cidade.

As referidas dimensões são re�exos de uma unidade contraditória que “[...]


têm se desenvolvido no sentido de ir eliminando a separação entre a cidade e
o campo, entre o rural e o urbano, uni�cando-os numa unidade dialética”
(OLIVEIRA, 1991, p. 26).

Textos complementares

O texto a seguir, nos revela algumas das implicações da agricultura moderna.


Nesse sentido, no decorrer da leitura, é importante que você tente compreender
suas consequências históricas, e, sobretudo, re�etir sobre as possíveis soluções.

A fome no mundo, crise ou escândalo?


O título indicado é uma paráfrase ao livro de ADAS (1988): A fome: crise ou escân-
dalo?. A discussão proposta por essa obra é muito pertinente na atualidade, uma
vez que mesmo com todas as tecnologias existentes, vivenciamos o dilema histó-
rico que carrega consigo vários signi�cados, entre eles, a má distribuição da rique-
za produzida.

Nesse sentido, os objetivos da Revolução Verde, ao contrário do que se apregoava,


não aconteceu, especialmente nos países pobres, nos quais a fome, em muitos ca-
sos, se agravou e a concentração da renda aumentou ainda mais.

Segundo Adas (1988), fome signi�ca a situação que uma pessoa �ca, durante um
período prolongando, carente de alimentos que lhe fornecem energia necessária
ao desenvolvimento da vida e à saúde. Para ele, há dois tipos de fome:

• Fome global: refere-se à ausência de alimentação diária que equivale à ener-


gia gasta pelo organismo nas atividades desenvolvidas.
• Fome parcial: falta de alguma substância, tais como proteínas, vitaminas,
sais minerais que podem causar distúrbios e lesões quando não ingeridos
por tempos prolongados.

Partindo dessa breve contextualização podemos re�etir sobre as consequências


da fome, entendendo-as como uma situação vergonhosa para toda a humanidade,
pois desde meados da década de 1990, 800 milhões de pessoas (um terço da popu-
lação), nos países subdesenvolvidos, encontram-se em condições de pobreza ab-
soluta e passam fome (ADAS, 1988).

Outra perspectiva a ser refuta é o “malthusianismo”, visto que a fome não é fruto
do crescimento populacional, embora a teoria de Thomas Robert Malthus tenha
ressurgido após a Segunda Guerra Mundial com objetivo de alertar a população
sobre os perigos do crescimento, de maneira especial, nos países subdesenvolvi-
dos o que em partes demonstra a fragilidade do discurso.

A fome e a renda são duas faces de uma mesma moeda, ou seja, não es-
tão dissociadas. Entre o alimento e a necessidade que o ser humano tem
de se alimentar interpõe-se o dinheiro. No caso das populações urbanas,
a alimentação de uma pessoa é diretamente proporcional a sua renda.
Quanto aos camponeses, o problema vai além da renda; relaciona-se
também com o acesso a terra, aos meios de produção, à estrutura fun-
diária e a outros aspectos [...] (ADAS, 1988, p. 28).
Observe que a fome e a pobreza não podem ser interpretadas com um “olhar sim-
plista” e por vezes “escamoteadas” com o avanço técnico e cientí�co do Primeiro
Mundo; é preciso entendê-la como algo arti�cial de conjunturas econômicas de-
feituosas, que foram criadas pelos homens, e, portanto, passíveis de ser alteradas.
[...] já em 1974 a FAO concluía que “[...] em termos mundiais, a quantida-
de de alimentos disponíveis é su�ciente para proporcionar a todo o
mundo uma dieta adequada”. Assim, a questão da fome não é discutida
de frente: é escamoteada. Consideram-se apenas os aspectos secundári-
os, negligenciando-se os principais: aqueles que resultam da maneira
como a sociedade está organizada. Os fatores políticos, sociais, econô-
micos e culturais são subestimados ou ignorados, como por exemplo:

• o contraste na concentração da renda e da terra no mundo subde-


senvolvido;
• o subaproveitamento  do espaço rural pelas atividades agropasto-
ris, enquanto milhões de seres humanos passam fome e não tem
terras para cultivar;
• a utilização da terra para uma agricultura comercial de exportação
em detrimento da agricultura de produtos alimentares, fruto da di-
visão internacional da produção realizada pelas antigas  metrópo-
les colonialistas e             mantidas até  hoje, através de uma injusta
ordem econômica mundial;
• a injusta e   antidemocrática   estrutura fundiária, marcada pela
concentração da propriedade das terras nas mãos de poucos;
• o difícil acesso aos meios de produção pelos trabalhadores rurais,
pelos sem terras ou pela população em geral;
• o avanço do capitalismo no campo, gerando a proletarização do
trabalhador rural;
• a in�uência das transnacionais de alimentos na produção agrícola
e nos hábitos alimentares das populações do Terceiro Mundo;
• a utilização do agropoder ou da “diplomacia de alimentos”como ar-
ma nas relações entre os países;
• a canalização de grandes recursos �nanceiros e humanos para a
produção de materiais bélicos, enquanto milhões de seres huma-
nos são desnutridos e morrem por inanição;
• o grande consumo de cereais na alimentação animal nos países
desenvolvidos (60,6 %), em contraposição à falta de alimentos nos
países subdesenvolvidos;
• a relação entre a divida externa do Terceiro Mundo e a deteriora-
ção cada vez mais elevada do seu nível alimentar;
• a relação entre cultura e alimentação.

Alterar essa situação signi�ca alterar a vida da sociedade, o que pode


ser não desejável, pois contraria os interesses e os privilégios em que se
assentam os grupos ou classes dominantes. Ë mais cômodo, menos im-
pertinente e mais seguro responsabilizar o crescimento populacional, a
“preguiça” do pobre ou ainda as adversidades do meio natural como
causas da miséria e da fome no Terceiro Mundo (ADAS, 1988, p. 33-34).

A discussão de Adas (1988) é recente se pensarmos as atuais políticas que privile-


giam a produção agrícola em grande escala em detrimento da pequena produção,
que visa à produção de alimentos, especialmente nos países em desenvolvimento.
A fome é uma das consequências mais visíveis desse processo contraditório.

Neste sentido, os estudos de Josué de Castro, abordam a fome no Brasil e no mun-


do a partir das carências alimentares observadas nas diferentes regiões e nos dis-
persos grupos. Analisa tal carência como fruto de uma desigualdade planejada
politicamente e historicamente. Vejamos!

Josué de Castro e a Geogra�a e a Geopolítica da fome

Josué Apolônio de Castro nasceu em 1908, no Recife. Esse grande cidadão do


mundo faleceu em 1973, em Paris, na espera de mudanças na política brasileira
que permitissem seu retorno ao país.

A importância cientí�ca desse autor se deve a preocupação com a desigualdade


existente no Brasil e no mundo. Ele visualizava seu rosto nos “famintos”, nos
“mortos de fome” da Zona da Mata nordestina, e depois percebeu que essa mesma
fome também ocorria no mundo afora.

Em 1946, ele publicou o livro Geogra�a da fome, um importante instrumento sobre


os tipos de fome. É, portanto, pioneiro em relação à abordagem da fome e suas im-
plicações, uma vez que denuncia o “�agelo vergonhoso” da fome.

Além dessa obra, Josué de Castro publicou outros títulos sobre o referido tema, em
destaque Geopolítica da fome e O livro negro da fome, os quais foram traduzidos
em diversos idiomas.

Em Geopolítica da fome, publicado em dois volumes, trata da fome em escala pla-


netária, denuncia a fome como uma “praga fabricada pelo homem” e não como um
fenômeno natural. Desse modo, tornou-se um pioneiro no meio cientí�co interna-
cional.
Ele teve a coragem de usar em seus escritos-denúncias a palavra “fome”,
considerada por muitos de signi�cado acentuadamente forte, justamen-
te numa fase áureas da expansão capitalista, o que contrariava os de-
fensores do sistema (ADAS, 1988, p. 98).

Andrade (2004), estudando a atualidade do pensamento de Josué de Castro con-


clui que ele:

[...] foi um exemplo de homem público e de cientista; ele não negou aos
combates pela modernização, no sentido amplo, do país, pelas campa-
nhas de diminuição das diferenças sociais entre as pessoas e as classes,
assim como pela apresentação de soluções para os problemas regionais
e internacionais (ANDRADE, 2004, p. 118).

Nas Figuras 8 e 9, podemos visualizar a espacialização da fome no Brasil, re�etin-


do sobre a ocupação atual, relacionando à modernização, bem como as opções da
sociedade nesse início de século 21.
Fonte: CASTRO, 2008, p.37).

Figura 8 Áreas alimentares do Brasil.

Fonte: CASTRO, 2008, p.38).

Figura 9 Principais carências existentes nas diferentes áreas alimentares do Brasil.

Como pudemos constatar, a leitura de Josué de Castro é muito profícua em vários


aspectos. Em destaque, o uso histórico da terra na região Nordeste e na Amazônia.
Os mapas (Figuras 8 e 9) espacializam seus estudos revelando o papel nacional e
internacional. Observe-os.

E, para complementar os estudos deste tópico, assista ao vídeo a seguir, um


documentário que destaca as consequências da Revolução Verde sobre o meio
ambiente e a saúde humana, por meio da intensi�cação da aplicação de agro-
tóxicos na produção de alimentos.
8. Agronegócio no Brasil
O agronegócio no Brasil envolve uma série de questões em destaque: as econô-
micas, as sociais e, sobretudo, as referente à política, uma vez que a produção
agrícola e a comercialização em larga escala por si não explica os interesses
propiciados pelo termo.

Fernandes (2010) aponta que o agronegócio é o novo nome de desenvolvimen-


to econômico da agropecuária capitalista, cuja origem está no sistema de
plantation, em que grandes propriedades são utilizadas na produção para ex-
portação.

A palavra agronegócio é nova (década de 1990), e é também uma construção ideo-


lógica para tentar mudar a imagem latifundista da agricultura capitalista. O lati-
fúndio carrega em si a imagem de exploração, trabalho escravo, extrema concen-
tração da terra, coronelismo, clientelismo, subserviência, atraso político e econômi-
co. É, portanto, um espaço que pode ser ocupado para o desenvolvimento do país:
latifúndio está associado à terra que não produz e pode ser usada para reforma
agrária. A imagem do agronegócio foi construída para renovar a imagem da agri-
cultura capitalista, para “modernizá-la”. É uma tentativa de ocultar o caráter con-
centrador, predador, expropriatório e excludente para relevar somente o caráter
produtivista. Houve o aperfeiçoamento do processo, mas não a solução dos proble-
mas: o latifúndio efetua a exclusão pela improdutividade, o agronegócio promove a
exclusão pela intensa produtividade (FERNANDES, 2010, p. 1).

Considerando esse cenário, é possível entender parte da lógica em que o agro-


negócio se encontra: uma complexidade que incide na diversidade, ou seja,
utilizam da produção para viabilizar novos empreendimentos e, consequente-
mente, mascarar o controle da terra e do capital.

Oliveira (2006) a�rma que o agribusiness reconhecido como monocultivo de


exportação, ganhou sua expressão na língua portuguesa como agronegócio.

Nesse sentido, o autor ressalta a necessidade de distinção entre as atividades


econômicas visto que a agricultura visa produzir alimentos, enquanto o agro-
negócio visa à produção de commodities (mercadorias) para o mercado mun-
dial.

A expansão dos produtos de exportação está colocando em risco a produção


de alimentos, uma vez que tem ocasionado a diminuição da área plantada de
arroz, feijão e mandioca, por exemplo. Isto faz com que o Brasil, apesar de sua
enorme disponibilidade de terrenos agricultáveis, importe gêneros alimentíci-
os.

Também podemos mencionar, nesse processo contraditório, o aumento do uso


dos agrotóxicos, do desmatamento e da ocorrência de demais impactos nas
áreas de expansão do agronegócio, especialmente por causa da cana-de-
açúcar e da soja.

O agronegócio é devastador. Imensas áreas de �orestas e do cerrado estão sendo


ilegalmente desmatadas, secando nascentes e mananciais, sugados pelo ralo das
monoculturas, pastos de capim, carvoarias, mineradoras e madeireiras. Os agrotó-
xicos, despejados por aviões e tratores, estão contaminando solos, águas, ar e as
plantações camponesas, causando doenças e mortes (CANUTO, 2004, p. 117).

Retornando a diferenciação entre agronegócio e agrobusiness, podemos veri�-


car o uso das marcas no processo de industrialização que incorporou a produ-
ção agrícola.

Nesse contexto, veri�camos a utilização de expressões como “complexo


agroindustrial” e “sistema agroindustrial” com as quais se valoriza a relação
direta, com a transformação da matéria-prima em novas mercadorias, com
extremo valor agregado.

Segundo Welch (2010):


[...] o conceito de agribusiness virou moeda corrente nos EUA nos anos 50, através o
trabalho do economista da Universidade de Harvard John Davis. Davis só botou
nome apropriado num sistema já existente. Desde o início das colônias inglesas, os
interesses agrícolas da região eram sempre voltados para comércio. A partir do sé-
culo 19, investidores norte-americanos já começaram exportar várias técnicas de
produção e comercialização. Os investidores não �caram satisfeitos em explorar as
vantagens comparativas de ambientes diversos (WELCH, 2010, p. 1).

Welch (2010) a�rma categoricamente que o governo dos EUA incentivou a


Revolução Verde como uma garantia para introdução da mecanização nos no-
vos mercados, o que, em parte, nos auxilia na compreensão dos interesses em
transferir tecnologias.

As novas regras e as novas tecnologias genéticas permitiram a mundialização do


modelo agribusiness. Com a meta de maximizar lucros através o controle de custos
de produção e comercialização, com um nível de controle que vem da semente até
a embalagem do produto, o agronegócio tem sido representado como forma mais
avançada de capitalismo no campo. Vale a pena considerar o modelo em seu pró-
prio contexto – a história dos EUA – para pensar melhor o que signi�cou o agrone-
gócio para os pequenos lavradores do país (WELCH, 2010, p. 2).

Cabe destacar, conforme os estudos Megido e Xavier (2003), que o termo agro-
business foi cunhado a partir da construção de uma metodologia para estrutu-
ração da cadeia agroalimentar.

Por essa razão, desde meados da década de 1970, o referido termo se tratava de
um processo que envolve alimentos, �bras e biomassa. Portanto, é, segundo os
autores, muito maior que simplesmente a produção rural, utilizando, para tan-
to, o exemplo de que o agrobusiness representa cerca de ¼ da economia mun-
dial.

Oliveira (2007), analisando esse mesmo período, acrescenta o melhoramento


genético em todas as fases do processo de produção, o que nos revela que to-
dos agentes envolvidos estão produzindo matérias-primas agropecuárias, e
nesse fazer, estão subordinados às cadeias produtivas do agronegócio.
Para os camponeses e também para os chamados de agricultores familiares só há
um lugar submisso neste projeto: integrarem-se às cadeias produtivas do agrone-
gócio, tornarem-se empreendedores, fazendo de sua produção agropecuária um
“agronegocinho” (OLIVEIRA, 2007, p. 149, grifo do autor).

Montoya e Guilhoto (2000) a�rmam que o termo agronegócio integra agricul-


tura e indústria. Nesse sentido, a�rmam que:

[...] a produção rural passou a se situar, economicamente, entre as indústrias produ-


toras de bens e insumos para a agricultura (a montante), e as indústrias processa-
doras e de serviços de base agrícola (a ajusante) (MONTAYA; GUILHOTO, 2000, p. 4).

Mesmo com as restrições em relação ao volume total do comércio, Montoya e


Guilhoto (2000) identi�cam uma expressiva participação do Brasil na geração
de riqueza. Na Tabela 1, veremos alguns dados relativos ao PIB brasileiro.

Tabela 1 Valores (US$ milhões) e participação relativa do agronegócio no


Produto Interno Brasileiro – período 1959 a 1995.

Agronegócio PIB brasileiro

Anos US$ millhões Percentual US$ milhões Percentual

1959 6.629 51,40 12.899 100,00

1970 12.115 37,08 32.673 100,00

1975 36.255 35,82 101.207 100,00

1980 69.128 32,56 212.309 100,00

1985 69.670 34,97 199.249 100,00

1990 124.560 31,57 394.562 100,00

1995 171.826 28,91 594.391 100,00


Fonte: (PRIMÁRIA, s./d. apud MONTOYA; GUILHOTO, 2000, p. 20).

Observe que, embora tenha um declínio no percentual, o valor total dos produ-
tos oriundos do agronegócio aumentou nas últimas décadas. Isso é muito sig-
ni�cativo, especialmente quando tratamos da produção e exportação dos pro-
dutos agrícolas, tal dimensão ainda é muito debatida, visto a inserção do
Brasil no comércio mundial, bem como o signi�cado particular do agronegó-
cio.

Oliveira (2003, p. 15) tece a seguinte indagação: “[...] qual o papel das exporta-
ções brasileiras no comércio mundial e em seu interior, qual o papel do agro-
negócio”?

Ao responder a referida pergunta apresenta dados que demonstram que o país


não atingiu o mesmo patamar das exportações mundiais de 1980, compreen-
dendo portanto que há um crescimento relativo.

No Quadro 2, podemos analisar os dados dos principais produtos exportados:

Quadro 2 Panorama da produção e participação na exportação dos principais


produtos brasileiros em 2006.

Produto Produção Exportação (US$)

Bovinos 195 milhões cabeças 3 bilhões

Soja 50 milhões toneladas 10 bilhões

Café 38 milhões sacas 2 bilhões

26,5 milhões toneladas


Açúcar e Álcool 3 bilhões
e 15 bilhões litros

Aves 9,3 milhões toneladas 3,2 milhões

Suínos 2,8 milhões toneladas 1,165 bilhão

Algodão 2,7 milhões toneladas 460 milhões

Leite 25 bilhões litros 160 milhões

Laranja 17 milhões toneladas 9 milhões


Fonte: (PRIMÁRIA, 2007 apud PAIVA JÚNIOR, 2009, p. 52).
Um dos grandes potenciais do Brasil quanto à exportação é a soja, a qual teve
uma grande expansão nas últimas décadas, o que nos tornou o segundo maior
exportador, perdendo apenas para os EUA. Na Figura 10, podemos analisar a
evolução do Brasil e dos demais produtores.

Fonte: (PRIMÁRIA, s./d. apud OLIVEIRA, 2006, p. 29).

Figura 10 Grá�co: soja – evolução da área cultivada (em mil hectares).

Cabe ressaltar também o papel dos países da América do Sul que produzem
sob o regime internacional. Nesses países, foram introduzidos, além da meca-
nização, diversos pacotes, como por exemplo: as sementes transgênicas.

Oliveira (2007) analisando as implicações da produção da soja tece uma dis-


cussão sobre:
[...] o mito do papel da soja no mercado mundial, a mídia tratou de esconder tam-
bém, o óbvio: não é a soja o principal grão no mercado mundial. Ao contrário, entre
os grãos mais importantes do mercado mundial estão os principais alimentos da
humanidade: arroz, milho e trigo. A produção destes individualmente supera a casa
dos 600 milhões de toneladas cada, enquanto que a soja produz apenas 200 mi-
lhões de toneladas, �cando em quarto lugar. Entretanto, quem vê como a mídia tem
tratando a produção de soja, parece que ela é a principal cultura do mundo. É im-
portante frisar que esta posição tem o objetivo de mostrar igualmente a importân-
cia das grandes empresas do agronegócio. Assim, idolatram as empresas multina-
cionais e nacionais dos grãos e de outros setores, tais como: ADM, Cargill, Bunge,
Louis Dreyfus, Amaggi, Caramuru, Cutrale, Citrosuco, Votorantin, Nestlé, Danone,
Aracruz, Friboi, Bertin, etc. Dessa forma, as elites nacionais vão se tornando propri-
etárias de terras e capitalistas da agricultura para produzirem mercadorias para o
mercado mundial. Estas elites são, portanto, parceiras e muitas vezes sócias dos
monopólios mundiais do agronegócio. Não há diferença entre eles, pois as elites
defendem aqui os interesses do capital mundial. São estas elites que estão grilando
as terras públicas do país (2007, p. 148).

Fernandes (2008), discutindo a disputa territorial, e os tipos de territórios nos


fornece elementos dos con�itos presentes nas transnacionais que disputam
os territórios para produção de mercadorias, tal como a soja.

Um exemplo evidente desse processo é a compra de terra por parte das trans-
nacionais que passam a controlar o mercado de agrocombustíveis.

O segundo exemplo são as propagandas, nas quais essas mesmas transnacio-


nais passam a controlar o ideário cotidiano (con�ra Figura 11).

Figura 11 Propaganda da transnacional Syngenta representando área de quatro países onde predomina o monocultivo
da soja.

A Figura 12 é composta por mapas que nos permite analisar a espacialização


da soja no Brasil, ao visualizá-la, é importante entender que, por meio do cres-
cimento progressivo da produção de soja no Brasil, houve também o cresci-
mento da participação desta cultura no valor da produção agrícola na maioria
dos estados, em destaque: Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rio
Grande do Sul e Goiás.

Fonte: (GIRARDI; FERNANDES, 2010, p. 4-5).

Figura 12 Produção de soja no Brasil.


A soja foi o gênero agrícola que mais cresceu no período 19902002. Outros produtos
também tiveram crescimento, porém não tão grande. Selecionamos alguns produ-
tos e seus respectivos crescimentos no período 1990-2002: algodão: 21,5%; amen-
doim: 41,2%; arroz: 40,9%; batata inglesa: 40%; cana-de-açúcar: 38,7%; feijão: 37,1%;
milho: 68,3%; soja: 111,7%. A batata-doce teve um decréscimo de 21,8% e a mandioca
de 5,2%. O extrato de área que mais produziu soja em 1996 foi o de 200 a menos de
500 hectares (GIRARDI; FERNANDES, 2010, p. 4-5).

9. Agricultura mundializada e crise dos ali-


mentos
Oliveira (2003; 2007) critica o processo de desenvolvimento da agricultura,
destacando a lógica capitalista baseada na mundialização das mercadorias, e,
sobretudo, do capital.

A mundialização do capital marcou o �nal do Século XX e marca o início do Século


XXI. O �nal do socialismo nos países do leste europeu e a expansão das políticas
neoliberais pelo mundo estão no centro deste processo. Os países com dívidas ex-
ternas elevadas, particularmente aqueles do Terceiro Mundo, submeteram-se de
forma pací�ca às políticas neoliberais impostas pelo FMI – Fundo Monetário
Internacional. No Brasil, esta implantação de políticas neoliberais, foi marcada no
início da década de 90, por dois planos de controle �nanceiro e combate à in�ação.
Primeiro foi o Plano Collor e seu con�sco temporário do dinheiro depositado nos
bancos. Depois da queda de Collor de Mello e, sua substituição pelo vice Itamar
Franco, foi implantado o plano real de Fernando Henrique Cardoso e o domínio
quase que absoluto das políticas neoliberais no Brasil. A consequência direta da ex-
pansão das culturas de exportação, particularmente da soja, e o crescimento da vio-
lência (massacres de Corumbiara e de Carajás) levaram os movimentos sociais a
exercerem o direito da pressão social e política pela reforma agrária (OLIVEIRA,
2007, p. 146-147).

Vale destacar que, embora apresente a perversidade imposta pelo agronegócio


nas suas múltiplas fases, Oliveira (2007) mostra várias saídas que o campesi-
nato vem impondo ao lutar pelo território.

Há, desse modo, dois processos distintos que podem caminhar paralelamente
mesmo que exista uma disputa desleal, visto a desigualdades socioeconômi-
cas.

Sob a ótica do grande empreendimento, Carmona (2009) estuda o mercado fu-


turo que proporciona a �xação do preço dos produtos, por meio de negociações
de contratos que são liquidados em data futura, ao comprar ou vender media-
ção pregões da bolsa de valores. Destaca que:

[...] o mercado futuro, portanto não substitui o mercado a termo, mas é um comple-
mento que permite proteção contra variações adversas de preço do ativo
(CARMONA, 2009, p. 74).

Nesse contexto, as commodities são mercadorias com características especi�-


cas, tais como:

1. padronização: a commodity deve ser uma mercadoria com nível mínimo de


variação;
2. pouca perecibilidade: normalmente a commodity deve ser armazenada ou
transportada para entrega futura;
3. ampla escala de consumo: o produto exige grandes disponibilidades para ne-
gociação e transação;
4. o mercado de commodities deve ter um �uxo livre e negociado pelo preço de
equilíbrio, isto é, pela oferta e demanda existente
5. condição de matéria-prima ou semi-elaboração: a commodity não pode sofrer
um complexo sistema de produção, pois sua disponibilidade estaria afetada
em caso de falha na cadeia produtiva  (CARMONA, 2009, p. 76).

A discussão na ótica economicista pode propiciar certas arbitrariedades e


também grandes possibilidades para aqueles que detêm o capital, fazendo
com que o mesmo possa ser especulado nos mercados futuros.

Na Tabela 2, podemos analisar as principais características dos contratos fu-


turos de commodities agrícolas negociados na Bolsa de Mercadorias e Futuros
(BM&F):

Tabela 2 Especi�cações dos contratos futuros de commodities agropecuárias


negociados ns BM&F.
Unidade de Data de venci-
Ativo obje- negociação Meses de mento e último
Cotação
tivo (tamanho vencimento dia de negocia-
do contrato) ção

Dólares dos
Estados Unidos Décimo   quinto
Março, maio,
da América por 270 sacas dia útil do mês
Açúcar agosto, outu-
saca de 50 quilos de 50 quilos anterior ao mês
cristal bro e dezem-
líquidos, com du- líquidos de vencimento do
bro
as casas deci- contrato
mais

Reais por arroba Último dia útil do


330 arrobas Todos os
Boi gordo líquida com duas mês de venci-
líquidas meses
casas decimais mento

Centavos de dó-
12,5 tonela-
lar dos   Estados
das métri- Março, maio, Décimo   dia útil
Unidos da
cas, equiva- julho, outu- anterior ao pri-
Algodão América por li-
lentes a bro e dezem- meiro dia do mês
brapeso, com du-
27.557,50 bro de vencimento
as casas deci-
libras-pesos
mais

Fevereiro,
março, abril,
Reais por ani- Último dia útil do
maio, junho,
Bezerro mal, com duas 33 animais mês de venci-
julho, agosto,
casas decimais mento
setembro e
outubro

Décimo quinto
Reais por metro 30 metros Março, maio,
dia útil do mês
Álcool cúbico (1.000 li- cúbicos agosto, outu-
anterior ao mês
Anidro tros), com duas (30.000 li- bro e dezem-
de vencimento do
casas decimais tros) bro
contrato
Dólares dos
Estados Unidos
Março, maio, Sexto dia útil an-
da América por 100 sacas
Café- julho, setem- terior ao último
saca de 60 quilos de 60 quilos
Arábica bro e dezem- dia do mês de
líquidos, com du- líquidos
bro vencimento
as casas deci-
mais

Dólares dos
Estados Unidos Janeiro,
Café- da América por 250 sacas março, maio, Último dia útil do
Robusta saca de 60 quilos de 60 quilos julho, setem- mês de venci-
Conillon líquidos, com du- líquidos bro e no- mento
as casas deci- vembro
mais
Fonte: (BOLSA DE MERCADORIAS E FUTUROS, 2003 apud CARMONA, 2009, p. 77).

Seguindo a mesma lógica, se inserem o marketing, um aspecto primordial na


“era da informação”, no qual os comerciais sobre o mercado assumem caracte-
rísticas ininterruptas, que bombardeiam os produtores com slogan dos novos
conceitos e práticas a serem utilizados no campo.

Na Figura 12, podemos observar a pressão apenas do segmento de sementes


híbridas de milho.

Uma discussão pertinente que corrobora no processo de desenvolvimento do


agronegócio, se refere à Agricultura de precisão, baseada no Sistema de
Informações Geográ�cas ou Georreferenciada (SIG), que consiste na alocação
de recursos �nanceiros, técnicos e ambientais para otimizar a produção.

Fazem, dessa forma, levantamentos das propriedades do solo, criam zonas de


manejo, irrigação, separam talhões, corrigem o solo, aplicam fertilizantes e
herbicidas buscando sempre a quanti�cação para reduzir os custos, mecani-
zar, monitorar e ter resultados elevados.

Na Figura 13, podemos acompanhar a transformação dos dados em informa-


ção no que tange as atividades agropecuárias.

Uma discussão que ocorre simultaneamente ao agronegócio e às demais di-


mensões da produção mundializada da agricultura se refere à soberania ali-
mentar, ou seja, a produção de energia por meio dos produtos agrícolas.

Como você pode notar, trata-se de denominações diversas sobre a realidade,


ora como agroenergia, agrohidronegócio e agrocombustíveis, todos represen-
tam a complexidade que engloba o atual cenário, pois, a expansão das áreas
com soja e cana sob as terras férteis está inviabilizando a cultura de alimen-
tos.

Fonte:  (MEGIDO; XAVIER, 2003, p. 125).

Figura 13 Transformando dados em informações.

As transformações recentes relativas ao setor sucroalcooleiro demonstram


que não é regulado pelo álcool, mas sim pelo açúcar, portanto, é uma mercado-
ria cuja lógica é regulada mundialmente, ora se compensa vender açúcar no
mercado internacional os usineiros vendem, se o preço cai, controlam-no no
mercado interno, que desde o Programa Proálcool, até as atuais políticas pu-
blicas de incentivo ao carro �ex, observamos o incentivo às tecnologias “lim-
pas” em consonância com o interesse dos grandes produtores.

Já na Figura 14, é possível analisar o crescimento do agronegócio do agrocom-


bustível. Tais leituras, nos revelam possíveis limitações para a produção de
alimentos, uma vez que a produção desde a década de 1990 não vem crescen-
do, ao contrário do que acontece com a cultura da cana e também de outros
grãos.

Fonte: (OLIVEIRA, 2009, p. 10).

Figura 14 Grá�co 2 – produção agrícola mundial de grãos (em 1000 toneladas).

Partindo do crescimento da produção voltado para o mercado internacional,


podemos concluir que:
Os dados do IBGE entre 1990 e 2006 revelam a redução da produção dos alimentos
imposta pela expansão da área plantada de cana-de-açúcar que cresceu neste pe-
ríodo mais de 2,7 milhões de hectares. Tomando-se os municípios que tiveram a
expansão de mais de 500 hectares de cana no período, veri�ca-se que neles ocorreu
a redução de 261 mil hectares de feijão e 340 mil de arroz. Esta área reduzida pode-
ria produzir 400 mil toneladas de feijão, ou seja, 12% da produção nacional e, um
milhão de toneladas de arroz equivalente a 9% do total do país. Além, disso
reduziram-se nestes municípios a produção de 460 milhões de litros de leite e mais
de 4,5 milhões de cabeças de gado bovino. É importante destacar que embora a ex-
pansão esteja mais concentrada em São Paulo, ela já está também, no Paraná, Mato
Grosso do Sul, Triângulo Mineiro, Goiás e Mato Grosso. E, também nestes estados,
ela reduz à área de produção de alimentos agrícolas e desloca a pecuária na dire-
ção da Amazônia e de seu conseqüentemente desmatamento. Por isso, a expansão
dos agrocombustíveis continuará a gerar a redução da produção de alimentos.

Assim, não é demais lembrar que a produção dos três alimentos básicos no país, ar-
roz, feijão e mandioca, também não crescem desde os anos noventa, e mais, o
Brasil tornou-se o maior país importador de trigo do mundo. Portanto, o caminho
para a saída da crise e da construção de uma política de soberania alimentar conti-
nua sendo a realização de uma reforma agrária ampla, geral e massiva (OLIVEIRA,
2009, p. 15).

Texto complementar 

No texto a seguir, você poderá analisar alguns dados referentes ao censo agrope-
cuário brasileiro, o que contribuirá teoricamente com a leitura do campo e das po-
líticas executadas nas últimas décadas.

O censo agropecuário 2006

A publicação do Censo Agropecuário 2006 revela um retrato da diversidade do


Brasil agrário. A conceituação de agricultura familiar de acordo como a Lei nº
11.326, de 24 de julho de 2006, rompe com a ideia de totalidade do agronegócio que
imperava nos censos anteriores (1995-1996).

Partindo deste censo, podemos veri�car quem produz o quê, como produz e onde
produz. É uma visão ampla principalmente para os meios de comunicações que
apregoam a produção da agricultura camponesa-familiar como parte da produção
do agronegócio.
Querem, portanto, compreender o agronegócio como totalidade é uma ideologia
que destrói a agricultura familiar ou camponesa; o que o censo desconstrói, visto a
distinção entre os projetos de desenvolvimento. Fica evidente que o agronegócio
não incorpora o campesinato, ele acaba fortalecendo-o.

O agronegócio é predominantemente produtor de commodities. A agricultura


camponesa é predominantemente produtora de alimentos. Nesse sentido, a dife-
renciação entre as produção é essencial para compreensão do campo brasileiro.

Nos trechos a seguir, podemos observar indicações do censo e suas implicações


no atual cenário brasileiro e mundial.
O Censo Agropecuário 2006 teve por objetivo retratar a realidade do
Brasil Agrário, considerando-se suas inter-relações com atores, cenári-
os, modos e instrumentos de ação. Assim, em atendimento a uma me-
lhor aproximação que identi�casse e captasse a dinâmica dos meios
produtivos e do uso da terra, a variabilidade nas relações de trabalho e
ocupação, o grau de especialização e tecni�cação de mão de obra, e o
crescente interesse quanto aos re�exos sobre o patrimônio ambiental, e
todas as alterações ocorridas desde a última pesquisa, realizada em
1996, foi aplicado um redimensionamento no modelo de captação do da-
do, no tocante ao aspecto conceitual, tendo por base as premissas suge-
ridas no Programa del Censo Agropecuario Mundial 2010, elaborado pe-
la Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação
(Food and Agriculture Organization of the United Nations – FAO) em
2007; as categorizações da Classi� cação Nacional de Atividades
Econômicas – CNAE 2.0, elaborada pelo IBGE, em 2007, conforme a
Clasi�cación Industrial Internacional Uniforme de todas las
Actividades Económicas – CIIU; e as orientações dos membros da
Comissão Consultiva do Censo Agropecuário 2006. [...].

Por conta de atender à demanda do Ministério do Desenvolvimento


Agrário, o Censo Agropecuário 2006 adotou o conceito de “agricultura
familiar“, conforme a Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, que estabele-
ce as diretrizes para a formulação O conceito agricultura familiar não é
inédito no arcabouço legal brasileiro. Conceitos muito próximos já vi-
nham sendo utilizados no Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar – Pronaf1, ou nos segurados especiais em regime
de economia familiar da Previdência Social2. O conceito também não é
novidade na academia e foi utilizado em inúmeros trabalhos, tal como
os da pesquisa da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e
Alimentação

(Food and Agriculture Organization of the United Nations – FAO)/


Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – Incra.
Entretanto, apesar de estes conceitos terem uma forte sobreposição de
públicos, não são rigorosamente iguais, e suas delimitações dependem
de análises precisas (IBGE, 2009, p. 14-15).

Para entender melhor, vejamos a Tabela 3, a qual demonstra os tipos de utilização


das terras nos estabelecimentos, segundo a agricultura familiar.

Tabela 3 Utilização (por tipo de utilização) das terras nos estabelecimentos, se-
gundo a agricultura familiar: Brasil – 2006.

 Leitura complementar

Agora, acesse os links indicados a seguir para expandir seus conheci-


mentos sobre o agronegócio brasileiro. O primeiro levará ao site da
Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG), no qual é possível ter
acesso a dados, artigos e notícias sobre o agronegócio brasileiro. Já o se-
gundo contém o texto Agronegócio e Reforma Agrária, do professor dou-
tor Bernardo Mançano Fernandes.

Associação Brasileira do Agronegócio (ABAG) (https://abag.com.br/)

Agronegócio e Reforma Agrária (http://www2.fct.unesp.br/nera/publica-


coes/AgronegocioeReformaAgrariA_Bernardo.pdf)

Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem, respondendo à questão a se-


guir.

10. Considerações
Neste ciclo, foi possível analisarmos os modelos de produção no campo, os
con�itos agrários, a modernização do campo e da cidade no âmbito brasileiro.
Observamos, ainda, as perspectivas históricas do avanço do capitalismo e su-
as implicações no modo de produção e, sobretudo, nas transformações territo-
riais.

É necessário pensarmos o desenvolvimento das forças produtivas no campo


como um processo contraditório, que expropria os camponeses, mas também
os integra a uma nova lógica de produção e cria resistências, tornando o cam-
po um território de con�itos.

Por essa razão, precisamos entender os aspectos econômicos para além deles
mesmos, ou seja, os camponeses se reproduzem dentro e fora da lógica do
mercado, ora se submetendo à industrialização, ora avessos a ela.

No próximo ciclo, avançaremos neste estudo, aprofundando a re�exão sobre


os impactos ambientais provocados pela dinâmica de expansão territorial do
agronegócio e os modelos alternativos de desenvolvimento sustentável.
(https://md.claretiano.edu.br

/geobraagrmeiamb-gs0034-ago-2022-grad-ead-np/)

Ciclo 4 – Questão Ambiental no Brasil

Gustavo Henrique Cepolini Ferreira


Larissa Mies Bombardi

Objetivo
• Analisar os impactos ambientais do desenvolvimento do capitalismo no
campo e as perspectivas do desenvolvimento sustentável.

Conteúdos
• Impactos ambientais rurais.
• Exploração dos recursos naturais.
• Desenvolvimento sustentável.

Problematização
Quais os impactos ambientais provocados pela expansão do capitalismo no
campo? É possível o desenvolvimento sustentável no campo? Quais as carac-
terísticas da agroecologia? Como a agroecologia se contrapõe ao agronegó-
cio?

Orientação para o estudo


Assim como você já se habituou, ao realizar as leituras recomendadas,
atente-se sempre para os ciclos e tópicos correspondentes, para não fugir do
tema estudado. Também é importante que não deixe de responder ao Quiz,
pois ele é uma ótima oportunidade para que você possa testar seus conheci-
mentos. Bons estudos!
1. Introdução
Os impactos ambientais no Brasil são cada vez mais noticiados e tomam re-
percussões mundiais. Neste ciclo, você terá a oportunidade de re�etir e discu-
tir sobre esses problemas, relacionando a questão agrária e a dinâmica territo-
rial. Além disso, será apresentado aos modelos alternativos de desenvolvi-
mento rural, que alteram a forma de manejo e aproveitamento dos recursos
naturais.

Este é um tema signi�cativo na Educação Básica, pois aponta para uma pers-
pectiva direta de pensar a relação sociedade e natureza.

2. Impactos ambientais rurais


O processo de desenvolvimento do capitalismo no campo a partir da segunda
metade do século 20 levou a um crescente uso de fertilizantes e agrotóxicos
que acarretou efeitos perversos à natureza, por meio da contaminação do solo,
da água e dos alimentos.

Esse modelo agrícola, projetado em escala nacional com a expansão das fron-
teiras agrícolas, carregou consigo a supressão de importantes formações ve-
getais, a destruição da biodiversidade genética e a erosão dos solos.

E, também, não é possível desconectar os problemas ambientais dos proble-


mas sociais. Nesse sentido, faça a leitura do texto Natureza, ambiente e con�i-
to (p. 202-214), de Larissa Mies Bombardi, presente no livro A necessidade da
Geogra�a, organizado por Carlos e Cruz (2019). Nele, a autora provoca essa dis-
cussão, mostrando os impactos ambientais e sociais do capitalismo no campo.

Para saber mais sobre o assunto, assista ao vídeo a seguir, uma reportagem
que mostra os problemas ambientais provocados pelo desmatamento, e tam-
bém como isso impacta a vida das tribos indígenas.
Além disso, conheça o site Banco de Dados de Queimadas do Inpe
(https://queimadas.dgi.inpe.br/queimadas/bdqueimadas/), que apresenta uma
série de mapas e dados sobre as queimadas no Brasil. Por meio dos �ltros, vo-
cê poderá realizar uma pesquisa mais especí�ca também.

3. Exploração dos recursos naturais


Para aprofundar o debate sobre os impactos ambientais e a exploração dos re-
cursos naturais, vamos incorporar mais uma questão ao nosso estudo: a im-
plantação de hidrelétricas na Amazônia.

 Saiba mais sobre a implantação de hidrelétricas na Amazônia!

Para conhecer o assunto, leia o artigo Re�exões sobre hidrelétricas na


Amazônia: água, energia e desenvolvimento (https://www.scielo.br
/j/bgoeldi/a/Ssm8XHNKh4Ytcn8fx5bPMnH/?lang=pt), de uma das gran-
des estudiosas da questão amazônica, a geógrafa Bertha Becker (2012).

E, para conhecer melhor os impactos das hidrelétricas na Amazônia, assista


ao vídeo a seguir. Ele aborda a polêmica usina de Belo Monte. Para alguns, um
projeto exagerado, que destrói a �oresta e põe em risco os povos indígenas; pa-
ra outros, uma obra essencial, que vai garantir a energia que o país terá de pro-
duzir nos próximos anos.
4. Desenvolvimento sustentável
O desenvolvimento do capitalismo no campo, como vimos, tem provocado
uma série de impactos ambientais e sociais. A expansão das fronteiras agríco-
las, historicamente, foi marcada por desmatamento, con�itos agrários, conta-
minação de mananciais e uso intenso de produtos químicos.

No entanto, nas últimas décadas, têm surgido importantes experiências de


produção agrícola, via agroecologia, permacultura, agricultura orgânica, entre
outras formas que, diferentemente da agricultura convencional, não usam de-
fensivos químicos.

Estudaremos agora, as principais correntes teóricas referentes ao


Desenvolvimento Rural Sustentável – DRS. Entenderemos os interesses ideo-
lógicos e políticos presentes nos conceitos de agriculturas camponesa e fami-
liar.

Para adentrar os estudos do DRS, faz-se necessário compreender a agricultura


camponesa como produtora de alimentos, de vida, em que a sustentabilidade
econômica, social e ambiental não estão dissociadas dos afazeres cotidianos
dos camponeses.

Portanto, eles enxergam sua vida no campo como uma totalidade; mesmo
quando estão subordinados ao mercado, demonstram um compromisso com a
terra de trabalho, e não apenas com o negócio.

Nesse contexto, podemos a�rmar que as relações sociais são enfatizadas, uma
vez que a escolha de como e para quem produzir só faz sentido se houver mer-
cado.
Já o mercado, por sua vez, não quer comprar qualquer coisa, especialmente se
pensamos nos gêneros alimentícios. Daí a proposição de pensarmos a quali-
dade dos alimentos, assim como os mecanismos que culminaram na sua pro-
dução.

Desse modo, a agroecologia, assim como as demais concepções alternativas à


agricultura convencional, serão tratadas partindo dos inúmeros exemplos da
literatura enfocando a interdisciplinaridade propiciada pelo tema.

Apresentaremos, também, uma breve discussão sobre o turismo rural, enten-


dendo suas variações, especialmente como relação às atividades não agríco-
las no campo, ressaltando a pluriatividade conforme propõem alguns estudio-
sos e o próprio Ministério do Turismo e de Desenvolvimento Agrário.

5. Agricultura camponesa e familiar


O debate da questão agrária no bojo dos séculos 20 e 21 trouxe inúmeros ele-
mentos que têm como referência as formas de resistências dos trabalhadores
na luta pela terra e a implantação de assentamentos rurais adiante da elevada
concentração fundiária.

Segundo Fernandes (2001), desde a década de 1970, o campo brasileiro passa


por transformações profundas, as quais representam as ideologias presente
no Estado.

O autor ainda a�rma que, no começo da derrocada da ditadura militar, os sem-


terra recolocaram a reforma agrária na pauta política.

Martins (1984) também tece uma discussão importante sobre a militarização


da questão agrária, especialmente nos con�itos referente à Amazônia.

Note que é como se criassem cercas na luta e organização dos trabalhadores,


uma vez que a judiciarização está na luta pela terra, representada pela crimi-
nalização das ocupações e na contínua impunidade dos mandantes e assassi-
nos dos camponeses. Um exemplo nítido desse processo são os Cadernos con-
�itos no campo, organizado pela Comissão Pastoral da Terra – CPT (2007).
A política de assentamentos rurais, assim como uma política de reforma agrá-
ria, também precisou ser entendida como uma falácia, pois a maioria dos as-
sentamentos são frutos da luta pela terra, destacando as ocupações como a
principal forma de acesso à terra.

Os primeiros governos da República Nova apenas fortaleceram o modelo de


desenvolvimento econômico para a agropecuária, pautada nos interesses da
agricultura capitalista. É um discurso que, na prática, implementa uma refor-
ma agrária apenas como política social (FERNANDES, 2001).

O governo de FHC implantou o tido “novo mundo rural”, cuja importância para
o desenvolvimento do campo estava nos pequenos agricultores; são políticas
para tratar a questão agrária na ótica do capital e do mercado, destruindo as
formas históricas de luta dos trabalhadores (FERNANDES, 2001).

Tal enredo levou a criação da reforma agrária pelo correio na tentativa de des-
mobilizar os movimentos sociais. Outra discussão pertinente se refere à políti-
ca de crédito:

[...] os trabalhadores viram o Programa Especial de Crédito para a Reforma Agrária


– Procera – ser substituído pelo Programa Nacional de Fortalecimento da
Agricultura Familiar – Pronaf. Essa mudança não representa somente uma perda
econômica para os trabalhadores, mas também uma derrota política na implanta-
ção de um projeto de resistência da luta pela terra (FERNANDES, 2001, p. 22).

Iniciamos, aqui, uma diferenciação de suma importância para o desenvolvi-


mento teórico da questão agrária, ou seja, o paradigma denominado “agricul-
tura familiar”.

Essa linha, de comum acordo a agricultura familiar, é articulada como o gran-


de motor do desenvolvimento do capitalismo na agricultura.

Nesse sentido, o governo FHC, por meio de seus projetos e ações, utilizou o
conceito de agricultura familiar – agricultor familiar – com um signi�cado
imbuído de projeções modernas, ou seja, apostaram que o camponês está so-
frendo uma metamorfose para alcançar o moderno, portanto, a�rmam que es-
tão fortemente inseridos nas relações de mercado e não exclusivamente de-
pendentes da agricultura (FELICIANO, 2006).

A diferenciação feita por Ricardo Abramovay, na sua tese denominada De


camponeses a agricultores: paradigmas do capitalismo agrário em questão,
publicada posteriormente como Paradigmas do capitalismo agrário em ques-
tão (1992), representa um grande engodo dos estudos em torno da agricultura
familiar, noção essa que tem ganhado status em detrimento do conceito de
camponês.

Nesse paradigma defende-se que o produtor familiar que utiliza os recursos técni-
cos e está altamente integrado ao mercado não é um camponês, mas sim um agri-
cultor familiar. Desse modo, pode-se a�rmar que a agricultura camponesa é famili-
ar, mas nem toda a agricultura familiar é camponesa, ou que todo camponês é agri-
cultor familiar, mas nem todo agricultor familiar é camponês. Criou-se, assim, um
termo supér�uo, mas de reconhecida força teórico-política (FERNANDES, 2001, p.
29-30, grifo do autor).

O eufemismo propiciado pelo conceito serve para subordinar e, consequente-


mente, maquiar uma realidade que não é tão bela como exposto pelos ideólo-
gos da agricultura familiar, os quais os entendem como pequenos empresários
do setor agrícola, portanto, inseridos no mercado.

A visão empresarial, que os teóricos da agricultura familiar acreditam que os “agri-


cultores familiares” têm é avessa à lógica moral camponesa. Muito embora parte
do campesinato esteja altamente “tecni�cado”, como é o caso dos camponeses do
Bairro Reforma Agrária, e com acesso aos mais variados objetos de consumo urba-
no, a lógica que lhes preside a vida não é a lógica da sociedade de mercado
(BOMBARDI, 2003, p. 113).

Note que a discussão de Bombardi (2003) é reveladora, uma vez que se trata de
um equívoco apontar esses camponeses como pequenos empresários; a lógica
do mercado é a lógica do lucro, do negócio, da mais-valia contrária à ordem
moral camponesa, que sabe que o negócio implica a perda de uma das partes,
conforme o estudo de Kass Woortmann (1990), intitulado Com parente não se
neguceia.
A questão vai além de de�nições concretas, pois o sistema a que estão subme-
tidos tanto o camponês como o agricultor familiar sugere a compreensão da
luta por um espaço político contra o capital, que mais destrói do que permite
condições saudáveis e igualitárias para a vida no campo.

O mercado capitalista contribui para que transformações aconteçam, e o cam-


ponês, na sua forma de viver e se sustentar por meio da terra, vira-se diante de
um processo que o consideram um entrave ao desenvolvimento, mas que tam-
bém possui uma característica conservadora que o faz lutar pela sua perma-
nência no modo de vida.

Por essa razão, para o camponês, a terra tem um sentido de reprodução do es-
paço e da vida familiar com autonomia, autogestão e liberdade.

Partindo dessas discussões sobre o camponês e o agricultor familiar, podemos


entender o Desenvolvimento Rural Sustentável como uma etapa da reprodu-
ção do capital e da própria vida no campo.

Desse modo, surgem novas formas de organizar a produção e as demais práti-


cas relacionadas ao campo, tais como a agroecologia, a permacultura, a agri-
cultura orgânica, a agricultura biodinâmica, o turismo rural, que, juntos, per-
mitem a visualização de um conceito amplamente discutido, o
Desenvolvimento Rural Sustentável, se baseando nos primórdios da agricultu-
ra camponesa, na policultura, na ordem moral camponesa e, sobretudo, de po-
líticas públicas. Por essa razão, se faz necessária uma discussão mais ampla.

6. Desenvolvimento rural sustentável


A expressão o “desenvolvimento sustentável” obteve sua a�rmação mundial e
institucionalização após “[...] a publicação do Relatório Brundtland, a segunda
Conferência Mundial para a Discussão sobre Desenvolvimento e Meio
Ambiente, realizada em 1992 na cidade do Rio de Janeiro” (CANDIOTTO;
CARRIJO; OLIVEIRA, 2008, p. 215).

Assim, a de�nição de sustentabilidade amplia-se nas discussões atuais.


[...] o rótulo de sustentável passa ser utilizado para os mais diversos setores da eco-
nomia, numa referência à necessidade de práticas vinculadas às premissas do de-
senvolvimento sustentável, e até mesmo ao marketing de empresas que a�rmam
ser sustentáveis, ao incorporarem alguma preocupação ambiental em seu processo
produtivo (CANDIOTTO; CARRIJO; OLIVEIRA, 2008, p. 215, grifo do autor).

Dessa forma, a busca pela agricultura sustentável, com baixo uso de insumos
externos, diversi�cados e e�cientes em termos energéticos, representa uma
preocupação dos agricultores, ecologistas e críticos em todo o mundo.

A proposta para tal sustentabilidade apresenta alguns objetivos norteadores:

[...] promover a melhoria signi�cativa das condições de vida da população através


de sua melhor inserção na esfera econômica a partir das potencialidades de cada
localidade; ampliar os níveis de quali�cação da população de maneira que seu po-
tencial criativo e produtivo seja melhor aproveitado, fortalecer a cidadania e
articular-se com as instituições que atuam na região e promover o desenvolvimen-
to ambientalmente sustentável, estimulando iniciativas que conservem, preservem
e recuperem o meio ambiente rural (MDA, 2010).

O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e a Secretaria da Agricultura


Familiar fundamentam as estratégias, os instrumentos e as políticas públicas
que norteiam eixos de ações para o fortalecimento da agricultura familiar. Em
destaque, combater a pobreza rural, garantir segurança e soberania alimentar,
buscar pela sustentabilidade dos sistemas de produção e agregar valor aos
produtos advindos da prática familiar são atos que fazem parte do programa
do Governo Federal.

A expressão “sustentabilidade rural” tem sido atrelada a conceitos controver-


sos:
[...] apesar disso, é útil, pois reconhece que a agricultura é afetada pela evolução dos
sistemas socioeconômicos e naturais, isto é, o desenvolvimento agrícola resulta de
muitos fatores. A produção agrícola deixou de ser uma questão puramente técnica,
passando a ser vista como um processo condicionado por dimensões sociais, cul-
turais, políticas e econômicas (CONWAY; BARBIER, 1990 apud ALTIERI, 2004, p. 20).

Nessa jornada pela sustentabilidade, os desa�os são grandes e com poucas


ações públicas de apoio, sendo as comunidades rurais e os demais agentes os
que lutam em contrapartida à escassez de recursos primários, como a educa-
ção, a saúde, os créditos rurais, a tecnologia e a assistência técnica especiali-
zada às condições locais (BORGES, 2000).

Nessa perspectiva, para vencer as di�culdades, não bastam criar propostas ou


políticas para os camponeses, visto que:

[...] a educação parece ser um dos problemas mais urgentes, pois através dela se re-
cupera a integridade das pessoas enquanto cidadãos. A noção de direito de cidada-
nia é tão importante para discutir as temáticas do desenvolvimento sustentável,
como para reivindicar recursos �nanceiros e apoio do Estado. Outro problema pre-
sente em muitas comunidades agrícolas é a degradação ambiental, fruto de um
modelo de desenvolvimento baseado na substituição dos recursos naturais por re-
cursos industrializados. Para vencer estas di�culdades, os atores envolvidos nestes
trabalhos precisam ser criativos e aproveitar os recursos disponíveis localmente,
sejam ambientais, culturais, artesanais, industriais, econômicos e sociais (BORGES,
2000, p. 36).

A proposta de ação para o desenvolvimento local e regional é uma alternativa


para que a sustentabilidade se consolide, preserve a autonomia das bases lo-
cais, aumente o envolvimento dos agricultores familiares, mantenha a salvo
do domínio do grande capital e possibilite uma aproximação entre produtores,
comerciantes e consumidores locais, buscando por uma economia solidária e
justa (ASSIS, 2002).

Altieri (1987 apud ALTIERI, 2004, p. 65) defende que, para uma agricultura sus-
tentável com produção diversi�cada e de boa qualidade, os sistemas alternati-
vos devem ser empregados de acordo com a localidade agroecológica, buscan-
do solucionar as diversas necessidades dos agricultores, como “[...] a diversi-
dade agrícola no tempo e no espaço, através de rotações de culturas, cultivos
de cobertura, consorciações, sistemas de cultivo-criação etc.”.

A diversi�cação pode também acontecer externamente à propriedade. Por exem-


plo, as divisas dos campos podem ser plantadas com quebra-ventos e cercas vivas,
que melhoram o habitat para a vida silvestre e insetos bené�cos, além de fornecer
madeira, matéria orgânica, recursos de polinização para abelhas, modi�cando a ve-
locidade do vento e o microclima (ALTIERI; LETOURNEAU, 1982 apud ALTIERI
2004, p. 67).

Há estudiosos que acreditam em um novo processo ligado ao tradicional como


um dos caminhos:

[...] se a agricultura deve tornar-se sustentável, signi�ca que o processo de produção


agrícola convencional que vem sendo desenvolvido à base de poluentes químicos
deve ceder espaço a um sistema de cultivo agrícola que possibilite produção satis-
fatória sem pôr risco todo o ecossistema, ou seja, um sistema agroecológico, com
base na agricultura tradicional (CANDIOTTO; CARRIJO; OLIVEIRA, 2008, p. 219).

Como você pode notar, várias das de�nições de sustentabilidade rural se ba-
seiam na manutenção da produção e do lucro para aos agricultores, mas, ao
mesmo tempo, buscam reduzir os impactos ambientais.

No entanto, as referidas de�nições ainda precisam contabilizar a produção da


base de recursos naturais utilizada em seus diversos segmentos, bem como:

[...] a noção de sustentabilidade agrícola tem sido de uso limitado para formadores
de políticas e pesquisadores, na tentativa de determinar os efeitos das várias políti-
cas e tecnologias. Em outras palavras, os recursos necessários para o futuro não
devem ser esgotados para satisfazer o consumo de hoje. Os livros de�nem renda
como a quantidade máxima que pode ser consumida no presente no ano, sem re-
duzir o potencial de consumo nos anos futuros (isto é, sem reduzir os bens de capi-
tal) (ALTIERI, 2004 p. 81-82).
O preço que a geração atual e as posteriores pagarão ou pelo qual já estão sen-
do cobradas, é decorrente do crescente processo da prática do consumo dos
recursos não renováveis e da escassez de políticas concretas para reduzir os
danos ambientais contra a terra, o que tem se mostrado como uma perspecti-
va visível e preocupante da atualidade.

Sobre esse contexto, Altieri (2004, p. 101) sugere que:

A produção agrícola deveria sujeitar-se ao princípio do “pagamento pelo poluidor”.


Os danos externos da agricultura poderiam ser reduzidos se os agricultores tives-
sem de pagar para limpar suas próprias ações poluentes. Um primeiro passo seria a
taxação ou abolição dos agrotóxicos mais perigosos e o corte de subsídios para sua
utilização.

Ainda no que se refere à inviabilidade para a agricultura convencional, aos


gastos públicos com os efeitos nocivos graças ao uso dos agrotóxicos, a quali-
dade nutricional dos produtos oriundos de tal prática e a cidadania para todos
permitem observar que as mudanças no processo de produção vão além da
sustentabilidade, ou seja, é fundamental incorporar outras dimensões, como a
social, a econômica, a cultural, a política e a ética.

Vejamos como acontece a ocorrência desses efeitos sobre o agricultor:

A tecnologia agrícola convencional, no mundo inteiro, leva os médios e pequenos


agricultores à falência. Sem subsídios, a agricultura não sobrevive, graças à tecno-
logia atual. Ë uma agricultura não sustentável: os governos se endividam, os agri-
cultores vão falindo, os solos se estragam, tornando-se improdutivos, e os consumi-
dores sofrem graças a uma alimentação pouco nutritiva, biologicamente de�ciente.
[...] O que torna a agricultura atual inviável são os preços dos insumos. Nos últimos
seis anos, desde, 1986, a agricultura brasileira trabalha no vermelho. Ë o resultado
da tecnologia altamente químico-mecanizada implantada pela “Revolução Verde”.
Desde então parece que o destino dos pequenos agricultores são as favelas das
grandes cidades. Porém existe uma chance para os pequenos agricultores e esta é
de mudar o enfoque a tecnologia (PRIMAVESI, 1992 apud PICINATTO, 2008, p. 169).

Mesmo que escassos, surgem, no cenário atual, bons exemplos para mostrar
como se faz para estimular a sustentabilidade e o desenvolvimento dos peque-
nos e médios agricultores.

Caporal (2009) cita o Rio Grande do Sul, onde demonstra que, sem a  participa-
ção do Estado, não ocorre o chamado “desenvolvimento sustentável”.

Em outras palavras, o “mercado”, o grupo de transnacionais e a iniciativa pri-


vada não podem estar à frente como no passado, no qual o lucro permaneceu
em poder de poucos, o interesse e os resultados foram particulares, sustentan-
do um grande equívoco e um alto preço para toda sociedade, enquanto o que
se precisa buscar são as estratégias que priorizem a sustentabilidade dura-
doura, com alimentos saudáveis, e que possibilitem às famílias uma vida eco-
nomicamente sustentável.

[...] aqui se adotou uma abordagem centrada no fortalecimento de nossas experiên-


cias históricas, tendências culturais e diversidades regionais, através da qual o
Estado intervém, de forma democrática e participativa, em resposta às demandas
concretas da população, para estimular aqueles que constituem a maioria, isto é, os
agricultores de tipo familiar e as pequenas e médias agroindústrias (CAPORAL,
2009, p. 348).

Portanto, a ponte de transição para uma agricultura agroecológica constrói-se


ao longo do tempo, com a luta contra o modelo agroquímico de produção vi-
gente e com o estimulo às novas formas de agricultura, baseada na proteção
do meio ambiente e da saúde e com esforço do Estado em empregar estratégi-
as duradouras.

7. Agroecologia: bases cientí�cas


A agroecologia busca, na sua essência, meios para um Desenvolvimento Rural
Sustentável que priorize a soberania alimentar, a preservação dos recursos na-
turais e a superação da pobreza.

No entanto, existe uma diversidade de correntes que podem ser agrupadas sob
esta de�nição, o que nos leva a conhecer um pouco da sua história.
Observe que tanto as experiências práticas quanto as re�exões teóricas sobre
agroecologia apresentaram, no Brasil, uma relevante presença a partir do �nal
da década de 1980 e princípios dos anos 1990, sendo grande parte em decor-
rência dos trabalhos das ONGs e cientistas ligados historicamente ao movi-
mento de agricultura alternativa.

Por reconhecer o estado atual de crise socioambiental da agricultura, tais re-


�exões apontaram para o processo de amplas mudanças que o atual modelo
de sobrevivência da agricultura se faz necessário.

A monocultura de exportação, o uso contínuo de insumos e a exaustiva explo-


ração das fontes não renováveis dão sinais de que outros modelos apropriá-
veis, como o uso de métodos e tecnologias ecologicamente corretos adequados
ao pequeno produtor familiar e com menor dependência econômica, juntos
podem buscar por níveis de sustentabilidade ecológica, social e econômica na
nossa sociedade (MOREIRA, 2003).

Caporal e Costabeber (2002) defendem que:

Agroecologia nos faz lembrar uma agricultura menos agressiva ao meio ambiente,
que promove a inclusão social e proporciona melhores condições econômicas para
os agricultores de nosso estado. Não apenas isso, mas também temos vinculado a
Agroecologia à oferta de produtos “limpos”, ecológicos, isentos de resíduos quími-
cos, em oposição àqueles característicos da Revolução Verde. Portanto, a
Agroecologia nos traz a idéia e a expectativa de uma nova agricultura, capaz de fa-
zer bem aos homens e ao meio ambiente como um todo, afastando-nos da orienta-
ção dominante de uma agricultura intensiva em capital, energia e recursos natu-
rais não renováveis, agressiva ao meio ambiente, excludente do ponto de vista soci-
al e causadora de dependência econômica (2002, p. 13).

Não são raras as vezes em que agroecologia tem se confundido com um mo-
delo de agricultura, com um produto ecológico, com uma prática ou tecnologia
agrícola e, até mesmo, com uma política pública.

De�ne-se, também, a agroecologia com um enfoque transdisciplinar, o qual vi-


sualiza a relação homem-terra desde uma perspectiva ecológica; uma disci-
plina que utiliza diversas fontes com intuito de estudar o vínculo entre solo,
planta, animal e ser humano.

Entretanto, apresenta suas diferenças em relação aos termos “agricultura eco-


lógica” e “tradicional”, visto a ampla dinâmica que as explorações agrárias im-
plicam sobre o papel do homem como peça chave na manutenção dos siste-
mas agrários (GUTERRES, 2006).

Ao relacionar prática e teoria, a agroecologia, em seu enfoque cientí�co, repre-


senta uma ciência ou um conjunto de conhecimentos, os quais sugerem uma
compreensão crítica da agricultura tradicional com o intuito de avaliar as ra-
zões da insustentabilidade da agricultura da Revolução Verde, como também
uma correta rede�nição e o adequado manejo de agroecossistemas na pers-
pectiva da sustentabilidade (CAPORAL; COSTABEBER, 2002).

Atualmente, a agroecologia tem se destacado com uma das opções para uma
agricultura sustentável, uma vez que, além de produzir produtos menos agres-
sivos à saúde, é, também, uma forma de promover qualidade de vida e subsis-
tência do pequeno agricultor e sua família, sem, no entanto, perder sua atua-
ção no mercado competitivo, com produtos agroecológicos e economicamente
solidários (CANDIOTTO; CARRIJO; OLIVEIRA, 2008).

Entendemos, portanto, que uma condição essencial para uma agricultura sus-
tentável é um ser humano consciente, cuja atitude em relação à natureza seja
de coexistência e não de exploração.

Na perspectiva de desenvolvimento sustentável e solidário para com as diver-


sas classes da sociedade moderna, conhecer a origem e as ideologias dos mé-
todos alternativos de produção agrícola possibilita-nos avaliar e apoiar méto-
dos que realmente buscam valorizar a sustentabilidade agrícola, como a pro-
dução de alimentos que primem pela saúde e pelo equilíbrio dos ecossistemas,
bem como por um desenvolvimento agrário igualitário.

Nesse contexto, cabe discutir as mais importantes correntes que fundamen-


tam a prática alternativa para o campo. Vejamos.

Agricultura orgânica
Segundo Bonilla (1992), por volta da década de 1930, o botânico inglês Albert
Howard, que trabalhava na Índia, deu início a uma pesquisa junto aos campo-
neses hindus que não usavam pesticidas nem fertilizantes, mas devolviam à
terra resíduos acumulados de vegetais e animais.

Ele observou que as plantas cultivadas eram viçosas, produtivas e isentas de


pragas, assim como os animais usados na tração livres de diversas anomali-
as.

O princípio do sistema partia, basicamente, de que o fator primordial para a


eliminação das doenças nos animais e nas plantas era a fertilidade do solo,
sendo assim criada a prática da agricultura orgânica.

Essa ideia surgiu com base na agricultura tradicional antes da Revolução


Verde, iniciada por volta dos anos 1950, momento em que o uso de insumos e
técnicas agrícolas quase não existia, uma vez que ainda não havia ocorrido
seu surgimento.

Somente após um longo período, quando o homem percebeu que a devastação


e impactos socioambientais advindos da Revolução Verde afetavam o equilí-
brio dos ecossistemas e que havia necessidade de novas práticas agrícolas, foi
que a agricultura orgânica retornou ao debate acadêmico. Atualmente, a sua
prática pode e vem sendo utilizada desde o camponês até o grande produtor
ou empresa (CANDIOTTO; CARRIJO; OLIVEIRA, 2008).

A agricultura orgânica, na sua essência, prima pelo abandono de métodos ar-


ti�ciais de produção e adesão aos naturais e tecnologias que viabilizem o
equilíbrio dos ecossistemas.

Além destes, fundamenta-se nos objetivos de cultivar produtos saudáveis,


bem como melhorar a qualidade de vida dos agricultores, promover a redução
da dependência do capital de transnacionais, estimular o comércio justo e o
desenvolvimento das comunidades locais.

Ainda na concepção dessa alternativa agrícola, surge o termo “agroecologia”,


que incorpora seus objetivos, ao mesmo tempo em que questiona o acúmulo
de riquezas e exploração da força do trabalhador rural, a saúde da família ru-
ral, a policultura e o extrativismo. Desse modo, acredita-se que ela é uma das
formas da agricultura orgânica, mas quem nem toda orgânica se constitui em
agroecologia (CANDIOTTO; CARRIJO; OLIVEIRA, 2008).

No Brasil, os princípios da agricultura orgânica espanharamse pelo país a par-


tir da década de 1970, com o uso intensivo de químicos e do pacote tecnológico
moderno oriundo da Revolução Verde.

De acordo com as ideias de Conejero (et al., 2009), foi somente após os episódi-
os do “mal da vaca louca” e de contaminações por defensivos agrícolas que o
mercados dos orgânicos conseguiu se �rmar de forma sólida, dando lucro aos
produtores.

No Quadro 1 e na Tabela 1, podemos analisar a produção orgânica do Brasil no


período compreendido entre 1998 a 2000 e a proporção de estabelecimentos
produtores do orgânicos.

Nesse contexto, podemos re�etir sobre a ampliação das áreas de cultivos des-
ses produtos. “Em 2001, o Brasil detinha 270.000 hectares de área de produção
orgânica. Em 2003, o Brasil já contava com uma área aproximada de 841.000
hectares” (CONEJERO et al., 2009, p. 95).

Quadro 1 Produção orgânica no Brasil no período 1998/2000.


Fonte: (BANCO DO BRASIL, s./d.; PLANETA ORGÂNICO, 2006 apud CONEJERO et al., 2009, p. 95).

Tabela 1 Proporção de estabelecimentos produtores de orgânicos no total dos


estabelecimentos, segundo os grupos da atividade econômica Brasil – 2006.

Fonte: (IBGE, 2010).

Agricultura biodinâmica
Em paralelo ao surgimento da agricultura orgânica, eis que um �lósofo con-
ceituado, Rudolf Steiner, criador do movimento conhecido como
“Antroposo�a”, após ser consultado por um grupo de agricultores com proble-
mas nos animais e nas plantações, demonstrou na Polônia, em 1924, que o
cultivo da terra devia se ater a uma visão relacionada à grande in�uência dos
astros sobre as plantas e os animais. Surgia, portanto, a agricultura biodinâ-
mica.

Ele salientou, também, que, os camponeses, desde muito tempo, baseados em


milhares de observações sobre a in�uência da lua na época da plantação, já
consideravam a in�uência dos astros nos tratos culturais e na colheita, embo-
ra a ciência o�cial não a reconheça (BONILLA, 1992).

Isto signi�ca que a agricultura biodinâmica é fundamentada em uma relação


de interdependência entre os seres vivos e o cosmos, na qual as fases da lua e
outros fenômenos astronômicos são considerados nas técnicas e nos métodos
de cultivo (CANDIOTTO; CARRIJO; OLIVEIRA, 2008).

Outra corrente da agricultura ecológica identi�cada pelo francês Claude


Aubert, em 1974, que parte do princípio de que plantas e animais necessitam
existir em condições saudáveis, sendo cuidados como seres vivos, e não como
máquinas de rotação de cultivos, é a agricultura biológica.

Ela surgiu em resposta à “agricultura industrial”, a quem Aubert declara que


sua produção deteriora a saúde e escraviza a maioria dos agricultores, assim
como utiliza métodos que não respeitam as leis biológicas e os princípios da
conservação da biodiversidade (BONILLA, 1992).

Note que ele não considera essencial a associação da agricultura com a pe-
cuária e recomenda o uso de matéria orgânica advinda de outras fontes exter-
nas da propriedade, contrária aos biodinâmicos.

Em suma, a maior importância é a integração entre as propriedades e o con-


junto de atividades socioeconômicas regionais (CERVEIRA, 2002).

Agricultura natural
Surgida no Japão em 1935, com base nas ideias de Mokiti Okada, a agricultura
natural tem como princípio o respeito pelas leis naturais, com incentivo à ro-
tação de culturas, uso de adubos verdes, emprego de compostos e uso de co-
bertura morta sobre o solo.

Nesse tipo de agricultura, não são aceitas a remoção do solo nem a utilização
de dejetos de animais como fertilizantes, sendo a fertilização realizada por
meio do auxílio de microorganismos e compostos orgânicos de origem vegetal
(CANDIOTTO; CARRIJO; OLIVEIRA, 2008).

Por essa razão, na prática, o esterco animal é totalmente rejeitado, e esses pro-
dutos que são comercializados possuem fórmula e patentes detidas pelo fabri-
cante (CERVEIRA, 2002).

Permacultura
Segundo Mars (2008), no �nal dos anos 1970, surgiu o conceito de permacultu-
ra, que busca integrar todos os componentes do ecossistema e gerar paisagens
produtivas por meio de uma abordagem holística que possibilita um modo de
viver sustentavelmente e com praticidade.

Ela também é de�nida como:

[...] uma moldura que une muitas disciplinas, integrando assuntos sobre aqüicultu-
ra, horticultura, tecnologia solar, investimentos éticos, solos e muitos outros, onde
cada um contribui como uma parte do todo. [...] é uma integração harmônica de de-
sign com ecologia (MARS, 2008, p. 1-2).

Tal prática, que incorpora todos os aspectos dos seres humanos e de seus an-
seios, sugere que, para um design bem sucedido, os permacultores necessitam
atentar-se para cuidados éticos com a pessoa, o ambiente, os limites e redistri-
buição de excedentes, bem como buscar pela sustentabilidade de longo prazo,
o que os possibilita criar um sistema autogestionário (MARS, 2008).

A permacultura teve seu início defendido por agricultores e ecologistas na


Austrália, com os princípios básicos de não arar, não revolver o solo; não utili-
zar fertilizantes químicos ou compostos químicos, para que as plantas e os
microrganismos trabalhem livremente sobre o solo; não gradear nem usar
herbicidas, mas controlar as invasoras com métodos naturais ou cortes; não
usar agrotóxicos, devendo auxiliar os controles naturais de pragas (BORGES,
2000).

Agro�orestas
Cabe ainda citar o termo agro�orestas, que se baseia na sucessão ecológica e
no desenvolvimento de estágios sucessivos na recuperação de áreas �orestais
devastadas, sendo que, em cada fase, se prioriza a utilização de espécies nati-
vas.

Dentre as atividades de recuperação, temos:

• o manejo �orestal, a agrossilvicultura: manejo de árvores com a cultura;


• os sistemas agropastoris: combinar a produção de �orestas e animais;
• os sistemas agrossilvopastoris: produção agrícola, �orestas e animais.

O sistema agro�orestal proporciona a produção das camadas características


do solo, a presença de grande quantidade de húmus e elementos microbióti-
cos, o que propicia um solo saudável e otimiza os efeitos bené�cos das intera-
ções que ocorrem entre as árvores, os cultivos agrícolas e animais, ou seja,
maior diversidade de produtos e desenvolvimento equilibrado, integrado e du-
radouro para as comunidades que utilizam e moram na terra (CANDIOTTO;
CARRIJO; OLIVEIR, 2008).

Tecnologia socialmente apropriada


Movimento que teve seu início com o alemão Ernest Friechich Schumacher
baseado no princípio de que os países desenvolvidos, com sua gama de tecno-
logias, desencadeiam um quadro de desigualdades e desequilíbrios nos países
desenvolvidos.

Em seu livro O negócio é ser pequeno, ele descreve que, para uma tecnologia
igualitária e bené�ca a um grande número de pessoas, é necessário:

[...] considerar as necessidades básicas de um grande número de pessoas; ser gera-


da conforme as necessidades e interesses locais; não destruir ou perturbar o equilí-
brio ambiental; ser e�ciente economicamente; respeitar a escala, que deverá ser
compatível com a sua �nalidade (BORGES, 2000, p. 39).

Em outras palavras, a diversidade de alternativas as quais estamos sujeitas le-


varia a uma conclusão óbvia de que produzir com qualidade e quantidade sau-
dável para sustentar o crescimento populacional e o desenvolvimento econô-
mico não é impossível, ou seja, apresenta soluções ao longo da história.

No entanto, os entraves são maiores, visto a necessidade de políticas públicas


e�cientes, propostas concretas de incentivo e acesso igualitário à renomada
tecnologia agrícola disponível na atualidade, que permitam às famílias rurais
desenvolver e experimentar na prática o desenvolvimento sustentável, respei-
tando a natureza e sua diversidade.
Partindo desse conhecimento construído historicamente, podemos a�rmar
que a agricultura sustentável é um dever de todos no atual cenário.

Um exemplo muito signi�cativo foi proposto na década de 1990 pela FAO


(Food and Agriculture Organization) – Organização de Alimentos e
Agricultura da ONU, e o BIRD (Banco Mundial), apresentando programas e leis
que contribuíram para a divulgação e aceitação em grande parte do mundo
em produzir alimentos mais saudáveis.

No entanto, questões ambientais, questionamento do acúmulo de riquezas e


crescimento econômico sem fronteiras permaneceram sem limites claros, o
que não permitiu discussões mais precisas quanto aos problemas relaciona-
dos à agricultura, ao êxodo rural, à exclusão social, ao trabalho escravo agríco-
la e à falta da regularização fundiária (CANDIOTTO; CARRIJO; OLIVEIRA,
2008).

Por essas razões, defensores do Desenvolvimento Rural Sustentável acreditam


que seja fundamental analisar aqueles que ainda sobrevivem da produção, se-
ja agrícola ou animal, seja no extrativismo ou atividade �orestal, uma vez que,
nesse conjunto de conhecimentos e formas de organização social, de propos-
tas e ações junto a esses habitantes, possa levar adiante a presença em acor-
dos, antes à margem, como Nafta ou o Mercosul, em oposição ao esquema ne-
oliberal que preconiza a agroexportação, a monocultura e a dependência �-
nanceira internacional (ALTIERI; NICHOLLS, 2006).

A falta de sustentabilidade ambiental em um agroecossistema pode proceder


da destruição dos recursos renováveis, mas pode ser consequência da utiliza-
ção de tecnologias inadequadas ou da inexistência de tecnologias adequadas
(SIMÓN FERNÁNDEZ; DOMINGUEZ GARCIA, 2001).

Ainda nesse crescente processo de mudança e preocupações ambientais em


relação à agricultura convencional, houve uma intensi�cação nas discussões
quanto às perspectivas e aos objetivos que re�etem interesses de países de-
senvolvidos e em desenvolvimento em busca de sustentabilidade própria.

Cabe citar, nesse contexto, as principais diferenças entre a agricultura conven-


cional e a sustentável. Observe-as no Quadro 2.

Quadro 2 Principais diferenças entre agricultura sustentável e convencional.

AGRICULTURA AGRICULTURA
SUSTENTÁVEL CONVENCIONAL

1) Adapta-se às diversas 1) Desconsideram-se as


condições regionais, condições locais, im-
aproveitando os recur- pondo pacotes tecnoló-
sos locais. gicos.

2) Atua considerando o
agrossistema como um
todo, procurando ante-
2) Atua diretamente so-
ver as possíveis con-
bre os indivíduos produ-
seqüências da adoção
tivos, visando somente
Aspectos tecnológicos das técnicas. O manejo
ao aumento da produção
do solo visa sua movi-
e da produtividade.
mentação mínima, con-
servando a fauna e a �o-
ra.

3) O manejo do solo, com


3) As pratica adotadas intensa movimentação,
visam a estimular a ati- desconsidera sua ativi-
vidade biológica do solo. dade orgânica e biológi-
ca.

1)  Pouca diversi�cação.


1) Grande diversi�cação.
Predominância de mo-
Policultura e/ou rotação.
noculturas.
Aspectos ecológicos
2) Integra, sustenta e in-
2) Reduz e simpli�ca as
tensi�ca as interações
interações biológicas.
biológicas.
3) Agrossistemas forma-
dos por indivíduos de
3) Sistemas poucos está-
potencial produtivo alto
veis, com grandes possi-
ou médio e com relativa
bilidades de desequilí-
resistência ás variações
brios.
das condições ambien-
tais.

4) Formado por indiví-


duos com alto potencial
produtivo, que necessi-
tam de condições espe-
ciais para produzir e são
altamente suscetíveis às
variações ambientais.

1) Retorno econômico
1) Rápido retorno econô-
em médio e longo prazo,
mico, com objetivo soci-
com elevado objetivo so-
al de classe.
cial.

2) Relação homem/capi- 2) Maior relação capi-


tal baixa. tal/homem.

Aspectos socioeconômi- 3) Baixa e�ciência ener-


cos 3) Alta e�ciência energé- gética. A maior parte da
tica. Grande parte da energia gasta no proces-
energia introduzida é so produtivo é introduzi-
produzida e reciclada. da e, é, em grande parte,
dissipada.

4) Alimentos de alto va- 4) Alimentos de menor


lor biológico e sem resí- valor biológico com resí-
duos químicos. duos químicos.
Fonte: (CARMO 1998 apud HESPANHOL, 2008, p. 123).

Banco de sementes
Ao longo da história, agricultores e, especialmente, agricultoras, têm conser-
vado, selecionado e melhorado sementes, dando origem a uma grande diversi-
dade de cultivos e variedades utilizadas na produção agrícola, mantendo vari-
edades adaptadas a diferentes regiões por gerações.

No entanto, atualmente, grande parte dessa biodiversidade está degrada devi-


do às sementes terem se tornado mercadorias nas mãos das multinacionais,
gerando um grande negócio que produz muito lucro. Com a Revolução Verde,
os agricultores quase não conseguiram produzir sem os insumos agrícolas e a
maquinaria, o que levou a uma dependência das grandes empresas (NUÑEZ;
MAIA, 2010).

No momento atual, o que podemos ver é a segunda fase da revolução, na qual


o controle sobre a produção das sementes pertence às multinacionais. Esse
processo de perda do controle das sementes por parte dos agricultores come-
çou com o desenvolvimento das sementes híbridas e chegou ao topo com o
surgimento das sementes transgênicas, com suas políticas de royalties e a
perda de seu poder germinativo.

Segundo Garcindo (2009), preservar nossas sementes é garantir o alimento e


manter nossa cultura para gerações futuras. Além disso:

[...] o cultivo de sementes crioulas propicia a diversidade de sementes e assegura a


alimentação dos povos, sendo, portanto, um meio de sustento e também de sobera-
nia e preservação cultural nas comunidades rurais. Além de constituírem o susten-
to e a soberania alimentar das comunidades, essas sementes garantem também a
(Re) Existência histórica e cultural dos trabalhadores/camponeses da terra. Mas, se
não tiverem acesso a terra e/ou garantia de permanência nela, não serão possíveis
essas práticas e os trabalhadores/camponeses continuarão a mercê da exploração
capitalista (GARCINDO, 2009, p. 8).

A dependência dos agricultores durante o plantio na atual agricultura conven-


cional ocorre porque eles são obrigados a comprar as sementes híbridas da in-
dústria capitalista, as quais, em sua maioria, são modi�cadas e não podem ser
utilizadas para novo plantio.

Com a �nalidade de buscar a autossustentabilidade das comunidades, surgi-


ram os bancos de sementes, em que os agricultores coletam, após cada safra,
sementes, de preferência orgânicas e de diversas espécies nativas, para man-
ter a diversidade das plantas e garantir a não dependência em relação às
grandes empresas (KUSTER, 2008).

Com a criação dos bancos de sementes, alguns acreditam que ainda é possível
preservar as verdadeiras sementes, mesmo que:

[...] a Revolução Verde tenha sido responsável pela perda de grande parte da diver-
sidade e variabilidade das plantas cultivadas, em função da transformação de
agroecossistemas em monocultivos de variedades de estreita base genética, existe
ainda hoje um número considerável de propriedades rurais que mantêm plantas
cultivadas que só foram melhoradas pelas mãos de agricultores e agricultoras, de-
nominadas variedades tradicionais, antigas, caseiras, ladrasses (raças da terra) ou
crioulas. Estas variedades, que detêm a maior variabilidade dentre as plantas culti-
vadas, são mantidas em grande parte através de bancos de sementes de agriculto-
res de todo o mundo e, principalmente, nos países em desenvolvimento (PELWING;
FRANK; BARROS, 2008, p. 416).

Marcos (2005) descreve o método de coleta das sementes: seleção massal, no


qual são coletadas as sementes que melhor apresentaram características de
resistência às doenças e que demonstrem melhor rendimento para ser semea-
das em outros momentos.

Tais sementes, que se adaptam aos diversos locais e às suas variações, têm
maior variação genética, estão de acordo com a agroecologia e permitem mai-
or liberdade ao produtor.

O cultivo e o cuidado com as sementes crioulas vão além de preservar as espé-


cies, mas de preservar as tradições e demonstrar a (re)existência camponesa,
que luta para sobreviver diante do capitalismo hegemonizado.

Por essa razão:


[...] além de contribuir para a elevação da renda familiar e garantir soberania ali-
mentar, é uma forma de ter autonomia sobre a produção de sementes, pois os cam-
poneses têm o direito de de�nir e realizar sua própria política agrícola e alimentar.
[...] auxiliam os ainda a comercialização do excedente da sua produção, sendo esta
uma alternativa para a melhoria da qualidade de vida. Além de alimento, a semen-
te representa muito mais, pois retrata a cultura de cada comunidade, que é um ele-
mento central no modo de vida do camponês, é onde se preserva as práticas sócio-
culturais, cria identidades locais e ambientais (GARCINDO, 2009, p. 11).

Nas diversas formas de se buscar a sustentabilidade socioeconômica e preser-


var o meio ambiente, assim como tradições e formas de se viver, surgiu, há
pouco, mais uma alternativa para o agricultor familiar, na qual se consegue
geração de renda e a garantia de alimento para a família em uma pequena
área de cultivo: o sistema integrado de produção.

De�nida, também, como mandala, o referido sistema é o projeto de uma horta


com canteiros circulares, representando o sistema solar e os aspersores po-
dem ser feitos de hastes de cotonetes ou irrigação plástico (AGÊNCIA
MANDALA, 2010).

A mandala ou Pais (Produção Agroecológica Integrada e Sustentável) foi idea-


lizada pelo o agrônomo senegalês Aly Ndiaye o qual, após cinco anos de estu-
do, concluiu que as plantas, na posição de um círculo, permitem ao agricultor
uma melhor imagem do que produz, além de diminuir a ação das pragas, já
que, nessa alternativa ecológica, não se utiliza agrotóxicos, e os adubos utili-
zados são provenientes dos animais que fazem parte da horta.

O objetivo principal é permitir que o agricultor não mais precisasse recorrer


aos insumos agrícolas e derivados, e que, com a produção orgânica, tenha
uma maior inserção no mercado cada vez mais crescente no Brasil e no mun-
do.

Fruto dessa experiência, resultou uma nova alternativa: Sebrae, Fundação do


Banco do Brasil e Ministério da Integração Nacional possibilitam, atualmente,
para os agricultores familiares, a concessão de um kit em regime de comodato
por um ano. As famílias são selecionadas conforme alguns requisitos: esta-
rem inseridas nos programas de reforma agrária e comunidades rurais ou qui-
lombolas, baixa renda familiar e residir em área com baixo Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) (AGÊNCIA SEBRAE, 2010).

8. Turismo rural e a pluriatividade


A discussão em torno das atividades não agrícolas no território rural envolve
vários aspectos na atualidade.

Isto nos remete à proposta de Novo Mundo Rural desenvolvida por José
Graziano da Silva (2002), em que aponta a necessidade de diversi�car as for-
mas de geração de renda. Tal discussão, conhecida como part-time-farmer
nos países desenvolvidos, equivalente a um “agricultor em tempo parcial”.

Nesse contexto, destaca-se, especialmente, as atividades não agrícolas combi-


nadas com as atividades agrícolas, agregando renda ao trabalho familiar, atri-
buindo, assim, novas de�nições ao meio rural, tais como: turismo, casa de se-
gunda moradia, lazer, prestação de serviços, preservação e conservação da na-
tureza, etc; alterando não somente a paisagem, como também as relações e os
signi�cados sociais no espaço agrário.

Tal interesse pelo meio rural como fonte de lazer e qualidade de vida se inten-
si�cou no Brasil por volta dos anos 1980, mais especi�camente no estado cata-
rinense, devido às di�culdades pelas quais passava o setor agropecuário, sen-
do as propriedades rurais abertas à visitação.

Desde então, tal atividade passou a ser considerada atividade econômica e ca-
racterizada como turismo rural, estendendo-se na atualidade, em todo territó-
rio nacional. Entende-se, ainda, que as atividades desenvolvidas na área rural
não possuem características do meio rural, e sim atividades de lazer, esporti-
vas, típicas dos moradores urbanos. Aspectos referentes ao turismo, ao territó-
rio, à economia local e aos recursos naturais e culturais norteiam o que consi-
deramos, na atualidade, “turismo rural”, conjunto de ações que visam melho-
rar a renda do trabalhador rural-camponês ao agregar valores aos produtos e
serviços e promover o resgate da cultural local (BRASIL, 2004).
Para Campanhola e Silva (2000) apud Cyrilo, Nascimento e Chehade (2005, p.
5):

[...] o turismo rural é um vetor de desenvolvimento. O desenvolvimento regional ou


local constitui umas das alternativas mais viáveis para se enfrentar os desa�os da
globalização. Embora tenda padronizar produtos, padrões de consumo, hábitos e
costumes em prol da e�ciência e da produtividade, a globalização reforça o local,
no sentido de que estimula a organização comunitária, para que encontre o seu ca-
minho de sustentabilidade.

O turismo, como estimulador do desenvolvimento nas várias escalas, da local


à nacional, demonstra efeitos de grande visibilidade, ou seja, interfere nos te-
cidos econômicos e sociais, nas dinâmicas geográ�cas e do emprego, no com-
portamento das populações e na organização e funcionamento dos territórios.

Ele viabiliza as pequenas empresas e os diversos ramos, seja da produção ali-


mentar e artesanal à prestação de serviços. Além disso, tem papel importante
na busca pela conservação da biodiversidade – paisagens naturais, históricas
e culturais, que são, na grande maioria, atrações turísticas, papel esse que
também precisa ser reforçado em áreas marcadas pela desistência da agricul-
tura e o êxodo rural (CAVACO, 2003).

Joaquim (2003) apresenta o fenômeno TER (Turismo em espaço rural), que te-
ve sua manifestação por volta de 1971 na França; um termo usado com
frequência na Europa, dando ênfase à ligação antiga do lazer com o meio rural
por meio de alojamento em casas de familiares e amigos e, posteriormente,
para as atividades secundárias, como curtos períodos de férias, e a importân-
cia do “retorno a terra”, resgatando as origens que muitos perderam ao viven-
ciar o êxodo rural.

Ainda nesse espaço, aceita-se o termo “agroturismo”, que é uma “[...] derivação
do turismo rural, mas caracteriza-se por uma interação mais efetiva entre o
turista com a natureza e as atividades agrícolas [...]” (BRASIL, 2004), como o
ecoturismo e turismo de aventura.

Nesse contexto, Rodrigues (2003) alerta que a discussão quanto às impreci-


sões de conceitos ou a semelhança com as de�nições europeias se torna um
grande equívoco, pois são realidades extremamente diferentes e complexas,
um espaço geográ�co extenso e uma forma de apropriação territorial que dei-
xou marcas de vários ciclos na construção do patrimônio histórico-cultural.

Especialmente na região Sudeste, concentram-se as grandes propriedades se-


nhorais com traços da cultura colonial construído durante o ciclo do café, a ro-
ta do ouro em Minas Gerais, dentre outras que são de grande importância no
papel do desenvolvimento do turismo brasileiro.

Com isso, declara que é fundamental considerar determinados fatores, e não


simplesmente interpretar o rural o oposto do urbano.

[...] o processo histórico da ocupação territorial, a estrutura fundiária, característi-


cas paisagísticas regionais, estrutura agrária com destaque para as relações de tra-
balho desenvolvidas, atividades econômicas atuais, características da demanda e
tipos de empreendimentos (RODRIGUES, 2003, p. 103).

O turismo em espaço rural pode cooperar para a valorização do território, mas


também depende da gestão do espaço local e rural para o seu sucesso, o que
pode contribuir para a proteção do meio ambiente e a conservação do pa-
trimônio natural, histórico e cultural do meio rural.

Entretanto, se não houver regulamentos e instrumentos adequados que direci-


onem tais atividades, o impacto pode ser de grandes proporções, ocasionando
danos irreversíveis no meio ambiente ou na economia e na sociedade local.

Uma característica que pode ser observada na modalidade em questão e que


gera discussão é o lazer periurbano. São as atividades de lazer desenvolvidas
em propriedades próximas aos centros urbanos, mas em áreas rurais, onde o
empreendimento surgiu como uma forma de renda, o que não necessariamen-
te tenha sido uma propriedade rural, de família rural, ou seja, a ligação com o
local é puramente comercial.

Por essa razão, a nomenclatura usada como “turismo rural”, “turismo urbano”
ou “turismo em espaço rural” está errônea. Outros tipos de atividade rural sur-
gem, como o turismo rural pedagógico, com visitas e atividades simuladas do
dia a dia na fazenda; o turismo rural com �nalidade acadêmica, unindo teoria
e prática de forma criativa e uma nova exploração. O Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST) acolhe em seus acampamentos e assenta-
mentos congressistas, voluntários, pesquisadores e simpatizantes que minis-
tram cursos sobre o movimento (RODRIGUES, 2003).

Nesse rol de modalidades em fase de expansão por todo o país, o turismo rural
também se complementa com o termo Ecoturismo, valorizado pela sua per-
cepção com a natureza e a humanização que integra a atratividade pelas pai-
sagens naturais e outras propostas desenvolvidas em harmonia com os agros-
sistemas.

Associar tais realidades no espaço brasileiro é uma feliz resultante, visto a ex-
tensa diversidade de paisagens naturais que servem de suporte nas diferentes
regiões, além de manifestações cotidianas que exprimem a singularidade do
meio rural (PIRES, 2003).

Visto a importância crescente da atividade turística no meio rural, primar pe-


la sustentabilidade se torna um ponto de atenção de autoridades e sociedade.

A atividade econômica tem contribuído para o desenvolvimento rural e, em


grande parte, como geradora de divisas para governos e investidores. Fica evi-
dente, no entanto, que, pelo acesso de pessoas, infraestrutura e equipamentos,
aspectos negativos de sua implantação também começam a se manifestar, co-
mo problemas legais, degradação ambiental, impactos no modo de vida das
comunidades.

Por isso, é importante atentar para as noções de planejamento em uma di-


mensão mais ampla, nas diversas práticas turísticas e nos variados segui-
mentos locais (governos, proprietários, gestores ambientais, empresários etc.),
levando em conta a sustentabilidade e os efeitos ocasionados pela prática da
atividade turística em determinada comunidade, seja referente aos aspectos
econômicos, sociais e culturais.
Para isso:

[...] os organismos gestores devem ser capazes de, além de adotar uma visão a mais
longo prazo, e estratégica, portanto, viabilizar a integração e a participação demo-
crática da comunidade no processo de planejamento do turismo, de modo a apro-
veitar as oportunidades que ele oferece, um tanto para dar impulso ao desenvolvi-
mento econômico e social quanto para a conservação ambiental (SILVEIRA, 2003, p.
141).

Partindo dessa leitura, a prática do turismo rural no Brasil tem proporcionado


benefícios ao trabalhador rural-camponês, mesmo que necessite de maior ex-
periência na preservação dos meios naturais, na organização social dos go-
vernos, na articulação de políticas que viabilizem créditos de apoio à pratica
turística, assim como interagir as culturas, resgatar e preservar as tradições
locais sem modi�car o patrimônio de cada região, respeitar a harmonia entre
os interesses da comunidade local, do turismo e do meio ambiente, garantir a
manutenção das atividades agrícolas tradicionais e, como consequência, a
permanência da família no campo, gerando, assim, um novo conceito de re-
ceitas para o espaço agrário.

Agora, assista ao vídeo a seguir, que apresenta, de forma bem didática, a de�-
nição de agroecologia e sua importância na produção do campo, destacando
suas diferenças em relação à agricultura convencional.

Hoje, no Brasil, já há uma série de experiências na produção agroecológica,


que propiciam renda e qualidade de vida aos produtores familiares ou associa-
ções. O vídeo a seguir mostra uma dessas experiências no semiárido brasilei-
ro. Assista!
 

Agora, faça uma re�exão sobre sua aprendizagem, respondendo à questão a


seguir.

9. Considerações
Neste ciclo, estudamos as formas de degradação dos recursos naturais provo-
cadas pelo modelo de desenvolvimento territorial no campo, baseado em me-
canização, uso de agrotóxicos e expansão de fronteiras agrícolas.

Isso não signi�ca que não ocorram experiências sustentáveis no modelo do


agronegócio, sobretudo quando, em algumas atividades, isso é uma condição
imposta pelos mercados internacionais.

No entanto, as práticas sustentáveis ainda são minoritárias nesse modelo, não


obstante o uso intenso do discurso da sustentabilidade. Em contrapartida, na
agricultura de base camponesa, que produz alimentos e possui uma forte liga-
ção com os mercados locais, as formas alternativas difundem-se de forma
mais ativa e tornam-se, muitas vezes, uma condição para a manutenção da fa-
mília no campo.

Com essa abordagem, no próximo ciclo, estudaremos o planejamento ambien-


tal e sua importância para a sociedade.

Vamos em frente?
(https://md.claretiano.edu.br

/geobraagrmeiamb-gs0034-ago-2022-grad-ead-np/)

Ciclo 5 – Programação Modular

Mauro Juliano Cascaes

Objetivo
• Identi�car os principais instrumentos de planejamento ambiental.

Conteúdos
• Conceitos básicos do planejamento ambiental.
• Zoneamento e licenciamento ambiental.
• Preservação e educação ambiental.

Problematização
Qual a importância do planejamento ambiental? Como os instrumentos da
Política Nacional do Meio Ambiente contribuem para a efetivação de políti-
cas ambientais? Como elaborar um zoneamento e um licenciamento ambi-
ental?

Orientação para o estudo


Chegamos ao último ciclo de estudos! Novamente, você terá diversas indica-
ções de leituras e de vídeos que irão complementar o assunto abordado.

Bons estudos!
1. Introdução
Vamos, neste momento, tratar dos conceitos de política e planejamento ambi-
ental. Além disso, conheceremos os instrumentos de planejamento e discuti-
remos brevemente a educação ambiental.

2. Planejamento ambiental
O signi�cado da palavra planejamento é a "[...] elaboração, por etapas, com ba-
ses técnicas, de planos e programas com objetivos de�nidos" (HOLANDA, 1986
apud CASCAES, 2014, p. 13). Portanto, planejamento ambiental, segundo José
Afonso da Silva (2000, p. 774 apud CASCAES, 2014, p. 13), "[...] é um processo
técnico instrumentalizado para transformar a realidade existente no sentido
de objetivos previamente estabelecidos".

Isso quer dizer que, por meio de processos técnicos instrumentalizados, que
são de�nidos em um plano ou uma política ambiental, podemos transformar
ou adaptar as nossas ações para estabelecer objetivos de manutenção ou recu-
peração do equilíbrio do meio ambiente. Essas políticas devem sempre estar
baseadas em técnicas cientí�cas e na legislação ambiental, que possuem o es-
copo de estabelecer conteúdos e exigências mínimas para conquistarmos o
objetivo de manter o ambiente em equilíbrio.

O ser humano vem deixando sua marca no meio ambiente há mais de 100 mil
anos, provavelmente, desde a época em que conseguiu dominar o fogo.
Inicialmente, suas alterações do ambiente natural eram de pequena escala,
quase imperceptíveis, no entanto, elas foram se intensi�cando ao longo do
tempo, passando pela época da Revolução Agrícola, do uso de combustíveis
fósseis, até atingir o ápice no período em que vivemos, após o início de uma
forte intensi�cação da degradação ambiental com a Revolução Industrial.

Em toda essa trajetória, o meio ambiente passou de um local para se viver


uma vida equilibrada a um bem de consumo cuja fonte de matéria e energia é
consumida de forma acelerada e sem controle. As consequências dessa mu-
dança de tratamento do nosso habitat resultaram nas grandes catástrofes que
estamos presenciando, como alterações climáticas em escala global, poluição
do ar, do solo e dos rios, contaminação dos nossos alimentos, desequilíbrios
ecológicos, extinção de espécies, deserti�cação, desmatamento, entre outros.

Em toda a sua história, o planeta Terra já passou por cinco grandes extinções
de seres vivos. A mais conhecida delas foi a mais recente, há cerca de 65 mi-
lhões de anos, que ocasionou na extinção dos dinossauros, possivelmente pe-
los efeitos decorrentes do impacto de um asteroide próximo ao Golfo do
México. A mais desastrosa delas, entretanto, ocorreu há 145 milhões de anos,
quando os efeitos de atividades vulcânicas destruíram mais de 50% das espé-
cies de seres vivos marinhos.

Hoje em dia, fala-se que estamos no período da sexta grande extinção da his-
tória do planeta. A destruição de habitats, assim como o aquecimento global,
ambos causados pelo homem, são os principais motivos dessa grande extin-
ção, que está afetando tanto os seres animais quanto os vegetais. Dentre todas
as espécies, o ser humano é a que tem potencial risco de extinção, caso conti-
nuemos no ritmo que estamos hoje.

Ao iniciarmos o estudo de planejamento ambiental, vamos entender porque é


importante conhecermos o meio ambiente e qual é a relevância em planejar-
mos todas as nossas ações das quais ele faz parte.

O ser humano é um ser racional, porém, sua vontade de conquistar riquezas e


atingir o poder está destruindo o ambiente em que vivemos. Vamos, então, por
meio deste estudo, utilizar o raciocínio para uma boa causa: planejar racional-
mente a utilização que faremos do nosso ambiente.

Vamos lá?

3. Conceitos
Política ambiental é um conjunto de princípios e direcionamentos que tem por
objetivo assegurar a qualidade e a preservação do meio ambiente. As políticas
ambientais podem ser públicas, quando emanadas pelo Poder Público por
meio de lei, ou privadas, quando a iniciativa para o seu estabelecimento é par-
ticular, como a implantação de um sistema de gestão ambiental em um em-
preendimento.

A partir dos aspectos ambientais e dos requisitos estabelecidos na política


ambiental, é possível estabelecer um planejamento ambiental para o meio
ambiente, tanto em nível global como em nível local.

Planejar, segundo o dicionário Aurélio (HOLANDA, 1986, p. 731), é a "[...] elabo-


ração, por etapas, com bases técnicas, de planos e programas com objetivos
de�nidos". Planejamento ambiental, portanto, pode ser de�nido como um pro-
cesso que tem por objetivo recuperar, preservar ou conservar o meio ambiente,
ou mesmo utilizá-lo de forma autossustentada. Utilizando as melhores pala-
vras de José Afonso da Silva (2000, p. 774), planejamento ambiental "[...] é um
processo técnico instrumentalizado para transformar a realidade existente no
sentido de objetivos previamente estabelecidos [...]" em favor do desenvolvi-
mento sustentável do meio ambiente.

O conceito de planejamento ambiental confunde-se com o de gestão ambien-


tal. Gestão signi�ca o ato de gerir, de administrar, de aplicar normas e princí-
pios com a �nalidade de atingir uma �nalidade pretendida. Por sua vez, gestão
ambiental é administrar normas e princípios visando a recuperação, preser-
vação ou conservação do meio ambiente. Note que a gestão ambiental tam-
bém é um ato de planejamento ambiental, no entanto, "planejamento" é uma
palavra mais genérica, que aborda, também, outros instrumentos, além da ati-
vidade de administrar um plano ambiental. Contudo, a �nalidade primordial
da gestão e do planejamento ambiental é racionalizar um plano ambiental, ba-
seado em aspectos cientí�cos e normativos, e é esse o objetivo desta obra: for-
necer subsídios – técnicos e legais – para a consecução de um planejamento
ambiental e�caz.

Para um melhor estudo do meio ambiente, foco do nosso estudo, vamos


classi�cá-lo conforme as peculiaridades dos espaços físicos (MACHADO,
2009):

1. Meio ambiente natural: composto pelos ambientes naturais, tal como foi
criado e vem evoluindo sem a interferência humana.
2. Meio ambiente arti�cial: é o ambiente construído pelo ser humano, como
os centros urbanos, as edi�cações e outras alterações produzidas por ele.
3. Meio ambiente cultural: é composto pelo conjunto de valores histórico,
artístico e outros de valor cultural, criados ou não pelo homem.
4. Meio ambiente laboral: é o ambiente de trabalho do homem.

Essas peculiaridades do espaço físico podem ser observadas por meio da


Figura 1.

Fonte: Peters e Pires (2001, p. 82).

Figura 1 Classi�cação do meio ambiente

Em nosso estudo, vamos nos limitar a analisar o meio ambiente natural e o


arti�cial, que são o foco da Geogra�a.

A ação de proteger o meio ambiente, ou de mantê-lo de forma equilibrada,


deve-se ao seu valor, que pode ser o valor per se, intrínseco à sua natureza, ou
seja, ele é valioso simplesmente por ser o que é; pode ter um valor de utilidade,
que é o valor relacionado à sua importância aos mais variados usos do ambi-
ente. Segundo esse valor útil, podemos ainda dizer que o meio ambiente tem
um valor universal, assim, é considerado um direito difuso, ou seja, um bem
de "propriedade" e passível de utilização por toda a coletividade, sem nenhu-
ma distinção; e um valor individualizável, que signi�ca que ele deve ser aces-
sível a cada membro que o compõe, de acordo com a medida da capacidade de
cada um em alcançá-lo.

E quando falamos em “cada um”, referimos a todos os seres habitantes do nos-


so planeta. Nós, seres humanos, compomos a fauna, portanto, um componente
do meio ambiente natural.

Para garantir o acesso ao meio ambiente, é necessário que ele esteja sadio e
equilibrado e que hajam políticas de disponibilização desse recurso à socieda-
de que, por sua vez, necessita de identi�cação dos objetivos e instituição de
um sistema de planejamento ambiental, envolvendo a criação de instrumen-
tos econômicos, políticos, legais e técnicos para o compor.

O meio ambiente em equilíbrio possui todos os seus processos interdependen-


tes de alguma maneira. Devido a isso, e ao seu valor, o ambiente é foco desde
políticas internacionais até políticas locais, e todas elas devem ter uma rela-
ção de cooperação. Por isso, a máxima "Pensar globalmente e agir localmente"
re�ete que o planejamento deve levar em conta a totalidade dos processos am-
bientais; porém, as ações, para serem efetivas, devem ser focadas em pontos
locais.

Ao planejar uma ação composta por interesses e instrumentos técnicos,


econômicos, legais, ou outros, será que eles devem prevalecer sobre a susten-
tabilidade ambiental? Com certeza a resposta é negativa. Isso porque nós não
somos seres que vivem no meio ambiente, mas fazemos parte dele.
Compomos a fauna do ambiente natural, e como um sistema ambiental em
equilíbrio deve possuir todas as suas unidades e relações sadias, não é possí-
vel viver uma vida de qualidade sem um ambiente de qualidade. Já está mais
que comprovado que o crescimento �nanceiro não é sinônimo de felicidade e
qualidade de vida e, por isso, o ambiente sadio e equilibrado deve sempre pre-
valecer, tanto para a nossa geração como para as gerações futuras.

Por tudo isso, salienta-se a importância do planejamento ambiental em todos


os seus aspectos, seja na elaboração de critérios seja na regulamentação de
padrões ou mecanismos econômicos, visando a saúde ambiental e humana.
Esse posicionamento não foi conquistado de repente, mas sim adquirido e la-
pidado ao longo do tempo.

Quer saber como se deu essa trajetória? Então vamos em frente!

4. Desenvolvimento da preocupação ambiental


Nas últimas décadas, cresceu a preocupação de toda a sociedade com a ques-
tão ambiental. No entanto, a preocupação com os problemas ambientais não é
nova.

Os primeiros registros de denúncia de problemas ambientais datam da


Antiguidade, quando Platão denunciou problemas de erosão de solos pelo des-
matamento de áreas �orestais. Pelicioni (2004) lembra que o primeiro docu-
mento normativo que teve como objetivo preservar o meio ambiente foi elabo-
rado em 1669, quando o primeiro-ministro da França, Colbert, a �m de reverter
o problema de escassez de madeira no país, promulgou o decreto das águas e
�orestas. Ainda no século 17, John Evelyn e John Graunt, sugeriram que fos-
sem usadas chaminés mais altas, pois a poluição concentrada em determina-
da região estava ocasionando a chuva ácida (MCCORMICK, 1991).

Dois séculos mais tarde, em 1815, José Bonifácio de Andrada e Silva fez a se-
guinte re�exão:

Se a navegação aviventa o comércio e a lavoura, não pode haver navegação sem ri-
os, não pode haver rios sem fontes, não há fontes sem chuvas, não há chuva sem
umidade, não há umidade sem �orestas [...] sem umidade não há prados, sem prado
não há gado, sem gado não há agricultura, assim tudo está ligado na imensa cadeia
do Universo e os bárbaros que cortam as suas partes pecam contra Deus e a nature-
za e são os próprios autores de seus males (PÁDUA apud PELICIONI, 2004, p. 432).

Observa-se que no início do século 19 já se entendia que os processos ambien-


tais estavam de alguma maneira interligados. No entanto, foi apenas décadas
mais tarde que foram identi�cados os movimentos populares mais amplos
voltados às questões ambientais, que ocorreram especialmente na Europa e
Estados Unidos (MCCORMICK, 1991).
Pelicioni (2004) a�rma que o primeiro grupo ambientalista privado do mundo,
o Commons, Footpaths and Open Spaces Preservation Society, foi fundado no
Reino Unido, em 1865. Esse grupo promoveu campanhas pela preservação am-
biental, especialmente pelas áreas verdes urbanas para os trabalhadores das
indústrias.

Em 1962, Rachel Carson publicou o livro Primavera Silenciosa, advertindo so-


bre o impacto dos pesticidas utilizados na agricultura, explicando seus efeitos
adversos de contaminação do meio ambiente e os riscos envolvidos. O livro te-
ve muita repercussão em todos os países e iniciou uma revolução ambiental,
aumentando a consciência pública sobre a implicação das atividades huma-
nas sobre o meio ambiente.

Um grande marco na evolução das questões ambientais ocorreu em 1972: a


Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, promovida
pela ONU na Suécia, contando com a participação de 113 países. Essa confe-
rência alertou sobre a degradação ambiental que estava ocorrendo nos diver-
sos compartimentos ambientais e inseriu o conceito de desenvolvimento sus-
tentável, a�rmando que o modelo de crescimento econômico até então adota-
do estava a acarretar a progressiva escassez de recursos naturais. Também se
salientou a importância da cooperação internacional para a proteção do meio
ambiente. Nessa conferência, foi criada a Comissão Mundial de
Desenvolvimento e Meio Ambiente, que publicou o relatório Nosso futuro co-
mum, em 1987, considerado um marco até os dias atuais.

Duas décadas após a realização da Conferência na Suécia, a ONU organizou,


na cidade do Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio
Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), conhecida como Cúpula da Terra, na
qual líderes de organizações e governos de 172 países se reuniram com o obje-
tivo de mudar a direção do desenvolvimento, tornando-o sustentável, econo-
mica e socioambientalmente, abordando aspectos como proteção da atmosfe-
ra, suprimento de água doce e recursos marinhos, conservação da diversidade
biológica, erradicação da pobreza, entre outros temas.

Um dos resultados dessa Conferência foi a Agenda 21, um documento conten-


do uma base sólida para a promoção do desenvolvimento sustentável em
questões de progresso social, econômico e ambiental.

A partir dessa Conferência, a ONU criou um órgão que originou a ONG Earth
Council, com sede na Costa Rica, cuja missão foi de elaborar a Carta da Terra.
Esse documento é uma declaração universal de conduta para as pessoas, com
foco na sustentabilidade. Os princípios foram separados em quatro tópicos:

• Respeitar e cuidar da comunidade da vida.


• Integridade ecológica.
• Justiça social e econômica.
• Democracia, não violência e paz.

Por meio desses princípios, esse documento tem por objetivo examinar os va-
lores vigentes e escolher o caminho mais prudente.

Após dez anos da Conferência do Rio de Janeiro, a ONU promoveu, na África


do Sul, a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, cujo objetivo
era: analisar os progressos alcançados na implementação dos acordos �rma-
dos na Cúpula da Terra, fortalecer as parcerias e identi�car pontos prioritári-
os.

Em 2009, foi realizada a 15ª Conferência das Partes em Copenhague,


Dinamarca, uma conferência do clima cujo objetivo era envolver o mundo em
ações ambientalmente corretas, com vistas a desacelerar o aquecimento glo-
bal. O resultado não foi como esperado, foi apenas uma declaração de inten-
ções, sem efeito vinculante, além de ser bem pouco comprometedora aos paí-
ses.

Isso evidencia que mesmo com o crescimento do interesse da sociedade e dos


governos pelas questões ambientais, ainda temos um longo caminho a percor-
rer até atingirmos a conjunção das metas de preservação de um meio ambien-
te sadio.

Agora, vamos estudar os princípios de um planejamento ambiental.

Princípios que regem o planejamento ambiental


Toda ação em matéria ambiental, seja ela baseada em qualquer documento ou
por qualquer método, deve sempre respeitar os limites impostos pela legisla-
ção.

Muitos são os princípios estabelecidos na legislação ambiental. Os principais


são elencados por Paulo Affonso Leme Machado (2009) e devem pautar toda
atividade de planejamento ambiental. São eles:

1. Princípio do direito ao meio ambiente equilibrado: esse princípio abarca


que o meio ambiente deve possuir seus processos e interações de manei-
ra ordenada e equilibrada, tanto quanto o necessário à manutenção da
boa qualidade de vida de todo o meio biótico e abiótico que o compõe.
2. Princípio do direito à sadia qualidade de vida: por esse princípio, nota-
mos a importância da preservação do meio ambiente, já que um ambiente
saudável é essencial à sadia qualidade de vida.
3. Princípio do acesso equitativo aos recursos naturais: como o meio ambi-
ente é um bem necessário à sadia qualidade de vida, pelo princípio da
dignidade da pessoa humana, entende-se que todo integrante de uma so-
ciedade deve ter acesso aos recursos naturais necessários a sua manu-
tenção de vida, na proporção de suas demandas.
4. Princípio usuário-pagador e poluidor-pagador: o princípio do poluidor-
pagador dispõe que o agente que poluir deve ser o responsável pela repa-
ração do dano gerado. O desequilíbrio do meio ambiente não tem preço; o
que se busca com o pagamento é uma contraprestação ambiental daquele
que poluiu o ambiente. Usuário-pagador é um conceito correlato, que é a
contraprestação ambiental daquele que faz uso do meio ambiente.
5. Princípio da precaução: esse princípio veda as ações desconhecidas so-
bre a possibilidade do dano, caso seja efetivada. Como o meio ambiente é
complexo e mesmo com muito tempo não é capaz de restabelecer o sta-
tus anterior, utiliza-se o princípio da precaução como forma de precaver
sobre a possibilidade de dano.
6. Princípio da prevenção: assemelha-se muito ao princípio da precaução,
porém, prevenção se dá em ações as quais se tem certeza cientí�ca sobre
o dano ambiental. Ou seja, pelo princípio previne-se ações que compor-
tem danos ao ambiente.
7. Princípio da reparação: determina que os causadores de degradação am-
biental têm o dever de indenizar e se responsabilizar pelos efeitos adver-
sos causados às vítimas.
8. Princípio da informação: cada indivíduo da sociedade deve ter acesso
adequado a quaisquer informações do meio ambiente de que disponham
as autoridades públicas, incluindo informações sobre materiais e ativida-
des perigosas em sua comunidade.
9. Princípio da participação: esse princípio dispõe que o Poder Público,
Ministério Público e sociedade devem unir esforços e atuar conjunta-
mente em matéria ambiental.
10. Princípio da obrigatoriedade da intervenção do Poder Público: é de res-
ponsabilidade do Poder Público o controle e utilização dos recursos ambi-
entais, devendo promulgar leis e�cazes sobre o meio ambiente e fazer
com que elas sejam cumpridas.

O texto da lei contém princípios explícitos ou implícitos, que devem ser veri�-
cados sempre, seja pela lei seja pelo planejamento ambiental.

Agora, vamos conhecer os conceitos básicos de planejamento.

Planejamento do meio ambiente


Conforme vimos anteriormente, planejamento ambiental é um processo de
encadeamento de ideias e caminhos escolhidos com objetivos de�nidos em
matéria ambiental. O planejamento ambiental não existe por si só; sua exis-
tência tem um objetivo prede�nido, geralmente de manutenção ou retorno ao
equilíbrio do ambiente.

O planejamento nasceu da necessidade de remediação de erros cometidos an-


teriormente na nossa história. Braga et al. (2005, p. 220) relata sobre o proces-
so de transformação do meio ambiente equilibrado em crise ambiental e o ca-
minho de sua reparação:
[...] ao ter domínio da energia em razão de seu engenho, a humanidade criou um fa-
to novo: as disposições genéticas não mais subordinavam a totalidade do compor-
tamento do homem às imposições da interdependência e do equilíbrio dos ecossis-
temas e da biosfera. Surgiram, então, os con�itos por ele provocados e o que hoje se
denomina crise ambiental. Para enfrentá-los, foi sendo desenvolvida uma série de
ações coordenadas a qual, mais recentemente, se deu o nome de gestão do ambien-
te – entendida como a forma sistemática de a sociedade encaminhar a solução de
con�itos de interesse no acesso e uso do ambiente pela humanidade.

O caminho indicado pelo autor para a reparação à boa qualidade ambiental é


por meio da gestão ambiental. Pode-se dizer que a utilização do planejamento
ambiental é uma maneira de preservar o ambiente sadio, uma vez que suas
ações reduzem a probabilidade de causar efeitos ambientais negativos.

Não há uma metodologia de planejamento ambiental consagrada, porém, al-


guns passos são essenciais para o seu sucesso. São eles:

1. Identi�car o recurso ambiental a ser estudado por meio de um levanta-


mento de dados do meio físico, biótico e socioeconômico.
2. Diagnosticar as peculiaridades do ambiente, avaliando a dinâmica espe-
cí�ca do ambiente de estudo.
3. Promover um levantamento da legislação ambiental geral e especí�ca ao
estudo.
4. Prever ações e avaliar as consequências da implantação de cada uma de-
las.
5. Integrar e normatizar diferentes abordagens e metodologias ao planeja-
mento do ambiente.
6. Avaliar o plano adotado, buscando concretizar ações e identi�car suscep-
tibilidades.
7. Reorganizar o plano de ação, suprindo carências encontradas com novas
estratégias ou adequando-as às recentes alterações legais da matéria.

Para a elaboração de um planejamento ambiental, as características ambien-


tais devem ser investigadas e detalhadamente descritas. Os seguintes fatores
devem ser observados:

1. Características gerais: geologia, relevo, tipos de solo, sistema de drena-


gem e detalhamento de microbacias hidrográ�cas, tipos de vegetação, lo-
cais de ocupação humana, limitações do uso e ocupação de determinadas
áreas.
2. Dados climáticos: temperaturas médias anuais, incluindo extremos de
temperatura, volume pluviométrico anual e distribuição da precipitação
ao longo da área, dependendo da escala que estiver sendo estudada, pos-
sibilidade de riscos de geada, estiagens e fatores climáticos históricos re-
gistrados, balanço hídrico, homogeneidade do clima e listas de questioná-
rios voltados à população local sobre fatores ambientais da região do es-
tudo.
3. Geologia: avaliação geológica geral da área, característica dos diferentes
tipos de solos e corpos rochosos, reconstrução histórica da evolução da
paisagem e estado atual, identi�cação de áreas com potencial de movi-
mentos de massa, reconhecimento do tipo e localização das unidades ge-
ológicas reconhecidas.
4. Relevo: representação cartográ�ca da �siogra�a da paisagem, identi�ca-
ção de áreas com potencial de deposição, transporte ou outros processos
morfogenéticos, regiões modi�cadas ou construídas pelo homem, condi-
ções de relevo associadas às condições hidrológicas, informações básicas
para tomadas de decisão quanto ao potencial de uso de solo, identi�cação
de a�oramentos de rochas, planícies de inundação, terraços e indícios de
feições erosivas ou deposicionais, mapa de declividade associada à co-
bertura vegetal e rugosidade do terreno.
5. Solos: materiais erodidos, transportados e depositados ou em processo de
transformação, mapas de solos, fotogra�as aéreas, tipos de cobertura pe-
dológica pelo terreno.
6. Redes de drenagem: identi�cação de feições de drenagem, como nascen-
tes, densidade, tipos de canais �uviais, velocidade, turbidez e qualidade
da água, parâmetros de avaliação de recursos hídricos, arranjo da rede hi-
drográ�ca, comparação de áreas e associação entre densidade de drena-
gem com as características do meio físico.
7. Cobertura vegetal: tipo e densidade de cobertura vegetal, nível de produ-
ção do solo, escoamento super�cial, tipo de terreno associado à vegeta-
ção, utilização de imagens de satélite, uso do solo e potencialidades de
uso. A Figura 2 apresenta a cobertura vegetal brasileira. As áreas verdes
indicam �oresta ombró�la densa, a azul os recursos aquáticos e a área
vermelha área de agricultura ou pastagem, por exemplo.
Figura 2 Cobertura vegetal brasileira.

Podemos citar inúmeros documentos existentes que nada mais são do que
instrumentos de planejamento, tais como: legislação ambiental, estudos técni-
cos, escritos dirigidos à busca de soluções, publicação de novas tecnologias,
bases de dados ambientais, experiência subjetiva de pro�ssionais do meio am-
biente, dados físicos históricos da área, levantamento de questionários volta-
dos à população local, entre outros. No entanto, a simples existência desses
instrumentos não é su�ciente para a efetivação da preservação ambiental.
Assim como em uma orquestra, na qual os instrumentos devem ser tocados
para que a melodia seja produzida, esses instrumentos de planejamento têm
de ser efetivados, e sua caracterização tecnicamente realizada.

Além disso, a maneira de se utilizar desses instrumentos é por meio da racio-


nalização, de se valer do planejamento na busca do melhor método, que nem
sempre está escrito.
Texto complementar

Em 1992, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e


Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, foi aprovada a Carta do Rio, um do-
cumento contendo 27 princípios básicos sobre meio ambiente e sustentabilidade e
a proposta de cooperação entre os diferentes setores da sociedade. Esse documen-
to não tem força de lei, porém, é uma regra de conduta em matéria de sustentabili-
dade e deve acompanhar o pro�ssional de meio ambiente em todos os seus traba-
lhos de planejamento.

Carta do Rio

Princípio 1
Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sus-
tentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natu-
reza.

Princípio 2
Os Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios
do Direito Internacional, têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos
segundo suas próprias políticas de meio ambiente e desenvolvimento, e a respon-
sabilidade de assegurar que atividades sob sua jurisdição ou controle não causem
danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas além dos limites da jurisdi-
ção nacional.

Princípio 3
O direito ao desenvolvimento deve ser exercido, de modo a permitir que sejam
atendidas eqüitativamente as necessidades de gerações presentes e futuras.

Princípio 4
Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental deve consti-
tuir parte integrante do processo de desenvolvimento, e não pode ser considerada
isoladamente deste.

Princípio 5
Todos os Estados e todos os indivíduos, como um requisito indispensável para o
desenvolvimento sustentável, devem cooperar na tarefa essencial de erradicar a
pobreza, de forma a reduzir as disparidades nos padrões de vida e melhor atender
às necessidades da maioria da população do mundo.
Princípio 6

A situação e necessidades especiais dos países em desenvolvimento, em particu-


lar dos países de menor desenvolvimento relativo e daqueles ambientalmente
mais vulneráveis, devem receber prioridade especial. Ações internacionais no
campo do meio ambiente e do desenvolvimento devem também atender os inte-
resses e as necessidades de todos os países.

Princípio 7
Os Estados devem cooperar, em um espírito de parceria global para a conservação,
proteção e restauração da saúde e da integridade do ecossistema terrestre.
Considerando as distintas contribuições para a degradação ambiental global, os
Estados têm responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Os países desenvol-
vidos reconhecem a responsabilidade que têm na busca internacional do desen-
volvimento sustentável, em vista das pressões exercidas por suas sociedades so-
bre o meio ambiente global e das tecnologias e recursos �nanceiros que contro-
lam.

Princípio 8
Para atingir o desenvolvimento sustentável e mais alta qualidade de vida para to-
dos, os Estados devem reduzir e eliminar padrões insustentáveis de produção e
consumo e promover políticas demográ�cas adequadas.

Princípio 9
Os Estados devem cooperar com vistas ao fortalecimento da capitação endógena
para o desenvolvimento sustentável, pelo aprimoramento da compreensão cientí-
�ca por meio do intercâmbio de conhecimento cientí�co e tecnológico, e pela in-
tensi�cação do desenvolvimento, adaptação, difusão e transferência de tecnologi-
as, inclusive de tecnologias novas e inovadoras.

Princípio 10
A melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no ní-
vel apropriado, de todos os cidadãos interessados. Em nível nacional, cada indiví-
duo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que
disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e ati-
vidades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar
em processos de tomada de decisões. Os Estados devem facilitar e estimular a
conscientização e participação pública, colocando a informação à disposição de
todos. Deve ser propiciado acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrati-
vos, inclusive no que diz respeito à compensação e reparo de danos.
Princípio 11
Os Estados devem adotar legislação ambiental e�caz. Padrões ambientais e objeti-
vos e prioridades em matéria de ordenação ao meio ambiente devem re�etir o
contexto ambiental e de desenvolvimento a que se aplicam. Padrões utilizados por
alguns países podem resultar inadequados para outros, em especial países em de-
senvolvimento, acarretando custos sociais e econômicos injusti�cados.

Princípio 12
Os Estados devem cooperar para o estabelecimento de um sistema econômico in-
ternacional aberto e favorável, propício ao crescimento econômico e ao desenvol-
vimento sustentável em todos os países, de modo a possibilitar o tratamento mais
adequado dos problemas de degradação ambiental. Medidas de política comercial
para propósitos ambientais não devem constituir-se em meios para imposição de
discriminações arbitrárias ou injusti�cáveis, ou em barreiras disfarçadas ao co-
mércio internacional. Devem ser evitadas ações unilaterais para o tratamento de
questões ambientais fora da jurisdição do país importador. Medidas destinadas a
tratar de problemas ambientais transfronteiriços ou globais devem, na medida do
possível, basear-se em um consenso internacional.

Princípio 13
Os Estados devem desenvolver legislação nacional relativa à responsabilidade e
indenização das vítimas da poluição e outros danos ambientais. Os Estados de-
vem, ainda, cooperar de forma expedita e determinada para o desenvolvimento de
normas de direito internacional ambiental relativas à responsabilidade e indeni-
zação por efeitos adversos de danos ambientais causados em áreas fora de sua ju-
risdição, por atividades dentro de sua jurisdição ou sob seu controle.

Princípio 14
Os Estados devem cooperar de modo efetivo para desestimular ou prevenir a rea-
locação ou transferência para outros Estados de quaisquer atividades e substânci-
as que causem degradação ambiental grave ou que sejam prejudiciais à saúde hu-
mana.

Princípio 15
De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser ampla-
mente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver
ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza cientí�ca
não deve ser utilizada como razão para postergar medidas e�cazes economica-
mente viáveis para prevenir a degradação ambiental.

Princípio 16
Tendo em vista que o poluidor deve, em princípio, arcar com o custo decorrente da
poluição, as autoridades nacionais devem procurar promover a internalização dos
custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, levando na devida conta o
interesse público, sem distorcer o comércio e os investimentos internacionais.

Princípio 17
A avaliação de impacto ambiental, como instrumento nacional, deve ser empreen-
dida para atividades planejadas que possam vir a ter impacto negativo considerá-
vel sobre o meio ambiente e que dependam de uma decisão de autoridade nacio-
nal competente.

Princípio 18
Os Estados devem noti�car imediatamente a outros Estados quaisquer desastres
naturais ou outras emergências que possam gerar efeitos nocivos súbitos sobre o
meio ambiente destes últimos. Todos os esforços devem ser empreendidos pela
comunidade internacional para auxiliar os Estados afetados.

Princípio 19
Os Estados devem prover, oportunamente, a Estados que possam ser afetados noti-
�cação prévia e informações relevantes sobre atividades potencialmente causado-
ras de considerável impacto transfronteiriço negativo sobre o meio ambiente, e
devem consultar-se com estes tão logo quanto possível e de boa fé.

Princípio 20
As mulheres desempenham papel fundamental na gestão do meio ambiente e no
desenvolvimento. Sua participação plena é, portanto, essencial para a promoção
do desenvolvimento sustentável.

Princípio 21
A criatividade, os ideais e a coragem dos jovens do mundo devem ser mobilizados
para forjar uma parceria global, com vistas a alcançar o desenvolvimento susten-
tável e assegurar um futuro melhor para todos.

Princípio 22
As populações indígenas e outras comunidades, bem como outras comunidades
locais, têm um papel fundamental na gestão do meio ambiente e no desenvolvi-
mento, em virtude de seus conhecimentos e práticas tradicionais. Os Estados de-
vem reconhecer identidade, cultura e interesses dessas populações e comunida-
des, bem como habituá-las a participar efetivamente da promoção do desenvolvi-
mento sustentável.

Princípio 23
O meio ambiente e os recursos naturais dos povos submetidos à opressão, domi-
nação e ocupação devem ser protegidos.

Princípio 24
A guerra é, por de�nição, contrária ao desenvolvimento sustentável. Os Estados
devem, por conseguinte, respeitar o direito internacional aplicável à proteção do
meio ambiente em tempos de con�ito armado e cooperar para seu desenvolvi-
mento progressivo, quando necessário.

Princípio 25
A paz, o desenvolvimento e a proteção ambiental são interdependentes e indivisí-
veis.

Princípio 26
Os Estados devem solucionar todas as suas controvérsias ambientais de forma pa-
cí�ca, utilizando-se dos meios apropriados, em conformidade com a Carta das
Nações Unidas.

Princípio 27
Os Estados e os povos devem cooperar de boa fé e imbuídos de um espírito de par-
ceria para a realização dos princípios consubstanciados nesta Declaração e para o
desenvolvimento progressivo do direito internacional no campo do desenvolvi-
mento sustentável (IPHAN, 1995).

Notem que, a partir do primeiro princípio, no qual se considera o equilíbrio do


meio ambiente uma condição essencial para a sadia qualidade de vida,
desenvolvem-se todos os demais. Neles, há um enfoque muito forte na coope-
ração entre as nações e entre ciência e tecnologia, evidenciando a importân-
cia da união de esforços na busca de um meio ambiente equilibrado.

A abordagem dos princípios resume os principais conceitos necessários à


sustentabilidade em matéria ambiental e, por isso, deve balizar todos os estu-
dos e ações que envolvam o meio ambiente.

A Política Nacional do Meio Ambiente foi instituída pela Lei nº 6.938/81, con-
siderada a lei mais importante em matéria ambiental. Foi criada após a políti-
ca ambiental que estava sendo desenvolvida contínua e internacionalmente,
cujo registro histórico mais importante foi o Encontro de Nações de
Estocolmo, que ocorreu no ano de 1992.
Essa lei conceitua, sistematiza e fornece bases para a instituição da ação am-
biental integrada no Brasil, �xando os objetivos e princípios norteadores da
política ambiental brasileira. Seu principal objetivo é:

[...] a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida,


visando assegurar, no país, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos
interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana
(BRASIL, 2011).

Quando a Lei nº 6.938/81 fala que deve ser assegurada a "[...] qualidade ambi-
ental propícia à vida", isso quer dizer que o meio ambiente não é um ambiente
que deve ser mantido como originalmente se concebeu, sem interferência hu-
mana. A lei a�rma que deve ser assegurado que o meio ambiente esteja em
um padrão minimamente exigido para possibilitar a criação e manutenção
natural da vida, em todas as suas formas existentes. Portanto, a Lei não quer
tornar o ambiente como algo intocável, mas sim algo passível de uso, algo que
pode ser conceituado como recurso, ou seja, aquilo que pode ser utilizado.

Também, ao a�rmar que o meio ambiente deve ser sadio, "[...] visando assegu-
rar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses
da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana [...]"
(BRASIL, 2011), a Lei está rea�rmando que um meio ambiente de qualidade é
essencial para uma vida digna, de acordo com os anseios do ser humano, tal
como o desenvolvimento de uma nação, seja esse desenvolvimento industrial,
político, social, cultural, urbano etc. A nossa vida está intimamente ligada ao
meio ambiente e dele não se pode dissociar, por isso, ele deve ser preservado.

Esse trecho também abarca o princípio do desenvolvimento sustentável, o


qual estabelece que o meio ambiente deve ser utilizado para o desenvolvimen-
to econômico, porém, deve-se levar em conta a preservação, a melhoria e a re-
cuperação da qualidade ambiental propícia à vida.

Para que esses objetivos sejam assegurados, são princípios da Política


Nacional do Meio Ambiente:
I – ação governamental na manutenção do equilíbrio ecológico, considerando o
meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e
protegido, tendo em vista o uso coletivo;
II – racionalização do uso do solo, do subsolo, da água e do ar;
III – planejamento e �scalização do uso dos recursos ambientais;
IV – proteção dos ecossistemas, com a preservação de áreas representativas;
V – controle e zoneamento das atividades potencial ou efetivamente poluidoras;
VI – incentivos ao estudo e à pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racio-
nal e a proteção dos recursos ambientais;
VII – acompanhamento do estado da qualidade ambiental;
VIII – recuperação de áreas degradadas;
IX – proteção de áreas ameaçadas de degradação;
X – educação ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da co-
munidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambi-
ente (BRASIL, 2011).

Agora, vamos conhecer os conceitos da Lei nº 6.938/81 da Política Nacional do


Meio Ambiente! Vamos lá?

A Lei nº 6.938/81 da Política Nacional do Meio Ambiente de�ne alguns concei-


tos que são abrangidos por ela, assim como por outras normas do mesmo te-
ma. Desse modo, conhecer os conceitos fornecidos pela Lei é de fundamental
importância, uma vez que é possível investigar os limites de abrangência do
diploma normativo.

O Artigo 3º da Lei nº 6.938/81 dispõe os conceitos para os �ns nela previstos:


I. meio ambiente, o conjunto de condições, leis, in�uências e interações de ordem
física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas for-
mas;
II. degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do
meio ambiente;
III.  poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que di-
reta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;


b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais es-
tabelecidos;

IV. poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável,


direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;
V. recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, super�ciais e subterrâne-
as, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna
e a �ora (BRASIL, 2011).

Após conhecermos os conceitos legais de meio ambiente, vamos aos objeti-


vos.

Objetivos
O Artigo 4º da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente delimita os objetivos
da política nacional brasileira. Segundo essa lei, Artigo 5º, todas as diretrizes
em matéria ambiental que sejam destinadas a orientar a ação de governos da
União, dos estados, do Distrito Federal, dos territórios e dos municípios deve-
rão ser formuladas em normas e planos, observando os princípios expostos
anteriormente, além dos objetivos apresentados a seguir, que são:
I – a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação
da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico;
II – a de�nição de áreas prioritárias de ação governamental relativa à qualidade e
ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos Estados, do Distrito
Federal, dos Territórios e dos Municípios;
III – o estabelecimento de critérios e padrões da qualidade ambiental e de normas
relativas ao uso e manejo de recursos ambientais;
IV – o desenvolvimento de pesquisas e de tecnologias nacionais orientadas para o
uso racional de recursos ambientais;
V – a difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, a divulgação de dados e
informações ambientais e a formação de uma consciência pública sobre a necessi-
dade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico;
VI – a preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utiliza-
ção racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do
equilíbrio ecológico propício à vida;
VII – a imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou inde-
nizar os danos causados, e ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos
ambientais com �ns econômicos (adaptado de BRASIL, 1981).

Além das políticas públicas, as atividades empresariais privadas também de-


verão estar em consonância com as diretrizes da Política Nacional do Meio
Ambiente.

5. Sistema nacional do meio ambiente


O SISNAMA, como é conhecido o Sistema Nacional do Meio Ambiente, é um
sistema criado para assegurar a consolidação e a implementação da Política
Nacional do Meio Ambiente, efetivando o cumprimento das disposições ambi-
entais constantes da Constituição Federal e outras normas infraconstitucio-
nais.

O SISNAMA é composto por uma rede de órgãos ambientais, cada uma com
atribuições especí�cas:
I – órgão superior: o Conselho de Governo, com a função de assessorar o Presidente
da República na formulação da política nacional e nas diretrizes governamentais
para o meio ambiente e os recursos ambientais;
II – órgão consultivo e deliberativo: o Conselho Nacional do Meio Ambiente
(CONAMA), com a �nalidade de assessorar, estudar e propor ao Conselho de
Governo, diretrizes de políticas governamentais para o meio ambiente e os recursos
naturais e deliberar, no âmbito de sua competência, sobre normas e padrões com-
patíveis com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qua-
lidade de vida; [...] (BRASIL, 2011).

O órgão consultivo e deliberativo é formado por representantes de todos os


Ministérios, Estados e da sociedade civil por meio de Organizações Não
Governamentais (ONGs), que de�nem as diretrizes da política nacional ambi-
ental, estabelecendo resoluções com valor de lei.

Os demais órgãos são:

III – órgão central: a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República,


com a �nalidade de planejar, coordenar, supervisionar e controlar, como órgão fe-
deral, a política nacional e as diretrizes governamentais �xadas para o meio ambi-
ente;
IV – órgão executor: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis, com a �nalidade de executar e fazer executar, como órgão fe-
deral, a política e diretrizes governamentais �xadas para o meio ambiente; [...]
(BRASIL, 2011).

O IBAMA é uma autarquia federal vinculada ao Ministério do Meio Ambiente,


que exerce o chamado "poder de polícia ambiental", executando ações da polí-
tica nacional do meio ambiente referentes às atribuições federais, tal como o
licenciamento ambiental, controle de poluição ambiental, autorização de uso
dos recursos naturais e a �scalização, monitoramento e controle ambiental,
além de outras ações suplementares de competência da União.

V – Órgãos Seccionais: os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execu-


ção de programas, projetos e pelo controle e �scalização de atividades capazes de
provocar a degradação ambiental (BRASIL, 2011).
Exemplos desses órgãos são as Secretarias Estaduais do Meio Ambiente,
Conselhos Estaduais do Meio Ambiente, Agências ambientais, entre outros.

VI – Órgãos Locais: os órgãos ou entidades municipais, responsáveis pelo controle


e �scalização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições (BRASIL, 2011).

Os estados poderão elaborar normas supletivas e complementares e padrões


relacionados com o meio ambiente, nas suas áreas de jurisdição e de acordo
com suas competências, desde que observadas as disposições do Conselho
Nacional do Meio Ambiente. As normas supletivas e complementares e os pa-
drões também poderão ser elaborados pelos municípios, uma vez que obser-
vadas as regulamentações dos níveis federal e estadual.

Conselho Nacional do Meio Ambiente


Como abordamos anteriormente, o CONAMA é o órgão consultivo e deliberati-
vo que compõe o Sistema Nacional do Meio Ambiente. Ele é composto por
Plenário, CIPAM, Grupos Assessores, Câmaras Técnicas e Grupos de Trabalho.

O Artigo 8º da Lei 6.938/81 dispõe as competências do CONAMA:


I – estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e critérios para o licencia-
mento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, a ser concedido pelos
Estados e supervisionado pelo IBAMA;
II – determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos das alternativas
e das possíveis conseqüências ambientais de projetos públicos ou privados, requi-
sitando aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem assim a entidades priva-
das, as informações indispensáveis para apreciação dos estudos de impacto ambi-
ental, e respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades de signi�cativa de-
gradação ambiental, especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional;
IV – homologar acordos visando à transformação de penalidades pecuniárias na
obrigação de executar medidas de interesse para a proteção ambiental;
V – determinar, mediante representação do IBAMA, a perda ou restrição de benefí-
cios �scais concedidos pelo Poder Público, em caráter geral ou condicional, e a per-
da ou suspensão de participação em linhas de �nanciamento em estabelecimentos
o�ciais de crédito;
VI – estabelecer, privativamente, normas e padrões nacionais de controle da polui-
ção por veículos automotores, aeronaves e embarcações, mediante audiência dos
Ministérios competentes;
VII – estabelecer normas, critérios e padrões relativos ao controle e à manutenção
da qualidade do meio ambiente com vistas ao uso racional dos recursos ambien-
tais, principalmente os hídricos.

Como pudemos observar, são muitas as atribuições do CONAMA. Desse modo,


para o Conselho exercê-las, pode utilizar-se dos seguintes atos:

1. Resoluções: quando o assunto a ser tratado se refere à deliberação vincu-


lada a diretrizes e normas técnicas, critérios e padrões relativos à prote-
ção ambiental e ao uso sustentável dos recursos ambientais (CNM, 2011).
2. Moções: manifestação de qualquer natureza relacionada à temática am-
biental.
3. Recomendações: é a manifestação relativa à implementação de políticas,
programas públicos e normas com repercussão na área ambiental.
4. Proposições: assuntos de matéria ambiental encaminhados ao Conselho
de Governo ou às Comissões do Senado Federal e da Câmara dos
Deputados.
5. Decisões: atos emanados como última instância administrativa e grau de
recurso a multas e outras penalidades impostas pelo IBAMA.

Esses são os atos do CONAMA para efetivação da Política Nacional do Meio


Ambiente. Cada órgão vai atuar de acordo com sua competência.

Para a efetivação dos princípios da Política Nacional de Meio Ambiente, foram


estabelecidos alguns instrumentos. Vejamos.

Instrumentos
Instrumentos são os meios pelos quais se faz valer as regras focadas no de-
senvolvimento sustentável, ou seja, a compatibilização das atividades econô-
micas com a preservação do meio ambiente.

Os instrumentos elencados na legislação são:

I – o estabelecimento de padrões de qualidade ambiental;


II – o zoneamento ambiental;
III – a avaliação de impactos ambientais;
IV – o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluido-
ras;
V – os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção
de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental;
VI – a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público
federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante
interesse ecológico e reservas extrativistas;
VII – o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente;
VIII – o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumento de Defesa
Ambiental;
IX – as penalidades disciplinares ou compensatórias ao não cumprimento das me-
didas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental;
X – a instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a ser divulgado anu-
almente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais
Renováveis – IBAMA;
XI – a garantia da prestação de informações relativas ao Meio Ambiente,
obrigando-se o Poder Público a produzi-las, quando inexistentes;
XII – o Cadastro Técnico Federal de atividades potencialmente poluidoras e/ou uti-
lizadoras dos recursos ambientais;
XIII – instrumentos econômicos, como concessão �orestal, servidão ambiental, se-
guro ambiental e outros (BRASIL, 2011).

Como estudamos, a Política Nacional do Meio Ambiente é estruturada por ór-


gãos e instrumentos, cada qual com uma �nalidade especí�ca, sempre visan-
do estabelecê-la a nível nacional.

Texto complementar

O texto a seguir é de grande importância para complementar nosso estudo até o


momento. Ele aborda as relações entre o ser humano e o mundo natural e nos
mostra a relevância em cuidar do ambiente em que vivemos e dos esforços de pla-
nejamento que devemos realizar.

Linguagem e percepção ambiental

As relações do ser humano com o mundo natural são determinadas pelas mais di-
versas concepções que, em geral, focalizam o homem como elemento extrínseco
ao meio ambiente e superior a ele. Em particular, a concepção antropocentrista
(que predominou na cultura judaico-cristã do Ocidente) pretendeu dar ao ser hu-
mano poderes ilimitados e inquestionáveis sobre o Planeta Terra.

Essa problemática pode ser considerada sob o ponto de vista geral e amplo do re-
lacionamento do ser humano com o mundo natural ou de determinada sociedade
com o meio ambiente – não apenas o do seu entorno imediato, mas, ainda, aquele
que é atingido por uma ação à distância – uma vez que as demandas de recursos
naturais e a produção de rejeitos não conhecem limites e levam seus impactos pa-
ra longe, aonde não se cogitava chegar. Basta olhar para o comércio internacional
e as guerras tecnológicas da atualidade.

Na gestão ambiental é imprescindível retomar uma re�exão sobre a relação


homem-natureza.

Relacionar-se signi�ca dizer respeito a, referir-se a, ter a ver com. Toda relação su-
põe os termos e os fundamentos relacionais. Termos relativos são aqueles que não
podem existir sem um outro num contexto dado; por exemplo, pai e �lho são ter-
mos relativos, um supõe o outro. O fundamento relacional, no caso, é a paternida-
de ou a �liação.

Ser humano e mundo natural são termos relativos: um não pode prescindir do ou-
tro, mesmo porque a espécie humana faz parte do mundo natural e não pode viver
sem ele. Por seu turno, o ecossistema planetário não pode prescindir da espécie
humana, seja como integrante, seja como responsável histórica pelos seus desti-
nos. Ser humano e mundo natural, assim como sociedade e meio ambiente, são
termos relativos, porque há um compromisso entre ambos, laços de interesse mú-
tuo; em síntese, um tem a ver com o outro. O fundamento relacional é a qualidade
ambiental para o planeta e qualidade de vida para a espécie humana.

A grande questão envolve a natureza e a qualidade dessas relações. Se os motivos


e os modos de o ser humano (indivíduo e sociedade) se relacionar com a natureza
são acertados, que objetivos concretos tem ele? Que desvios há? Que correções de
rota devem ser feitas? Que prioridades devem ser adotadas? Eis um exame que
não se esgota facilmente.

Não é difícil concluir, com a história das civilizações e do desenvolvimento socio-


econômico, que essas relações não são saudáveis: a posição antropocêntrica mal-
trata e tiraniza o mundo natural; a natureza, por sua vez, reage e faz suas cobran-
ças que desembocam em desastres e catástrofes, resultando na insegurança da
vida sobre a Terra. A poluição, a degradação do ambiente natural, a malversação
dos recursos, os con�itos econômicos e sociais con�rmam o mau relacionamento,
mas é sempre possível reverter o caminho do abismo, desde que haja tempo hábil
e vontade política.

Pelo visto, pode-se concluir que a essência da questão ambiental situa-se precisa-
mente no relacionamento da espécie humana com o conjunto do mundo natural.
Em poucas palavras, os fundamentos relacionais (cientí�cos, econômicos, sociais,
culturais e políticos) precisam ser radicalmente revistos com aquela atenção que
se dedica às autópsias.

Felizmente há reações salutares, embora tímidas. A evolução dos tempos e a


conscientização da questão ambiental forçam a mudança dessas concepções ou
paradigmas, ou modelos cientí�cos de organização dos conhecimentos. O amadu-
recimento das instituições culturais, sociais e políticas está redirecionando a so-
ciedade num outro sentido, de modo a rever suas relações com o meio ambiente
[...].

[...] É claro que, diante do atual quadro planetário, desenha-se a necessidade de


mudanças profundas nos estilos de civilização (estilo e nível de vida, modos de
produção, padrões de consumo etc.), dado que é muito clara a percepção do risco
que ameaça o planeta e, com ele, a própria espécie humana (adaptado de
COIMBRA, 2004, p. 536-538).

O texto do professor José Ávila de Aguiar Coimbra elucida sobre a mudança de


percepção da postura humana face ao meio ambiente. A�rma que a visão an-
tropocêntrica do meio ambiente deve ser substituída pela visão relacional
desses agentes, na medida em que a abordagem dominante na lei e na socie-
dade em geral tende a utilizar o espaço em que vivemos de maneira desorde-
nada e negativa, ou seja, não sustentada. O autor alerta sobre os problemas que
podem decorrer da continuidade do nosso modo de vida atual, no qual enxer-
gamos o ambiente como passível de uso à nossa maneira.

De fato, as catástrofes e alterações ambientais ocorridas nas últimas décadas


comprovam a necessidade de levarmos em conta as peculiaridades do ambi-
ente ao planejarmos nossas ações.

E, para conhecer um pouco mais sobre o planejamento ambiental, assista ao


vídeo a seguir, que discute algumas das posições apresentadas na leitura an-
terior.

6. Zoneamento e licenciamento ambiental


O zoneamento ambiental é um instrumento da Política Nacional do Meio
Ambiente, previsto na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente.

Esse instrumento pode contribuir de forma signi�cativa para uma política


efetiva de desenvolvimento sustentável.

Quer saber como? Então vamos em frente!


Conceitos
O zoneamento ambiental é um procedimento de divisão de um território em
parcelas em que se "[...] autorizam determinadas atividades ou interdita-se, de
modo absoluto ou relativo, o exercício de outras" (MACHADO, 2003, p. 250).
Essa determinação é realizada pelo Poder Público, o qual institui diferentes re-
gimes de uso, gozo e fruição da propriedade, de acordo com as características
ambientais e socioeconômicas, com vistas à manutenção de um meio ambi-
ente sadio e do bem-estar da população.

O meio ambiente não é um todo homogêneo, mas sim um complexo de espa-


ços físicos, cada qual com uma grande diversidade de componentes que se in-
teragem e, por isso, faz-se necessária a divisão do ambiente em áreas, com di-
ferentes graus de uso. Como bem assevera Edis Milaré (2009, p. 355):

Se a natureza estruturou o planeta Terra com os seus inúmeros ecossistemas,


atribuindo-lhes funções próprias e insubstituíveis; se as características e as in-
�uências mesológicas condicionam inevitavelmente a vida e as atividades huma-
nas, é certo que o uso do espaço natural e do espaço social precisa obedecer às leis
e condições que distinguem e diferenciam esses espaços.

Essa divisão estratégica do território foi, inicialmente, de�nida na


Constituição Federal, na qual o Artigo 225, §1º, Inciso III, determina que o
Poder Público efetive um mapeamento territorial, de�nindo áreas de especial
proteção com seus respectivos processos ecológicos:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e fu-
turas gerações.

§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

III – de�nir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus compo-


nentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permiti-
das somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integri-
dade dos atributos que justi�quem sua proteção; (BRASIL, 2011a).

Esse instrumento foi regulamentado pelo Decreto nº 4297/02, e estabelece cri-


térios para o zoneamento ambiental, adotando a nomenclatura de zoneamen-
to ecológico-econômico (ZEE). A de�nição legal do zoneamento ambiental es-
tá disposta no Artigo 2º do referido decreto:

Art. 2º O ZEE, instrumento de organização do território a ser obrigatoriamente se-


guido na implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas, estabelece
medidas e padrões de proteção ambiental destinados a assegurar a qualidade am-
biental dos recursos hídricos e do solo e a conservação da biodiversidade, garantin-
do o desenvolvimento sustentável e a melhoria das condições de vida da população
(BRASIL, 2011b).

Nota-se, portanto, que o zoneamento ambiental é o resultado de um planeja-


mento do meio ambiente, no qual a subdivisão do território em zonas deve as-
segurar a qualidade ambiental dos recursos hídricos e do solo, além da con-
servação da biodiversidade, pois somente um meio ambiente sadio é capaz de
garantir boas condições de vida humana. Ou seja, ele é o "ordenamento territo-
rial" estabelecido de acordo com as sensibilidades de cada localização.

Objetivos e diretrizes
O objetivo do zoneamento ambiental é subsidiar as decisões dos agentes públi-
cos e privados quanto a planos, programas, projetos e atividades que utilizem
os recursos naturais, direta ou indiretamente, assegurando a consecução do
desenvolvimento sustentável. Para isso, deve-se levar em conta:

• A importância ecológica.
• As limitações e fragilidades dos ecossistemas.
• Estabelecer vedações, restrições e alternativas de exploração do territó-
rio.

No processo de elaboração e implementação do zoneamento ambiental, de-


vem ser atendidas algumas diretrizes, conforme dispõe o Artigo 4º, Decreto nº
4297/02:

Buscar a sustentabilidade ecológica, econômica e social aliadas ao desenvolvimen-


to econômico, pelo reconhecimento do valor intrínseco da biodiversidade e suas
componentes;

Participação em conjunto da sociedade civil e da Administração Pública nos pro-


cessos de decisão;

Valorizar o conhecimento cientí�co multidisciplinar (adaptado de BRASIL, 2002).

Como o zoneamento ambiental visa a sustentabilidade, ele pode ser conside-


rado como um instrumento preventivo, já que um ambiente sadio e digno de
se viver depende de um bom planejamento do uso e ocupação do nosso habi-
tat. Por isso, ele deve seguir os princípios gerais do direito ambiental, tais co-
mo a função socioambiental da propriedade, da prevenção, da precaução, do
poluidor-pagador, do usuário-pagador, da participação informada, do acesso
equitativo e da integração.

7. Zoneamento ambiental
Modalidades de zoneamento ambiental
Segundo Moraes (2002), há duas formas de zoneamento ambiental: o zonea-
mento urbano e o zoneamento rural. O zoneamento urbano será abordado
mais adiante, especi�camente na temática sobre planejamento ambiental ur-
bano. Agora, focaremos, apenas, o zoneamento rural.
Para uma melhor compreensão da matéria, Moraes (2002), subdivide o zonea-
mento ambiental rural em três fases:

Fase 1 – Zoneamento ambiental rural: nível macro

Essa primeira fase se trata do zoneamento que deve ser realizado a nível fede-
ral, ou seja, em todos os estados, pelo Ministério do Meio Ambiente. Até hoje,
esse zoneamento em escala federal ainda não foi realizado e consiste em letra
morta no papel.

Fase 2 – Zoneamento ambiental rural: nível médio

A nível médio, o zoneamento classi�ca-se em áreas públicas e áreas privadas,


diferenciando-se pelo regime de uso de solo. A lei de�ne quais áreas são de
propriedade da União, dos estados e de áreas privadas.

O proprietário de uma área pode utilizar seu espaço da maneira que lhe convi-
er, porém, deve respeitar os interesses sociais, como a função social de sua
propriedade e a conservação do meio ambiente. Essas limitações serão encon-
tradas na de�nição de zoneamento na qual sua propriedade se enquadrar.

Fase 3 – Zoneamento ambiental rural: nível micro

Em nível micro, o zoneamento propõe a divisão de espaços restritos, como de-


terminada elevação de uma serra, cobertura vegetal no entorno de um lago ou
dentro de propriedades privadas.

Competência para elaboração e execução


Em biomas brasileiros ou territórios contidos em planos e projetos considera-
dos prioritários pelo Governo Federal, a elaboração e execução do ZEE nacio-
nal e regional caberá ao Poder Público Federal. Porém, mediante celebração de
termo, poderá elaborar e executar o ZEE juntamente com os estados, desde que
sejam seguidos os objetivos e as diretrizes do Decreto nº 4297/02.

Os dados e o ZEE resultante desse planejamento realizado devem ser disponi-


bilizados publicamente, cabendo ao Poder Público Federal reuni-los em um
único banco de dados. O produto gerado deverá seguir as escalas abordadas
no Quadro 1.

Quadro 1 Escalas de ZEE.

ARTIGO 6-A: ESCALAS DE ZEE

1:5.000.000 para escala de apresentação e


ZEE Nacional
1:1.000.000 para referência

ZEE macrorregionais 1:1.000.000 ou maiores

Regiões Norte,
 
Centro-Oeste e 1:1.000 a 1:250.000
ZEE dos esta-
Nordeste
dos ou re-
giões Região Sudeste,
Sul e Zona 1:250.000 a 1:100.000
Costeira

ZEE local 1:100.000 ou maiores

Funções das escalas de ZEE:


1:1.000.000: indicativos estratégicos de uso do território, de�nição de áreas
para detalhamento do ZEE, utilização como referência para de�nição de prio-
ridades em planejamento territorial e gestão de ecossistemas;

1:250.000 e maiores: indicativos de gestão e ordenamento territorial ou regio-


nal, tais como, de�nição dos percentuais para �ns de recomposição ou au-
mento de reserva legal, em áreas que compreendem partes de um ou mais
estados;

1:100.000 e maiores: indicativos operacionais de gestão e ordenamento terri-


torial, tais como: planos diretores municipais, planos de gestão ambiental e
territorial locais e usos de áreas de preservação permanente.

Fonte: Brasil (2011).

Os ZEE estaduais, regionais e locais poderão ser reconhecidos pela União caso
tenham sido referendados pela Comissão Estadual do ZEE, aprovados pelas
Assembleias Legislativas Estaduais e compatibilizados com o ZEE estadual,
no caso dos ZEE regionais e locais.

Os executores de ZEE deverão apresentar os pressupostos do Quadro 2.

Quadro 2 Pressupostos de apresentação do ZEE.

Artigo 8º e 9º, Decreto nº 4297/02 – Pressupostos de apresentação do ZEE


I. termo de referência detalhado;
II. equipe de coordenação composta por pessoal téc-
nico habilitado;

III.  compatibilidade metodológica com os princípios


e critérios aprovados pela Comissão Coordenadora
do Zoneamento Ecológico-Econômico do Território
Nacional;

IV.   produtos gerados por meio do Sistema de


Informações Geográ�cas;

V. entrada de dados no Sistema de Informações


Pressupostos técnicos
Geográ�cas;

VI. normatização técnica com base nos referenciais


da Associação Brasileira de Normas Técnicas e da
Comissão Nacional de Cartogra�a para produção e
publicação de mapas e relatórios técnicos;

VII. compromisso de disponibilizar informações ne-


cessárias à execução do ZEE;

VIII.  projeto especí�co de mobilização social e en-


volvimento de grupos sociais interessados.
I. arranjos institucionais destinados a assegurar a
inserção do ZEE em programa de gestão territorial,
mediante a criação de comissão de coordenação es-
tadual, com caráter deliberativo e participativo, e de
coordenação técnica, com equipe multidisciplinar;
II.  base de informações compartilhadas entre os di-
versos órgãos da administração pública;
Pressupostos instituci-
onais
III. proposta de divulgação da base de dados e dos
resultados do ZEE;

IV. compromisso de encaminhamento periódico dos


resultados e produtos gerados à Comissão
Coordenadora do ZEE.

Fonte: Brasil (2002).

Conteúdo
A divisão do território em zonas, que consiste no próprio zoneamento ambien-
tal, deve estar de acordo com as necessidades de proteção, conservação e re-
cuperação dos recursos naturais (Quadro 3), porém, ela também deverá consi-
derar outros aspectos, como a utilidade e simplicidade, de modo que sua im-
plementação e compreensão pelos cidadãos seja facilitada.

Quadro 3 Conteúdo mínimo do ZEE.

Artigo 12-14, Decreto nº 4297/02 – Conteúdo mínimo do ZEE


I.   Unidades dos Sistemas Ambientais, de�nidas a
partir da integração entre os componentes da nature-
za;
II. Potencialidade Natural, de�nida pelos serviços am-
bientais dos ecossistemas e pelos recursos naturais
disponíveis, incluindo, entre outros, a aptidão agríco-
la, o potencial madeireiro e o potencial de produtos
�orestais não-madeireiros, que inclui o potencial para
a exploração de produtos derivados da biodiversidade;

III. Fragilidade Natural Potencial, de�nida por indica-


dores de perda da biodiversidade, vulnerabilidade na-
tural à perda de solo, quantidade e qualidade dos re-
cursos hídricos super�ciais e subterrâneos;

IV. indicação de corredores ecológicos;


Diagnóstico de recur-
sos naturais, sociais,
V. tendências de ocupação e articulação regional, de�-
econômicos e aspec-
nidas em função das tendências de uso da terra, dos
tos legais
�uxos econômicos e populacionais, da localização
das infraestruturas e circulação da informação;

VI. condições de vida da população, de�nidas pelos


indicadores de condições de vida, da situação da saú-
de, educação, mercado de trabalho e saneamento bá-
sico;

VII.   incompatibilidades legais, de�nidas pela situa-


ção das áreas legalmente protegidas e o tipo de ocu-
pação que elas vêm sofrendo;

VIII.  áreas institucionais, de�nidas pelo mapeamento


das terras indígenas, unidades de conservação e áre-
as de fronteira.
I. atividades adequadas a cada zona, de acordo com
sua fragilidade ecológica, capacidade de suporte am-
biental e potencialidades;
II. necessidades de proteção ambiental e conservação
das águas, do solo, do subsolo, da fauna e �ora e de-
mais recursos naturais renováveis e não renováveis;

III. de�nição de áreas para unidades de conservação,


de proteção integral e de uso sustentável;

IV. critérios para orientar as atividades madeireira e


não madeireira, agrícola, pecuária, pesqueira e de pis-
cicultura, de urbanização, de industrialização, de mi-
neração e de outras opções de uso dos recursos ambi-
entais;

V. medidas destinadas a promover, de forma ordenada


Diretrizes gerais e es- e integrada, o desenvolvimento ecológico e economi-
pecí�cas camente sustentável do setor rural, com o objetivo de
melhorar a convivência entre a população e os recur-
sos ambientais, inclusive com a previsão de diretrizes
para implantação de infraestrutura de fomento às ati-
vidades econômicas;

VI. medidas de controle e de ajustamento de planos de


zoneamento de atividades econômicas e sociais re-
sultantes da iniciativa dos municípios, visando a
compatibilizar, no interesse da proteção ambiental,
usos con�itantes em espaços municipais contíguos e
a integrar iniciativas regionais amplas e não restritas
às cidades;

VII. planos, programas e projetos dos governos fede-


ral, estadual e municipal, bem como suas respectivas
fontes de recursos com vistas a viabilizar as ativida-
des apontadas como adequadas a cada zona.
Informações do Sistema de Informações Geográ�cas

Cenários tendenciais e alternativos


Fonte: adaptado de Valle (2006).

Elementos
Planejar a melhor maneira de dividir um território em áreas com �nalidades
diferenciadas não é uma tarefa simples, já que ele requer uma equipe de pro-
�ssionais com diferentes formações e uma integração racional e concreta dos
dados investigados.

Milaré (2009) detalha os passos que podem ser seguidos em um estudo de zo-
neamento ambiental:

1. De�nição de objetivos e da região dos estudos: inicialmente, devem ser


de�nidos os aspectos da área de estudo em relação aos possíveis usos. A
�nalidade do zoneamento deve ser de�nida e delimitada, como servir de
apoio à elaboração de lei municipal de zoneamento, estudo de previsão de
impactos ambientais decorrentes ao mau uso da terra etc.
2. De�nição de prazos e recursos disponíveis para execução do trabalho: a
de�nição de prazos e recursos disponíveis tem caráter prático no desen-
volver do estudo.
3. Identi�cação dos aspectos ambientais de interesse para o estudo: todas
as características do ambiente devem ser identi�cadas nesta etapa, e nela
se inclui a descrição do meio físico, geológico, biológico, social e demais
aspectos relevantes, incluindo o máximo de descrição das relações entre
eles. É o levantamento bibliográ�co inicial do ambiente que será estuda-
do, incluindo a pesquisa de usos pretéritos e correntes do espaço, que se-
jam relevantes à de�nição das próximas etapas do planejamento.
4. De�nição de escalas de trabalho: a de�nição da escala de trabalho deve
ser feita de acordo com a extensão do território objeto do estudo. Esse
passo é relevante para a consecução das pesquisas de acordo com a �na-
lidade pretendida. Exempli�cando, isso quer dizer que um estudo deta-
lhado da vegetação do entorno de um rio de extensão municipal é irrele-
vante a um planejamento de dimensões nacionais.
5. Identi�cação das metodologias de diagnóstico, interpretação e represen-
tação dos aspectos estudados: o uso de metodologias corretas, de acordo
com a �nalidade, está intimamente relacionado com o sucesso do plane-
jamento, já que de nada adiantaria se o estudo realizado no ambiente não
fosse bem utilizado e interpretado de acordo com as possibilidades de zo-
neamento. Além disso, a con�ança nos dados, que se dará pela precisão e
exatidão dos aspectos levantados, é essencial para a boa interpretação do
meio ambiente.
6. Desenvolvimento do diagnóstico: dá-se pelo levantamento secundário de
dados e informações publicadas em revistas cientí�cas, livros, estudos
técnicos etc.
7. Processamento e interpretação das informações: nesta etapa, os dados
obtidos devem ser organizados em categorias, identi�cando-se, em cada
uma delas, os diferentes levantamentos realizados.
8. Representação cartográ�ca das informações processadas: nesta etapa,
os dados do estudo devem ser, sempre que possível, locados, geogra�ca-
mente, em mapas para uma melhor visualização. Quando isso não for
possível, devem ser apresentados separadamente.
9. Interação dos dados: os diferentes resultados encontrados devem ser in-
terpretados de maneira integrada, pela sobreposição de mapas.
10. Representação �nal do zoneamento: a última etapa corresponde à elabo-
ração �nal da cartogra�a que conterá o zoneamento proposto no objetivo
do estudo, considerando os diferentes usos e formas de ocupação preten-
didos para a área.

Análise e aprovação do ZEE


Após a análise detalhada realizada pela Comissão Coordenadora do ZEE, esta
poderá solicitar informações complementares que julgar imprescindíveis e,
após a sua complementação, o ZEE será aprovado.

As alterações dos produtos do ZEE, como mudança nos limites das zonas ou
indicações de novas diretrizes, deverão ocorrer após dez anos da conclusão ou
última modi�cação no zoneamento. Uma exceção a esse prazo pode ocorrer
no caso da modi�cação aumentar o rigor da proteção ambiental ou atualiza-
ções decorrentes de aprimoramento técnico-cientí�co. As alterações, no en-
tanto, não poderão reduzir o percentual da reserva legal de�nido na Lei, nem
áreas protegidas de qualquer natureza (BRASIL, 2002).
Tais alterações poderão ocorrer após consulta pública e aprovação pela
Comissão estadual do ZEE e pela Comissão Coordenadora do ZEE (BRASIL,
2002).

Considerações gerais sobre o zoneamento


Ao dividir espacialmente a terra em zonas, deve-se levar em conta as ativida-
des socioeconômicas realizadas na área, a importância ecológica, as potencia-
lidades e as fragilidades dos ecossistemas, entre outros aspectos relevantes.
Por cada uma dessas características, a lei de zoneamento deve determinar di-
ferenciada proteção, estabelecendo vedações, restrições e alternativas de ex-
ploração dos diferentes ambientes.

Ao impor tais restrições, mesmo que sejam em propriedades privadas,


representa-se os usos permitidos que con�guram a verdadeira utilização de
acordo com a função social da propriedade, prevista na Constituição Federal.

A participação de toda a sociedade no processo de elaboração e implantação


do zoneamento é garantida em lei e é essencial para a correta tomada de deci-
são em matéria ambiental. A população que habita as áreas zoneadas deve ser
considerada com vistas à proteção à sua qualidade de vida e à proteção do
meio ambiente. Esses dois princípios devem sempre estar aliados, já que o ob-
jetivo principal do zoneamento é a efetivação do desenvolvimento sustentável
socioeconômico no território.

A partir de um zoneamento correto do território, ele servirá de subsídio à ado-


ção de políticas locais, regionais e nacionais de desenvolvimento sustentável
socioeconômico.

Texto complementar

Para complementar nossos estudos, vamos conhecer um estudo de caso de zonea-


mento ambiental da Estação de Tratamento de Esgoto de São José do Rio Preto,
São Paulo.
Estudo de caso: Estação de Tratamento de Esgoto de São José do Rio Preto, São
Paulo – ETE SJRP

Para apresentar os conceitos de Zoneamento Ambiental e sua aplicação na locali-


zação de atividades, o presente trabalho apresenta os procedimentos metodológi-
cos utilizados para a de�nição do local de implantação da Estação de Tratamento
de Esgotos Sanitários do município de São José do Rio Preto – SP (ETE-SJRP),
levando-se em consideração – contribuição primária da aplicação do zoneamento
ambiental – as limitações impostas pelo meio, em termos da sua capacidade de
suporte. O presente estudo de caso é todo baseado nos fundamentos metodológi-
cos que nortearam o processo de elaboração, pelos próprios autores deste trabalho,
do Relatório Ambiental Preliminar (RAP), documento interveniente no processo
de licenciamento ambiental, solicitado pela Secretaria de Estado do Meio
Ambiente de São Paulo para avaliação prévia dos empreendimentos sujeitos ao li-
cenciamento através de EIA/RIMA conforme preconiza as Resoluções CONAMA
01/86 e 237/97.

Caracterização do município

São José do Rio Preto está localizado no Noroeste Paulista, a 452 km de São Paulo
e a 600 km de Brasília. O distrito sede do município se localiza nas coordenadas
20º49’11” de latitude Sul e 49º22’46” de longitude Oeste. Sua área é de 434,10 km²,
sendo 96,81 km² de área urbana e 337,29 km² de área rural, o que corresponde a
pouco mais de 20% do seu território. Sua população, de acordo com dados do
Censo Demográ�co – 2000, era de 358.523 habitantes, sendo 337.289 (94%) na zona
urbana.

O município está localizado na bacia hidrográ�ca do rio Preto, uma das 12 sub-
bacias da Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos da Bacia Turvo/Grande
(UGRHI 15, conforme a subdivisão vigente no Estado de São Paulo). A bacia do Rio
Preto, com 2.866,60 km2, é a que possui maior área dentre as sub-bacias que com-
põem a UGRHI.

Em relação ao abastecimento de água, no município de São José do Rio Preto, 99%


da população já era abastecida pelo sistema público, que utiliza mananciais su-
per�cial e subterrâneo. O manancial super�cial é o rio Preto, represado para esse
�m, e o manancial subterrâneo é constituído pelos aqüíferos Bauru e Botucatu. O
volume total de água explorada atinge 94.075 m3/dia, sendo 41% super�cial e 59%
subterrâneo, correspondendo a 38.500 m3/dia e 55.575 m3/dia, respectivamente.
A rede coletora de esgotos existente ao �nal de 2002, com extensão aproximada de
1.175 km, atendia a 95% da população, o que correspondia – para dados de 2000 – a
75.312 m3/dia de esgoto coletado. Desse total, 3.456 m3/dia eram tratados em duas
ETEs, às margens de outros córregos que cortavam a zona urbana (Piedade e São
Pedro). Estas estações operavam de forma precária, inclusive quanto à disposição
dos resíduos sólidos gerados no tratamento.

De�nição do local

Para a escolha do local mais apropriado para a implantação da ETE-SJRP, em ter-


mos da capacidade de suporte apresentada pelo meio, procedeu-se à elaboração
de um zoneamento ambiental preliminar, para avaliação em duas vertentes dis-
tintas.

O estudo elaborado para o caso em questão, ainda que não tenha recorrido a um
grande volume de informações – pela mera inexistência de tais informações –
amparou-se nos aspectos metodológicos descritos no presente trabalho. Sendo as-
sim, o zoneamento ambiental foi elaborado com base nas informações existentes
– tipos de solo, declividade do terreno, infra-estrutura, recursos hídricos, uso e
ocupação do solo, complementadas por informações especí�cas obtidas por meio
de trabalhos de campo para a interpretação de imagens orbitais e para a realiza-
ção de um levantamento geotécnico especí�co.

A primeira delas procurou avaliar as condições do meio físico para o recebimento


da ETE propriamente dita, ou seja, que fosse capaz de suportar os possíveis impac-
tos advindos das obras civis, movimentação de terra, etc., bem como possuísse
uma maior aptidão para o recebimento de uma ETE e do aterro para o recebimento
do lodo gerado, a ser implantado junto à ETE. Isso signi�ca, de maneira geral, en-
contrar áreas que não estivessem sobre formações geológicas que indicassem a
presença de aqüíferos, que apresentassem solos mais impermeáveis (di�cultando
a in�ltração de possíveis poluentes), em declividade pouco acentuada (facilitando
a execução das obras e minimizando a possibilidade de erosão no local), além do
escoamento do esgoto por gravidade, na medida do possível, etc.

Um outro aspecto avaliado relaciona-se ao ponto de lançamento dos e�uentes ge-


rados na ETE. Veri�cou-se que o município de São José do Rio Preto apresenta
uma enorme carência relacionada à existência de recursos hídricos super�ciais,
tanto em termos de quantidade quanto em termos de qualidade, agravada pela de-
manda exercida pelos diversos usos (residencial, industrial, irrigação). Após uma
primeira avaliação, concluiu-se que o rio Preto seria o único corpo d’água que po-
deria suportar o lançamento dos e�uentes gerados na ETE, o que foi posterior-
mente con�rmado pelos estudos de capacidade de depuração.
Dessa forma, elaborou-se um zoneamento ambiental preliminar para o município
a �m de se avaliar os possíveis locais para a implantação do empreendimento.
Nesse momento, duas áreas contíguas ao rio Preto surgem como possuidoras de
um potencial adequado para esse �m, ambas apresentando uma situação de geo-
logia e tipo de solo semelhantes, diferindo ligeiramente no que se refere à declivi-
dade, porém sem que �casse constatado que uma destas áreas era inviável para o
recebimento da ETE (Figura 3). Essa situação acabou por atribuir à capacidade do
corpo d’água em diluir os e�uentes um peso decisivo para a escolha da área.

Figura 3 Relevo da área de estudo e alternativas de�nidas após o zoneamento ambiental preliminar.

Escolha do local de implantação da ETE

Após a realização de uma série de reuniões com representantes da administração


municipal, técnicos e diretores do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE),
CETESB e outras instituições técnicas, em que foram de�nidos os critérios funda-
mentais para a elaboração do zoneamento ambiental para avaliação do potencial
do território para implantação de ETE, e uma audiência pública amplamente di-
vulgada, para esclarecimento da população e acolhimento de sugestões que fos-
sem apresentadas, decidiu-se que a decisão mais adequada contemplaria o afasta-
mento dos esgotos para fora da área urbana e a concentração destes em uma das
margens do rio Preto, onde seria implantado um sistema de tratamento para tota-
lidade da população de São José do Rio Preto.

Assim sendo, executou-se um estudo comparativo entre duas áreas com essas ca-
racterísticas. A primeira área, localizada junto à con�uência do córrego São Pedro
com o rio Preto, no limite da área urbana, recebeu a denominação de alternativa
“A”. A segunda área está situada na margem direita do rio Preto, mais afastada da
zona urbana, a jusante da con�uência deste com o córrego do Talhado, denomina-
da alternativa “B”. Ao �nal das avaliações, e uma vez que ambas as áreas não
apresentavam grandes diferenças quanto aos impactos ambientais que seriam ge-
rados, além de apresentarem um desempenho com relação à diluição dos e�uen-
tes da ETE que atende ao enquadramento dos corpos d’água, decidiu-se que a al-
ternativa B seria a mais adequada, por contemplar um afastamento maior da zona
urbana permitindo uma margem de segurança temporal para a adoção de medi-
das que viessem a orientar a expansão do município, no sentido de manter a cida-
de afastada da estação.

Após a tramitação do processo junto à SMA-SP, com a aprovação do RAP e a con-


seqüente emissão da Licença Prévia (que, conforme a Resolução CONAMA 237/97,
atesta a viabilidade ambiental do empreendimento, aprovando a localização e a
concepção tecnológica propostas), uma nova variável surge para bloquear o anda-
mento das etapas seguintes.

Em função da falência do antigo proprietário da área indicada inicialmente para a


implantação da ETE, e do bloqueio de seus bens, a área não mais poderia ser ad-
quirida – sequer desapropriada – pela administração municipal até que se resol-
vessem os problemas judiciais. Nesse momento, a abordagem metodológica em-
pregada na elaboração do RAP foi determinante para a agilidade na resolução des-
te problema.

Uma vez que já havia sido efetuada uma avaliação especí�ca sobre uma segunda
área (considerada, pela viabilidade ambiental veri�cada após a elaboração do zo-
neamento ambiental preliminar, como uma alternativa locacional), o órgão esta-
dual responsável pela avaliação do pedido de licenciamento solicitou apenas uma
complementação sucinta ao RAP inicialmente encaminhado, focalizando alguns
temas especí�cos sobre a área B, apresentada a partir desse momento como a área
sobre a qual seria implementada a ETE (MONTAÑO, 2007, p. 49-64).

A partir do estudo de caso acima, é possível avaliar a complexidade e a pro-


fundidade de avaliação necessárias para o planejamento de uma ação no meio
ambiente.

Note o encadeamento do estudo no sentido de levantar as características lo-


cais para a tomada de decisão.

Conforme estudamos anteriormente, o licenciamento é um dos instrumentos


da Política Nacional do Meio Ambiente, previsto na Lei nº 6.938/81.

A especi�cação do conceito, do procedimento e das atividades que necessitam


ser licenciadas foi atribuída ao CONAMA, que editou a Resolução nº 237, em 19
de dezembro de 1997.

Essa norma surgiu pela necessidade de efetivar a utilização do sistema de li-


cenciamento como instrumento de gestão ambiental, bem como de regula-
mentar os aspectos e os critérios para o exercício da competência do licencia-
mento estabelecidos em lei.

Vamos compreender melhor esse assunto?

Segundo o Inciso I do Artigo 1º da Resolução CONAMA nº 237/97, licencia-


mento ambiental é um procedimento de caráter administrativo pelo qual o ór-
gão administrativo ambiental, após análise dos estudos técnicos e requisitos,
autoriza ou impede a construção, instalação, ampliação e funcionamento de
empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidoras.

O ato administrativo expedido pelo órgão competente pelo licenciamento é a


licença ambiental. Essa licença estabelece as condições, restrições e medidas
de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor para a
realização de suas atividades.

Alguns estudos ambientais podem ser necessários para servirem de subsídio


para a análise da licença requerida. Esses estudos devem ser bem detalhados
e especi�car as principais formas de planejamento ambiental do empreendi-
mento ou atividade, tais como:

1. Relatório ambiental.
2. Plano e projeto de controle ambiental.
3. Relatório ambiental preliminar.
4. Diagnóstico ambiental.
5. Plano de manejo.
6. Plano de recuperação de área degradada.
7. Análise preliminar de risco.

Os documentos elencados são apenas algumas modalidades. Outros estudos


podem ser exigidos para a concessão do licenciamento.
A seguir, conheceremos quais atividades ou empreendimentos que devem ob-
ter licença ambiental para serem instalados e operados.

8. Empreendimentos a serem licenciados


O licenciamento ambiental sempre é necessário, quando se pretende realizar
um empreendimento ou atividade que possa causar um signi�cativo dano
ambiental. A previsão legal da exigência do licenciamento ambiental consta
no Artigo 10 da Lei nº 6.938/1981, que dispõe o seguinte:

A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e ativi-


dades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente
poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambi-
ental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integran-
te do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, em caráter supletivo,
sem prejuízo de outras licenças exigíveis (BRASIL, 2011).

O Anexo I da Resolução nº 237 do CONAMA elenca os empreendimentos e ati-


vidades que são obrigatoriamente sujeitas ao licenciamento, os quais podem
ser conferidos no Quadro 4:

Quadro 4 Atividades ou empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambien-


tal.

ANEXO I – ATIVIDADES OU EMPREENDIMENTOS SUJEITOS AO


LICENCIAMENTO AMBIENTAL
• pesquisa mineral com guia de utilização;
• lavra a céu aberto, inclusive de aluvião, com ou
sem bene�ciamento;
Extração e tratamen- • lavra subterrânea com ou sem bene�ciamento;
to de minerais • lavra garimpeira;
• perfuração de poços e produção de petróleo e gás
natural.
• bene�ciamento de minerais não metálicos, não
associados à extração;
Indústria de produ- • fabricação e elaboração de produtos minerais
tos minerais não me- não metálicos tais como: produção de material
tálicos cerâmico, cimento, gesso, amianto e vidro, entre
outros.

• fabricação de aço e de produtos siderúrgicos;


• produção de fundidos de ferro e aço/forjados/ara-
mes/relaminados com ou sem tratamento de su-
perfície, inclusive galvanoplastia;
• metalurgia dos metais não ferrosos, em formas
primárias e secundárias, inclusive ouro;
• produção de laminados/ligas/artefatos de metais
não ferrosos com ou sem tratamento de superfí-
cie, inclusive galvanoplastia;
• relaminação de metais não ferrosos , inclusive li-
Indústria metalúrgi-
gas;
ca
• produção de soldas e anodos;
 
• metalurgia de metais preciosos;
• metalurgia do pó, inclusive peças moldadas;
• fabricação de estruturas metálicas com ou sem
tratamento de superfície, inclusive galvanoplas-
tia;
• fabricação de artefatos de ferro/aço e de metais
não ferrosos com ou sem tratamento de superfí-
cie, inclusive galvanoplastia;
•   têmpera e cementação de aço, recozimento de
arames, tratamento de superfície.

• fabricação de máquinas, aparelhos, peças, utensí-


lios e acessórios com e sem tratamento térmico
Indústria mecânica e/ou de superfície.
• fabricação de pilhas, baterias e outros acumula-
dores;
Indústria de material • fabricação de material elétrico, eletrônico e equi-
elétrico, eletrônico e pamentos para telecomunicação e informática;
comunicações • fabricação de aparelhos elétricos e eletrodomés-
ticos.

• fabricação e montagem de veículos rodoviários e


ferroviários, peças e acessórios;
Indústria de material • fabricação e montagem de aeronaves;
de transporte • fabricação e reparo de embarcações e estruturas
�utuantes.

• serraria e desdobramento de madeira;


• preservação de madeira;
Indústria de madeira
• fabricação de chapas, placas de madeira aglome-
 
rada, prensada e compensada;
• fabricação de estruturas de madeira e de móveis.

• fabricação de celulose e pasta mecânica;


Indústria de papel e
• fabricação de papel e papelão;
celulose
• fabricação de artefatos de papel, papelão, cartoli-
 
na, cartão e �bra prensada.

• bene�ciamento de borracha natural;


• fabricação de câmara de ar e fabricação e recon-
Indústria de borra-
dicionamento de pneumáticos;
cha
• fabricação de laminados e �os de borracha;
 
• fabricação de espuma de borracha e de artefatos
de espuma de borracha, inclusive látex.
• secagem e salga de couros e peles;
• curtimento e outras preparações de couros e pe-
Indústria de couros e
les;
peles
• fabricação de artefatos diversos de couros e pe-
 
les;
• fabricação de cola animal.
• produção de substâncias e fabricação de produ-
tos químicos;
• fabricação de produtos derivados do processa-
mento de petróleo, de rochas betuminosas e da
madeira;
• fabricação de combustíveis não derivados de pe-
tróleo;
• produção de óleos/gorduras/ceras vegetais-
animais/óleos essenciais vegetais e outros pro-
dutos da destilação da madeira;
• fabricação de resinas, de �bras e �os arti�ciais e
sintéticos e de borracha e látex sintéticos;
• fabricação de pólvora/explosivos/detonantes
/munição para caça-desporto, fósforo de segu-
rança e artigos pirotécnicos;
Indústria química • recuperação e re�no de solventes, óleos minerais,
vegetais e animais;
• fabricação de concentrados aromáticos naturais,
arti�ciais e sintéticos;
• fabricação de preparados para limpeza e poli-
mento, desinfetantes, inseticidas, germicidas e
fungicidas;
• fabricação de tintas, esmaltes, lacas, vernizes,
impermeabilizantes, solventes e secantes;
• fabricação de fertilizantes e agroquímicos;
• fabricação de produtos farmacêuticos e veteriná-
rios;
• fabricação de sabões, detergentes e velas;
• fabricação de perfumarias e cosméticos;
• produção de álcool etílico, metanol e similares.

Indústria de produ- • fabricação de laminados plásticos;


tos de matéria plásti- • fabricação de artefatos de material plástico.
ca
• bene�ciamento de �bras têxteis, vegetais, de ori-
gem animal e sintéticos;
• fabricação e acabamento de �os e tecidos;
Indústria têxtil, de • tingimento, estamparia e outros acabamentos em
vestuário, calçados e peças do vestuário e artigos diversos de tecidos;
artefatos de tecidos • fabricação de calçados e componentes para cal-
çados.

• bene�ciamento, moagem, torrefação e fabricação


de produtos alimentares;
• matadouros, abatedouros, frigorí�cos, charquea-
das e derivados de origem animal;
• fabricação de conservas;
• preparação de pescados e fabricação de conser-
vas de pescados;
• preparação, bene�ciamento e industrialização de
leite e derivados;
• fabricação e re�nação de açúcar;
Indústria de produ- • re�no/preparação de óleo e gorduras vegetais;
tos alimentares e be- • produção de manteiga, cacau, gorduras de origem
bidas animal para alimentação;
• fabricação de fermentos e leveduras;
• fabricação de rações balanceadas e de alimentos
preparados para animais;
• fabricação de vinhos e vinagre;
• fabricação de cervejas, chopes e maltes;
• fabricação de bebidas não alcoólicas, bem como
engarrafamento e gasei�cação de águas mine-
rais;
• fabricação de bebidas alcoólicas.

• fabricação de cigarros/charutos/cigarrilhas e ou-


Indústria de fumo tras atividades de bene�ciamento do fumo.
• usinas de produção de concreto;
• usinas de asfalto;
Indústrias diversas • serviços de galvanoplastia.

• rodovias, ferrovias, hidrovias, metropolitanos;


• barragens e diques;
• canais para drenagem;
• reti�cação de curso de água;
Obras civis • abertura de barras, embocaduras e canais;
• transposição de bacias hidrográ�cas;
• outras obras de arte.

• produção de energia termoelétrica;


• transmissão de energia elétrica;
• estações de tratamento de água;
• interceptores, emissários, estação elevatória e
tratamento de esgoto sanitário;
• tratamento e destinação de resíduos industriais
(líquidos e sólidos);
• tratamento/disposição de resíduos especiais tais
Serviços de utilidade
como: de agroquímicos e suas embalagens usa-
das e de serviço de saúde, entre outros;
• tratamento e destinação de resíduos sólidos ur-
banos, inclusive aqueles provenientes de fossas;
• dragagem e derrocamentos em corpos d'água;
• recuperação de áreas contaminadas ou degrada-
das.

• transporte de cargas perigosas;


• transporte por dutos;
• marinas, portos e aeroportos;
Transporte, termi- • terminais de minério, petróleo e derivados e pro-
nais e depósitos dutos químicos;
• depósitos de produtos químicos e produtos peri-
gosos.
• complexos turísticos e de lazer, inclusive parques
Turismo temáticos e autódromos.

• parcelamento do solo;
Atividades diversas • distrito e polo industrial.

Atividades agrope- • projeto agrícola;


cuárias • criação de animais;
  • projetos de assentamentos e de colonização.

• silvicultura;
• exploração econômica da madeira ou lenha e
subprodutos �orestais;
• atividade de manejo de fauna exótica e criadouro
de fauna silvestre;
Uso de recursos na- • utilização do patrimônio genético natural;
turais • manejo de recursos aquáticos vivos;
• introdução de espécies exóticas e/ou genetica-
mente modi�cadas;
• ·uso da diversidade biológica pela biotecnologia.

Fonte: adaptado de Conama (1997).

Outras atividades também poderão ser consideradas sujeitas ao licenciamen-


to, conforme de�nição do órgão ambiental, que levará em consideração as es-
peci�cidades, os riscos ambientais, o porte do empreendimento ou outras ca-
racterísticas.

9. Etapas do licenciamento
De acordo com o Artigo 10º da Resolução CONAMA nº 237/97, o licenciamento
ambiental tem oito etapas:

1. O órgão ambiental licenciador, juntamente ao empreendedor, de�ne os


documentos, os projetos e os estudos ambientais necessários ao início do
processo do licenciamento.
2. Após providenciar os documentos, os projetos e os estudos ambientais
necessários, o empreendedor faz o requerimento da licença ambiental,
anunciando-a publicamente.
3. O órgão ambiental competente analisa os documentos, os projetos e os es-
tudos ambientais apresentados e, caso julgue necessário, a realização de
vistorias técnicas.
4. Caso o órgão competente julgar necessário, ele pode solicitar esclareci-
mentos e complementações aos documentos já apresentados no pedido
de licenciamento.
5. Realização de audiências públicas de acordo com a regulamentação,
quando, no caso, couber.
6. Caso o órgão competente julgar necessário, ele poderá solicitar esclareci-
mentos e complementações de audiências públicas.
7. Emissão pelo órgão ambiental de parecer técnico conclusivo e, quando
couber, de parecer jurídico.
8. O órgão competente defere ou indefere o pedido de licença, com a devida
publicidade, que se desdobra em licença prévia, licença de instalação e li-
cença de operação.

Juntamente aos documentos requisitados, alguns documentos, segundo o


CONAMA (2011), têm apresentação obrigatória:

• Todos os pedidos de licenciamento deverão conter a certidão da


Prefeitura Municipal, declarando que o local e o tipo de empreendimento
ou atividade estão em conformidade com a legislação aplicável ao uso e
ocupação de solo. Se for o caso, deve ser juntada a autorização para su-
pressão de vegetação e a outorga para o uso da água, emitidas pelos ór-
gãos competentes.
• Nos empreendimentos e atividades que necessitarem de estudo de im-
pacto ambiental, caso se veri�que a necessidade de nova complementa-
ção em decorrência de esclarecimentos já prestados, o órgão ambiental
poderá formular um novo pedido de complementação, além dos já dis-
postos nos itens 4 e 6 apresentados anteriormente.

O órgão competente poderá de�nir procedimentos especí�cos para as licenças


ambientais, de acordo com as características do empreendimento ou da ativi-
dade. A Resolução CONAMA nº 237 elenca três procedimentos especí�cos que
poderão ser adotados:

• Empreendimentos ou atividades de pequeno potencial de impacto ambi-


ental: poderão adotar procedimentos simpli�cados, que deverão ser apro-
vados pelos respectivos Conselhos de Meio Ambiente.
• Pequenos empreendimentos e atividades similares e vizinhos aos inte-
grantes de planos de desenvolvimento aprovados: poderá ser admitido
um único processo de licenciamento ambiental.
• Empreendimentos ou atividades que implementem planos e programas
voluntários de gestão ambiental: seu licenciamento deverá ter critérios
mais ágeis e simples.

Assim, os estudos necessários no processo de licenciamento deverão ser reali-


zados por pro�ssionais legalmente habilitados e todos aqueles que subscre-
vem esses estudos são civil, administrativa e penalmente responsáveis pelas
informações apresentadas.

Os custos de elaboração desses estudos e da análise para a obtenção da licen-


ça deverão ser suportados pelo empreendedor.

Espécies de licença
Há três espécies de licença a serem concedidas pelos órgãos ambientais com-
petentes, as quais conheceremos, detalhadamente, a seguir.

Licença prévia (LP)

Segundo o CONAMA (2011), licença prévia é a licença em que o órgão licencia-


dor atesta a viabilidade ambiental do empreendimento ou atividade e estabe-
lece os requisitos básicos e condicionantes que devem ser atendidos nas pró-
ximas fases do empreendimento. Essa licença é concedida na fase preliminar
do planejamento do empreendimento ou da atividade.

O prazo de validade da licença prévia deve ser, no mínimo, o estabelecido no


cronograma do plano do empreendimento e, no máximo, cinco anos.

Licença de instalação (LI)


Após a licença prévia, a licença de instalação deve ser requisitada. Esta licen-
ça autoriza a instalação de empreendimento ou atividade de acordo com as
especi�cações dos planos, programas e projetos aprovados, medidas de con-
trole ambiental e outras condicionantes de motivo determinante (CONAMA,
2011).

A licença de instalação tem o prazo de validade mínimo estabelecido no cro-


nograma e, no máximo, seis anos.

Licença de operação (LO)

Segundo o CONAMA (2011), a �nalidade da licença de operação, a qual deve ser


requisitada após a instalação da empresa, é autorizar a operação da atividade
ou do empreendimento, após a veri�cação do cumprimento das exigências
das licenças anteriores, incluindo medidas de controle e condicionantes da
operação da atividade.

O prazo de validade dessa licença deverá considerar os planos de controle am-


biental e será de quatro anos, no mínimo, e dez anos, no máximo.

De acordo com a natureza, com as características e com a fase do empreendi-


mento ou da atividade, as licenças ambientais podem ser expedidas isolada
ou sucessivamente. Além disso, licenças ambientais especí�cas poderão ser
de�nidas pelo CONAMA, quando necessário, de acordo com cada empreendi-
mento ou atividade a ser licenciado.

Para a expedição das licenças, o órgão ambiental também poderá estabelecer


prazos diferenciados para o processo de licenciamento, de acordo com cada
atividade, uma vez que seja respeitado o prazo máximo de seis meses, desde o
protocolo do requerimento até sua decisão, exceto nos casos em que houver
elaboração do EIA, Rima ou audiência pública, quando o prazo será de até 12
meses. Esse prazo estará suspenso durante a elaboração de estudos comple-
mentares e poderão ser alterados, desde que justi�cados e com a concordância
do empreendedor.

Vale ressaltar que, segundo o CONAMA (2011), as licenças expedidas poderão


ser modi�cadas, suspensas ou canceladas, quando:
• ocorrer violação ou inadequação de condicionantes ou normas legais;
• omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a
expedição da licença;
• ocorrer superveniência de graves riscos ambientais e de saúde.

As licenças estudadas devem ser submetidas à análise do órgão ambiental es-


pecí�co, conforme estudaremos no próximo tópico.

10. Órgãos ambientais


Como vimos anteriormente, as licenças são expedidas pelo Poder Público, por
meio dos órgãos ambientais competentes. As competências de licenciamento,
por sua vez, foram de�nidas na Resolução nº 237/97, pela qual o Conselho
Nacional do Meio Ambiente as distribuiu em três níveis: federal, estadual e
municipal. Contudo, é importante ressaltar que a licença é expedida em um
único nível, de acordo com suas características.

Vamos conhecer melhor esses níveis?

Nível federal
Em nível federal, a expedição do licenciamento cabe ao Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), pelo qual de-
vem ser licenciados os empreendimentos ou as atividades com signi�cativo
impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber:

1. Âmbito nacional: localizados ou desenvolvidos conjuntamente entre o


Brasil e outro país que com ele possua limites, no mar territorial, na plata-
forma continental, na zona econômica exclusiva, em terras indígenas ou
em unidades de conservação do domínio da União.
2. Âmbito regional (mais de um estado): localizados ou desenvolvidos em
dois ou mais estados.
3. Empreendimentos ou atividades cujos impactos ambientais ultrapassem
os limites territoriais do país ou de um ou mais estados.
4. Empreendimentos ou atividades que envolvam material radioativo de
qualquer espécie, ou que utilize energia nuclear em qualquer uma de suas
formas e aplicações.
5. Bases ou empreendimentos militares.

O IBAMA procederá o licenciamento após considerar o exame técnico dos ór-


gãos ambientais estaduais e municipais em que se localizarem o empreendi-
mento ou a atividade, bem como o parecer dos demais órgãos competentes en-
volvidos no procedimento de licenciamento. O IBAMA também poderá dele-
gar aos Estados o licenciamento de atividade com signi�cativo impacto ambi-
ental de âmbito regional, uniformizando as exigências (CONAMA, 2011).

Nível estadual
Segundo o CONAMA (2011), ao órgão ambiental estadual, ou do Distrito
Federal, compete o licenciamento dos empreendimentos e atividades com as
seguintes características:

1. Localizados ou desenvolvidos em mais de um município ou em unidades


de conservação de domínio estadual ou distrital.
2. Localizados ou desenvolvidos em �orestas ou outras formas de vegetação
natural de preservação permanente e todas que assim forem considera-
das.
3. Cujos impactos ambientais diretos ultrapassem os limites territoriais de
um ou mais municípios.
4. Sejam delegados pela União.

Assim como no nível federal, o órgão ambiental estadual procederá ao licenci-


amento após considerar o exame técnico dos órgãos ambientais municipais
em que se localizarem o empreendimento ou a atividade, bem como o parecer
dos demais órgãos competentes envolvidos no procedimento de licenciamen-
to.

Nível municipal
Ao órgão ambiental municipal compete o licenciamento dos empreendimen-
tos ou atividades de:

• Impacto ambiental local.


• Delegados pelo estado.
Essas licenças emitidas pelos órgãos ambientais não são permanentes. Elas
poderão ser modi�cadas, suspensas ou canceladas, de acordo com especi�ca-
ções contidas na resolução de licenciamento, conforme veremos a seguir.

11. Modi�cação, suspensão e cancelamento


As licenças expedidas poderão ser modi�cadas, suspensas ou canceladas,
quando ocorrer violação ou inadequação de condicionantes ou normas legais,
omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a ex-
pedição da licença ou ocorrer superveniência de graves riscos ambientais e de
saúde.

Texto complementar

Vejamos agora um caso de licenciamento. Trata-se do processo de licenciamento


ambiental das obras do trecho sul do Rodoanel.

O Licenciamento Ambiental do Rodoanel

O empreendimento

O Rodoanel Mário Covas – Trecho Sul Modi�cado é uma obra do Governo de São
Paulo, sob a responsabilidade da Dersa, com, aproximadamente, 57 km de exten-
são, que tem como objetivo principal facilitar e reduzir os custos da transposição
da RMSP, principalmente por veículos de transporte de cargas, que não terão que
se utilizar do sobrecarregado sistema viário metropolitano, bem como atender os
�uxos de transporte com origem ou destino na metrópole.

Outro aspecto relevante da implantação dessa rodovia é o deslocamento do itine-


rário dos veículos de transporte de produtos perigosos que hoje trafegam por tre-
chos urbanizados, em vias congestionadas, que di�cultam o atendimento a qual-
quer eventual acidente que provoque o derramamento desses produtos.

Além disso, a implantação do Rodoanel está associada às obras do Ferroanel que,


concretizará a matriz de transportes planejada para 2.020 (PDDT) e proporcionará
a otimização da transposição ferroviária da RMSP; a viabilização do tráfego mú-
tuo entre os sistemas ferroviários operados pelas concessionárias; a melhoria da
acessibilidade da Baixada Santista e do Porto de Santos e a liberação da malha
ferroviária interna da RMSP, viabilizando sua utilização para o transporte de pas-
sageiros urbanos, além dos aspectos logísticos relacionados com a sua operação
dos dois sistemas.

Para a escolha do traçado foram considerados os prováveis impactos ambientais


relacionados aos meios: físico, biótico e socioeconômico que, em conjunto com as
variáveis de engenharia rodoviária, condicionaram a formulação das alternativas
propostas e possibilitaram o entendimento e avaliação dos impactos potenciais de
cada alternativa estudada, a valoração desses impactos, a comparação entre as al-
ternativas e a seleção de uma delas em cada um dos nove sub-trechos.

Foi, então, selecionada a alternativa que apresenta o melhor resultado no balanço


dos volumes de material de corte e aterro, menor área de supressão de vegetação
em estágio médio a avançado de regeneração, menor interferência nos recursos
hídricos e em outros atributos ambientais, que representaram um acréscimo de
custo da ordem de R$ 460 milhões.

 O processo de licenciamento do Rodoanel

O licenciamento ambiental do Rodoanel Mário Covas – Trecho Sul Modi�cado te-


ve início em novembro de 2001 com a apresentação pela Dersa, do Plano de
Trabalho dos Trechos Norte, Sul e Leste da rodovia, com o objetivo da de�nição do
Termo de Referência – TR para a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental e
respectivo Relatório de Impacto Ambiental – EIA/RIMA.

O Plano de Trabalho foi analisado pelo Departamento de Avaliação de Impacto


Ambiental – DAIA, que de�niu o Termo de Referência para o referido EIA/RIMA,
com base em pareceres dos Departamentos de Proteção de Recursos Naturais –
DEPRN e do Uso do Solo Metropolitano – DUSM, do Instituto Florestal e em mani-
festações do Ministério Público Federal e pelos documentos e informações gera-
das em decorrência das audiências públicas realizadas nos municípios de
Guarulhos, São Paulo, São Bernardo do Campo, Itaquaquecetuba e Mauá.

Em abril de 2002 foi protocolado no DAIA o EIA/RIMA dos três trechos do


Rodoanel. Entretanto, em agosto de 2003, o empreendedor solicitou a suspensão
da avaliação e o arquivamento do estudo, em razão da aprovação da “Avaliação
Ambiental Estratégica – AAE” do Programa Rodoanel Mário Covas pelo Conselho
Estadual do Meio Ambiente – CONSEMA. Este documento contém os estudos rea-
lizados com o objetivo de avaliar a viabilidade do Programa Rodoanel como um
todo e apresenta, também, as questões estratégicas de sua implementação grada-
tiva em 15 anos.

O CONSEMA, por meio da Deliberação CONSEMA 27/2004, aprovou a viabilidade


do Rodoanel por trechos, com prioridade para o Trecho Sul, além de recomendar a
adoção da AAE e do Parecer Técnico CPRN/DAIA/143/2001 como Termo de
Referência para a elaboração do EIA/RIMA.

A análise do EIA/RIMA foi realizada pelo DAIA, tendo como base, as vistorias téc-
nicas e novas manifestações de outros órgãos, como: as prefeituras municipais re-
lacionadas à rodovia; a Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental
(CETESB); o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT); o Instituto Brasileiro do
Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA); a Empresa de
Planejamento Metropolitano do Estado de São Paulo (EMPLASA); o Instituto de
Botânica (IBt); o Ministério Público Estadual; o Ministério Público Federal, entre
outros.

Além disso, durante o processo de licenciamento foram recebidas, também, as


contribuições dos participantes das sete audiências públicas realizadas entre no-
vembro de 2004 a janeiro de 2006, em São Paulo (quatro), Santo André, Embu e São
Bernardo do Campo, envolvendo cerca de 3.350 pessoas.

De posse das informações do EIA/RIMA, das manifestações e contribuições aci-


ma, o DAIA elaborou o Parecer Técnico CPRN/DAIA/044/2006, onde são apresen-
tados:

• Síntese da Caracterização do empreendimento, do Diagnóstico sócio-


ambiental.
• Impactos ambientais.
• Programas Ambientais com as medidas preventivas, mitigadoras compen-
satórias para as Fases: pré-construtiva, de construção e de operação.
• Compensações Ambientais.

No início de 2006, o EIA/RIMA foi aprovado pelo CONSEMA, conforme a


Deliberação Consema 05/2006, de 22 de fevereiro de 2006 e, no dia 24 do mesmo
mês foi emitida a Licença Prévia pela Secretaria do Meio Ambiente.

Para a emissão das catorze Licenças de Instalação foram estabelecidos três níveis
de prioridade: A, B e C, sendo consideradas na primeira categoria as obras de arte
das intersecções do Rodoanel com os grandes eixos rodoviários e com as represas,
com ações pouco representativas em termos de supressão de vegetação.
Foram incluídos na prioridade B os grandes trechos da futura rodovia, cujas obras
requerem as ações mais signi�cativas de supressão de vegetação e a categoria C,
que corresponde aos trechos urbanizados da futura rodovia.

As questões relativas ao acompanhamento e �scalização das obras do empreendi-


mento, no âmbito da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, têm sido conduzidas
pelo Grupo de Trabalho de Acompanhamento do Licenciamento do Rodoanel, ins-
tituído pela Portaria CPRN – 15, de 10/09/07, da Coordenadoria de Licenciamento
Ambiental e Proteção de Recursos Naturais – CPRN.

Além do acompanhamento do Grupo de Trabalho citado, a Secretaria do Meio


Ambiente criou uma Ouvidoria para atender a população no que se refere às ques-
tões de licenciamento ambiental do Rodoanel [...].

Os Programas Ambientais e Medidas Mitigadoras e Compensatórias

As medidas de prevenção, mitigação e/ou compensação de impactos ambientais


propostas para o Trecho Sul do Rodoanel foram reunidas em Programas
Ambientais, de maneira a permitir a sua implementação e gestão ao longo das vá-
rias etapas de planejamento: pré-construção, construção e operação do empreen-
dimento.

Assim, foram propostos 26 (vinte e seis) Programas Ambientais, sendo 5 (cinco)


para a fase pré-construtiva, 13 (treze) para a fase construtiva e 8 (oito) para a fase
de operação da rodovia. Estes programas não se encerram, necessariamente, nas
fases a que estão vinculados, podendo ser implementados durante uma ou mais
fases. Esses 26 programas ambientais contemplam 109 (cento e nove) medidas,
sendo 35 na fase pré-construtiva, 47 na construção e 27 na operação.

De acordo com o EIA/RIMA, o valor da implementação dos Programas Ambientais


corresponde a R$ 190.000.000,00 e representa 7,31% do valor do empreendimento,
que está estimado em R$ 2.600.000.000,00.

Entre as medidas de compensação ambiental propostas, pode-se destacar o


Programa de Criação e Apoio a Unidades de Conservação, que compreende a cria-
ção de quatro Unidades de Conservação no município de São Paulo e implementa-
ção do Plano de Manejo do Parque Natural Municipal do Pedroso, em Santo André.
Além disso, serão destinados recursos �nanceiros para apoiar a regularização
fundiária e implementação do Plano de Manejo dos Parques Estaduais Fontes do
Ipiranga e da Serra do Mar (Núcleo São Bernardo) (AMBIENTE, 2011).
A leitura desse texto complementar teve o objetivo de fazê-lo compreender o
encaminhamento de um processo licitatório, desde a caracterização do em-
preendimento, passando pela sua exigência legal e suas vantagens ambien-
tais.

Pela sua complexidade e magnitude, é possível avaliar o aumento dos gastos


�nanceiros com a implementação de programas ambientais, necessários tan-
to para a expedição da licença ambiental quanto na busca de um meio ambi-
ente ecologicamente equilibrado.

Além disso, assista ao vídeo a seguir, que mostra, de forma bem didática, a im-
portância do zoneamento ambiental.

12. Preservação e educação ambiental


Agora que você já conheceu as de�nições de política e planejamento, bem co-
mo os conceitos de zoneamento e licenciamento, vamos tratar de um tema
fundamental na política ambiental: a educação.

Como vimos, um dos princípios da Política de Educação Ambiental é a:

X - educação ambiental a todos os níveis do ensino, inclusive a educação da comu-


nidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente
(BRASIL, 2011 apud CASCAES, 2014, p. 64).

 Dica de leitura!
A educação ambiental é um tema muito amplo e complexo. Para que vo-
cê possa re�etir e buscar sempre, em suas ações e práticas pedagógicas,
considerar a importância da sustentabilidade, faça a leitura do texto O
sujeito ecológico: a formação de novas identidades na escola (https://re-
positorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/8680/2/O_sujeito_ecologi-
co_a_formacao_de_novas_identidades_culturais_na_escola.pdf), de
Carvalho (2013).

Para reforçar os seus estudos, assista ao vídeo a seguir, no qual pesquisadores


brasileiros discutem a educação ambiental na escola.

Sugerimos, agora, que você re�ita sobre sua aprendizagem, realizando a ques-
tão a seguir.

13. Considerações
Neste último ciclo, estudamos um pouco sobre o planejamento ambiental, bem
como pontos centrais da política ambiental.

Esperamos que você, após os estudos realizados, se sinta motivado a pensar e


a aprofundar seus estudos sobre a questão ambiental, que se apresenta como
um dos grandes desa�os no século 21. Lembre-se: essas re�exões não se en-
cerram aqui. A formação permanente deve constituir algo intrínseco à pro�s-
são docente. Re�etir sobre a prática e buscar aprimorar os conhecimentos teó-
ricos e metodológicos são essenciais para um ensino de Geogra�a de qualida-
de.

14. Considerações �nais


No decorrer do estudo desta disciplina, você teve a oportunidade de re�etir so-
bre temas relacionados à Geogra�a do Brasil, Agrária e Meio Ambiente, os
quais serão de muita valia para a sua vida pro�ssional.

Desejamos que os estudos realizados tenham contribuído para que você, futu-
ro docente da área, aproveite todas as potencialidades de seus alunos, respei-
tando, também, as suas necessidades, fazendo com que eles olhem o mundo
em todas as suas dimensões, sintam-se valorizados e enxerguem a autonomia
de "como se aprende".

Além disso, almejamos que a disciplina tenha ampliado o seu conhecimento


sobre o ensino de Geogra�a, que não se resume a uma simples atividade práti-
ca, mas envolve re�exão, teoria e pesquisa, componentes necessários para o
seu exercício pro�ssional.

Você também pode gostar