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1. Introdução
Seja bem-vindo(a)! Você está iniciando o estudo de Epistemologia,
Organização, Teoria da Região e Regionalização do Espaço, uma das discipli-
nas que compõem o seu curso de formação pedagógica na modalidade EaD do
Claretiano - Centro Universitário.
Este conteúdo está dividido em 5 Ciclos de Aprendizagem, cada qual corres-
pondendo a um grupo de conteúdos e objetivos especí�cos, organizados a par-
tir de eixos temáticos, os quais articulam, no geral, a evolução da ciência geo-
grá�ca e a construção de conceitos essenciais para a geogra�a, como espaço,
espaço geográ�co, paisagem e região, levando ao entendimento sobre a impor-
tância da análise da paisagem e da regionalização para um estudo mais apro-
fundado do espaço geográ�co em sua constante organização.
Você está pronto para começar? Desejamos que possa se sentir motivado du-
rante as leituras e esperamos que estude com empenho e dedicação, pois os
assuntos aqui tratados são muito importantes para a sua formação docente.
Bons estudos!
2. Informações da Disciplina
Ementa
A Epistemologia, Organização, Teoria da Região e Regionalização do Espaço
contribui para a formação pro�ssional ao apresentar as bases �losó�cas e
epistemológicas da ciência geográ�ca, sua evolução crítica, seus conceitos
formadores e o papel da regionalização como instrumento de conhecimento e
planejamento do espaço geográ�co. Para tanto, serão objetos de estudo: as di-
ferentes "Escolas Geográ�cas" e seus métodos de análise, os conceitos básicos
da ciência geográ�ca, a organização do espaço em relação à análise da paisa-
gem, a teoria da região, a regionalização como instrumento de planejamento e
suas linhas teóricas, os históricos de regionalização do Brasil e do mundo,
além das novas tendências e os vários tipos de regionalização do espaço mun-
dial advindos da globalização e sua in�uência nas transformações espaciais.
A disciplina, no intuito de formar um cidadão crítico e atuante diante da orga-
nização sócio-político-econômica da sociedade em suas relações espaciais, �-
nalizará com os aspectos físicos, econômicos e populacionais da Europa,
América Anglo-Saxônica e Oceania no contexto do "norte rico" e da África,
Ásia e América Latina no contexto do "sul pobre".
Objetivo Geral
Apresentar a História do Pensamento Geográ�co, de modo que se possa com-
preender a evolução cientí�ca da Geogra�a, assim como a delimitação de al-
guns conceitos primordiais que sustentam a análise relacionada à paisagem e
à organização do espaço geográ�co e seus recortes regionais.
Objetivos Especí�cos
• Compreender a evolução do pensamento geográ�co e a importância da
epistemologia para a construção do saber geográ�co.
• Conhecer alguns dos principais conceitos básicos da ciência geográ�ca,
como: espaço geográ�co, paisagem, região e regionalização.
• Re�etir sobre a aplicação do conhecimento conceitual na compreensão
das relações espaciais que se dão a partir da organização do espaço, da
análise da paisagem e dos recortes regionais.
• Relacionar os vários tipos de regionalização às análises referentes à glo-
balização e às dinâmicas de ocupação e transformação do espaço geográ-
�co.
• Analisar as várias formas de regionalização mundial e suas especi�cida-
des em relação às diversidades dos continentes.
(https://md.claretiano.edu.br/epiorgteoregregesp-
gs0036-ago-2022-grad-ead-np/)
André Barioni
Regina Tortorella Reani
Victor Hugo Junqueira
Objetivos
• Entender a evolução do pensamento geográ�co.
• Re�etir sobre a importância da epistemologia para a construção do saber geográ�co.
• Saber diferenciar as correntes geográ�cas e seus métodos de análise.
Conteúdos
• A evolução histórica do pensamento geográ�co: um olhar crítico e sintético.
• As principais características das escolas geográ�cas e seus métodos de análise.
Problematização
O que é Geogra�a? Como a Geogra�a evoluiu como ciência ao longo do tempo histórico?
Quais foram as mudanças ocorridas na ciência geográ�ca a partir do século 19? Quais as
diferentes correntes �losó�cas e escolas geográ�cas surgidas? Após meados do século 19,
houve uma crise dos métodos tradicionais para o estudo da Geogra�a; o que a motivou? O
que foi a Geogra�a Crítica e quais as correntes geográ�cas alternativas que surgiram com
ela?
1. Introdução
Neste primeiro ciclo de aprendizagem, veremos a História do Pensamento Geográ�co, a es-
truturação e a evolução da Geogra�a como ciência ao longo da história da humanidade,
buscando compreender como os teóricos tratavam e analisavam as relações estabelecidas
entre homem e natureza em determinado espaço e ao longo do tempo histórico.
Vamos começar?
Após assistir ao vídeo e entender que a construção da ciência geográ�ca segue um longo
processo e se molda às relações sociais, políticas, econômicas e culturais da história da
humanidade, propomos que você leia na íntegra o artigo a seguir.
Leitura obrigatória.
Com essa leitura, é possível compreender que o mais importante, para a História do
Pensamento Geográ�co, não é fazer uma delimitação pontual e com uma linha do tempo
determinada de modo exato em datas e autores, mas, sim, entender que existe um cami-
nhar e que ideias e compreensões diversas se entrelaçaram na estruturação de uma geo-
gra�a cientí�ca, com métodos de análise de�nidos e relacionados a visões �losó�cas im-
portantes, dadas ao longo de períodos históricos signi�cativos para a humanidade.
No próximo tópico, você irá conhecer, de modo mais especí�co as principais característi-
cas das escolas geográ�cas e seus métodos de análise, contemplando os teóricos que se
destacam nesses movimentos.
Positivismo
“Desenvolvido por Auguste Comte, o positivismo é uma maneira de pensar baseada na suposição de que é
possível observar a vida social e reunir conhecimentos con�áveis válidos sobre como ela funciona. Esses
conhecimentos poderiam ser usados para afetar o curso da mudança e melhorar a condição humana.
Comte acreditava que a vida social era governada por leis e princípios básicos que podiam ser descobertos
através do uso de métodos mais comumente associados às ciências físicas. Da forma como evoluiu desde
os dias de Comte, o positivismo a�rma também que a sociologia devia ser rígida, linear e metódica, sobre
uma base de fatos veri�cáveis” (JOHNSON, 1997, p. 179).
Segundo Moreira (2008, p. 27), “[...] a essência do pensamento positivista é a redução dos fenômenos a um
conteúdo físico e a um encadeamento, que faz as ciências interagirem ao redor desse conteúdo ao passo que
as fragmenta por seus conhecimentos em diferentes campos e objetos e métodos especí�cos”.
Nessa época, �oresce, também, o Racionalismo, baseado na ciência moderna e com uma
nova maneira de ver a Natureza e os fenômenos humanos e sociais.
Racionalismo
“Doutrina que privilegia a razão dentre todas as faculdades humanas, considerando-a como fundamento de
todo o conhecimento possível. O racionalismo considera que o real é em última análise racional e que a ra-
zão é portanto capaz de conhecer o real e de chegar à verdade sobre a natureza das coisas” (JAPIASSÚ;
MARCONDES, 2008, p. 233).
Augusto Comte foi o responsável pela transformação e formação do Positivismo, cujo lema
era “ver para crer”. O caráter fundamental da Filoso�a Positivista é o princípio de que todos
os elementos estão sujeitos a leis naturais invariáveis. A “[...] sociedade humana é regulada
por Leis Naturais, [...] independentes da vontade e da ação do Homem”. As “Leis” que regu-
lam o funcionamento da vida social, econômica e política devem ser do mesmo tipo das
“Leis Naturais” (LANZA DE BARROS, 1998).
Para Comte, as Ciências Sociais deveriam utilizar o mesmo método das Ciências Naturais,
ou seja, o Método Cientí�co Experimental (Naturalismo Positivista). Comte fundou, pois, o
que denomina de “Física Social” – ciência que tem por objeto de estudo os fenômenos soci-
ais, considerando-os como do mesmo espírito que os fenômenos astronômicos, físicos,
químicos e biológicos. Trata-se de uma �loso�a cética, que procura estudar coisas práticas
e metódicas, como as leis que regem o homem, e não a criação do homem, por exemplo.
Comte entendia que não deveria haver luta de classes nem de interesses. Para ele, a socie-
dade só se desenvolveria se houvesse Ordem e Progresso. Pregava a “Harmonia Natural”
entre os indivíduos e o bem-estar do todo social (LANZA DE BARROS, 1998). Assim, o
Positivismo buscava justi�car, por meio das ciências naturais, os padrões burgueses e in-
dustriais na organização social.
Em síntese, o Positivismo marca a ciência geográ�ca, seu objeto e método de estudo, esti-
pulando princípios e a�rmações máximas que estruturaram a Geogra�a Moderna.
De acordo com Moraes (2005), o homem passou, dessa forma, a ser visto como um elemen-
to da paisagem, reduzido a um fator, num conjunto de fatores. Tanto que a Geogra�a vai fa-
lar sempre em população e pouco em sociedade, buscando sempre a relação do homem
com a natureza, sem se preocupar com a relação entre os homens.
Outra a�rmação muito utilizada por geógrafos, com base no Positivismo, é a de que “a
Geogra�a é uma ciência de síntese" (MORAES, 2005). Sempre houve (de acordo com o pen-
samento positivista) uma preocupação em hierarquizar as ciências. Caberia, pois, à
Geogra�a relacionar e ordenar os conhecimentos produzidos por todas as demais ciências
(MORAES, 2005). Assim, tudo o que está relacionado ao estudo da superfície terrestre cabe-
ria à análise geográ�ca, desde a Física até a Sociologia. O fato de a Geogra�a ser considera-
da uma ciência de síntese revela a falta de uma delimitação de seu objeto de estudo, ou se-
ja, uma vacância e inde�nição do objeto.
Note que, mesmo que extremista, a ideia de que a Geogra�a era a “matriz” das ciências foi
uma grande propulsora na história da Geogra�a.
Segundo Moraes (2005), a Geogra�a Tradicional apoia-se em alguns princípios tidos por
inquestionáveis, os quais são:
1. Princípio da Unidade Terrestre: a Terra é um todo que só pode ser compreendido nu-
ma visão de conjunto.
2. Princípio da Individualidade: cada lugar tem uma feição que lhe é própria e que não
se reproduz de modo igual em outro lugar.
3. Princípio da Atividade: tudo na natureza está em constante dinamismo.
4. Princípio da Conexão: todos os elementos da superfície terrestre e todos os lugares se
inter-relacionam.
5. Princípio da Comparação: a diversidade dos lugares só pode ser apreendida pela con-
traposição das individualidades.
6. Princípio da Extensão: todo fenômeno manifesta-se numa porção variável do planeta.
7. Princípio da Localização: a manifestação de todo fenômeno é passível de ser delimi-
tada.
Esses princípios foram utilizados como uma verdadeira “receita de bolo” a ser seguida na
pesquisa cientí�ca. A generalidade dos princípios permitia um antagonismo nos posicio-
namentos metodológicos, estabelecendo uma falta de de�nição na metodologia a ser ado-
tada nessa ciência.
Isso revela a falta de resolução do problema do objeto ao nível teórico, pois ou se dá ênfase
aos fenômenos humanos, ou aos naturais; ou se trabalha com uma visão global do planeta
ou se avança na busca da individualidade de um dado lugar, e assim por diante.
Conforme Moraes (2005, p. 44): “[...] se questionado e contestado esse apoio, viria a ruir o
edifício geográ�co. Assim, a assimilação acrítica das máximas e princípios teria por fun-
ção evitar que se rompesse a autoridade da Geogra�a”.
A difusão desses princípios e a�rmações máximas foi sendo repetida e ganhando caráter
verdadeiro pela disseminação de seu uso, e não por sua veracidade. Assim, a Geogra�a
Tradicional, baseada no Positivismo, “[...] serve mais para dizer o que não é Geogra�a, do
que para de�nir-lhe o objeto” (MORAES, 2005, p. 45).
Dessa forma, pode-se observar que a di�culdade em explicar o que é Geogra�a está relacio-
nada à corrente �losó�ca positivista, na qual o pensamento geográ�co se apoiou para se
constituir como ciência unitária. Esses princípios e máximas adotados pela Geogra�a
Tradicional prevalecem até os dias atuais, considerados, para muitos geógrafos, como ver-
dadeiros.
A partir dos anos 1960, são formuladas novas de�nições, que buscam fugir do positivismo
clássico (a Fenomenologia, o Estruturalismo, o Neopositivismo, o Marxismo, entre outras),
apontando novas di�culdades em se de�nir a matéria tratada por essa ciência.
• Corrente organicista: segundo ela, a sociedade foi organizada com base na analogia
orgânica, isto é, as diversas partes se unindo para formar o todo. A Geogra�a seria a
compreensão e a descrição do universo (o todo); deveria fazer uma espécie de resumo
de todas as outras ciências (síntese) – os expoentes dessa corrente foram os alemães:
Humboldt (naturalista) e Ritter (geógrafo de gabinete e historiador).
• Corrente evolucionista: adota, ainda, a “analogia orgânica”; porém, acredita-se que há
na natureza uma luta pela vida e a evolução das espécies (inclusive a humana) se dá
por meio da seleção natural (apoia-se na obra de Charles Darwin) – postura “�nalista-
fatalista” (tudo nasce, cresce e morre). Aparecem, nessa corrente, a Teoria do
Determinismo Geográ�co (o homem é determinado pelo meio em que vive), a Teoria
do Espaço Vital (as nações devem lutar pelo domínio do Espaço) e da Geopolítica.
Bastante in�uenciadas pela Biologia e as Teorias Biológicas – o expoente dessa cor-
rente foi Ratzel.
• Corrente possibilista (Funcionalista): os geógrafos passaram a criticar todas as apli-
cações de teorias darwinistas e organicistas para estudar a realidade geográ�ca. Os
geógrafos possibilistas partem para criar uma Geogra�a empirista, buscando a reali-
dade geográ�ca nos próprios fatos geográ�cos. Adotam o conceito de “gênero de vida”
(a sociedade vive em harmonia com a natureza e não em competição com ela). Essa
corrente é traduzida pela denominada “Geogra�a Francesa”, tendo como seu principal
expoente o francês Paul Vidal de La Blache.
Até aqui, vimos que a Geogra�a se estrutura apoiada na corrente �losó�ca positivista e no
racionalismo. A Geogra�a Moderna dividiu-se em três correntes principais: a Organicista,
a Evolucionista e a Possibilista; porém, todas têm a mesma base, os ideais do Positivismo.
Somente por volta de 1800, a sociedade está organizada de tal maneira a permitir a forma-
ção e a estruturação dessa ciência de forma unitária. É, também, nesse momento, que as
condições históricas estavam su�cientemente maturadas, sobretudo pela constituição do
sistema capitalista.
Podemos destacar, segundo Moraes (2005), como pressupostos históricos para a sistemati-
zação da ciência geográ�ca:
Dessa forma, observamos os fatores históricos que levaram a formação da Geogra�a como
uma ciência particular, autônoma, o que propiciou sua efetivação como um corpo de co-
nhecimentos sistematizado.
A Alemanha da época era, portanto, um aglomerado de feudos; não existia uma unidade
econômica e política, ou seja, não havia um governo centralizado. O poder estava nas mãos
dos proprietários de terras, e era localmente absoluto – a estrutura feudal permanecia in-
tacta. Foi nesse quadro que as relações capitalistas penetraram, sem romper com a ordem
dominante (MORAES, 2005). A burguesia alemã se desenvolvera apoiada no Estado, que,
por sua vez, era comandado pela aristocracia. A uni�cação do país teve um primeiro ato,
com a formação da Confederação Germânica, em 1815, que congregou todos os principados
alemães e os reinos da Áustria e da Prússia.
Como se vê, a Geogra�a nasce na Alemanha para responder a duas necessidades básicas:
a uni�cação do território e a conquista de um lugar privilegiado para a Alemanha no con-
junto das demais nações. Ela se apresenta como uma possibilidade, para aquele momento,
de resolver a problemática do espaço, que é vital para quem discute poder (LANZA DE
BARROS, 1998).
Desse modo, de acordo com Lanza de Barros (1998, p. 80): “A Geogra�a manifesta-se então
como reação de uma sociedade atrasada, que se coloca em disputa com outras nações, ela
encarna uma necessidade política e, por isso, é tão bem aceita”.
Romantismo e Idealismo
“Romantismo corresponde a uma Doutrina �losó�ca, que do �nal do século XVIII até metade do século XIX,
em reação contra o racionalismo da Filoso�a das Luzes, põe-se a depreciar os valores racionais e enaltecer
a imaginação, a intuição e a paixão. Ao privilegiar o sentimento da natureza, como em Rousseau, e certa
forma de religiosidade, o romantismo �losó�co, representado na Alemanha, por Fichte, Schlegel e Schelling,
passou a ser considerado como um recurso nos momentos de crise do racionalismo” (JAPIASSÚ;
MARCONDES, 2006, p. 242). Já o termo Idealismo engloba, “na história da �loso�a, diferentes correntes de
pensamento que tem em comum a interpretação da realidade do mundo exterior ou material em termos do
mundo interior, subjetivo ou espiritual. Do ponto de vista da problemática do conhecimento, o idealismo im-
plica a redução do objeto do conhecimento ao sujeito conhecedor; e, no sentido ontológico, equivale a redu-
ção da matéria ao pensamento ou ao espírito” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006, p. 139).
Vale ressaltar que Alexandre Von Humboldt e Karl Ritter ocuparam altos cargos da hierar-
quia universitária alemã e que ambos morreram em 1859.
A Geogra�a Moderna surgiu, assim, com esses dois intelectuais, como aponta Moreira
(1994, p. 26, grifos nossos): “[...] a geogra�a que temos hoje em nossas escolas e universida-
des é a geogra�a por eles sistematizada, sob a versão que lhe dará a ‘escola francesa’ nos
�ns do século XIX e início do século XX”.
Vejamos, agora, a contribuição que esses dois grandes intelectuais trouxeram à ciência ge-
ográ�ca.
De acordo com Moraes (2005, p. 64): “A Geogra�a de Humboldt busca abarcar todo o globo
sem privilegiar o homem”.
Suas principais obras foram Quadros da natureza e Cosmos, nas quais se propunha a des-
crever paisagens, ambas publicadas no primeiro quartel do século 19. Vejamos um trecho
retirado do prefácio da obra Cosmos, publicada em 1844:
[...] Os conhecimentos especiais, pelo próprio encadeamento das coisas, assimilam-se e
fecundam-se mutuamente. Quando a Botânica descritiva não �ca circunscrita aos estreitos limi-
tes do estudo das formas e de sua reunião em gêneros e em espécies, ela conduz o observador que
percorre, sob diferentes climas, vastas extensões continentais, montanhas e planaltos, às noções
fundamentais da "Geogra�a das Plantas", à explicação da distribuição dos vegetais, de acordo com
a distância do Equador e com a elevação do acima do nível dos mares. Ora, para compreender as
causas complicadas das leis que regulam esta distribuição, é preciso aprofundar os conhecimen-
tos das variações da temperatura que o solo irradia e do oceano que envolve o globo. É assim que o
naturalista, ávido de instrução, é conduzido de uma esfera de fenômenos a uma outra esfera que
limita os efeitos daquela. A Geogra�a das plantas, cujo nome era praticamente desconhecido há
meio século, apenas ofereceria uma nomenclatura árida e desprovida de interesse se ela não fosse
esclarecida pelos estudos meteorológicos.
Nas expedições cientí�cas, poucos viajantes tiveram, na mesma proporção que eu próprio, a van-
tagem de ter não somente visto as costas litorâneas, como ocorre nas viagens em torno do mundo
mas, também, a de haver percorrido o interior de dois grandes continentes em extensões conside-
ráveis, e naqueles lugares em que esses continentes apresentam os contrastes mais chocantes, a
saber, a paisagem tropical e alpina do México ou da América do Sul, e a paisagem das estepes da
Ásia boreal. Empreendimentos dessa natureza tiveram por resultado, em razão da tendência do
meu espírito para as tentativas de generalização, a vivi�cação de minha coragem, e o excitamento
a correlacionar, em uma obra à parte, os fenômenos terrestres e aqueles que incluem os espaços
celestes.
A composição de uma tal obra, se ela aspira a juntar ao mérito de fundo cientí�co aquele da forma
literária, apresenta grandes di�culdades. Trata-se de levar a ordem e a luz à imensa riqueza dos
materiais que se oferece, à re�exão, sem tirar dos quadros da natureza o sopro que os vivi�ca; pois
se nos limitássemos a oferecer resultados de caráter geral, arriscar-nos-íamos a sermos tão mo-
nótonos, quanto através da exposição de uma imensa quantidade de fatos particulares. Eu não ou-
so me gabar de ter satisfeito a essas condições tão difíceis de serem satisfeitas, e de ter evitado as
di�culdades cuja existência apenas posso mostrar [...] (TONYSPEDU-GEOGRAFIA, 2010).
Cosmos foi sua obra mais importante. Tendo cinco volumes, o material �nal foi concluído
quando Humboldt estava com 86 anos.
A visão da geogra�a apresentada por esse pensador representa uma síntese de todos os
conhecimentos relativos à Terra.
Para ele, a de�nição de objeto geográ�co seria: “[...] a contemplação da universidade das
coisas, de tudo que coexiste no espaço concernente a substâncias e forças da simultanei-
dade dos seres materiais que coexistem na Terra” (HUMBOLDT apud MORAES, 2005, p. 62).
Assim, a Geogra�a seria uma disciplina sintética, preocupada com a conexão entre os ele-
mentos e buscando, por meio dessas conexões, a causalidade existente na natureza.
Como expõe Andrade (1987), comparando a distribuição do relevo, do clima e das associa-
ções vegetais em várias latitudes, Humboldt analisou a interação entre esses elementos,
estabelecendo causas e efeitos, o que levou a formação do princípio da causalidade, tão ca-
ro aos geógrafos da primeira metade do século 20.
Seu método, denominado “Método Cientí�co Experimental”, prevê a intuição por meio da
observação: o geógrafo deveria contemplar a paisagem e obteria uma “impressão” que, ali-
ada a seus elementos e componentes, levaria à explicação.
Karl Ritter
A principal obra de Karl Ritter foi a Geogra�a Comparada, em 19 volumes, por meio da qual
propõe uma Geogra�a normativa e explicitamente metodológica. Vejamos o trecho a se-
guir, que comenta o caráter de sua obra:
A "Geogra�a Geral Comparada", cujo primeiro volume completo foi editado em 1822, reconhecida-
mente sua principal obra, obtém grande repercussão no meio acadêmico europeu, possuindo tra-
duções para o francês, inglês e russo; resultando em grande prestígio acadêmico, tornando seus
cursos muito concorridos.
A obra de Ritter tem toda sua produção voltada para o conhecimento geográ�co, principalmente,
no trabalho de ordenamento das informações e as colocações normativas do método. Assim, o
principal objetivo de Ritter era "estabelecer as bases de um saber organizado e metodologicamente
rigoroso" (GOMES, 2000, p. 163 apud NASCIMENTO; BAUAB, 2010, p. 9-10).
Ainda de acordo com Gomes (2000 apud NASCIMENTO; BAUAB, 2010, p. 11-12):
[...] uma das peculiaridades mais marcantes do pensamento desenvolvido por Ritter é a busca de
uma ordem geral, de uma harmonia que de�niria a �nalidade de toda a pesquisa. Desta forma, ca-
beria à ciência o resgate de uma coerência metafísica através da harmonia da natureza. A partir
disso, entendia-se que a harmonia e simplicidade funcional encontrada nas plantas e animais era
re�etiria a ordem, harmonia da Terra. A Geogra�a deveria estudar as leis da harmonia geral, de
maneira que a análise dos fenômenos terrestres e sua distribuição espacial deveria contemplar a
concepção de uma organização geral [...] (NASCIMENTO; BAUAB, 2010, p. 11-12).
Sua visão de Geogra�a valoriza a relação homem-natureza. Por isso, segundo Costa e
Rocha (2010, p. 30), Ritter “[...] tinha um profundo interesse na história, entendendo que a
mesma estava bastante próxima da geogra�a. Compreendia que as relações espaciais não
podem prescindir de uma relação temporal”.
Além dessas contribuições, esse autor de�niu o conceito de Sistema Natural como área de-
limitada, dotada de uma individualidade. Para ele, a Geogra�a é um estudo dos lugares,
uma busca da individualidade de um Sistema Natural.
Ritter tinha uma grande religiosidade, acreditava que a ciência era uma forma de relação
entre o homem e o “criador”. Desse modo:
[...] caberia a Geogra�a explicar a individualidade dos sistemas naturais, pois nela se expressaria o
desígnio da divindade ao criar aquele lugar especí�co. A meta seria chegar a uma harmonia entre
a ação humana e os desígnios divinos, manifestos na variável natureza dos meios (MORAES, 2006,
p. 63).
Assim, ele acreditava que haveria uma �nalidade na natureza – logo, uma predestinação
dos lugares; a natureza existe com a �nalidade de servir o homem.
Desse modo, Humboldt e Ritter, mesmo que conferissem pesos diferentes à natureza e ao
homem, veem a Geogra�a como a totalidade das coisas naturais e humanas, na qual os ho-
mens vivem e sobrevivem (MOREIRA, 1994).
Apesar das diferenças no que se refere ao ponto de partida e ao ponto de chegada entre
Humboldt e Ritter, para Moreira (2008b), os dois tem em comum a concepção holista em
suas análises geográ�cas.
A Geogra�a desenvolvida por esses dois autores (a linha de pensamento proposta por eles)
contribuiu para a sistematização da ciência geográ�ca e serviu de base para os novos estu-
diosos, que se utilizaram das obras de Ritter e de Humboldt, para as complementarem, ou
mesmo para contestá-las e proporem novas linhas de pesquisa na Geogra�a.
Por �m, vale ressaltar que, analisar as obras e per�s desses dois intelectuais, Humboldt e
Ritter, auxilia na compreensão da geogra�a da época. Isso, consequentemente, ajudará na
compreensão da Geogra�a Moderna.
Ratzel e a Antropogeogra�a
Friedrich Ratzel tornou-se respeitado por ter dado maior ênfase ao homem na sua formu-
lação geográ�ca. Também, alemão e prussiano, é com ele que o comprometimento da geo-
gra�a com os desígnios imperialistas da burguesia alemã se mostra com maior transpa-
rência (MOREIRA, 1994).
Para Moreira (1994, p. 31), “[...] a geogra�a ratzeliana é a ideologia do imperialismo alemão,
mas seu fundo é a ideologia comum a todo imperialismo”.
A Alemanha, por apresentar uma uni�cação tardia, não participou das conquistas territo-
riais da época das grandes navegações e do descobrimento de novas terras; desse modo,
não possuiu nenhuma colônia de seu domínio, diferentemente dos demais países euro-
peus. Criou-se, pois, a necessidade de um expansionismo no país, a �m de anexar novos
territórios para poder se igualar aos países vizinhos. Surgiu, assim, o estímulo para pensar
o espaço; logo, para fazer Geogra�a.
Ratzel realizou formulações de leis que explicavam as relações entre o homem e o meio
natural, indicando, por exemplo, que “[...] as diferenças existentes entre os povos e civiliza-
ções resultaram [...]” do relacionamento existente entre eles ao longo dos tempos
(ANDRADE, 1987, p. 85).
Foi de grande importância para a Geogra�a, e para outras ciências, a publicação da obra de
Charles Darwin A origem das espécies, publicada no ano da morte de Humboldt e Ritter,
em 1859 e, mais especi�camente, a leitura que Herbert Spencer, sociólogo, fez dessa obra, o
que serviria de base para as teorias desenvolvidas por Ratzel.
A partir dessa teoria, Ratzel passa a enxergar a sociedade e interpretá-la como um organis-
mo vivo. Ele considerou o homem como parte da espécie animal e não como um elemento
social. Assim, ele tentou explicar a evolução da humanidade sob os postulados de Charles
Darwin: a evolução se processaria por meio da luta entre as várias espécies, vencendo as
mais capazes na sua adaptação ao meio natural. A teoria de seleção natural das espécies,
de Darwin, é, pois, a fonte das ideias de Ratzel, uma vez que a luta é basicamente pelo espa-
ço.
Moreira (1994, p. 32) faz uma síntese do pensamento de Ratzel, em que mostra a interpreta-
ção que o pensamento ratzeliano dará ao Homem, a Sociedade e ao Estado:
Assim, dirá Ratzel, o homem, em todos os seus planos de existência, tanto mental como civilizató-
rio, é o que determina seu meio natural (teoria do determinismo geográ�co). Como na luta das es-
pécies pelo domínio de espaço que contém sua nutrição, os homens organizam-se em Estados pa-
ra os quais o espaço é fonte de vida (teoria do espaço vital). A cadeia do raciocínio em Ratzel é li-
near: os homens agrupam-se em Sociedade, a Sociedade é o Estado, o Estado é um organismo. A
Sociedade e o Estado são o fruto orgânico do determinismo do meio. O Estado é a expressão orgâ-
nica do ‘determinismo geográ�co’. O Estado é um organismo em parte humano e em parte terres-
tre. É a forma concreta que adquire em cada canto a relação homem-meio (MOREIRA, 1994, p. 33).
Com base nessas ideias, podemos observar duas teorias formuladas por Ratzel: a primeira
referente ao determinismo geográ�co, em que o meio ambiente determina a formação do
homem, tanto suas características físicas como psicológicas (caráter). A segunda é a de
que o homem pouco poderia fazer perante a Natureza; deveria sempre predominar o mais
forte – tanto nas relações Homem x Natureza como nas relações entre as classes sociais.
Como complementa Moraes (2005, p. 70):
[...] para Ratzel, a sociedade é um organismo que mantém relações duráveis com o solo, manifes-
tas, por exemplo, nas necessidades de moradia e alimentação. O homem precisaria utilizar os re-
cursos da natureza para conquistar sua liberdade.
Nas palavras de Ratzel (apud MORAES, 2005, p. 70): “[...] é um dom conquistado a duras pe-
nas”.
A ocupação do território passa a ser uma conquista, a sociedade organiza-se para defender
o território e transforma-se, assim, em Estado. Dessa forma, a segunda teoria formulada
por Ratzel é a do Espaço Vital, que delega ao Espaço fundamental importância para o de-
senvolvimento das Sociedades Humanas (Estados). Dessa forma, os Estados (sociedades
humanas – nações) devem lutar pelo domínio do Espaço (MORAES, 2005).
[...] a guerra havia colocado, para a classe dominante francesa, a necessidade de pensar o espaço,
de fazer uma Geogra�a que deslegitimasse a re�exão geográ�ca alemã e, ao mesmo tempo, forne-
cesse fundamentos para o expansionismo francês.
Desse modo, a Geogra�a passa a ter o apoio deliberado do Estado, sendo esta disciplina le-
vada às Universidades e em todas as séries do ensino básico. Foram criadas, também,
Cátedras e Institutos de Geogra�a.
Os franceses, ao re�etirem sobre a Geogra�a Alemã desenvolvida por Ratzel e seus discí-
pulos, perceberam que esta legitimava a ação imperialista do Estado (Teoria do Espaço
Vital) – tratava-se, pois, de uma necessidade para a França tentar combatê-la. Porém, a
Geogra�a no território francês encontrava-se, ainda, em grande atraso – havia, então, a ur-
gência de elevá-la a ciência, como �zera a Escola Alemã de Geogra�a. Logo, a Escola
Alemã passou a ser um espelho para a Geogra�a Francesa.
O francês Paul Vidal de La Blache passou a estudar profundamente os trabalhos dos ale-
mães (sobretudo o de Ratzel), os quais são assimilados sob a visão e a reação francesa con-
tra o imperialismo germânico. Desses estudos resultaram críticas profundas aos trabalhos
já mencionados.
Observe, no Quadro 2, as principais críticas feitas por La Blache aos postulados da Escola
Alemã.
Quadro 2 Principais críticas feitas por La Blache aos postulados da Escola Alemã.
Por meio dessas críticas (Quadro 2), La Blache construiu a sua proposta do que seria, então,
a Geogra�a, articulando, pois, a denominada “Escola Francesa de Geogra�a”.
Note que a eclosão da Geogra�a na França em 1870 se deu especialmente pela �gura de
Paul Vidal de La Blache, que trouxe novas concepções e procurou ir além das enumerações
exaustivas e dos relatos de viagem.
Segundo Moreira (2008b, p. 36), com “[...] La Blache, tem início a fase da Geogra�a que irá
difundir-se como tal, no século XX, chegando a nós até hoje”.
Ainda segundo Moreira (2008b), o pensamento de La Blache, a partir de suas três princi-
pais obras, Quadros de geogra�a da França (1903), Princípios de Geogra�a Humana (1922) e
A França de Leste (1917), pode ser organizado em três diferentes momentos.
[...] como um recorte dotado de singularidade, caso de síntese dos fenômenos físicos e humanos –
a famosa síntese regional – que só no recorte espacial em que se faz, faz-se de um modo próprio e
singular, não se repetindo em outro recorte regional da superfície terrestre (MOREIRA, 2008b, p.
36).
O princípio da unidade terrestre, da terra como um todo, era um ponto central para a�rma-
ção da ciência geográ�ca. No texto As características próprias da Geogra�a, La Blache
(1913, p. 38) a�rmava que:
Geogra�a compreende, por de�nição, o conjunto da Terra. Este foi o mérito dos matemáticos-
geógrafos da antigüidade (Eratóstenes, Hiparco, Ptolomeu), o de colocar em princípio a unidade
terrestre, o de fazer prevalecer esta noção acima das descrições empíricas das regiões. É nesta ba-
se que a Geogra�a pôde-se desenvolver como ciência.
Nesse sentido, caberia ao geógrafo, partido da noção de unidade terrestre, analisar as rela-
ções entre a natureza e o homem, em diferentes localidades (regiões), não signi�cando isso
uma oposição entre uma Geogra�a Geral e uma Geogra�a Regional.
A análise desses elementos, o estudo de suas relações e de suas combinações compõem a trama
de toda a pesquisa geográ�ca. Não se pode mais questionar, segundo este ponto de vista, uma an-
tinomia de princípio entre duas espécies de Geogra�a: uma que sob o nome de Geogra�a Geral se-
ria a parte verdadeiramente cientí�ca e a outra que se aplicaria, tendo como �o condutor somente
uma curiosidade super�cial, na descrição das regiões. De qualquer maneira que se enfoque, são os
mesmos fatos gerais, nos seus encadeamentos e na sua correlação, que se impõem à atenção.
Estas causas, se é permitido usar esta palavra ambiciosa, ao se combinar originam as variedades
sobre as quais o geógrafo trabalha: seja quando ele se propõe a determinar os tipos de clima, for-
mas de solos, de habitat etc., como faz quando trata de Geogra�a Geral; seja quando ele se esforça
para caracterizar as regiões, até mesmo de as pintar, pois o pitoresco não Ihe é proibido (LA
BLACHE, 1913, p. 41).
Paul Vidal de La Blache passa, pois, a entender a Geogra�a como sendo o estudo das “pai-
sagens”, isto é, as formas que o homem cria na natureza de acordo com suas necessidades.
É preciso dizer que nesta �sionomia o homem se impõe, direta ou indiretamente por sua presença,
por suas obras ou conseqüência de suas obras. Ele também é um dos agentes poderosos que traba-
lham para modi�car a superfície. Coloca-se por isso entre os fatores geográ�cos de primeira or-
dem. Sua obra sobre a Terra já é longa; há poucas partes que não levam seus estigmas. Pode-se di-
zer que dele depende o equilíbrio atual do mundo vivo. É uma outra questão aquela de saber qual
in�uencia as condições geográ�cas exerceram sobre seus destinos e particularmente sobre sua
história (LA BLACHE, 1913, p. 46).
Todavia, segundo Campos (2015, p. 68), ao analisar a obra Princípios de Geogra�a Humana,
para La Blache:
A paisagem que caracterizava uma região era marcada pela casa, pelos jardins, pelas plantações,
en�m, pela obra do homem, mas não por este. Na “paisagem” não existiam pobreza, mortalidade
infantil, concentração de renda ou fundiária, poder estatal. Em seu livro não existiam guerras,
con�itos entre os países, processo de ocupação.
Isso signi�ca que, para La Blache, o importante não é discutir o papel do homem na socie-
dade de classes, mas entender os resultados da ação humana na paisagem, por isso, a�r-
mava que:
Geogra�a é a ciência dos lugares e não dos homens e ela se interessa pelos acontecimentos da
História à medida que acentuam a esclarecem, nas regiões onde eles se produzem, as proprieda-
des, as virtualidades que sem eles permaneceriam Iatentes (LA BLACHE, 1913, p. 6).
[...] conhecemos há muito tempo a Geogra�a incerta de seu objeto e de seus métodos, oscilando en-
tre a Geologia e a História. Esses tempos passaram. O que a geogra�a em troca do auxílio que ela
recebe das outras ciências pode trazer para o tesouro comum é a aptidão para não dividir o que a
natureza juntou, para compreender a correspondência e a correlação dos fatos, seja no meio ter-
restre que envolve a todos, seja nos meios regionais onde eles se localizam. Há aí, sem dúvida ne-
nhuma, um benefício intelectual que pode estender-se a todas as explicações do espirito.
Retraçando as vias pelas quais a Geogra�a chegou a esclarecer seu objetivo e a fortalecer seus mé-
todos, reconhecemos que ela foi guiada pelo desejo de observar cada vez mais diretamente, cada
vez mais atentamente, as realidades naturais. Esse método trouxe seus frutos: o essencial é agar-
rar-se a eles (LA BLACHE, 1913, p. 47).
Para La Blache, o trabalho de campo era um instrumento importante para a descrição das
paisagens. A obra Vidal, Vidais: textos de geogra�a humana, regional e política apresenta
um trecho do discurso de La Blache no IX Congresso Internacional de Geogra�a, realizado
em 1908, em Genebra, no qual dizia:
Desde que a Geogra�a pedagógica saiu do gabinete onde frequentemente se fechava e pôs-se a ob-
servar diretamente a natureza, a interpretação das paisagens tornou-se um de seus principais te-
mas. É uma arte delicada [...]. Nela, a análise e a síntese têm, cada uma, seu papel. A análise es-
força-se por distinguir os aspectos heterogêneos que integram a composição de uma paisagem e,
como as causas passada e presente se misturam nas formas de relevo, esse gênero de interpreta-
ção guarda um pouco de exegese. No entanto, por outro lado, essa paisagem forma um todo, cujos
elementos se encadeiam e coordenam; sua interpretação exige uma percepção lógica da síntese
plena de vida que ela lança sob nossos olhos (RIBEIRO, 2012, p. 125).
Esta observação direta da paisagem possibilitava, portanto, uma melhor descrição da loca-
lidade, mostrando, a partir de um referencial que considera a unidade terrestre, o que dife-
rencia uma localidade em relação a outras. É a partir desse referencial teórico-
metodológico que La Blache de�ne o conceito de “gênero de vida”. Para ele, o homem era
concebido como um hóspede antigo da superfície terrestre, que, em cada lugar, se adaptava
ao meio que o envolvia, em um relacionamento constante e cumulativo, o que acabara por
desenvolver um acervo de técnicas, hábitos, usos e costumes que lhe permitiram utilizar
os recursos naturais disponíveis. A esse conjunto de técnicas e costumes, Vidal denomi-
nou “gênero de vida”, que, segundo Moraes (2005, p. 81):
[...] exprimia uma relação entre a população e os recursos, uma situação de equilíbrio, construída
historicamente pelas sociedades. A diversidade dos meios explicaria a diversidade dos gêneros de
vida.
Um gênero de vida constituído implica em uma ação metódica e contínua que age fortemente so-
bre a natureza ou para falar como um geógrafo, sobre a �sionomia das áreas. Sem dúvida, a ação
do homem faz se sentir sobre o seu meio desde o dia em que sua mão se armou de um instrumen-
to; pode se dizer que, desde o início das civilizações, essa ação não foi negligenciável. Mas total-
mente diferente é o efeito de hábitos organizados e sistemáticos que imprimem cada vez mais su-
as marcas, impondo-se pela força adquirida por gerações sucessivas, estampando seu traço sobre
os espíritos, direcionando em um sentido determinado todas as forças do progresso (LA BLACHE,
1911, p. 1).
Vidal expõe, ainda, que o contato entre gêneros de vida diferentes traria grandes mudan-
ças, o que, para ele, seria o fator fundamental do progresso humano, pois os contatos gera-
riam arranjos mais ricos, pela incorporação de novos hábitos e novas técnicas.
Já segundo o geógrafo Manoel Correia de Andrade (1987), “gênero de vida” é o conjunto ar-
ticulado de atividades que, cristalizadas pela in�uência dos costumes, expressam as for-
mas de adaptação, ou seja, a resposta dos grupos humanos aos desa�os do meio geográ�-
co. Assim, a diversidade dos meios geográ�cos explicaria a diversidade dos gêneros de vi-
da.
Em suma, segundo Moreira (2008a, p. 144), o objetivo central de Vidal de La Blache é mos-
trar a vinculação das paisagens, com a instituição das formas de cultura e da civilização,
por meio dos gêneros de vida, nos quais se organizam. Assim, “[...] a correlação entre os gê-
neros de vida e o meio geográ�co, leva-o a analisar em detalhes a distribuição dos fenôme-
nos”.
É possível ver na de�nição de gênero de vida, proposta por Vidal, uma justi�cativa para a
colonização, para o expansionismo francês na Ásia e na África, ou seja, a discutida “mis-
são civilizadora do europeu na África”, impulsionara, assim, a França a levar o progresso
humano a esses países. Como aponta Moraes (2005, p. 83), há, dessa forma, uma legitima-
ção indireta, "[...] onde o tema da expansão e do domínio territorial (assim como os demais
assuntos diretamente políticos) não são sequer mencionados”.
Em relação ao método cientí�co empregado por Vidal de La Blache, este não rompeu como
os desenvolvidos pelos alemães, foi antes um prosseguimento destes. Vidal era mais rela-
tivista, negando a ideia de causalidade e determinação de Ratzel, assim seu enfoque era
menos generalizador.
A Geogra�a distingue-se como ciência essencialmente descritiva. Não seguramente que renuncie
à explicação: o estudo das relações dos fenômenos, de seu encadeamento e de sua evolução são
também caminhos que levam a ela. Más esse objeto mesmo a obriga mais que em outra ciência, a
seguir minuciosamente o método descritivo. Uma dessas tarefas principais não é localizar as di-
versas ordens de fatos que a ela concernem, determinar exatamente a posição que ocupam, as
áreas que abrangem?
Como colocado por Moraes (2005), Vidal propôs o método empírico-indutivo, pelo qual só
se formulam juízos partindo dos dados da observação direta, considera-se a realidade co-
mo o mundo dos sentidos, limita-se a explicação aos elementos e processos visíveis.
Assim, ele propõe as seguintes etapas para análise geográ�ca:
1. observação do campo;
2. indução partindo da paisagem;
3. particularização da área enfocada (em seus traços históricos e naturais);
4. comparação das áreas estudadas e do material levantado;
5. classi�cação das áreas e dos gêneros de vida.
Outro conceito desenvolvido pela Geogra�a Lablacheana foi o de “região”. Fora a denomi-
nação dada a uma determinada “unidade de análise geográ�ca” que exprimia a forma pela
qual os homens organizavam o espaço onde viviam e se podiam integrar tanto os aspectos
“físicos” como os aspectos “humanos” (LENCIONI, 2009).
A região seria, então, uma determinada área individualizada da superfície terrestre e cabe-
ria ao geógrafo delimitá-la, descrevê-la e explicá-la – uma escala de análise, uma unidade
espacial, dotada de individualidade em relação às suas áreas limítrofes e, assim, pela ob-
servação, seria possível de�nir os seus limites territoriais. A Região fora concebida como
sendo o objeto de estudo da Geogra�a e os geógrafos passaram a entender que as regiões
existem, de fato, na realidade, deixando, pois, de ser apenas um instrumento teórico de
pesquisa.
A síntese regional [...] é o objetivo último da tarefa do geógrafo, o único terreno sobre a qual ele se
encontra a si mesmo. Ao compreender e explicar a lógica interna de fragmentação da superfície
terrestre, o geógrafo destaca a individualidade que não se encontra em nenhuma outra parte (La
Blache apud Lencioni, 2009, p. 107).
Desse modo, os geógrafos passaram a fazer o estudo do “único”, pois cada região tinha as
suas características próprias e era diferente das demais, o que causava um sério problema
epistemológico para a Ciência Geográ�ca, que passou a ser considerada uma Ciência
Ideográ�ca.
Segundo Moraes (2005, p. 76): “A ideia de região propiciou o que viria a ser a majoritária e
mais usual perspectiva de análise do pensamento geográ�co: a Geogra�a Regional [...]”,
sendo o principal desdobramento da proposta vidalina.
Segundo Gomes (2000, p. 57), para La Blache, “[...] a região é uma realidade concreta, física,
ela existe como um quadro de referências para a população que aí vive”. Para Lobato
Correa (2000), por esse raciocínio, a conclusão inevitável seria a de que a região poderia
desaparecer. Ainda segundo o autor:
Sendo assim, o papel do geógrafo é o de reconhecê-la, descrevê-la e explicá-la, isto é tornar claros
os seus limites, seus elementos constituintes combinados entre si e os processos de sua formação
e evolução (LOBATO CORREA, 2000, p. 29).
Nesse sentido, ao estudar uma região, o geógrafo deveria abarcar todos os aspectos visí-
veis e observáveis dessa região: fatores físicos, fatores humanos e fatores econômicos, bus-
cando o conhecimento cada vez mais profundo pela descrição e observação dos fenôme-
nos e elementos presentes, no limite tendendo à exaustão. Desenvolve-se, assim, uma es-
pécie de receituário de pesquisa, que �cou conhecido como Monogra�a Regional.
Desse modo, a Geogra�a Econômica foi além da análise local, buscando um conhecimento
mais generalizador, como aponta Moraes (2005, p. 89): “[...] a Geogra�a Econômica foi um
dos focos destacados do pensamento geográ�co, estando assim no limite da Geogra�a
Tradicional”. Assim, é com base no estudo da Geogra�a Econômica que ocorrerá o desen-
volvimento de novas abordagens na Geogra�a.
Concluindo, observamos que Paul Vidal de La Blache desenvolveu uma corrente geográ�ca
que se tornou majoritária no pensamento geográ�co francês e que acabou ganhando o
mundo. Sua in�uência nos geógrafos posteriores foi muito grande, e seus discípulos dire-
tos foram numerosos. Por meio da revista Annales de Géographie, por ele criada, presente
em quase todas as cátedras e institutos de Geogra�a da França, Vidal pode espalhar suas
ideias e pensamentos.
A Geogra�a americana teve maior desenvolvimento em seus aspectos físicos, por meio de
J. W. Powell e W. Morris Davis. Quanto à Geogra�a Humana, os historiadores admitem du-
as escolas americanas, a de Chicago e a de Berkeley (ou Califórnia). Na primeira, domina-
ram os geógrafos, inspirados em Ratzel, como E. Semple e E. Huntington, que levaram à di-
vulgação das teorias deterministas e se utilizaram desta para legitimar o poder dos EUA e
sua política expansionista, inicialmente sobre os índios do oeste e depois por toda a
América (ANDRADE, 1987).
No pós-guerra, houve um grande destaque nessa escola a aplicação dos métodos quantita-
tivos à Geogra�a – de grande in�uência na formação do curso de Geogra�a da Unesp de
Rio Claro, no Brasil. A segunda escola, a Berkeley, teve como principal �gura Carl Sauer,
que também foi in�uenciado por geógrafos alemães e aproximou a Geogra�a da
Antropologia (ANDRADE, 1987).
A partir de agora, veremos um pouco mais sobre essas duas escolas e os seus principais
pensadores, iniciando com a escola Berkeley, de Carl Sauer.
O alemão Ratzel, em suas viagens, deu grande ênfase às características culturais locais.
Mas era preciso ir além do ambiente local e perguntar de onde vinham os traços culturais.
De acordo com Broek (1967, p.40-41), Carl Sauer fez “[...] dessa preocupação com a origem e
a dispersão a pedra fundamental de seu trabalho em Geogra�a Cultural”. O seu ponto de
vista se aproxima dos argumentos dos possibilistas e o seu propósito era afastar-se do
Determinismo. “Existia a necessidade da análise dos aspectos culturais, destacando, so-
bremodo, a vida cultural e os processos adaptativos em comunidades tradicionais ou pri-
mitivas” (BOTELHO, 1993, p. 52).
Após entender as bases metodológicas da Geogra�a Tradicional, é necessário saber como
a Geogra�a começa sua sistematização como ciência (a�nal, isso ocorreu somente no sé-
culo 19). Até então, o conteúdo a ela referido era bastante variado e disperso, ou seja, não
era padronizado, não apresentava unidade temática, tampouco continuidade nas formula-
ções.
De lá pra cá, a também chamada "Geogra�a Moderna" passou por três fases: a organicista,
a evolucionista e a possibilista, tendo como principais precursores Humboldt, Ritter, Ratzel
e La Blache. Assim como as demais ciências naturais, ela acompanhou as alterações que
ocorreram no mundo contemporâneo, de modo que sofreu reestruturação, pela busca de
novos paradigmas e pela formação de uma ciência crítica.
O impacto do pós-guerra sobre a Geogra�a não se limitou a fazê-la sair da universidade e tentar
disputar espaço com outras disciplinas na área do planejamento e da crítica social. Ela provocou a
re�exão dos geógrafos sobre a natureza da Geogra�a e os levou a atitudes de crítica, à reformula-
ção dos seus princípios cientí�cos e �losó�cos, à negação do passado, por parte de alguns grupos,
e à procura de novos caminhos (ANDRADE, 1987, p. 105).
Note que se abriu, também, um caminho à procura de novas metodologias e discussões so-
bre o objeto de estudo geográ�co. Isso será bené�co, pois introduzirá um pensamento críti-
co; porém, a Geogra�a começa a perder a unidade contida na Geogra�a Tradicional.
De acordo Moraes (2005), podemos apontar como razões da crise na Geogra�a Tradicional:
Como podemos perceber, vários motivos levaram à crise da Geogra�a Tradicional, sejam
eles históricos ou epistemológicos. O movimento de renovação da geogra�a e a busca de
novos paradigmas vão encontrar dilemas que serão discutidos até hoje, sem encontrar um
�m, fazendo da Geogra�a uma ciência crítica.
Alguns autores vão �car nas razões formais; outros avançam, buscando as razões mais profundas
na base social e na função ideológica desse conhecimento. De acordo com esta variação, existem
críticas distintas, que já dependem dos propósitos e do direcionamento que se imprimem ao movi-
mento de renovação. O fundamento positivista clássico é negado por todos, porém o que deve
substituí-lo é matéria das mais polêmicas.
Dessa forma, cada autor possuirá um nível de questionamento, destacando aqueles pontos
mais adequados e capazes de introduzir sua proposta. Cada um proporá novos métodos e
novas perspectivas de pesquisa. Assim, a Geogra�a Renovada é bastante diversi�cada e,
por isso, abrange muitas concepções.
Para �nalizar, é importante lembrarmo-nos de que a Geogra�a como ciência surgiu sob
forte in�uência do Positivismo Lógico. E essa condição se expressa em grande parte nos
estudos de geogra�a até hoje. Entretanto, a Ciência evoluiu e transformou as suas orienta-
ções teórico-metodológicas.
Segundo Andrade (1987), outro fato que veio aprofundar a crise da Geogra�a Tradicional foi
o desenvolvimento de grandes projetos com a formação de Equipes Multidisciplinares;
nessas equipes, o geógrafo tradicional �cou marginalizado, pois não falava a mesma lin-
guagem cientí�ca dos outros pro�ssionais.
A expressão “New Geography” supõe, sem nenhuma dúvida, uma preocupação de a�rmar como
novo o que aos seus defensores parecia igualmente ser único: daí, sua posição de luta. Por isso, o
vocábulo e o que ele contém terem provocado, segundo as condições próprias de cada país (inclu-
sive política), reações que iam desde a indiferença ou a perplexidade a uma espécie de combativi-
dade que opunha os extremistas dos dois pólos, divididos entre os que a�rmavam a necessidade
da nova tendência (e da nova denominação) e os que mantinham a posição contrária. Entre os ex-
tremos encontramos um número de posições intermediárias (SANTOS, 1996, p. 41).
Essa corrente que se apresentou como revolucionária, por negar as origens da Geogra�a,
desenvolveu-se, inicialmente, nos Estados Unidos (pelos geopolíticos, estrategistas da
Guerra do Vietnã), posteriormente na Suécia e na Grã-Bretanha, tendo fortes repercussões
na União Soviética e na Polônia. Porém, na Alemanha e na França encontrou forte resis-
tência.
A linguagem lógica (matemática) dominou todos os estudos dessa ciência. De acordo com
Moreira (1994, p. 44-46), “[...] em vez da descrição da paisagem, toma seu lugar a matemati-
zação da paisagem. […] Por conseguinte, foi grande o salto da geogra�a: do positivismo pa-
ra o neopositivismo. Deu um lugar, para o mesmo”. Ou seja, com crítica o autor levanta que
essa revolução lógica, sempre mencionando a palavra revolução com aspas, uma vez que
diz que a geogra�a política-estatística colaborou com a e�ciência sistemática para a com-
preensão do local, passou longe de uma revolução para a análise da paisagem.
De qualquer forma, Milton Santos, por exemplo, debruça-se sobre essa Nova Geogra�a, pu-
blicando o livro Por uma Geogra�a Nova, no qual traz, apesar da crítica, a colaboração des-
se movimento de renovação da Geogra�a. E nessa renovação, Moraes (2005), vê dois gran-
des conjuntos, já que há um leque muito amplo de concepções, a denominada Geogra�a
Pragmática e a Geogra�a Crítica.
Segundo esse autor, “[...] a divisão do movimento […] está assentado na polaridade ideológi-
ca das propostas efetuadas. O critério adotado é o da concepção de mundo dos autores, vis-
ta como decorrentes de posicionamentos sociais e/ou engajamentos políticos” (MORAES,
2005, p. 99).
A Geogra�a Pragmática atacará o caráter não prático da Geogra�a Tradicional e fará pro-
posta voltada para o futuro, instrumentalizando uma Geogra�a Aplicada. O planejamento e
a linguagem técnica passam a fazer parte do arcabouço da ciência geográ�ca e o que se vê
é uma ciência sendo usada a serviço do Estado burguês. A Geogra�a Pragmática escolhe a
primeira via, a Geogra�a Quantitativa. Desse modo, na análise, a primeira coisa que deve
fazer é a contagem dos elementos presentes do local estudado. Esse procedimento fornece-
ria vários dados que, calculados, ofereceriam padrões ou, pelos menos, resultariam de rela-
tórios que explicariam a região estudada.
Além dessa via, ainda poderíamos citar a Geogra�a Sistêmica ou Modelística e a Geogra�a
da Percepção ou comportamental. Destas surgiram modelos próximos da Economia, fa-
zendo referência à Geogra�a Sistêmica ou Modelística, enquanto a da Percepção tentava
“[...] explicar a valorização subjetiva do território, a consciência do espaço vivenciado, o
comportamento em relação ao meio” (MORAES, 2005, p. 107). O que é preciso notar é que
todas se interessam a um �m utilitário e podem oferecer informações para concretizar
ações dentro de um plano tecnicista, instrumento da dominação burguesa.
Nos Estados Unidos, essas ideias de uma nova perspectiva tiveram seu núcleo de expan-
são em torno da �gura de Edward Ulman, professor da Universidade de Washington, que
transmitiu a seus alunos os estudos urbanos, de comunicação e os princípios e métodos
utilizados por Alfred Weber e Walter Christaller. Este último, por exemplo, “[...] visava ex-
plicar a hierarquia das cidades, com relação ao poder de atração exercido por uma metró-
pole, em virtude do equipamento nela existente” (MORAES, 2005, p. 104).
Outros nomes importantes dessa Nova Geogra�a são W. Bunge e I. Burton. Estes concor-
dam que a Geogra�a Tradicional da forma como é concebida, estaria condenada há apenas
uma descrição de acontecimento. Bunge, por exemplo, “[...] critica �rmemente a concepção
adotada por Hartshorne, segundo a qual a unicidade e a generalidade são qualidades in-
trínsecas aos fatos [...]” (GOMES, 2003, p. 258) e volta a questionar o método. No mesmo
sentido e de acordo com o mesmo autor, Burton a�rma que:
[...] em um mundo sem teorias, todos os fenômenos são únicos. Se a geogra�a deseja verdadeira-
mente ser considerada como uma ciência, deve recorrer à observação das regularidades em seu
campo de conhecimentos (GOMES, 2003, p. 258).
Podemos ver três momentos distintos na história da implantação da New Geography: da quanti�-
cação, dos modelos e dos sistemas. A mudança de nome, que começa com uma geogra�a quanti-
tativa, como é designada nos anos 1960, vira uma geogra�a teorética-quantitativa, na designação
proposta por Ian Burton, de 1963, e culmina em nova geogra�a, na proposta de G. Manley, de 1966,
que expressa essa sucessão de etapas (CHRISTOFOLETTI, 1976). Todavia, mais que uma mudança
de nome, a formalidade indica a percepção da insu�ciência da quanti�cação como base de parte
dos geógrafos envolvidos com o movimento da New Geography e a consciência da necessidade,
cada vez mais evidente, de dotá-lo de um suporte teórico capaz de lhe dar sustentação, que primei-
ro vem na forma dos modelos e por �m da teoria dos sistemas.
Ian Burton escreveu que essa revolução quantitativa colocou a Geogra�a como uma ciên-
cia respeitável e levou tão a sério essa proposta que classi�cou os adversários dessa cor-
rente.
O primeiro é o dos geógrafos que logo de saída recusam a “revolução quantitativa” e a consideram
como capaz de levar a geogra�a por maus caminhos. O segundo grupo é constituído pelos geógra-
fos que consideram a carta su�ciente para exprimir as correlações que caracterizam a organiza-
ção do espaço. Um terceiro grupo de opositores a�rma que “as técnicas estatísticas são adequadas
para alguns temas geográ�cos, mas não para toda a geogra�a”. Uma outra ordem de objeções é
mais abrandada: as técnicas quantitativas são desejáveis, mas os numerosos erros de aplicação
deveriam desaconselhar o seu uso. Um último grupo prefere levantar críticas de natureza mais
pessoal: para estes a quanti�cação seria uma boa coisa mas os geógrafos quantitativos não seriam
tão bons” (SANTOS, 1996, p. 50).
O grande centro de difusão das ideias quantitativas foi a Universidade de Chicago; seu
grande precursor foi Brian Berry, que se dedicou, sobretudo, aos estudos urbanos, colocan-
do o homem como dominante, uma vez que é este próprio quem modi�ca a natureza
(ANDRADE, 1987).
Na Suécia, ela teve seu início com os trabalhos de Torsten Hargerstrand. Ele elaborou car-
tas que indicavam a progressão da modernização nas áreas da província de Scania, corre-
lacionando a progressão do processo no meio urbano e no rural, utilizando, em larga esca-
la, os métodos estatísticos e as cartas temáticas.
Na Inglaterra, alguns autores, como Peter Hagget, Michael Chisholm e Richard Chorley, re-
alizaram trabalhos intensos utilizando a pesquisa operacional, a cibernética e a teoria dos
jogos. Demonstraram grande familiaridade com os princípios dominantes na Ciência
Econômica e produziram trabalhos úteis ao desenvolvimento do planejamento capitalista.
Depois de algum tempo, a �gura central e mais famosa da Geogra�a Teorética era David
Harvey, que publicou um livro de base (Explanation in Geography. London: Edward Arnold,
1969), que continha profundas re�exões sobre o caráter cientí�co da Geogra�a e sobre a
“revolução” que se realizava. No entanto, após a publicação de seu livro, o autor fez novas
re�exões e passou a militar na Geogra�a Crítica, mas seu livro continuou a ter grande im-
portância para o pensamento quantitativo (ANDRADE, 1987).
Outra obra de destaque para o conhecimento e formação da Geogra�a Quantitativa foi es-
crita por G. Dematteis – Revolução quantitativa e Nova Geogra�a, o que seria uma primeira
via de objetivação dessa Nova Geogra�a.
Os autores dessa corrente propuseram uma Geogra�a Aplicada, por meio de uma ótica
prospectiva, com um conhecimento voltado para o futuro.
Desse modo, propõe-se uma “renovação metodológica”, buscando novas técnicas e lingua-
gens que respondessem aos anseios da sociedade contemporânea e do planejamento terri-
torial.
A crítica feita pela corrente Quantitativa à Geogra�a Tradicional se dá em relação aos seus
aspectos técnicos e metodológicos, e não quanto aos aspectos epistemológicos. Assim,
trata-se de um questionamento super�cial da crise, não de seus fundamentos.
É uma crítica “acadêmica”, que não toca nos compromissos sociais do pensamento tradici-
onal, visa, apenas, a uma rede�nição das formas de veicular os interesses do capital. De
acordo com Moraes (2005, p. 110), trata-se de:
[...] uma atualização técnica e lingüística. Passa-se de um conhecimento que levanta informações
e legitima a expansão das relações capitalistas para um saber que orienta esta expansão, forne-
cendo-lhe opções e orientando as estratégias de alocação do capital no espaço terrestre.
Troca-se o empirismo da observação direta (do “ater-se aos fatos” ou dos “levantamentos dos as-
pectos visíveis”) por um empirismo abstrato, dos dados �ltrados pela estatística (das médias, vari-
âncias e tendências) (MORAES, 2005, p. 110).
O geógrafo passou a trocar o trabalho de campo e a observação por seu “gabinete” e o uso
de computadores. Troca-se a descrição, contagem e enumeração direta da paisagem por
médias, índices, padrões, para as correlações matemáticas expressas em índices
(MOREIRA, 1994).
Informação complementar:
Para os Neopositivistas, a Física (em função da simplicidade de seu objeto de estudo) passa a ser considerada o “modelo” de
Ciência. A linguagem da Física (a matemática) passa a ser considerada a linguagem universal da ciência. Ela passa a ser
considerada a única linguagem por meio da qual os homens conseguem comunicar-se cienti�camente com clareza e preci-
são (LACOSTE, 1977).
Condenou no ensino, o uso das excursões, das aulas práticas de campo, por achar desnecessária a
observação da realidade, substituindo o campo pelo laboratório, onde seriam feitas medições ma-
temáticas, grá�cos e tabelas so�sticadas, procurando visualizar a problemática por meio de dese-
nhos e diagramas.
Para os geógrafos dessa corrente, o temário da Geogra�a poderia ser totalmente explicado
com base em estudos matemáticos. Assim, os estudos geográ�cos, como as inter-relações
de fenômenos e elementos, a ação da natureza sobre os homens, dentre outros, seriam pas-
síveis de serem expressos em termos numéricos e compreendidos na fórmula de cálculos.
Ainda para Moraes (2005, p. 114): “Este diagnóstico ou survey permite um conhecimento da
área enfocada e a escolha de estratégias de intervenção, acelerando ou obstaculizando as
tendências presentes”.
O autor Moraes faz uma crítica à Nova Geogra�a. Para ele, essa nova concepção da
Geogra�a serve apenas para legitimar o poder do Estado capitalista e da burguesia:
Dessa forma, a Geogra�a Quantitativa passou a ser uma arma na mão do Estado, que a uti-
lizará para impor os ideais do capitalismo monopolista e as reivindicações da classe domi-
nante.
Podemos destacar como principais críticas feitas à Geogra�a Quantitativa (aos geógrafos
dessa corrente):
Segundo Moraes (2005), o pensamento quantitativo, por meio de seus autores, traz um em-
pobrecimento a Geogra�a ao conceber as múltiplas relações entre os elementos da paisa-
gem como relações matemáticas, meramente quantitativas.
Assim, surgiu uma corrente preocupada em ser crítica e atuante. De acordo com
Christofoletti (1982), essa corrente pode ser caracterizada como:
1. Geogra�a Crítica;
2. de relevância social;
3. marxista;
4. radical.
Vale ressaltar que a Geogra�a Crítica discute as perspectivas impostas pela Geogra�a
Tradicional e diverge da Geogra�a Quantitativa.
Essa nova corrente geográ�ca adotou uma postura crítica radical, pensando nas questões
sociais, lutando por uma sociedade mais justa. Os autores dessa corrente colocam a análi-
se geográ�ca como um instrumento de libertação do homem.
Para Moraes (2005, p. 116): “É assim um debate político, ao nível da ciência; uma luta ideo-
lógica, expressão da luta de classe, no plano de pensamento”. Os geógrafos radicais têm
por base a �loso�a marxista na análise dos modos de produção e das formações socioe-
conômicas.
Os geógrafos dessa corrente buscaram fazer uma avaliação profunda das razões da crise
na Geogra�a, indo além do discurso acadêmico do pensamento tradicional, mas procuran-
do suas raízes sociais.
De acordo com Moraes (2005), as principais críticas desenvolvidas por eles se estabelece-
ram em relação:
Dessa forma, os autores ligados à corrente da Geogra�a Crítica mostraram a ligação da ci-
ência geográ�ca com as políticas expansionistas, imperialistas e de legitimação do poder
do Estado e da burguesia.
Uma das principais matrizes do pensamento crítico foi a Geogra�a Francesa, que, na se-
gunda metade do século 20, foi introduzindo questões econômicas, sociais e políticas na
análise do espaço geográ�co, aproximando o marxismo dos estudos geográ�cos.
Como explica Moraes (2005), a ala mais progressista da Geogra�a Regional francesa foi a
precursora da introdução do discurso político crítico. Já nas décadas de 1930 e 1940, Jean
Dresch antecipa essa incorporação da questão política na Geogra�a. Segundo Pedrosa
(2009), no texto O declínio do colonialismo, publicado em 1945, ainda que o marxismo não
esteja exposto de modo explícito, é possível notá-lo na análise que o autor faz do imperia-
lismo.
[...] asseguravam que a renovação epistemológica necessária em face das transformações recentes
tinha de passar pela superação do caráter “contemplativo” com que os geógrafos costumavam
produzir seus estudos até então (DINIZ FILHO, 2012, p. 138).
Entre os autores que mais se engajaram nesse processo de renovação da Geogra�a está
Pierre George (1920-2005), cuja vasta produção teórica é “[...] compreendida como uma ten-
tativa de harmonizar o marxismo com a geogra�a regional vidaliana” (PEDROSA, 2013, p.
100).
Para Moraes (2005), Pierre George buscou conciliar a metodologia da análise regional com
os conceitos do materialismo-histórico, com isso, passou a utilizar os termos relações de
produção, relações de trabalho, forças produtivas e a ação do grande capital nas suas aná-
lises geográ�cas.
Assim:
O intuito de tornar a geogra�a uma ciência apta a intervir na realidade não se resumia a trabalhar
com teorias e modelos que tivessem funções tanto explicativas quanto práticas, mas também
construir teorias críticas da sociedade capitalista que sinalizassem caminhos para a discussão
dos problemas sociais agudos, bem como conceber soluções no âmbito das lutas políticas (DINIZ
FILHO, 2012, p. 143).
Essa perspectiva teórica levou à incorporação de novos temas à Geogra�a, tais como os
problemas ligados à urbanização e aos desequilíbrios regionais, que deveriam ser corrigi-
dos por meio da intervenção estatal (DINIZ FILHO, 2012).
Sua principal obra foi A Geogra�a – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra, pu-
blicada em 1976. Nessa obra, Yves Lacoste procura interrogar o saber geográ�co e as práti-
cas que o constituem, deixa de lado algumas velhas e pertinentes questões e propõe ou-
tras.
Lacoste aponta a Geogra�a como dividida em dois planos, a saber: “A Geogra�a dos
Estados-Maiores” e a “Geogra�a dos professores”.
Segundo Lacoste (1977), a “Geogra�a dos Estados-Maiores” sempre existiu ligada à própria
prática do poder, seja pelo Estado ou, atualmente, por meio das grandes empresas, por
meio de estratégias de ação no domínio da superfície terrestre, de forma não explícita nas
teorias.
Já a “Geogra�a dos professores”, para o autor, teria a função, em primeiro lugar, de masca-
rar a existência da “Geogra�a dos Estados Maiores”, apresentando o conhecimento geográ-
�co como um saber inútil e, assim, mascarar o valor estratégico de saber pensar o espaço,
tornando-o desinteressante para a maioria das pessoas. Em segundo lugar, levantar, de
uma forma camu�ada, dados para a “Geogra�a dos Estados-Maiores” e, assim, fornecer in-
formações precisas sobre os variados lugares da Terra. Como evidência dessa a�rmação,
podemos citar o exemplo do Departamento de Estado dos EUA que utilizou as “ingênuas”
teses francesas nos bombardeios do Vietnã (LACOSTE, 1977).
A Geogra�a, assim,
[...] não serve somente para sustentar, na onda de seus conceitos, qualquer tese política, indiscri-
minadamente. Na verdade, a função ideológica essencial do discurso da geogra�a escolar e uni-
versitária foi, sobretudo, de mascarar, por procedimentos que não são evidentes, a utilidade práti-
ca da análise do espaço, sobretudo, para a condução da guerra, como ainda para organização do
Estado e a prática do poder. É sobretudo quando ele aparece “inútil” que o discurso geográ�co
exerce a função misti�cadora mais e�caz, pois a crítica, de seus objetivos “neutros” e “inocentes”
parece supér�ua. A sutileza foi a de ter passado um saber estratégico militar e político como se
fosse um discurso pedagógico ou cientí�co perfeitamente inofensivo (LACOSTE, 1977, p. 25).
Atenção!
A Geogra�a Crítica cria uma ruptura com a Geogra�a Tradicional, na medida em que busca a construção de um conheci-
mento que lhe seja contrário, de um discurso que combata as teorias que se contraponham às tradicionais.
Isso justi�ca Lacoste (1977) de�nir seu trabalho como “guerrilha epistemológica”, que será
a via revolucionária de renovação do pensamento geográ�co, que agrupa autores imbuídos
de uma perspectiva transformadora que negam a ordem estabelecida, que veem seu traba-
lho como instrumento de denúncia e como arma de combate. En�m, que propõem a
Geogra�a como mais um elemento na superação da ordem capitalista (MORAES, 2005).
Lacoste (1977) a�rma, ainda, que a sociedade possui uma visão fracionada do espaço – o
cidadão comum tem uma visão limitada à rua, ao bairro, à cidade. Contudo, os detentores
do poder (Estado ou a grande empresa) têm uma visão integrada do espaço, dada pela in-
tervenção articulada em vários lugares.
Argumenta o autor que é necessário construir uma visão integrada do espaço, numa pers-
pectiva popular, e socializar esse saber, pois ele possui fundamental valor estratégico nos
embates políticos. Diz explicitamente: “[...] é necessário saber pensar o espaço, para saber
nele se organizar, para saber nele combater”.
É preciso que as pessoas estejam mais bem armadas, tanto para organizar o seu deslocamento, co-
mo para expressar a sua opinião em matéria de organização espacial. É preciso que elas sejam ca-
pazes de perceber e de analisar su�cientemente rápido as estratégias daqueles que estão no poder,
tanto no plano nacional, como no internacional (LACOSTE, 1997, p. 182).
A sociedade necessita conhecer o espaço de forma integrada para poder se organizar me-
lhor sobre ele. Fica, então, de�nido, de modo claro, o conteúdo político da Geogra�a Crítica.
Lacoste (1977) expõe, ainda, que “[...] a Geogra�a é uma prática social em relação à superfí-
cie terrestre”, que o geógrafo Milton Santos (1978) complementa com a a�rmação: “[...] o es-
paço é a morada do homem, mas pode ser também sua prisão”.
Assim, observamos o caráter revolucionário da Geogra�a Crítica, que vai pensar na teoria e
na prática, com o ideal de que não basta apenas explicar o mundo, mas também é preciso
transformá-lo.
Tratava-se de explicar as regiões mostrando não apenas suas formas e sua funcionalidade, mas,
também, as contradições sociais aí contidas: a miséria, a subnutrição, as favelas – en�m, as con-
dições de vida de uma população, que não aparecia nas análises tradicionais de inspiração ecoló-
gica.
Assim, a Geogra�a Crítica colocou-se como uma �loso�a de denúncia, mas não rompia
metodologicamente com a Geogra�a Tradicional, pois ainda adota a descrição, a observa-
ção e o empirismo. No entanto, com o pensamento que “não basta descrever o espaço, mas
é preciso explicá-lo”; no mais, a Geogra�a abordava, agora, novos tópicos antes não estuda-
dos.
Tal fato �ca nítido nas obras: Geogra�a da fome, de Josué de Castro, e na obra Geogra�a do
subdesenvolvimento, de Yves Lacoste. De acordo com Moraes (2005, p. 124):
Estes livros não iam além da proposta regional, porém apresentavam realidades tão contraditóri-
as, que sua simples descrição adquiria uma força considerável de denúncia, fazendo da Geogra�a
um instrumento de ação política.
Josué de Castro, por exemplo, contrariando as teses o�ciais que se disseminaram após a
Segunda Guerra Mundial, que a�rmavam em perspectiva evolucionista que os países po-
bres estariam em uma situação transitória de miséria, que seria superada a partir da repe-
tição dos mesmos processos que levaram os países ricos a se tornarem desenvolvidos, de-
nunciava:
Não o método puramente descritivo da antiga geogra�a, velha como o mundo, mas o método da
ciência geográ�ca que é nova, que é quase dos nossos dias. Que se corpori�cou dentro dos princí-
pios cientí�cos formulados pelas experiências de geógrafos como Karl Ritter, Humboldt, Ratzel e
Vidal de La Blache (CASTRO, 1937, p. 24-25).
A base da de�nição do método de Josué de Castro está nos quatro “princípios geográ�cos”,
que podem ser notados em toda a sua obra:
Só a Geogra�a, que considera a Terra como um todo, e que ensina a saber ver os fenômenos que se
passam em sua superfície, a observá-los, agrupá-los e classi�cá-los, tendo em vista a sua localiza-
ção, extensão, coordenação e causalidade, – pode orientar o espírito humano na análise do vasto
problema da alimentação, como um fenômeno ligado, através de in�uências recíprocas, à ação do
homem, do solo, do clima, da vegetação e do horizonte de trabalho (CASTRO, 1937, p. 25-26).
Henri Lefebvre, por exemplo, exerceu uma forte in�uência sobre os estudos de Geogra�a
Urbana brasileira. Sua obra A produção do espaço passou a ser amplamente lida por geó-
grafos, sobretudo por aqueles vinculados a uma teoria marxista, ainda que a obra apresen-
te uma forte in�uência da fenomenologia.
Trata-se de uma de�nição de cidade (e de urbano) como sendo uma projeção da sociedade sobre
um espaço, não apenas sobre o aspecto da vida social de cada lugar, mas também no plano da re-
presentação abstrata. A partir desse raciocínio Lefebvre (1974) deduz que o espaço traduz um con-
junto de diferenças, ou seja, é o lócus de coexistência da pluralidade e das simultaneidades de pa-
drões, de maneiras de viver a vida urbana. Contudo, não descarta a idéia de que o espaço também
é o lugar dos con�itos, onde a exploração subordina não apenas a classe operária como outras
classes sociais.
Desse modo, o espaço expressa e intervém nas relações sociais de produção, podendo ser
compreendido em sua historicidade. Como o próprio Lefebvre esclarece no Prefácio, escrito
em 1985 para a segunda edição do livro A produção do espaço:
Se o espaço (social) intervém no modo de produção, ao mesmo tempo efeito, causa e razão, ele mu-
da com esse modo de produção! Fácil de compreender: ele muda com "as sociedades" - querendo-
se exprimi-lo assim. Portanto, existe uma história do espaço. (Como do tempo, como do corpo, co-
mo da sexualidade etc.). História ainda por escrever. O conceito de espaço liga o mental e o cultu-
ral, o social e o histórico. Reconstituindo um processo complexo: descoberta (de espaços novos,
desconhecidos, dos continentes ou do cosmos); produção (da organização espacial própria de cada
sociedade); criação (de obras: a paisagem, a cidade com a monumentalidade e o cenário)
(LEFÉBVRE, 2013, p. 126).
Segundo Limonad (1999, p. 73), para Lefebvre, “[...] o espaço socialmente produzido assume
um papel interativo com as relações sociais de produção”, ou seja, com a produção das re-
lações sociais e a reprodução de certas relações.
Para Lefebvre a reprodução ampliada e as novas condições materiais do capitalismo estariam in-
timamente relacionadas aos processos pelos quais o sistema capitalista como um todo consegue
ampliar sua existência através da manutenção e disseminação sócio-espacial de suas estruturas.
Tanto a nível da reprodução do cotidiano, da reprodução da força de trabalho e dos meios de pro-
dução quanto a nível da reprodução das condições gerais e das relações gerais sociais de produ-
ção, onde a organização do espaço passa a desempenhar um papel fundamental. Seria no espaço
socialmente produzido, o espaço urbano do capitalismo mesmo no campo, onde se reproduziriam
as relações dominantes de produção através de um espaço social concretizado, criado, ocupado e
fragmentado conforme as necessidades da produção e do capitalismo, o espaço socialmente pro-
duzido assume um papel interativo com as relações sociais de produção (LIMONAD, 1999, p. 73).
No Brasil e no mundo, outra obra bastante importante à Geogra�a Crítica, merecendo aqui
ser destacada, de conteúdo normativo, é a obra Por uma Geogra�a nova, publicada pelo
brasileiro Milton Santos, em 1978. Nessa obra, o autor busca dar uma resposta à questão O
que é a Geogra�a?, e toda a sua proposta será uma tentativa de apreender e estudar o espa-
ço social, sendo uma das obras mais amplas e substantivas empreendidas pela Geogra�a
Crítica.
Nessa obra, Milton Santos trava uma discussão com a chamada Geogra�a Quantitativa que
predominava no período. Como apontava, o principal problema dessa corrente não estava
na quanti�cação, que representava, no máximo, um instrumento de análise. Para ele, o pe-
cado maior da Geogra�a Quantitativa era que:
Outra crítica realizada pelo autor foi em relação à chamada “geogra�a da percepção”, cujos
fundamentos teóricos estão na justi�cativa de que as percepções também são dados objeti-
vos. Porém, como argumenta Santos (2008, p. 93-94), os defensores dessa visão esquecem-
se de que:
De um lado, a percepção individual não é o conhecimento, de outra forma, a coisa não seria objeti-
va e a própria teoria da percepção seria incompleta, senão inútil. De outro lado, a simples apreen-
são da coisa, por seu aspecto ou sua estrutura externa, nos dá o objeto em sim mesmo, o que ele
apresenta, mas não o que ele representa.
As críticas do autor a essas correntes e a outros modelos têm como objetivo central cha-
mar a atenção para a negligência do espaço nos estudos geográ�cos, em outras palavras, a
produção de uma geogra�a “viúva do espaço”. Nessa perspectiva, para Milton Santos, na-
quele momento era essencial defender o espaço como objeto da Geogra�a.
A partir disso, o autor apresenta uma série de conceituações sobre o espaço geográ�co, sa-
lientando o papel do homem na sua produção, e que o espaço não é um mero re�exo ou
uma estrutura subordinada à economia, uma vez que as determinações sociais não podem
ignorar as condições espaciais concretas pré-existentes, ou seja, as rugosidades.
Rugosidades
As rugosidades são o espaço construído, o tempo histórico que se transformou em paisagem incorporado ao
espaço. As rugosidades nos oferecem, mesmo sem tradução imediata, restos de uma divisão de trabalho in-
ternacional, manifestada localmente por combinações particulares do capital, das técnicas e do trabalho
utilizados.
Assim, o espaço, espaço-paisagem, é o testemunho de um modo de produção nestas suas manifestações
concretas, o testemunho de um momento do mundo (SANTOS, 2008, p. 173).
O espaço deve ser considerado como um conjunto de relações realizadas através de funções e de
formas que se apresentam como testemunho de uma história escrita por processos do passado e
do presente. Isto é, o espaço se de�ne como um conjunto de formas representativas das relações
sociais do passado e do presente e por uma estrutura representada por relações sociais que estão
acontecendo diante dos nossos olhos e se manifestam através de processos e funções. O espaço é,
então, um verdadeiro campo de forças cuja aceleração é desigual. Daí porque a evolução espacial
não se faz de forma idêntica em todos os lugares (SANTOS, 2008, p 150).
Essa obra teve, portanto, o mérito de chamar a atenção para a necessidade de a�rmar o ob-
jeto da Geogra�a, tornando-se uma das principais referências teóricas que, de certa forma,
inauguram a Geogra�a Crítica no Brasil.
Cabe expor, ainda, o avanço da Geogra�a Crítica nos Estados Unidos, que surgiu do desejo
de alguns geógrafos tomarem maior conhecimento das realidades existentes e da consta-
tação de injustiças sociais que os cercavam (ANDRADE, 1987).
Assim, segundo Andrade (1987), surgem, nos Estados Unidos, três movimentos:
A Geogra�a Radical na América do Norte teve dois grandes líderes, ambos neopositivistas,
até os �ns da década de 1960: David Harvey e W. Bunge.
Trata-se de uma corrente que surge com objetivo de procurar no socialismo as alternativas
para uma sociedade capitalista em crise, que procura novos caminhos, novas alternativas,
tanto cientí�cas como sociopolíticas (ANDRADE, 1987).
O principal nome da Geogra�a Crítica norte americana foi o já citado David Harvey. Entre
os seus trabalhos que enfocam o urbano, publicou, em 1973, a obra Justiça social e a cida-
de, na qual faz uma profunda autocrítica e rompe com a corrente quantitativa, para a qual
ele também trouxe grandes contribuições. Harvey realiza uma leitura das colocações mar-
xistas, tentando empregar a teoria da renda fundiária na análise da valorização do espaço
urbano.
David Harvey se coloca como tarefa a elaboração de uma teoria geral das relações espaciais e do
desenvolvimento geográ�co no modo de produção capitalista a partir da teoria social marxista,
como forma a contribuir também para a explicação das transformações das funções do Estado. O
autor teoriza como a dimensão espacial tem sido historicamente apropriada pelo capital e como
as suas dinâmicas imprimem uma racionalidade que assegure, mesmo a partir de suas crises e
contradições, a reprodução e ampliação das condições fundamentais para a acumulação capitalis-
ta.
Assim, a ruptura metodológica nas ciências humanas ocorre com base nas ideias desen-
volvidas por Marx (1816-1883), que mostra a História comandada e realizada pela
Sociedade, por meio da luta de classes (interesses con�itantes entre as diferentes classes
sociais).
Na obra Contribuição da Crítica da Economia Política (1859), Marx assim resume as con-
clusões a que chegou ao estudar o desenvolvimento do capital:
[...] na produção social de sua existência, os homens entram em relações determinadas, necessári-
as, independentes de sua vontade; estas relações de produção correspondem a um grau determi-
nado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de pro-
dução constituem a estrutura econômica da sociedade, a base real, sobre a qual se eleva uma su-
perestrutura jurídica e política e a qual correspondem formas sociais determinadas de consciên-
cia. Não é a consciência dos homens o que determina a realidade; ao contrário, a realidade social é
a que determina sua consciência. Em um certo estado de seu desenvolvimento, as forças produti-
vas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o
que não é mais que a expressão jurídica disso, com relações de propriedade no seio das quais se
haviam movido até então. De formas de desenvolvimento que eram, estas relações transformam-
se em seus entraves (MARX, 2008, p. 47).
O concreto é concreto porque é a síntese das múltiplas determinações, isto é, unidade do diverso.
Por isso, o concreto aparece no pensamento como processo da síntese, como resultado, e não co-
mo ponto de partida, embora seja o verdadeiro ponto de partida e, portanto, o ponto de partida
também da intuição e da representação. No primeiro método, a representação plena volatiliza-se
na determinação abstrata; no segundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do
concreto por meio do pensamento.
Poder-se-ia dizer que o concreto – ponto de partida é o concreto real e o concreto-ponto de chega-
da é o concreto pensado, isto é, a apropriação do pensamento pelo real concreto. Mais precisamen-
te: o pensamento parte do empírico, mas este tem como suporte o real concreto. Assim, o verda-
deiro ponto de partida, bem como o ponto de chegada, é o concreto real. Desse modo, o empírico e
o abstrato são momentos do processo de conhecimento, isto é, do processo de apropriação do con-
creto no pensamento (SAVIANI, 2009, p. 5).
Partindo desse referencial marxista, Ruy Moreira (1978) a�rmava que a geogra�a serve pa-
ra desvendar as máscaras sociais, ou seja, sair da aparência para compreender a essência
das coisas.
Finalizando os estudos da Geogra�a Crítica, é importante colocar que, embora ela traga no-
vas perspectivas à Geogra�a, especialmente em relação ao campo social, apresenta, tam-
bém, alguns pontos falhos, que serão criticados pelas outras correntes geográ�cas.
A Geogra�a Radical não realizou por inteiro a crítica da Geogra�a Tradicional, apesar de politizar
o discurso geográ�co. [...] Se, por um lado, criava uma perspectiva de militância, por outro não re-
solvia a contento as questões internas dessa disciplina, pois colocava a explicação das realidades
estudadas fora do âmbito da Geogra�a, �cando esta como um levantamento dos lugares [...].
Assim, limitava-se a um estudo das aparências, sem possibilidade de indagar a respeito da essên-
cia dos problemas. [...] Poder-se-ia dizer que estes autores tinham uma ética de esquerda, porém
instrumentalizada numa epistemologia positivista.
Outra crítica profunda feita à Geogra�a Radical é em relação ao método por ela utilizado,
pois, “[...] enquanto na perspectiva positivista as respostas e as soluções podem ser erradas
e modi�cadas, procura-se melhorá-las e veri�car sua validade pela refutação”
(CHRISTOFOLETTI, 1982, p. 101).
Na perspectiva marxista, as proposições não podem ser veri�cadas nem colocadas sob refutação.
Elas são dogmáticas e as respostas e soluções são mais importantes que os problemas.
Encontram-se já prontas as soluções marxistas para os problemas do mundo (CHRISTOFOLETTI,
1982, p. 101-102).
No setor da metodologia, os geógrafos radicais têm-se esforçado em fazer uma crítica profunda e
intensa sobre as perspectivas positivistas e funcionalistas imperantes na Geogra�a. Mas não se
usa da mesma preocupação e critérios para analisar a perspectiva marxista.
Observamos que a Geogra�a Crítica mostrou um grande empenho para romper com mui-
tos dos postulados impostos pela Geogra�a Tradicional, chocando-se diretamente com a
Geogra�a Quantitativa, buscando inserir no contexto geográ�co a questão social, que, por
séculos, �cou à margem dessa ciência. Assim, os geógrafos críticos, em suas diferentes
abordagens, assumem uma perspectiva popular e de transformação da ordem social.
A Geogra�a, nesse contexto, passa por uma reestruturação: os geógrafos incorporam novas
perspectivas, concepções e métodos a essa ciência.
No entanto, veremos aqui as tendências geográ�cas alternativas, uma vez que os diversos
geógrafos seguiram diferentes caminhos, com variadas perspectivas e concepções, do que
é Geogra�a e de como essa ciência deve ser estruturada.
A seguir, vejamos maiores detalhes sobre cada umas das correntes geográ�cas alternati-
vas.
Segundo Gomes (2003, p. 307), “[...] a de�nição da geogra�a humanista herda todos os pro-
blemas advindos da própria noção de humanismo, o que nem sempre é utilizado com os
mesmos limites, nem com o mesmo conteúdo”.
Essa corrente surge da preocupação com o crescimento desordenado e com os altos custos
sociais e políticos do capitalismo, com o crescer da pobreza e da miséria, e com o uso das
novas tecnologias.
A geogra�a humanista compreende que, ainda que se parta de um ponto antropocêntrico, a ação
humana não pode jamais estar separada de seu contexto, seja ele social ou físico. A relação entre
consciência e meio ambiente, e seu grau de implicação recíproca variam de uma quase indepen-
dência, para os idealistas, a uma quase determinação, para os materialistas. No entanto, por mais
extremas que sejam estas duas posições, elas são sempre contextualizadas, seja em relação ao
progresso do espírito na História, seja em relação à transformação do espaço pela sociedade
(GOMES, 2003, p. 311).
Dessa forma, o geógrafo deve ser um observador, com a tarefa de interpretar tudo aquilo
que �gura o espaço. E faz isso constantemente por meio das monogra�as quando na sua
análise parte da história para construir a con�guração espacial atual, identi�cando hábi-
tos, costumes e cultura. Assim, os geógrafos humanistas propuseram retornar aos clássi-
cos, que, ao trabalhar com o método da descrição regional, poderiam encontrar nesses tex-
tos a verdadeira geogra�a. Nestes estudos e com os autores que se propuseram a fazer isso,
foram de�nidas duas matrizes. Segundo Gomes (2003, p. 316): “[...] a primeira, inspirada por
um certo psicologismo cultural e pela semiologia, de�ne-se como um estudo do espaço vi-
vido. A segunda diz respeito à abordagem que aproxima a fenomenologia e a geogra�a”.
Daí haver entre discípulos de Jean Brunhes aqueles que caminharam sempre em uma área
de conhecimento bem próxima à Antropologia Cultural e à Psicologia Social (ANDRADE,
1987).
A Geogra�a Humanística critica a Geogra�a Quantitativa, pois pensa especialmente no homem, no social, e
na realidade vivenciada.
Behaviorista
Na abordagem behaviorista, o comportamento é de�nido como o conjunto de respostas previsíveis a estí-
mulos dados, isto é, o comportamento humano pode ser representado por equações diretas. Assim, o estudo
do comportamento é acessível a uma conduta objetiva, que reconhece uma mesma estrutura para todos os
organismos, do mais simples ao mais complexo (GOMES, 2003).
Essa tendência leva o geógrafo a realizar estudos para caracterizar como o indivíduo tem a
percepção do lugar próximo. No entanto,
[...] esta posição básica di�culta qualquer re�exão objetiva, coletiva, uma vez que a percepção de
cada lugar será realizada de forma diferente entre indivíduos. Assim, o que muitos geógrafos criti-
cam nessa corrente é que não haveria uma concepção do espaço, quando se passasse do individu-
al ao social, mas uma superposição de espaços para um mesmo lugar (ANDRADE, 1987, p. 113).
A geogra�a humanista, sobretudo a que privilegia o espaço vivido, trata exatamente das represen-
tações de ordem simbólica que estruturam uma atitude e uma concepção dadas em relação a um
espaço de referência. A ordem simbólica não está ligada à racionalidade, da mesma forma que os
comportamentos e as atitudes no espaço também não advêm desta racionalidade. É por motiva-
ções do comportamento social no espaço não pode partir de modelos lógicos gerais.
As ideias centrais, defendidas por numerosos geógrafos, como David Lowenthal, Yi-Fu
Tuan e Anne Buttimer, entre outros, tiveram repercussão no Brasil, onde a professora Lívia
de Oliveira, ao traduzir a obra de Yi-Fu Tuan (1974), tornou-se a maior defensora dos prin-
cípios da Geogra�a da Percepção.
Segundo os adeptos da Geogra�a da Percepção o sujeito possui um papel ativo na construção das
realidades e na relação com os objetos do conhecimento, construindo representações das realida-
des estudadas. Essa postura transforma a Geogra�a humanística progressivamente numa corren-
te construtiva. Assim ela vai abrir caminho para uma nova abordagem da Geogra�a. A disciplina
não mais será aquela que diz como é a superfície terrestre e como essa funciona (Geogra�a clássi-
ca); e nem será apenas aquela que diz como os espaços humanos devem ser usados ou são produ-
zidos (Quantitativa e Crítica/marxista); mas será aquela que examina como o “espaço produz” o in-
divíduo (Geogra�a Humanística) e a vida social (Geogra�a contemporânea e renovada). Essa cor-
rente procura ultrapassar o dualismo entre processo cognitivo e a forma espacial e extrai da feno-
menologia a vontade de considerar o objeto e o sujeito integrados na unidade vivida da existência
e da experiência primitiva nos diferentes domínios. Isso deve se constituir na preocupação central
de uma Geogra�a social do homem (OLIVA, 2008).
Essa clareza dos conceitos da fenomenologia somente se dará a partir dos anos 1970, com
os textos de Relph e Yi-Fu-Tuan.
Relph defende a fenomenologia como método, o qual, segundo ele, já teria provado a sua ri-
queza. E cita dois pontos que já dariam nova dimensão aos estudos geográ�cos:
[...] o primeiro é o caráter de utilidade de todo fato cultural, sempre inscrito dentro de uma pers-
pectiva prática, ativa ou potencial. O segundo ponto é o incontornável caráter antropocêntrico de
todo conhecimento, do que se deriva que uma explicação só é satisfatória na medida em que é
fundada sobre a compreensão das intenções e das atitudes humanas (GOMES, 2003, p. 326-327).
Pela sua subjetividade, a fenomenologia poderia resolver até mesmo a dicotomia entre o
homem e a natureza, podendo produzir a uni�cação do campo geográ�co e, em última
análise, serviria como um instrumento de crítica à ciência racional.
Yi-Fu Tuan, em texto de 1971, parte de uma mesma crítica em relação à ciência objetiva.
Segundo ele, os clássicos minimizam a importância e o papel da consciência humana.
Dessa forma, a fenomenologia reestabelece as signi�cações por garantir a subjetividade.
Para Tuan, haveria duas formas de produzir o conhecimento: a intelectual e a existencial. A pri-
meira trata do mundo como uma coleção de objetos, busca resgatar dele uma ordem, uma hierar-
quia, e seu objetivo �nal é o de produzir uma classi�cação teórica. Na forma existencial, o mundo
é composto por purposeful beings e o objetivo maior é reconhecer “o domínio da vontade e a busca
de sentido”. Na geogra�a, a estas duas formas correspondem dois modelos de ciência: o modelo
ambientalista e o existencial, ou ainda, o modelo nomotético e o modelo idiográ�co (GOMES, 2003,
p. 328).
Segundo esse autor, a contribuição de Tuan é fundamental, “[...] pois ele busca compreen-
der o mundo humano estudando as relações entre os homens e a natureza, seu comporta-
mento geográ�co e seus sentimentos e ideias frente ao espaço e aos lugares”. Ele se ocu-
pou dos conceitos de espaço, do homem e da experiência. A sua conduta é de estabelecer
“[...] o sentido particular de cada cultura em relação a seu espaço” (GOMES, 2003, p. 329).
Na atual situação, em que os problemas ambientais vêm demandando cada vez mais aten-
ção, colocando em risco a existência da humanidade, o grupo em estudo tem grande cam-
po de ação, participando de uma luta de defesa do meio ambiente.
Porém, Gomes (2003) alerta que “[...] esta corrente fenomenológica deve ser vista muito
mais como um meio de renovação da ciência dita objetiva, do que como uma via alternati-
va para estabelecer uma base autônoma para a geogra�a”.
Geogra�a Idealista
A Geogra�a Idealista surge da preocupação na valorização e compreensão das ações en-
volvidas nos fenômenos terrestres e procura focalizar seu aspecto interior, que é o pensa-
mento subjacente às atividades humanas (CHRISTOFOLETTI, 1985).
Vale ressaltar que o geógrafo Leonard Guelke, a partir de 1974, vem incorporando essa teo-
ria aos estudos geográ�cos, aplicando-a na Geogra�a Histórica (1975) e na Geogra�a
Regional (1977).
A Geogra�a Idealista critica a Geogra�a Quantitativa, pois entende que os geógrafos quan-
titativos apenas estiveram
[…] relacionados com os atributos externos dos fenômenos e com sua associação espacial. O idea-
lismo é uma alternativa ao positivismo, tomando plena consideração da dimensão do pensamento
no comportamento humano. O geógrafo idealista considera que as ações humanas não podem ser
explicadas adequadamente a menos que se compreenda o pensamento subjacente a elas
(CHRISTOFOLETTI, 1985, n. p.).
Desse modo:
[...] o positivista procura explicar o comportamento como uma função dos atributos externos dos
fenômenos; o idealista procura compreendê-lo em termos dos princípios internos do indivíduo ou
do grupo envolvido. Em outras palavras, o idealista tenta explicar os padrões de paisagens repen-
sando os pensamentos das pessoas que os criaram (GUELKE, 1975 apud CHRISTOFOLETTI, 1985, n.
p.).
Em seu artigo de 1974 ‘An idealist alternative’ (A Alternativa Idealista), Guelke observa que o geó-
grafo humano está interessado especialmente na forma pela qual uma ação possa se desenrolar,
em compreender a resposta racional para o fenômeno, mas não na explicação do fenômeno em si.
Christofoletti (1985), fazendo uma leitura da obra de Guelke (1975), a�rma que:
[...] o geógrafo humano tenta simplesmente reconstruir o pensamento que sustenta as ações que
foram encetadas. Não necessita de suas próprias teorias, porque está interessado nas teorias ex-
pressas nas ações do indivíduo que está sendo investigado [...].
Atenção!
A meta de um geógrafo humano idealista é prover um relato verdadeiro e sua explicação.
O geógrafo idealista condena a descrição do mundo em termos de leis e teorias prontas, até porque
a �loso�a idealista capacita o pesquisador a explicar as ações humanas, de uma maneira crítica,
sem o emprego de teorias.
Geogra�a Têmporo-Espacial
Essa corrente trabalha com as variáveis: tempo e espaço, e, por meio dessas, faz a análise das
atividades dos indivíduos e da sociedade, procurando traçar trajetórias dos ritmos de vida assina-
lando a alocação de tempo despendido nas diversas atividades e diferentes lugares
(CHRISTOFOLETTI, 1985, n. p.).
A sua principal diferença reside em salientar a signi�cância das “qualidades formais do tempo e
do espaço”, e não na procura de uma categoria de fenômenos substanciais que servisse de objeto
especí�co para sua caracterização (CHRISTOFOLETTI, 1985, n. p.).
Vejamos o exemplo:
As pessoas de nível social e cultural menos privilegiado executam tarefas de baixo rendimento,
pois o seu tempo é barato. As pessoas de alto nível social e cultural apresentam valor do tempo
muito mais elevado, cujo gasto não é destinado à execução de tarefas simples e rotineiras. Delegar
as tarefas domésticas e de limpeza às empregadas é procedimento usual nas famílias abastadas,
assim como os subalternos executam muitas tarefas delegadas pelos patrões e dirigentes
(CHRISTOFOLETTI, 1985, n. p.).
As questões e os problemas que podem ser focalizados sob a perspectiva têmporo-espacial são
muito diversos, envolvendo aspectos da localização espacial dos artefatos humanos e a distribui-
ção do uso do tempo. Representando mais um instrumento de análise, um “modelo têmporo-
geográ�co”, essa focalização não surge como uma nova perspectiva geográ�ca. Valorizando os en-
trelaçamentos das variáveis tempo e espaço, pode ser englobada e manejada pelos adeptos da
Geogra�a Quantitativa, da Geogra�a Humanística e da Geogra�a Radical, sendo possível aplicar-
lhe os procedimentos metodológicos e os posicionamentos explicativos que se queira atribuir aos
fenômenos organizacionais das sociedades humanas (CHRISTOFOLETTI, 1985, n. p.).
A perspectiva têmporo-espacial vem sendo bastante utilizada por muitos geógrafos, uma
vez que ela permite sua aplicação nas diferentes correntes geográ�cas, relacionando duas
variáveis de extrema importância ao estudo geográ�co: tempo e espaço.
Geogra�a Cultural
Segundo Claval (2006, p. 89):
A geogra�a cultural está associada à experiência que os homens têm da Terra, da natureza e do
ambiente, estuda a maneira pela qual eles o modelam para responder às suas necessidades, seus
gostos e suas aspirações e procura compreender a maneira como eles aprendem a se de�nir, a
construir sua identidade e a se realizar.
A Geogra�a Cultural é uma corrente mais recente, vai além do estudo da ciência natural;
não estuda apenas paisagens e regiões.
É uma re�exão sobre a geogra�cidade, ou seja, sobre o papel que o espaço e o meio têm na vida
dos homens, sobre o sentido que eles dão e sobre a maneira pela qual ele o utiliza para melhor se
compreenderem e construírem seu ser profundo (CLAVAL, 2006, p. 90).
A Geogra�a Cultural tem um caráter mais humano. Seus escritos, nas ideias de Eric Dardel,
demoraram mais de 20 anos para serem reconhecidos e somente hoje ganharam maior re-
percussão. Paul Claval (2006), um dos maiores representantes dessa corrente, coloca que
somente agora as mentalidades estão maduras para essa mudança radical na concepção
da ciência geográ�ca.
Como coloca Claval (2006), a Geogra�a já faz análise da cultura há muito tempo, desde
Vidal de La Blache, com a Teoria de Gênero de Vida, porém é uma análise super�cial, com
uma visão do exterior. A Geogra�a Cultural propõe realizar o questionamento das repre-
sentações e dos valores que levam as pessoas a agirem de certa maneira em vez de outra, a
organizar o espaço segundo um modelo em vez de outro.
Segundo Claval (2006), a Geogra�a Cultural coloca o homem no centro de sua análise. Para
tanto, desenvolveu novas abordagens, que estão divididas em três eixos:
• Parte das sensações e percepções: “Os homens não agem em função do real, mas em razão da
imagem que fazem dele. Aproximar-se da geogra�a cultural é, antes de mais nada, captar a idéia
que temos do ambiente próximo, do país e do mundo” (2006, p. 94).
• A cultura é estudada por meio da ótica da comunicação (cultura= criação coletiva): “As informa-
ções que compõem as culturas transitam sem cessar de indivíduo para indivíduo. Elas passam de
uma geração a outra […] Cada um recebe, ao longo dessas trocas, conhecimentos e descobre atitu-
des e crenças [...]” (2006, p. 95).
• A cultura é apreendida na perspectiva da construção de identidades, insiste-se, então, no papel
do indivíduo e nas dimensões simbólicas da vida coletiva: “O processo de institucionalização não
diz respeito somente ao indivíduo e à sociedade. Ele se aplica aos sistemas de relações cada vez
mais estes concernem à riqueza, ao poder, ou ao prestígio e interferem por isso no funcionamento
da sociedade” (2006, p. 98).
A geogra�a cultural implica, portanto, um programa que está integrando com o objetivo geral da
geogra�a, isto é, um entendimento da diferenciação da Terra em áreas. Continua sendo, em gran-
de parte, observação direta de campo baseada na técnica de análise morfológica desenvolvida em
primeiro lugar na geogra�a física. Seu método é evolutivo, especi�camente histórico até onde a
documentação permite e, por conseguinte, trata de determinar as sucessões de cultura que ocorre-
ram numa área. Consequentemente, a geogra�a histórica e a geogra�a econômica se fundem nu-
ma só disciplina, interessando-se a segunda pelas áreas culturais presentes que procedem das an-
teriores. Não reivindica uma �loso�a social como faz a geogra�a do meio físico, mas direciona
seus principais problemas metodológicos para a estrutura da área. Seus objetivos imediatos são
dados pela descrição explicativa dos fatos de ocupação da área considerada. Os problemas princi-
pais da geogra�a cultural consistirão no descobrimento do conteúdo e signi�cado dos agregados
geográ�cos que reconhecemos, de forma imprecisa, como áreas culturais, em estabelecer quais
são as etapas normais de seu desenvolvimento, em investigar as fases de apogeu e de decadência
e, desta forma, alcançar um conhecimento mais preciso da relação da cultura e dos recursos que
são postos à sua disposição (SAUER, 2011, p. 25).
[...] a despeito das inúmeras críticas, a geogra�a cultural saueriana teve importante papel na histó-
ria do pensamento geográ�co, deixando um rico legado. Dialeticamente, sua presença se faz sentir
na geogra�a cultural renovada.
A partir de então, passa para a renovação cultural, mais precisamente a partir do �nal da
década 1970. Tanto a escola de Berkeley como a geogra�a vidaliana foram submetidas a
diversas críticas. Na década de 1990, essa marca de renovação �ca ainda mais evidente
com a criação de periódicos: na França, Géographie et Cultures, em 1992, e Ecumene, em
1994; no Brasil, o Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Espaço e Cultura, em 1993, e o perió-
dico Espaço e Cultura, em 1995.
De acordo com Corrêa e Rosendahl (2011, p. 13), essa renovação ocorreu com a valorização
da cultura em escala mundial, o que fez surgir críticas à base, elaboradas por Mikesell
(1978), Duncan (1980) e Cosgrove (1998), por exemplo. E a�rmam que: “[...] a cultura é vista
como um re�exo, uma mediação e uma condição social. Não tem poder explicativo, ao
contrário, necessita ser explicada. A palavra-chave é signi�cado”.
Ainda sobre a renovação, Corrêa e Rosendahl (2011, p. 13-14) a�rmam que:
Há, em realidade, inúmeros caminhos a serem trilhados pelos geógrafos, visando contribuir para
dar inteligibilidade à ação humana sobre a superfície terrestre. Nesses caminhos podem ser con-
siderados tanto a dimensão material da cultura como a sua dimensão não material, tanto o pre-
sente como o passado, tanto objetos e ações em escala global como regional e local, tanto aspectos
concebidos como vivenciados, tanto espontâneos como planejados, tanto aspectos objetivos como
intersubjetivos. O que os une em torno da geogra�a cultural é que esses aspectos são vistos em
termos de signi�cados e como parte integrante da espacialidade humana.
Para sintetizar tudo o que foi estudado até aqui, vamos analisar dois quadros sinóticos e
compreender de modo mais direto as diferenças entre as correntes geográ�cas apresenta-
das nos textos anteriores.
Concluído o estudo deste primeiro ciclo, re�ita, agora, sobre sua aprendizagem, responden-
do à questão a seguir:
9. Considerações
A Geogra�a, como toda ciência, não surgiu pronta e totalmente acabada. Ela teve um cami-
nhar histórico que levou à sua estruturação. Como vimos, ela sofreu diversas mudanças no
seu objeto de estudo, assumindo diferentes abordagens, a partir de uma constante busca
metodológica para se construir como uma ciência crítica e dinâmica.
/epiorgteoregregesp-gs0036-ago-2022-grad-ead-np/)
Objetivos
• Entender o conceito de espaço geográ�co e a sua importância para a cons-
trução da ciência geográ�ca.
• Identi�car alguns dos elementos do espaço geográ�co, dentre eles, a paisa-
gem, que tem uma de�nição própria na Geogra�a, sendo um dos principais
temas discutidos por essa ciência.
• Conhecer, por �m, a função da análise da paisagem para a melhor organiza-
ção do espaço geográ�co.
Conteúdos
• Conceitos de espaço, espaço geográ�co, paisagem.
• Espaço geográ�co versus paisagem.
• A análise da paisagem.
• O planejamento espacial a partir da análise da paisagem.
Problematização
Qual o signi�cado de espaço geográ�co? Como vem sendo a evolução desse con-
ceito ao longo da história da ciência geográ�ca? Como a modi�cação do espaço
ao longo do tempo vem criando paisagens diversas no espaço geográ�co? Quais
os tipos de paisagem? De que maneira as paisagens se relacionam com a forma
como o espaço geográ�co é organizado? Como as técnicas humanas vêm organi-
zando o espaço geográ�co e construído as paisagens ao longo do tempo? Como a
análise da paisagem pode contribuir para o planejamento do espaço geográ�co?
1. Introdução
Neste segundo ciclo de aprendizagem, você estudará os conceitos de espaço geo-
grá�co e de paisagem, buscando compreender a importância de tais conceitos pa-
ra a formação da própria ciência geográ�ca, bem como o modo como eles se relaci-
onam e os caminhos de análise que levam a um melhor planejamento da ocupa-
ção do espaço em sua constante transformação.
O autor coloca que a Geogra�a, durante muito tempo, não teve seu objeto de estudo
de�nido. Assim, ele procura de�ni-lo para, então, discutir a Geogra�a como ciência
crítica, não mais como descritiva, apenas. Toda descrição deve vir acompanhada
de uma explicação. Não vamos somente descrever o espaço, mas também explicá-
lo.
Nessa discussão, o autor faz uma longa análise sobre o signi�cado de “espaço” pa-
ra a Geogra�a. Vamos acompanhá-la?
[...] o espaço geográ�co é a natureza modi�cada pelo homem através do seu trabalho. A
concepção de uma natureza natural onde o homem não existisse ou não fora o seu cen-
tro, cede lugar à idéia de uma construção permanente da natureza arti�cial ou social,
sinônimo de espaço humano .
Santos (1978, p. 120) ainda de�ne que: “O espaço humano é a morada do homem, é o
seu lugar de vida e de trabalho [...]. O espaço geográ�co é, também, o espaço social”.
O espaço deve ser considerado como um conjunto de relações realizadas através de fun-
ções e de formas que se apresentam como testemunho de uma história escrita por pro-
cessos do passado e do presente. Isto é, o espaço se de�ne como um conjunto de formas
representativas de relações sociais do passado e do presente e por uma estrutura repre-
sentada por relações sociais que estão acontecendo diante de nossos olhos e que se ma-
nifestam através de processos e funções. O espaço é, então, um verdadeiro campo de for-
ças cuja aceleração é desigual. Daí porque a evolução espacial não se faz de forma idên-
tica em todos os lugares (SANTOS, 1978, p. 122).
Se a Geogra�a deseja interpretar o espaço humano como um fato histórico que ele é, so-
mente a História da sociedade mundial, aliada a da sociedade local, pode servir como
fundamento à compreensão da realidade espacial e permitir a sua transformação a ser-
viço do homem. Pois a História não se escreve fora do espaço e não há sociedade
a-espacial. O espaço, ele mesmo, é social.
O físico Albert Einstein trouxe, com sua Teoria da Relatividade, novas considera-
ções sobre o espaço que in�uenciaram o entendimento de seu signi�cado. Einstein
substitui o conceito de “matéria” pelo conceito de “campo”, o que supõe a existên-
cia de uma relação entre a matéria e a energia. Uma vez que as formas são a maté-
ria, e a dinâmica social é a energia, temos a existência de uma relação constante
entre homem e espaço e as trocas que eles fazem.
Paul Vieille (apud Milton Santos, 1978, p. 126), por exemplo, faz questionamentos,
com o objetivo de entender o sentido real do espaço:
Será a organização espacial apenas um re�exo, ou projeção da organização social que se
de�ne independentemente dela e de maneira autônoma, ou o espaço intervém (e como?)
no processo histórico?
O geógrafo Milton Santos (1978, p. 127), em sua busca pelo entendimento do objeto
de estudo da Geogra�a, responde tal pergunta da seguinte forma: “Quando se con-
sidera o espaço como um mero re�exo o estamos colocando sob o mesmo plano da
ideologia, ainda que não haja a intenção de classi�cá-lo como uma estrutura”.
Para ele, esse pensamento é in�uenciado pelo positivismo que, durante muito tem-
po, dominou as ciências sociais. O autor continua seu raciocínio ressaltando que:
“A verdade, porém, é que o espaço está muito longe de ser esse quadro neutro, va-
zio, imenso, em que o vivente pode produzir-se” (SANTOS, 1978, p. 126-127).
[...] o espaço é pois uma coisa; ele existe fora do indivíduo e se impõe tanto ao indivíduo
como à sociedade considerada como um todo. Assim o espaço é um fato social, uma rea-
lidade objetiva. Como um resultado histórico ele se impõe aos indivíduos [...]. Sendo um
produto, isto é um resultado da produção, o espaço é um objeto social como qualquer ou-
tro [...]. Quando se admite que o espaço é um fato social, é o mesmo que recusar sua inter-
pretação fora das relações sociais que o de�nem. Muitos fenômenos, apresentados como
se fossem naturais, são de fato, sociais [...]. Nessa expressão, natureza socializada, deve-
se identi�car aquilo que os geógrafos chamam normalmente de espaço ou espaço geo-
grá�co.
O espaço faz parte da vida humana e exerce grande in�uência sobre ela, de modo a
comandar a vivência do homem, seja em sua casa, seja nos caminhos percorridos.
Assim, ele possui uma forma que é durável, mas que não é permanente; ao contrá-
rio, é dinâmico. O espaço é decorrente da junção entre fatos históricos e formas so-
ciais; não é independente nem estático: é limitativo, podendo se dispor ao social
(SANTOS, 1978).
Desse modo, podemos concluir que o espaço é a junção dos fatores sociais passa-
dos e presentes, ou seja, ele se forma pelo modo de produção passado e se transfor-
ma pelo modo de produção atual. O espaço é um elemento presente e faz parte da
vida humana; as relações sociais não podem ignorar as condições espaciais.
[...] o espaço como estrutura social, capaz de agir e de reagir sobre as demais estruturas
da sociedade sobre esta como um todo. As determinações sociais não podem ignorar as
condições espaciais concretas preexistentes. Um modo de produção novo ou um novo
momento de um mesmo modo de produção não pode fazer tabula rasa das condições es-
paciais preexistentes.
Nesse sentido, percebemos que o espaço tem papel ativo na reprodução social.
Segundo Vieille (apud SANTOS, 1978, p. 149):
Quando se consideram os processos econômicos e sociais, o espaço é, em realidade, uma
dimensão dos mecanismos de transformação, da prática dos grupos sociais, de suas re-
lações; ele contribui a produzir, reproduzir, transformar os modos de produção. O espaço
é, assim, uma dimensão ativa no devir das sociedades.
O espaço, como descreve Henri Lefebvre (1974, p. 88-89), “[...] é o resultado de uma
série, de um conjunto de operações, e não pode ser reduzido a um simples objeto
[...]. Efeito de ações passadas, ele permite ações, as sugere ou as proíbe”.
Vemos, então, que o espaço é muito mais que um simples objeto de ação humana,
pois ele tem papel importante na sociedade.
A presença do homem sobre a Terra faz que a natureza seja sempre redescoberta,
desde o �m de sua história natural até a criação da natureza social. É sobre esse
assunto que trataremos a seguir.
3. Relação Homem-natureza
O início da história da presença humana na natureza era um momento de entrosa-
mento e de cooperação entre o homem e o meio. Como descreve Milton Santos
(1996, p. 5), "[...] não importa que as trevas, o trovão, as matas, as enchentes possam
criar o medo: é o tempo do homem amigo e da natureza amiga".
Assim também escreveu Michelet (apud SANTOS, 1996, p. 5), no Tableau de Ia
France (1833): "A natureza é atroz, o homem é atroz, mas parecem entender-se".
Milton Santos (1996, p. 6), no livro Técnica, espaço e tempo: globalização e meio
técnico-cientí�co-informacional, faz uma interessante análise sobre o início da re-
lação entre o homem e a natureza, até o desenvolvimento dessa relação nos dias
atuais.
Vejamos:
No começo dos tempos históricos, cada grupo humano construía seu espaço de vida
com as técnicas que inventava para tirar do seu pedaço de natureza os elementos indis-
pensáveis à sua própria sobrevivência. Organizando a produção, organizava a vida soci-
al e organizava o espaço, na medida de suas próprias forças, necessidades e desejos. A
cada constelação de recursos correspondia um modelo particular. Pouco a pouco esse
esquema se foi desfazendo: as necessidades de comércio entre coletividades introduzi-
am nexos novos e também desejos e necessidades e a organização da sociedade e do es-
paço tinha de se fazer segundo parâmetros estranhos às necessidades íntimas ao grupo.
Essa evolução culmina, na fase atual, onde a economia se tornou mundializada, e todas
as sociedades terminaram por adotar, de forma mais ou menos total, de maneira mais
ou menos explícita, um modelo técnico único que se sobrepõe à multiplicidade de recur-
sos naturais e humanos.
Sem o homem, isto é, antes da história, a natureza era una. Continua a sê-lo, em si mes-
ma, apesar das partições que o uso do planeta pelos homens lhe in�igiu. Agora, porém,
há uma enorme mudança. Una, mas socialmente fragmentada, durante tantos séculos, a
natureza é agora uni�cada pela História, em benefício de �rmas, Estados e classes he-
gemônicas. Mas não é mais a Natureza Amiga, e o Homem também não é mais seu ami-
go.
A seguir, é possível tecer uma análise de como a produção humana modela o espa-
ço e o cria por meio de seus usos e ocupações.
O espaço humano, isto é, o espaço geográ�co, seja qual for o período histórico, é re-
sultado da produção humana. Conforme ressalta Santos (1978, p. 161-162):
Isto marca a evolução do homem animal a homem social, ou seja, ocorre quando ele co-
meça a produzir. Produzir é retirar da natureza os elementos indispensáveis a vida. Este
fato só é possível pelo desenvolvimento de técnicas e instrumentos de trabalho.
[...]
A produção possui ritmos e formas que são impostos à vida do homem; assim, nos
vemos cercados de ritmos diários. “Essa nova disciplina que o homem até então
não conhecia, implica uma utilização disciplinada do tempo e do espaço”
(SANTOS, 1978, p. 162).
Portanto, essa ordem espaço-tempo que se estabelece não é aleatória, pelo contrá-
rio, é resultado das necessidades próprias à produção.
Como coloca Santos (1978, p. 163): Produzir e produzir espaço são dois atos indissociá-
veis. Para produzir, o homem precisa de espaço, e, com isso, ele transforma a natureza. A
natureza primeira é aquela em que não há ação humana; já a natureza segunda é a natu-
reza transformada ou socializada.
Assim, o autor conclui que “o ato de produzir é, ao mesmo tempo, o ato de produzir
espaço”. Santos (1978, p. 163) complementa que:
[...] Basta que uma nova planta seja domesticada e incorporada à produção para que se
imponha um novo comando sobre o tempo; e isso impõe ao mesmo tempo localizações
novas, isto é, uma nova organização do espaço [...]. Eventualmente, uma nova técnica po-
de ser paralelamente descoberta (aumento da produtividade). Dessa forma o homem au-
menta o rendimento do seu trabalho reduzindo paralelamente o tempo que consagra ao
trabalho [...]. Cada vez que o uso social do tempo muda, a organização do espaço muda
igualmente. Toda técnica nova é revolucionária quanto ao comando do espaço pelo ho-
mem.
[...] o equilíbrio antigo desse modo é rompido [...]. O comércio especulativo separa aqueles
que produzem os bens que apresentam um “valor” especulativo e os outros. Uma divisão
idêntica se estabelece entre os que podem comprar mercadorias vindas de fora do grupo
e os que não dispõem desse poder [...] a partir desse momento, pode-se falar de classes
sociais, de diferença de poder aquisitivo, e se instala uma verdadeira revolução nas rela-
ções sociais.
Temos, assim, a produção do espaço, que vai colocar ritmos e formas à vida huma-
na. O comércio e a moeda vão colocar diferenças entre os membros do grupo, esta-
belecendo diferentes classes sociais.
O espaço vai ser determinado não somente pela produção, mas também pela polí-
tica adotada pelo Estado, por meio da construção de rodovias e aeroportos, bem co-
mo de defesa militar.
Nessa época, as regiões mais povoadas do Brasil eram aquelas que detinham al-
gum produto com boa aceitação na Europa e nos Estados Unidos, como a cana-de-
açúcar, o algodão, as jazidas minerais e o café.
Somente parte do consumo era atendida pela produção local ou regional, sendo ca-
racterística desse período a di�culdade de integrar o território nacional por meio
da articulação de economias regionais que se mantinham relativamente autôno-
mas.
Por isso, as cidades não representavam os nós de uma rede articulada. Ao contrá-
rio, por ser a sede da burocracia e, principalmente, do capital comercial, suas fun-
ções resumiam-se em realizar a ligação direta da produção agroexportadora à cir-
culação internacional de mercadorias.
Isso foi fundamental para promover uma urbanização atípica, que não decorreu da
clássica separação campo-cidade, tampouco se ligou ao crescimento industrial,
como lembra Oliveira (1982).
Tal processo gerou uma integração do mercado nacional, criando uma articulação
comercial, produtiva e �nanceira das economias regionais, o que acaba por criar
um adensamento da rede urbana em todo o país entre 1920 a 1980. Esse período é
colocado por Macedo (2008) como o segundo período de transformações socioe-
conômicas e espaciais.
6. A análise da paisagem
Conhecendo já a de�nição de espaço geográ�co e de paisagem de modo mais am-
plo, neste momento, você partirá ao entendimento relativo ao estudo da paisagem
e de sua importância para a análise do espaço geográ�co.
Iniciaremos, agora, uma re�exão sobre como a análise da paisagem pode levar a
um melhor planejamento das ações humanas, as quais vêm ao longo do tempo
transformando o espaço natural e, também, o próprio espaço geográ�co.
Considerando o conceito de “paisagem” dado por Bertrand (1978), ela é, numa de-
terminada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica; portanto, instá-
vel de elementos físicos, biológicos e humanos, que, reagindo dialeticamente uns
sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável.
Os autores destacam que, durante anos, muitos trabalhos nessa área foram funda-
mentados no estudo independente dos diversos componentes da paisagem para,
posteriormente, se sobrepor mediante a busca de setores em condições homogêne-
as. Eles ressaltam, ainda, que, nos últimos anos, é cada vez maior a importância da
teoria das paisagens como fundamento para a organização do espaço.
A paisagem, ainda segundo o autor, seria a “[...] con�guração territorial”, sendo “[...]
o conjunto de elementos naturais e arti�ciais que �sicamente caracterizam uma
área” (SANTOS, 2008, p. 103). A paisagem é a porção da con�guração territorial que
é possível abarcar com a visão.
[...] a paisagem é a história congelada, mas participa da história viva. [...]. A paisagem é
testemunha da sucessão dos meios de trabalho, um resultado histórico acumulado. O es-
paço humano é a síntese, sempre provisória e sempre renovada, das contradições e da
dialética social. O que nos interessa aqui mais de perto é que isto nos pode oferecer uma
solução para o nosso problema epistemológico.
Cidades crescem ao longo de rios, pois a população depende da água para sobrevi-
ver. Ou ainda, certas cidades foram construídas nos altos das montanhas, pois
seus fundadores almejavam proteção, queriam di�cultar o acesso aos inimigos.
7. Considerações
Esperamos que, ao �m deste segundo ciclo de aprendizagem, você tenha compre-
endido a relação estabelecida entre os principais conceitos geográ�cos e a forma-
ção da própria ciência geográ�ca.
É essencial que, com a �nalização deste ciclo de conteúdos mais teóricos e com o
início da prática escolar, você tenha adquirido uma visão mais concreta da
Geogra�a e seja capaz de inseri-la de modo mais efetivo nas suas análises espaci-
ais cotidianas e também em sua prática pro�ssional.
(https://md.claretiano.edu.br
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Camila Barbosa
Luiz Henrique Pereira
Neusa de Fátima Mariano
Victor Hugo Junqueira
Objetivos
• Conhecer as várias de�nições de região e regionalização.
• Compreender a teoria da região, que se estabeleceu ao longo da ciência
geográ�ca.
• Entender as linhas teóricas da regionalização e os diferentes tipos de re-
gião que se fundamentaram a partir dessas linhas teóricas.
• Re�etir sobre a regionalização como instrumento de planejamento.
Conteúdos
• Conceitos de região e regionalização: a teoria da região.
• As linhas teóricas da regionalização e os diferentes tipos de região.
• A regionalização como instrumento de planejamento.
Problematização
Qual o conceito de "região"? Como o conceito de região vem se modi�cando
ao longo da evolução da ciência geográ�ca? O que signi�ca "regionalização"?
Quais os tipos de regionalização propostos pelos teóricos da Geogra�a? Por
que a regionalização pode contribuir para um melhor planejamento e organi-
zação do espaço?
Orientação para o estudo
Para o estudo do conteúdo proposto a este ciclo de aprendizagem, leia com
atenção os textos e assista aos vídeos indicados, fazendo suas anotações e
buscando sempre re�etir sobre cada trecho lido. Uma dica é relacionar as in-
formações apresentadas com suas experiências cotidianas, ou seja, ao co-
nhecer a teoria, pense na relação que ela estabelece com a realidade vivida
em seu espaço, pois assim �ca muito mais interessante e fácil de compreen-
der o que se estuda.
1. Introdução
O conceito de "região", para a Geogra�a, estruturou-se ao longo da própria ci-
ência, sendo considerada como um método da ciência geográ�ca e uma cate-
goria de análise que pode levar a uma melhor compreensão relativa às trans-
formações vividas pelo espaço geográ�co ao longo do tempo.
De acordo com Moreira (2007, p. 14): “Na Idade Média, a in�uência da Igreja le-
va a geogra�a a ser uma forma de visão que referenda o imaginário bíblico de
um mundo criado por Deus à sua imagem e semelhança. Por isso a geogra�a
medieval é uma extensão da Bíblia e o geógrafo um cartógrafo do fantástico”.
Nesse contexto, como a�rma Gomes (1995, p. 52), “[...] a questão (regional) que
se recoloca é a mesma que deu origem ao conceito de região na Antiguidade
Clássica, ou seja, a questão da relação entre a centralização, a uniformização
administrativa e a diversidade espacial, diversidade física, cultural, econômi-
ca e política, sobre a qual este poder centralizado deve ser exercido”.
Esses componentes foram herdados pela Ciência Geográ�ca, porém, não fo-
ram a ela limitados. A emergência do discurso cientí�co colocou em pauta ou-
tros problemas e novos debates que contribuíram para potencializar o sentido
analítico do conceito e diversi�car as suas acepções.
Apesar dos diversos escritos, relatos de viagens e temas que abordavam dire-
tamente o conteúdo geográ�co, inclusive com autores importantes, como
Claudio Ptolomeu (90 a 168 d. C) e Bernardo Varenius (1622-1650). As condi-
ções históricas que possibilitaram a sistematização do conhecimento geográ-
�co ocorrem apenas no século 19, como resultado do processo de formação
dos Estados Nacionais, do fortalecimento da burguesia como classe social e da
criação de mecanismos políticos e técnicos que permitiram a reprodução de
capitais em níveis mais ampliados (MORAES, 2007).
De acordo com Moreira (2008a, p. 15): "Ritter tem em mira mostrar um sentido
na organização corográ�ca da superfície terrestre, que ele identi�ca sob o no-
me de individualidade regional dos recortes do espaço".
A noção de região natural, nesse período, foi apresentada por alguns autores como
idéia básica e sintética das teses deterministas. Desse modo, se as condições físi-
cas eram determinantes no desenvolvimento social, seria natural que, a partir de
algumas observações, fosse possível traçar várias correlações que, se veri�cadas,
passariam a ter valor de "leis naturais" para o desenvolvimento social.
Sobre forte in�uência das ciências naturais, do determinismo ambiental e da
Geologia, a região natural passou a ser entendida:
[...] como uma parte da superfície da Terra, dimensionada segundo escalas territori-
ais diversi�cadas, e caracterizadas pela uniformidade resultante da combinação ou
integração em área dos elementos da natureza: o clima, a vegetação, o relevo, a geo-
logia e outros adicionais que diferenciam ainda mais cada uma destas partes
(CORRÊA, 2000, p. 23).
Nesse sentido, a região passa a ser entendida como região geográ�ca, "[...] uni-
dade superior que sintetiza a ação transformadora do homem sobre um deter-
minado ambiente" (GOMES, 1995, p. 57).
Já Corrêa (2000, p. 28), a�rma que a "[...] região geográ�ca abrange uma paisa-
gem e uma extensão territorial, onde se entrelaçam de modo harmonioso
componentes humano e natureza".
Segundo La Blache (s.d. apud Lencioni, 2009, p. 107): “A síntese regional [...] é o
objetivo último da tarefa do geógrafo, o único terreno sobre a qual ele se en-
contra a si mesmo. Ao compreender e explicar a lógica interna de fragmenta-
ção da superfície terrestre, o geógrafo destaca a individualidade que não se
encontra em nenhuma outra parte”.
Outra crítica ao conceito de região geográ�ca e a sua apreensão por meio das
monogra�as regionais foi elaborada por Lacoste (1988). Segundo o autor, o
pensamento lablacheano, ao considerar a região geográ�ca uma representa-
ção espacial única, "[...] síntese harmoniosa e das heranças históricas, se tor-
nou um poderoso conceito-obstáculo que impediu a consideração de outras
representações espaciais e o exame de suas relações" (Lacoste, 1988, p. 64).
Dessa forma, ao identi�car apenas as particularidades regionais, de forma
única e sem estabelecer relações com as outras regiões e com a totalidade es-
pacial, a repetição das monogra�as regionais prejudicaram a construção de
leis e princípios gerais que caracterizam o estatuto cientí�co da Geogra�a.
Vamos entendê-la?
Hettner argumentou que a Geogra�a não era uma ciência nomotética ou idiográ�-
ca. Era tanto uma como outra. Dizia que quando a Geogra�a se volta para o estudo
das relações entre os fenômenos de um determinado território é uma Geogra�a idi-
ográ�ca; porém, quando estes fenômenos podem ser classi�cados em categorias,
possibilitando a dedução de leis gerais, ela é nomotética.
[...] a matéria especí�ca da Geogra�a, desde os tempos mais remotos até os dias de
hoje, consiste no conhecimento das áreas da terra na medida em que diferem umas
das outras [...]; que o homem está incluído como parte integrante da natureza e que,
dado o avanço geral da ciência, [...] a mera descrição foi substituída, em todos os ra-
mos da Geogra�a, pela busca de causas (Hettner s.d. apud Hartshorne, 1969, p. 17).
Para isso, Hettner retoma e inova a corologia de Ritter. De acordo com Moreira
(2008b, p. 34):
Diante disso, de forma sintética, Hartshorne (1969, p. 26) enuncia que "[...] a
Geogra�a tem por objeto proporcionar a descrição e a interpretação, de manei-
ra precisa, ordenada e racional, do caráter variável da superfície da Terra".
Esse período também coincide com a crise da Geogra�a clássica que repercu-
tiu no movimento de renovação da Geogra�a e na rede�nição do conceito de
região, a partir de outros fundamentos teórico-metodológicos.
Nas palavras de Bezzi (1996, p. 168), a Geogra�a foi "[...] usada como instru-
mento de dominação, [...] serviu para delimitar e classi�car espaços, de modo
a conseguir a maximização em termos de lucro, de um espaço com função es-
pecí�ca".
Um conjunto de lugares onde as diferenças internas entre esses lugares são meno-
res que as existentes entre eles e qualquer elemento de outro conjunto de lugares.
Ainda segundo Gomes (1995, p. 63), nesse processo, "[...] a região passa a ser
um meio e não mais um produto". Com isso, as possibilidades de divisões do
espaço geográ�co são inúmeras, já que se as regiões são de�nidas por mode-
los estatísticos, não é necessária nenhuma base empírica prévia. São as inten-
cionalidades do pesquisador que orientam o processo de regionalização
(CORRÊA, 2000).
Em síntese, a região não é uma realidade concreta, mas uma criação intelectu-
al, uma técnica-operacional para criar um padrão espacial e regular a organi-
zação do espaço geográ�co, contribuindo para as políticas de planejamento re-
gional que despontaram no período.
O conceito e a de�nição de cada uma das regiões foram discutidos por distin-
tos autores, cada qual com a sua particularidade. No entanto, optamos aqui
por apresentar apenas com as noções de regiões homogêneas e regiões funci-
onais, dado a sua prevalência no discurso geográ�co.
Como a�rma Corrêa (2001, p. 186-187), na década de 1960 há uma "[...] profusão
de estudos recortando os países em diferentes tipos de regiões homogêneas e
regiões funcionais".
Vejamos a seguir!
Assim, de acordo com Corrêa (2000, p. 45): “A região pode ser vista como um
resultado da lei do desenvolvimento desigual e combinado, caracterizada pela
sua inserção na divisão nacional e internacional do trabalho e pela associação
de relações de produção distintas”.
Uma região seria, em suma, onde se imbricam dialeticamente uma forma espacial
de reprodução do capital, e por conseqüência, uma forma espacial de luta de clas-
ses, onde o econômico e o político se fusionam e assumem uma forma espacial de
aparecer no produto social e nos pressupostos da reposição.
A ampliação das temáticas nas análises regionais sob uma leitura marxista,
em concordância com Lencioni (2009, p. 168), teve como principal elemento a
"[...] crítica à fetichização do espaço e aos estudos baseados na análise e na
descrição das funções regionais".
Mas, por outro lado, a ausência de uma discussão regional em Marx trouxe al-
guns problemas teórico-metodológicos.
Em muitas análises, a região passou a ser analisada como produto de uma divisão
territorial do trabalho, tendo como referência o processo geral de produção capita-
lista. Isso acabou repercutindo em análises regionais, nas quais as regiões apareci-
am como derivações de processos gerais e, em muitos casos, suas características
internas e particulares foram colocadas em segundo plano. Assim, as desigualda-
des de desenvolvimento, en�m, as diferenças na produção do espaço apresentaram
apenas a faceta derivada dos processos externos à região (LENCIONI, 2009, p.
168-169).
[...] de exploração capitalista de uma dada classe social pela outra para a formula-
ção de que haveria exploração de uma região por outra. Assim, mecanicamente
transposta a noção de exploração para análise espacial, a região passou a ser con-
siderada equivocadamente, um sujeito social.
O terceiro tipo de região são as regiões funcionais. Para Frémont (1980, p. 186),
a região funcional “[...] corresponde à organização do espaço na sociedade in-
dustrial chegada ao seu mais alto grau de decrescimento, quer dizer, de uma
sociedade que atribui à ‘função’ o nível mais alto na hierarquia dos valores”.
Nesse sentido, as regiões funcionais estão relacionadas à complexidade espa-
cial produzida pela sociedade industrial por meio do seu potencial técnico de
transformação dos lugares.
Com isso, as relações entre a vida local e a dinâmica global de produção e cir-
culação de mercadorias, capitais e informações passam a estar mais próxi-
mas, e a in�uência do global sobre o local é mais signi�cativa, tornando a re-
gião mais aberta às ações externas.
Assim, a região dos moldes clássicos formada apenas pela uniformidade dos
processos locais é transformada pelo poder de decisões externas e elementos
estranhos que se instalam no local, mudando o seu conteúdo, a sua funciona-
lidade e os seus limites. Diante disso, Haesbaert (1999, p. 32) a�rma que a aná-
lise contemporânea da região deve considerar:
[...] o grau de complexidade muito maior na de�nição dos recortes regionais, atra-
vessados por diversos agentes sociais que atuam em múltiplas escalas; a mutabili-
dade muito mais intensa que altera mais rapidamente a coerência ou a coesão regi-
onal; a inserção da região em processos concomitantes de globalização e fragmen-
tação.
Ianni (2001, p. 27) explica que: “[...] globalização não tem nada a ver com a ho-
mogeneização. Esse é um universo de diversidades, desigualdades, tensões e
antagonismos, simultaneamente as articulações, associações e integrações
regionais, transnacionais e globais [...]”.
1. Diferenciação de áreas.
2. Classi�cação.
3. Instrumento de ação.
4. Processo.
5. Identi�cação do espaço vivido.
Com base nessa a�rmação, se você retomar a leitura das concepções de regio-
nalização, perceberá que há um grupo que se caracteriza pela concepção de
regionalização enquanto distinção de áreas, classi�cação ou instrumento de
ação. No outro grupo estão as concepções de regionalização enquanto proces-
so e identi�cação do espaço vivido. Em resumo, no primeiro grupo, prevalece o
princípio de regionalizar para compreender e, no segundo, o princípio de com-
preender para regionalizar.
Todavia, não há modelos únicos para ação e controle sobre as regiões, os inte-
resses políticos e econômicos e os con�itos de classe é que vão determinar em
cada período histórico os objetivos e métodos para o exercício do poder.
É nesse contexto que uma das economias ditas mais liberais do planeta: os Estados
Unidos, o planejamento regional foi inicialmente empregado – no esforço de recu-
peração da economia norte americana dos efeitos da crise de 1929 popularizado co-
mo "New Deal" [...]. Apesar desta experiência pioneira, a conformação do planeja-
mento regional – enquanto ajuste entre políticas públicas e interesses particulari-
zados só adquire expressão de�nida no imediato pós-guerra.
9. Considerações
Neste ciclo, conhecemos um pouco sobre os diversos signi�cados que o con-
ceito de região teve na Geogra�a, inclusive antes de sua institucionalização ci-
entí�ca. Vimos como a região exerceu um papel importante para a�rmação do
estatuto cientí�co da Geogra�a, mas também foi objeto de controvérsias que,
em certos momentos, colocaram em dúvida a sua cienti�cidade.
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Camila Barbosa
Luiz Henrique Pereira
Neusa de Fátima Mariano
Victor Hugo Junqueira
Objetivos
• Conhecer o histórico de regionalização do território brasileiro.
• Saber relacionar a regionalização do território brasileiro com o planeja-
mento e organização do espaço geográ�co.
• Entender as principais propostas de regionalização do espaço mundial.
• Relacionar a regionalização mundial com os efeitos da globalização.
Conteúdos
• Histórico de regionalização do território brasileiro.
• Histórico de regionalização do espaço mundial e principais teorias.
• Regionalização mundial versus globalização.
Problematização
Quais são os principais tipos de regionalização do Brasil? Como as diversas
maneiras de regionalizar o Brasil contribuem para o planejamento e organi-
zação do espaço? Quais os principais tipos de regionalização mundial na atu-
alidade? Como a globalização in�uencia na regionalização mundial? Qual é a
relação entre globalização e produção desigual do espaço geográ�co? Como
os regionalismos se contrapõem ao processo de globalização? O que são os
indicadores econômicos e de desenvolvimento?
Estude a teoria e sempre relacione esse conceitual teórico às suas futuras au-
las de Geogra�a. Pense como você irá trabalhar tais conhecimentos com
seus futuros alunos. Esse exercício é sempre importante para um futuro pro-
fessor(a)!
1. Introdução
No ciclo anterior, estudamos os conceitos de região e regionalização e, tam-
bém, a importância da regionalização para o processo de planejamento terri-
torial. Para melhor entender o assunto, discutiremos, neste novo ciclo, as di-
versidades do território brasileiro e a análise histórica da divisão regional bra-
sileira, procurando conhecer as principais discussões acerca desses recortes,
relacionando teoria e prática.
A distribuição feita por Elisée Reclus em 1893, em sua magní�ca obra Estados
Unidos do Brasil, representa já um grande passo no sentido da consideração de ver-
dadeiras regiões naturais. Isso mesmo ele torna claro no texto, ao dizer que ‘as re-
giões naturais não confundem de forma alguma seus limites com os das antigas
províncias’. Levado, contudo, por necessidades didáticas, ele agrupa os Estados por
inteiro, ao de�nir as regiões.
Nesse contexto, novas regionalizações foram feitas. Said Ali, em 1905, por
exemplo, procedeu a divisão do Brasil em cinco regiões, considerando a ques-
tão econômica.
No entanto, é com a obra Geogra�a do Brasil (1913), de Delgado de Carvalho,
que os estudos regionais passam a adquirir consistência cientí�ca no Brasil.
De acordo com Guimarães (1941, p. 346):
A divisão proposta por Delgado de Carvalho representa uma evolução das re-
gionalizações anteriores, e adota como princípio as regiões naturais, especial-
mente, a partir da valorização da vegetação, do clima e do relevo na caracteri-
zação das unidades regionais. Ele dividiu o Brasil em cinco grandes unidades
e, para �ns práticos, os limites estaduais coincidiam com os limites regionais.
A partir da década de 1930 [...] São Paulo tornou-se uma grande metrópole industri-
al, onde estavam presentes todos os tipos de fabricação. Chamado a acompanhar
esse despertar industrial, o país inteiro conheceu uma quantidade de solicitações e,
sobretudo foi impregnado pela necessidade de concretizar a integração nacional
(SANTOS, 2008, p. 42).
Ao abordar essa questão em uma perspectiva histórica, Bacelar (2000) explica
que na fase primário-exportadora, as antigas bases agrárias eram dispersas
no espaço (as chamadas "ilhas regionais"), e a sua dinâmica não era con�uen-
te com o tempo, ou seja, a produção de certa região tinha autonomia e relativa
independência em relação a outras regiões, pois, a organização da produção
era, fundamentalmente, orientada por uma demanda externa.
Dessa forma, como a�rma Bacelar (2000, p. 73-74): “[...] a integração produtiva
comandada pela dinâmica da acumulação industrial ia impondo uma dinâmi-
ca cada vez mais semelhante entre as regiões brasileiras, guardadas apenas
as variantes de�nidas pelas especializações produtivas de cada região”.
IBGE
O Instituto Brasileiro de Geogra�a e Estatística (IBGE) foi criado, o�cialmente, em 26 de ja-
neiro de 1938, formado pela junção do Conselho Nacional de Estatística (criado em 17 de de-
zembro de 1936) e do Conselho Brasileiro de Geogra�a (criado em 24 de março de 1937), esse
órgão, a partir de então, passou a exercer um importante papel nas políticas de regionaliza-
ção do Brasil.
(https://md.claretiano.edu.br/epiorgteoregregesp-gp0025-ago-2022-grad-ead-
p/wp-content/uploads/sites/313/2019/12/F4U3.jpg)Fonte: Guimarães (s.d. apud MORAES; ARRAIS,
2002, n.p.).
Segundo Bezzi (1996, p. 101), “[...] três partes, destacadas como zonas de transi-
ção, são justamente as que mais têm variado de posição, quanto às "grandes
regiões" a que devam pertencer. Isso ocorre, sobretudo, porque, nessas partes,
harmonizam-se os aspectos de regiões naturais com os de regiões humanas”.
Segundo Corrêa (2000, p. 32): “[...] as zonas �siográ�cas, a despeito do nome, fo-
ram fundamentadas no conceito de região geográ�ca de Vidal de La Blache:
sua aplicabilidade se deu na medida em que formaram as bases territoriais
agregadas, através das quais foram divulgados os recenseamentos de 1950 e
1960”.
Ainda na década de 1950, Magnago (1995) destaca os estudos regionais de
Orlando Valverde, o qual adotou o conceito de região geográ�ca.
Nesse contexto, Guerra (1964, p. 460) explica que "[...] a Geogra�a é o elemento
básico nos diferentes campos do poder nacional, político, econômico, psico-
social e militar". E continua: "[...] os fundamentos do poder nacional são as
grandes regiões geográ�cas, e os fatores são os diferentes elementos caracte-
rizados dessas regiões" (GUERRA, 1964, p. 462).
A solução para esses objetivos foram encontradas nas noções de regiões ho-
mogêneas e regiões funcionais ou polarizadas e nas técnicas estatísticas pro-
duzidas pela Nova Geogra�a. De acordo com Galvão e Faissol (1969, p. 183), ao
reformular a divisão regional do Brasil, os técnicos do IBGE compreendiam
que:
Nesse sentido, a nova divisão regional realizada pelo IBGE, o�cializada a partir
de 1969, estabelecia, por meio do princípio geoeconômico e para �ns didáticos,
cinco Grandes Regiões. Estabelecia, também, unidades menores, as microrre-
giões homogêneas para análise de dados estatísticos, nas quais o princípio
fundamental era a noção de uniformidade espacial.
Veja, na Figura 7, as Cinco Grandes Regiões brasileiras na regionalização o�ci-
al de 1969.
[...] que apresentam formas de organização do espaço geográ�co de�nidas pelas se-
guintes dimensões: o processo social, como determinante, o quadro natural, como
condicionante, e a rede de comunicação e de lugares, como elemento de articulação
espacial. Essas três dimensões possibilitam que o espaço delimitado como mesor-
região tenha uma identidade regional. Esta identidade é uma realidade construída
ao longo do tempo pela sociedade que aí se formou.
É importante ressaltar que, nesse processo, não houve apenas uma mudança
de nomenclatura, mas também, na base conceitual e metodológica. De acordo
com Magnani (1995, p. 85): “[...] diferentemente do modelo anterior que partira
da agregação de áreas segundo critérios de homogeneidade, a metodologia,
adotada nesses estudos apoiava-se na noção de totalidade nacional, tomando
as Unidades da Federação como universo de análise”.
Observe, na Figura 8, a Divisão Regional do Brasil que vigora nos dias atuais.
(https://md.claretiano.edu.br/epiorgteoregregesp-gp0025-ago-2022-grad-ead-
p/wp-content/uploads/sites/313/2019/12/C4-F8-01.png)Figura 8 Divisão Regional do Brasil
adotada pelo IBGE atualmente.
Vamos estudá-los?
Regiões Geoeconômicas
A década de 1960 representou um período de grandes transformações nos es-
tudos regionais, no Brasil, tanto no que se refere as suas bases conceituais, co-
mo na reformulação da divisão regional do Brasil, realizada pelo IBGE, especi-
almente, para �ns de planejamento regional.
O Nordeste, por sua vez, é caracterizado como uma região que no passado co-
lonial apresentava grande importância econômica, todavia:
(https://md.claretiano.edu.br/epiorgteoregregesp-gp0025-ago-2022-grad-ead-
p/wp-content/uploads/sites/313/2019/12/F10U3.jpg)Fonte: Guimarães (s.d. apud MORAES; ARRAIS,
2002, n.p.).
As três grandes regiões podem ser reconhecidas como expressão da nova divisão
territorial do trabalho vinculada à dinâmica da acumulação capitalista internacio-
nal e brasileira e aos numerosos con�itos de classe. Ambos, por sua vez, impactam
sobre a natureza e a organização espacial prévia que já se caracterizava por enorme
desigualdade.
• [...] Diferentes formas materiais, criadas pelo trabalho social no seu arranjo espaci-
al;
Essas características gerais são, para Corrêa (1989), o ponto de partida para
uma análise especí�ca de cada espaço regional, que apresentaremos de forma
sintética a seguir.
O Nordeste, de�nido como a região das perdas, apresenta uma situação oposta
a do Centro-Sul, ao apresentar baixos indicadores econômicos e sociais e uma
menor variedade de formas e densidades espaciais.
Dessa forma, além dos fatores externos, o domínio político das oligarquias in-
ternas são aspectos fundamentais para se entender a continuidade das perdas
econômicas e sociais da região nordestina.
A região Amazônica, por sua vez, seria a última fronteira da expansão capita-
lista e da integração regional no Brasil, o que implicaria em novas relações so-
ciais e produtivas nesse espaço.
Cada região instala aquilo que, a cada momento, vem a constituir rugosidades dife-
rentes. Essas rugosidades estão ligadas, de um lado, à tecnicidade dos objetos de
trabalho e, de outro, ao arranjo desses objetos e às relações daí resultantes. A cons-
tante é o espaço, isto é, um conjunto indissociável, solidário, mas também contradi-
tório, de sistemas de objetos e sistemas de ações.
A Amazônia, por sua vez, formada pelos Estados do Pará, Amapá, Amazonas,
Acre, Roraima e Rondônia, é uma região de "[...] rarefações demográ�cas e bai-
xa densidade técnica" (SANTOS; SILVEIRA, 2008, p. 272).
Após assistir ao vídeo, retome seus estudos no tópico a seguir, pois você terá a
oportunidade de reforçar seu conhecimento e re�etir sobre alguns detalhes
observados nos mapas distribuídos no texto, os quais ilustram de modo e�ci-
ente as regionalizações.
Continentes �siográ�cos
A regionalização mais conhecida é a separação do mundo em continentes,
que se baseia em critérios naturais e foi feita a partir da distinção entre por-
ções de água e terra. A de�nição dos limites dessa regionalização tem por cri-
tério os processos geológicos de milhões de anos, que con�guraram os conhe-
cidos continentes �siográ�cos: América, Eurásia, África e Oceania.
[...] o arranjo e o per�l adquiridos por uma determinada área em função da organi-
zação que lhe foi imposta ao longo dos tempos. Neste sentido pressupõe um enten-
dimento – na conjuntura do presente – de todas as implantações cumulativas rea-
lizadas por ações, construções e atividades antrópicas (AB’SÁBER, 1998, p. 30).
Assim, se os limites naturais do globo terrestre não são su�cientes para com-
preender o espaço mundial, eles também não devem ser ignorados. Da mesma
forma, são importantes as faixas climáticas, os biomas, os solos, o relevo, a hi-
drogra�a e outros elementos e características do meio físico e natural.
O que podemos concluir com a avaliação do conceito de espaço total é que, pa-
ra ser compreendido em sua totalidade, o espaço mundial deve ser analisado
mediante uma visão integrada desses elementos (atributos físicos e naturais)
e sua interação com os elementos antrópicos.
Além disso, considera que o debate sobre a região (ou seus correlatos como
nação) possui um componente espacial, ou seja, o viés na discussão desses te-
mas, da política, da cultura e das atividades econômicas está relacionado es-
peci�camente às projeções no espaço das noções de autonomia, soberania, di-
reitos etc.
Gomes (1995) fala de nação como correlato de região, o que signi�ca que os li-
mites das nações são, em origem, limites regionais. Tão marcante foi essa re-
lação que, em qualquer regionalização do mundo, o Estado-Nação é um dos
principais pontos de partida (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES, 2006).
A regionalização do espaço mundial pela perspectiva política e econômica
normalmente está vinculada: à ordem internacional; ao equilíbrio instável dos
países e grupos; à disputa (ou cooperação) entre as grandes potências mundi-
ais características de um certo período histórico.
A partir de então, vigorou uma ordem mundial multipolar, ou seja, com base
em vários polos ou centros de poder que disputavam a hegemonia internacio-
nal. Foi um período marcado por acirradas disputas territoriais, mercados e
recursos na África, Ásia e Europa, propiciando um clima pré-guerra.
Podemos, portanto, ler a expressão Leste/Oeste como uma oposição entre sis-
temas econômicos e políticos, ou seja, Capitalismo versus Socialismo, e a ex-
pressão Norte/Sul como uma oposição em termos econômicos que expressa
apenas diferenças no nível de desenvolvimento dos países de economia capi-
talista, ou seja: países capitalistas desenvolvidos versus subdesenvolvidos.
5. O Subdesenvolvimento
Desde a publicação do livro Geogra�a do Subdesenvolvimento, na década de
1960, por Yves Lacoste, a noção de subdesenvolvimento passou a ser objeto de
discussão, de defesas e de críticas no debate acadêmico, mas também passou
a ser amplamente utilizada nos bancos escolares.
Mais do que um tema acadêmico, essa re�exão foi alimentada pelo debate político
nascido das grandes transformações produzidas pela Segunda Guerra Mundial,
tais como o desmantelamento, das estruturas coloniais e a emergência de novas
formas de hegemonia internacional fundadas no controle da tecnologia e da infor-
mação e na manipulação ideológica.
Para Celso Furtado (2000, p. 28, grifos do autor), outra importante referência ao
estudo do subdesenvolvimento:
Dessa forma, como a�rma Gomes (1987-1988, p. 39), "[...] jamais podemos dis-
sociar dois componentes, tendo em vista que um – o desenvolvimento capita-
lista – é causa determinante do outro – o subdesenvolvimento capitalista".
Essas formulações contribuíram para compreender o desenvolvimento do es-
paço geográ�co como um processo desigual e contraditório.
Por sua vez, Theis (2009, p. 249) explica que:
Vejamos a seguir.
Yves Lacoste (1966-1970) propôs uma classi�cação dos países com base nos
seguintes critérios:
1. Insu�ciência alimentar.
2. Recursos negligenciados ou desperdiçados.
3. Grande número de agricultores de baixa produtividade.
4. Industrialização restrita e incompleta.
5. Hipertro�a e parasitismo do setor terciário.
6. Situação de subordinação econômica.
7. Violentas desigualdades sociais.
8. Estruturas tradicionais deslocadas.
9. Ampliação das formas de subemprego e trabalho das crianças.
10. Baixa integração nacional.
11. Graves de�ciências das populações.
12. Aumento do crescimento demográ�co.
13. Lento crescimento dos recursos de que dispõem, efetivamente, as popula-
ções.
14. Tomada de consciência e uma situação em plena evolução.
A região continua a existir, mas com um nível de complexidade jamais visto pelo
homem. Agora, nenhum subespaço do planeta pode escapar ao processo conjunto
de globalização e fragmentação, isto é, individualização e regionalização.
Lei SB 1070
Caso queira obter mais informações, clique aqui (http://www.azleg.gov/legtext/49leg/2r/bills/sb1070s.pdf)
e leia na íntegra o texto da lei SB 1070.
[...] a edi�cação de blocos regionais representa uma estratégia dos Estados direcio-
nada para a inserção das suas economias na economia-mundo (MAGNOLI, 1997, p.
6).
Tarifa externa De�nida por Imposto co- Imposto co- Imposto co-
cada país mum mum mum
Capitais servi- Regras naci- Regras nacio- Livre circu- Livre circula-
ços e pessoas onais nais lação ção
Com o tempo, os setores mais modernos dos países da área evoluem num rit-
mo comum e sofrem as crises e �utuações de um ciclo econômico integrado.
Essas áreas não têm limites de�nidos pelos Estados e sua área de atuação po-
de aumentar ou contrair, independentemente da vontade dos governos ou da
ação de diplomatas (MAGNOLI, 1997).
Agora que você já conhece um pouco mais sobre os blocos econômicos, vamos
analisar uma questão relevante: a tendência à regionalização com base nos
blocos econômicos seria um obstáculo à integração global dos mercados?
A pobreza global
Magnoli (1997, p. 21) de�ne globalização como o "[...] processo pelo qual o espa-
ço mundial adquire unidade [...]", ou seja, um processo econômico e social que
estabelece integração entre todas as regiões do mundo através do �uxo de
mercadorias, investimentos e informações, como já vimos. Porém, essa globa-
lização que uni�ca também separa, segrega, exclui.
Sugerimos, agora, que você re�ita sobre sua aprendizagem realizando a ques-
tão a seguir:
7. Considerações
Ao estudar as regionalizações brasileiras e mundiais, pudemos entender que
elas se estruturam a partir das diversidades do território brasileiro e mundial
na busca por melhor entender as dinâmicas desses territórios e suas desigual-
dades internas, sendo esse entendimento o caminho para uma administração
mais e�ciente dos diversos espaços em uso, que se distribuem pelo globo.
/epiorgteoregregesp-gs0036-ago-2022-grad-ead-np/)
Camila Barbosa
Luiz Henrique Pereira
Victor Hugo Junqueira
Objetivos
• Estudar as diferenças geográ�cas dos espaços mundiais em seus fatores
físicos e humanos.
• Conhecer as diversidades dos territórios considerados como "norte rico".
• Conhecer as diversidades dos territórios considerados como "sul pobre".
• Compreender quais fatores e elementos constituem as desigualdades
territoriais econômicas e sociais das regiões norte e sul do mundo.
Conteúdos
• Desigualdades de um mundo globalizado.
• Europa, América Anglo-Saxônica e Oceania no contexto do "norte rico".
• África, Ásia e América Latina no contexto do "sul pobre".
Problematização
Quais são as principais diferenças internas encontradas na organização dos
países? Como o clima, relevo, hidrogra�a, ou seja, aspectos físicos, in�uenci-
am na ocupação e desenvolvimento dos países? Qual a importância das mi-
grações para o continente europeu e quais problemas isso tem acarretado in-
ternamente? De que forma a população africana está distribuída pelo territó-
rio? Quais os principais problemas enfrentados pela população africana na
atualidade? Como a África tem sido inserida nas relações capitalistas mun-
diais? Qual o papel do continente africano nas negociações econômicas glo-
bais? Quais heranças o imperialismo deixou para os países africanos? Como
as relações globais contribuem para o aumento dos problemas sociais nos
países africanos?
Além disso, no decorrer deste estudo você deverá assistir aos vídeos propos-
tos que expõem e discutem a organização geral dos espaços continentais do
globo. Observe que os estudos geográ�cos das nações que compõem o globo
devem se estruturar de modo amplo, abrangendo desde os aspectos físicos
até os aspectos advindos das relações humanas estabelecidas nos territórios,
pois somente assim é possível compreender de modo detalhado e efetivo as
diversas regiões que se formam no espaço mundo.
1. Introdução
Lembre-se de que não existe Geogra�a sem História: o espaço geográ�co é um
produto social de�nido pela atividade produtiva e pelas ideias que, ao longo do
tempo, se materializam sobre a superfície do planeta. Assim, considerando
que o fenômeno da globalização atua sobre o espaço herdado de tempos pas-
sados, remodelando-o em razão das novas necessidades, uma nova Geogra�a
foi tecida pelos �uxos globais de mercadorias, capitais e informações.
É pensando nesse contexto que vamos veri�car alguns aspectos econômicos
dos países e estudar os indicadores de desenvolvimento. Veremos que, do es-
paço globalizado contemporâneo, emergiram as novas potências econômicas,
as quais se reorganizaram com novas relações e mudanças dos focos tradicio-
nais de poder.
Para isso, neste tópico, vamos analisar indicadores e variáveis que permitam
comparar os níveis de desenvolvimento econômico, educacional e de tecnolo-
gia, além dos padrões de qualidade de vida entre os países do mundo, repre-
sentados em mapas temáticos.
Além do PIB, é comum utilizar o PIB per capita, que corresponde ao quociente
entre o PIB nominal e a população de um país. Com esse índice, é possível in-
ferir o padrão de vida da população. Um país pode ter um PIB total elevado,
porém, devido ao grande número de habitantes, apresentar um PIB per capita
baixo.
Observe o mapa da Figura 1, que apresenta o PIB per capita (em dólares) dos
países para o ano de 2010.
Observando o mapa do PIB (Figura 1), podemos constatar que os maiores valo-
res desse índice ocorrem predominantemente nos Estados Unidos, Espanha,
França, Alemanha, Japão e China, localizados no hemisfério Norte. No hemis-
fério Sul, de acordo com a classi�cação temática da legenda, destacam-se paí-
ses com valores médios de PIB, como Brasil, Argentina, África do Sul e alguns
países do Pací�co Sul. De maneira geral, observamos uma tendência de queda
dos valores do PIB no sentido Norte-Sul.
Quando se compara o PIB com o PIB per capita, observa-se que alguns países,
como a China e a Índia, embora apresentem elevados PIB, não apresentam PIB
per capita elevado. Isso ocorre porque esses países são populosos.
Figura 2 Participação das exportações mundiais de mercadorias por regiões entre os anos 2005 e 2010.
A dívida externa, ainda que seja um problema para diferentes nações, tem
efeitos mais perversos sobre as economias mais frágeis, pois reduz a capaci-
dade de investimento e, consequentemente, a e�ciência de políticas sociais.
Pesquisa feita pela OpenNet Initiative (ONI) em 2004/2005 constatou que o go-
verno chinês �ltra severamente os sites cujos tópicos são considerados "peri-
gosos" para seu poder. Segundo a instituição, os assuntos �ltrados e frequente-
mente bloqueados incluem pornogra�a, independência de Taiwan e do Tibet,
Falun Gong, Dalai Lama, incidente da Praça Tiananmen, partidos políticos de
oposição e movimentos anticomunistas.
3. Possibilidades de Regionalização
O espaço geográ�co, no dizer de Santos (1978), é um acúmulo de tempos desi-
guais, e, assim, a organização mundial continua a preservar velhas estruturas
do passado, mas também assume novas formas e manifestações com a emer-
gência da globalização.
Além disso, essa condição favorece a participação desses países no debate po-
lítico internacional. A ascensão do G20 – grupo que reúne as economias mais
avançadas e os países emergentes, formado no �nal da década de 1990 –, co-
mo principal fórum de discussão da agenda econômica e �nanceira internaci-
onal, re�ete a importância política dos países emergentes diante das sucessi-
vas crises econômicas que afetam o mundo no início do século 21.
Figura 6 G8 e G20.
Entre 2003 e 2007, o crescimento dos quatro países (Brasil, Rússia, Índia e China)
representou 65% da expansão do PIB mundial. Em paridade de poder de compra, o
PIB dos Brics já supera hoje o dos Estados Unidos ou o da União Europeia. Para dar
uma ideia do ritmo de crescimento desses países, em 2003 os BRICs respondiam
por 9% do PIB mundial, e, em 2009, esse valor aumentou para 14%. Em 2010, o PIB
conjunto dos cinco países (incluindo a África do Sul), totalizou US$11trilhões, ou
18% da economia mundial.
Dados do Fundo Monetário Internacional para 2011 apontam, também, que, in-
dividualmente, esses países �guram no topo da lista dos maiores PIB mundi-
ais: China (2º lugar), Brasil (6º lugar), Rússia (9º lugar), Índia (10º lugar) e
África do Sul (29º lugar).
Não há dúvidas de que o crescimento econômico desses países tem provocado
um reordenamento na geogra�a mundial, ampliando a importância dos paí-
ses emergentes nas decisões políticas internacionais.
Acompanhe.
4. A Quanti�cação do Desenvolvimento
As condições de vida da população de um país também podem ser dimensio-
nadas a partir dos elementos quantitativos. As diferentes interpretações teóri-
cas que analisaram a questão do subdesenvolvimento, ou da desigualdade en-
tre os países, procuraram fundamentar-se em dados econômicos e sociais pa-
ra proceder à classi�cação dos países.
Além disso, outros problemas estão relacionados à utilização do PIB per capita
como indicador de desenvolvimento; dentre eles, destacamos: a não mensura-
ção da economia informal, a desconsideração do poder real de compra da mo-
eda, a falta de um critério internacional de medição do PIB, o que di�culta a
comparação entre os países e, especialmente, o fato de considerar apenas uma
dimensão do desenvolvimento – a econômica.
Em alguns aspectos básicos, o mundo é um lugar muito melhor hoje do que era em
1990 – ou em 1970. Ao longo dos últimos 20 anos, muitas pessoas de todo o mundo
alcançaram melhoramentos profundos em aspectos fundamentais das suas vidas.
Em geral, são mais saudáveis, possuem mais instrução, têm maior riqueza e têm
maior poder para eleger e responsabilizar os seus líderes do que nunca (PNUD,
2010, p. 3).
Índice de GINI
Outro indicador muito utilizado para quanti�car as condições sociais de um
país é o Índice de Gini. Criado pelo estatístico italiano Corrado Gini, esse indi-
cador é uma medida da concentração ou da desigualdade, comumente utiliza-
da na análise da distribuição de renda.
Além da desigualdade social, o indicador pode ser aplicado para medir o grau
de concentração de qualquer distribuição estatística, tais como concentração
de terra, urbana, industrial, entre outras. Na prática, o índice varia de 0 a 1, em
que o valor 0 representa a completa igualdade de renda, e o valor 1 indica a
completa desigualdade.
Essa situação mostra o grave problema social que essas regiões sofrem. Ainda
que a produção de mercadorias cresça com o incipiente processo de industria-
lização, a concentração de renda impede uma melhor qualidade de vida para a
maioria da população.
O país esteve sob domínio colonial da Inglaterra até 1776, quando rompeu com
a metrópole. Já sua independência foi reconhecida em 1783, após o Tratado de
Paris, e, durante os séculos 19 e 20, 37, novos estados foram adicionados aos 13
originais (CIA, 2010).
Relevo e hidrogra�a
Da fronteira com o México até o Norte do país, está a Planície Litoral Atlântica,
abrangendo o litoral Atlântico desde o Cabo Cod, um pouco ao Sul de Boston.
Essa faixa se alarga à medida que avança para o Sul. Caracteriza-se por altitu-
des máximas de 200 metros e recebe os sedimentos provenientes dos montes
Apalaches. Em alguns setores como no litoral do Texas, Mississipi e Alabama,
o relevo apresenta formas de colinas e cristas. Na Flórida central e na maioria
dos estados do Sudeste há trechos acidentados, e pântanos e lagoas ocorrem
em pontos diversos do litoral da Virgínia, Carolina do Norte, Flórida e
Louisiana (FENNEMAM, 1931).
As Planícies do interior são áreas planas que se situam entre as vertentes oci-
dentais dos Apalaches e as vertentes orientais das Montanhas Rochosas. A
Oeste do Mississipi-Missouri, gradualmente ganham altitude ao se aproxima-
rem do sopé das montanhas Rochosas. Podem ser subdivididas em planícies
centrais a Leste e grandes planícies a Oeste. Em sua porção norte, encontram-
se vestígios de glaciações quaternárias, como os Grandes Lagos. A costa do
golfo do México e o baixo vale do Mississipi, ao Sul, são muito planos e pouco
acima do nível do mar (HENRY, 2007).
Clima
Nas latitudes médias, o clima é seco e aparece nas zonas centrais dos Estados
Unidos, a Leste do rio Mississipi e nas depressões das Montanhas Rochosas. O
clima marítimo da costa oeste limita-se a uma estreita faixa da costa do
Pací�co (desde o norte da Califórnia até a fronteira com o Canadá e na costa
do Alaska). Na costa oeste, também em faixa estreita, aparece o clima medi-
terrâneo. Em todo o Sudoeste, predomina o clima subtropical úmido. Já nas
imediações do deserto do sul e nos vales sul das montanhas rochosas aparece
o clima subtropical seco (PACIEVITCH, 2010).
Economia
Atualmente, os Estados Unidos têm a maior e, tecnologicamente, mais podero-
sa economia do mundo, com um PIB per capita de 46 mil dólares. As empre-
sas particulares tomam a maioria das decisões, e até os governos federal e es-
tadual compram bens e serviços do mercado privado.
A crise econômica atingiu escalas globais: houve a crise das hipotecas, falhas
de bancos de investimentos, os preços dos imóveis caíram e o crédito apertado
colocou os Estados Unidos em uma recessão em meados de 2008 (CIA, 2010).
Devemos destacar que essa crise econômica levou inúmeros estudiosos a de-
fenderem a interferência do Estado na economia capitalista.
Setores da economia
Retome, mais uma vez, o mapa de densidade populacional (Figura 11) e tente
estabelecer relações com o mapa de atividades agropecuárias (Figura 15).
Observe que:
É o setor terciário o mais importante para a economia do país, com maior per-
centual de empregos e com maior participação no PIB do país. Cabe destacar
que a rede comercial norte-americana se estende pelo mundo e coloca o país
como um dos mais poderosos atualmente (MAGNOLI, 2005).
7. Canadá
Observe a Figura 18 e veja que o Canadá se localiza na América do Norte,
limitando-se ao Sul com os Estados Unidos, a Leste com o Oceano Atlântico, a
Oeste com o Oceano Pací�co e ao Norte com o Oceano Ártico. Ocupa uma área
de 9.984.670km², o que lhe confere a segunda colocação em extensão do mun-
do. Sua capital é Otawa e está na região Sudeste, próxima à fronteira com os
Estados Unidos.
O Canadá divide-se em dez províncias e três territórios, como você pode obser-
var no mapa da Figura 19.
Relevo
Observe (Figura 20) que o Canadá pode ser divido em duas grandes regiões �-
siográ�cas: The Shield (o escudo) e The Borderlans (bordas ou regiões frontei-
riças). A região denominada The Shield é geologicamente caracterizada por
rochas cristalinas que datam do Pré-Cambriano, enquanto a região The
Borderlans é formada por rochas mais jovens que cercam o escudo. Nos terri-
tórios mais próximos ao escudo, o relevo caracteriza-se por planícies e planal-
tos de baixas altitudes, geralmente formados por rochas sedimentares.
Afastando-se do escudo, a formação do relevo é de áreas descontínuas de
montanhas e planaltos. Cada uma dessas grandes regiões é subdivida em re-
giões com características peculiares de topogra�a e geologia (CANADÁ, 2011a).
• The Shield: por ser mais antigo, apresenta uma paisagem caracterizada
pelo nivelamento do relevo. Por milhares de anos, a paisagem sofreu
ações erosivas que propiciaram um horizonte plano, interrompida por cu-
mes arredondados ou achatados no topo e serras isoladas. A superfície da
shield é essencialmente resultado de glaciação, e grande parte é coberta
de lagos, lagoas e pântanos. A característica mais marcante do escudo é a
homogeneidade do terreno em regiões como Labrador, norte de Quebec e
Ontário, nos territórios do Noroeste.
• The Borderlans: divide-se em:
Nas pradarias, há grande quantidade de dias de sol, o que pode afetar o desen-
volvimento agrícola. No litoral, a proximidade com o Oceano Atlântico ameni-
za o clima, favorecendo invernos longos e suaves, e os verões são curtos e
frescos. Essas condições são favoráveis para o desenvolvimento das �orestas.
Finalmente, em torno dos Grandes Lagos e ao longo do rio St. Lawrence, tanto
a jusante como a cidade de Quebec, o clima é caracterizado por verões relati-
vamente quentes e invernos frios. Essas condições são adequadas para o de-
senvolvimento de vegetação de porte arbóreo com folhas largas (CANADÁ,
2011b).
Como podemos observar nos mapas (Figuras 21 e 22), janeiro marca o auge do
inverno no Canadá e, com exceção das regiões costeiras do sul da Ilha de
Vancouver, as temperaturas mínimas abaixo de zero são normais. A baixa in-
cidência de sol faz que, na maior parte do país, as temperaturas �quem abaixo
de -15°C. A fraca luminosidade, ou mesmo a ausência de luz do sol, não possi-
bilita variação de temperatura durante o dia. O extremo norte permanece co-
berto de gelo com temperaturas máximas em torno de -30°C. A temperatura
máxima aproxima-se do ponto de fusão em Ontário e em partes das provínci-
as do Atlântico. As temperaturas máximas, acima de zero, ocorrem apenas no
litoral da Colúmbia Britânica e no extremo sul da Nova Escócia (CANADÁ,
2011c).
Para conseguir imaginar como seria a vida nessa cidade, você precisa saber
um pouco mais. Em que você trabalharia? Para responder à pergunta é preciso
conhecer a economia da região.
Atualmente, o Canadá possui cerca de 33.759.742 habitantes, dos quais 80% es-
tão em área urbana. O setor mais populoso do país é o Sul, paralelamente à
fronteira com os Estados Unidos e a região Sudeste, destacando as cidades de
Toronto, Otawa e Montreal. Essa ocupação se justi�ca pelas amenidades cli-
máticas, uma vez que o inverno é muito rigoroso. Compare a Figura 24 com os
mapas de temperatura (Figuras 21 e 22). Veja que os setores com maior densi-
dade populacional coincidem com as temperaturas mais elevadas.
Outro fator que interfere na estrutura etária canadense é a elevada taxa de mi-
gração (5,64 migrantes/mil habitantes) caracterizando-o como o 15° maior
país do mundo em �uxo migratório. A população de imigrantes é geralmente
adulta, contribuindo no aumento da população entre 15 e 64 anos (CIA, 2010).
Economia
Agora vamos compreender um pouco melhor a estrutura econômica do
Canadá. Com uma sociedade industrial de alta tecnologia, o país assemelha-
se aos Estados Unidos em seu sistema econômico de mercado, padrão de pro-
dução e padrões de vida, e que atualmente tem o nono maior PIB do mundo e
um PIB per capita de 38.100 dólares.
A estreita relação econômica com os Estados Unidos fez com que o país tam-
bém fosse afetado pela crise imobiliária americana em 2007 (que teve como
algumas das causas a desvalorização do dólar e a quebra de bancos america-
nos em 2008).
Vale destacar que o Canadá foi o último dos países do Grupo G-8 a entrar em
recessão e o que experimentou o melhor desempenho entre as economias in-
dustrializadas (BRASIL, 2011b).
Setores da economia
Podemos constatar que, para viver lá, certamente você deveria se ocupar com
atividades voltadas à comercialização de produtos �orestais. Caso pre�ra tra-
balhar no setor terciário da economia, você deve analisar cidades ao Sul. Faça
a mesma avaliação para as cidades de Otawa e Regina: observe as caracterís-
ticas climáticas, paisagísticas e as principais atividades econômicas de cada
cidade, assim como a densidade populacional. Esse exercício é importante pa-
ra que você compreenda a organização espacial do país e a relação entre o ho-
mem e o espaço natural.
[...] como produto de um processo de relações reais que a sociedade estabelece com
a natureza (primeira ou segunda). A sociedade não é passiva diante da natureza,
existe um processo dialético entre ambas que produz, constantemente, espaço e so-
ciedade, diferenciados em função dos momentos históricos especí�cos e diferenci-
ados.
A seletividade é a origem dos cheios e vazios do espaço, isto é, o todo das casas, ca-
minhos e atividades econômicas que compõem a forma e o conteúdo do habitat,
cuja con�guração varia de acordo com o tempo histórico.
Dessa forma, podemos perceber que não há uma dualidade entre diversidade e
unidade na composição do espaço geográ�co, pois a rica biodiversidade do
continente africano só pode se manifestar na sua unidade territorial. Essas
considerações podem ser exploradas, também, no que tange à sua unidade e
diversidade social.
Aspectos demográ�cos
A leitura dos dados populacionais do continente africano, comparando-o aos
outros espaços mundiais, mostra particularidades na organização territorial e
na estrutura populacional. A Organização das Nações Unidas aponta que o
continente apresenta a segunda maior população mundial. Os dados publica-
dos no relatório Population Ageing and Development, em 2009, indicam que a
população total é de 987.092 milhões de habitantes.
Vamos em frente?