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1. Introdução
Seja bem-vindo(a)! Você está iniciando o estudo de   Epistemologia,
Organização, Teoria da Região e Regionalização do Espaço, uma das discipli-
nas que compõem o seu curso de formação pedagógica na modalidade EaD do
Claretiano - Centro Universitário.

Este conteúdo está dividido em 5 Ciclos de Aprendizagem, cada qual corres-
pondendo a um grupo de conteúdos e objetivos especí�cos, organizados a par-
tir de eixos temáticos, os quais articulam, no geral, a evolução da ciência geo-
grá�ca e a construção de conceitos essenciais para a geogra�a, como espaço,
espaço geográ�co, paisagem e região, levando ao entendimento sobre a impor-
tância da análise da paisagem e da regionalização para um estudo mais apro-
fundado do espaço geográ�co em sua constante organização.

A teoria da região e todo seu signi�cado para o estudo da organização do espa-


ço geográ�co são apresentados de maneira ampla em três dos cinco ciclos que
se inter-relacionam na composição geral da disciplina. Além disso, a discipli-
na sistematiza conteúdos que permitem a compreensão das regionalizações
mundiais, suas características, especi�cidades e modi�cações ao longo do
tempo histórico.

Você está pronto para começar? Desejamos que possa se sentir motivado du-
rante as leituras e esperamos que estude com empenho e dedicação, pois os
assuntos aqui tratados são muito importantes para a sua formação docente.

Bons estudos!

2. Informações da Disciplina
Ementa
A Epistemologia, Organização, Teoria da Região e Regionalização do Espaço
contribui para a formação pro�ssional ao apresentar as bases �losó�cas e
epistemológicas da ciência geográ�ca, sua evolução crítica, seus conceitos
formadores e o papel da regionalização como instrumento de conhecimento e
planejamento do espaço geográ�co. Para tanto, serão objetos de estudo: as di-
ferentes "Escolas Geográ�cas" e seus métodos de análise, os conceitos básicos
da ciência geográ�ca, a organização do espaço em relação à análise da paisa-
gem, a teoria da região, a regionalização como instrumento de planejamento e
suas linhas teóricas, os históricos de regionalização do Brasil e do mundo,
além das novas tendências e os vários tipos de regionalização do espaço mun-
dial advindos da globalização e sua in�uência nas transformações espaciais.
A disciplina, no intuito de formar um cidadão crítico e atuante diante da orga-
nização sócio-político-econômica da sociedade em suas relações espaciais, �-
nalizará com os aspectos físicos, econômicos e populacionais da Europa,
América Anglo-Saxônica e Oceania no contexto do "norte rico" e da África,
Ásia e América Latina no contexto do "sul pobre".

Objetivo Geral
Apresentar a História do Pensamento Geográ�co, de modo que se possa com-
preender a evolução cientí�ca da Geogra�a, assim como a delimitação de al-
guns conceitos primordiais que sustentam a análise relacionada à paisagem e
à organização do espaço geográ�co e seus recortes regionais.

Objetivos Especí�cos
• Compreender a evolução do pensamento geográ�co e a importância da
epistemologia para a construção do saber geográ�co.
• Conhecer alguns dos principais conceitos básicos da ciência geográ�ca,
como: espaço geográ�co, paisagem, região e regionalização.
• Re�etir sobre a aplicação do conhecimento conceitual na compreensão
das relações espaciais que se dão a partir da organização do espaço, da
análise da paisagem e dos recortes regionais.
• Relacionar os vários tipos de regionalização às análises referentes à glo-
balização e às dinâmicas de ocupação e transformação do espaço geográ-
�co.
• Analisar as várias formas de regionalização mundial e suas especi�cida-
des em relação às diversidades dos continentes.
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Ciclo 1 – As Diferentes Escolas Geográ�cas e seus Métodos de


Análise

André Barioni
Regina Tortorella Reani
Victor Hugo Junqueira

Objetivos
• Entender a evolução do pensamento geográ�co.
• Re�etir sobre a importância da epistemologia para a construção do saber geográ�co.
• Saber diferenciar as correntes geográ�cas e seus métodos de análise.

Conteúdos
• A evolução histórica do pensamento geográ�co: um olhar crítico e sintético.
• As principais características das escolas geográ�cas e seus métodos de análise.

Problematização
O que é Geogra�a? Como a Geogra�a evoluiu como ciência ao longo do tempo histórico?
Quais foram as mudanças ocorridas na ciência geográ�ca a partir do século 19? Quais as
diferentes correntes �losó�cas e escolas geográ�cas surgidas? Após meados do século 19,
houve uma crise dos métodos tradicionais para o estudo da Geogra�a; o que a motivou? O
que foi a Geogra�a Crítica e quais as correntes geográ�cas alternativas que surgiram com
ela?

Orientação para o estudo


A compreensão da História do Pensamento Geográ�co e sua evolução epistêmica é fun-
damental para um futuro professor de Geogra�a, principalmente porque é por meio dessa
compreensão que a de�nição de Geogra�a se esclarece e delimita. Aliada a essa de�nição
de base, outros conceitos geográ�cos se evidenciam, contribuindo, assim, para a constru-
ção do entendimento geral da ciência que se pretende lecionar.

Nesse sentido, e para um breve entendimento da História do Pensamento Geográ�co, in-


dicamos para o estudo deste primeiro ciclo: (I) um vídeo que trabalha a síntese do pensa-
mento geográ�co; (II) uma re�exão sobre a importância das correntes geográ�cas, por
meio dos conteúdos expostos; e (III) no �nal do ciclo, a análise de dois quadros sinóticos
para entender as principais diferenças entre cada uma das correntes epistêmicas da
Geogra�a.

1. Introdução
Neste primeiro ciclo de aprendizagem, veremos a História do Pensamento Geográ�co, a es-
truturação e a evolução da Geogra�a como ciência ao longo da história da humanidade,
buscando compreender como os teóricos tratavam e analisavam as relações estabelecidas
entre homem e natureza em determinado espaço e ao longo do tempo histórico.

Vamos começar?

2. História do Pensamento Geográ�co: breve síntese


O estudo desta nossa disciplina começará com a História do Pensamento Geográ�co e
seus desdobramentos. Para tanto, você assistirá a um vídeo, que nos apresenta uma breve
síntese da evolução histórica da ciência geográ�ca.

Iniciaremos pelo nascimento da Geogra�a já na Pré-história, com um conhecimento geo-


grá�co não sistematizado, porém já evidente nas ações do homem primitivo. Passaremos,
em seguida, pela sistematização da ciência geográ�ca após o século 19 e pelas principais
correntes metodológicas que se estruturaram dentro do período. Por �m, compreendere-
mos os resultados de uma crise metodológica que levou a uma consequente renovação ci-
entí�ca da Geogra�a, estabelecendo, a partir de então, uma visão crítica e muito mais dinâ-
mica para a ciência geográ�ca, que se estrutura nesses moldes até os dias atuais.

Após assistir ao vídeo e entender que a construção da ciência geográ�ca segue um longo
processo e se molda às relações sociais, políticas, econômicas e culturais da história da
humanidade, propomos que você leia na íntegra o artigo a seguir.
 Leitura obrigatória.

GODOY, P. R. T. Algumas considerações para uma revisão crítica da História do


Pensamento Geográ�co. In: GODOY, P. R. T. (Org.). História do pensamento geográ�co e
epistemologia em Geogra�a (https://static.scielo.org/scielobooks/p5mw5/pdf/godoy-
9788579831270.pdf). São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. p. 145-156.

Com essa leitura, é possível compreender que o mais importante, para a História do
Pensamento Geográ�co, não é fazer uma delimitação pontual e com uma linha do tempo
determinada de modo exato em datas e autores, mas, sim, entender que existe um cami-
nhar e que ideias e compreensões diversas se entrelaçaram na estruturação de uma geo-
gra�a cientí�ca, com métodos de análise de�nidos e relacionados a visões �losó�cas im-
portantes, dadas ao longo de períodos históricos signi�cativos para a humanidade.

No próximo tópico, você irá conhecer, de modo mais especí�co as principais característi-
cas das escolas geográ�cas e seus métodos de análise, contemplando os teóricos que se
destacam nesses movimentos.

3. Racionalismo e Positivismo: Pressupostos históri-


cos da Geogra�a Tradicional
A Geogra�a Tradicional tem como fundamento básico o Positivismo, e é por meio dessa
corrente �losó�ca, de seus postulados e ideias que o pensamento geográ�co tradicional é
formulado e estipulado como ciência unitária.

Positivismo
“Desenvolvido por Auguste Comte, o positivismo é uma maneira de pensar baseada na suposição de que é
possível observar a vida social e reunir conhecimentos con�áveis válidos sobre como ela funciona. Esses
conhecimentos poderiam ser usados para afetar o curso da mudança e melhorar a condição humana.
Comte acreditava que a vida social era governada por leis e princípios básicos que podiam ser descobertos
através do uso de métodos mais comumente associados às ciências físicas. Da forma como evoluiu desde
os dias de Comte, o positivismo a�rma também que a sociologia devia ser rígida, linear e metódica, sobre
uma base de fatos veri�cáveis” (JOHNSON, 1997, p. 179).
Segundo Moreira (2008, p. 27), “[...] a essência do pensamento positivista é a redução dos fenômenos a um
conteúdo físico e a um encadeamento, que faz as ciências interagirem ao redor desse conteúdo ao passo que
as fragmenta por seus conhecimentos em diferentes campos e objetos e métodos especí�cos”.

Segundo Lanza de Barros (1998), o Positivismo surgiu em um determinado contexto histó-


rico e social e com uma função especí�ca: atender e/ou resolver os con�itos sociais gera-
dos com a mudança do modo de produção capitalista. Uma série de mudanças ocorridas
na vida política e econômica da Europa contribuiu para modi�car a mentalidade do ho-
mem moderno. Dentre elas, podemos citar:

• Ascensão da burguesia como classe social.


• Aparecimento do Estado Moderno.
• Descoberta do Novo Mundo.
• A Revolução Industrial e Comercial.
• A Reforma Protestante (Lutero).

Nessa época, �oresce, também, o Racionalismo, baseado na ciência moderna e com uma
nova maneira de ver a Natureza e os fenômenos humanos e sociais.

Racionalismo
“Doutrina que privilegia a razão dentre todas as faculdades humanas, considerando-a como fundamento de
todo o conhecimento possível. O racionalismo considera que o real é em última análise racional e que a ra-
zão é portanto capaz de conhecer o real e de chegar à verdade sobre a natureza das coisas” (JAPIASSÚ;
MARCONDES, 2008, p. 233).

Augusto Comte foi o responsável pela transformação e formação do Positivismo, cujo lema
era “ver para crer”. O caráter fundamental da Filoso�a Positivista é o princípio de que todos
os elementos estão sujeitos a leis naturais invariáveis. A “[...] sociedade humana é regulada
por Leis Naturais, [...] independentes da vontade e da ação do Homem”. As “Leis” que regu-
lam o funcionamento da vida social, econômica e política devem ser do mesmo tipo das
“Leis Naturais” (LANZA DE BARROS, 1998).

Para Comte, as Ciências Sociais deveriam utilizar o mesmo método das Ciências Naturais,
ou seja, o Método Cientí�co Experimental (Naturalismo Positivista). Comte fundou, pois, o
que denomina de “Física Social” – ciência que tem por objeto de estudo os fenômenos soci-
ais, considerando-os como do mesmo espírito que os fenômenos astronômicos, físicos,
químicos e biológicos. Trata-se de uma �loso�a cética, que procura estudar coisas práticas
e metódicas, como as leis que regem o homem, e não a criação do homem, por exemplo.

O Positivismo consolida a ordem pública pelo desenvolvimento de uma ideologia de con-


formismo, que passou a ser denominada de “Sábia Resignação”. Por exemplo: os assalaria-
dos e menos favorecidos economicamente tinham de ser convencidos do caráter natural e
invencível da concentração de riqueza nas mãos de alguns empresários. Isso deveria ser
entendido como uma ordem natural das coisas, uma espécie de destino inevitável e natu-
ral.

Comte entendia que não deveria haver luta de classes nem de interesses. Para ele, a socie-
dade só se desenvolveria se houvesse Ordem e Progresso. Pregava a “Harmonia Natural”
entre os indivíduos e o bem-estar do todo social (LANZA DE BARROS, 1998). Assim, o
Positivismo buscava justi�car, por meio das ciências naturais, os padrões burgueses e in-
dustriais na organização social.

Segundo Lanza de Barros (1998), os Fundamentos do Positivismo são:

1. Todos os elementos estão sujeitos a leis naturais invariáveis.


2. A sociedade humana é regulada por Leis Naturais.
3. As leis que regulam a vida humana devem ser as mesmas das “Leis Naturais”.
4. As ciências sociais deveriam utilizar o mesmo método das ciências naturais: o
Método Cientí�co Experimental.
5. O método empírico coloca que é necessário experimento para se comprovar a realida-
de.
6. Ideologia de conformismo (Sábia Resignação): destino inevitável e natural.
7. “Harmonia Natural”: não deveria haver luta de classes.
8. Um dos princípios básicos do Positivismo é a descrição.

Essa rápida contextualização do Positivismo mostra as bases em que a Geogra�a Moderna


se fundamenta, ou seja, numa corrente �losó�ca, que tem como princípios as “Leis da
Natureza”, a razão, e o método experimental (isto é, empírico, necessita de experimentos
para comprovação da realidade), relacionado à observação e descrição detalhada dos fenô-
menos estudados.

Em síntese, o Positivismo marca a ciência geográ�ca, seu objeto e método de estudo, esti-
pulando princípios e a�rmações máximas que estruturaram a Geogra�a Moderna.

A in�uência do positivismo na Geogra�a


Um dos princípios básicos do Positivismo é a descrição; assim, a Geogra�a passa a ser
uma ciência descritiva. “Para o positivismo, os estudos devem restringir-se aos aspectos
visíveis do real, mensuráveis, palpáveis” (MORAES, 2005, p. 39). Desse modo, passa a valer
a máxima: “A Geogra�a é uma ciência empírica, pautada na observação”.

A Geogra�a Tradicional vai preocupar-se com a enumeração e a classi�cação dos fatos,


tornando essa ciência enumerativa e exaustiva, sobretudo na sala de aula.

O Positivismo baseia-se na existência de um único método de interpretação, comum a to-


das as ciências, ou seja, não estabelece diferenças entre as ciências humanas e as ciências
naturais, o que leva à seguinte a�rmação: “[...] a Geogra�a é uma ciência de contato entre o
domínio da natureza e o da humanidade” (MORAES, 2005, p. 40).

De acordo com Moraes (2005), o homem passou, dessa forma, a ser visto como um elemen-
to da paisagem, reduzido a um fator, num conjunto de fatores. Tanto que a Geogra�a vai fa-
lar sempre em população e pouco em sociedade, buscando sempre a relação do homem
com a natureza, sem se preocupar com a relação entre os homens.

Outra a�rmação muito utilizada por geógrafos, com base no Positivismo, é a de que “a
Geogra�a é uma ciência de síntese" (MORAES, 2005). Sempre houve (de acordo com o pen-
samento positivista) uma preocupação em hierarquizar as ciências. Caberia, pois, à
Geogra�a relacionar e ordenar os conhecimentos produzidos por todas as demais ciências
(MORAES, 2005). Assim, tudo o que está relacionado ao estudo da superfície terrestre cabe-
ria à análise geográ�ca, desde a Física até a Sociologia. O fato de a Geogra�a ser considera-
da uma ciência de síntese revela a falta de uma delimitação de seu objeto de estudo, ou se-
ja, uma vacância e inde�nição do objeto.

Note que, mesmo que extremista, a ideia de que a Geogra�a era a “matriz” das ciências foi
uma grande propulsora na história da Geogra�a.

Segundo Moraes (2005), a Geogra�a Tradicional apoia-se em alguns princípios tidos por
inquestionáveis, os quais são:

1. Princípio da Unidade Terrestre: a Terra é um todo que só pode ser compreendido nu-
ma visão de conjunto.
2. Princípio da Individualidade: cada lugar tem uma feição que lhe é própria e que não
se reproduz de modo igual em outro lugar.
3. Princípio da Atividade: tudo na natureza está em constante dinamismo.
4. Princípio da Conexão: todos os elementos da superfície terrestre e todos os lugares se
inter-relacionam.
5. Princípio da Comparação: a diversidade dos lugares só pode ser apreendida pela con-
traposição das individualidades.
6. Princípio da Extensão: todo fenômeno manifesta-se numa porção variável do planeta.
7. Princípio da Localização: a manifestação de todo fenômeno é passível de ser delimi-
tada.

Esses princípios foram utilizados como uma verdadeira “receita de bolo” a ser seguida na
pesquisa cientí�ca. A generalidade dos princípios permitia um antagonismo nos posicio-
namentos metodológicos, estabelecendo uma falta de de�nição na metodologia a ser ado-
tada nessa ciência.

Os princípios e as a�rmações colocados à Geogra�a levam a uma inde�nição dessa ciên-


cia, que �cará marcada por sua dualidade. Temos como exemplo de dualismo na Geogra�a
Tradicional:

1. Geogra�a Física-Geogra�a Humana.


2. Geogra�a Geral-Geogra�a Regional.
3. Geogra�a Sintética-Geogra�a Tópica.
4. Geogra�a Unitária-Geogra�as Especializadas.

Isso revela a falta de resolução do problema do objeto ao nível teórico, pois ou se dá ênfase
aos fenômenos humanos, ou aos naturais; ou se trabalha com uma visão global do planeta
ou se avança na busca da individualidade de um dado lugar, e assim por diante.

A Geogra�a Tradicional surgiu baseada na corrente �losó�ca positivista; os princípios e


a�rmações máximas foram sendo incorporados a essa ciência sem uma discussão crítica,
da sua metodologia e/ou de seu objeto de estudo, sendo incorporadas como verdadeiras.

Conforme Moraes (2005, p. 44): “[...] se questionado e contestado esse apoio, viria a ruir o
edifício geográ�co. Assim, a assimilação acrítica das máximas e princípios teria por fun-
ção evitar que se rompesse a autoridade da Geogra�a”.

A difusão desses princípios e a�rmações máximas foi sendo repetida e ganhando caráter
verdadeiro pela disseminação de seu uso, e não por sua veracidade. Assim, a Geogra�a
Tradicional, baseada no Positivismo, “[...] serve mais para dizer o que não é Geogra�a, do
que para de�nir-lhe o objeto” (MORAES, 2005, p. 45).

Dessa forma, pode-se observar que a di�culdade em explicar o que é Geogra�a está relacio-
nada à corrente �losó�ca positivista, na qual o pensamento geográ�co se apoiou para se
constituir como ciência unitária. Esses princípios e máximas adotados pela Geogra�a
Tradicional prevalecem até os dias atuais, considerados, para muitos geógrafos, como ver-
dadeiros.

A partir dos anos 1960, são formuladas novas de�nições, que buscam fugir do positivismo
clássico (a Fenomenologia, o Estruturalismo, o Neopositivismo, o Marxismo, entre outras),
apontando novas di�culdades em se de�nir a matéria tratada por essa ciência.

De acordo com Moraes (2005, p. 46):

Os métodos de interpretação expressam posicionamentos sociais ao nível da ciência. A existência


da diversidade metodológica expressa o con�ito que reina numa sociedade de classes. À luta de
classes corresponde a luta ideológica, que tem, no domínio do conhecimento cientí�co, seu palco
privilegiado. A Geogra�a, aceitando-se este rótulo como o que denomina os estudos abarcados pe-
lo temário geral apresentado, sendo também uma emanação da prática social, não escapa a este
quadro. Toda tentativa de de�nir o objeto geográ�co que não leve em conta esta realidade é dissi-
muladora e ideológica. As diferenciadas propostas sempre veiculam conteúdos e interesses de
classe. Sendo a estrutura de classes contraditórias, as propostas serão necessariamente antagôni-
cas. [...] Sendo a sociedade de classes, logo con�ituosa, e sendo as ciências expressões dessa socie-
dade, como esperar que nelas reine a harmonia?
É interessante notar que várias “Correntes de Pensamento” ocorrem dentro da chamada
“Geogra�a Moderna”, tendo como base a Filoso�a Positivista. São elas:

• Corrente organicista: segundo ela, a sociedade foi organizada com base na analogia
orgânica, isto é, as diversas partes se unindo para formar o todo. A Geogra�a seria a
compreensão e a descrição do universo (o todo); deveria fazer uma espécie de resumo
de todas as outras ciências (síntese) – os expoentes dessa corrente foram os alemães:
Humboldt (naturalista) e Ritter (geógrafo de gabinete e historiador).
• Corrente evolucionista: adota, ainda, a “analogia orgânica”; porém, acredita-se que há
na natureza uma luta pela vida e a evolução das espécies (inclusive a humana) se dá
por meio da seleção natural (apoia-se na obra de Charles Darwin) – postura “�nalista-
fatalista” (tudo nasce, cresce e morre). Aparecem, nessa corrente, a Teoria do
Determinismo Geográ�co (o homem é determinado pelo meio em que vive), a Teoria
do Espaço Vital (as nações devem lutar pelo domínio do Espaço) e da Geopolítica.
Bastante in�uenciadas pela Biologia e as Teorias Biológicas – o expoente dessa cor-
rente foi Ratzel.
• Corrente possibilista (Funcionalista): os geógrafos passaram a criticar todas as apli-
cações de teorias darwinistas e organicistas para estudar a realidade geográ�ca. Os
geógrafos possibilistas partem para criar uma Geogra�a empirista, buscando a reali-
dade geográ�ca nos próprios fatos geográ�cos. Adotam o conceito de “gênero de vida”
(a sociedade vive em harmonia com a natureza e não em competição com ela). Essa
corrente é traduzida pela denominada “Geogra�a Francesa”, tendo como seu principal
expoente o francês Paul Vidal de La Blache.

Vejamos, no Quadro 1, um resumo das correntes da �loso�a moderna:

Quadro 1 Geogra�a Moderna: contexto geral.

Geogra�a FASE CORRENTE PRINCIPAIS PRECURSORES ESCOLA


Moderna FILOSÓFICA CARACTERÍSTICAS
Baseada na
    Visão organicista. Humboldt.  
Filoso�a
1ª Organicismo Descrição e compreen- Ritter. Alemã
Positivista
são do universo.
Valorização
do "Método     Determinismo F. Ratzel.
Cientí�co 2ª Evolucionismo Geográ�co.
Experimental" Espaço Vital.
Geopolítica
(Antropogeogra�a).
    Neutralidade cientí�- Paul Vidal de  
3ª Possibilismo ca. La Blache. Francesa
Estudo das Paisagens.
Conceito de Região.
Conceito de Gênero de
Vida.

 Fonte: Godoy Camargo (2000, n. p).

Até aqui, vimos que a Geogra�a se estrutura apoiada na corrente �losó�ca positivista e no
racionalismo. A Geogra�a Moderna dividiu-se em três correntes principais: a Organicista,
a Evolucionista e a Possibilista; porém, todas têm a mesma base, os ideais do Positivismo.

Nos tópicos a seguir, estudaremos como ocorreu a sistematização da Geogra�a, as princi-


pais correntes do pensamento geográ�co e os pensadores que surgiram nesse período e
que vão compor a chamada “Geogra�a Moderna”.

4. Geogra�a como Ciência Sistematizada


A sistematização da geogra�a como ciência só ocorre no século 19. Até então, o conteúdo a
ela referido era bastante variado e disperso, ou seja, não era padronizado, sem unidade te-
mática e continuidade nas formulações.

Somente por volta de 1800, a sociedade está organizada de tal maneira a permitir a forma-
ção e a estruturação dessa ciência de forma unitária. É, também, nesse momento, que as
condições históricas estavam su�cientemente maturadas, sobretudo pela constituição do
sistema capitalista.

Podemos destacar, segundo Moraes (2005), como pressupostos históricos para a sistemati-
zação da ciência geográ�ca:

• Conhecimento efetivo da extensão real do planeta – o que permitiu o conhecimento


unitário da Terra: a dimensão e forma real dos continentes. O que foi a concepção fun-
damental para a re�exão geográ�ca. Isso só foi possível com as “grandes navegações”,
com a descoberta de novos continentes e com a constituição de um espaço mundial, o
que leva à transição do Feudalismo para o Capitalismo.
• Existência de um repositório de informações sobre variados lugares da Terra, o que
possibilita a formação de uma base empírica para a comparação em Geogra�a, favore-
cendo ao estudo dos lugares e da diversidade da superfície terrestre. Isso só foi permi-
tido com a formação dos impérios coloniais, pela apropriação de territórios e aprofun-
damento no conhecimento de suas características, por meio de expedições explorado-
ras e expedições cientí�cas.
• Aprimoramento das técnicas cartográ�cas (instrumento fundamental para o geógra-
fo), que traz a possibilidade de representação dos fenômenos observados e da locali-
zação dos territórios. A Cartogra�a foi essencial para a expansão do comércio, especi-
almente com o aparecimento de uma economia global e navegações.

Todos os pressupostos elencados anteriormente para o aparecimento de uma Geogra�a


unitária são de caráter materialista, que surgem do processo de avanço e domínio das rela-
ções capitalistas. Existem outros pressupostos, mas que estão relacionados ao campo das
ideias, da evolução do pensamento cientí�co. Como aponta Moraes (2005, p. 53), “[...] tais
pressupostos implicavam a valorização dos temas geográ�cos pela re�exão da época [...]",
assim, na transição do Feudalismo para o Capitalismo, surge um movimento ideológico, de
grandes mudanças no plano �losó�co e cientí�co.

De acordo com Moraes (2005), as principais contribuições no campo ideológico à ciência


geográ�ca são:

1. As correntes �losó�cas do século 18: explicação racional do mundo (positivismo e ra-


cionalismo).
2. O Iluminismo, com seus pensadores e políticos: que discutem as formas de poder e de
organização do Estado, as formas de representação e a extensão do território de uma
sociedade.
3. Os trabalhos desenvolvidos pela Economia Política: responsável pela análise siste-
mática de fenômenos da vida social.
4. As teorias do Evolucionismo (Darwin e Lamarck): estas falam do papel desempenha-
do pelas condições ambientais na evolução das espécies, o que leva ao surgimento de
várias teorias na geogra�a e, também, da metodologia naturalista.

Dessa forma, observamos os fatores históricos que levaram a formação da Geogra�a como
uma ciência particular, autônoma, o que propiciou sua efetivação como um corpo de co-
nhecimentos sistematizado.

Todo esse processo de sistematização da Geogra�a ocorreu pela própria implantação do


modelo de produção capitalista. No entanto, embora o processo de transição do
Feudalismo para o Capitalismo ocorra em toda a Europa, ele não se deu de forma homogê-
nea. Cada país desenvolve o capitalismo no seu ritmo e com características próprias.

Observe que é dessa diferenciação no desenvolvimento do capitalismo, da singularidade


com que ele vai se dar em cada região que nascerá a Geogra�a. Para Moraes (2005, p. 57):
“A Geogra�a será �lha de uma destas singularidades. Aquela da via particular do desenvol-
vimento do capitalismo na Alemanha, sem a qual não se pode compreender a sistematiza-
ção da Geogra�a”.
Surgimento da Geogra�a
A Geogra�a surge na Alemanha, por meio dos autores Humboldt e Ritter, que estabeleceram uma linha de
continuidade nesta disciplina, e são considerados os “pais” da Geogra�a Moderna.

Foi na Alemanha, em 1870, que apareceram os primeiros institutos e universidades dedi-


cadas a esta disciplina; é de lá que vêm as primeiras teorias e as primeiras propostas me-
todológicas. Segundo Moraes (2005), é lá que se formam as primeiras correntes de pensa-
mento. Desse modo, a Alemanha tornou-se o centro de desenvolvimento da ciência geo-
grá�ca.

Sistematização da Geogra�a Moderna: Humboldt e Ritter


A Geogra�a tem sua sistematização na Alemanha. A situação interna histórica apresenta-
da por esse país, que teve uma penetração tardia no sistema capitalista e em sua estrutura-
ção como Estado Nacional, propicia discussões entre pensadores e �lósofos que levarão ao
surgimento da Geogra�a como ciência unitária.

Analisando a situação em que se encontrava a Alemanha no início do século 19, observa-


mos que o país não existia enquanto tal, pois ainda não havia se constituído como Estado
Nacional.

A Alemanha da época era, portanto, um aglomerado de feudos; não existia uma unidade
econômica e política, ou seja, não havia um governo centralizado. O poder estava nas mãos
dos proprietários de terras, e era localmente absoluto – a estrutura feudal permanecia in-
tacta. Foi nesse quadro que as relações capitalistas penetraram, sem romper com a ordem
dominante (MORAES, 2005). A burguesia alemã se desenvolvera apoiada no Estado, que,
por sua vez, era comandado pela aristocracia. A uni�cação do país teve um primeiro ato,
com a formação da Confederação Germânica, em 1815, que congregou todos os principados
alemães e os reinos da Áustria e da Prússia.

Após essa rápida caracterização da situação política e econômica da Alemanha, é impor-


tante saber que, na virada do século 19, veremos os fatores que levaram à eclosão da
Geogra�a nessa região. Como expõe Moraes (2005, p. 61):
[...] a falta da constituição de um Estado Nacional, a extrema diversidade entre os vários membros
da Confederação, a ausência de relações duráveis entre eles, a inexistência de um centro organiza-
dor do espaço, ou de um ponto de convergência das relações econômicas, - todos esses aspectos
conferem à discussão geográ�ca uma relevância especial para as classes dominantes da
Alemanha no início do século XIX. Temas como domínio e organização do espaço, apropriação do
território, variação regional, entre outros, estarão na ordem do dia na prática da sociedade alemã
da época. É, sem dúvida, deles que se alimentará a sistematização geográ�ca. [...] A Geogra�a sur-
ge na Alemanha, onde a questão do espaço era a primordial.

Como se vê, a Geogra�a nasce na Alemanha para responder a duas necessidades básicas:
a uni�cação do território e a conquista de um lugar privilegiado para a Alemanha no con-
junto das demais nações. Ela se apresenta como uma possibilidade, para aquele momento,
de resolver a problemática do espaço, que é vital para quem discute poder (LANZA DE
BARROS, 1998).

Desse modo, de acordo com Lanza de Barros (1998, p. 80): “A Geogra�a manifesta-se então
como reação de uma sociedade atrasada, que se coloca em disputa com outras nações, ela
encarna uma necessidade política e, por isso, é tão bem aceita”.

Os alemães sentiram que a Revolução Burguesa era necessária à modernização do país e,


por essa razão, tinham certa simpatia com a Revolução Francesa. Os intelectuais alemães
acompanharam o movimento social francês com entusiasmo, porque perceberam que, sob
inspiração dele, seria possível modernizar política e economicamente a Alemanha
(LANZA DE BARROS, 1998). No entanto, a Alemanha estava vivendo outra realidade social,
sendo fortemente marcada pelo Romantismo e pelo Idealismo (que caracterizam a �loso�a
alemã).

Romantismo e Idealismo
“Romantismo corresponde a uma Doutrina �losó�ca, que do �nal do século XVIII até metade do século XIX,
em reação contra o racionalismo da Filoso�a das Luzes, põe-se a depreciar os valores racionais e enaltecer
a imaginação, a intuição e a paixão. Ao privilegiar o sentimento da natureza, como em Rousseau, e certa
forma de religiosidade, o romantismo �losó�co, representado na Alemanha, por Fichte, Schlegel e Schelling,
passou a ser considerado como um recurso nos momentos de crise do racionalismo” (JAPIASSÚ;
MARCONDES, 2006, p. 242). Já o termo Idealismo engloba, “na história da �loso�a, diferentes correntes de
pensamento que tem em comum a interpretação da realidade do mundo exterior ou material em termos do
mundo interior, subjetivo ou espiritual. Do ponto de vista da problemática do conhecimento, o idealismo im-
plica a redução do objeto do conhecimento ao sujeito conhecedor; e, no sentido ontológico, equivale a redu-
ção da matéria ao pensamento ou ao espírito” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2006, p. 139).

Assim, a sistematização da ciência geográ�ca, a chamada “Geogra�a Moderna”, deu-se por


dois intelectuais alemães, pertencentes à classe dominante de seu país, que vivenciavam,
ainda, o clima histórico da uni�cação alemã e do desenvolvimento capitalista tardio da
Alemanha. Segundo Moraes (2005), são eles:
• Alexandre Von Humboldt: nascido em 1769, conselheiro do rei da Prússia, com forma-
ção em geologia e botânica, de uma formação naturalista e com inúmeras viagens re-
alizadas.
• Karl Ritter: nascido em 1779, tutor de uma família de banqueiros, bastante religioso,
tem formação em Filoso�a e História.

Vale ressaltar que Alexandre Von Humboldt e Karl Ritter ocuparam altos cargos da hierar-
quia universitária alemã e que ambos morreram em 1859.

A Geogra�a Moderna surgiu, assim, com esses dois intelectuais, como aponta Moreira
(1994, p. 26, grifos nossos): “[...] a geogra�a que temos hoje em nossas escolas e universida-
des é a geogra�a por eles sistematizada, sob a versão que lhe dará a ‘escola francesa’ nos
�ns do século XIX e início do século XX”.

Vejamos, agora, a contribuição que esses dois grandes intelectuais trouxeram à ciência ge-
ográ�ca.

Alexandre Von Humboldt

De acordo com Moraes (2005, p. 64): “A Geogra�a de Humboldt busca abarcar todo o globo
sem privilegiar o homem”.

Suas principais obras foram Quadros da natureza e Cosmos, nas quais se propunha a des-
crever paisagens, ambas publicadas no primeiro quartel do século 19. Vejamos um trecho
retirado do prefácio da obra Cosmos, publicada em 1844:
[...] Os conhecimentos especiais, pelo próprio encadeamento das coisas, assimilam-se e
fecundam-se mutuamente. Quando a Botânica descritiva não �ca circunscrita aos estreitos limi-
tes do estudo das formas e de sua reunião em gêneros e em espécies, ela conduz o observador que
percorre, sob diferentes climas, vastas extensões continentais, montanhas e planaltos, às noções
fundamentais da "Geogra�a das Plantas", à explicação da distribuição dos vegetais, de acordo com
a distância do Equador e com a elevação do acima do nível dos mares. Ora, para compreender as
causas complicadas das leis que regulam esta distribuição, é preciso aprofundar os conhecimen-
tos das variações da temperatura que o solo irradia e do oceano que envolve o globo. É assim que o
naturalista, ávido de instrução, é conduzido de uma esfera de fenômenos a uma outra esfera que
limita os efeitos daquela. A Geogra�a das plantas, cujo nome era praticamente desconhecido há
meio século, apenas ofereceria uma nomenclatura árida e desprovida de interesse se ela não fosse
esclarecida pelos estudos meteorológicos.

Nas expedições cientí�cas, poucos viajantes tiveram, na mesma proporção que eu próprio, a van-
tagem de ter não somente visto as costas litorâneas, como ocorre nas viagens em torno do mundo
mas, também, a de haver percorrido o interior de dois grandes continentes em extensões conside-
ráveis, e naqueles lugares em que esses continentes apresentam os contrastes mais chocantes, a
saber, a paisagem tropical e alpina do México ou da América do Sul, e a paisagem das estepes da
Ásia boreal. Empreendimentos dessa natureza tiveram por resultado, em razão da tendência do
meu espírito para as tentativas de generalização, a vivi�cação de minha coragem, e o excitamento
a correlacionar, em uma obra à parte, os fenômenos terrestres e aqueles que incluem os espaços
celestes.

A composição de uma tal obra, se ela aspira a juntar ao mérito de fundo cientí�co aquele da forma
literária, apresenta grandes di�culdades. Trata-se de levar a ordem e a luz à imensa riqueza dos
materiais que se oferece, à re�exão, sem tirar dos quadros da natureza o sopro que os vivi�ca; pois
se nos limitássemos a oferecer resultados de caráter geral, arriscar-nos-íamos a sermos tão mo-
nótonos, quanto através da exposição de uma imensa quantidade de fatos particulares. Eu não ou-
so me gabar de ter satisfeito a essas condições tão difíceis de serem satisfeitas, e de ter evitado as
di�culdades cuja existência apenas posso mostrar [...] (TONYSPEDU-GEOGRAFIA, 2010).

Cosmos foi sua obra mais importante. Tendo cinco volumes, o material �nal foi concluído
quando Humboldt estava com 86 anos.

A visão da geogra�a apresentada por esse pensador representa uma síntese de todos os
conhecimentos relativos à Terra.

Para ele, a de�nição de objeto geográ�co seria: “[...] a contemplação da universidade das
coisas, de tudo que coexiste no espaço concernente a substâncias e forças da simultanei-
dade dos seres materiais que coexistem na Terra” (HUMBOLDT apud MORAES, 2005, p. 62).

Ainda segundo Humboldt (apud MORAES, 2005, p. 62), caberia à Geogra�a:


[...] reconhecer a unidade na imensa variedade dos fenômenos, descobrir pelo livre exercício do
pensamento e combinado as observações, a constância dos fenômenos em meio às suas variações
aparentes.

Assim, a Geogra�a seria uma disciplina sintética, preocupada com a conexão entre os ele-
mentos e buscando, por meio dessas conexões, a causalidade existente na natureza.

Como expõe Andrade (1987), comparando a distribuição do relevo, do clima e das associa-
ções vegetais em várias latitudes, Humboldt analisou a interação entre esses elementos,
estabelecendo causas e efeitos, o que levou a formação do princípio da causalidade, tão ca-
ro aos geógrafos da primeira metade do século 20.

Seu método, denominado “Método Cientí�co Experimental”, prevê a intuição por meio da
observação: o geógrafo deveria contemplar a paisagem e obteria uma “impressão” que, ali-
ada a seus elementos e componentes, levaria à explicação.

Vida e obra de Humboldt


Vejamos, a seguir, algumas curiosidades acerca da vida e da obra de Humboldt:
1. Percorreu a América: passou por Cuba, Colômbia, Equador, Peru, México e Estados Unidos, onde fez análi-
ses geológicas da costa do Pací�co.
2. Andou cerca de 65.000km e recolheu mais de sessenta mil espécies de plantas.
3. Iniciou a publicação da obra “Voyage de Humboldt et Bonpland aux régions équinoxiales du nouveau
continent”, em trinta volumes.
4. Gastou a maior parte da fortuna que herdou nas suas viagens e na publicação de suas obras.
5. Foi o primeiro a empregar isotermas para representar regiões de temperaturas iguais e a demonstrar a di-
minuição de intensidade magnética do polo ao Equador.
6. Em sua época, foi um dos maiores pesquisadores das camadas da terra, do vulcanismo e das correntes
marítimas, entre as quais a que ganhou seu nome.
7. Seus estudos sobre a distribuição das plantas e a descrição de novos animais foram fundamentais ao de-
senvolvimento da �togeogra�a, à zoologia e às ciências humanas, além dos estudos arqueológicos, históri-
cos e etnográ�cos sobre o continente americano.
8. Não foi insensível aos dramas humanos que presenciou no Novo Mundo. Indignou-se com o �agelo da
escravatura e interessou-se pelas culturas indígenas e pelos estudos antropológicos e etnográ�cos.
9. Faleceu em Berlim aos 90 anos (UNIFRA, 2010).

Karl Ritter

Para Moraes (2005, p. 64): “A Geogra�a de Ritter é regional e antropocêntrica”.

A principal obra de Karl Ritter foi a Geogra�a Comparada, em 19 volumes, por meio da qual
propõe uma Geogra�a normativa e explicitamente metodológica. Vejamos o trecho a se-
guir, que comenta o caráter de sua obra:
A "Geogra�a Geral Comparada", cujo primeiro volume completo foi editado em 1822, reconhecida-
mente sua principal obra, obtém grande repercussão no meio acadêmico europeu, possuindo tra-
duções para o francês, inglês e russo; resultando em grande prestígio acadêmico, tornando seus
cursos muito concorridos.

A obra de Ritter tem toda sua produção voltada para o conhecimento geográ�co, principalmente,
no trabalho de ordenamento das informações e as colocações normativas do método. Assim, o
principal objetivo de Ritter era "estabelecer as bases de um saber organizado e metodologicamente
rigoroso" (GOMES, 2000, p. 163 apud NASCIMENTO; BAUAB, 2010, p. 9-10).

Ainda de acordo com Gomes (2000 apud NASCIMENTO; BAUAB, 2010, p. 11-12):

[...] uma das peculiaridades mais marcantes do pensamento desenvolvido por Ritter é a busca de
uma ordem geral, de uma harmonia que de�niria a �nalidade de toda a pesquisa. Desta forma, ca-
beria à ciência o resgate de uma coerência metafísica através da harmonia da natureza. A partir
disso, entendia-se que a harmonia e simplicidade funcional encontrada nas plantas e animais era
re�etiria a ordem, harmonia da Terra. A Geogra�a deveria estudar as leis da harmonia geral, de
maneira que a análise dos fenômenos terrestres e sua distribuição espacial deveria contemplar a
concepção de uma organização geral [...] (NASCIMENTO; BAUAB, 2010, p. 11-12).

Sua visão de Geogra�a valoriza a relação homem-natureza. Por isso, segundo Costa e
Rocha (2010, p. 30), Ritter “[...] tinha um profundo interesse na história, entendendo que a
mesma estava bastante próxima da geogra�a. Compreendia que as relações espaciais não
podem prescindir de uma relação temporal”.

Além dessas contribuições, esse autor de�niu o conceito de Sistema Natural como área de-
limitada, dotada de uma individualidade. Para ele, a Geogra�a é um estudo dos lugares,
uma busca da individualidade de um Sistema Natural.

Ritter tinha uma grande religiosidade, acreditava que a ciência era uma forma de relação
entre o homem e o “criador”. Desse modo:

[...] caberia a Geogra�a explicar a individualidade dos sistemas naturais, pois nela se expressaria o
desígnio da divindade ao criar aquele lugar especí�co. A meta seria chegar a uma harmonia entre
a ação humana e os desígnios divinos, manifestos na variável natureza dos meios (MORAES, 2006,
p. 63).

Assim, ele acreditava que haveria uma �nalidade na natureza – logo, uma predestinação
dos lugares; a natureza existe com a �nalidade de servir o homem.

É válido saber, também, que a proposta de Ritter é antropocêntrica (o homem é o sujeito da


natureza) e regional (aponta para o estudo de individualidades) e que seu método é o
Método Cientí�co Experimental (MORAES, 2005).

Finalmente, para Ritter, é necessário caminhar de “observação em observação”.

Desse modo, Humboldt e Ritter, mesmo que conferissem pesos diferentes à natureza e ao
homem, veem a Geogra�a como a totalidade das coisas naturais e humanas, na qual os ho-
mens vivem e sobrevivem (MOREIRA, 1994).

Vida e obra de Karl Ritter


Vejamos, a seguir, algumas curiosidades acerca da vida e da obra de Karl Ritter:
1. Nasceu em Quedlinburg, então pertencente à Prússia.
2. Um dos seis �lhos do médico F. W. Ritter.
3. Foi educado na Instituição Schnepfenthal.
4. Protegido por um banqueiro de Frankfurt, entrou para a universidade em 1798 onde estudou ciências na-
turais, história e teologia por cinco anos. Esteve em Göttingen (1814-1819) e depois de ensinar História em
Frankfurt (1819), assumiu a cátedra de história da Universidade de Berlim (1820), na qual se manteve até o
�m da vida.
5.  Professor na Universidade de Berlim, publicou seu primeiro trabalho sobre geogra�a, uma série de seis
mapas sobre a Europa, talvez o primeiro atlas físico da história em 1806, que seria atualizado em 1811.
6. Foi o fundador da Sociedade Geográ�ca de Berlim e considerava-se um discípulo e continuador do geó-
grafo Alexander von Humboldt (DEC.UFCG, 2010).

Apesar das diferenças no que se refere ao ponto de partida e ao ponto de chegada entre
Humboldt e Ritter, para Moreira (2008b), os dois tem em comum a concepção holista em
suas análises geográ�cas.

Enquanto Ritter vai do todo – a superfície terrestre – à parte – o recorte da individualidade


regional – de modo a daí voltar ao todo para vê-lo como um todo diferenciado em áreas, Humboldt
vai do recorte – a formação vegetal – ao todo – o planeta Terra -, de modo a voltar a geogra�a das
plantas como o elo costurador da unidade do entrecortado das paisagens, ambos se valendo do
método comparativo e do princípio da corologia (MOREIRA, 2008, p. 22).

A Geogra�a desenvolvida por esses dois autores (a linha de pensamento proposta por eles)
contribuiu para a sistematização da ciência geográ�ca e serviu de base para os novos estu-
diosos, que se utilizaram das obras de Ritter e de Humboldt, para as complementarem, ou
mesmo para contestá-las e proporem novas linhas de pesquisa na Geogra�a.

Por �m, vale ressaltar que, analisar as obras e per�s desses dois intelectuais, Humboldt e
Ritter, auxilia na compreensão da geogra�a da época. Isso, consequentemente, ajudará na
compreensão da Geogra�a Moderna.

Ratzel e a Antropogeogra�a
Friedrich Ratzel tornou-se respeitado por ter dado maior ênfase ao homem na sua formu-
lação geográ�ca. Também, alemão e prussiano, é com ele que o comprometimento da geo-
gra�a com os desígnios imperialistas da burguesia alemã se mostra com maior transpa-
rência (MOREIRA, 1994).

Para Moreira (1994, p. 31), “[...] a geogra�a ratzeliana é a ideologia do imperialismo alemão,
mas seu fundo é a ideologia comum a todo imperialismo”.

As ideias de Ratzel re�etem, também, o contexto político e econômico em que a Alemanha


vivia no período. Enquanto Humboldt e Ritter vivenciaram o aparecimento do ideal da uni-
�cação alemã, Ratzel situa-se no contexto da constituição real do Estado nacional alemão
e suas primeiras décadas. Assim, a Geogra�a de Ratzel foi um instrumento poderoso de le-
gitimação dos desígnios expansionistas do Estado alemão recém-constituído (MORAES,
2005).

A Alemanha, por apresentar uma uni�cação tardia, não participou das conquistas territo-
riais da época das grandes navegações e do descobrimento de novas terras; desse modo,
não possuiu nenhuma colônia de seu domínio, diferentemente dos demais países euro-
peus. Criou-se, pois, a necessidade de um expansionismo no país, a �m de anexar novos
territórios para poder se igualar aos países vizinhos. Surgiu, assim, o estímulo para pensar
o espaço; logo, para fazer Geogra�a.

A principal obra de Ratzel foi Antropogeogra�a – fundamentos da aplicação da Geogra�a à


História, publicada em 1882. Muitos pesquisadores a apontam como fator marcante para a
fundação da Geogra�a Humana – sendo assim, de extrema importância para o desenvolvi-
mento do pensamento geográ�co.

Segundo Ratzel, a de�nição do objeto geográ�co é o estudo da in�uência que as condições


naturais exercem sobre a humanidade. A in�uência da natureza se daria tanto na �siolo-
gia como na psicologia dos indivíduos e, por meio destes, na sociedade. A natureza tam-
bém atuaria na possibilidade de expansão de um povo, obstaculizando-a ou acelerando-a
(MORAES, 2005).

Ratzel realizou formulações de leis que explicavam as relações entre o homem e o meio
natural, indicando, por exemplo, que “[...] as diferenças existentes entre os povos e civiliza-
ções resultaram [...]” do relacionamento existente entre eles ao longo dos tempos
(ANDRADE, 1987, p. 85).

Foi de grande importância para a Geogra�a, e para outras ciências, a publicação da obra de
Charles Darwin A origem das espécies, publicada no ano da morte de Humboldt e Ritter,
em 1859 e, mais especi�camente, a leitura que Herbert Spencer, sociólogo, fez dessa obra, o
que serviria de base para as teorias desenvolvidas por Ratzel.
A partir dessa teoria, Ratzel passa a enxergar a sociedade e interpretá-la como um organis-
mo vivo. Ele considerou o homem como parte da espécie animal e não como um elemento
social. Assim, ele tentou explicar a evolução da humanidade sob os postulados de Charles
Darwin: a evolução se processaria por meio da luta entre as várias espécies, vencendo as
mais capazes na sua adaptação ao meio natural. A teoria de seleção natural das espécies,
de Darwin, é, pois, a fonte das ideias de Ratzel, uma vez que a luta é basicamente pelo espa-
ço.

Moreira (1994, p. 32) faz uma síntese do pensamento de Ratzel, em que mostra a interpreta-
ção que o pensamento ratzeliano dará ao Homem, a Sociedade e ao Estado:

Assim, dirá Ratzel, o homem, em todos os seus planos de existência, tanto mental como civilizató-
rio, é o que determina seu meio natural (teoria do determinismo geográ�co). Como na luta das es-
pécies pelo domínio de espaço que contém sua nutrição, os homens organizam-se em Estados pa-
ra os quais o espaço é fonte de vida (teoria do espaço vital). A cadeia do raciocínio em Ratzel é li-
near: os homens agrupam-se em Sociedade, a Sociedade é o Estado, o Estado é um organismo. A
Sociedade e o Estado são o fruto orgânico do determinismo do meio. O Estado é a expressão orgâ-
nica do ‘determinismo geográ�co’. O Estado é um organismo em parte humano e em parte terres-
tre. É a forma concreta que adquire em cada canto a relação homem-meio (MOREIRA, 1994, p. 33).

Com base nessas ideias, podemos observar duas teorias formuladas por Ratzel: a primeira
referente ao determinismo geográ�co, em que o meio ambiente determina a formação do
homem, tanto suas características físicas como psicológicas (caráter). A segunda é a de
que o homem pouco poderia fazer perante a Natureza; deveria sempre predominar o mais
forte – tanto nas relações Homem x Natureza como nas relações entre as classes sociais.
Como complementa Moraes (2005, p. 70):

[...] para Ratzel, a sociedade é um organismo que mantém relações duráveis com o solo, manifes-
tas, por exemplo, nas necessidades de moradia e alimentação. O homem precisaria utilizar os re-
cursos da natureza para conquistar sua liberdade.

Nas palavras de Ratzel (apud MORAES, 2005, p. 70): “[...] é um dom conquistado a duras pe-
nas”.

A ocupação do território passa a ser uma conquista, a sociedade organiza-se para defender
o território e transforma-se, assim, em Estado. Dessa forma, a segunda teoria formulada
por Ratzel é a do Espaço Vital, que delega ao Espaço fundamental importância para o de-
senvolvimento das Sociedades Humanas (Estados). Dessa forma, os Estados (sociedades
humanas – nações) devem lutar pelo domínio do Espaço (MORAES, 2005).

Paul Vidal de La Blache e a Gênese da Geogra�a Tradicional


A denominada “Escola Francesa de Geogra�a” nasceu no contexto produzido pela derrota
da França para a Alemanha na Guerra Franco-Prussiana, em 1870 (Figura 1). A Alemanha,
que saiu vitoriosa, tomou da França duas importantes províncias, a Alsácia e a Lorena (ri-
cas em carvão mineral).

Figura 1 Guerra Franco-Prussiana: localização da Alsacia e Lorena.

A França viu-se, pois, na necessidade de reconquistar a imagem de grande potência, por


meio da recuperação territorial e expansão colonial e, também, de repensar o “Espaço”,
bem como desenvolver uma disciplina que fornecesse fundamentos teóricos para o expan-
sionismo francês. Assim, como aponta Moraes (2005, p. 77):

[...] a guerra havia colocado, para a classe dominante francesa, a necessidade de pensar o espaço,
de fazer uma Geogra�a que deslegitimasse a re�exão geográ�ca alemã e, ao mesmo tempo, forne-
cesse fundamentos para o expansionismo francês.

Desse modo, a Geogra�a passa a ter o apoio deliberado do Estado, sendo esta disciplina le-
vada às Universidades e em todas as séries do ensino básico. Foram criadas, também,
Cátedras e Institutos de Geogra�a.

Os franceses, ao re�etirem sobre a Geogra�a Alemã desenvolvida por Ratzel e seus discí-
pulos, perceberam que esta legitimava a ação imperialista do Estado (Teoria do Espaço
Vital) – tratava-se, pois, de uma necessidade para a França tentar combatê-la. Porém, a
Geogra�a no território francês encontrava-se, ainda, em grande atraso – havia, então, a ur-
gência de elevá-la a ciência, como �zera a Escola Alemã de Geogra�a. Logo, a Escola
Alemã passou a ser um espelho para a Geogra�a Francesa.

O grande artí�ce desse empreendimento e, também, o verdadeiro iniciador da Geogra�a


Francesa é Paul Vidal de La Blache (1845-1918), historiador e liberal ligado ao Estado e o
primeiro a ocupar uma Cátedra de Geogra�a na Universidade da França.

O francês Paul Vidal de La Blache passou a estudar profundamente os trabalhos dos ale-
mães (sobretudo o de Ratzel), os quais são assimilados sob a visão e a reação francesa con-
tra o imperialismo germânico. Desses estudos resultaram críticas profundas aos trabalhos
já mencionados.

Observe, no Quadro 2, as principais críticas feitas por La Blache aos postulados da Escola
Alemã.

Quadro 2 Principais críticas feitas por La Blache aos postulados da Escola Alemã.

Politização explícita ·  as teses tratadas pela Geogra�a Alemã eram eminentemente


da Escola Alemã de políticas;
Geogra�a ·  condenou a vinculação entre o pensamento geográ�co e a defe-
  sa de interesses políticos;
·  pregou a necessidade da “neutralidade” do discurso cientí�co;
·  os temas relativos à Teoria do Espaço Vital foram duramente
criticados, como o próprio expansionismo alemão.

Caráter eminentemen- ·  crítica à minimização do elemento humano que aparecia como


te naturalista da um ser passivo nas teorias de Ratzel;
Escola Alemã ·  passou a valorizar a “História” e a importância do Homem;
  ·  apesar de La Blache aumentar a carga humana do estudo geo-
grá�co, este autor não rompeu totalmente com uma visão natu-
ralista, pois diz explicitamente: "a Geogra�a é uma ciência dos
lugares, não dos homens".

Crítica à concepção ·  criticou a concepção fatalista e mecanicista da relação entre os


Determinista/Finalista homens e a natureza, indo contra a ideia de determinação da
da Escola Alemã História pelas condições naturais;
  ·   passou a falar em “possibilidades” do homem em relação à
Natureza.

Fonte: Moraes (2005).

Por meio dessas críticas (Quadro 2), La Blache construiu a sua proposta do que seria, então,
a Geogra�a, articulando, pois, a denominada “Escola Francesa de Geogra�a”.

Note que a eclosão da Geogra�a na França em 1870 se deu especialmente pela �gura de
Paul Vidal de La Blache, que trouxe novas concepções e procurou ir além das enumerações
exaustivas e dos relatos de viagem.

Segundo Moreira (2008b, p. 36), com “[...] La Blache, tem início a fase da Geogra�a que irá
difundir-se como tal, no século XX, chegando a nós até hoje”.
Ainda segundo Moreira (2008b), o pensamento de La Blache, a partir de suas três princi-
pais obras, Quadros de geogra�a da França (1903), Princípios de Geogra�a Humana (1922) e
A França de Leste (1917), pode ser organizado em três diferentes momentos.

O primeiro momento se dá com a publicação da obra Quadros de geogra�a da França em


1903, no qual funda a Geogra�a Regional, por meio do estudo da identidade da França a
partir de suas diferenciações regionais. Nessa obra, materializa-se o conceito de região

[...] como um recorte dotado de singularidade, caso de síntese dos fenômenos físicos e humanos –
a famosa síntese regional – que só no recorte espacial em que se faz, faz-se de um modo próprio e
singular, não se repetindo em outro recorte regional da superfície terrestre (MOREIRA, 2008b, p.
36).

O segundo momento é representado na obra póstuma e incompleta intitulada Princípios de


Geogra�a Humana (1922), na qual o autor estuda as paisagens das diferentes civilizações,
com base na relação do homem com o seu meio, no qual se destaca a categoria gênero de
vida (MOREIRA, 2008b).

E a obra A França de Leste (1917), considerada um texto de caráter geopolítico, na medida


em que analisa a especi�cidade da região fronteiriça entre França e Alemanha.

Vejamos, agora, algumas das principais características do seu pensamento.

Para Vidal de La Blache (1913, p. 38), o “objeto” da Geogra�a é a relação homem-natureza,


na perspectiva da paisagem. Assim, o Homem (sociedade) é um ser ativo que sofre a in-
�uência do Meio Ambiente (Natureza), mas, ao mesmo tempo, dependendo das condições
técnicas e disposição de capital, pode atuar sobre a Natureza modi�cando-a. Portanto, nes-
se processo de trocas mútuas entre o Homem e a Natureza, esta acaba sendo transformada
por aquele, que cria “formas” sobre a superfície terrestre, as quais são consideradas a “obra
geográ�ca do homem”.

O princípio da unidade terrestre, da terra como um todo, era um ponto central para a�rma-
ção da ciência geográ�ca. No texto As características próprias da Geogra�a, La Blache
(1913, p. 38) a�rmava que:

Geogra�a compreende, por de�nição, o conjunto da Terra. Este foi o mérito dos matemáticos-
geógrafos da antigüidade (Eratóstenes, Hiparco, Ptolomeu), o de colocar em princípio a unidade
terrestre, o de fazer prevalecer esta noção acima das descrições empíricas das regiões. É nesta ba-
se que a Geogra�a pôde-se desenvolver como ciência.
Nesse sentido, caberia ao geógrafo, partido da noção de unidade terrestre, analisar as rela-
ções entre a natureza e o homem, em diferentes localidades (regiões), não signi�cando isso
uma oposição entre uma Geogra�a Geral e uma Geogra�a Regional.

A análise desses elementos, o estudo de suas relações e de suas combinações compõem a trama
de toda a pesquisa geográ�ca. Não se pode mais questionar, segundo este ponto de vista, uma an-
tinomia de princípio entre duas espécies de Geogra�a: uma que sob o nome de Geogra�a Geral se-
ria a parte verdadeiramente cientí�ca e a outra que se aplicaria, tendo como �o condutor somente
uma curiosidade super�cial, na descrição das regiões. De qualquer maneira que se enfoque, são os
mesmos fatos gerais, nos seus encadeamentos e na sua correlação, que se impõem à atenção.
Estas causas, se é permitido usar esta palavra ambiciosa, ao se combinar originam as variedades
sobre as quais o geógrafo trabalha: seja quando ele se propõe a determinar os tipos de clima, for-
mas de solos, de habitat etc., como faz quando trata de Geogra�a Geral; seja quando ele se esforça
para caracterizar as regiões, até mesmo de as pintar, pois o pitoresco não Ihe é proibido (LA
BLACHE, 1913, p. 41).

Paul Vidal de La Blache passa, pois, a entender a Geogra�a como sendo o estudo das “pai-
sagens”, isto é, as formas que o homem cria na natureza de acordo com suas necessidades.

É preciso dizer que nesta �sionomia o homem se impõe, direta ou indiretamente por sua presença,
por suas obras ou conseqüência de suas obras. Ele também é um dos agentes poderosos que traba-
lham para modi�car a superfície. Coloca-se por isso entre os fatores geográ�cos de primeira or-
dem. Sua obra sobre a Terra já é longa; há poucas partes que não levam seus estigmas. Pode-se di-
zer que dele depende o equilíbrio atual do mundo vivo. É uma outra questão aquela de saber qual
in�uencia as condições geográ�cas exerceram sobre seus destinos e particularmente sobre sua
história (LA BLACHE, 1913, p. 46).

Todavia, segundo Campos (2015, p. 68), ao analisar a obra Princípios de Geogra�a Humana,
para La Blache:

A paisagem que caracterizava uma região era marcada pela casa, pelos jardins, pelas plantações,
en�m, pela obra do homem, mas não por este. Na “paisagem” não existiam pobreza, mortalidade
infantil, concentração de renda ou fundiária, poder estatal. Em seu livro não existiam guerras,
con�itos entre os países, processo de ocupação.

Isso signi�ca que, para La Blache, o importante não é discutir o papel do homem na socie-
dade de classes, mas entender os resultados da ação humana na paisagem, por isso, a�r-
mava que:
Geogra�a é a ciência dos lugares e não dos homens e ela se interessa pelos acontecimentos da
História à medida que acentuam a esclarecem, nas regiões onde eles se produzem, as proprieda-
des, as virtualidades que sem eles permaneceriam Iatentes (LA BLACHE, 1913, p. 6).

Baseada nesses aspectos, a Geogra�a se diferenciaria da História, mas ao analisar a ação


do homem sobre a natureza, também se diferenciaria de outras ciências físicas, apontan-
do, nas conclusões do texto As características próprias da Geogra�a, que:

[...] conhecemos há muito tempo a Geogra�a incerta de seu objeto e de seus métodos, oscilando en-
tre a Geologia e a História. Esses tempos passaram. O que a geogra�a em troca do auxílio que ela
recebe das outras ciências pode trazer para o tesouro comum é a aptidão para não dividir o que a
natureza juntou, para compreender a correspondência e a correlação dos fatos, seja no meio ter-
restre que envolve a todos, seja nos meios regionais onde eles se localizam. Há aí, sem dúvida ne-
nhuma, um benefício intelectual que pode estender-se a todas as explicações do espirito.
Retraçando as vias pelas quais a Geogra�a chegou a esclarecer seu objetivo e a fortalecer seus mé-
todos, reconhecemos que ela foi guiada pelo desejo de observar cada vez mais diretamente, cada
vez mais atentamente, as realidades naturais. Esse método trouxe seus frutos: o essencial é agar-
rar-se a eles (LA BLACHE, 1913, p. 47).

La Blache desenvolveu ao máximo a Cartogra�a como forma de visualizar a distribuição


dos fenômenos e a explicação dos fatos, como, por exemplo, a desigualdade na distribuição
da população pela superfície terrestre. Ele se detinha aos trabalhos de campo, valorizando
a intuição, “olho clínico” do geógrafo (o chamado “olhar geográ�co”), levando em conside-
ração os aspectos físicos da paisagem e a eles sobrepondo os humanos e econômicos
(ANDRADE, 1987).

Para La Blache, o trabalho de campo era um instrumento importante para a descrição das
paisagens. A obra Vidal, Vidais: textos de geogra�a humana, regional e política apresenta
um trecho do discurso de La Blache no IX Congresso Internacional de Geogra�a, realizado
em 1908, em Genebra, no qual dizia:

Desde que a Geogra�a pedagógica saiu do gabinete onde frequentemente se fechava e pôs-se a ob-
servar diretamente a natureza, a interpretação das paisagens tornou-se um de seus principais te-
mas. É uma arte delicada [...]. Nela, a análise e a síntese têm, cada uma, seu papel. A análise es-
força-se por distinguir os aspectos heterogêneos que integram a composição de uma paisagem e,
como as causas passada e presente se misturam nas formas de relevo, esse gênero de interpreta-
ção guarda um pouco de exegese. No entanto, por outro lado, essa paisagem forma um todo, cujos
elementos se encadeiam e coordenam; sua interpretação exige uma percepção lógica da síntese
plena de vida que ela lança sob nossos olhos (RIBEIRO, 2012, p. 125).

Esta observação direta da paisagem possibilitava, portanto, uma melhor descrição da loca-
lidade, mostrando, a partir de um referencial que considera a unidade terrestre, o que dife-
rencia uma localidade em relação a outras. É a partir desse referencial teórico-
metodológico que La Blache de�ne o conceito de “gênero de vida”. Para ele, o homem era
concebido como um hóspede antigo da superfície terrestre, que, em cada lugar, se adaptava
ao meio que o envolvia, em um relacionamento constante e cumulativo, o que acabara por
desenvolver um acervo de técnicas, hábitos, usos e costumes que lhe permitiram utilizar
os recursos naturais disponíveis. A esse conjunto de técnicas e costumes, Vidal denomi-
nou “gênero de vida”, que, segundo Moraes (2005, p. 81):

[...] exprimia uma relação entre a população e os recursos, uma situação de equilíbrio, construída
historicamente pelas sociedades. A diversidade dos meios explicaria a diversidade dos gêneros de
vida.

Nas palavras de La Blache:

Um gênero de vida constituído implica em uma ação metódica e contínua que age fortemente so-
bre a natureza ou para falar como um geógrafo, sobre a �sionomia das áreas. Sem dúvida, a ação
do homem faz se sentir sobre o seu meio desde o dia em que sua mão se armou de um instrumen-
to; pode se dizer que, desde o início das civilizações, essa ação não foi negligenciável. Mas total-
mente diferente é o efeito de hábitos organizados e sistemáticos que imprimem cada vez mais su-
as marcas, impondo-se pela força adquirida por gerações sucessivas, estampando seu traço sobre
os espíritos, direcionando em um sentido determinado todas as forças do progresso (LA BLACHE,
1911, p. 1).

Vidal expõe, ainda, que o contato entre gêneros de vida diferentes traria grandes mudan-
ças, o que, para ele, seria o fator fundamental do progresso humano, pois os contatos gera-
riam arranjos mais ricos, pela incorporação de novos hábitos e novas técnicas.

Já segundo o geógrafo Manoel Correia de Andrade (1987), “gênero de vida” é o conjunto ar-
ticulado de atividades que, cristalizadas pela in�uência dos costumes, expressam as for-
mas de adaptação, ou seja, a resposta dos grupos humanos aos desa�os do meio geográ�-
co. Assim, a diversidade dos meios geográ�cos explicaria a diversidade dos gêneros de vi-
da.

Em suma, segundo Moreira (2008a, p. 144), o objetivo central de Vidal de La Blache é mos-
trar a vinculação das paisagens, com a instituição das formas de cultura e da civilização,
por meio dos gêneros de vida, nos quais se organizam. Assim, “[...] a correlação entre os gê-
neros de vida e o meio geográ�co, leva-o a analisar em detalhes a distribuição dos fenôme-
nos”.

É possível ver na de�nição de gênero de vida, proposta por Vidal, uma justi�cativa para a
colonização, para o expansionismo francês na Ásia e na África, ou seja, a discutida “mis-
são civilizadora do europeu na África”, impulsionara, assim, a França a levar o progresso
humano a esses países. Como aponta Moraes (2005, p. 83), há, dessa forma, uma legitima-
ção indireta, "[...] onde o tema da expansão e do domínio territorial (assim como os demais
assuntos diretamente políticos) não são sequer mencionados”.

Em relação ao método cientí�co empregado por Vidal de La Blache, este não rompeu como
os desenvolvidos pelos alemães, foi antes um prosseguimento destes. Vidal era mais rela-
tivista, negando a ideia de causalidade e determinação de Ratzel, assim seu enfoque era
menos generalizador.

Para La Blache (1913, p. 45):

A Geogra�a distingue-se como ciência essencialmente descritiva. Não seguramente que renuncie
à explicação: o estudo das relações dos fenômenos, de seu encadeamento e de sua evolução são
também caminhos que levam a ela. Más esse objeto mesmo a obriga mais que em outra ciência, a
seguir minuciosamente o método descritivo. Uma dessas tarefas principais não é localizar as di-
versas ordens de fatos que a ela concernem, determinar exatamente a posição que ocupam, as
áreas que abrangem?

Como colocado por Moraes (2005), Vidal propôs o método empírico-indutivo, pelo qual só
se formulam juízos partindo dos dados da observação direta, considera-se a realidade co-
mo o mundo dos sentidos, limita-se a explicação aos elementos e processos visíveis.
Assim, ele propõe as seguintes etapas para análise geográ�ca:

1. observação do campo;
2. indução partindo da paisagem;
3. particularização da área enfocada (em seus traços históricos e naturais);
4. comparação das áreas estudadas e do material levantado;
5. classi�cação das áreas e dos gêneros de vida.

Desdobramentos da proposta lablacheana (baseada nas ideias de La Blache)

Outro conceito desenvolvido pela Geogra�a Lablacheana foi o de “região”. Fora a denomi-
nação dada a uma determinada “unidade de análise geográ�ca” que exprimia a forma pela
qual os homens organizavam o espaço onde viviam e se podiam integrar tanto os aspectos
“físicos” como os aspectos “humanos” (LENCIONI, 2009).

A região seria, então, uma determinada área individualizada da superfície terrestre e cabe-
ria ao geógrafo delimitá-la, descrevê-la e explicá-la – uma escala de análise, uma unidade
espacial, dotada de individualidade em relação às suas áreas limítrofes e, assim, pela ob-
servação, seria possível de�nir os seus limites territoriais. A Região fora concebida como
sendo o objeto de estudo da Geogra�a e os geógrafos passaram a entender que as regiões
existem, de fato, na realidade, deixando, pois, de ser apenas um instrumento teórico de
pesquisa.

A síntese regional [...] é o objetivo último da tarefa do geógrafo, o único terreno sobre a qual ele se
encontra a si mesmo. Ao compreender e explicar a lógica interna de fragmentação da superfície
terrestre, o geógrafo destaca a individualidade que não se encontra em nenhuma outra parte (La
Blache apud Lencioni, 2009, p. 107).

Desse modo, os geógrafos passaram a fazer o estudo do “único”, pois cada região tinha as
suas características próprias e era diferente das demais, o que causava um sério problema
epistemológico para a Ciência Geográ�ca, que passou a ser considerada uma Ciência
Ideográ�ca.

Segundo Moraes (2005, p. 76): “A ideia de região propiciou o que viria a ser a majoritária e
mais usual perspectiva de análise do pensamento geográ�co: a Geogra�a Regional [...]”,
sendo o principal desdobramento da proposta vidalina.

Segundo Gomes (2000, p. 57), para La Blache, “[...] a região é uma realidade concreta, física,
ela existe como um quadro de referências para a população que aí vive”. Para Lobato
Correa (2000), por esse raciocínio, a conclusão inevitável seria a de que a região poderia
desaparecer. Ainda segundo o autor:

Sendo assim, o papel do geógrafo é o de reconhecê-la, descrevê-la e explicá-la, isto é tornar claros
os seus limites, seus elementos constituintes combinados entre si e os processos de sua formação
e evolução (LOBATO CORREA, 2000, p. 29).

Nesse sentido, ao estudar uma região, o geógrafo deveria abarcar todos os aspectos visí-
veis e observáveis dessa região: fatores físicos, fatores humanos e fatores econômicos, bus-
cando o conhecimento cada vez mais profundo pela descrição e observação dos fenôme-
nos e elementos presentes, no limite tendendo à exaustão. Desenvolve-se, assim, uma es-
pécie de receituário de pesquisa, que �cou conhecido como Monogra�a Regional.

O acumulo de estudos regionais propiciou o aparecimento de especializações, que tentavam fazer


a síntese de certos elementos por eles levantados. Com isso, o levantamento de regiões predomi-
nantemente agrárias ensejou o desenvolvimento de uma Geogra�a Agrária (MORAES, 2005, p. 88).

Assim como a Geogra�a Agrária, surgiram outras especializações e divisões dentro da


Geogra�a, por exemplo, o estudo das redes de cidade, das hierarquias e das funções citadi-
nas levou à formação da Geogra�a Urbana; surgiram a Geogra�a Industrial, a Geogra�a do
Comércio, a Geogra�a da População, e assim por diante. Isso levou a uma setorização e es-
pecialização dos estudos geográ�cos.

Dentre essas especializações da Geogra�a, a que manteve a perspectiva mais globalizante


foi a Geogra�a Econômica, pois teve objeto de análise a vida econômica de uma região, dis-
cutindo os �uxos, o trabalho, a produção etc., articulando, pois, variados elementos do qua-
dro regional.

Desse modo, a Geogra�a Econômica foi além da análise local, buscando um conhecimento
mais generalizador, como aponta Moraes (2005, p. 89): “[...] a Geogra�a Econômica foi um
dos focos destacados do pensamento geográ�co, estando assim no limite da Geogra�a
Tradicional”. Assim, é com base no estudo da Geogra�a Econômica que ocorrerá o desen-
volvimento de novas abordagens na Geogra�a.

Concluindo, observamos que Paul Vidal de La Blache desenvolveu uma corrente geográ�ca
que se tornou majoritária no pensamento geográ�co francês e que acabou ganhando o
mundo. Sua in�uência nos geógrafos posteriores foi muito grande, e seus discípulos dire-
tos foram numerosos. Por meio da revista Annales de Géographie, por ele criada, presente
em quase todas as cátedras e institutos de Geogra�a da França, Vidal pode espalhar suas
ideias e pensamentos.

Após analisarmos a Escola Francesa de Geogra�a e suas características, convidamos você


a conhecer as Escolas: Britânica, Norte-Americana e Soviética de Geogra�a.

Escola Britânica, escola Norte-Americana e escola Soviética de


Geogra�a
É importante que se discuta, aqui, a atuação da ciência geográ�ca em outros lugares, como
a Escola Britânica, a Escola Norte-Americana e a Escola Soviética de Geogra�a. As três ti-
veram relevante importância para a divulgação da ciência geográ�ca, mas não trouxeram
grandes contribuições ao pensamento geográ�co, pois eram organizadas e davam conti-
nuidade aos princípios da Escola Alemã e da Escola Francesa; contudo, contribuíram para
o movimento de renovação da Geogra�a.

A Escola Britânica, ligada especialmente às Universidades de Cambridge e Oxford, foi mui-


to in�uenciada pela Escola Francesa, valorizando os estudos regionais e preocupando-se
com gêneros de vida. Os ingleses passavam por uma fase expansionista e viam a necessi-
dade de, como colonizadores de territórios e povos, conhecer os problemas dos territórios e
dominar os povos que nelas habitavam.

Assim, é possível ver o comprometimento ideológico da Geogra�a e sua preocupação mili-


tar. Foi dada uma grande importância à Geopolítica. O principal precursor na Escola
Britânica foi o parlamentar e geógrafo Helford J. Mackinder e também, posteriormente,
Dudley Stamp, que desenvolveu uma geogra�a pragmática (que considera o valor prático e
concreto das coisas), para uso interno de cada país, e que teve grande importância no pós-
guerra.

Já a Escola de Geogra�a Soviética recebeu grande in�uência do pensamento alemão, devi-


do à proximidade geográ�ca desses países; às condições climáticas muito rigorosas e à di-
�culdade com a agricultura. Os russos desenvolveram estudos dos climas e dos solos,
destacando-se aí a pedologia. Um dos principais estudiosos dessa escola foi Kropotkin, li-
gado à geogra�a física do país.

A Escola Geográ�ca Norte-Americana desenvolveu-se a partir da segunda metade do século XIX,


tendo sido muito estimulada pela migração de dois geógrafos suíços aos Estados Unidos, Arnold
Guyot e Louis Agassiz, que desenvolveram estudos de geogra�a regional e de geomorfologia, de
acordo com os modelos germânicos (ANDRADE, 1987, n. p.).

A Geogra�a americana teve maior desenvolvimento em seus aspectos físicos, por meio de
J. W. Powell e W. Morris Davis. Quanto à Geogra�a Humana, os historiadores admitem du-
as escolas americanas, a de Chicago e a de Berkeley (ou Califórnia). Na primeira, domina-
ram os geógrafos, inspirados em Ratzel, como E. Semple e E. Huntington, que levaram à di-
vulgação das teorias deterministas e se utilizaram desta para legitimar o poder dos EUA e
sua política expansionista, inicialmente sobre os índios do oeste e depois por toda a
América (ANDRADE, 1987).

No pós-guerra, houve um grande destaque nessa escola a aplicação dos métodos quantita-
tivos à Geogra�a – de grande in�uência na formação do curso de Geogra�a da Unesp de
Rio Claro, no Brasil. A segunda escola, a Berkeley, teve como principal �gura Carl Sauer,
que também foi in�uenciado por geógrafos alemães e aproximou a Geogra�a da
Antropologia (ANDRADE, 1987).

A partir de agora, veremos um pouco mais sobre essas duas escolas e os seus principais
pensadores, iniciando com a escola Berkeley, de Carl Sauer.

O alemão Ratzel, em suas viagens, deu grande ênfase às características culturais locais.
Mas era preciso ir além do ambiente local e perguntar de onde vinham os traços culturais.
De acordo com Broek (1967, p.40-41), Carl Sauer fez “[...] dessa preocupação com a origem e
a dispersão a pedra fundamental de seu trabalho em Geogra�a Cultural”. O seu ponto de
vista se aproxima dos argumentos dos possibilistas e o seu propósito era afastar-se do
Determinismo. “Existia a necessidade da análise dos aspectos culturais, destacando, so-
bremodo, a vida cultural e os processos adaptativos em comunidades tradicionais ou pri-
mitivas” (BOTELHO, 1993, p. 52).
Após entender as bases metodológicas da Geogra�a Tradicional, é necessário saber como
a Geogra�a começa sua sistematização como ciência (a�nal, isso ocorreu somente no sé-
culo 19). Até então, o conteúdo a ela referido era bastante variado e disperso, ou seja, não
era padronizado, não apresentava unidade temática, tampouco continuidade nas formula-
ções.

De lá pra cá, a também chamada "Geogra�a Moderna" passou por três fases: a organicista,
a evolucionista e a possibilista, tendo como principais precursores Humboldt, Ritter, Ratzel
e La Blache. Assim como as demais ciências naturais, ela acompanhou as alterações que
ocorreram no mundo contemporâneo, de modo que sofreu reestruturação, pela busca de
novos paradigmas e pela formação de uma ciência crítica.

5. Busca de novos paradigmas e o movimento de reno-


vação da geogra�a
Para explicar o movimento de renovação da Geogra�a, cabe aqui destacarmos uma citação
de Manuel Correia de Andrade, que ressalta os motivos dessa busca por novos paradigmas:

O impacto do pós-guerra sobre a Geogra�a não se limitou a fazê-la sair da universidade e tentar
disputar espaço com outras disciplinas na área do planejamento e da crítica social. Ela provocou a
re�exão dos geógrafos sobre a natureza da Geogra�a e os levou a atitudes de crítica, à reformula-
ção dos seus princípios cientí�cos e �losó�cos, à negação do passado, por parte de alguns grupos,
e à procura de novos caminhos (ANDRADE, 1987, p. 105).

As técnicas e métodos desenvolvidos pela Geogra�a Tradicional já não satisfaziam mais


as exigências do mundo Contemporâneo. “A geogra�a que se limitava a observar, a descre-
ver e a explicar a paisagem, utilizando o ‘olho clínico’, não usava técnicas que a levassem a
ver o que se fazia, de forma invisível, na elaboração da paisagem” (ANDRADE, 1987, p. 96).
A Geogra�a não poderia continuar a ser apenas ideográ�ca e cronológica. O que se verá,
partindo de então, é a intensi�cação das pesquisas em dados estatísticos, o desenvolvi-
mento da cartogra�a temática e a realização de projeções para o futuro.

O movimento de renovação da Geogra�a surgiu em meados do século 20, como consequên-


cia do rompimento de grande parte dos geógrafos com relação à perspectiva tradicional.
Estes“[...] começaram a buscar novos caminhos, novas linguagens e uma liberdade maior
de re�exão e criação [...]”, assim como questionamentos sobre o objeto, o método e o signi�-
cado da Geogra�a (MORAES, 2005, p. 103).

Na década de 1950, surgiram os primeiros questionamentos sobre a Geogra�a Tradicional.


Na década de 1960, esses questionamentos e incertezas já estavam difundidos por vários
pontos, e, na década de 1970, a Geogra�a Tradicional estava de�nitivamente enterrada.
Ocorreria, nesse momento, um tempo de críticas e de propostas no âmbito desta disciplina
(MORAES, 2005).

Note que se abriu, também, um caminho à procura de novas metodologias e discussões so-
bre o objeto de estudo geográ�co. Isso será bené�co, pois introduzirá um pensamento críti-
co; porém, a Geogra�a começa a perder a unidade contida na Geogra�a Tradicional.

De acordo Moraes (2005), podemos apontar como razões da crise na Geogra�a Tradicional:

1. Alteração da base social que engendrara os fundamentos e as formulações da


Geogra�a Tradicional: o capitalismo concorrencial passou à fase de capitalismo mo-
nopolista, transitava-se por uma revolução tecnológica, surgiu a necessidade do pla-
nejamento territorial para efetivar a ação do Estado. Caberá, pois, às ciências huma-
nas desenvolver instrumental de intervenção no espaço.
2. A urbanização atingia graus até então desconhecidos: surgiam as megalópoles. “O lu-
gar já não se explicava em si mesmo; os centros de decisões das atividades ali
desenvolvidas localizavam-se a milhares de quilômetros”. O espaço terrestre se globa-
lizara. As técnicas de observação e descrição já não eram mais su�cientes; surgiram
novas tecnologias, como o sensoriamento remoto e as imagens de satélite, o computa-
dor (MORAES, 2005, p. 104-105).
3. Ruptura com a �loso�a do Positivismo clássico: os “[...] postulados positivistas apare-
ciam, agora, como por demais simplistas e pueris”. A própria crise dos ideais do posi-
tivismo foi uma das razões da crise da Geogra�a, que nele se fundamentava
(MORAES, 2005, p. 105).
4. Problemas internos próprios à disciplina: falta de de�nição do objeto de análise; falta
de explicações genéricas, ou seja, estudo de singularidades; falta de leis; as dualidades
que permearam toda a produção geográ�ca (exemplo: Geogra�a Física e Geogra�a
Humana).

Como podemos perceber, vários motivos levaram à crise da Geogra�a Tradicional, sejam
eles históricos ou epistemológicos. O movimento de renovação da geogra�a e a busca de
novos paradigmas vão encontrar dilemas que serão discutidos até hoje, sem encontrar um
�m, fazendo da Geogra�a uma ciência crítica.

Como aponta Moraes (2005, p. 107):

Alguns autores vão �car nas razões formais; outros avançam, buscando as razões mais profundas
na base social e na função ideológica desse conhecimento. De acordo com esta variação, existem
críticas distintas, que já dependem dos propósitos e do direcionamento que se imprimem ao movi-
mento de renovação. O fundamento positivista clássico é negado por todos, porém o que deve
substituí-lo é matéria das mais polêmicas.
Dessa forma, cada autor possuirá um nível de questionamento, destacando aqueles pontos
mais adequados e capazes de introduzir sua proposta. Cada um proporá novos métodos e
novas perspectivas de pesquisa. Assim, a Geogra�a Renovada é bastante diversi�cada e,
por isso, abrange muitas concepções.

Para �nalizar, é importante lembrarmo-nos de que a Geogra�a como ciência surgiu sob
forte in�uência do Positivismo Lógico. E essa condição se expressa em grande parte nos
estudos de geogra�a até hoje. Entretanto, a Ciência evoluiu e transformou as suas orienta-
ções teórico-metodológicas.

Sobre a sua epistemologia, é muito importante ressaltar um problema não só da Geogra�a,


como também de todas as ciências ambientais: os recursos metodológicos utilizados na
veri�cação dos postulados ou estudos geográ�cos são oriundos aos primeiros passos do
naturalismo (Humboldt e Ritter).

Assim, para analisarmos os últimos 30 anos de evolução da Geogra�a e do pensamento ge-


ográ�co, propomos, em sequência, o estudo de duas grandes correntes: a Geogra�a
Quantitativa (ou Teorética) e a Geogra�a Crítica (ou Radical). O movimento de renovação
não se limitou a essas correntes; outras se fundamentaram nas ideias de renovação da
Geogra�a, �cando conhecidas como correntes alternativas, a respeito das quais também
falaremos nestas leituras.

6. Neopositivismo e Geogra�a Quantitativa


De acordo com Christofoletti (1982, n. p.):

O surgimento de novas perspectivas de abordagem na Geogra�a está integrado à transformação


profunda provocada pela Segunda Guerra Mundial nos setores cientí�co, tecnológico, social e
econômico.

Em função dessas mudanças, a Geogra�a Tradicional (francesa) empírica e descritiva en-


tra em “crise” e passa a ser considerada uma ciência sem valor. Os geógrafos sentiram, en-
tão, a necessidade de tornarem a Geogra�a mais “cientí�ca”.

Segundo Andrade (1987), outro fato que veio aprofundar a crise da Geogra�a Tradicional foi
o desenvolvimento de grandes projetos com a formação de Equipes Multidisciplinares;
nessas equipes, o geógrafo tradicional �cou marginalizado, pois não falava a mesma lin-
guagem cientí�ca dos outros pro�ssionais.

Em 1963, o geógrafo Ian Burton passou a falar em Revolução Quantitativa e Teorética na


Geogra�a. Surgiu, então, uma nova corrente na Geogra�a que passou a ser denominada de
“Geogra�a Quantitativa” ou “Geogra�a Neopositivista” ou, ainda, “Nova Geogra�a”.

A expressão “New Geography” supõe, sem nenhuma dúvida, uma preocupação de a�rmar como
novo o que aos seus defensores parecia igualmente ser único: daí, sua posição de luta. Por isso, o
vocábulo e o que ele contém terem provocado, segundo as condições próprias de cada país (inclu-
sive política), reações que iam desde a indiferença ou a perplexidade a uma espécie de combativi-
dade que opunha os extremistas dos dois pólos, divididos entre os que a�rmavam a necessidade
da nova tendência (e da nova denominação) e os que mantinham a posição contrária. Entre os ex-
tremos encontramos um número de posições intermediárias (SANTOS, 1996, p. 41).

Essa corrente que se apresentou como revolucionária, por negar as origens da Geogra�a,
desenvolveu-se, inicialmente, nos Estados Unidos (pelos geopolíticos, estrategistas da
Guerra do Vietnã), posteriormente na Suécia e na Grã-Bretanha, tendo fortes repercussões
na União Soviética e na Polônia. Porém, na Alemanha e na França encontrou forte resis-
tência.

A linguagem lógica (matemática) dominou todos os estudos dessa ciência. De acordo com
Moreira (1994, p. 44-46), “[...] em vez da descrição da paisagem, toma seu lugar a matemati-
zação da paisagem. […] Por conseguinte, foi grande o salto da geogra�a: do positivismo pa-
ra o neopositivismo. Deu um lugar, para o mesmo”. Ou seja, com crítica o autor levanta que
essa revolução lógica, sempre mencionando a palavra revolução com aspas, uma vez que
diz que a geogra�a política-estatística colaborou com a e�ciência sistemática para a com-
preensão do local, passou longe de uma revolução para a análise da paisagem.

De qualquer forma, Milton Santos, por exemplo, debruça-se sobre essa Nova Geogra�a, pu-
blicando o livro Por uma Geogra�a Nova, no qual traz, apesar da crítica, a colaboração des-
se movimento de renovação da Geogra�a. E nessa renovação, Moraes (2005), vê dois gran-
des conjuntos, já que há um leque muito amplo de concepções, a denominada Geogra�a
Pragmática e a Geogra�a Crítica.

Segundo esse autor, “[...] a divisão do movimento […] está assentado na polaridade ideológi-
ca das propostas efetuadas. O critério adotado é o da concepção de mundo dos autores, vis-
ta como decorrentes de posicionamentos sociais e/ou engajamentos políticos” (MORAES,
2005, p. 99).

A Geogra�a Pragmática atacará o caráter não prático da Geogra�a Tradicional e fará pro-
posta voltada para o futuro, instrumentalizando uma Geogra�a Aplicada. O planejamento e
a linguagem técnica passam a fazer parte do arcabouço da ciência geográ�ca e o que se vê
é uma ciência sendo usada a serviço do Estado burguês. A Geogra�a Pragmática escolhe a
primeira via, a Geogra�a Quantitativa. Desse modo, na análise, a primeira coisa que deve
fazer é a contagem dos elementos presentes do local estudado. Esse procedimento fornece-
ria vários dados que, calculados, ofereceriam padrões ou, pelos menos, resultariam de rela-
tórios que explicariam a região estudada.

Além dessa via, ainda poderíamos citar a Geogra�a Sistêmica ou Modelística e a Geogra�a
da Percepção ou comportamental. Destas surgiram modelos próximos da Economia, fa-
zendo referência à Geogra�a Sistêmica ou Modelística, enquanto a da Percepção tentava
“[...] explicar a valorização subjetiva do território, a consciência do espaço vivenciado, o
comportamento em relação ao meio” (MORAES, 2005, p. 107). O que é preciso notar é que
todas se interessam a um �m utilitário e podem oferecer informações para concretizar
ações dentro de um plano tecnicista, instrumento da dominação burguesa.

Nos Estados Unidos, essas ideias de uma nova perspectiva tiveram seu núcleo de expan-
são em torno da �gura de Edward Ulman, professor da Universidade de Washington, que
transmitiu a seus alunos os estudos urbanos, de comunicação e os princípios e métodos
utilizados por Alfred Weber e Walter Christaller. Este último, por exemplo, “[...] visava ex-
plicar a hierarquia das cidades, com relação ao poder de atração exercido por uma metró-
pole, em virtude do equipamento nela existente” (MORAES, 2005, p. 104).

Outros nomes importantes dessa Nova Geogra�a são W. Bunge e I. Burton. Estes concor-
dam que a Geogra�a Tradicional da forma como é concebida, estaria condenada há apenas
uma descrição de acontecimento. Bunge, por exemplo, “[...] critica �rmemente a concepção
adotada por Hartshorne, segundo a qual a unicidade e a generalidade são qualidades in-
trínsecas aos fatos [...]” (GOMES, 2003, p. 258) e volta a questionar o método. No mesmo
sentido e de acordo com o mesmo autor, Burton a�rma que:

[...] em um mundo sem teorias, todos os fenômenos são únicos. Se a geogra�a deseja verdadeira-
mente ser considerada como uma ciência, deve recorrer à observação das regularidades em seu
campo de conhecimentos (GOMES, 2003, p. 258).

Para Moreira (2009, p. 37):

Podemos ver três momentos distintos na história da implantação da New Geography: da quanti�-
cação, dos modelos e dos sistemas. A mudança de nome, que começa com uma geogra�a quanti-
tativa, como é designada nos anos 1960, vira uma geogra�a teorética-quantitativa, na designação
proposta por Ian Burton, de 1963, e culmina em nova geogra�a, na proposta de G. Manley, de 1966,
que expressa essa sucessão de etapas (CHRISTOFOLETTI, 1976). Todavia, mais que uma mudança
de nome, a formalidade indica a percepção da insu�ciência da quanti�cação como base de parte
dos geógrafos envolvidos com o movimento da New Geography e a consciência da necessidade,
cada vez mais evidente, de dotá-lo de um suporte teórico capaz de lhe dar sustentação, que primei-
ro vem na forma dos modelos e por �m da teoria dos sistemas.

Ian Burton escreveu que essa revolução quantitativa colocou a Geogra�a como uma ciên-
cia respeitável e levou tão a sério essa proposta que classi�cou os adversários dessa cor-
rente.

O primeiro é o dos geógrafos que logo de saída recusam a “revolução quantitativa” e a consideram
como capaz de levar a geogra�a por maus caminhos. O segundo grupo é constituído pelos geógra-
fos que consideram a carta su�ciente para exprimir as correlações que caracterizam a organiza-
ção do espaço. Um terceiro grupo de opositores a�rma que “as técnicas estatísticas são adequadas
para alguns temas geográ�cos, mas não para toda a geogra�a”. Uma outra ordem de objeções é
mais abrandada: as técnicas quantitativas são desejáveis, mas os numerosos erros de aplicação
deveriam desaconselhar o seu uso. Um último grupo prefere levantar críticas de natureza mais
pessoal: para estes a quanti�cação seria uma boa coisa mas os geógrafos quantitativos não seriam
tão bons” (SANTOS, 1996, p. 50).

O grande centro de difusão das ideias quantitativas foi a Universidade de Chicago; seu
grande precursor foi Brian Berry, que se dedicou, sobretudo, aos estudos urbanos, colocan-
do o homem como dominante, uma vez que é este próprio quem modi�ca a natureza
(ANDRADE, 1987).

Na Suécia, ela teve seu início com os trabalhos de Torsten Hargerstrand. Ele elaborou car-
tas que indicavam a progressão da modernização nas áreas da província de Scania, corre-
lacionando a progressão do processo no meio urbano e no rural, utilizando, em larga esca-
la, os métodos estatísticos e as cartas temáticas.

Na Inglaterra, alguns autores, como Peter Hagget, Michael Chisholm e Richard Chorley, re-
alizaram trabalhos intensos utilizando a pesquisa operacional, a cibernética e a teoria dos
jogos. Demonstraram grande familiaridade com os princípios dominantes na Ciência
Econômica e produziram trabalhos úteis ao desenvolvimento do planejamento capitalista.

Depois de algum tempo, a �gura central e mais famosa da Geogra�a Teorética era David
Harvey, que publicou um livro de base (Explanation in Geography. London: Edward Arnold,
1969), que continha profundas re�exões sobre o caráter cientí�co da Geogra�a e sobre a
“revolução” que se realizava. No entanto, após a publicação de seu livro, o autor fez novas
re�exões e passou a militar na Geogra�a Crítica, mas seu livro continuou a ter grande im-
portância para o pensamento quantitativo (ANDRADE, 1987).

Outra obra de destaque para o conhecimento e formação da Geogra�a Quantitativa foi es-
crita por G. Dematteis – Revolução quantitativa e Nova Geogra�a, o que seria uma primeira
via de objetivação dessa Nova Geogra�a.

Os geógrafos dessa nova corrente passaram a criticar a Geogra�a Tradicional empírica e


descritiva e de base positivista.
Assim, a Geogra�a Quantitativa vai de encontro a Geogra�a Tradicional e critica a insu�ci-
ência da análise tradicional e a falta de praticidade dessa ciência.

Os autores dessa corrente propuseram uma Geogra�a Aplicada, por meio de uma ótica
prospectiva, com um conhecimento voltado para o futuro.

Desse modo, propõe-se uma “renovação metodológica”, buscando novas técnicas e lingua-
gens que respondessem aos anseios da sociedade contemporânea e do planejamento terri-
torial.

A crítica feita pela corrente Quantitativa à Geogra�a Tradicional se dá em relação aos seus
aspectos técnicos e metodológicos, e não quanto aos aspectos epistemológicos. Assim,
trata-se de um questionamento super�cial da crise, não de seus fundamentos.

É uma crítica “acadêmica”, que não toca nos compromissos sociais do pensamento tradici-
onal, visa, apenas, a uma rede�nição das formas de veicular os interesses do capital. De
acordo com Moraes (2005, p. 110), trata-se de:

[...] uma atualização técnica e lingüística. Passa-se de um conhecimento que levanta informações
e legitima a expansão das relações capitalistas para um saber que orienta esta expansão, forne-
cendo-lhe opções e orientando as estratégias de alocação do capital no espaço terrestre.

Dessa forma, o pensamento geográ�co quantitativo dá certa continuidade ao pensamento


tradicional, na medida em que os dois possuem um conteúdo de classe – instrumentos
práticos e ideológicos da burguesia.

Podemos dizer que a Geogra�a Quantitativa propõe uma renovação conservadora da


Geogra�a. Assim, ocorre a passagem do positivismo clássico para o neopositivismo.

Troca-se o empirismo da observação direta (do “ater-se aos fatos” ou dos “levantamentos dos as-
pectos visíveis”) por um empirismo abstrato, dos dados �ltrados pela estatística (das médias, vari-
âncias e tendências) (MORAES, 2005, p. 110).

O geógrafo passou a trocar o trabalho de campo e a observação por seu “gabinete” e o uso
de computadores. Troca-se a descrição, contagem e enumeração direta da paisagem por
médias, índices, padrões, para as correlações matemáticas expressas em índices
(MOREIRA, 1994).

Informação complementar:
Para os Neopositivistas, a Física (em função da simplicidade de seu objeto de estudo) passa a ser considerada o “modelo” de
Ciência. A linguagem da Física (a matemática) passa a ser considerada a linguagem universal da ciência. Ela passa a ser
considerada a única linguagem por meio da qual os homens conseguem comunicar-se cienti�camente com clareza e preci-
são (LACOSTE, 1977).

 De acordo com Andrade (1987, p. 107), a Geogra�a Quantitativa:

Condenou no ensino, o uso das excursões, das aulas práticas de campo, por achar desnecessária a
observação da realidade, substituindo o campo pelo laboratório, onde seriam feitas medições ma-
temáticas, grá�cos e tabelas so�sticadas, procurando visualizar a problemática por meio de dese-
nhos e diagramas.

Assim, “[...] há um empobrecimento do grau de concretude do pensamento geográ�co.


Apesar da so�sticação técnica e linguística, este permanece formal e agora mais pobre,
porque é mais abstrato” (MORAES, 2005, p. 102).

Para os geógrafos dessa corrente, o temário da Geogra�a poderia ser totalmente explicado
com base em estudos matemáticos. Assim, os estudos geográ�cos, como as inter-relações
de fenômenos e elementos, a ação da natureza sobre os homens, dentre outros, seriam pas-
síveis de serem expressos em termos numéricos e compreendidos na fórmula de cálculos.

A Geogra�a Quantitativa “[...] gera um tipo de conhecimento diretamente operacionalizá-


vel, que permite a intervenção deliberada sobre a organização do espaço" (MORAES, 2005,
p. 114). O pensamento quantitativo permite a elaboração de “diagnósticos” sobre um deter-
minado espaço, apresentando uma descrição numérica exaustiva sobre as suas caracterís-
ticas e, ainda, as tendências de evolução dos fenômenos ali existentes.

Ainda para Moraes (2005, p. 114): “Este diagnóstico ou survey permite um conhecimento da
área enfocada e a escolha de estratégias de intervenção, acelerando ou obstaculizando as
tendências presentes”.

As principais características da Geogra�a Quantitativa, segundo Moraes (2005), são:

1. Perspectivas “Ideográ�cas” e “Nomotética”: duas perspectivas podem ser aplicadas


na abordagem de qualquer objeto de estudo, encarando como um acontecimento úni-
co (ideográ�ca) ou constituindo exemplo de uma série genérica (nomotética).
2. Utilização de técnicas estatísticas e matemáticas: maior rigor no enunciado e na veri-
�cação de hipóteses.
3. Emprego de modelos: o emprego de modelo em ciência permite estruturar, visualizar
e compreender o funcionamento do sistema.
4. Abordagem sistêmica: instrumento conceitual que lhe facilita tratar dos conjuntos
complexos, dentro da visão sistêmica, como os da “Organização Espacial”.
5. Levantamento de dados: na Nova Geogra�a, os geógrafos passam a utilizar mais o
“trabalho de gabinete”, por meio de técnicas mais so�sticadas de obtenção de dados,
tais como: Sensoriamento Remoto, Dados Estatísticos, Censos Demográ�cos, Emprego
de computadores etc.

O autor Moraes faz uma crítica à Nova Geogra�a. Para ele, essa nova concepção da
Geogra�a serve apenas para legitimar o poder do Estado capitalista e da burguesia:

[...] é um instrumento da dominação burguesa. Um aparato do Estado capitalista. Seus fundamen-


tos, enquanto um saber de classe, estão indissoluvelmente ligados ao desenvolvimento do capita-
lismo monopolista. Assim, são interesses claros os que ela defende: a maximização dos lucros, a
ampliação da acumulação de capital, en�m, a manutenção da exploração do trabalho. Nesse senti-
do, mascara as contradições sociais, legitima a ação do capital sobre o espaço terrestre. É uma ar-
ma prática de intervenção, mas também uma arma ideológica, no sentido de tentar fazer passar
como 'medidas técnicas' (logo, neutras e cienti�camente recomendadas) a ação do Estado na defe-
sa de interesses de classe. [...] O fato de manter a base social do pensamento geográ�co tradicional
faz dela a via conservadora do movimento de renovação dessa disciplina. O utilitarismo será o
móvel comum de suas formulações (MORAES, 2005, p. 116).

Dessa forma, a Geogra�a Quantitativa passou a ser uma arma na mão do Estado, que a uti-
lizará para impor os ideais do capitalismo monopolista e as reivindicações da classe domi-
nante.

Podemos destacar como principais críticas feitas à Geogra�a Quantitativa (aos geógrafos
dessa corrente):

1. passou a usar a quanti�cação não como um meio, mas como um �m (exagero na


quanti�cação);
2. deram mais importância aos métodos e às técnicas de análise que aos �ns a serem
atingidos;
3. os geógrafos quantitativos passaram a ser “geógrafos tecnicistas”, �cando alheios aos
problemas sociais e da agressão ao Meio Ambiente, preocupados apenas com as téc-
nicas de planejamento;
4. baseavam-se em “Modelos Abstratos” e passaram a ignorar as diversidades regionais
e sociais;
5. passaram a utilizar em larga escala dados estatísticos das mais variadas fontes, mui-
tas vezes, carentes de credibilidade.

Segundo Moraes (2005), o pensamento quantitativo, por meio de seus autores, traz um em-
pobrecimento a Geogra�a ao conceber as múltiplas relações entre os elementos da paisa-
gem como relações matemáticas, meramente quantitativas.

7. Materialismo Histórico, Aterialismo Histórico e


Dialético e a Geogra�a como Ciência Crítica
Surgiu, também, na década de 1960, a Geogra�a Crítica ou Radical, em virtude do ambiente
contestatório nos Estados Unidos nesses anos, em função da guerra do Vietnã, da luta pe-
los direitos civis, da problemática ambiental (poluição) e da urbanização.

Assim, surgiu uma corrente preocupada em ser crítica e atuante. De acordo com
Christofoletti (1982), essa corrente pode ser caracterizada como:

1. Geogra�a Crítica;
2. de relevância social;
3. marxista;
4. radical.

Vale ressaltar que a Geogra�a Crítica discute as perspectivas impostas pela Geogra�a
Tradicional e diverge da Geogra�a Quantitativa.

Essa nova corrente geográ�ca adotou uma postura crítica radical, pensando nas questões
sociais, lutando por uma sociedade mais justa. Os autores dessa corrente colocam a análi-
se geográ�ca como um instrumento de libertação do homem.

A contradição estabelecida entre a Geogra�a Quantitativa e a Geogra�a Crítica “[...] re�ete o


antagonismo político existente na sociedade burguesa; manifesta a contradição de classe,
na discussão de um campo especí�co do conhecimento” (MORAES, 2005, p. 116) .

Para Moraes (2005, p. 116): “É assim um debate político, ao nível da ciência; uma luta ideo-
lógica, expressão da luta de classe, no plano de pensamento”. Os geógrafos radicais têm
por base a �loso�a marxista na análise dos modos de produção e das formações socioe-
conômicas.

Os geógrafos dessa corrente buscaram fazer uma avaliação profunda das razões da crise
na Geogra�a, indo além do discurso acadêmico do pensamento tradicional, mas procuran-
do suas raízes sociais.

De acordo com Moraes (2005), as principais críticas desenvolvidas por eles se estabelece-
ram em relação:

• ao empirismo exacerbado da Geogra�a Tradicional (que teve suas análises presas ao


mundo das aparências) e outros postulados decorrentes da fundamentação positivis-
ta;
• a estrutura acadêmica, que possibilitou a repetição de equívocos (apego a antigas teo-
rias, isolamento dos geógrafos etc.);
• a despolitização ideológica do discurso geográ�co, que deixaram as questões sociais à
margem dessa ciência.

Dessa forma, os autores ligados à corrente da Geogra�a Crítica mostraram a ligação da ci-
ência geográ�ca com as políticas expansionistas, imperialistas e de legitimação do poder
do Estado e da burguesia.

Como aponta Moraes (2005, p. 120):

Os geógrafos críticos apontaram a relação entre a Geogra�a e a superestrutura da dominação de


classe, na sociedade capitalista. Desvendaram as máscaras sociais aí contidas, pondo à luz os
compromissos sociais do discurso geográ�co, seu caráter classista. As razões da crise foram bus-
cadas fora da Geogra�a.

Uma das principais matrizes do pensamento crítico foi a Geogra�a Francesa, que, na se-
gunda metade do século 20, foi introduzindo questões econômicas, sociais e políticas na
análise do espaço geográ�co, aproximando o marxismo dos estudos geográ�cos.

Como explica Moraes (2005), a ala mais progressista da Geogra�a Regional francesa foi a
precursora da introdução do discurso político crítico. Já nas décadas de 1930 e 1940, Jean
Dresch antecipa essa incorporação da questão política na Geogra�a. Segundo Pedrosa
(2009), no texto O declínio do colonialismo, publicado em 1945, ainda que o marxismo não
esteja exposto de modo explícito, é possível notá-lo na análise que o autor faz do imperia-
lismo.

Devemos destacar o fato de Dresch se utilizar da ideia de necessidade de expansão ou manuten-


ção de territórios. A divisão territorial do trabalho aparece quando Dresch indica o fornecimento
de matérias-primas por parte das colônias e a comercialização dos produtos industrializados por
parte da metrópole. A face marxista também aparece quanto Dresch pede a presença dos delega-
dos dos trabalhadores e quando fala sobre o poder dos trustes nas negociações internacionais.
Fica evidente a referência à teoria do imperialismo de Lênin, em que, simpli�cadamente, os trus-
tes teriam o papel central e desestabilizador da economia capitalista (PEDROSA, 2009, p. 178).

Entretanto, é na década de 1960, no contexto do movimento de renovação da Geogra�a, que


a ala mais progressista da Geogra�a Regional Francesa incorporará a questão econômica e
política na análise geográ�ca. Nesse contexto, a obra Geogra�a Ativa publicada em 1964,
por Pierre George, com a co-autoria de Yves Lacoste, Bernard Kayser e Raymond
Guglielmo, demarca um campo de oposição à geogra�a hegemônica do período, fundada
em bases neopositivistas. Segundo Moraes (2005, p. 123-124), a proposta da Geogra�a Ativa
era a de “[...] executar um tipo de análise, que colocasse a descoberto as contradições do
modo de produção capitalista, nos vários quadros regionais”.
Na mesma perspectiva, Diniz Filho (2012) a�rma que a proposta da Geogra�a Ativa era a de
superar a impotência do paradigma lablacheano diante das mudanças provocadas pelo de-
senvolvimento do capitalismo industrial. Desse modo:

[...] asseguravam que a renovação epistemológica necessária em face das transformações recentes
tinha de passar pela superação do caráter “contemplativo” com que os geógrafos costumavam
produzir seus estudos até então (DINIZ FILHO, 2012, p. 138).

Entre os autores que mais se engajaram nesse processo de renovação da Geogra�a está
Pierre George (1920-2005), cuja vasta produção teórica é “[...] compreendida como uma ten-
tativa de harmonizar o marxismo com a geogra�a regional vidaliana” (PEDROSA, 2013, p.
100).

Para Moraes (2005), Pierre George buscou conciliar a metodologia da análise regional com
os conceitos do materialismo-histórico, com isso, passou a utilizar os termos relações de
produção, relações de trabalho, forças produtivas e a ação do grande capital nas suas aná-
lises geográ�cas.

Assim:

O intuito de tornar a geogra�a uma ciência apta a intervir na realidade não se resumia a trabalhar
com teorias e modelos que tivessem funções tanto explicativas quanto práticas, mas também
construir teorias críticas da sociedade capitalista que sinalizassem caminhos para a discussão
dos problemas sociais agudos, bem como conceber soluções no âmbito das lutas políticas (DINIZ
FILHO, 2012, p. 143).

Essa perspectiva teórica levou à incorporação de novos temas à Geogra�a, tais como os
problemas ligados à urbanização e aos desequilíbrios regionais, que deveriam ser corrigi-
dos por meio da intervenção estatal (DINIZ FILHO, 2012).

Outra contribuição importante de Pierre George é a obra A ação do homem, publicada em


1968, na qual, segundo Moreira (2008), a Geogra�a se identi�ca pela categoria do espaço.
O foco de George é o espaço. Embora nunca o de�na com clareza, o espaço é para ele o estrutura-
dor geográ�co das sociedades na história. E que lhe permite periodizá-la e quali�cá-la segundo
suas fases de organização no tempo. Assim, distingue as sociedades de espaço não organizado, e
as sociedades de espaço organizado, entre estas, por sua vez, as sociedades de espaço organizado
em base agrícola e as sociedades de espaço organizado com base industrial. Em cada uma dessas
formas de sociedade a técnica aparece como o elo do homem com o meio natural e o elemento que
o transporta para suas diferentes formas de existência, a sociedade saindo progressivamente do
estado de uma “geogra�a natural sofrida” (as sociedades de espaço não organizado) para o de uma
geogra�a da paisagem tecnicamente organizada em sua totalidade (as sociedades de espaço orga-
nizado) (MOREIRA, 2008, p. 33).

Essas considerações permitem identi�car Pierre George como um clássico, contribuindo


para a renovação crítica do pensamento geográ�co. Nesse mesmo contexto, cabe destacar
o papel de Yves Lacoste e sua crítica radical da Geogra�a Tradicional.

Sua principal obra foi A Geogra�a – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra, pu-
blicada em 1976. Nessa obra, Yves Lacoste procura interrogar o saber geográ�co e as práti-
cas que o constituem, deixa de lado algumas velhas e pertinentes questões e propõe ou-
tras.

Lacoste aponta a Geogra�a como dividida em dois planos, a saber: “A Geogra�a dos
Estados-Maiores” e a “Geogra�a dos professores”.

Segundo Lacoste (1977), a “Geogra�a dos Estados-Maiores” sempre existiu ligada à própria
prática do poder, seja pelo Estado ou, atualmente, por meio das grandes empresas, por
meio de estratégias de ação no domínio da superfície terrestre, de forma não explícita nas
teorias.

A geogra�a dos Estados Maiores, é um conjunto de representações cartográ�cas e de conhecimen-


tos variados referentes ao espaço; esse saber sincrético é claramente percebido como eminente-
mente estratégico pelas minorias dirigentes que o utilizam como instrumento de poder (LACOSTE,
1977, p. 31).

Já a “Geogra�a dos professores”, para o autor, teria a função, em primeiro lugar, de masca-
rar a existência da “Geogra�a dos Estados Maiores”, apresentando o conhecimento geográ-
�co como um saber inútil e, assim, mascarar o valor estratégico de saber pensar o espaço,
tornando-o desinteressante para a maioria das pessoas. Em segundo lugar, levantar, de
uma forma camu�ada, dados para a “Geogra�a dos Estados-Maiores” e, assim, fornecer in-
formações precisas sobre os variados lugares da Terra. Como evidência dessa a�rmação,
podemos citar o exemplo do Departamento de Estado dos EUA que utilizou as “ingênuas”
teses francesas nos bombardeios do Vietnã (LACOSTE, 1977).
A Geogra�a, assim,

[...] não serve somente para sustentar, na onda de seus conceitos, qualquer tese política, indiscri-
minadamente. Na verdade, a função ideológica essencial do discurso da geogra�a escolar e uni-
versitária foi, sobretudo, de mascarar, por procedimentos que não são evidentes, a utilidade práti-
ca da análise do espaço, sobretudo, para a condução da guerra, como ainda para organização do
Estado e a prática do poder. É sobretudo quando ele aparece “inútil” que o discurso geográ�co
exerce a função misti�cadora mais e�caz, pois a crítica, de seus objetivos “neutros” e “inocentes”
parece supér�ua. A sutileza foi a de ter passado um saber estratégico militar e político como se
fosse um discurso pedagógico ou cientí�co perfeitamente inofensivo (LACOSTE, 1977, p. 25).

Observamos, pois, que a crítica de Lacoste (1977) é bastante incisiva, apresentando a


Geogra�a como instrumento de dominação da burguesia e o seu caráter de classe.

Atenção!
A Geogra�a Crítica cria uma ruptura com a Geogra�a Tradicional, na medida em que busca a construção de um conheci-
mento que lhe seja contrário, de um discurso que combata as teorias que se contraponham às tradicionais.

Isso justi�ca Lacoste (1977) de�nir seu trabalho como “guerrilha epistemológica”, que será
a via revolucionária de renovação do pensamento geográ�co, que agrupa autores imbuídos
de uma perspectiva transformadora que negam a ordem estabelecida, que veem seu traba-
lho como instrumento de denúncia e como arma de combate. En�m, que propõem a
Geogra�a como mais um elemento na superação da ordem capitalista (MORAES, 2005).

Lacoste (1977) a�rma, ainda, que a sociedade possui uma visão fracionada do espaço – o
cidadão comum tem uma visão limitada à rua, ao bairro, à cidade. Contudo, os detentores
do poder (Estado ou a grande empresa) têm uma visão integrada do espaço, dada pela in-
tervenção articulada em vários lugares.

Argumenta o autor que é necessário construir uma visão integrada do espaço, numa pers-
pectiva popular, e socializar esse saber, pois ele possui fundamental valor estratégico nos
embates políticos. Diz explicitamente: “[...] é necessário saber pensar o espaço, para saber
nele se organizar, para saber nele combater”.

É preciso que as pessoas estejam mais bem armadas, tanto para organizar o seu deslocamento, co-
mo para expressar a sua opinião em matéria de organização espacial. É preciso que elas sejam ca-
pazes de perceber e de analisar su�cientemente rápido as estratégias daqueles que estão no poder,
tanto no plano nacional, como no internacional (LACOSTE, 1997, p. 182).

A sociedade necessita conhecer o espaço de forma integrada para poder se organizar me-
lhor sobre ele. Fica, então, de�nido, de modo claro, o conteúdo político da Geogra�a Crítica.

Lacoste (1977) expõe, ainda, que “[...] a Geogra�a é uma prática social em relação à superfí-
cie terrestre”, que o geógrafo Milton Santos (1978) complementa com a a�rmação: “[...] o es-
paço é a morada do homem, mas pode ser também sua prisão”.

Assim, observamos o caráter revolucionário da Geogra�a Crítica, que vai pensar na teoria e
na prática, com o ideal de que não basta apenas explicar o mundo, mas também é preciso
transformá-lo.

Para Moraes (2005, p. 124):

Tratava-se de explicar as regiões mostrando não apenas suas formas e sua funcionalidade, mas,
também, as contradições sociais aí contidas: a miséria, a subnutrição, as favelas – en�m, as con-
dições de vida de uma população, que não aparecia nas análises tradicionais de inspiração ecoló-
gica.

Assim, a Geogra�a Crítica colocou-se como uma �loso�a de denúncia, mas não rompia
metodologicamente com a Geogra�a Tradicional, pois ainda adota a descrição, a observa-
ção e o empirismo. No entanto, com o pensamento que “não basta descrever o espaço, mas
é preciso explicá-lo”; no mais, a Geogra�a abordava, agora, novos tópicos antes não estuda-
dos.

Tal fato �ca nítido nas obras: Geogra�a da fome, de Josué de Castro, e na obra Geogra�a do
subdesenvolvimento, de Yves Lacoste. De acordo com Moraes (2005, p. 124):

Estes livros não iam além da proposta regional, porém apresentavam realidades tão contraditóri-
as, que sua simples descrição adquiria uma força considerável de denúncia, fazendo da Geogra�a
um instrumento de ação política.

Josué de Castro, por exemplo, contrariando as teses o�ciais que se disseminaram após a
Segunda Guerra Mundial, que a�rmavam em perspectiva evolucionista que os países po-
bres estariam em uma situação transitória de miséria, que seria superada a partir da repe-
tição dos mesmos processos que levaram os países ricos a se tornarem desenvolvidos, de-
nunciava:

O subdesenvolvimento não é, como muitos pensam equivocadamente, insu�ciência ou ausência


de desenvolvimento. O subdesenvolvimento é um produto ou um subproduto do desenvolvimento,
uma derivação inevitável da exploração econômica colonial ou neocolonial, que continua se exer-
cendo sobre diversas regiões do planeta (CASTRO, 1973, p. 2).
Outro tema presente nos estudos de Josué de Castro foi a fome, sobre a qual realizou um
estudo detalhado. Para ele, o método geógrafo era o único e�caz sobre a questão:

Não o método puramente descritivo da antiga geogra�a, velha como o mundo, mas o método da
ciência geográ�ca que é nova, que é quase dos nossos dias. Que se corpori�cou dentro dos princí-
pios cientí�cos formulados pelas experiências de geógrafos como Karl Ritter, Humboldt, Ratzel e
Vidal de La Blache (CASTRO, 1937, p. 24-25).

A base da de�nição do método de Josué de Castro está nos quatro “princípios geográ�cos”,
que podem ser notados em toda a sua obra:

Só a Geogra�a, que considera a Terra como um todo, e que ensina a saber ver os fenômenos que se
passam em sua superfície, a observá-los, agrupá-los e classi�cá-los, tendo em vista a sua localiza-
ção, extensão, coordenação e causalidade, – pode orientar o espírito humano na análise do vasto
problema da alimentação, como um fenômeno ligado, através de in�uências recíprocas, à ação do
homem, do solo, do clima, da vegetação e do horizonte de trabalho (CASTRO, 1937, p. 25-26).

A Geogra�a desenvolveu-se, também, por meio de estudos temáticos, especialmente do co-


nhecimento das cidades. Observamos a contribuição de não geógrafos como:

1. o sociólogo M. Castels, com a obra clássica A questão urbana;


2. o �lósofo H. Lefebvre, por meio da obra A produção do espaço;
3. os urbanistas J. Lojikine e M. Folin;
4. o �lósofo M. Foucault, com a obra Microfísica do poder.

Essas teorias extrageográ�cas foram bené�cas, pois romperam o isolamento do geógrafo,


que é uma das metas da Geogra�a Crítica.

Henri Lefebvre, por exemplo, exerceu uma forte in�uência sobre os estudos de Geogra�a
Urbana brasileira. Sua obra A produção do espaço passou a ser amplamente lida por geó-
grafos, sobretudo por aqueles vinculados a uma teoria marxista, ainda que a obra apresen-
te uma forte in�uência da fenomenologia.

Como explica Souza (2009, p. 4):


A fundamentação teórica de Lefebvre tem como objetivo principal desvendar essa realidade atual,
para tanto o parâmetro é a vida cotidiana na sociedade moderna. Nesta acepção o autor relata que
o espaço contém e está contido nas relações sociais, logo o real é historicamente construído tendo
como representação mental o urbano e a cidade como expressão material desta representação.

Trata-se de uma de�nição de cidade (e de urbano) como sendo uma projeção da sociedade sobre
um espaço, não apenas sobre o aspecto da vida social de cada lugar, mas também no plano da re-
presentação abstrata. A partir desse raciocínio Lefebvre (1974) deduz que o espaço traduz um con-
junto de diferenças, ou seja, é o lócus de coexistência da pluralidade e das simultaneidades de pa-
drões, de maneiras de viver a vida urbana. Contudo, não descarta a idéia de que o espaço também
é o lugar dos con�itos, onde a exploração subordina não apenas a classe operária como outras
classes sociais.

Desse modo, o espaço expressa e intervém nas relações sociais de produção, podendo ser
compreendido em sua historicidade. Como o próprio Lefebvre esclarece no Prefácio, escrito
em 1985 para a segunda edição do livro A produção do espaço:

Se o espaço (social) intervém no modo de produção, ao mesmo tempo efeito, causa e razão, ele mu-
da com esse modo de produção! Fácil de compreender: ele muda com "as sociedades" - querendo-
se exprimi-lo assim. Portanto, existe uma história do espaço. (Como do tempo, como do corpo, co-
mo da sexualidade etc.). História ainda por escrever. O conceito de espaço liga o mental e o cultu-
ral, o social e o histórico. Reconstituindo um processo complexo: descoberta  (de espaços novos,
desconhecidos, dos continentes ou do cosmos); produção (da organização espacial própria de cada
sociedade);   criação   (de obras: a paisagem, a cidade com a monumentalidade e o cenário)
(LEFÉBVRE, 2013, p. 126).

Segundo Limonad (1999, p. 73), para Lefebvre, “[...] o espaço socialmente produzido assume
um papel interativo com as relações sociais de produção”, ou seja, com a produção das re-
lações sociais e a reprodução de certas relações.

Para Lefebvre a reprodução ampliada e as novas condições materiais do capitalismo estariam in-
timamente relacionadas aos processos pelos quais o sistema capitalista como um todo consegue
ampliar sua existência através da manutenção e disseminação sócio-espacial de suas estruturas.
Tanto a nível da reprodução do cotidiano, da reprodução da força de trabalho e dos meios de pro-
dução quanto a nível da reprodução das condições gerais e das relações gerais sociais de produ-
ção, onde a organização do espaço passa a desempenhar um papel fundamental. Seria no espaço
socialmente produzido, o espaço urbano do capitalismo mesmo no campo, onde se reproduziriam
as relações dominantes de produção através de um espaço social concretizado, criado, ocupado e
fragmentado conforme as necessidades da produção e do capitalismo, o espaço socialmente pro-
duzido assume um papel interativo com as relações sociais de produção (LIMONAD, 1999, p. 73).

No Brasil e no mundo, outra obra bastante importante à Geogra�a Crítica, merecendo aqui
ser destacada, de conteúdo normativo, é a obra Por uma Geogra�a nova, publicada pelo
brasileiro Milton Santos, em 1978. Nessa obra, o autor busca dar uma resposta à questão O
que é a Geogra�a?, e toda a sua proposta será uma tentativa de apreender e estudar o espa-
ço social, sendo uma das obras mais amplas e substantivas empreendidas pela Geogra�a
Crítica.

Nessa obra, Milton Santos trava uma discussão com a chamada Geogra�a Quantitativa que
predominava no período. Como apontava, o principal problema dessa corrente não estava
na quanti�cação, que representava, no máximo, um instrumento de análise. Para ele, o pe-
cado maior da Geogra�a Quantitativa era que:

Ela desconhece totalmente a existência do tempo e suas qualidades essenciais. A aplicação de


correntes matemáticas à geogra�a permite trabalhar com estágios sucessivos da evolução espaci-
al mas é incapaz de dizer alguma coisa sobre o que se encontram entre um estágio e outro. Temos,
assim, uma reprodução de estágios em sucessão, mas nunca a própria sucessão. Em outras pala-
vras, trabalha-se com resultados, mas os processos são omitidos, o que equivale a dizer que os re-
sultados podem ser objeto não propriamente de interpretação, mas de misti�cação (SANTOS, 2008,
p 74-75).

Outra crítica realizada pelo autor foi em relação à chamada “geogra�a da percepção”, cujos
fundamentos teóricos estão na justi�cativa de que as percepções também são dados objeti-
vos. Porém, como argumenta Santos (2008, p. 93-94), os defensores dessa visão esquecem-
se de que:

De um lado, a percepção individual não é o conhecimento, de outra forma, a coisa não seria objeti-
va e a própria teoria da percepção seria incompleta, senão inútil. De outro lado, a simples apreen-
são da coisa, por seu aspecto ou sua estrutura externa, nos dá o objeto em sim mesmo, o que ele
apresenta, mas não o que ele representa.

As críticas do autor a essas correntes e a outros modelos têm como objetivo central cha-
mar a atenção para a negligência do espaço nos estudos geográ�cos, em outras palavras, a
produção de uma geogra�a “viúva do espaço”. Nessa perspectiva, para Milton Santos, na-
quele momento era essencial defender o espaço como objeto da Geogra�a.

A partir disso, o autor apresenta uma série de conceituações sobre o espaço geográ�co, sa-
lientando o papel do homem na sua produção, e que o espaço não é um mero re�exo ou
uma estrutura subordinada à economia, uma vez que as determinações sociais não podem
ignorar as condições espaciais concretas pré-existentes, ou seja, as rugosidades.

Rugosidades
As rugosidades são o espaço construído, o tempo histórico que se transformou em paisagem incorporado ao
espaço. As rugosidades nos oferecem, mesmo sem tradução imediata, restos de uma divisão de trabalho in-
ternacional, manifestada localmente por combinações particulares do capital, das técnicas e do trabalho
utilizados.
Assim, o espaço, espaço-paisagem, é o testemunho de um modo de produção nestas suas manifestações
concretas, o testemunho de um momento do mundo (SANTOS, 2008, p. 173).

Considerando essas questões, o autor, em um esforço para de�nir o objeto da geogra�a,


a�rma que o espaço é “um acúmulo de tempos desiguais”:

O espaço deve ser considerado como um conjunto de relações realizadas através de funções e de
formas que se apresentam como testemunho de uma história escrita por processos do passado e
do presente. Isto é, o espaço se de�ne como um conjunto de formas representativas das relações
sociais do passado e do presente e por uma estrutura representada por relações sociais que estão
acontecendo diante dos nossos olhos e se manifestam através de processos e funções. O espaço é,
então, um verdadeiro campo de forças cuja aceleração é desigual. Daí porque a evolução espacial
não se faz de forma idêntica em todos os lugares (SANTOS, 2008, p 150).

Essa obra teve, portanto, o mérito de chamar a atenção para a necessidade de a�rmar o ob-
jeto da Geogra�a, tornando-se uma das principais referências teóricas que, de certa forma,
inauguram a Geogra�a Crítica no Brasil.

Cabe expor, ainda, o avanço da Geogra�a Crítica nos Estados Unidos, que surgiu do desejo
de alguns geógrafos tomarem maior conhecimento das realidades existentes e da consta-
tação de injustiças sociais que os cercavam (ANDRADE, 1987).

Assim, segundo Andrade (1987), surgem, nos Estados Unidos, três movimentos:

• O das expedições geográ�cas: formulada por W. Bunge, professor universitário, que se


preocupou com a realidade de um bairro negro de Fitzgerald, onde os habitantes vivi-
am em condições precárias. Levou professores e alunos para estudarem o bairro, rea-
lizando cursos ao ar livre e discutindo problemas sociais.
• O da publicação da revista Antipode: organizada em 1969, com base nas expedições
de W. Bunge, e passou a fazer uma crítica radical tanto à Geogra�a Tradicional quanto
à Geogra�a Teorética.
• O da fundação dos Geógrafos Socialistas: fundada em 1974, não tem caráter político-
militante nem pro�ssional. A�uem interessados pela Geogra�a e pela mudança soci-
al.

A Geogra�a Radical na América do Norte teve dois grandes líderes, ambos neopositivistas,
até os �ns da década de 1960: David Harvey e W. Bunge.

Trata-se de uma corrente que surge com objetivo de procurar no socialismo as alternativas
para uma sociedade capitalista em crise, que procura novos caminhos, novas alternativas,
tanto cientí�cas como sociopolíticas (ANDRADE, 1987).

O principal nome da Geogra�a Crítica norte americana foi o já citado David Harvey. Entre
os seus trabalhos que enfocam o urbano, publicou, em 1973, a obra Justiça social e a cida-
de, na qual faz uma profunda autocrítica e rompe com a corrente quantitativa, para a qual
ele também trouxe grandes contribuições. Harvey realiza uma leitura das colocações mar-
xistas, tentando empregar a teoria da renda fundiária na análise da valorização do espaço
urbano.

David Harvey é considerado, na atualidade, um dos mais importantes teóricos marxistas,


com uma vasta obra intelectual cujas análises das transformações capitalistas do espaço
têm sido incorporadas por diversos campos das ciências humanas. Como mostra Pereira
(2010, p. 70-71):

David Harvey se coloca como tarefa a elaboração de uma teoria geral das relações espaciais e do
desenvolvimento geográ�co no modo de produção capitalista a partir da teoria social marxista,
como forma a contribuir também para a explicação das transformações das funções do Estado. O
autor teoriza como a dimensão espacial tem sido historicamente apropriada pelo capital e como
as suas dinâmicas imprimem uma racionalidade que assegure, mesmo a partir de suas crises e
contradições, a reprodução e ampliação das condições fundamentais para a acumulação capitalis-
ta.

Entre as principais obras do autor estão Os limites do capital, Condição Pós-Moderna,


Espaços de Esperança, A Produção Capitalista do Espaço, O Enigma do Capital e O Novo
Imperialismo, cuja perspectiva marxista permite compreender os processos de reprodução
do capital, tanto no espaço urbano como em uma escala global, bem como entender as cri-
ses capitalistas de superacumulação e o papel do espaço nessa dinâmica.

Em relação ao método de estudo, a Geogra�a Crítica passou a adotar o Materialismo


Dialético ou Materialismo Histórico como método de análise, pois esse é um método histó-
rico que pode dar melhores resultados quando da interpretação dos problemas sociais (rea-
lidade concreta).

Materialismo Histórico Dialético


Corrente �losó�ca que entende as relações humanas em constante renovação, por meio do dualismo intrín-
seco em nossas atividades e pensamentos, o que nos levaria a mudanças qualitativas e quantitativas, ao
longo do tempo (Dialética), e baseadas nas relações de produção humanas (Materialismo).

Assim, a ruptura metodológica nas ciências humanas ocorre com base nas ideias desen-
volvidas por Marx (1816-1883), que mostra a História comandada e realizada pela
Sociedade, por meio da luta de classes (interesses con�itantes entre as diferentes classes
sociais).

Na obra Contribuição da Crítica da Economia Política (1859), Marx assim resume as con-
clusões a que chegou ao estudar o desenvolvimento do capital:

[...] na produção social de sua existência, os homens entram em relações determinadas, necessári-
as, independentes de sua vontade; estas relações de produção correspondem a um grau determi-
nado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto destas relações de pro-
dução constituem a estrutura econômica da sociedade, a base real, sobre a qual se eleva uma su-
perestrutura jurídica e política e a qual correspondem formas sociais determinadas de consciên-
cia. Não é a consciência dos homens o que determina a realidade; ao contrário, a realidade social é
a que determina sua consciência. Em um certo estado de seu desenvolvimento, as forças produti-
vas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o
que não é mais que a expressão jurídica disso, com relações de propriedade no seio das quais se
haviam movido até então. De formas de desenvolvimento que eram, estas relações transformam-
se em seus entraves (MARX, 2008, p. 47).

O Método “Dialético-Marxista” tem como base as contradições da sociedade, e essas con-


tradições são os fundamentos para as transformações sociais – daí a história da sociedade
ser comandada pelo con�ito de interesses entre as diferentes classes sociais.

Além disso, é importante salientar que, na perspectiva do materialismo histórico e dialéti-


co, a compreensão da realidade deve ter como ponto de partida a realidade concreta e não
uma ideia qualquer, por isso, divergindo do idealismo, Marx (2008, p. 258-259) a�rma que:

O concreto é concreto porque é a síntese das múltiplas determinações, isto é, unidade do diverso.
Por isso, o concreto aparece no pensamento como processo da síntese, como resultado, e não co-
mo ponto de partida, embora seja o verdadeiro ponto de partida e, portanto, o ponto de partida
também da intuição e da representação. No primeiro método, a representação plena volatiliza-se
na determinação abstrata; no segundo, as determinações abstratas conduzem à reprodução do
concreto por meio do pensamento.

Saviani (2009), ao abordar esta formulação de Marx, esclarece:

Poder-se-ia dizer que o concreto – ponto de partida é o concreto real e o concreto-ponto de chega-
da é o concreto pensado, isto é, a apropriação do pensamento pelo real concreto. Mais precisamen-
te: o pensamento parte do empírico, mas este tem como suporte o real concreto. Assim, o verda-
deiro ponto de partida, bem como o ponto de chegada, é o concreto real. Desse modo, o empírico e
o abstrato são momentos do processo de conhecimento, isto é, do processo de apropriação do con-
creto no pensamento (SAVIANI, 2009, p. 5).

Assim, a Geogra�a Crítica traz, a partir do referencial marxista, a preocupação de compre-


ender o espaço geográ�co a partir de sua base material concreta das contradições sociais e
do movimento da sociedade em sua totalidade.

Partindo desse referencial marxista, Ruy Moreira (1978) a�rmava que a geogra�a serve pa-
ra desvendar as máscaras sociais, ou seja, sair da aparência para compreender a essência
das coisas.

Finalizando os estudos da Geogra�a Crítica, é importante colocar que, embora ela traga no-
vas perspectivas à Geogra�a, especialmente em relação ao campo social, apresenta, tam-
bém, alguns pontos falhos, que serão criticados pelas outras correntes geográ�cas.

A citação a seguir, de Moraes (2005, p. 125), apresenta as principais críticas cabíveis à


Geogra�a Crítica ou Radical:

A Geogra�a Radical não realizou por inteiro a crítica da Geogra�a Tradicional, apesar de politizar
o discurso geográ�co. [...] Se, por um lado, criava uma perspectiva de militância, por outro não re-
solvia a contento as questões internas dessa disciplina, pois colocava a explicação das realidades
estudadas fora do âmbito da Geogra�a, �cando esta como um levantamento dos lugares [...].
Assim, limitava-se a um estudo das aparências, sem possibilidade de indagar a respeito da essên-
cia dos problemas. [...] Poder-se-ia dizer que estes autores tinham uma ética de esquerda, porém
instrumentalizada numa epistemologia positivista.

Outra crítica profunda feita à Geogra�a Radical é em relação ao método por ela utilizado,
pois, “[...] enquanto na perspectiva positivista as respostas e as soluções podem ser erradas
e modi�cadas, procura-se melhorá-las e veri�car sua validade pela refutação”
(CHRISTOFOLETTI, 1982, p. 101).

Na perspectiva marxista, as proposições não podem ser veri�cadas nem colocadas sob refutação.
Elas são dogmáticas e as respostas e soluções são mais importantes que os problemas.
Encontram-se já prontas as soluções marxistas para os problemas do mundo (CHRISTOFOLETTI,
1982, p. 101-102).

Assim, as críticas feitas pelos geógrafos referem-se, especialmente, à metodologia empre-


gada, como coloca Christofoletti (1982, p. 2):

No setor da metodologia, os geógrafos radicais têm-se esforçado em fazer uma crítica profunda e
intensa sobre as perspectivas positivistas e funcionalistas imperantes na Geogra�a. Mas não se
usa da mesma preocupação e critérios para analisar a perspectiva marxista.

Observamos que a Geogra�a Crítica mostrou um grande empenho para romper com mui-
tos dos postulados impostos pela Geogra�a Tradicional, chocando-se diretamente com a
Geogra�a Quantitativa, buscando inserir no contexto geográ�co a questão social, que, por
séculos, �cou à margem dessa ciência. Assim, os geógrafos críticos, em suas diferentes
abordagens, assumem uma perspectiva popular e de transformação da ordem social.

8. Abordagens Alternativas da Geogra�a


Com o movimento da renovação da geogra�a, surgiu a Geogra�a Quantitativa e, posterior-
mente, a Geogra�a Crítica.

Vejamos, agora, as correntes alternativas surgidas do movimento de renovação.

As novas mudanças sociais, políticas, econômicas e tecnológicas impostas após a


Segunda Guerra Mundial, o crescimento da economia e o surgimento das ideias marxistas
levaram à reformulação das ciências naturais e humanas.

A Geogra�a, nesse contexto, passa por uma reestruturação: os geógrafos incorporam novas
perspectivas, concepções e métodos a essa ciência.

Até o momento, vimos as abordagens de maior repercussão, fruto do movimento de reno-


vação da Geogra�a: a Geogra�a Quantitativa e a Geogra�a Crítica, que vão fazer uma crítica
à Geogra�a Tradicional e incorporar novos estudos epistemológicos e metodológicos à ci-
ência geográ�ca.

No entanto, veremos aqui as tendências geográ�cas alternativas, uma vez que os diversos
geógrafos seguiram diferentes caminhos, com variadas perspectivas e concepções, do que
é Geogra�a e de como essa ciência deve ser estruturada.

De acordo com Christofoletti (1985), as correntes geográ�cas alternativas são:

• Geogra�a Humanística: emprega a fenomenologia (o estudo da consciência sob o


ponto de vista do comportamento humano).
• Geogra�a Idealista: estuda as ações envolvidas pelo pensamento que levam às ativi-
dades humanas.
• Geogra�a Têmporo-Espacial: estuda as atividades do homem segundo o tempo e o es-
paço, traçando ritmos de vida.

A seguir, vejamos maiores detalhes sobre cada umas das correntes geográ�cas alternati-
vas.

Geogra�a do Comportamento e da Percepção (Geogra�a


Humanística)
Para Tuan (apud MELLO, 2001, p. 95): “Geogra�a é o estudo da Terra como o lar das pesso-
as”.

Segundo Gomes (2003, p. 307), “[...] a de�nição da geogra�a humanista herda todos os pro-
blemas advindos da própria noção de humanismo, o que nem sempre é utilizado com os
mesmos limites, nem com o mesmo conteúdo”.

Essa corrente surge da preocupação com o crescimento desordenado e com os altos custos
sociais e políticos do capitalismo, com o crescer da pobreza e da miséria, e com o uso das
novas tecnologias.

Assim, um grupo de geógrafos busca descobrir os caminhos que contornassem a difícil


crise que a humanidade enfrentava, por intermédio do estudo da psicologia aliada ao meio
natural.

A geogra�a humanista compreende que, ainda que se parta de um ponto antropocêntrico, a ação
humana não pode jamais estar separada de seu contexto, seja ele social ou físico. A relação entre
consciência e meio ambiente, e seu grau de implicação recíproca variam de uma quase indepen-
dência, para os idealistas, a uma quase determinação, para os materialistas. No entanto, por mais
extremas que sejam estas duas posições, elas são sempre contextualizadas, seja em relação ao
progresso do espírito na História, seja em relação à transformação do espaço pela sociedade
(GOMES, 2003, p. 311).

Segundo Gomes (2003), algumas caraterísticas fundamentais do humanismo foram reto-


madas pela geogra�a, sendo que:

• A primeira concerne à incontornável visão antropocêntrica do saber. Segundo a ex-


pressão consagrada, o homem é a medida de todas as coisas e não existe conheci-
mento objetivo sem a consideração deste pressuposto. A subjetividade do saber é um
dos traços mais marcantes do humanismo e deriva diretamente desta concepção an-
tropocêntrica. Na geogra�a, isso signi�ca que a de�nição de uma espacialidade não
pode ser estabelecida através da objetivação de uma ciência racionalista.
• A segunda característica […] é uma posição epistemológica holística. Com efeito, o hu-
manismo refuta vigorosamente o procedimento analítico, acusando de perder a rique-
za do todo, limitando-se à análise das partes. O todo não é a soma das partes e o fato
de se estudar os fenômenos somente sob certos aspectos não permite dar conta da to-
talidade fenomenológica.
• O terceiro ponto importante para os humanistas é aquele do homem considerado co-
mo produtor de cultura – cultura no sentido de atribuição de valores às coisas que nos
cercam. Assim, esta cultura só pode ser interpretada a partir do código dos grupos que
a criaram. O ato de generalização, necessário a toda tentativa de teorização, conduz
sempre a uma perda relativa dos contextos particulares, que são precisamente os ele-
mentos fundadores da cultura. […] Assim, generalizar signi�ca, para os humanistas,
negligenciar as propriedades fundamentais dos contextos particulares.
• O quarto ponto da concepção humanista da geogra�a concerne justamente ao método.
Se o método lógico e analítico trabalha com abstrações arti�ciais, somente um proce-
dimento que leva em conta os contextos próprios e especí�cos a cada fenômeno pode
ser considerado como e�ciente. Este método se chama hermenêutica, isto é, a arte de
interpretação, e, segundo Mircea Eliade (1971), a de�nição de um novo humanismo
não pode se privar da hermenêutica, único método e�caz de interpretação.

Dessa forma, o geógrafo deve ser um observador, com a tarefa de interpretar tudo aquilo
que �gura o espaço. E faz isso constantemente por meio das monogra�as quando na sua
análise parte da história para construir a con�guração espacial atual, identi�cando hábi-
tos, costumes e cultura. Assim, os geógrafos humanistas propuseram retornar aos clássi-
cos, que, ao trabalhar com o método da descrição regional, poderiam encontrar nesses tex-
tos a verdadeira geogra�a. Nestes estudos e com os autores que se propuseram a fazer isso,
foram de�nidas duas matrizes. Segundo Gomes (2003, p. 316): “[...] a primeira, inspirada por
um certo psicologismo cultural e pela semiologia, de�ne-se como um estudo do espaço vi-
vido. A segunda diz respeito à abordagem que aproxima a fenomenologia e a geogra�a”.

A preocupação entre o psicológico e o meio natural é encontrada já na antiguidade entre os gre-


gos, com Heródoto, e no século XVIII, na França com Montesquieu; também não esteve ausente no
pensamento das escolas determinista e possibilista dos inícios da Geogra�a Moderna, havendo
até autores que defenderam a existência de uma Geopsicologia (ANDRADE, 1987 apud SARTORI,
2000, p. 17).

Daí haver entre discípulos de Jean Brunhes aqueles que caminharam sempre em uma área
de conhecimento bem próxima à Antropologia Cultural e à Psicologia Social (ANDRADE,
1987).

A Geogra�a Humanística critica a Geogra�a Quantitativa, pois pensa especialmente no homem, no social, e
na realidade vivenciada.

A escola em estudo apresenta aspectos vindos do positivismo e do “kantismo” (Kant), es-


tando alguns dos seus seguidores altamente comprometidos com o humanismo,
dedicando-se exclusivamente ao esforço desempenhado pelo homem – como ser indepen-
dente, não com a sociedade na forma como ela se apercebe do espaço. É, assim, profunda-
mente subjetivista (ANDRADE, 1987).
O humanismo, que contextualiza todas as coisas a partir da cultura, é obrigado, também, a interro-
gar-se sobre a natureza dos fenômenos da personalidade e do comportamento. Assim, ele trata de
um objeto interior, a personalidade ou a individualidade, e a questão que se coloca é a de saber
quais podem ser as garantias para conhecê-las verdadeiramente. A psicologia nos responde, suge-
rindo que, em razão da impossibilidade de tratá-las diretamente, o espírito só se deixa conhecer
através de seu comportamento e de sua linguagem (GOMES, 2003, p. 321).

Behaviorista
Na abordagem behaviorista, o comportamento é de�nido como o conjunto de respostas previsíveis a estí-
mulos dados, isto é, o comportamento humano pode ser representado por equações diretas. Assim, o estudo
do comportamento é acessível a uma conduta objetiva, que reconhece uma mesma estrutura para todos os
organismos, do mais simples ao mais complexo (GOMES, 2003).

Numa linha behaviorista, em Geogra�a, os seguidores preocuparam-se, sobretudo, com

[...] os modelos de sociedade empregados na investigação geográ�ca, a multidisciplinaridade, a


orientação para a política de planejamento, e o desejo de produzir estudos geográ�cos mais inte-
gralmente envolvidos na educação ambiental e na interpretação do meio ambiente (GOODEY;
GOLD, 1986, p. 16).

Essa tendência leva o geógrafo a realizar estudos para caracterizar como o indivíduo tem a
percepção do lugar próximo. No entanto,

[...] esta posição básica di�culta qualquer re�exão objetiva, coletiva, uma vez que a percepção de
cada lugar será realizada de forma diferente entre indivíduos. Assim, o que muitos geógrafos criti-
cam nessa corrente é que não haveria uma concepção do espaço, quando se passasse do individu-
al ao social, mas uma superposição de espaços para um mesmo lugar (ANDRADE, 1987, p. 113).

Para Gomes (2003, p. 323):

A geogra�a humanista, sobretudo a que privilegia o espaço vivido, trata exatamente das represen-
tações de ordem simbólica que estruturam uma atitude e uma concepção dadas em relação a um
espaço de referência. A ordem simbólica não está ligada à racionalidade, da mesma forma que os
comportamentos e as atitudes no espaço também não advêm desta racionalidade. É por motiva-
ções do comportamento social no espaço não pode partir de modelos lógicos gerais.

As ideias centrais, defendidas por numerosos geógrafos, como David Lowenthal, Yi-Fu
Tuan e Anne Buttimer, entre outros, tiveram repercussão no Brasil, onde a professora Lívia
de Oliveira, ao traduzir a obra de Yi-Fu Tuan (1974), tornou-se a maior defensora dos prin-
cípios da Geogra�a da Percepção.
Segundo os adeptos da Geogra�a da Percepção o sujeito possui um papel ativo na construção das
realidades e na relação com os objetos do conhecimento, construindo representações das realida-
des estudadas. Essa postura transforma a Geogra�a humanística progressivamente numa corren-
te construtiva. Assim ela vai abrir caminho para uma nova abordagem da Geogra�a. A disciplina
não mais será aquela que diz como é a superfície terrestre e como essa funciona (Geogra�a clássi-
ca); e nem será apenas aquela que diz como os espaços humanos devem ser usados ou são produ-
zidos (Quantitativa e Crítica/marxista); mas será aquela que examina como o “espaço produz” o in-
divíduo (Geogra�a Humanística) e a vida social (Geogra�a contemporânea e renovada). Essa cor-
rente procura ultrapassar o dualismo entre processo cognitivo e a forma espacial e extrai da feno-
menologia a vontade de considerar o objeto e o sujeito integrados na unidade vivida da existência
e da experiência primitiva nos diferentes domínios. Isso deve se constituir na preocupação central
de uma Geogra�a social do homem (OLIVA, 2008).

A fenomenologia, aos poucos, vai sendo usada na geogra�a humanística, emprestando as


bases metodológicas e conceituais. E uma das primeiras referências é Sauer, que estudava
as paisagens de acordo com a ordem cultural. A fenomenologia aparece em seu artigo so-
bre a morfologia da paisagem, mas é entendida sob esse aspecto cultural. Portanto, não há
clareza dos conceitos, a não ser em relação a Geogra�a Cultural.

Essa clareza dos conceitos da fenomenologia somente se dará a partir dos anos 1970, com
os textos de Relph e Yi-Fu-Tuan.

Relph defende a fenomenologia como método, o qual, segundo ele, já teria provado a sua ri-
queza. E cita dois pontos que já dariam nova dimensão aos estudos geográ�cos:

[...] o primeiro é o caráter de utilidade de todo fato cultural, sempre inscrito dentro de uma pers-
pectiva prática, ativa ou potencial. O segundo ponto é o incontornável caráter antropocêntrico de
todo conhecimento, do que se deriva que uma explicação só é satisfatória na medida em que é
fundada sobre a compreensão das intenções e das atitudes humanas (GOMES, 2003, p. 326-327).

Pela sua subjetividade, a fenomenologia poderia resolver até mesmo a dicotomia entre o
homem e a natureza, podendo produzir a uni�cação do campo geográ�co e, em última
análise, serviria como um instrumento de crítica à ciência racional.

Yi-Fu Tuan, em texto de 1971, parte de uma mesma crítica em relação à ciência objetiva.
Segundo ele, os clássicos minimizam a importância e o papel da consciência humana.
Dessa forma, a fenomenologia reestabelece as signi�cações por garantir a subjetividade.
Para Tuan, haveria duas formas de produzir o conhecimento: a intelectual e a existencial. A pri-
meira trata do mundo como uma coleção de objetos, busca resgatar dele uma ordem, uma hierar-
quia, e seu objetivo �nal é o de produzir uma classi�cação teórica. Na forma existencial, o mundo
é composto por purposeful beings e o objetivo maior é reconhecer “o domínio da vontade e a busca
de sentido”. Na geogra�a, a estas duas formas correspondem dois modelos de ciência: o modelo
ambientalista e o existencial, ou ainda, o modelo nomotético e o modelo idiográ�co (GOMES, 2003,
p. 328).

Segundo esse autor, a contribuição de Tuan é fundamental, “[...] pois ele busca compreen-
der o mundo humano estudando as relações entre os homens e a natureza, seu comporta-
mento geográ�co e seus sentimentos e ideias frente ao espaço e aos lugares”. Ele se ocu-
pou dos conceitos de espaço, do homem e da experiência. A sua conduta é de estabelecer
“[...] o sentido particular de cada cultura em relação a seu espaço” (GOMES, 2003, p. 329).

A Geogra�a Humanística “[...] não contesta a ordem estabelecida e transfere ao individual


e ao pessoal, muitos problemas considerados por outros grupos como sociais. Ela é contes-
tatória frente à ordem dominante” (ANDRADE, 1987, p. 184).

Na atual situação, em que os problemas ambientais vêm demandando cada vez mais aten-
ção, colocando em risco a existência da humanidade, o grupo em estudo tem grande cam-
po de ação, participando de uma luta de defesa do meio ambiente.

Porém, Gomes (2003) alerta que “[...] esta corrente fenomenológica deve ser vista muito
mais como um meio de renovação da ciência dita objetiva, do que como uma via alternati-
va para estabelecer uma base autônoma para a geogra�a”.

Geogra�a Idealista
A Geogra�a Idealista surge da preocupação na valorização e compreensão das ações en-
volvidas nos fenômenos terrestres e procura focalizar seu aspecto interior, que é o pensa-
mento subjacente às atividades humanas (CHRISTOFOLETTI, 1985).

Essa corrente se baseia na teoria desenvolvida pelo �lósofo e historiador R. G. Collingwood,


que a�rma que uma ação tem dois aspectos:

• Interior: aspecto por trás dos aspectos observáveis.


• Exterior: pode ser descrito em função dos corpos e de seus movimentos; é visível
(CHRISTOFOLETTI, 1985).

Vale ressaltar que o geógrafo Leonard Guelke, a partir de 1974, vem incorporando essa teo-
ria aos estudos geográ�cos, aplicando-a na Geogra�a Histórica (1975) e na Geogra�a
Regional (1977).
A Geogra�a Idealista critica a Geogra�a Quantitativa, pois entende que os geógrafos quan-
titativos apenas estiveram

[…] relacionados com os atributos externos dos fenômenos e com sua associação espacial. O idea-
lismo é uma alternativa ao positivismo, tomando plena consideração da dimensão do pensamento
no comportamento humano. O geógrafo idealista considera que as ações humanas não podem ser
explicadas adequadamente a menos que se compreenda o pensamento subjacente a elas
(CHRISTOFOLETTI, 1985, n. p.).

Desse modo:

[...] o positivista procura explicar o comportamento como uma função dos atributos externos dos
fenômenos; o idealista procura compreendê-lo em termos dos princípios internos do indivíduo ou
do grupo envolvido. Em outras palavras, o idealista tenta explicar os padrões de paisagens repen-
sando os pensamentos das pessoas que os criaram (GUELKE, 1975 apud CHRISTOFOLETTI, 1985, n.
p.).

Ainda segundo Christofoletti (1985, n. p.):

Em seu artigo de 1974 ‘An idealist alternative’ (A Alternativa Idealista), Guelke observa que o geó-
grafo humano está interessado especialmente na forma pela qual uma ação possa se desenrolar,
em compreender a resposta racional para o fenômeno, mas não na explicação do fenômeno em si.

As formas de atividades humanas, em níveis individual e social, modi�caram e transfor-


maram a superfície terrestre. Assim, o “[...] objetivo do geógrafo humano idealista é com-
preender o desenvolvimento da paisagem cultural da Terra ao revelar o pensamento que
jaz atrás dele” (CHRISTOFOLETTI, 1985, n. p.).

Segundo a corrente idealista, deve-se refazer o pensamento, procurando descobrir o modo


pelo qual um agente geográ�co construiu sua situação, a �m de se observar o elo entre
pensamento e ação.

Christofoletti (1985), fazendo uma leitura da obra de Guelke (1975), a�rma que:

[...] o geógrafo humano tenta simplesmente reconstruir o pensamento que sustenta as ações que
foram encetadas. Não necessita de suas próprias teorias, porque está interessado nas teorias ex-
pressas nas ações do indivíduo que está sendo investigado [...].

 Atenção!
A meta de um geógrafo humano idealista é prover um relato verdadeiro e sua explicação.

 Para Evangelista (1999, p. 121):

O geógrafo idealista condena a descrição do mundo em termos de leis e teorias prontas, até porque
a �loso�a idealista capacita o pesquisador a explicar as ações humanas, de uma maneira crítica,
sem o emprego de teorias.

Assim, a Geogra�a Idealista procura sobretudo reformular os aspectos da geogra�a prati-


cada sob os princípios do positivismo, apontando a necessidade e a importância de tam-
bém se incluir as preocupações com os pensamentos humanos para a efetiva compreen-
são das organizações espaciais (CHRISTOFOLETTI, 1985).

Geogra�a Têmporo-Espacial
Essa corrente trabalha com as variáveis: tempo e espaço, e, por meio dessas, faz a análise das
atividades dos indivíduos e da sociedade, procurando traçar trajetórias dos ritmos de vida assina-
lando a alocação de tempo despendido nas diversas atividades e diferentes lugares
(CHRISTOFOLETTI, 1985, n. p.).

A Geogra�a Têmporo-Espacial se fundamentará nos trabalhos realizados por Torsten


Hagerstrand a partir de 1970.

De acordo com Christofoletti (1985), a perspectiva da análise têmporo-espacial visa promo-


ver a integração de áreas diversi�cadas do conhecimento, superando a lacuna entre a ci-
ência socioeconômica, de um lado, e a ciência bioecológica e tecnológica, de outro.

Ainda segundo o autor:

A sua principal diferença reside em salientar a signi�cância das “qualidades formais do tempo e
do espaço”, e não na procura de uma categoria de fenômenos substanciais que servisse de objeto
especí�co para sua caracterização (CHRISTOFOLETTI, 1985, n. p.).

Os fenômenos analisados são pertencentes ao mundo das Ciências Sociais e Biológicas:


[...] consistindo em indivíduos e populações humanas, vegetais e animais à medida que interagem
com o homem, com as suas atividades, com o tempo, com o espaço, com a sua organização e insti-
tuições, com as suas metas e valores, com os seus movimentos e mobilidade, com as suas percep-
ções e ideologias, e assim por diante (CHRISTOFOLETTI, 1985, p. 100).

Na Geogra�a Têmporo-Espacial, as atividades produtivas e as características das classes


socioeconômicas são importantes na análise têmporo-espacial. São signi�cativas, por
exemplo, as diferenças no uso do tempo entre as populações urbanas e as rurais. Outro as-
pecto relaciona-se com o valor do tempo gasto. (CHRISTOFOLETTI, 1985, n. p.).

Vejamos o exemplo:

As pessoas de nível social e cultural menos privilegiado executam tarefas de baixo rendimento,
pois o seu tempo é barato. As pessoas de alto nível social e cultural apresentam valor do tempo
muito mais elevado, cujo gasto não é destinado à execução de tarefas simples e rotineiras. Delegar
as tarefas domésticas e de limpeza às empregadas é procedimento usual nas famílias abastadas,
assim como os subalternos executam muitas tarefas delegadas pelos patrões e dirigentes
(CHRISTOFOLETTI, 1985, n. p.).

O mesmo autor ainda a�rma que:

As questões e os problemas que podem ser focalizados sob a perspectiva têmporo-espacial são
muito diversos, envolvendo aspectos da localização espacial dos artefatos humanos e a distribui-
ção do uso do tempo. Representando mais um instrumento de análise, um “modelo têmporo-
geográ�co”, essa focalização não surge como uma nova perspectiva geográ�ca. Valorizando os en-
trelaçamentos das variáveis tempo e espaço, pode ser englobada e manejada pelos adeptos da
Geogra�a Quantitativa, da Geogra�a Humanística e da Geogra�a Radical, sendo possível aplicar-
lhe os procedimentos metodológicos e os posicionamentos explicativos que se queira atribuir aos
fenômenos organizacionais das sociedades humanas (CHRISTOFOLETTI, 1985, n. p.).

A perspectiva têmporo-espacial vem sendo bastante utilizada por muitos geógrafos, uma
vez que ela permite sua aplicação nas diferentes correntes geográ�cas, relacionando duas
variáveis de extrema importância ao estudo geográ�co: tempo e espaço.

Geogra�a Cultural
Segundo Claval (2006, p. 89):
A geogra�a cultural está associada à experiência que os homens têm da Terra, da natureza e do
ambiente, estuda a maneira pela qual eles o modelam para responder às suas necessidades, seus
gostos e suas aspirações e procura compreender a maneira como eles aprendem a se de�nir, a
construir sua identidade e a se realizar.

A Geogra�a Cultural é uma corrente mais recente, vai além do estudo da ciência natural;
não estuda apenas paisagens e regiões.

É uma re�exão sobre a geogra�cidade, ou seja, sobre o papel que o espaço e o meio têm na vida
dos homens, sobre o sentido que eles dão e sobre a maneira pela qual ele o utiliza para melhor se
compreenderem e construírem seu ser profundo (CLAVAL, 2006, p. 90).

A Geogra�a Cultural tem um caráter mais humano. Seus escritos, nas ideias de Eric Dardel,
demoraram mais de 20 anos para serem reconhecidos e somente hoje ganharam maior re-
percussão. Paul Claval (2006), um dos maiores representantes dessa corrente, coloca que
somente agora as mentalidades estão maduras para essa mudança radical na concepção
da ciência geográ�ca.

Como coloca Claval (2006), a Geogra�a já faz análise da cultura há muito tempo, desde
Vidal de La Blache, com a Teoria de Gênero de Vida, porém é uma análise super�cial, com
uma visão do exterior. A Geogra�a Cultural propõe realizar o questionamento das repre-
sentações e dos valores que levam as pessoas a agirem de certa maneira em vez de outra, a
organizar o espaço segundo um modelo em vez de outro.

Segundo Claval (2006), a Geogra�a Cultural coloca o homem no centro de sua análise. Para
tanto, desenvolveu novas abordagens, que estão divididas em três eixos:

• Parte das sensações e percepções: “Os homens não agem em função do real, mas em razão da
imagem que fazem dele. Aproximar-se da geogra�a cultural é, antes de mais nada, captar a idéia
que temos do ambiente próximo, do país e do mundo” (2006, p. 94).
• A cultura é estudada por meio da ótica da comunicação (cultura= criação coletiva): “As informa-
ções que compõem as culturas transitam sem cessar de indivíduo para indivíduo. Elas passam de
uma geração a outra […] Cada um recebe, ao longo dessas trocas, conhecimentos e descobre atitu-
des e crenças [...]” (2006, p. 95).
• A cultura é apreendida na perspectiva da construção de identidades, insiste-se, então, no papel
do indivíduo e nas dimensões simbólicas da vida coletiva: “O processo de institucionalização não
diz respeito somente ao indivíduo e à sociedade. Ele se aplica aos sistemas de relações cada vez
mais estes concernem à riqueza, ao poder, ou ao prestígio e interferem por isso no funcionamento
da sociedade” (2006, p. 98).

A Geogra�a Cultural aproxima-se muito da Geogra�a da Percepção, mas o seu enfoque é


um pouco diferente, pois o peso dado à cultura do indivíduo ou da sociedade é muito mai-
or. Analisar a cultura em relação ao desenvolvimento do espaço, ou seja, do próprio ho-
mem, é essencial para essa corrente geográ�ca.

A geogra�a cultural implica, portanto, um programa que está integrando com o objetivo geral da
geogra�a, isto é, um entendimento da diferenciação da Terra em áreas. Continua sendo, em gran-
de parte, observação direta de campo baseada na técnica de análise morfológica desenvolvida em
primeiro lugar na geogra�a física. Seu método é evolutivo, especi�camente histórico até onde a
documentação permite e, por conseguinte, trata de determinar as sucessões de cultura que ocorre-
ram numa área. Consequentemente, a geogra�a histórica e a geogra�a econômica se fundem nu-
ma só disciplina, interessando-se a segunda pelas áreas culturais presentes que procedem das an-
teriores. Não reivindica uma �loso�a social como faz a geogra�a do meio físico, mas direciona
seus principais problemas metodológicos para a estrutura da área. Seus objetivos imediatos são
dados pela descrição explicativa dos fatos de ocupação da área considerada. Os problemas princi-
pais da geogra�a cultural consistirão no descobrimento do conteúdo e signi�cado dos agregados
geográ�cos que reconhecemos, de forma imprecisa, como áreas culturais, em estabelecer quais
são as etapas normais de seu desenvolvimento, em investigar as fases de apogeu e de decadência
e, desta forma, alcançar um conhecimento mais preciso da relação da cultura e dos recursos que
são postos à sua disposição (SAUER, 2011, p. 25).

A contextualização da Geogra�a Cultural, no livro Introdução à Geogra�a Cultural, organi-


za essa corrente em dois momentos: até a década de 1970, e a renovação da Geogra�a
Cultural, a partir dos anos 1970. Os autores Corrêa e Rosendahl (2011, p. 12) encerram o pri-
meiro momento identi�cando o legado de Sauer com a seguinte a�rmação:

[...] a despeito das inúmeras críticas, a geogra�a cultural saueriana teve importante papel na histó-
ria do pensamento geográ�co, deixando um rico legado. Dialeticamente, sua presença se faz sentir
na geogra�a cultural renovada.

A partir de então, passa para a renovação cultural, mais precisamente a partir do �nal da
década 1970. Tanto a escola de Berkeley como a geogra�a vidaliana foram submetidas a
diversas críticas. Na década de 1990, essa marca de renovação �ca ainda mais evidente
com a criação de periódicos: na França, Géographie et Cultures, em 1992, e Ecumene, em
1994; no Brasil, o Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Espaço e Cultura, em 1993, e o perió-
dico Espaço e Cultura, em 1995.

De acordo com Corrêa e Rosendahl (2011, p. 13), essa renovação ocorreu com a valorização
da cultura em escala mundial, o que fez surgir críticas à base, elaboradas por Mikesell
(1978), Duncan (1980) e Cosgrove (1998), por exemplo. E a�rmam que: “[...] a cultura é vista
como um re�exo, uma mediação e uma condição social. Não tem poder explicativo, ao
contrário, necessita ser explicada. A palavra-chave é signi�cado”.
Ainda sobre a renovação, Corrêa e Rosendahl (2011, p. 13-14) a�rmam que:

Há, em realidade, inúmeros caminhos a serem trilhados pelos geógrafos, visando contribuir para
dar inteligibilidade à ação humana sobre a superfície terrestre. Nesses caminhos podem ser con-
siderados tanto a dimensão material da cultura como a sua dimensão não material, tanto o pre-
sente como o passado, tanto objetos e ações em escala global como regional e local, tanto aspectos
concebidos como vivenciados, tanto espontâneos como planejados, tanto aspectos objetivos como
intersubjetivos. O que os une em torno da geogra�a cultural é que esses aspectos são vistos em
termos de signi�cados e como parte integrante da espacialidade humana.

Para sintetizar tudo o que foi estudado até aqui, vamos analisar dois quadros sinóticos e
compreender de modo mais direto as diferenças entre as correntes geográ�cas apresenta-
das nos textos anteriores.

Quadro 3 - Escolas de pensamento geográ�co 1 (caracterização geral).


Fonte: REIS JÚNIOR (2011, p. 29). (https://bibliotecadigital.butantan.gov.br/arquivos/32/PDF/v7n1a01.pdf)

Quadro 4 - Escolas de pensamento geográ�co 2 (caracterização geral).

Matriz Estrutura Metodológica Domínio Fragilidades, de�-


Geográ�co ciências, insu�ci-
Linguística Operacional Matéria Estudo
ências 
Aplicado

Clássico paysage ·descrição LOCALIZAÇÃO, → carac- NARRATIVAS


milieu (inventári- CARACTERIZAÇÃO terísticas PICTÓRICAS
os; estilo li- (Onde?) gerais das SINGULARIDADES
genre de
terário) �sionomi- (uniqueness)
vie
·classi�ca- as natu-
combinai-
ção (tipolo- rais ou
son
gias) paisagens
distributi- culturais
·monogra�-
on  
as (estilo et-
nográ�co) (compara-
·retrospecti- ção/dife-
va histórica renciação
areal)
 
Teorético spatial or- ·     modela- IDENTIFICAÇÃO, → padrões GENERALIZAÇÃO
ganization gem PREDIÇÃO e formas EXCESSIVA
environ- ·    quanti�- (O quê? Como?) espaciais (homo oeconomi-
ment cação (como re- cus)
           ↓
(índices, hi- sultantes
model             dedução DETERMINISMO
erarquia) da opera-
pattern ECONÔMICO
  ção de leis
·   análise
locational univer-
sistêmica
analysis sais)
planning  
system (sugestão
de estra-
tégias de
interven-
ção)

Radical território ·       recurso DENUNCIAÇÃO → proces- JULGAMENTO


establish- discursivo SUBVERSÃO sos de ali- MORAL
ment (análise (Para quê? Para ciamento DETERMINISMO
histórica, quem) de ho- POLÍTICA
injustiça
política) mens/ins-
espacial
·       análises tituições
apropria-
de condi- (como
ção adj.
ções (indi- agentes
inequality, cador socio- que coo-
inégalité econômico) peram pa-
·       periodi- ra repro-
zação dução de
lógica
acumula-
dora)
 
(incitação
à resis-
tência, ao
combate)
Humanístico percepção, ·   recurso à INTERPRETAÇÃO, → imagi- BAIXO
cognição literatura READEQUAÇÃO nários POTENCIAL DE
espaço vi- ·   enquetes   concebi- GENERALIZAÇÃO
vido ·   pesquisas (Por quê? Como) dos pelos REDUCIONISMO
indivídu- ESCOLAR
(lifeworld, participan-      ↓
tes os a res- (indivíduo, lugar)
espace reparação
peito dos
v’ecu) ·     “mapas
lugares
lugar, indi- mentais”
(como de-
víduo topo
notadores
(fobia,�-
de graus
lia/cídio)
de valori-
placelss- zação e
ness carências)
 
(revelação
de elos
afetivos,
empatias)

Fonte: REIS JÚNIOR (2011, p. 30). (https://bibliotecadigital.butantan.gov.br/arquivos/32/PDF/v7n1a01.pdf)

Concluído o estudo deste primeiro ciclo, re�ita, agora, sobre sua aprendizagem, responden-
do à questão a seguir:

9. Considerações
A Geogra�a, como toda ciência, não surgiu pronta e totalmente acabada. Ela teve um cami-
nhar histórico que levou à sua estruturação. Como vimos, ela sofreu diversas mudanças no
seu objeto de estudo, assumindo diferentes abordagens, a partir de uma constante busca
metodológica para se construir como uma ciência crítica e dinâmica.

É importante lembrar que o processo cientí�co está em constante evolução e que a


Geogra�a não é uma ciência exata e de�nitiva, sendo passível de modi�cações. Assim,
mesmo nos dias atuais, essa ciência vem sendo debatida e modi�cada.
(https://md.claretiano.edu.br

/epiorgteoregregesp-gs0036-ago-2022-grad-ead-np/)

Ciclo 2 – Conceitos Básicos da Ciência Geográ�ca e


Organização do Espaço em Relação à Análise da
Paisagem

Carolina Doranti Tiritan


Regina Tortorella Reani

Objetivos
• Entender o conceito de espaço geográ�co e a sua importância para a cons-
trução da ciência geográ�ca.
• Identi�car alguns dos elementos do espaço geográ�co, dentre eles, a paisa-
gem, que tem uma de�nição própria na Geogra�a, sendo um dos principais
temas discutidos por essa ciência.
• Conhecer, por �m, a função da análise da paisagem para a melhor organiza-
ção do espaço geográ�co.

Conteúdos
• Conceitos de espaço, espaço geográ�co, paisagem.
• Espaço geográ�co versus paisagem.
• A análise da paisagem.
• O planejamento espacial a partir da análise da paisagem.

Problematização
Qual o signi�cado de espaço geográ�co? Como vem sendo a evolução desse con-
ceito ao longo da história da ciência geográ�ca? Como a modi�cação do espaço
ao longo do tempo vem criando paisagens diversas no espaço geográ�co? Quais
os tipos de paisagem? De que maneira as paisagens se relacionam com a forma
como o espaço geográ�co é organizado? Como as técnicas humanas vêm organi-
zando o espaço geográ�co e construído as paisagens ao longo do tempo? Como a
análise da paisagem pode contribuir para o planejamento do espaço geográ�co?

Orientação para o estudo


Neste ciclo de aprendizagem, além de estudar os conceitos geográ�cos funda-
mentais e a importância da paisagem dentro dos estudos do espaço geográ�co,
você dará início ao projeto de Prática Pedagógica desta disciplina, que, por sua
vez, estará totalmente ligado ao conteúdo teórico. Assim, é muito importante que,
aliado aos estudos da SAV, você leia atentamente às instruções para o desenvolvi-
mento de sua atividade de prática e tenha em mente que sua �nalização se dará
no 4º Ciclo de Aprendizagem.

1. Introdução
Neste segundo ciclo de aprendizagem, você estudará os conceitos de espaço geo-
grá�co e de paisagem, buscando compreender a importância de tais conceitos pa-
ra a formação da própria ciência geográ�ca, bem como o modo como eles se relaci-
onam e os caminhos de análise que levam a um melhor planejamento da ocupa-
ção do espaço em sua constante transformação.

Considerando o espaço como o objeto de estudo da Geogra�a, torna-se essencial


entender sua conceituação de modo claro e simpli�cado, pois, para lecionar a dis-
ciplina, é necessário compreender os conceitos de espaço e espaço geográ�co pa-
ra saber de�ni-los sem di�culdades.

A seguir, você poderá conhecer algumas das importantes de�nições de espaço e


espaço geográ�co.

2. Espaço: Categoria e Objeto da Análise


Geográ�ca
Milton Santos, em seu livro Por uma Geogra�a Nova, publicado em 1978, busca dis-
cutir o papel da ciência geográ�ca. A obra está ligada ao movimento de renovação
da Geogra�a, que se iniciou no �nal da década de 1960.

O autor coloca que a Geogra�a, durante muito tempo, não teve seu objeto de estudo
de�nido. Assim, ele procura de�ni-lo para, então, discutir a Geogra�a como ciência
crítica, não mais como descritiva, apenas. Toda descrição deve vir acompanhada
de uma explicação. Não vamos somente descrever o espaço, mas também explicá-
lo.

O livro Por uma Geogra�a Nova foi um marco no movimento de renovação da


Geogra�a, tendo como objetivo dar a essa ciência uma visão mais crítica e social
do mundo. Na obra, Milton Santos procura fazer uma análise epistemológica da ci-
ência geográ�ca e de�nir o seu objeto de estudo: o espaço geográ�co.

Nessa discussão, o autor faz uma longa análise sobre o signi�cado de “espaço” pa-
ra a Geogra�a. Vamos acompanhá-la?

Inicialmente, Santos (1978, p. 119) coloca algumas de�nições do termo:

[...] o espaço geográ�co é a natureza modi�cada pelo homem através do seu trabalho. A
concepção de uma natureza natural onde o homem não existisse ou não fora o seu cen-
tro, cede lugar à idéia de uma construção permanente da natureza arti�cial ou social,
sinônimo de espaço humano .

Santos (1978, p. 120) ainda de�ne que: “O espaço humano é a morada do homem, é o
seu lugar de vida e de trabalho [...]. O espaço geográ�co é, também, o espaço social”.

O espaço deve ser considerado como um conjunto de relações realizadas através de fun-
ções e de formas que se apresentam como testemunho de uma história escrita por pro-
cessos do passado e do presente. Isto é, o espaço se de�ne como um conjunto de formas
representativas de relações sociais do passado e do presente e por uma estrutura repre-
sentada por relações sociais que estão acontecendo diante de nossos olhos e que se ma-
nifestam através de processos e funções. O espaço é, então, um verdadeiro campo de for-
ças cuja aceleração é desigual. Daí porque a evolução espacial não se faz de forma idên-
tica em todos os lugares (SANTOS, 1978, p. 122).

O conceito de “espaço geográ�co” foi construído ao longo da história. A Geogra�a


estuda o espaço geográ�co, ou seja, aquele que tem ação humana, que só passa a
existir, obviamente, a partir do aparecimento do homem.

Assim, podemos concluir que o conceito de “espaço” está diretamente relacionado


à vida humana; o espaço é produto do homem. Para entendermos melhor esse con-
ceito, faremos uma análise histórica desde o surgimento do homem até os dias
atuais.

De acordo com Santos (1979, p. 4):

Se a Geogra�a deseja interpretar o espaço humano como um fato histórico que ele é, so-
mente a História da sociedade mundial, aliada a da sociedade local, pode servir como
fundamento à compreensão da realidade espacial e permitir a sua transformação a ser-
viço do homem. Pois a História não se escreve fora do espaço e não há sociedade
a-espacial. O espaço, ele mesmo, é social.

Desse modo, procuraremos entender as mudanças no conceito de “espaço” por in-


termédio de diferentes autores, em determinadas épocas.

O físico Albert Einstein trouxe, com sua Teoria da Relatividade, novas considera-
ções sobre o espaço que in�uenciaram o entendimento de seu signi�cado. Einstein
substitui o conceito de “matéria” pelo conceito de “campo”, o que supõe a existên-
cia de uma relação entre a matéria e a energia. Uma vez que as formas são a maté-
ria, e a dinâmica social é a energia, temos a existência de uma relação constante
entre homem e espaço e as trocas que eles fazem.

Entretanto, antes de Einstein, já existiam diferentes explicações para o signi�cado


do espaço. Campanela (1637) considera que Deus criou o espaço como uma “capa-
cidade”, um receptáculo para os corpos. Já o �lósofo e geógrafo Kant (apud Santos,
1978), em seu livro Crítica da razão pura, considerava o espaço uma “condição de
possibilidades dos fenômenos”.

Ainda há um grande número de autores modernos e clássicos que a�rmam ser o


espaço apenas um re�exo da sociedade, uma tela de fundo na qual os fatos sociais
se inscrevem à vontade, à medida que acontecem. Todavia, existem autores que
não concordam com essa a�rmação, pois, para eles, o espaço intervém no processo
histórico.

Paul Vieille (apud Milton Santos, 1978, p. 126), por exemplo, faz questionamentos,
com o objetivo de entender o sentido real do espaço:
Será a organização espacial apenas um re�exo, ou projeção da organização social que se
de�ne independentemente dela e de maneira autônoma, ou o espaço intervém (e como?)
no processo histórico?

O geógrafo Milton Santos (1978, p. 127), em sua busca pelo entendimento do objeto
de estudo da Geogra�a, responde tal pergunta da seguinte forma: “Quando se con-
sidera o espaço como um mero re�exo o estamos colocando sob o mesmo plano da
ideologia, ainda que não haja a intenção de classi�cá-lo como uma estrutura”.

Para ele, esse pensamento é in�uenciado pelo positivismo que, durante muito tem-
po, dominou as ciências sociais. O autor continua seu raciocínio ressaltando que:
“A verdade, porém, é que o espaço está muito longe de ser esse quadro neutro, va-
zio, imenso, em que o vivente pode produzir-se” (SANTOS, 1978, p. 126-127).

Já segundo Durkheim (apud SANTOS, 1978, p. 130):

[...] o espaço é pois uma coisa; ele existe fora do indivíduo e se impõe tanto ao indivíduo
como à sociedade considerada como um todo. Assim o espaço é um fato social, uma rea-
lidade objetiva. Como um resultado histórico ele se impõe aos indivíduos [...]. Sendo um
produto, isto é um resultado da produção, o espaço é um objeto social como qualquer ou-
tro [...]. Quando se admite que o espaço é um fato social, é o mesmo que recusar sua inter-
pretação fora das relações sociais que o de�nem. Muitos fenômenos, apresentados como
se fossem naturais, são de fato, sociais [...]. Nessa expressão, natureza socializada, deve-
se identi�car aquilo que os geógrafos chamam normalmente de espaço ou espaço geo-
grá�co.

Podemos perceber que o conceito de “espaço” se modi�ca e é interpretado de dife-


rentes formas. Assim, por meio da discussão e das interpretações de diferentes au-
tores, o conceito de “espaço geográ�co” transforma-se. Podemos ler, a seguir, algu-
mas das visões acerca desse conceito na atualidade.

Santos (1978, p. 137-138) de�ne-o como:


O espaço é a matéria trabalhada por excelência. Nenhum dos objetos sociais tem tanto
domínio sobre o homem, nem está presente de tal forma no cotidiano dos indivíduos. A
casa, o lugar de trabalho, os pontos de encontro, os caminhos que unem entre si estes
pontos, são elementos passivos que condicionam a atividade dos homens e comandam
sua prática social.

O espaço portanto é um testemunho; ele testemunha um momento de um modo de pro-


dução pela memória do espaço construído, das coisas �xadas na paisagem criada.
Assim, o espaço é uma forma, uma forma durável, que não se desfaz paralelamente à
mudança de processos; ao contrário, alguns processos se adaptam às formas preexisten-
tes enquanto que outros criam novas formas para se inserir dentro delas.

O espaço faz parte da vida humana e exerce grande in�uência sobre ela, de modo a
comandar a vivência do homem, seja em sua casa, seja nos caminhos percorridos.
Assim, ele possui uma forma que é durável, mas que não é permanente; ao contrá-
rio, é dinâmico. O espaço é decorrente da junção entre fatos históricos e formas so-
ciais; não é independente nem estático: é limitativo, podendo se dispor ao social
(SANTOS, 1978).

Desse modo, podemos concluir que o espaço é a junção dos fatores sociais passa-
dos e presentes, ou seja, ele se forma pelo modo de produção passado e se transfor-
ma pelo modo de produção atual. O espaço é um elemento presente e faz parte da
vida humana; as relações sociais não podem ignorar as condições espaciais.

Conforme nos a�rma Santos (1978, p. 145):

[...] o espaço como estrutura social, capaz de agir e de reagir sobre as demais estruturas
da sociedade sobre esta como um todo. As determinações sociais não podem ignorar as
condições espaciais concretas preexistentes. Um modo de produção novo ou um novo
momento de um mesmo modo de produção não pode fazer tabula rasa das condições es-
paciais preexistentes.

Nesse sentido, percebemos que o espaço tem papel ativo na reprodução social.
Segundo Vieille (apud SANTOS, 1978, p. 149):
Quando se consideram os processos econômicos e sociais, o espaço é, em realidade, uma
dimensão dos mecanismos de transformação, da prática dos grupos sociais, de suas re-
lações; ele contribui a produzir, reproduzir, transformar os modos de produção. O espaço
é, assim, uma dimensão ativa no devir das sociedades.

O espaço, como descreve Henri Lefebvre (1974, p. 88-89), “[...] é o resultado de uma
série, de um conjunto de operações, e não pode ser reduzido a um simples objeto
[...]. Efeito de ações passadas, ele permite ações, as sugere ou as proíbe”.

Vemos, então, que o espaço é muito mais que um simples objeto de ação humana,
pois ele tem papel importante na sociedade.

Milton Santos (2008, p. 63) coloca que:

[...] o espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório,


de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o
quadro único no qual a historia se dá. No começo era a natureza selvagem, formada por
objetos fabricados, objetos técnicos, mecanizados e, depois, cibernéticos, fazendo com
que a natureza arti�cial tenda a funcionar como uma máquina. Através da presença des-
ses objetos técnicos: hidroelétricas, fábricas, fazendas modernas, portos, estradas de ro-
dagem, estradas de ferro, cidades, o espaço é marcado por esses acréscimos, que lhe dão
um conteúdo extremamente técnico.

Por meio de objetos e de ações que vão modi�car e recriar o espaço ao


organizarem-se nele, este vai sendo marcado pelo desenvolvimento técnico reali-
zado pelo homem.

A presença do homem sobre a Terra faz que a natureza seja sempre redescoberta,
desde o �m de sua história natural até a criação da natureza social. É sobre esse
assunto que trataremos a seguir.

3. Relação Homem-natureza
O início da história da presença humana na natureza era um momento de entrosa-
mento e de cooperação entre o homem e o meio. Como descreve Milton Santos
(1996, p. 5), "[...] não importa que as trevas, o trovão, as matas, as enchentes possam
criar o medo: é o tempo do homem amigo e da natureza amiga".
Assim também escreveu Michelet (apud SANTOS, 1996, p. 5), no Tableau de Ia
France (1833): "A natureza é atroz, o homem é atroz, mas parecem entender-se".

Milton Santos (1996, p. 6), no livro Técnica, espaço e tempo: globalização e meio
técnico-cientí�co-informacional, faz uma interessante análise sobre o início da re-
lação entre o homem e a natureza, até o desenvolvimento dessa relação nos dias
atuais.

Vejamos:

No começo dos tempos históricos, cada grupo humano construía seu espaço de vida
com as técnicas que inventava para tirar do seu pedaço de natureza os elementos indis-
pensáveis à sua própria sobrevivência. Organizando a produção, organizava a vida soci-
al e organizava o espaço, na medida de suas próprias forças, necessidades e desejos. A
cada constelação de recursos correspondia um modelo particular. Pouco a pouco esse
esquema se foi desfazendo: as necessidades de comércio entre coletividades introduzi-
am nexos novos e também desejos e necessidades e a organização da sociedade e do es-
paço tinha de se fazer segundo parâmetros estranhos às necessidades íntimas ao grupo.

Essa evolução culmina, na fase atual, onde a economia se tornou mundializada, e todas
as sociedades terminaram por adotar, de forma mais ou menos total, de maneira mais
ou menos explícita, um modelo técnico único que se sobrepõe à multiplicidade de recur-
sos naturais e humanos.

Sem o homem, isto é, antes da história, a natureza era una. Continua a sê-lo, em si mes-
ma, apesar das partições que o uso do planeta pelos homens lhe in�igiu. Agora, porém,
há uma enorme mudança. Una, mas socialmente fragmentada, durante tantos séculos, a
natureza é agora uni�cada pela História, em benefício de �rmas, Estados e classes he-
gemônicas. Mas não é mais a Natureza Amiga, e o Homem também não é mais seu ami-
go.

Percebemos, assim, que o homem trouxe profundas mudanças à natureza; de "ami-


go" ele passou a ser seu explorador.

A evolução da história do homem na natureza leva-nos à fase atual, na qual as so-


ciedades estão mundializadas, e as técnicas exploram cada vez mais os recursos
naturais. A organização do
espaço é fragmentada, e as desigualdades sociais e a degradação ambiental ressal-
tam diante da natureza.
Após esse contato inicial com as de�nições de espaço e espaço geográ�co, parece
importante relacionar a teoria conceitual com a realidade vivenciada, pois, assim,
você compreenderá melhor o que o conceito efetivamente diz.

A seguir, é possível tecer uma análise de como a produção humana modela o espa-
ço e o cria por meio de seus usos e ocupações.

4. Produção e organização do espaço


O geógrafo Milton Santos faz considerações importantes sobre a forma como o ho-
mem se organiza no espaço. Entre algumas de suas ideias está a de que o homem
animal vira homem social quando se torna o centro da natureza, devido à produ-
ção de instrumentos de trabalho.

Segundo Santos (1978, p. 161):

Nesse momento a natureza deixa de comandar as ações do homem e a atividade social


começa a ser uma simbiose entre o trabalho do homem e uma natureza cada vez mais
modi�cada por esse mesmo trabalho. Esta fase da história não poderia realizar-se se não
houvesse um mínimo de organização social e sem uma organização paralela do espaço.

O espaço humano, isto é, o espaço geográ�co, seja qual for o período histórico, é re-
sultado da produção humana. Conforme ressalta Santos (1978, p. 161-162):

Isto marca a evolução do homem animal a homem social, ou seja, ocorre quando ele co-
meça a produzir. Produzir é retirar da natureza os elementos indispensáveis a vida. Este
fato só é possível pelo desenvolvimento de técnicas e instrumentos de trabalho.

[...]

A produção é a utilização consciente dos instrumentos de trabalho com um objetivo de�-


nido [...]. Nenhuma produção, por mais simples que seja, pode ser feita sem que se dispo-
nha de meios de trabalho, sem vida em sociedade, sem divisão do trabalho. A partir des-
sa primeira organização social, o homem se vê obrigado para todo o sempre a prosseguir
uma vida em comum, uma existência organizada e “plani�cada”.

A produção possui ritmos e formas que são impostos à vida do homem; assim, nos
vemos cercados de ritmos diários. “Essa nova disciplina que o homem até então
não conhecia, implica uma utilização disciplinada do tempo e do espaço”
(SANTOS, 1978, p. 162).

Criam-se, desse modo, os ritmos de vida e de atividades, as horas dedicadas ao tra-


balho e ao descanso, bem como os ritmos próprios à produção: o período de prepa-
ração da terra, o período de plantio e o período da colheita e da estocagem. “Cada
atividade tem um lugar próprio no tempo e um lugar próprio no espaço” (SANTOS,
1978, p. 162).

Portanto, essa ordem espaço-tempo que se estabelece não é aleatória, pelo contrá-
rio, é resultado das necessidades próprias à produção.

Como coloca Santos (1978, p. 163): Produzir e produzir espaço são dois atos indissociá-
veis. Para produzir, o homem precisa de espaço, e, com isso, ele transforma a natureza. A
natureza primeira é aquela em que não há ação humana; já a natureza segunda é a natu-
reza transformada ou socializada.

Assim, o autor conclui que “o ato de produzir é, ao mesmo tempo, o ato de produzir
espaço”. Santos (1978, p. 163) complementa que:

[...] Basta que uma nova planta seja domesticada e incorporada à produção para que se
imponha um novo comando sobre o tempo; e isso impõe ao mesmo tempo localizações
novas, isto é, uma nova organização do espaço [...]. Eventualmente, uma nova técnica po-
de ser paralelamente descoberta (aumento da produtividade). Dessa forma o homem au-
menta o rendimento do seu trabalho reduzindo paralelamente o tempo que consagra ao
trabalho [...]. Cada vez que o uso social do tempo muda, a organização do espaço muda
igualmente. Toda técnica nova é revolucionária quanto ao comando do espaço pelo ho-
mem.

O homem, quando passa a viver em grupo, ou seja, em sociedade, passa, também, a


ter um trabalho com um objetivo em comum, que é dividido em tarefas entre cada
integrante do grupo. Essas tarefas reduzem o esforço da equipe e, ao mesmo tem-
po, aumentam a produção. Assim, há uma cooperação entre todos os membros do
grupo.

Conforme essa cooperação aumenta, maior torna-se a necessidade de espaço. As


novas técnicas e as novas atividades exigem um novo lugar no espaço e impõem
uma nova organização nele. Quanto maior é a produção, maior é o excedente.

Começam, então, a surgir as trocas de mercadorias (escambo), as quais são assim


chamadas por possuírem valores diferentes. É a partir desses diversos valores que
surge o comércio especulativo e, com este, a criação da moeda.

De acordo com Santos (1978, p. 165-166):

[...] o equilíbrio antigo desse modo é rompido [...]. O comércio especulativo separa aqueles
que produzem os bens que apresentam um “valor” especulativo e os outros. Uma divisão
idêntica se estabelece entre os que podem comprar mercadorias vindas de fora do grupo
e os que não dispõem desse poder [...] a partir desse momento, pode-se falar de classes
sociais, de diferença de poder aquisitivo, e se instala uma verdadeira revolução nas rela-
ções sociais.

Temos, assim, a produção do espaço, que vai colocar ritmos e formas à vida huma-
na. O comércio e a moeda vão colocar diferenças entre os membros do grupo, esta-
belecendo diferentes classes sociais.

O espaço vai ser determinado não somente pela produção, mas também pela polí-
tica adotada pelo Estado, por meio da construção de rodovias e aeroportos, bem co-
mo de defesa militar.

No decorrer deste ciclo, estudaremos ainda a paisagem, outro importante conceito


da ciência geográ�ca. A paisagem é a porção da con�guração territorial possível
de se abarcar com a visão; é o conjunto de objetos reais e concretos juntando obje-
tos passados e presentes.

Paisagem e espaço não são sinônimos. Portanto, é importante que conheçamos e


saibamos diferenciar esses dois conceitos tão importantes à Geogra�a.

A seguir, estudaremos as transformações econômicas e espaciais no Brasil.

5. As transformações econômicas e espaciais no


Brasil
Segundo Macedo (2008), a organização espacial do Brasil apresenta, historicamen-
te, três momentos distintos. Eles re�etem os diferentes estágios do padrão de acu-
mulação e divisão social do trabalho que marcaram o processo de ocupação socio-
econômico e demográ�co de seu vasto território continental e que resultaram, em
larga medida, de sua inserção na economia mundial.

O primeiro período é marcado pela atividade econômica vinculada ao setor primá-


rio (agricultura, agropecuária e extrativismo), não havendo nenhuma ligação entre
os estados da federação em qualquer nível, ou seja, os estados e os municípios to-
mavam suas decisões isoladamente.

Nessa época, as regiões mais povoadas do Brasil eram aquelas que detinham al-
gum produto com boa aceitação na Europa e nos Estados Unidos, como a cana-de-
açúcar, o algodão, as jazidas minerais e o café.

Macedo (2008) exempli�ca que, nesse período, a inserção brasileira na economia


mundial se sustentava no padrão de acumulação pautado no modelo primário-
exportador de crescimento para fora. Esse modelo revelava, primordialmente, uma
economia com fortes vínculos externos, tanto no que tange à geração de renda, via
exportações, como ao atendimento das demandas por bens manufaturados, via
importações.

Somente parte do consumo era atendida pela produção local ou regional, sendo ca-
racterística desse período a di�culdade de integrar o território nacional por meio
da articulação de economias regionais que se mantinham relativamente autôno-
mas.

Por isso, as cidades não representavam os nós de uma rede articulada. Ao contrá-
rio, por ser a sede da burocracia e, principalmente, do capital comercial, suas fun-
ções resumiam-se em realizar a ligação direta da produção agroexportadora à cir-
culação internacional de mercadorias.

Isso foi fundamental para promover uma urbanização atípica, que não decorreu da
clássica separação campo-cidade, tampouco se ligou ao crescimento industrial,
como lembra Oliveira (1982).

Toda a infraestrutura de transporte existente nesse momento servia apenas para


ligar as áreas produtoras até os portos, deixando de lado o interesse de interligar os
principais centros ao interior do país.
Todas as áreas produtoras tiveram, em um momento, o seu destaque produtivo,
sempre de acordo com a necessidade e o interesse do mercado internacional.
Dessa forma, podemos destacar o litoral nordestino em seu apogeu, nos séculos 16
e 17; já no século 18, o período aurífero passou-se nos estados de Goiás e Minas
Gerais.

Nesse mesmo século, o Maranhão tornou-se o principal produtor de algodão.


Assim, contemplou um precioso momento econômico, mas logo houve o declínio
provocado pela infertilidade do solo e pela diminuição da procura do produto.
Enquanto isso, a produção do café no Estado de São Paulo ganha grandes propor-
ções, o que faz que haja um signi�cativo aumento de capitais por parte dos produ-
tores.

Segundo Macedo (2008), o processo de acumulação do complexo cafeeiro foi deter-


minante para que ocorresse uma mudança na forma de organização espacial. Isso
porque a economia passa a ser comandada pelos investimentos industriais e pela
substituição de importação. Ou seja, o país deixa de importar e passa a investir o
dinheiro acumulado com a produção do café na fabricação de bens e consumo no
país.

Tal processo gerou uma integração do mercado nacional, criando uma articulação
comercial, produtiva e �nanceira das economias regionais, o que acaba por criar
um adensamento da rede urbana em todo o país entre 1920 a 1980. Esse período é
colocado por Macedo (2008) como o segundo período de transformações socioe-
conômicas e espaciais.

O terceiro período de grandes mudanças começa a partir da década de 1980. Nessa


época, passa a ocorrer um declínio do planejamento regional e um avanço do “neo-
liberalismo” e da ideologia do “Estado Mínimo”, e as privatizações diminuindo a
capacidade do setor público de ordenar o território.

Começa, então, a abertura de mercado. O país passa a receber as grandes multina-


cionais, provocando uma internacionalização do espaço econômico nacional, tor-
nando, segundo Macedo (2008), muito mais precária a capacidade de organização
do território por parte do estado nacional.

Desde os anos oitenta, observam-se, também, mudanças importantes no padrão


demográ�co do país: maior ritmo de crescimento das cidades pequenas e médias,
menor crescimento das metrópoles do sudeste, que se tornam menos atrativas às
migrações, e o surgimento de novas aglomerações urbanas não metropolitanas
que adensaram a rede urbana brasileira.

A paisagem constitui outro dos conceitos essenciais da ciência geográ�ca. Sendo


assim, vamos compreender um pouco melhor a de�nição desse elemento do espa-
ço, que também foi muito bem trabalhado por vários teóricos da Geogra�a e se
mantém como mais uma categoria de análise para a sua formação.

 Pronto para saber mais?

Para aprofundar o conceito de paisagem, portanto, propomos que você leia


FURLAN, S. A. Paisagem. In: CARLOS, A. F. A.; CRUZ, R. C. A. Necessidade da
Geogra�a. São Paulo: Contexto, 2010. p. 227-239. A obra está disponível na
Biblioteca Virtual Pearson.

6. A análise da paisagem
Conhecendo já a de�nição de espaço geográ�co e de paisagem de modo mais am-
plo, neste momento, você partirá ao entendimento relativo ao estudo da paisagem
e de sua importância para a análise do espaço geográ�co.

Ao ocupar o espaço, o homem transforma-o de muitas e muitas maneiras; assim,


na intenção de minimizar os danos que essas transformações podem causar ao
meio em todas as suas dimensões, tem sido cada vez mais necessário que se pla-
neje a ocupação desse espaço.

Iniciaremos, agora, uma re�exão sobre como a análise da paisagem pode levar a
um melhor planejamento das ações humanas, as quais vêm ao longo do tempo
transformando o espaço natural e, também, o próprio espaço geográ�co.

A análise da paisagem nada mais é do que a caracterização das variadas funções


do meio ambiente, da distribuição das atividades econômicas e das diferentes ati-
vidades da população, com o objetivo de assegurar a utilização consciente dos re-
cursos naturais, humanos e econômicos, bem como garantir a obtenção de uma
melhor organização espacial.

Considerando o conceito de “paisagem” dado por Bertrand (1978), ela é, numa de-
terminada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica; portanto, instá-
vel de elementos físicos, biológicos e humanos, que, reagindo dialeticamente uns
sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável.

Cavalcanti e Viadana (2007) argumentam que, no processo de organização do es-


paço, é extremamente necessário determinar, avaliar e propor a forma mais racio-
nal do uso e da ocupação do meio ambiente. Isso porque a irregular distribuição da
qualidade dos recursos naturais tem um papel signi�cativo nesse processo, ao de-
terminar, em parte, as diferenças na utilização espacial.

Os autores destacam que, durante anos, muitos trabalhos nessa área foram funda-
mentados no estudo independente dos diversos componentes da paisagem para,
posteriormente, se sobrepor mediante a busca de setores em condições homogêne-
as. Eles ressaltam, ainda, que, nos últimos anos, é cada vez maior a importância da
teoria das paisagens como fundamento para a organização do espaço.

Observe o Quadro 1, que demonstra uma classi�cação das paisagens antropizadas,


aquelas transformadas e modi�cadas pelo homem.

Quadro 1 Classi�cação das paisagens antropizadas.

CATEGORIAS CLASSES TIPOS MUDANÇAS E COMPONENTES


(FORMAS (UTILIZAÇÃO INTENSIDADE NATURAIS
DA E OCUPAÇÃO) DAS AFETADOS
ATIVIDADE MODIFICAÇÕES PELAS
HUMANA) MODIFICAÇÕES

Naturais Áreas natu- Áreas natu- Levemente mo- Composição da


Seminaturais rais rais sem uso di�cadas ou le- atmosfera
funcional vemente modi�-
Reservas, e di- cadas
versos tipos
de áreas pro-
tegidas
Exploração Bosques com Levemente mo- Cobertura vegetal
natural ou sem explo- di�cadas e mundo animal
ração vegetal

Antropo Turística Parques recre- Modi�cação leve Microrrelevo ou


Naturais ativos ou moderada microclima
Zonas turísti-
cas

Pastoril Pastos natu- Modi�cação mo-


rais derada a forte
Pastos herbá-
ceos, arbusti-
vos, arti�ciais
e melhorados

Agrícola Cultivos arbó- Modi�cação for- Solos, águas su-


reos perenes, te a muito forte per�ciais e sub-
campos e fo- terrâneas
cos agrícolas
de subsistên-
cia

Cultivos agrí- Modi�cação for-


colas irriga- te e transforma-
dos ou dissi- ção arti�cial
cados

Antrópicas Urbana Cidades médi- Arti�cialização e Estrutura geoló-


as e grandes transformação gica, clima e rele-
Povoados e vi- antropizada vo
las rurais

Mineral in- Jazidas mine-


dustrial rais, áreas in-
dustriais, ar-
mazéns e por-
tos
Exploração Cursos e re-
dos recur- servatórios
sos hídricos d’água
Grandes bar-
ragens

Fonte: adaptado de Rodriguez, Silva e Calvalcanti (2004).

No processo em que ocorre a transformação da superfície terrestre, são criados e


recriados modelos de relação da sociedade com os meios natural e social.

Desse modo, produz-se cultura, o que signi�ca que a apropriação, a ocupação e a


transformação do espaço geográ�co são processos culturais, uma vez que se criam
bens materiais, valores e modos de ser, de pensar e de perceber o mundo, os quais
constituem o patrimônio cultural construído pela humanidade ao longo da histó-
ria (CAVALCANTI; VIADANA, 2007).

A paisagem é a expressão formal do espaço, re�etindo a visão que a população tem


sobre seu entorno. Como observa Christofoletti (1979 apud CAVALCANTI;
VIADANA, 2007, p. 31):

A abordagem e valorização do quadro natural; os movimentos relacionados com a crise


ambiental; a difusão das perspectivas sistêmicas e das técnicas de análise multivariada
e a preocupação em fornecer bases necessárias para o planejamento socio-econômico,
contribuem para a caracterização, estrutura e dinâmica das paisagens naturais.

Para o estudo da organização do espaço, a ideia de “paisagem” é sustentada na uti-


lização de três sistemas relativamente independentes: a natureza, a economia e a
população. Essa visão se caracteriza por elementos básicos, tais como:

• Utilização das paisagens como objetos de pesquisa, tratando-as como siste-


mas naturais integrais.
• Determinação das zonas funcionais para cada unidade de paisagem que res-
ponda a uma avaliação e uma utilização e�ciente de cada uma dessas zonas,
dependendo das circunstâncias sociais, econômicas, históricas e políticas so-
bre a base dos recursos naturais.
• Processos de análise da paisagem para a organização do espaço
fundamentando-se nos procedimentos teórico-metodológicos, o que inclui o
inventário das paisagens e sua avaliação, a determinação do zoneamento fun-
cional, o prognóstico geográ�co e a proposição �nal do plano.

Esses estudos visam contribuir com o nível cientí�co do processo de organização


do espaço. Eles levam em consideração a avaliação das condições naturais e a
análise das consequências ecológicas, visando utilizar, de forma racional, o meio
ambiente.

Para a utilização do enfoque paisagístico nos trabalhos de organização do espaço,


é necessário um conjunto de medidas de acordo com um plano, devendo-se desta-
car, segundo Cavalcanti e Viadana (2007):

1. A realização de uma análise detalhada das metodologias existentes para se


avaliar as condições naturais e ecológicas nas diversas instâncias da organi-
zação do espaço, prevendo a possibilidade da utilização do enfoque paisagísti-
co e fazendo as ampliações, as complementações e as correções correspon-
dentes.
2. A avaliação do conjunto de critérios e de normas realizados e a adaptação das
condições da área de estudos.
3. A organização e a execução do projeto integral que levem em conta, em dife-
rentes escalas, as diversas atividades da organização do espaço, visando apli-
car os princípios do enfoque paisagístico.
4. A ampliação e a sistematização dos materiais físico-geográ�cos e ecológicos
que incluam a organização de um banco de dados e a codi�cação da informa-
ção e sua sistematização com a aplicação de técnicas computacionais.
Também a realização de trabalhos encaminhados a elaborar um sistema de
modelos de distintos tipos que incluam a produção de matrizes entre compo-
nentes e que sirvam de base para a construção de modelos complexos.

Ainda, segundo os autores supracitados, a análise da paisagem no esquema de or-


ganização do espaço deve estar dirigida a realizar o zoneamento funcional de cada
parte ou de cada elemento natural do espaço e a fundamentar as medidas para
proteger os recursos naturais e utilizá-los de forma mais efetiva.

Assim, pode-se dizer que os princípios essenciais da análise da paisagem devem


prever: a inclusão da utilização racional e cienti�camente fundamentada dos re-
cursos naturais, a proteção de seus componentes e a melhoria dos processos natu-
rais. Além disso, é necessário utilizar racionalmente cada parte desses recursos,
determinando a capacidade de carga, sua distribuição racional e o regime de cada
tipo de uso.

Desse modo, a organização do espaço é dependente tanto da estrutura físico-


geográ�ca quanto das necessidades sociais, políticas e econômicas, incluindo-se
os fatores históricos.

A análise da paisagem deve resultar na elaboração de uma estrutura racional pla-


nejada no meio ambiente. Deve-se utilizar, sem sombra de dúvidas, as fontes de
energia renováveis e não renováveis, sem degradar o meio ambiente, garantindo,
assim, melhores condições para a educação e para o desenvolvimento cultural do
homem. Deve ser estabelecido, ainda, o funcionamento dos componentes naturais,
sem permitir a ação de cargas excessivas que degradem o meio ambiente.

Paisagem como objeto de estudo da organização do espaço


Podemos obter, por meio do conceito de “paisagem”, uma ideia integradora e sinté-
tica do meio ambiente em sua acepção mais ampla (CAVALCANTI; VIADANA,
2007).

Para Tricart (1977), a paisagem é considerada um grupo de formas dos objetos e


dos elementos que de�nem um espaço geográ�co em cujos limites ocorrem as
inter-relações sociais, econômicas e culturais com o meio natural e as transforma-
ções que este tem experimentado. É, portanto, parte do ambiente.

Rodriguez, Silva e Cavalcanti (2007) apresentam uma classi�cação da atividade


humana modi�cadora da paisagem. Os critérios de classi�cação permitem deter-
minar as inter-relações dos fenômenos, consideram, integralmente, a natureza e a
sociedade e percebem e assimilam imagens espaciais como bases para a formação
de determinados valores, atitudes e comportamentos.

Além disso, permitem entender a espacialidade como uma característica social ou


natural contida em todo o processo de criação de valores. O Quadro 2 demonstra
como é realizada essa classi�cação.

Quadro 2 Classi�cação da atividade humana modi�cadora da paisagem.


CRITÉRIOS DE  EXEMPLOS DE UNIDADES DE PAISAGEM
CLASSIFICAÇÃO

Atividades hu- Agrícola Florestal Industrial Urbana Hídrica


manas

Intensidade à Levemente Levemente Medianamente Fortemente Muito for-


modi�cação modi�ca- modi�ca- modi�cado modi�cado temente
do do modi�cado

Caráter das rela- Relações Relações Relações rela- Relações  


ções reversíveis reversíveis tivamente irre- completa- –
temporais versíveis mente irre-
versíveis

Tempo de ori- Antiga Antiga Atuais inten- Atuais em  


gem bem ma- não mani- samente ma- vias de ex- –
nifestada festada nifestada tinção

Natureza da ati- Mecânica Física Química Biológica Combinada


vidade

Direção Acultural Acultural Construtivo – –


inconsci- consciente (cultural)
ente

Dinâmica Estados Estados Estados Estados de passa-


iniciais maduros de de- gem a um novo
grada- tipo
ção
Fonte: Cavalcanti e Viadana (2007, p. 37).

Assim, pode-se dizer que a paisagem não é só um portador de recursos materiais


para a sociedade; também é um espaço no qual se leva em conta a reprodução des-
ses recursos, sendo fonte de vida e de saúde para satisfazer as necessidades cultu-
rais e estéticas da sociedade.

O conceito de “paisagem” é então utilizado para determinar a estrutura do espaço e


acaba re�etindo a inter-relação dos fenômenos que acontecem no planeta Terra,
mas de forma mais objetiva.

Desse modo, a paisagem estará teoricamente estabelecida na exatidão, existindo


um sistema bem elaborado de métodos que servem para estudar e avaliar suas
propriedades e se caracterizando por subordinação a uma série de leis que têm um
caráter objetivo e que podem ser usadas como princípios no processo de organiza-
ção do espaço.

Segundo Santos (2008, p. 103), a paisagem e o espaço não são sinônimos.

A paisagem é um conjunto de formas que, em dado momento, exprimem as heranças


que representam as sucessivas relações localizadas entre o homem e a natureza. Já o
espaço é essa forma junto à vida que o anima.

A paisagem, ainda segundo o autor, seria a “[...] con�guração territorial”, sendo “[...]
o conjunto de elementos naturais e arti�ciais que �sicamente caracterizam uma
área” (SANTOS, 2008, p. 103). A paisagem é a porção da con�guração territorial que
é possível abarcar com a visão.

Assim, a visão de Santos (2008, p. 108) é que:

[...] a paisagem é a história congelada, mas participa da história viva. [...]. A paisagem é
testemunha da sucessão dos meios de trabalho, um resultado histórico acumulado. O es-
paço humano é a síntese, sempre provisória e sempre renovada, das contradições e da
dialética social. O que nos interessa aqui mais de perto é que isto nos pode oferecer uma
solução para o nosso problema epistemológico.

Podemos concluir, segundo o pensamento de Santos (2008), que a paisagem seria o


palco onde a história se passa, ou seja, o cenário, que muda conforme o tempo evo-
lui. No entanto, muitas vezes, os fatos históricos ocorrem em determinados lugares
justamente devido a certas particularidades na paisagem.

Cidades crescem ao longo de rios, pois a população depende da água para sobrevi-
ver. Ou ainda, certas cidades foram construídas nos altos das montanhas, pois
seus fundadores almejavam proteção, queriam di�cultar o acesso aos inimigos.

O estudo da paisagem, porém, é de fundamental importância nos estudos geográ�-


cos. Isso porque o conjunto de condicionantes naturais e suas interdependências
são relevantes para a análise do desenvolvimento do meio ambiente, obtendo-se
uma visão integrada do espaço.
E agora, encerrando seus estudos neste Ciclo 2, re�ita sobre sua aprendizagem res-
pondendo à questão a seguir.

7. Considerações
Esperamos que, ao �m deste segundo ciclo de aprendizagem, você tenha compre-
endido a relação estabelecida entre os principais conceitos geográ�cos e a forma-
ção da própria ciência geográ�ca.

É essencial que, com a �nalização deste ciclo de conteúdos mais teóricos e com o
início da prática escolar, você tenha adquirido uma visão mais concreta da
Geogra�a e seja capaz de inseri-la de modo mais efetivo nas suas análises espaci-
ais cotidianas e também em sua prática pro�ssional.
(https://md.claretiano.edu.br

/epiorgteoregregesp-gs0036-ago-2022-grad-ead-np/)

Ciclo 3 – Teoria da Região, Regionalização como


Instrumento de Planejamento e suas Linhas Teóricas

Camila Barbosa
Luiz Henrique Pereira
Neusa de Fátima Mariano
Victor Hugo Junqueira

Objetivos
• Conhecer as várias de�nições de região e regionalização.
• Compreender a teoria da região, que se estabeleceu ao longo da ciência
geográ�ca.
• Entender as linhas teóricas da regionalização e os diferentes tipos de re-
gião que se fundamentaram a partir dessas linhas teóricas.
• Re�etir sobre a regionalização como instrumento de planejamento.

Conteúdos
• Conceitos de região e regionalização: a teoria da região.
• As linhas teóricas da regionalização e os diferentes tipos de região.
• A regionalização como instrumento de planejamento.

Problematização
Qual o conceito de "região"? Como o conceito de região vem se modi�cando
ao longo da evolução da ciência geográ�ca? O que signi�ca "regionalização"?
Quais os tipos de regionalização propostos pelos teóricos da Geogra�a? Por
que a regionalização pode contribuir para um melhor planejamento e organi-
zação do espaço?
Orientação para o estudo
Para o estudo do conteúdo proposto a este ciclo de aprendizagem, leia com
atenção os textos e assista aos vídeos indicados, fazendo suas anotações e
buscando sempre re�etir sobre cada trecho lido. Uma dica é relacionar as in-
formações apresentadas com suas experiências cotidianas, ou seja, ao co-
nhecer a teoria, pense na relação que ela estabelece com a realidade vivida
em seu espaço, pois assim �ca muito mais interessante e fácil de compreen-
der o que se estuda.

1. Introdução
O conceito de "região", para a Geogra�a, estruturou-se ao longo da própria ci-
ência, sendo considerada como um método da ciência geográ�ca e uma cate-
goria de análise que pode levar a uma melhor compreensão relativa às trans-
formações vividas pelo espaço geográ�co ao longo do tempo.

Diante de tamanha importância, estudaremos, neste terceiro ciclo de aprendi-


zagem, o conceito de região e sua teorização, buscando entender os diferentes
tipos de região e as linhas teóricas que as delimitam, bem como o papel da re-
gionalização para os estudos geográ�cos do Brasil e do Mundo.

2. Conceitos de região e regionalização: a teoria


da região
Neste momento, começaremos com o estudo de região por meio do vídeo a se-
guir, em que será apresentado como esse conceito vem sendo utilizado ao lon-
go da história da humanidade e algumas de�nições para traçar um entendi-
mento inicial a seu respeito. Além disso, os conceitos apresentados terão a
função de apurar seu conhecimento relativo à formulação do termo região,
sempre buscando compreender sua relação com a evolução da própria ciência
geográ�ca.
3. Antecedentes da questão Regional no
Discurso Geográ�co
O termo região, apesar da sua multiplicidade de signi�cados, está diretamente
relacionado à ideia da parte de um todo. Na linguagem cotidiana, nos meios
de comunicação e nos discursos políticos, a região sempre se apresenta como
parcela de um espaço com características próprias, que a distinguem de um
conjunto espacial mais amplo.

Nesse sentido, a ideia de região não é produto exclusivo da ciência, sobretudo,


da Geogra�a, que historicamente incorporou o discurso regional como método
analítico e objeto de estudo.

Antes da própria institucionalização da Geogra�a como ciência, a palavra re-


gião já fazia parte do vocabulário político e era utilizada para a explicação da
diversidade espacial. Segundo Lencioni (2007, p. 187), "[...] a palavra região está
presente no conhecimento elaborado desde a Antiguidade, caracterizado por
inventários e pela intimidade entre o sagrado, o mítico e o real".

Os gregos, que inegavelmente contribuíram para a explicação dos fenômenos


da natureza e da sociedade em diversos campos do conhecimento – astrono-
mia, matemática, �loso�a etc., também são responsáveis pelas primeiras for-
mas de regionalização do espaço.

Lencioni (2009, p. 35) explica que:


Aos gregos pode ser creditada a primeira regionalização, por ter sido concebida
com algum método. As descrições passaram a ter forma ordenada, sugerindo com-
parações. Sínteses e explicações foram elaboradas acerca dos lugares e itinerários.
Foram eles que criaram a palavra Geogra�a, em que geo signi�ca Terra e graphia,
descrever. Concebiam uma Geogra�a em que cada ponto era considerado em rela-
ção ao mundo habitado e denominavam corogra�a as descrições das diferenças e
contrastes da Terra.

Entre os principais pensadores gregos que colaboraram para o enriquecimen-


to do conhecimento geográ�co a partir de uma perspectiva regional,
destacam-se Hecateu de Mileto (550 a 475 a.C) e Estrabão (63 a.C a 25 d.C). Ao
primeiro, é atribuída a elaboração do primeiro mapa-múndi com uma regiona-
lização da Terra, e, ao segundo, a criação da Geogra�a Regional (LECIONI,
2007; 2009).

No entanto, os conhecimentos sobre a região na Antiguidade e as suas expres-


sões teóricas não se restringiram apenas a península grega. A expansão da
cultura grega difundiu os saberes elaborados pelos gregos para outros povos,
que a partir da ampliação do conhecimento da diversidade espacial foram ad-
quirindo novas leituras e funcionalidades.

Nessa perspectiva é que podemos entender a aplicação política do termo re-


gião no Império Romano. A expansão do Império Romano sobre territórios ge-
ogra�camente e culturalmente diversi�cados exigiu uma forma de adminis-
tração que combinasse a preservação do controle político das diferentes áreas
por Roma e, ao mesmo tempo, garantisse uma relativa autonomia a essas pro-
víncias, como forma de impedir revoltas mais graves.

De acordo com Gomes (1995), a emergência do conceito de região, na visão de


alguns �lósofos, ocorre nesse contexto histórico como resultado da relação en-
tre a centralização do poder e a sua extensão sobre áreas de grande diversida-
de social, cultural e espacial.

Ainda de acordo com o autor:


[...] os mapas que representam o Império Romano são preenchidos pela nomencla-
tura dessas regiões que representam a extensão espacial do poder central hegemô-
nico, onde os governos locais dispunham de alguma autonomia, em função mesmo
da diversidade de situações sociais e culturais, mas deviam obediência e impostos
à cidade de Roma (GOMES, 1995, p. 51).

Com a desestruturação política e territorial do Império Romano, uma nova re-


alidade social e regional implantou-se: a subdivisão do espaço geográ�co em
feudos que detinham autonomia administrativa.

Esse período marcou, também, mudanças nas formas de elaboração do conhe-


cimento, que sobre hegemonia da Igreja Católica, principal instituição política
do período, pouco contribuiu para a produção do conhecimento geográ�co.

De acordo com Moreira (2007, p. 14): “Na Idade Média, a in�uência da Igreja le-
va a geogra�a a ser uma forma de visão que referenda o imaginário bíblico de
um mundo criado por Deus à sua imagem e semelhança. Por isso a geogra�a
medieval é uma extensão da Bíblia e o geógrafo um cartógrafo do fantástico”.

Contudo, as unidades regionais (feudos), como instrumento político, continua-


vam a exprimir um papel importante para a estrutura administrativa e hierár-
quica da Igreja Católica.

Com a retomada do comércio e a formação dos Estados Modernos, a questão


regional adquiriu novos contornos. A reorganização do espaço geográ�co nos
seus limites territoriais e políticos produziram diferentes recortes regionais,
que envolveram mudanças da distribuição do poder e, consequentemente, na
interpretação teórica dessa realidade.

Nesse contexto, como a�rma Gomes (1995, p. 52), “[...] a questão (regional) que
se recoloca é a mesma que deu origem ao conceito de região na Antiguidade
Clássica, ou seja, a questão da relação entre a centralização, a uniformização
administrativa e a diversidade espacial, diversidade física, cultural, econômi-
ca e política, sobre a qual este poder centralizado deve ser exercido”.

Dessa forma, podemos entender que o signi�cado da palavra região, anterior a


institucionalização da Geogra�a, apresentava dois componentes essenciais: a
questão política e a ação do Estado sobre a diversidade espacial.

Esses componentes foram herdados pela Ciência Geográ�ca, porém, não fo-
ram a ela limitados. A emergência do discurso cientí�co colocou em pauta ou-
tros problemas e novos debates que contribuíram para potencializar o sentido
analítico do conceito e diversi�car as suas acepções.

Apesar dos diversos escritos, relatos de viagens e temas que abordavam dire-
tamente o conteúdo geográ�co, inclusive com autores importantes, como
Claudio Ptolomeu (90 a 168 d. C) e Bernardo Varenius (1622-1650). As condi-
ções históricas que possibilitaram a sistematização do conhecimento geográ-
�co ocorrem apenas no século 19, como resultado do processo de formação
dos Estados Nacionais, do fortalecimento da burguesia como classe social e da
criação de mecanismos políticos e técnicos que permitiram a reprodução de
capitais em níveis mais ampliados (MORAES, 2007).

A formação da Ciência Geográ�ca, portanto, está relacionada ao processo de


expansão territorial e econômica do capitalismo, que, pela evolução das técni-
cas cartográ�cas, pelas navegações e exploração das terras do "Novo Mundo",
aumentou o repertório de informações sobre o globo terrestre a partir do qual
pode se reconhecer as diferenças, as continuidades e as diversidades espaci-
ais, temas centrais para a questão regional, que passa agora a adquirir um es-
tatuto cientí�co.

4. A região no discurso cientí�co


O surgimento da Geogra�a como Ciência Moderna integra o processo de rees-
truturação das formas de pensar o mundo, a partir da ampliação do conheci-
mento do mundo e das novas formas de entender fenômenos naturais.

Sob forte in�uência da �loso�a iluminista e do Idealismo alemão, especial-


mente pelas contribuições de Immanuel Kant (1724-1804), a gênese cientí�ca
da Geogra�a está relacionada às formas de interpretação da sociedade e da
natureza, para as quais os estudos regionais são fundamentais.
Para Moraes (2007), as primeiras colocações no sentido de uma Geogra�a sis-
tematizada são obras de dois autores prussianos: Alexandre Von Humboldt e
Karl Ritter.

Lencioni (2009, p. 88) a�rma que:

Com Humboldt e Ritter, o estudo da superfície terrestre como um todo coerente e


harmônico se realizou por meio de múltiplas relações, incluindo as estabelecidas
entre os aspectos da natureza e os aspectos humanos. Eles superaram os estudos
particulares, despidos de referências a princípios gerais; superaram o conhecimen-
to geográ�co restrito as descrições dos lugares, entendido apenas como elaboração
de mapas. [...] Com ambos a Geogra�a caminhou para construir em um ramo parti-
cular do conhecimento, que procura relacionar o homem à natureza, base da com-
preensão da realidade.

Nesse sentido, a questão regional faz-se presente no discurso geográ�co, espe-


cialmente, nos escritos de Ritter (s.d. apud LENCIONI, 2009, p. 92), para o qual
"[...] a Terra constitui um todo orgânico e a região uma parte desse organismo".

De acordo com Moreira (2008a, p. 15): "Ritter tem em mira mostrar um sentido
na organização corográ�ca da superfície terrestre, que ele identi�ca sob o no-
me de individualidade regional dos recortes do espaço".

Para chegar a "individualidade regional", Ritter compara recortes de áreas diferen-


tes, com o �m de identi�car as suas características comuns e assim chegar a um
plano de generalização (método indutivo). De posse desse plano de comparação
possível, individualiza e analisa cada área separadamente, com o �m agora de
identi�car o que é especí�co de cada uma, distinguir o que as separa e assim clas-
si�car as áreas por suas propriedades dentro do quadro das propriedades comuns a
todas (método dedutivo). Obtém-se com isso, a individualidade de cada área, isto é,
a construção teórica da Região que Ritter concebe de maneira a ver cada área como
um recorte de uma unidade de espaço maior, sendo uma unidade em si ao mesmo
tempo que é parte diferenciada do conjunto maior da superfície terrestre
(MOREIRA, 2008b, p. 21).

Ao estabelecer uma Geogra�a Comparada como fundamento para uma


Geogra�a Regional, Ritter inaugurou uma fase no conceito e na explicação da
região. Segundo Lencioni (2009, p. 95), os estudos de Ritter contribuíram para
"[...] o desenvolvimento das divisões regionais fundadas em critérios naturais,
em vez de divisões regionais baseadas nos limites administrativos e políti-
cos".

Dessa forma, Ritter imprime um novo caráter ao conceito de região e de�niti-


vamente funda as bases de uma Geogra�a Regional, que vai exercer in�uência
signi�cativa nos geógrafos posteriores.

Região Natural e Região Geográ�ca


O contexto histórico que inaugura a sistematização da Ciência Geográ�ca por
Karl Ritter e Alexander Von Humboldt é caracterizado, sobretudo, por uma
concepção holista da Geogra�a. A totalidade – a superfície terrestre – é o obje-
tivo essencial, ainda que com diferenças entre os dois autores.

Enquanto Ritter vai do todo –a superfície terrestre – à parte – o recorte da indivi-


dualidade regional –, de modo a daí voltar ao todo para vê-lo com um todo diferen-
ciado em áreas, Humboldt vai do recorte – a formação vegetal – ao todo – o planeta
Terra –, de modo a voltar à geogra�a das plantas como elo costurador da unidade
do entrecortado das paisagens, ambos se valendo do método comparativo e do
princípio da corologia (MOREIRA, 2008b, p. 22).

Entretanto, essa concepção holista vai, a partir da segunda metade do século


19, sendo substituída por novos referenciais teóricos e �losó�cos. As transfor-
mações econômicas, políticas, sociais e territoriais, produto de uma nova fase
de expansão capitalista, impactam em signi�cativas mudanças no pensa-
mento geográ�co, que culminaram na inauguração de uma nova etapa no
pensamento geográ�co: a Geogra�a Clássica.

A emergência do Positivismo, como alicerce teórico desse período nas ciênci-


as sociais, causa uma fragmentação no conhecimento em diversas áreas. Para
a Geogra�a, a principal repercussão é o estabelecimento da dicotomia nature-
za e sociedade, expressa no antagonismo Geogra�a Física e Geogra�a
Humana e as suas múltiplas disciplinas setoriais.
Nesse contexto, um novo paradigma impõe-se. Como estudar a relação
sociedade-natureza, princípio essencial e unitário da Geogra�a, a partir de
uma dicotomia natureza/sociedade do ponto de vista teórico?

A essa questão, Lencioni (2007, p. 189) responde que:

A solução para esta cisão da disciplina e, consequentemente, para a perda de sua


identidade, veio por meio do estudo regional. Ele possibilitava combinar o procedi-
mento metodológico de análise das relações causais e de construção de leis gerais,
bastante pertinentes ao estudo dos fenômenos naturais, com a perspectiva que não
buscava construir generalizações, bastante presentes na busca da compreensão
dos aspectos da vida social e cultural. Desse modo, o espectro da cisão da discipli-
na e o comprometimento de sua unidade se resolviam pelo estudo regional, que
tentava relacionar os aspectos físicos e humanos de uma dada área.

Todavia, o problema ainda não estava totalmente resolvido, outra questão se


impunha no estudo da relação sociedade-natureza – o poder de in�uência de
uma esfera sobre a outra –, que o pensamento geográ�co convencionou deno-
minar de uma disputa entre deterministas e possibilistas, a partir da de�nição
do historiador francês Lucien Fébvre (MORAES, 2007; MOREIRA, 2008b).

Essa questão vai repercutir no caráter e no sentido dos estudos regionais.


Segundo Gomes (1995, p. 56) "[...] surge daí o primeiro debate que tem a região
como um dos epicentros, o conhecido debate entre as determinações e as in-
�uências do meio natural".

Na perspectiva de entender as determinações do meio natural sobre o desen-


volvimento da sociedade, surge o conceito de região natural. Nesse contexto,
Bezzi (1996, p. 53) explica que:

A noção de região natural, nesse período, foi apresentada por alguns autores como
idéia básica e sintética das teses deterministas. Desse modo, se as condições físi-
cas eram determinantes no desenvolvimento social, seria natural que, a partir de
algumas observações, fosse possível traçar várias correlações que, se veri�cadas,
passariam a ter valor de "leis naturais" para o desenvolvimento social.
Sobre forte in�uência das ciências naturais, do determinismo ambiental e da
Geologia, a região natural passou a ser entendida:

[...] como uma parte da superfície da Terra, dimensionada segundo escalas territori-
ais diversi�cadas, e caracterizadas pela uniformidade resultante da combinação ou
integração em área dos elementos da natureza: o clima, a vegetação, o relevo, a geo-
logia e outros adicionais que diferenciam ainda mais cada uma destas partes
(CORRÊA, 2000, p. 23).

Dessa forma, o conceito de região natural está vinculado a uma integração de


diversos elementos naturais em uma área contínua. A delimitação de uma
área a partir de um único elemento, por exemplo, um mapa da distribuição da
vegetação, não constitui uma região natural, pois se baseia em um único ele-
mento natural e sua localização espacial.

O conceito de região natural envolve, portanto, o agrupamento de uma série de


variáveis naturais, com possibilidades de diferentes combinações a partir do
qual se de�ne uma região especí�ca. Assim, a região natural apresenta-se co-
mo uma realidade concreta, mas, a qual cabe ao pesquisador subjetivamente a
tarefa de delimitá-la e explicá-la a partir do entendimento dos fundamentos e
das determinações da natureza.

Contrário a forma de pensar a natureza como determinação, emerge, no pen-


samento geográ�co, a ideia de possibilidades e in�uências da natureza, a par-
tir do qual a sociedade realiza suas escolhas. Essa corrente, denominada
"Possibilismo", produziu uma nova forma de conceituar e entender a região.

Gomes (1995, p. 56-57) explica que nessa forma de conceber a relação


sociedade-natureza: “A natureza pode in�uenciar e moldar certos gêneros de
vida, mas é sempre a sociedade, seu nível de cultura, de educação, de civiliza-
ção, que tem a responsabilidade da escolha, segundo uma fórmula que é bas-
tante conhecida – ‘o meio ambiente propõe, o homem dispõe’”.

Nesse sentido, a região passa a ser entendida como região geográ�ca, "[...] uni-
dade superior que sintetiza a ação transformadora do homem sobre um deter-
minado ambiente" (GOMES, 1995, p. 57).
Já Corrêa (2000, p. 28), a�rma que a "[...] região geográ�ca abrange uma paisa-
gem e uma extensão territorial, onde se entrelaçam de modo harmonioso
componentes humano e natureza".

O maior expoente dessa forma de pensar a região, inegavelmente, foi Paul


Vidal de La Blache (1845-1918). Nessa perspectiva, Lencioni (2007, p. 189) a�r-
ma que: “Foi com Paul Vidal de La Blache (1845-1918), um pensador do possí-
vel, ou seja, das inúmeras possibilidades que o homem tem diante da vida, que
a geogra�a regional alcançou grande desenvolvimento. Para ele, a ciência ge-
ográ�ca deveria observar e compreender a singularidade dos lugares”.

A Geogra�a Regional, obra do pensamento de La Blache, expresso no livro


Quadros da Geogra�a da França, publicado em 1903, inaugura uma nova etapa
na compreensão da realidade geográ�ca, que exerce uma poderosa in�uência
sobre as produções geográ�cas elaboradas desde o início do século 20 e que,
ainda hoje, fazem-se presentes em diversos estudos acadêmicos.

Na proposta lablacheana, a Geogra�a Regional parte do princípio da diversida-


de espacial, sendo a região um recorte da superfície terrestre na qual os ele-
mentos físicos e humanos se integram e se combinam de forma própria e sin-
gular no decorrer da história.

Dessa forma, a região é algo concreto, porque é histórica, natural e reconheci-


da pela população que nela reside. Diante disso, o trabalho do geógrafo seria
desvendar as individualidades da superfície terrestre, delimitando os seus li-
mites, descrevendo e explicando a sua formação e sua evolução, alcançando a
síntese regional (CORRÊA, 2000; GOMES, 1995).

Segundo La Blache (s.d. apud Lencioni, 2009, p. 107): “A síntese regional [...] é o
objetivo último da tarefa do geógrafo, o único terreno sobre a qual ele se en-
contra a si mesmo. Ao compreender e explicar a lógica interna de fragmenta-
ção da superfície terrestre, o geógrafo destaca a individualidade que não se
encontra em nenhuma outra parte”.

Para alcançar a síntese regional – a individualidade na generalidade – o mé-


todo indicado era a descrição e a observação empírica, que se apresentavam
como fundamentos necessários, para que cada geógrafo estudasse uma região
especí�ca.

A partir de então, com a de�nição do objeto e método – pela Geogra�a


Regional labacheana –, passou a se produzir uma série de monogra�as regio-
nais seguindo, essencialmente, um mesmo receituário.

Moraes (2007, p. 88) expõe, de forma detalhada, o modo como procediam às


monogra�as regionais. Acompanhe.

No geral, tais estudos obedeciam a um modelo de exposição, que propunha os se-


guintes itens: introdução, localização a área estudada, [...]; 1º capítulo: "as bases físi-
cas" ou o "quadro físico", enumerando as características de cada um dos elementos
naturais presentes (relevo, clima, vegetação etc.); 2º capítulo: o "povoamento" ou as
"fases de ocupação", discutindo a formação histórica (primeiras explorações, atrati-
vos econômicos no passado, fundação das cidades, etc.); 3º capítulo: a "estrutura
agrária" ou o "quadro agrário", descrevendo a população rural, a estrutura fundiária,
o tipo de produção, as relações de trabalho, a tecnologia empregada no cultivo e na
criação, etc.; 4º capítulo: a "estrutura urbana" ou o "quadro urbano", analisando a re-
de de cidades, a população urbana, os equipamentos e as funções urbanas, a hierar-
quia das cidades daquela região, etc.; 5º capítulo: a estrutura industrial (quando es-
ta existisse na região analisada), estudando o pessoal ocupado, a tecnologia empre-
gada, a destinação da produção, a origem das matérias-primas empregadas, o nú-
mero e o tamanho dos estabelecimentos, etc. E �nalmente, a conclusão, em geral
constituída por um conjunto de cartas, cada uma referente a um capítulo, as quais
sobrepostas dariam relações entre os elementos da vida regional.

As monogra�as regionais, ao adotar uma padronização – descrição dos ele-


mentos físicos, seguido da descrição dos aspectos humanos, para �nalmente
alcançar uma integração – reduziram-se a uma mera descrição das individu-
alidades e do singular, perdendo a noção da totalidade espacial.

Outra crítica ao conceito de região geográ�ca e a sua apreensão por meio das
monogra�as regionais foi elaborada por Lacoste (1988). Segundo o autor, o
pensamento lablacheano, ao considerar a região geográ�ca uma representa-
ção espacial única, "[...] síntese harmoniosa e das heranças históricas, se tor-
nou um poderoso conceito-obstáculo que impediu a consideração de outras
representações espaciais e o exame de suas relações" (Lacoste, 1988, p. 64).
Dessa forma, ao identi�car apenas as particularidades regionais, de forma
única e sem estabelecer relações com as outras regiões e com a totalidade es-
pacial, a repetição das monogra�as regionais prejudicaram a construção de
leis e princípios gerais que caracterizam o estatuto cientí�co da Geogra�a.

Essa condição criou um novo impasse teórico na Geogra�a: a dicotomia entre


Geogra�a Regional e Geogra�a Geral, que passou a exigir novos referenciais
teóricos para a explicação da realidade.

Vamos entendê-la?

5. Geogra�a como estudo da diferenciação de


áreas
A dicotomia sociedade-natureza domina o debate geográ�co desde a fragmen-
tação das ciências pelo positivismo. Como vimos, os estudos regionais, a prin-
cípio, foram uma tentativa de (re)integrar a relação sociedade-natureza.

Todavia, a a�rmação do pensamento lablacheano e a reprodução em série de


monogra�as regionais acabaram por conduzir a Geogra�a a estudar cada vez
mais o particular, sem estabelecer relações com a totalidade espacial e sem
condições de produzir generalizações.

Nesse contexto, uma nova questão colocou-se:

A Geogra�a deveria ser o estudo das particularidades (ciência idiográ�ca) ou


deveria estar centrada na construção de princípios gerais (ciência nomotéti-
ca)?

O alemão Alfred Hettner (1859-1941) foi o principal nome da Geogra�a a procu-


rar respostas para essa questão. Sob in�uência do Neokantismo, retornou cri-
ticamente a Ritter, Humboldt e a Richtofen para pensar a dualidade
nomometismo-idiogra�smo na Geogra�a (HARTSHORNE, 1969; MOREIRA,
2008; LENCIONI, 2009).
Segundo Lencioni (2009, p. 122):

Hettner argumentou que a Geogra�a não era uma ciência nomotética ou idiográ�-
ca. Era tanto uma como outra. Dizia que quando a Geogra�a se volta para o estudo
das relações entre os fenômenos de um determinado território é uma Geogra�a idi-
ográ�ca; porém, quando estes fenômenos podem ser classi�cados em categorias,
possibilitando a dedução de leis gerais, ela é nomotética.

A partir dessa consideração, Hettner defendeu que a diferenciação da superfí-


cie terrestre era o objeto principal da ciência geográ�ca.

[...] a matéria especí�ca da Geogra�a, desde os tempos mais remotos até os dias de
hoje, consiste no conhecimento das áreas da terra na medida em que diferem umas
das outras [...]; que o homem está incluído como parte integrante da natureza e que,
dado o avanço geral da ciência, [...] a mera descrição foi substituída, em todos os ra-
mos da Geogra�a, pela busca de causas (Hettner s.d. apud Hartshorne, 1969, p. 17).

Nesse sentido, para Hettner, o objeto da Geogra�a não é relação sociedade-


natureza, mas o estudo da diferenciação de áreas. No entanto, na sua concep-
ção, a Geogra�a não deveria apenas "[...] descrever as diferentes paisagens co-
mo um longo inventário de formas regionais, é necessário interpretar essas
formas como resultado de uma dinâmica complexa" (GOMES, 1995, p. 58).

Para isso, Hettner retoma e inova a corologia de Ritter. De acordo com Moreira
(2008b, p. 34):

Em Ritter, a corologia é o efeito do método comparativo, que desemboca no indivi-


dualismo regional. Com Hettner, estamos de novo diante da abordagem de recorta-
mentos, do processo de arrumação da superfície terrestre pelo movimento interati-
vo e entrecruzado dos fenômenos físicos e humanos, cuja tradução é o entendi-
mento da Geogra�a como estudo da superfície terrestre por sua diferenciação de
áreas.

Dessa forma, a corologia se expressa no estudo regional – o estudo de uma


parte da totalidade.
Em sua concepção, o estudo das diferenciações da superfície terrestre deveria con-
ceber essa superfície como uma totalidade. Deveria, ainda, levar em consideração a
totalidade dos fenômenos da natureza e do homem num determinado espaço da
superfície terrestre, cujas características possuíssem uma coerência �sionômica e
funcional que permitissem con�gurar uma individualidade espacial (Lencioni,
2009, p. 123).

Essa forma de relacionar a parte à totalidade, por meio do método regional,


procurou resolver a dicotomia sistemático-particular na Geogra�a. Porém, ao
contrário das concepções de região geográ�ca de Vidal de La Blache e seus
sucessores, para Hettner, a região não era uma realidade concreta, mas "[...]
um produto mental, uma forma de ver o espaço que coloca em evidência os
fundamentos da organização diferenciada do espaço" (Gomes, 1995, p. 60).

As ideias de Hettner tiveram maior divulgação com o geógrafo estado-


unidense Richard Hartshorne (1899-1992), nas obras The Nature of Geography
(1939) e Perspectives on the Nature of Geography (1959).

Hartshorne a�rma que a Geogra�a é a ciência da diferenciação de áreas.


Segundo ele, esse "[...] conceito, em si mesmo, decorre da síntese, efetuada por
Richitofen, dos pontos de vista de Humboldt e Ritter, e foi exposto de maneira
mais completa nos escritos de Hettner" (1969, p. 17).

Diante disso, de forma sintética, Hartshorne (1969, p. 26) enuncia que "[...] a
Geogra�a tem por objeto proporcionar a descrição e a interpretação, de manei-
ra precisa, ordenada e racional, do caráter variável da superfície da Terra".

Nessa perspectiva, ao identi�car como objeto o caráter variável da superfície


terrestre, a Geogra�a seria o estudo tanto da natureza quanto da sociedade.
Segundo Lencioni (2007; 2009), para Hartshorne, são de interesse da Geogra�a
todos os fenômenos que têm uma dimensão espacial.

Para Gomes (1995), a preocupação com a distribuição e a localização espacial é


o que de�ne o campo epistemológico próprio da Geogra�a. De acordo com
Hartshorne (1969, p. 23): "Existem relações signi�cativas entre as variações
dos diversos aspectos das áreas, e os geógrafos de todas as épocas se preocu-
param em estabelecer e demonstrar essas vinculações".

Ao expor o pensamento de Hartshorne, Moreira (2008a, p. 128) explica que: “A


referência na superfície terrestre e o modo corológico de vê-la fazem da
Geogra�a uma ciência da heterogeneidade. É uma ciência que lida com o hete-
rogêneo, seja no sentido do conceito de relações mútuas, seja no sentido do
conceito de relações de conexão”.

Assim, para Hartshorne, o importante é compreender as combinações e as re-


lações entre os diversos fenômenos que caracterizam as diferenças entre áre-
as; todavia, a exemplo de Hettner, caberia ao pesquisador a partir de um exer-
cício intelectual de�nir os recortes regionais.

O pensamento de Hartshorne marcou um período de intensos debates na


Geogra�a, contribuindo de forma signi�cativa para o desenvolvimento do
pensamento geográ�co. Entretanto, a partir da segunda metade do século 20,
recebeu inúmeras críticas de diversos autores in�uenciados pelo neopositi-
vismo.

Esse período também coincide com a crise da Geogra�a clássica que repercu-
tiu no movimento de renovação da Geogra�a e na rede�nição do conceito de
região, a partir de outros fundamentos teórico-metodológicos.

Gomes (1995, p. 62) a�rma que:

A crise da geogra�a clássica coincidiu com uma grande rediscussão da noção de


região, da propriedade de um método particular à geogra�a e de uma natureza dis-
tinta do conjunto das outras ciências. As críticas se multiplicaram. Uma das mais
importantes diz respeito ao caráter "excepcionalista" (o fato de ver os fenômenos
como únicos) do saber geográ�co. O argumento fundamental desta crítica é a de
que em um mundo sem teorias, sem modelos, todos os fatos são únicos. A geogra�a
assim, através desta perspectiva regional-descritiva, jamais teria alcançado o esta-
tuto verdadeiramente cientí�co, pois se limitava à descrição, sem procurar estabe-
lecer relações, análises e correlações entre os fatos.

Nesse contexto, a Geogra�a vivenciou um período de crise epistemológica e


nos seus paradigmas cientí�cos, para os quais eram necessários novos funda-
mentos teóricos que estivessem em consonância com as mudanças econômi-
cas e sociais, veri�cadas, especialmente, após a Segunda Guerra Mundial.

Dessa forma, a crise na Geogra�a possibilitou uma rediscussão interna de


seus fundamentos cientí�cos, e contribuiu para novas formulações para o
conceito de região. Portanto, como disse o geógrafo Carlos Walter Porto
Gonçalves (1982, p. 93), se "a geogra�a esta em crise, viva a geogra�a!".

6. As linhas teóricas da regionalização e os di-


ferentes tipos de região
Seguindo os estudos relacionados à região e sua diversidade teórica, vamos
entender um pouco mais sobre os vários conceitos de região e as correntes ge-
ográ�cas que os de�niram.

Veremos que a multiplicidade de de�nições é resultado de uma relação dialéti-


ca entre a produção da realidade e sua análise teórica, portanto, submetida a
contradições, continuidades, rupturas e as intencionalidades da ciência, o que
faz com que os conceitos de região que serão apresentados não sejam estáti-
cos, absolutos e homogêneos, mas, sim, sempre em perspectiva de renovação.

A seguir, continuaremos a discorrer sobre o tema abordado no vídeo assistido


no primeiro tópico desse ciclo, porém com um pouco mais de detalhes com o
intuito de ajudá-lo a reter melhor o conteúdo abordado.

A região na nova geogra�a


A Nova Geogra�a é produto de uma realidade histórica na qual a expansão
acelerada do capitalismo pelo mundo, por meio das empresas multinacionais,
alterava o conteúdo, as formas e as relações entre os espaços geográ�cos.

De acordo com Corrêa (2000, p. 17):


Uma nova divisão social e territorial do trabalho é posta em ação, envolvendo in-
trodução e difusão de novas culturas, industrialização, urbanização e outras rela-
ções espaciais. As regiões elaboradas anteriormente à guerra são desfeitas, ao mes-
mo tempo que a ação humana, sob a égide do grande capital, destrói e constrói no-
vas formas espaciais, reproduzindo outras: rodovias, ferrovias, represas, novos es-
paços urbanos, extensos campos agrícolas despovoados e percorridos por moder-
nos tratores, shopping centers etc. Trata-se de uma mudança tanto no conteúdo co-
mo nos limites regionais, ou seja, no arranjo espacial criado pelo homem.

Além disso, nesse contexto histórico, a ciência precisava justi�car a expansão


capitalista e fornecer subsídios teóricos para a melhor localização das empre-
sas multinacionais. A Nova Geogra�a, por meio das análises estatísticas, vai
contribuir de forma signi�cativa nesse processo, orientando e fornecendo op-
ções para a alocação de capitais (CORRÊA, 2000; MORAES, 2007).

Nas palavras de Bezzi (1996, p. 168), a Geogra�a foi "[...] usada como instru-
mento de dominação, [...] serviu para delimitar e classi�car espaços, de modo
a conseguir a maximização em termos de lucro, de um espaço com função es-
pecí�ca".

Diante disso, a região passa a adquirir novos signi�cados, a tradição descritiva


foi substituída pela classi�cação de áreas de acordo com as suas semelhan-
ças. Assim, emerge um novo conceito de região:

Um conjunto de lugares onde as diferenças internas entre esses lugares são meno-
res que as existentes entre eles e qualquer elemento de outro conjunto de lugares.

As similaridades e diferenças entre lugares são de�nidas através de uma mensura-


ção na qual se utilizam técnicas estatísticas descritivas como o desvio-padrão, o
coe�ciente de variação e a análise de agrupamento. Em outras palavras, é a técnica
estatística que permite revelar as regiões de uma dada porção da superfície da
Terra (Corrêa, 2000, p. 32).

Para Gomes (1995, p. 63):


O estabelecimento de regiões passa a ser uma técnica da geogra�a, um meio para
demonstração de uma hipótese e não mais um produto �nal do trabalho de pesqui-
sa. Regionalizar passa a ser a tarefa de dividir o espaço segundo diferentes critérios
que são devidamente explicitados e que variam segundo as intenções explicativas
de cada trabalho.

Ainda segundo Gomes (1995, p. 63), nesse processo, "[...] a região passa a ser
um meio e não mais um produto". Com isso, as possibilidades de divisões do
espaço geográ�co são inúmeras, já que se as regiões são de�nidas por mode-
los estatísticos, não é necessária nenhuma base empírica prévia. São as inten-
cionalidades do pesquisador que orientam o processo de regionalização
(CORRÊA, 2000).

Em síntese, a região não é uma realidade concreta, mas uma criação intelectu-
al, uma técnica-operacional para criar um padrão espacial e regular a organi-
zação do espaço geográ�co, contribuindo para as políticas de planejamento re-
gional que despontaram no período.

De acordo com Bezzi (1996, p. 190):

A Nova Geogra�a contribuiu para a operacionalização de estudos de muitas variá-


veis, técnicas de sensoriamento remoto, uso de computadores, en�m, houve a ins-
trumentalização das novas abordagens regionais dentro da visão pragmática. Isso
possibilitou previsibilidade, controle de mudanças, demonstrabilidade e objetivida-
de, o que signi�cou uma ação regional mais efetiva e mais ágil, pelo menos em ter-
mos de plani�cação.

A partir desses fundamentos é possível a�rmar que, na Nova Geogra�a, não


existe um método regional, e sim uma análise regional na qual "[...]
identi�cam-se padrões espaciais dos fenômenos vistos estaticamente ou em
movimento" (CORRÊA, 2000, p. 39).

Lencioni (2007, p. 192) explica que:


Na análise regional, utilizou-se da teoria geral dos sistemas tentando resolver vári-
as questões, como a delimitação funcional da região, a de�nição da escala regional
e a coesão do conteúdo regional. Menos importante era reconhecer ou determinar
as regiões historicamente de�nidas; mais relevante era classi�car as regiões,
hierarquizá-las e veri�car as suas relações funcionais.

As diversas classi�cações regionais que foram produzidas nesse contexto ci-


entí�co permitiram criar uma tipologia de regiões e propósitos diferentes de
divisão regional. Termos como regiões simples ou complexas, de�nidas a par-
tir de técnicas estatísticas, passaram a ser comuns ao vocabulário geográ�co.

No entanto, a divisão regional mais signi�cativa desse período foi a classi�ca-


ção entre regiões funcionais e regiões homogêneas, que analisaremos a se-
guir. Vejamos.

Regiões homogêneas e regiões funcionais


A Nova Geogra�a, ao transformar a região em um instrumento técnico-
operacional, a partir do qual o pesquisador optava por variáveis estatísticas
para estabelecer as regularidades, padrões e leis gerais, permitiu uma ampla
adjetivação da palavra região.

Porém, as diferentes adjetivações podem ser sintetizadas em duas abordagens


principais. Primeiro, as regiões homogêneas, formais ou uniformes; e, segun-
do, as regiões funcionais, polarizadas ou nodais.

O conceito e a de�nição de cada uma das regiões foram discutidos por distin-
tos autores, cada qual com a sua particularidade. No entanto, optamos aqui
por apresentar apenas com as noções de regiões homogêneas e regiões funci-
onais, dado a sua prevalência no discurso geográ�co.

Como a�rma Corrêa (2001, p. 186-187), na década de 1960 há uma "[...] profusão
de estudos recortando os países em diferentes tipos de regiões homogêneas e
regiões funcionais".

Esse mesmo autor apresenta uma de�nição de região homogênea e região


funcional. Segundo ele, a região homogênea refere-se:

[...] à unidade agregada de áreas descrita pela indivisibilidade (estatisticamente


considerada) de características analisadas, estáticas, sem movimento no tempo e
no espaço: a densidade da população, a produção agropecuária, os níveis de renda
da população, os tipos de clima e as já mencionadas regiões naturais (Corrêa, 2000,
p. 34).

Ainda segundo Corrêa (2000, p. 35), as regiões funcionais:

[...] são de�nidas de acordo com o movimento de pessoas, mercadorias, informa-


ções, decisões e idéias sobre a superfície da Terra. Identi�cam-se, assim, regiões de
tráfego rodoviário, �uxos telefônicos ou matérias-primas industriais, migrações
diárias para o trabalho, in�uência comercial das cidades, etc.

Dessa forma, para Corrêa (2000), as regiões homogêneas estão relacionadas às


características �xas, e as regiões funcionais, aos diversos �uxos que ocorrem
no espaço geográ�co.

Já para Boudeville (s.d. apud BEZZI, 1996, p. 172), as regiões funcionais


constituir-se-iam um "[...] espaço heterogêneo cujas diversas partes são com-
plementares e mantêm entre si, especialmente, com os pólos dominantes,
mais intercâmbio do que com as regiões vizinhas". As regiões homogêneas,
por sua vez, corresponderiam a "[...] um espaço contínuo ou zonas com carac-
terísticas muito semelhantes de densidade e estrutura de população, nível de
renda, atividades industriais e agrícolas".

Portanto, na acepção de Boudeville (1980), as regiões se distinguiriam pela


continuidade ou descontinuidade espacial.

Bezzi (1996, p. 171), no esforço de sintetizar as ideias, explica que:


A região homogênea é aquela cuja identidade sempre se relacionará com caracte-
rísticas físicas, econômicas, sociais, políticas, culturais, entre outras, em uma de-
terminada área. Entretanto, para sua delimitação, é necessário que essa uniformi-
dade seja contígua no espaço.

Assim, ao selecionar, estatisticamente, determinadas variáveis, de�nem-se


padrões espaciais homogêneos e com continuidade espacial, a partir dos
quais é possível estabelecer níveis hierárquicos entre regiões.

Por outro lado, para Bezzi (1996, p. 171):

A região funcional ou polarizada é aquela que necessita essencialmente de um pólo


(nó) que preside a teia de relações que dá substância à região. Nesta perspectiva, a
estruturação do espaço não é vista sob o caráter da uniformidade espacial, mas pe-
las múltiplas relações que circulam e dão forma a um espaço que é internamente
diferenciado.

Nessa perspectiva, há uma valorização da cidade como polo dinamizador da


região, pois, é a partir dela que se tecem as relações e os �uxos econômicos
espaciais, especialmente, por meio do comércio e da indústria. As regiões fun-
cionais se caracterizariam por apresentar uma hierarquia interna, na qual os
lugares estariam subordinados aos centros metropolitanos.

De uma forma geral, as noções de regiões homogêneas e regiões funcionais


aplicadas pela Nova Geogra�a contribuíram, especialmente, por meio dos cri-
térios de delimitação dos recortes regionais, para a aplicação das políticas de
planejamento regional empreendidas, no Brasil, no contexto da expansão ca-
pitalista.

Assim, a Nova Geogra�a teve um papel importante ao de�nir a Geogra�a co-


mo a ciência do espaço, ao instituir novas variáveis ao estudo da região e am-
pliar as possibilidades técnicas de análise regional.

Entretanto, a partir da década de 1970, as críticas à Geogra�a Quantitativista


cresceram, contestando, sobretudo, a ausência do conteúdo social na leitura
do espaço geográ�co e a posição ideológica de naturalização e favorecimento
do capitalismo, como única solução possível para o desenvolvimento social.

As críticas a essa postura teórica, estritamente vinculada ao positivismo lógi-


co, estimularam a busca de novos caminhos teórico-metodológicos, para os
quais o marxismo e a fenomenologia ofereceram respostas diferenciadas.

Vejamos a seguir!

A região na geogra�a crítica


A Geogra�a crítica, sob inspiração do marxismo, recolocou o debate da ques-
tão espacial e regional no discurso geográ�co, a partir da negação dos pressu-
postos do positivismo lógico e da Geogra�a Clássica.

A utilização do materialismo histórico e dialético como teoria e método criou


novas alternativas à análise do conteúdo social e dos processos históricos que
produzem o espaço geográ�co e as suas diferenças.

Santos (2008, p. 115), ao formular sua crítica à Geogra�a Quantitativa, a�rmou


que esta marca o ponto máximo da “[...] desespacialização do espaço reduzido
a uma teia de coordenadas sem relação com o real, [...] ao mesmo tempo em
que uma desistorialização: um conjunto de fórmulas matemáticas de onde a
história – ou seja, o homem – era sistematicamente afastado”.

Assim, ao produzir uma Geogra�a a-histórica e sem conteúdo social, a Nova


Geogra�a não compreendia a essência das desigualdades espaciais, cada vez
mais evidentes, nas diferentes escalas geográ�cas.

Além disso, “[...] contradições existentes nas extremas concentrações de poder


dos gigantes Estados-corporações renovaram o interesse por Marx e seus dis-
cípulos (ortodoxos ou não), como fontes de explicação geográ�ca” (SANTOS,
1982, p. 5).

A incorporação de Karl Marx (1818-1883) aos estudos geográ�cos signi�cou re-


alçar “[...] outros aspectos da realidade, entre eles a recuperação da perspectiva
histórica na análise geográ�ca por meio da a�rmação de que a relação do ho-
mem a natureza e com os outros homens é intrinsecamente social e histórica”
(LENCIONI, 2007, p. 195).

Com isso, expressões originárias do marxismo, como modo de produção, rela-


ções sociais e forças produtivas, passaram a fazer parte do discurso geográ�-
co, e novos temas, tais como: segregação urbana, renda da terra, violência e
distribuição de renda �zeram-se presentes na análise regional.

Dessa forma, a região passa a adquirir um novo conteúdo. Para a Geogra�a


Crítica, a diferenciação de áreas devia-se "[...] à divisão territorial do trabalho e
ao processo de acumulação capitalista que produz e distingue espacialmente
possuidores e despossuídos" (GOMES, 1995, p. 66).

As contradições do capitalismo são exploradas e justi�cam os argumentos da


diferenciação de áreas. A leitura histórica do espaço exibe os con�itos sociais
que se manifestam e produzem o espaço afastando as ideias de equilíbrio e
harmonia espacial.

Nesse contexto, Lencioni (2009, p. 165) a�rma que:

A perspectiva geográ�ca in�uenciada pelo marxismo, semelhante a outras corren-


tes do pensamento geográ�co, concebeu a região como uma parte da totalidade. A
diferença agora residia que essa totalidade não era mais concebida como totalidade
lógica nem como totalidade harmônica. Foi concebida como totalidade histórica.
[...] Em outros termos, as análises acerca da produção capitalista e da dinâmica do
capital revelaram os limites da concepção do mundo que postulava como harmôni-
co e em equilíbrio.

A a�rmação da totalidade contraditória do espaço geográ�co subsidiou o exa-


me crítico da expansão desigual do capitalismo no Brasil, e a sua ligação com
produção e ampliação das desigualdades regionais.

Assim, de acordo com Corrêa (2000, p. 45): “A região pode ser vista como um
resultado da lei do desenvolvimento desigual e combinado, caracterizada pela
sua inserção na divisão nacional e internacional do trabalho e pela associação
de relações de produção distintas”.

Nessa perspectiva, a região é uma realidade concreta, síntese do movimento


de produção e reprodução do capital e de todas as suas contradições. Oliveira
(1981, p. 29), ao analisar o Nordeste brasileiro no aspecto econômico e político
das políticas de planejamento regional, assinala que:

Uma região seria, em suma, onde se imbricam dialeticamente uma forma espacial
de reprodução do capital, e por conseqüência, uma forma espacial de luta de clas-
ses, onde o econômico e o político se fusionam e assumem uma forma espacial de
aparecer no produto social e nos pressupostos da reposição.

O desenvolvimento desse novo conteúdo regional implicou, por sua via, em


novas possibilidades de regionalização. Gomes (1995, p. 65) a�rma que: "[...] no-
vas regionalizações foram então estabelecidas tendo em vista os diferentes
padrões de acumulação, o nível e organização das classes sociais, o desenvol-
vimento espacial desigual etc."

A ampliação das temáticas nas análises regionais sob uma leitura marxista,
em concordância com Lencioni (2009, p. 168), teve como principal elemento a
"[...] crítica à fetichização do espaço e aos estudos baseados na análise e na
descrição das funções regionais".

Mas, por outro lado, a ausência de uma discussão regional em Marx trouxe al-
guns problemas teórico-metodológicos.

Em muitas análises, a região passou a ser analisada como produto de uma divisão
territorial do trabalho, tendo como referência o processo geral de produção capita-
lista. Isso acabou repercutindo em análises regionais, nas quais as regiões apareci-
am como derivações de processos gerais e, em muitos casos, suas características
internas e particulares foram colocadas em segundo plano. Assim, as desigualda-
des de desenvolvimento, en�m, as diferenças na produção do espaço apresentaram
apenas a faceta derivada dos processos externos à região (LENCIONI, 2009, p.
168-169).

Na visão marxista, a ênfase nos processos gerais – modo de produção – aca-


bou por obscurecer as singularidades e resistências aos processos gerais que
também produzem a região.

Um segundo problema apontado por Lencioni (2009, p. 169) foi à transferência


da ideia:

[...] de exploração capitalista de uma dada classe social pela outra para a formula-
ção de que haveria exploração de uma região por outra. Assim, mecanicamente
transposta a noção de exploração para análise espacial, a região passou a ser con-
siderada equivocadamente, um sujeito social.

Assim, essa forma de análise fez da dialética uma determinação histórica, e o


espaço, desprovido de sentido explicativo.

Apesar dessas objeções, é inegável a contribuição teórica para os estudos regi-


onais empreendidos pela Geogra�a Crítica, ao colocar em debate o conteúdo
social do espaço geográ�co e as contradições, desigualdades e diferenças regi-
onais produzidas no processo de desenvolvimento econômico e social do ca-
pitalismo.

A região na geogra�a humanista


Em meados da década de 1970, surgiu outra corrente crítica na Geogra�a que,
sob in�uência �losó�ca da fenomenologia, introduziu novos elementos na lei-
tura teórica e metodológica do espaço geográ�co.

A fenomenologia, que vai orientar o pensamento geográ�co, tem suas raízes


em Edmund Husserl (1859-1918) e Maurice Merleau-Ponty (1908-1962), e, basi-
camente, constitui-se numa corrente �losó�ca que "[...] considera os objetos
como fenômenos, os quais devem ser analisados como aparecem na consci-
ência" (LENCIONI, 2009, p. 149).

De uma forma geral, a fenomenologia valoriza a percepção e a experiência vi-


vida como um ato de consciência, por meio do qual o indivíduo entra em con-
tato com os objetos exteriores.
Bezzi (1996, p. 278) esclarece que, para a fenomenologia:

[...] o conhecimento é derivado da prática humana, e a percepção do real é sempre


intersubjetiva e histórica, não existindo possibilidade de a racionalidade perceber
esse real de forma absoluta, a não ser mediatizado pela cultura. Esta, por sua vez,
apresenta múltiplas vias e acessos e age sempre relativamente, nunca determinan-
do uma percepção única e racional.

Nesse sentido, a introdução da fenomenologia na Geogra�a instituiu novas


abordagens no estudo da relação sociedade-natureza, com destaque para a
percepção da natureza e a análise dos signi�cados e dos símbolos espaciais.

Essa corrente de pensamento geográ�co, que foi denominada Geogra�a


Humanista, a�rmou a noção de região como referência importante na relação
da sociedade com o espaço. A valorização dos aspectos culturais nos estudos
regionais abriu a perspectiva da compreensão dos sentimentos de pertenci-
mento à região, ou seja, a dimensão simbólica da identidade regional.

De acordo com Gomes (1995, p. 67): “Consciência regional, sentimento de per-


tencimento, mentalidades regionais são alguns dos elementos que estes auto-
res [ligados a fenomenologia] chamam a atenção para valorizar esta dimensão
regional como espaço vivido”.

Assim, a região é vista como um produto histórico e cultural construído pelos


atores sociais que pertencem e se identi�cam com a região, "[...] refuta-se, as-
sim, a regionalização e a análise regional, como classi�cação a partir de crité-
rios externos à vida regional. Para compreender uma região é preciso viver a
região" (Gomes, 1995, p. 67).

Para Lencioni (2009, p. 153):


Esse humanismo signi�cou um novo trilhar da Geogra�a. O espaço, por causa da
sua dimensão abstrata, deixou de ser a referência central. A referência passou a ser
o espaço vivido, aquele que é construído socialmente a partir da percepção das pes-
soas. Espaço vivido e, mais do que isso interpretado pelos indivíduos. Igualmente,
espaço vivido como revelador das práticas sociais.

Portanto, ainda segundo o autor:

[...] a análise regional, na perspectiva fenomenológica, não se restringe à investiga-


ção geográ�ca da dinâmica econômica ou da estrutura social. O procedimento de
investigação procura ultrapassar o nível socioeconômico, buscando compreender
como o homem se coloca em relação à região e, a partir disso, procura analisar os
aspectos estrutural, funcional e subjetivo da região. O primeiro, relativo ao modo da
organização dos elementos que constituem a região; o segundo, diz respeito à dinâ-
mica regional; e o terceiro, discute a relação do aspecto estrutural e funcional com
o aspecto subjetivo; como, por exemplo, a relação das imagens mentais que os ho-
mens constroem acerca do espaço vivido, da região. (LENCIONI, 2009, p. 156).

Dessa forma, a análise regional centrada na fenomenologia, ao de�nir a região


como espaço vivido, não se restringe a materialidade do espaço, na medida
em que coloca em discussão o aspecto subjetivo da relação de pertencimento e
signi�cado cultural da região.

A obra A região, espaço vivido de Armand Frémont, publicada em 1976, é uma


das principais referências dos estudos regionais no pensamento humanista.
Nessa obra, Frémont a�rma que:

O espaço vivido em toda sua espessura e complexidade, aparece assim como um


revelador das realidades regionais; estas tem certamente componentes adminis-
trativos, históricos, ecológicos, econômicos, mas também, e mais profundamente
psicológicos. [...] A região, se existe é um espaço vivido. Vista, apreendida, sentida,
anulada ou rejeitada, modelada pelos homens e projetando neles imagens que os
modelam. É um re�exo. (FRÉMONT, 1980, p. 17).

Ao de�nir o espaço vivido e a percepção como fundamentos da região, uma


questão impõe-se:
As regiões podem ter uma única explicação, visto que as experiências de vida
dos indivíduos e a sua percepção espacial são distintas?

Fremónt (1980) responde que as regiões são múltiplas, e as classi�ca em três


tipos: as regiões �uídas, as regiões enraizadas e as regiões funcionais. A se-
guir, vejamos a de�nição de cada uma delas.

As regiões �uídas seriam aquelas nas quais as relações entre a sociedade e os


lugares não estabelecem fortes vínculos, em face, sobretudo, dos �uxos migra-
tórios dos camponeses. Além disso: “Nestas condições, a região não pode de
maneira nenhuma de�nir-se num espaço bem delimitado, tão nítido nos seus
contornos como na sua duração. A região existe de fato, mas numa certa �ui-
dez” (FRÉMONT, 1980, p. 170).

As regiões enraizadas, ao contrário, seriam caracterizadas por um forte víncu-


lo de ligação entre a sociedade e os lugares: "Os lugares pertencem aos ho-
mens e os homens pertencem aos lugares" (FRÉMONT, 1980, p. 177).

O autor ainda a�rma que:

As grandes civilizações campesinas [...] projetam no espaço os seus valores própri-


os, concedendo uma importância muito grande à duração (a família, a história) à
renovação da vida (a mãe, o solo) à delimitação do patrimônio. A terra encarna tu-
do isso. Daqui resulta uma organização do espaço assente no enraizamento, quer
dizer, na ligação dos homens à terra, da casa à região. Esta, à sua escala, exprime
estes valores (FRÉMONT, 1980, p. 178).

Desse modo, em síntese, nas regiões enraizadas, o que predomina é a �xação


da sociedade no espaço, os sentimentos afetivos e os signi�cados de pertenci-
mento a região.

O terceiro tipo de região são as regiões funcionais. Para Frémont (1980, p. 186),
a região funcional “[...] corresponde à organização do espaço na sociedade in-
dustrial chegada ao seu mais alto grau de decrescimento, quer dizer, de uma
sociedade que atribui à ‘função’ o nível mais alto na hierarquia dos valores”.
Nesse sentido, as regiões funcionais estão relacionadas à complexidade espa-
cial produzida pela sociedade industrial por meio do seu potencial técnico de
transformação dos lugares.

Por �m, para concluir nossas considerações sobre a questão regional na


Geogra�a Humanista, vale ressaltar que, nessa perspectiva, o espaço passa a
ter uma conotação cultural; a identidade, a percepção, a simbologia ampliam
as possibilidades de compreensão da diversidade espacial, cada vez mais pre-
sentes e conhecidas no contexto da globalização.

Novas tendências nos estudos regionais


As recentes transformações na economia espacial com o advento da globali-
zação empregam um novo sentido à região. Entre os elementos que compõem
esse novo cenário, estão a ampliação da divisão social do trabalho, a acelera-
ção das trocas comerciais, a disseminação da mercadoria pelo mundo e a di-
fusão de seus valores que alteram as relações sociais e culturais.

Com isso, as relações entre a vida local e a dinâmica global de produção e cir-
culação de mercadorias, capitais e informações passam a estar mais próxi-
mas, e a in�uência do global sobre o local é mais signi�cativa, tornando a re-
gião mais aberta às ações externas.

Santos (1997, p. 196) explica que:

No decorrer da história das civilizações, as regiões foram con�gurando-se por meio


de processos orgânicos, expressos através da territorialidade absoluta de um grupo,
onde prevaleciam as suas características de identidade, exclusividade e limites, de-
vidas à única presença desse grupo, sem outra mediação. A diferença entre áreas
se devia a essa relação direta com o entorno. Podemos dizer que, então, a solidarie-
dade característica da região ocorria quase exclusivamente, em função dos arran-
jos locais. Mas a velocidade das transformações mundiais deste século, aceleradas
vertiginosamente no após-guerra, �zeram com que a con�guração regional do pas-
sado desmoronasse.

Assim, a região dos moldes clássicos formada apenas pela uniformidade dos
processos locais é transformada pelo poder de decisões externas e elementos
estranhos que se instalam no local, mudando o seu conteúdo, a sua funciona-
lidade e os seus limites. Diante disso, Haesbaert (1999, p. 32) a�rma que a aná-
lise contemporânea da região deve considerar:

[...] o grau de complexidade muito maior na de�nição dos recortes regionais, atra-
vessados por diversos agentes sociais que atuam em múltiplas escalas; a mutabili-
dade muito mais intensa que altera mais rapidamente a coerência ou a coesão regi-
onal; a inserção da região em processos concomitantes de globalização e fragmen-
tação.

Nesse sentido, para compreender a região na atualidade é preciso escapar da


armadilha conceitual que propaga a ideia de que com a globalização há uma
homogeneização dos processos culturais, sociais e espaciais, o que remeteria
a uma segunda ideia de que a região seria anulada, na medida em que as dife-
renças espaciais estariam suprimidas.

Ianni (2001, p. 27) explica que: “[...] globalização não tem nada a ver com a ho-
mogeneização. Esse é um universo de diversidades, desigualdades, tensões e
antagonismos, simultaneamente as articulações, associações e integrações
regionais, transnacionais e globais [...]”.

Essas condições fazem com que a região continue a desempenhar um papel


importante para a compreensão das particularidades na sua relação com os
processos gerais.

Assim, em concordância com Santos (1997, p. 197), podemos a�rmar que:

As condições atuais fazem com que as regiões se transformem continuamente, le-


gando, portanto, uma menor duração ao edifício regional. Mas isso, não suprime a
região, ela apenas muda de conteúdo. A espessura do acontecer é aumentada, dian-
te do maior volume de eventos por unidade de espaço e por unidade de tempo. A re-
gião continua a existir, mas com um grau de complexidade jamais visto pelo ho-
mem.

Nessa nova ordem regional as tensões sociais e culturais produzidas no seio


das articulações entre o local e o global, a�rmam os regionalismos como uma
forma de negação aos processos externos e que buscam homogeneizar as re-
lações locais.

De acordo com Lencioni (2009, p. 193): "[...] os movimentos regionalistas em


ebulição nos dias atuais procuram a�rmar a diferença entre à homogeneiza-
ção imposta pelo processo de desenvolvimento econômico".

Haesbaert (1999, p. 25), ao abordar a questão contemporânea do regionalismo,


explica que:

[...] a reativação de identidades culturais que a globalização tenderia a debilitar po-


de também manifestar sua outra face: a da resistência a estes processos globais.
Assim, manifestar diferenças "incomparáveis" ligadas à religião, à etnia ou à lín-
gua pode ser uma forma de ir contra a dinâmica globalizadora, como no caso de al-
guns movimentos radicais muçulmanos. Por �m, essa re-a�rmação da diferença,
principalmente aquela que se dá pela maior mobilidade das pessoas (seja como tu-
ristas, como migrantes ou como refugiados), pode instaurar não apenas a resistên-
cia via formação de guetos, por exemplo, mas também os hibridismos culturais.

Assim, no contexto da globalização os processos de identidade regional são al-


terados com a possibilidade cada vez mais acentuada de conhecimento e co-
nexão com o diferente, que podem gerar a transformação das relações regio-
nais por meio da inserção cultural externa e a aquisição de novos hábitos e
costumes.

Porém, também podem levar a a�rmação da solidariedade interna e a valori-


zação dos regionalismos em defesa das tradições e dos costumes locais, mui-
tas vezes em oposição à ordem global ou nacional.

Para concluir, é necessário rea�rmar que a questão regional na atualidade en-


volve a projeção de inúmeras tensões sociais, culturais e espaciais a partir da
ação de diferentes atores e de objetivos divergentes, o que produz constantes
mutações e rede�nições regionais, para as quais devemos estar sempre aten-
tos.
Considere a regionalização como um instrumento geral de análise do geógra-
fo, a partir do recorte do espaço geográ�co. A princípio, qualquer espaço pode
ser objeto de regionalização, dependendo dos objetivos de�nidos pelo pesqui-
sador (HAESBAERT, 1999).

Após conhecer o caminhar histórico do conceito geográ�co de região e


compreendê-lo em sua diversidade teórica, entendendo quais as diferentes
formas de regionalização do espaço que se estruturam a partir das correntes
geográ�cas, você verá um breve resumo a seguir a respeito das diferentes for-
mas de regionalizar o espaço que vêm sendo discutidas ao longo do tempo. 

7. Diferentes formas de regionalização


Segundo Duarte (1980) e Gomes (1995), os processos de regionalização podem
ser classi�cados em:

1. Diferenciação de áreas.
2. Classi�cação.
3. Instrumento de ação.
4. Processo.
5. Identi�cação do espaço vivido.

É importante considerar que os diferentes conceitos coexistem no tempo (e al-


gumas vezes até no espaço) e também que cada uma das noções de regionali-
zação se identi�cam com uma corrente do pensamento geográ�co. Portanto,
para melhor compreendê-las, é importante termos clara a evolução do pensa-
mento geográ�co.

A seguir, vejamos sobre cada uma das diferentes noções de regionalização.

Região como diferenciação de áreas


Essa abordagem está ligada à noção tradicional de paisagem geográ�ca e de
síntese regional. Autores como Vidal de La Blache, na França, Hettner, na
Alemanha, e Herberson, na Grã-Bretanha, produziram inúmeros estudos mo-
nográ�cos regionais com base na descrição (denominada método regional)
entre o �nal do século 19 e as três primeiras décadas do século 20.
Regionalizar sob a perspectiva dessa abordagem é identi�car diferentes esca-
las caracterizadas por diferentes paisagens na superfície terrestre. Max Sorre
(1957) explicita a relação entre regionalização e paisagem ao de�nir região co-
mo área ou extensão da paisagem geográ�ca. Metodologicamente, o conceito
de regionalização nesta abordagem consiste em subdividir um espaço maior
em subespaços, ou seja, regiões complexas, com alta coesão dos elementos
que a de�nem.

Inicialmente, prevaleceram trabalhos que enfatizavam o conceito de região


natural sob a perspectiva do determinismo geográ�co, em que predominava a
ideia de que o ambiente natural se impõe à orientação e desenvolvimento da
sociedade.

Contrariando tal postura, desenvolveram-se trabalhos sob a perspectiva possi-


bilista, segundo a qual a natureza pode in�uenciar e moldar gêneros de vida,
mas é sempre a sociedade – seu nível de cultura, educação e civilização – que
tem a responsabilidade da escolha.

Nesse contexto, a região é de�nida como resultado da intervenção humana


em determinado ambiente, podendo identi�car os traços distintivos responsá-
veis pela unidade regional, que podem ser o clima, a morfologia, ou qualquer
outro elemento (GOMES, 1995).

Duarte (1980) a�rma que considerar a regionalização apenas uma diferencia-


ção de área implica considerar o espaço total como a somatória das partes (ou
seja, das regiões). No entanto, o princípio da diferenciação de áreas não é subs-
tituído pelas posteriores concepções de região, ele está sempre presente, po-
dendo ser considerado objetivo �nal da própria Geogra�a.

Região como classi�cação


Essa abordagem conceitual se desenvolveu com o movimento das técnicas
quantitativas e as teorias de postura neopositivistas difundidas a partir da dé-
cada de 1960. Duas características a de�nem: a analogia entre regionalização e
os princípios de classi�cação e a utilização de métodos quantitativos na meto-
dologia operacional.
Para Grigg (1974), um dos primeiros estudiosos a sistematizar essa concepção,
o propósito da classi�cação é o de dar ordem aos objetos estudados, sistemati-
zar informações, fazer generalizações indutivas, conferindo a ela uma preci-
são cientí�ca que não existia nos estudos regionais tradicionais.

Destacam-se dois conceitos para de�nir os meios de regionalização:

• Sintética: na qual os indivíduos semelhantes são agrupados em classes.


• Analítica: na qual a divisão das áreas é feita a partir de métodos deduti-
vos, em que as características de�nidas a priori vão orientar o processo.

A de�nição dos atributos, então, dependerá dos propósitos da regionalização.

Dessa forma, há regiões homogêneas agrícolas, regiões funcionais urbanas,


regiões administrativas etc. A região pode ser conceituada como classe de
área, o espaço é visto como uma totalidade, e as hierarquias regionais são con-
sideradas escalas em que se veri�ca mudança na acurácia da classi�cação.
Sob o ponto de vista do método de investigação, essa é uma abordagem
analítico-formal (DUARTE, 1980).

Regionalização como instrumento de ação


As décadas de 1950 e 1960 foram marcadas pelas teorias econômicas de de-
senvolvimento regional e de regionalização, que se preocupavam com as desi-
gualdades espaciais do desenvolvimento econômico. Nesse período, o planeja-
mento regional destaca-se, enquanto as estratégias para a política de desen-
volvimento econômico e os estudos geográ�cos foram estimulados pela ideo-
logia desenvolvimentista.

A regionalização passou a ser considerada um instrumento de ação e tornou-


se um estudo interdisciplinar. O papel do geógrafo, então, seria fundamental,
mas não exclusivo.

O conceito de região passou a se referir a qualquer unidade espacial de�nida


segundo atributos homogêneos ou funcionais selecionados e conforme o pro-
pósito da regionalização; porém, destaca-se como sinônimo de espaço econô-
mico. A região funcional é a região polarizada. Identi�ca-se com a teoria dos
polos de desenvolvimento e expressa relações entre áreas, por meio de �uxos
e movimentos.

A região homogênea encerra-se como a área na qual se identi�cam semelhan-


ças essenciais de algumas características ou variedade econômica, em que se
podem ter tantas regiões quantas forem as características selecionadas. Ou
seja, con�gura-se como econômica e centrada em um polo de desenvolvimen-
to. O espaço total não é considerado uma unidade. Qualquer espaço, indepen-
dentemente de sua escala e de sua organização político-institucional, precisa-
va ser dividido em subespaços ou regiões, que, por sua vez, seriam submetidos
a estratégias de desenvolvimento.

Essa abordagem foi bastante criticada por enfatizar o pragmatismo em detri-


mento das contribuições teóricas e conceituais (DUARTE, 1980).

Regionalização como processo


A partir da análise geográ�ca das desigualdades regionais do desenvolvimen-
to econômico nos países do Terceiro Mundo, constatou-se que as diferenças
regionais resultavam de processos sociais e econômicos que ocorriam em de-
terminado espaço nacional e eram re�exos de relações ocorridas em nível in-
ternacional. Essas constatações determinaram a revisão das abordagens
teórico-metodológicas vigentes na temática regional (DUARTE, 1980).

Gomes (1995) a�rma que a corrente geográ�ca denominada geogra�a radical


ou crítica, desenvolvida a partir da década de 1970, argumentava que a dife-
renciação do espaço se deve à divisão territorial do trabalho e ao processo de
acumulação capitalista que produz e distingue espacialmente possuidores de
despossuídos.

Sob este enfoque, as regiões passam a ser consideradas unidades espaciais


em diferentes níveis de desenvolvimento ou modernização, que se relacionam
entre si, dentro de uma organicidade global. As relações entre as regiões que
expressam o estado do processo de desenvolvimento se destacam como os
elementos mais importantes na regionalização.
Ao contrário das abordagens anteriores, esta privilegia mais as relações entre
espaços regionais do que entre espaços de uma região e seu centro. As regiões
apresentam funções especí�cas na funcionalidade total do espaço. A teoria
sistêmica contribuiu nessa abordagem epistemológica. Sob o enfoque sistêmi-
co, o conceito de região era como um subsistema, e o espaço total era o siste-
ma regional.

Essa concepção foi um avanço teórico-metodológico nos conceitos anteriores,


especialmente por conceituar a totalidade espacial e as relações das regiões
entre si e com o todo.

Mais do que um método para identi�car regiões, a regionalização passa a ser


conceituada como processo de sua formação.

Regionalização como identi�cação do espaço vivido


Em meados da década de 1970, observou-se a ascensão da corrente humanista
da Geogra�a (Geogra�a da Percepção), que buscou revalorizar a dimensão re-
gional por meio de alguns elementos como consciência regional, sentimento
de pertencimento, mentalidades regionais. Os defensores desse pensamento
retomaram a dimensão regional como espaço vivido. Nesse sentido, a região
existe como um quadro de referência na consciência das sociedades e estabe-
lece um código social comum que tem uma base territorial bem de�nida.

Dessa forma, a regionalização e a análise regional a partir de critérios exter-


nos ao cotidiano e cultura da sociedade são descartadas, e considera-se que,
para compreender a região, é preciso vivenciá-la. Portanto, a regionalização
deve se basear em descrições detalhadas, obtidas mediante um contato direto
e prolongado com a realidade (GOMES, 1995).

De acordo com Fremont (apud GOMES, 1995, p. 69-70):

A região é concebida como uma realidade auto evidente, �sicamente construída,


seus limites são, pois, permanentes e de�nem um quadro de referência �xo perce-
bido muito mais pelo sentimento, de identidade e de pertencimento, do que pela ló-
gica.
Trata-se de uma dimensão espacial das especi�cidades sociais em uma totali-
dade espaço-social (GOMES, 1995).

Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006) a�rmam que a regionalização pode ser


concebida como um recorte espacial coerente dentro de determinados princí-
pios ou características, ou como um espaço determinado por processos sociais
especí�cos, especialmente os regionalismos (políticos) e as identidades cultu-
rais (regionais).

Com base nessa a�rmação, se você retomar a leitura das concepções de regio-
nalização, perceberá que há um grupo que se caracteriza pela concepção de
regionalização enquanto distinção de áreas, classi�cação ou instrumento de
ação. No outro grupo estão as concepções de regionalização enquanto proces-
so e identi�cação do espaço vivido. Em resumo, no primeiro grupo, prevalece o
princípio de regionalizar para compreender e, no segundo, o princípio de com-
preender para regionalizar.

8. A regionalização como instrumento de pla-


nejamento
A partir de agora e após os estudos realizados até aqui, podemos aceitar que,
assim como a análise da paisagem se torna um instrumento de organização
do espaço, a regionalização também permite que o geógrafo melhor entenda
as especi�cidades do espaço ao analisar seus recortes regionais.

Entendemos, então, que a partir das várias formas de regionalização, o espaço


geográ�co pode ser melhor reconhecido em suas potencialidades e fragilida-
des, assim como em suas desigualdades internas, e consequentemente me-
lhor planejado em sua administração ou organização geral. Daí, inferimos a
importância da regionalização como instrumento político para organização
do território pelo Estado.

Planejamento regional e disparidades regionais


A palavra região tem a sua gênese no signi�cado político de controle sobre um
determinado espaço. No Império Romano, especialmente, a utilização do ter-
mo aplicava-se as unidades territoriais conquistadas e submetidas às leis de
Roma.

Com a institucionalização da Geogra�a no século 19, o conceito de região foi


adquirindo outros signi�cados, mas não abandonou completamente o seu
sentido original, sobretudo, na sua aplicabilidade.

O conceito de região geográ�ca desenvolvido por Vidal de La Blache, por


exemplo, foi um instrumento importante para a formação do sentimento de
unidade nacional francês, ao dotar as regiões de uma personalidade histórica
e com aspectos particulares (LACOSTE, 1988).

Dessa forma, a operacionalização do conceito de região desenvolve-se sobre a


forma de ação e controle sobre um determinado espaço geográ�co pela classe
social que detém o poder político. Para Corrêa (2000, p. 48): “[...] ação e controle
sobre uma determinada área quer garantir, em última análise, a reprodução da
sociedade de classes, com uma dominante, que se localiza fora ou no interior
da área submetida à divisão regional”.

Todavia, não há modelos únicos para ação e controle sobre as regiões, os inte-
resses políticos e econômicos e os con�itos de classe é que vão determinar em
cada período histórico os objetivos e métodos para o exercício do poder.

No período histórico recente, a a�rmação do capitalismo industrial vai intro-


duzir um novo sentido político à região, tornando-a área para a produção e re-
produção do capital, que deve estar integrada pelas leis do mercado. Porém,
como o desenvolvimento do capitalismo é espacialmente desigual, é preciso
uma ação, sobretudo, do Estado na transformação das regiões em unidades de
planejamento para a maximização produtiva de suas especialidades, para in-
tegração econômica ou para a correção das disparidades regionais.

De acordo com Corrêa (2000, p. 48):


No capitalismo, as regiões de planejamento são unidades territoriais através das
quais um discurso da recuperação e do desenvolvimento é aplicado. Trata-se na
verdade, do emprego de um dado território, de uma ideologia que tenta restabelecer
o equilíbrio rompido com o processo de desenvolvimento. Este discurso esquece, ou
a ele não interessa ver, que no capitalismo as desigualdades regionais constituem
mais do que em outros modos de produção, um elemento fundamental da organiza-
ção espacial.

Assim, no capitalismo, o planejamento regional é uma política para atenuar


e/ou corrigir as desigualdades criadas no seu próprio processo de desenvolvi-
mento. No entanto, contraditoriamente, os precursores do planejamento regio-
nal são os países socialistas, especialmente, a União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas (URSS) com a introdução dos planos quinquenais, um
instrumento do Estado a partir do qual se de�niam prioridades na produção
industrial e agrícola para um período de cinco anos.

Nos países capitalistas, somente após a crise de 1929, com o reconhecimento


da necessidade de regulamentação do sistema capitalista, fundamentado nas
ideias do economista John Maynard Keynes (1883-1946), que o Estado passou
a estabelecer políticas de planejamento.

Segundo Egler (1995, p. 210):

É nesse contexto que uma das economias ditas mais liberais do planeta: os Estados
Unidos, o planejamento regional foi inicialmente empregado – no esforço de recu-
peração da economia norte americana dos efeitos da crise de 1929 popularizado co-
mo "New Deal" [...]. Apesar desta experiência pioneira, a conformação do planeja-
mento regional – enquanto ajuste entre políticas públicas e interesses particulari-
zados só adquire expressão de�nida no imediato pós-guerra.

Na mesma perspectiva, Araújo (1993, p. 87) identi�ca que o "[...] planejamento


governamental é uma experiência recente nas economias capitalistas, e no
pós-Segunda Guerra foi vivido em países subdesenvolvidos como o Brasil".

Dessa forma, a partir de então: “A consolidação do planejamento regional se


expressa, então, através de um novo papel que o Estado assume, ou seja, o de
organizar o território nacional. Assim, o planejamento surge como uma ação
deliberada na organização do espaço, o que vale dizer como instrumento de
intervenção” (Bezzi, 1996, p. 185).

No Brasil, as políticas de planejamento regional começaram a ser implantadas


de forma signi�cativa a partir da década de 1950 e visavam garantir a integra-
ção econômica e a unidade territorial, ameaçada pela intensi�cação das dis-
paridades regionais promovidas pela industrialização.

Guimarães Neto (1997, p. 45), ao discutir a construção das desigualdades regio-


nais no Brasil, explica que elas: “[...] tem suas raízes, inicialmente, nas formas
que tomou a evolução das regiões ou complexos exportadores localizados em
espaços distintos e dotados de capacidade de diversi�cação da sua base pro-
dutiva muito diferentes”.

Por sua vez, é no processo de articulação comercial implantado com o desen-


volvimento industrial e na criação de um mercado consumidor interno que as
disparidades regionais se acentuaram.

Nas palavras de Guimarães Neto (1997, p. 45):

[...] sob hegemonia econômica de uma região – o sudeste, e em particular, São


Paulo, a qual, dotada de uma base produtiva industrial muito mais e�ciente e de
maior capacidade de competição, induziu a outras regiões a um processo de ajusta-
mento, no qual foi de�nido o espaço econômico limitado no interior do qual deveri-
am restringir a sua evolução econômica futura. Ao invadir os demais mercados re-
gionais e consolidar o grande mercado interno brasileiro [...], a indústria paulista e
a sudestina, de modo mais geral, estabelecem-se em sólidas bases, no contexto do
processo de substituição de importações do qual resultou dessa forma, a consolida-
ção, também, da grande desigualdade entre os espaços regionais do país.

A concentração industrial no Sudeste, especialmente em São Paulo, evidenci-


ou a gravidade das disparidades regionais para a própria aceleração da repro-
dução capitalista, para a integração produtiva do território e para a estabilida-
de política do país.
Nesse contexto, a principal preocupação governamental era com a região
Nordeste, devido aos graves problemas das secas, à baixa produtividade agrí-
cola e industrial e à emergência de movimentos sociais de lutas, como as
Ligas Camponesas.

Ainda que a preocupação com as secas no Nordeste fossem antigas, segundo


Messias da Costa (1998, p. 49), "[...] desde o Império o governo central procurou
agir no sentido de amenizar os efeitos do problema [...]", as medidas adotadas
sempre eram paliativos, que não atacavam o problema pela raiz.

Da mesma forma, em relação a outras regiões, as políticas de planejamento


governamental exibiam caráter pontual e emergencial. Mesmo no governo de
Getúlio Vargas, "[...] foram poucas as iniciativas voltadas explicitamente para
as questões envolvendo problemas regionais e urbanos" (MESSIAS DA COSTA,
1998, p. 49).

Assim, é somente a partir da década de 1950 que, de�nitivamente, o Estado


passa a intervir por meio do desenvolvimento das políticas regionais. Nesse
contexto, segundo Vesentini (1996, p. 117): “[...] a uni�cação de um espaço naci-
onal e o aparecimento da questão regional são dois elementos complementa-
res, duas vertentes de um mesmo processo de desenvolvimento capitalístico a
nível territorial”.

Para melhor compreender o conteúdo abordado, assista com atenção o vídeo a


seguir.

Qual a importância do planejamento para a organização do espa-


 ço geográ�co?

Agora que você já entendeu o papel da regionalização para o planeja-


mento espacial é chegado o momento de aprofundar seus conhecimen-
tos sobre o papel do planejamento para a organização do espaço geográ�-
co. Para isso, sugerimos que leia ALVAREZ, I. P. Planejamento e produção
do espaço. In: CARLOS, A. F. A.; CRUZ, R. C. A. Necessidade da Geogra�a.
São Paulo: Contexto, 2010. p. 68-78. A obra está disponível na Biblioteca
Virtual Pearson.

Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem respondendo à questão a se-


guir.

9. Considerações
Neste ciclo, conhecemos um pouco sobre os diversos signi�cados que o con-
ceito de região teve na Geogra�a, inclusive antes de sua institucionalização ci-
entí�ca. Vimos como a região exerceu um papel importante para a�rmação do
estatuto cientí�co da Geogra�a, mas também foi objeto de controvérsias que,
em certos momentos, colocaram em dúvida a sua cienti�cidade.

Dessa forma, é possível concluir que o conceito de região não é resultado de


um acúmulo contínuo de conhecimentos, ao contrário, o seu desenvolvimento
é produto das relações dialéticas entre teoria e realidade, das dicotomias esta-
belecidas e das crises vivenciadas.

O pluralismo de concepções sobre a região é um re�exo do contexto histórico,


no entanto, é preciso estar atento para não confundir metodologias e utilizar
os conceitos de modo errôneo. Nesse sentido, a vinculação das teorias e con-
ceitos geográ�cos aos pressupostos �losó�cos é fundamental.
(https://md.claretiano.edu.br

/epiorgteoregregesp-gs0036-ago-2022-grad-ead-np/)

Ciclo 4 – Históricos de Regionalização do Brasil e do


Mundo, Novas Tendências, os vários tipos de
Regionalização do Espaço Mundial advindos da
Globalização e sua In�uência nas Transformações
Espaciais

Camila Barbosa
Luiz Henrique Pereira
Neusa de Fátima Mariano
Victor Hugo Junqueira

Objetivos
• Conhecer o histórico de regionalização do território brasileiro.
• Saber relacionar a regionalização do território brasileiro com o planeja-
mento e organização do espaço geográ�co.
• Entender as principais propostas de regionalização do espaço mundial.
• Relacionar a regionalização mundial com os efeitos da globalização.

Conteúdos
• Histórico de regionalização do território brasileiro.
• Histórico de regionalização do espaço mundial e principais teorias.
• Regionalização mundial versus globalização.

Problematização
Quais são os principais tipos de regionalização do Brasil? Como as diversas
maneiras de regionalizar o Brasil contribuem para o planejamento e organi-
zação do espaço? Quais os principais tipos de regionalização mundial na atu-
alidade? Como a globalização in�uencia na regionalização mundial? Qual é a
relação entre globalização e produção desigual do espaço geográ�co? Como
os regionalismos se contrapõem ao processo de globalização? O que são os
indicadores econômicos e de desenvolvimento?

Orientação para o estudo


Neste ciclo de aprendizagem, além dos estudos em SAV relacionados ao con-
teúdo teórico sobre regionalização do espaço brasileiro e mundial, você deve-
rá �nalizar o Projeto de Prática da disciplina, iniciado no 2º Ciclo de
Aprendizagem. Para tanto, é fundamental que leia atentamente as instruções
para seu desenvolvimento.

Estude a teoria e sempre relacione esse conceitual teórico às suas futuras au-
las de Geogra�a. Pense como você irá trabalhar tais conhecimentos com
seus futuros alunos. Esse exercício é sempre importante para um futuro pro-
fessor(a)!

1. Introdução
No ciclo anterior, estudamos os conceitos de região e regionalização e, tam-
bém, a importância da regionalização para o processo de planejamento terri-
torial. Para melhor entender o assunto, discutiremos, neste novo ciclo, as di-
versidades do território brasileiro e a análise histórica da divisão regional bra-
sileira, procurando conhecer as principais discussões acerca desses recortes,
relacionando teoria e prática.

Além disso, analisaremos as divisões regionais estabelecidas para o estudo do


globo, reconhecendo que, de uma maneira geral, todas essas formas de regio-
nalizar o espaço local ou global partem do princípio da diversidade territorial,
sendo uma re�exão relativa às desigualdades regionais existentes nos territó-
rios, seja nos aspectos naturais, seja nos político-econômicos, seja nos socio-
culturais.

2. Histórico de regionalização do território bra-


sileiro
Neste tópico, a partir da compreensão das diversidades do espaço brasileiro,
analise de modo crítico as regionalizações empreendidas por diversos autores
e em diferentes contextos históricos. Ao fazer seus estudos sobre o processo
de regionalização do território brasileiro, �que atento(a) às relações estabeleci-
das com as concepções teóricas de região elaboradas no desenvolver do pen-
samento geográ�co.

As primeiras Regionalizações do Brasil


As primeiras formas de regionalização do território brasileiro datam do século
19 e são caracterizadas por uma multiplicidade de propostas quanto à nature-
za, ao número e aos limites da região. Andrade (2001) a�rma que desde o "[...]
período imperial foram numerosos os estudiosos que procuraram distinguir
regiões diversas no nosso país, falando-se sempre em uma contraposição en-
tre o Norte e o Sul".

Já Guimarães (1941), reconhece que o marco histórico dos estudos regionais


no Brasil está na regionalização proposta por Carl Friedrich Phillip Von
Martius em 1843, baseado em aspectos históricos.

Essa primeira regionalização, ainda que fundada em aspectos históricos, tem


o mérito de ser a precursora da divisão regional no Brasil. Além dessa, outras
duas regionalizações do Brasil foram produzidas ainda no século 19: a divisão
regional em zonas agrícolas de André Rebouças, em 1889, e a divisão em re-
giões naturais de Élisée Reclus, em 1893.

A divisão regional proposta por Rebouças (Figura 1) representava a realidade


agrária do país no contexto histórico da transição do Império para a
República. Na proposta de Rebouças, o território brasileiro é dividido em dez
regiões. Guimarães (1941, p. 343), ao descrever a proposta de Rebouças, explica
que:
Conforme o seu nome indica, não se trata propriamente duma divisão em "regiões
naturais"; trata-se, aliás, duma divisão prática em que os Estados são considerados
por inteiro. O autor não se preocupou, entretanto, exclusivamente com os aspectos
econômicos, pois fez um amplo estudo geográ�co de cada uma das zonas.

Fonte: Guimarães (s.d. apud MORAES; ARRAIS, 2002, n.p.).

Figura 1 Divisão Regional de André Rebouças (1889).

Já a regionalização de Reclus está fundamentada na noção de regiões natu-


rais, tendo como elemento central as bacias hidrográ�cas. Para Guimarães
(1941, p. 345):

A distribuição feita por Elisée Reclus em 1893, em sua magní�ca obra Estados
Unidos do Brasil, representa já um grande passo no sentido da consideração de ver-
dadeiras regiões naturais. Isso mesmo ele torna claro no texto, ao dizer que ‘as re-
giões naturais não confundem de forma alguma seus limites com os das antigas
províncias’. Levado, contudo, por necessidades didáticas, ele agrupa os Estados por
inteiro, ao de�nir as regiões.

Conforme podemos observar na Figura 2, Reclus estabelece a divisão do terri-


tório em oito regiões.

Fonte: Guimarães (s.d. apud MORAES; ARRAIS, 2002, n.p.).

Figura 2 Divisão Regional proposta por Elisée Reclus (1893).

Na regionalização de Reclus, alguns Estados, como o Rio de Janeiro, Goiás, Rio


Grande do Sul e Mato Grosso formam regiões isoladas. Essa regionalização,
assim como a de Rebouças, foi muito criticada por apresentar excessivo nú-
mero de regiões. No entanto, ambas ilustram importantes aspectos do Brasil
do século 19.

No início do século 20, os limites territoriais do Brasil foram praticamente de-


�nidos, a incorporação do Acre em 1903 representa uma última etapa de regu-
larização das fronteiras externas, a partir da qual se delineia um período de
estabilidade territorial.

Nesse contexto, novas regionalizações foram feitas. Said Ali, em 1905, por
exemplo, procedeu a divisão do Brasil em cinco regiões, considerando a ques-
tão econômica.
No entanto, é com a obra Geogra�a do Brasil (1913), de Delgado de Carvalho,
que os estudos regionais passam a adquirir consistência cientí�ca no Brasil.
De acordo com Guimarães (1941, p. 346):

O aparecimento, em 1913, da Geogra�a do Brasil, do professor Delgado de Carvalho,


marcou uma nova etapa na evolução do ensino da Geogra�a em nosso país. Pela
primeira vez surgia um livro didático, em que a Geogra�a Regional do Brasil mere-
cia realmente tal nome. Em vez do estudo feito até então pelas unidades políticas
isoladas, eram estas agrupadas, e dentro de cada quadro regional passava a ser es-
tudada, quer a Geogra�a Física, quer a Geogra�a Humana.

Por sua vez, Magnago (1995, p. 66) a�rma que:

Delgado de Carvalho, com forte in�uência da Escola Possibilista francesa, reconhe-


cia a ação do homem sobre a natureza. Entretanto, em sua proposta de divisão regi-
onal, elaborada em 1913, com �ns didáticos, enfatizava a correlação de elementos
do meio físico, privilegiando, assim, a visão da Escola Determinista Ambiental na
compreensão do espaço geográ�co.

A divisão proposta por Delgado de Carvalho representa uma evolução das re-
gionalizações anteriores, e adota como princípio as regiões naturais, especial-
mente, a partir da valorização da vegetação, do clima e do relevo na caracteri-
zação das unidades regionais. Ele dividiu o Brasil em cinco grandes unidades
e, para �ns práticos, os limites estaduais coincidiam com os limites regionais.

Observe, na Figura 3, o mapa que exibe a regionalização do Brasil segundo


Delgado de Carvalho.

Na sua concepção possibilista, Delgado de Carvalho considerava as regiões


naturais como o ponto de partida para a compreensão das intervenções hu-
manas e das ações econômicas. Além disso, de acordo com Magnago (1995, p.
66), Delgado de Carvalho "[...] apoiava-se na premissa de que uma divisão regi-
onal deveria ter caráter duradouro, o que não poderia ser obtido através da
análise de ‘fatores humanos’ muito dinâmicos e mutáveis".
Por muitos anos, a regionalização de Delgado de Carvalho dominou o ensino
de Geogra�a no Brasil, estando presente na maioria dos livros didáticos, e
exerceu signi�cativa in�uência nas próximas regionalizações do país, como é
o caso da divisão regional de Pierre Denis em 1926.

Figura 3 Divisão Regional do Brasil proposta por Delgado de Carvalho (1913).

As divisões que apresentamos até este momento se referem a um Brasil ainda


marcado pela economia agrícola de exportação e pelo domínio das oligarquias
rurais.

No entanto, a partir da década de 1930, com a instauração do Estado Novo, o


território brasileiro passou por rápidas modi�cações na sua organização espa-
cial e econômica, provocando uma discussão nos meios acadêmicos, militares
e políticos sobre as novas possibilidades de divisão regional.
Divisões Regionais do Brasil após a Década de 1930
O início da década de 1930, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder rom-
pendo o acordo político entre São Paulo e Minas Gerais, representa um impor-
tante marco na história do Brasil.

Porém, esse contexto histórico não é importante apenas na sua dimensão


temporal, mas também, na sua dimensão espacial. A partir da década de 1930,
caracteriza um momento de aceleradas mudanças na organização do espaço
brasileiro.

Para Fausto (1998, p. 327):

Um novo tipo de Estado nasceu após 1930, distinguindo-se do Estado oligárquico


não apenas pela centralização e pelo maior grau de autonomia como também por
outros elementos. Devemos acentuar três dentre eles: 1. a atuação econômica, volta-
da gradativamente para os objetivos de promover a industrialização; 2. a atuação
social, tendente a dar algum tipo de proteção aos trabalhadores urbanos,
incorporando-os, a seguir a uma aliança de classe promovida pelo poder estatal; 3.
o papel central atribuído às Forças Armadas – em especial o Exército – como su-
porte da criação de uma indústria de base e sobretudo como fator de garantia da or-
dem interna.

Essas condições, somadas ao avanço da modernização técnica, das migrações


regionais, do processo de urbanização e a centralização administrativa repre-
sentaram fatores importantes para a �rmação da integração regional do país.

O processo de industrialização do país comandado pela indústria paulista exi-


giu uma reorganização da dinâmica interna do país.

A partir da década de 1930 [...] São Paulo tornou-se uma grande metrópole industri-
al, onde estavam presentes todos os tipos de fabricação. Chamado a acompanhar
esse despertar industrial, o país inteiro conheceu uma quantidade de solicitações e,
sobretudo foi impregnado pela necessidade de concretizar a integração nacional
(SANTOS, 2008, p. 42).
Ao abordar essa questão em uma perspectiva histórica, Bacelar (2000) explica
que na fase primário-exportadora, as antigas bases agrárias eram dispersas
no espaço (as chamadas "ilhas regionais"), e a sua dinâmica não era con�uen-
te com o tempo, ou seja, a produção de certa região tinha autonomia e relativa
independência em relação a outras regiões, pois, a organização da produção
era, fundamentalmente, orientada por uma demanda externa.

Todavia, o processo de industrialização, tendeu a concentrar a produção na


região Sudeste, e a dinâmica econômica foi orientada por uma demanda inter-
na (substituição de importações). Nesse processo, a ação dos agentes econô-
micos públicos e privados e a criação de infra-estrutura técnica de transpor-
tes e comunicações favoreceram a integração produtiva das diversas regiões.

Dessa forma, como a�rma Bacelar (2000, p. 73-74): “[...] a integração produtiva
comandada pela dinâmica da acumulação industrial ia impondo uma dinâmi-
ca cada vez mais semelhante entre as regiões brasileiras, guardadas apenas
as variantes de�nidas pelas especializações produtivas de cada região”.

Essa nova caracterização territorial exigiu processos de regionalização que


explicassem a realidade do país. Nesse contexto, dois novos fatos contribui-
ram para o avanço da Geogra�a brasileira: a criação da Universidade de São
Paulo, em 1932, e a fundação do IBGE em 1938.

IBGE
O Instituto Brasileiro de Geogra�a e Estatística (IBGE) foi criado, o�cialmente, em 26 de ja-
neiro de 1938, formado pela junção do Conselho Nacional de Estatística (criado em 17 de de-
zembro de 1936) e do Conselho Brasileiro de Geogra�a (criado em 24 de março de 1937), esse
órgão, a partir de então, passou a exercer um importante papel nas políticas de regionaliza-
ção do Brasil.

No entanto, conceitualmente, as regionalizações do Brasil que ocorrem na dé-


cada de 1930, a princípio, são ainda in�uenciadas pelas noções de região natu-
ral e regiões geográ�cas e pela produção de monogra�as regionais. Entre as
propostas de regionalização do período destacam-se a divisão regional em es-
truturas geológicas de Betim Paes Leme, em 1937, e a divisão em regiões natu-
rais e econômicas de Moacir Silva, em 1939.
A divisão regional elaborada por Moacir Silva (Figura 4) tem seus fundamen-
tos na regionalização de Delgado de Carvalho (1913), porém, sugeriu que fos-
sem incluídas as zonas de transição. Assim, Maranhão e Piauí; Sergipe e
Bahia; e São Paulo foram destacadas como zonas de transição.

(https://md.claretiano.edu.br/epiorgteoregregesp-gp0025-ago-2022-grad-ead-
p/wp-content/uploads/sites/313/2019/12/F4U3.jpg)Fonte: Guimarães (s.d. apud MORAES; ARRAIS,
2002, n.p.).

Figura 4 Divisão Regional Moacir Silva (1939).

Segundo Bezzi (1996, p. 101), “[...] três partes, destacadas como zonas de transi-
ção, são justamente as que mais têm variado de posição, quanto às "grandes
regiões" a que devam pertencer. Isso ocorre, sobretudo, porque, nessas partes,
harmonizam-se os aspectos de regiões naturais com os de regiões humanas”.

A modernização e a integração do país levantaram a questão da divisão regio-


nal para �ns de planejamento e organização administrativa do território. É
nesse cenário, e “[...] pressionado pela necessidade de elaboração do Anuário
Estatístico Brasileiro, que o Conselho Nacional de Estatística adota, em 1938, a
divisão regional em uso no Ministério da Agricultura” (Magnago, 1995, p. 68).

Nessa regionalização, o Brasil foi dividido em cinco regiões, conforme pode-


mos observar na Figura 5.
Figura 5 Divisão Regional adotada pelo Conselho Nacional de Estatística (1938).

Guimarães (1941) explica desconhecer as razões dessa divisão, a qual deveria


estar baseada na posição geográ�ca, pois não há fundamentos quer da
Geogra�a Física, quer da Geogra�a Humana.

No entanto, é apenas no início da década de 1940 que o Brasil adquire a sua


primeira divisão regional o�cial.

De acordo com Magnago (1995, p. 68): “No �nal da década de 30 e princípios da


década de 40, o IBGE, através de seu órgão especializado, o Conselho Nacional
de geogra�a – CNG – encetou uma campanha no sentido de que fosse adota-
da, para �ns práticos e, sobretudo, estatísticos, uma única divisão regional do
país, exceto para alguns casos muito especí�cos”.

Assim, de acordo com Bezzi (1996, p. 105), o “[...] Conselho Nacional de


Geogra�a, em 1941, �xou a primeira divisão regional do país para �ns práticos.
Esse esquema serviu de base para a subdivisão em unidades de escalas dis-
tintas, que seria o�cializada pela Assembléia Geral daquele órgão em 1945”.

A proposta apresentada pelo Conselho Nacional de Geogra�a, em muitos as-


pectos, assemelhava-se à proposta de Delgado de Carvalho. O Brasil foi dividi-
do em cinco Grandes Regiões, denominadas de acordo com a posição geográ-
�ca. Além disso, o conteúdo da região era embasado nas características natu-
rais, nas inter-relações entre os fatores físicos: clima, vegetação e relevo e,
também, na noção de fator dominante – a característica física predominante
que distinguiria uma região da outra.

Observe, na Figura 6, a regionalização o�cial do Brasil de 1945.

Figura 6 Divisão Regional do Brasil realizada pelo IBGE (1945).

Galvão e Faissol (1969, p. 181), ao analisarem a primeira divisão regional do


Brasil e a utilização dos critérios naturais, a�rmam que ela teve como premis-
sas básicas:
(1) A de que havia uma consciência de diferenciações regionais no país já su�cien-
temente importante para que fossem feitos estudos dos problemas brasileiros, por
região e para que se divulgassem estatísticas, segundo estas mesmas unidades re-
gionais; (2) A de que uma divisão regional deveria ser estável e permanente, pois
tal divisão permitiria a comparabilidade dos dados estatísticos em diferentes épo-
cas; (3) A de que devendo ser estável, o melhor critério a adotar seria o das regiões
naturais, cuja evolução não sofreu alterações bruscas, fornecendo base conveniente
para comparação no tempo; (4) E a de que, como o sistema em que se apoiaram as
Divisões Regionais daquela época era o baseado no princípio da divisão, ela deveria
partir de um todo – o Brasil – subdividindo-o, sucessivamente, em unidades meno-
res que iam desde as grandes regiões (unidades maiores), através das Regiões e
Sub – Regiões (unidades intermediárias) até as zonas �siográ�cas (unidades me-
nores), estas de�nidas por características socioeconômicas, porém circunscritas à
área da unidade imediatamente superior, de�nida pelas condições naturais.

A partir da metodologia empregada, a divisão do todo em unidades menores,


as cinco Grandes Regiões originaram 30 regiões, 79 sub-regiões e 228 Zonas �-
siográ�cas. Essa metodologia foi alvo de críticas de autores como Galvão e
Faissol (1969) por apresentar fragilidades teóricas e metodológicas. Segundo
esses autores: “Este processo de divisão continha, assim, em sua estrutura,
uma contradição com o princípio de lógica, segundo o qual uma divisão deve
seguir em todos os escalões, ou níveis o mesmo critério, apenas com diferen-
tes graus de generalização” (Galvão; FAISSOL, 1969, p. 182).

Apesar das críticas, a primeira regionalização o�cial do país contribuiu para


os �ns práticos de sistematização de dados estatísticos e conhecimento do
território nacional. Cabe ressaltar que os Censos Demográ�cos de 1950 e 1960,
por exemplo, foram efetuados com base nessa regionalização.

O critério de regionalização do espaço, com base nos conceitos de regiões na-


turais e regiões geográ�cas que marcaram as primeiras divisões regionais do
Brasil, permaneceu até o �nal da década de 1950, com poucas variações.

Segundo Corrêa (2000, p. 32): “[...] as zonas �siográ�cas, a despeito do nome, fo-
ram fundamentadas no conceito de região geográ�ca de Vidal de La Blache:
sua aplicabilidade se deu na medida em que formaram as bases territoriais
agregadas, através das quais foram divulgados os recenseamentos de 1950 e
1960”.
Ainda na década de 1950, Magnago (1995) destaca os estudos regionais de
Orlando Valverde, o qual adotou o conceito de região geográ�ca.

Em seus artigos de natureza regional, Valverde, apesar de utilizar preferencialmen-


te os elementos do meio físico, na identi�cação e delimitação da região, dava muito
destaque ao papel do povoamento, privilegiando a análise da evolução da estrutura
econômica na caracterização de regiões. Observa-se que as regiões por ele identi�-
cadas, segundo o pensamento possibilista de Vidal de La Blache correspondiam ao
conceito de paisagens, ou seja, entidades concretas com certo grau de homogenei-
dade podendo ser descritas e entendidas com combinações especí�cas de elemen-
tos físicos e humanos (MAGNAGO, 1995, p. 73).

No entanto, é somente na década de 1960 que as divisões regionais no Brasil


entram em uma nova fase conceitual e metodológica, para quais as mudanças
políticas foram fundamentais. Vejamos.

Divisões Regionais do Brasil na Perspectiva das Regiões


Homogêneas e Funcionais
A instalação do Regime Militar no Brasil, em 1964, provocou signi�cativas
mudanças econômicas, políticas e sociais. A ideologia da integração nacional,
a centralização do poder e as mudanças na divisão territorial do trabalho colo-
caram em pauta a necessidade de repensar a organização territorial do país.

Nesse contexto, Guerra (1964, p. 460) explica que "[...] a Geogra�a é o elemento
básico nos diferentes campos do poder nacional, político, econômico, psico-
social e militar". E continua: "[...] os fundamentos do poder nacional são as
grandes regiões geográ�cas, e os fatores são os diferentes elementos caracte-
rizados dessas regiões" (GUERRA, 1964, p. 462).

A discussão sobre o conceito de região passa então a abranger temas como


planejamento regional, desenvolvimento e desequilíbrios regionais, com um
discurso direcionado à ação estatal e a nova fase de inserção das relações ca-
pitalistas no Brasil.

Assim, a regionalização o�cial de 1945 passou a ser considerada insu�ciente


nos meios acadêmicos e políticos por dois motivos centrais: primeiro pelas
mudanças na estrutura espacial do país diante da expansão capitalista e, se-
gundo, pela introdução de novas abordagens metodológicas direcionadas pela
Nova Geogra�a.

Os conceitos de região natural e regiões geográ�cas que orientaram a regiona-


lização até então em vigor deveriam ser superados por outro critério de regio-
nalização que atendesse às necessidades das políticas de planejamento e con-
siderasse os aspectos econômicos e produtivos do país.

A solução para esses objetivos foram encontradas nas noções de regiões ho-
mogêneas e regiões funcionais ou polarizadas e nas técnicas estatísticas pro-
duzidas pela Nova Geogra�a. De acordo com Galvão e Faissol (1969, p. 183), ao
reformular a divisão regional do Brasil, os técnicos do IBGE compreendiam
que:

[...] organização espacial de um país, do ponto de vista geográ�co, implica a análise


das duas ordens de fenômenos essenciais de uniformidade do espaço: regiões ho-
mogêneas, tratadas como a forma de organização em torno da produção e regiões
funcionais ou áreas distintas, analisadas segundo os fenômenos de interação e da
vida de relação – [assim] chegou-se a conclusão que uma só divisão regional seria
insu�ciente.

Para Magnago (1995, p. 76), o emprego da noção de regiões homogêneas visa-


va à organização de dados estatísticos, e as regiões funcionais, "[...] apoiando-
se em estudos de centralidade e áreas de in�uência urbana, objetivava, de al-
guma forma, �m da descentralização". Além disso, a combinação dos dois ti-
pos de regiões seria utilizada para subsidiar as políticas de desenvolvimento
regional.

Nesse sentido, a nova divisão regional realizada pelo IBGE, o�cializada a partir
de 1969, estabelecia, por meio do princípio geoeconômico e para �ns didáticos,
cinco Grandes Regiões. Estabelecia, também, unidades menores, as microrre-
giões homogêneas para análise de dados estatísticos, nas quais o princípio
fundamental era a noção de uniformidade espacial.
Veja, na Figura 7, as Cinco Grandes Regiões brasileiras na regionalização o�ci-
al de 1969.

 Figura 7 Divisão Regional do Brasil realizada pelo IBGE (1969).

Em comparação à regionalização de 1945, a modi�cação mais expressiva é o


desaparecimento da Região Leste e a incorporação dos Estados da Bahia e
Sergipe à Região Nordeste. Por outro lado, foi criada a Região Sudeste, que pas-
sou a ser integrada pelos Estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de
Janeiro e São Paulo, antes pertencente à Região Sul.

Em 1972, a partir da utilização metodológica dos fundamentos quantitativos, o


IBGE de�niu as regiões funcionais urbanas. De acordo com Duarte (1976, p.
106):
[...] o conceito mais geral das regiões funcionais urbanas é o de um conjunto de uni-
dades de áreas (municípios) que mantém ligações mais intensas com um determi-
nado centro urbano do que com qualquer outro. Vários são os tipos de ligações en-
tre os centros urbanos e as áreas externas às mesmas. Essas ligações dizem respei-
to à articulação entre a cidade e uma área rural e outras cidades e podem ser des-
dobradas em diferentes tipos.

Na década de 1970, a divisão regional do IBGE ainda passou por algumas


adaptações, mas manteve os princípios gerais. Em 1976, por exemplo, o IBGE
de�niu uma nova unidade de classi�cação regional, as mesorregiões homogê-
neas. Elas seriam uma unidade intermediária entre as microrregiões e as
grandes regiões brasileiras e objetivavam melhorar a capacidade de organiza-
ção e análise dos dados censitários. A partir da metodologia de agrupamento
de microrregiões de acordo com critérios de uniformidade estatística, foram
criadas 87 mesorregiões no Brasil, que comparecem no Censo Demográ�co de
1980 (MAGNAGO, 1995).

A regionalização do Brasil produzida em 1969 pelo IBGE só foi revisada, no �-


nal da década de 1980, no contexto histórico da redemocratização do país. Sob
in�uência da Geogra�a Crítica, o IBGE procedeu, inicialmente, uma rede�ni-
ção das unidades regionais de menor escala, as microrregiões e as mesorre-
giões homogêneas, que passaram a serem denominadas microrregiões e me-
sorregiões geográ�cas.

De acordo com o IBGE (1990, p. 8), as mesorregiões geográ�cas são conjuntos


de municípios contíguos, pertencentes à mesma Unidade da Federação:

[...] que apresentam formas de organização do espaço geográ�co de�nidas pelas se-
guintes dimensões: o processo social, como determinante, o quadro natural, como
condicionante, e a rede de comunicação e de lugares, como elemento de articulação
espacial. Essas três dimensões possibilitam que o espaço delimitado como mesor-
região tenha uma identidade regional. Esta identidade é uma realidade construída
ao longo do tempo pela sociedade que aí se formou.

Já as microrregiões geográ�cas são descritas como um conjunto de municípi-


os contíguos e:
[...] foram de�nidas como partes das mesorregiões que apresentam especi�cidades,
quanto à organização do espaço. Essas especi�cidades não signi�cam uniformida-
de de atributos, nem conferem às microrregiões auto-su�ciência e tampouco o ca-
ráter de serem únicas, devido a sua articulação a espaços maiores, quer à mesorre-
gião, à Unidade da Federação, ou à totalidade nacional. Essas estruturas de produ-
ção diferenciadas podem resultar da presença de elementos do quadro natural ou
de relações sociais e econômicas particulares (IBGE, 1990, p. 8).

É importante ressaltar que, nesse processo, não houve apenas uma mudança
de nomenclatura, mas também, na base conceitual e metodológica. De acordo
com Magnani (1995, p. 85): “[...] diferentemente do modelo anterior que partira
da agregação de áreas segundo critérios de homogeneidade, a metodologia,
adotada nesses estudos apoiava-se na noção de totalidade nacional, tomando
as Unidades da Federação como universo de análise”.

Com a redivisão do Brasil em micro e mesorregiões geográ�cas, a partir da no-


va metodologia houve um aumento na quantidade dessas unidades regionais.
No entanto, a reorganização das Grandes Regiões brasileiras, que só ocorreu
após a promulgação da Constituição de 1988, continuou a preservar as cinco
regiões, com algumas mudanças na sua composição.

Observe, na Figura 8, a Divisão Regional do Brasil que vigora nos dias atuais.
(https://md.claretiano.edu.br/epiorgteoregregesp-gp0025-ago-2022-grad-ead-
p/wp-content/uploads/sites/313/2019/12/C4-F8-01.png)Figura 8 Divisão Regional do Brasil
adotada pelo IBGE atualmente.

As principais modi�cações em relação à regionalização de 1969 referem-se à


criação do Estado de Tocantins, em 1988, que fez com que parte dos antigos
municípios goianos se integrasse à Região Norte. Além disso, o antigo
Território Federal de Rondônia transformou-se em Estado Federativo e, tam-
bém, incorporou-se a Região Norte.

Entretanto, essa regionalização, a exemplo das anteriores, não é absoluta.


Segundo Andrade (2001), a regionalização do território brasileiro ainda vem
sofrendo vários impactos, como o da expansão do povoamento na Amazônia;
o das tentativas regionais de criação de novas unidades político-
administrativas, por exemplo, a criação dos estados do Araguaia, na Região
Norte, e do Estado do São Francisco, no Nordeste; e o do relacionamento com o
MERCOSUL e com os países vizinhos, que pode acarretar novas redivisões re-
gionais o�ciais no futuro próximo (ANDRADE, 2001).

Paralelamente às regionalizações o�ciais, a diversidade do território e as suas


permanentes transformações �zeram com que muitos geógrafos procurassem
interpretar a realidade brasileira sob a ótica da divisão regional, entre eles,
destacam-se Pinchas Geiger, Roberto Lobato Corrêa e Milton Santos, que se
apresentam hoje como referências importantes nos currículos escolares.

Vamos estudá-los?

Regiões Geoeconômicas
A década de 1960 representou um período de grandes transformações nos es-
tudos regionais, no Brasil, tanto no que se refere as suas bases conceituais, co-
mo na reformulação da divisão regional do Brasil, realizada pelo IBGE, especi-
almente, para �ns de planejamento regional.

Nesse contexto, a proposta de divisão regional do Brasil em regiões geoeconô-


micas proposta pelo geógrafo Pedro Pinchas Geiger, em 1967, adquire relevân-
cia por estruturar o país em três grandes complexos regionais (Amazônia,
Centro-Sul e Nordeste), como demonstra a Figura 9.

Essa regionalização realizada a partir da formação histórica territorial de cada


região e sua inserção na divisão territorial do trabalho retrata a organização
territorial decorrente do desenvolvimento desigual e combinado do capitalis-
mo, que gerou, no espaço brasileiro, um modelo de centro-periferia.

Fonte: Guimarães (s.d. apud MORAES; ARRAIS, 2002, n.p.).

Figura 9 Regiões geoeconômicas Pedro Pinchas Geiger.

De acordo com Magnago (1995, p. 76):


Geiger apregoava que o processo de regionalização estava vinculado à homogenei-
zação do país, considerando, porém, que o desenvolvimento capitalista traria con-
sigo especialização de regiões em determinadas produções ou atividades. Baseado,
portanto, no reconhecimento da importância da divisão territorial do trabalho, que
em sua opinião, homogeneizaria e, ao mesmo tempo, diversi�caria o espaço territo-
rial brasileiro.

Com base nessas considerações, Geiger (1969, p. 7) a�rma que:

A formação das regiões propriamente ditas depende de graus de integração que


unem os locais de determinadas áreas. A maior ou menor integração de uma fra-
ção do espaço depende da densidade da população ou da ocupação econômica, do
grau de desenvolvimento econômico e social e do nível tecnológico existente, da
intensidade das relações internas na área ou da intensidade das relações dessa
área com outras partes de um país ou do exterior.

Nesse sentido, as grandes regiões: Amazônia, Centro-Sul e Nordeste,


diferenciam-se entre si em razão de apresentarem três aspectos centrais. Em
primeiro lugar, distintas especializações produtivas, ou seja, diferenças naqui-
lo que é produzido e no modo como a produção se realiza, envolvendo, de um
lado, produtos distintos e, do outro, os meios de produção e as relações sociais
de produção. Em segundo lugar, diferentes modos e intensidade na circulação,
no consumo e gestão das atividades. E, em terceiro lugar, distintas organiza-
ção espaciais, isto é, diferentes formas materiais, criadas pelo trabalho social,
em seu arranjo espacial.

Além disso, essas diferenças transparecem na densidade das construções


materiais (campos, estradas, dutos, portos, cidades etc.) e nos diferentes e de-
siguais níveis de articulação interna, inter-regional e internacional.

A partir desses níveis diferenciados de desenvolvimento, Geiger (1969) de�ne


as características principais de cada complexo regional. Para o autor:
A Amazônia que corresponde a uma unidade geográ�ca, é imenso espaço, na sua
maior parte um vazio de população, constituído, de grandes domínios naturais, on-
de pontos isolados de ocupação humana mantêm ligações tênues, traduzidas prin-
cipalmente nos �uxos de pequenos volumes de mercadorias. A macrocefalia é re-
presentada pela concentração da população em Belém e Manaus (1969, p. 15).

O Nordeste, por sua vez, é caracterizado como uma região que no passado co-
lonial apresentava grande importância econômica, todavia:

Não tendo passado por renovações como as veri�cadas no Centro-Sul quanto à


a�uência de novas levas de população proveniente do exterior e processos de in-
dustrialização, o Nordeste foi assumindo caráter de espaço bastante subdesenvol-
vido. Sem economia auto-sustentada, representa grau de desenvolvimento inferior
ao Centro-Sul (GEIGER, 1969, p. 16).

Por �m, a última região geoeconômica seria o Centro-Sul, que corresponderia


ao grupo de regiões diretamente in�uenciado por dois polos nacionais, São
Paulo e Rio de Janeiro. Segundo Geiger (1969), o Centro-Sul é formado por ou-
tros grandes espaços econômicos: Sudeste, Sul e Centro-Oeste.

Nessa forma de análise, a região Sudeste é caracterizada como a área de in-


dustrialização e polarização mais intensas do país, a partir da qual se realiza e
se dinamiza a integração regional do país. A região Sul é de�nida como área
de moderna colonização europeia e que apresenta uma economia comple-
mentar à região Sudeste, especialmente, em relação à agricultura. Já o Centro-
Oeste seria a periferia, para onde são disseminadas populações e empreendi-
mentos agrícolas e urbanos do Sudeste e do Sul, funcionando como a porta de
entrada para a ocupação da Amazônia.

Essa forma de divisão do Brasil em regiões geoeconômicas contribui para


compreender as diferenças regionais brasileiras produzidas pela inserção ca-
pitalista no país e inspirar outras propostas de regionalização do território a
partir dos critérios econômicos.

Assim, as regiões geoeconômicas, ainda hoje, são uma referência importante


nos currículos de geogra�a na Educação Básica. Porém, é preciso estar consci-
ente das mudanças econômicas e nas relações regionais ocorridas, no Brasil,
desde a década de 1960, para que a proposta possa melhor contribuir para a
explicação da realidade geográ�ca do país.

Os três Brasis de Roberto Lobato Corrêa


Como esforço de compreender a organização regional do espaço brasileiro, so-
bretudo, após as transformações econômicas e sociais que se desencadearam,
no Brasil, após a década de 1950, o geógrafo Roberto Lobato Corrêa, em 1989,
propõe uma regionalização do Brasil em três grandes regiões, o Centro-Sul, o
Nordeste e a Amazônia, que estariam articuladas entre si.

Essa forma de regionalização pode ser considerada como uma atualização da


proposta de Pinchas Geiger, dadas as semelhanças que guardam entre si.
Observe a Figura 10 e estabeleça relações com a divisão regional apresentada,
anteriormente, na Figura 9.

(https://md.claretiano.edu.br/epiorgteoregregesp-gp0025-ago-2022-grad-ead-
p/wp-content/uploads/sites/313/2019/12/F10U3.jpg)Fonte: Guimarães (s.d. apud MORAES; ARRAIS,
2002, n.p.).

Figura 10 Divisão Regional do Brasil proposta por Roberto Lobato Corrêa.

Nessa regionalização, as regiões Sudeste e Sul do IBGE se unem para formar a


região Centro-Sul, que ainda seria composta pelas seguintes unidades da fede-
ração: Mato Grosso, Goiás e Distrito Federal. O Nordeste é constituído pelos
Estados da Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte,
Ceará e Piauí. A Amazônia, por sua vez, é ampliada com a incorporação dos
Estados de Mato Grosso e Maranhão aos da região Norte, tendo seus limites
bem próximos aos da Amazônia Legal.

De acordo com Corrêa (1989, p. 199):

As três grandes regiões podem ser reconhecidas como expressão da nova divisão
territorial do trabalho vinculada à dinâmica da acumulação capitalista internacio-
nal e brasileira e aos numerosos con�itos de classe. Ambos, por sua vez, impactam
sobre a natureza e a organização espacial prévia que já se caracterizava por enorme
desigualdade.

Nesse sentido, a nova divisão territorial do trabalho reorganiza o território e as


suas desigualdades, demonstrando a mutabilidade das regionalizações. Ao
considerar a divisão social e territorial do trabalho na segunda metade do sé-
culo 20, Corrêa (1989, p. 199-200) argumenta que as diferenças entre as gran-
des regiões seriam decorrentes das seguintes condições:

• Distintas especializações produtivas, ou seja, diferenças naquilo que é produzido e


no modo como à produção se realiza;

• Distintos modos e intensidade com se veri�ca a circulação, consumo e gestão de


atividades;

• [...] Diferentes formas materiais, criadas pelo trabalho social no seu arranjo espaci-
al;

• Distintos níveis de articulação interna, inter-regional e internacional.

A partir desses fatores, o autor passa a caracterizar as três Grandes Regiões


brasileiras. De uma forma geral, o Centro-Sul seria de�nido como o coração
econômico e político do país; o Nordeste seria de�nido como a região das per-
das econômicas, demográ�cas e do poder político; já a Amazônia seria de�ni-
da como a fronteira do capital (CORRÊA, 1989).

Essas características gerais são, para Corrêa (1989), o ponto de partida para
uma análise especí�ca de cada espaço regional, que apresentaremos de forma
sintética a seguir.

O Centro-Sul pode ser considerado o principal centro de gestão econômica e


política do país, ao concentrar as sedes das grandes corporações privadas, dos
órgãos de administração estatal e, especialmente, a produção industrial do
país. Essas condições favoreceram diretamente a formação de uma expressi-
va estrutura urbana, derivada de um forte processo migratório e da constru-
ção da maior rede de circulação do país.

Além disso, a região constitui a principal área agropecuária do país, de maior


concentração de renda e capital constante. "Como resultado de uma intensa e
complexa ação humana, é a região que apresenta a maior concentração [...] de
formas espaciais, que ocupam mais densamente o território" (CORRÊA, 1989, p.
204).

O Nordeste, de�nido como a região das perdas, apresenta uma situação oposta
a do Centro-Sul, ao apresentar baixos indicadores econômicos e sociais e uma
menor variedade de formas e densidades espaciais.

A ideia de região de perdas tem fundamento em um processo histórico, no


qual, ao longo dos anos, o Nordeste foi perdendo participação na economia na-
cional e sofrendo com a expulsão populacional. Para Corrêa (1989), entre os fa-
tores que justi�cam essa situação, destaca-se o fato das atividades mais dinâ-
micas serem controladas e estarem voltadas para fora da região, o que, conse-
quentemente, gera um baixo nível de articulação interna.

No entanto, ainda segundo o autor:


A despeito das perdas econômicas e demográ�cas o Nordeste, contudo, apresenta
no plano político uma importância desmesurada face ao que representa economi-
camente. A fragmentação político-administrativa aliada à força política e à aparen-
te união dos grupos dominantes tradicionais e emergentes tornam possível a ven-
da da imagem do subdesenvolvimento regional visando obter recursos públicos
que se, não resolvem os problemas da região, contribuem para manter grupos do-
minantes no poder (CORRÊA, 1989, p. 206).

Dessa forma, além dos fatores externos, o domínio político das oligarquias in-
ternas são aspectos fundamentais para se entender a continuidade das perdas
econômicas e sociais da região nordestina.

A região Amazônica, por sua vez, seria a última fronteira da expansão capita-
lista e da integração regional no Brasil, o que implicaria em novas relações so-
ciais e produtivas nesse espaço.

A porta de entrada para a incorporação capitalista da região seria a apropria-


ção dos recursos naturais, a partir do qual, segundo Corrêa (1989), provocaria
um intenso �uxo migratório e dizimação física e cultural da base social exis-
tente. Por outro lado, exigiria investimentos de capital em transportes, energia
e comunicações de forma a integrar a Amazônia ao mercado do Centro-Sul.

Nesse sentido, Corrêa (1989, p. 209) já advertia para a emergência de diferentes


tipos de con�itos social: "A Amazônia é a fronteira do capital também pelo fa-
to de que há ainda muito espaço a ser ocupado, muitos recursos a serem dila-
pidados, e muito con�ito social a ser desenvolvido".

O processo de integração regional da Amazônia às outras regiões do país


avançou muito nos últimos anos, e os con�itos sociais que agora se desenvol-
vem no século 21 são resultados diretos desse processo ainda inconcluso.

Os quatro Brasis de Milton Santos


Outra forma de regionalização do território brasileiro foi proposta pelo geógra-
fo Milton Santos na obra O Brasil: território e sociedade no século XXI, escrito
em parceria com Maria Laura Silveira e publicado em 1999.
Partindo da periodização dos sucessivos meios geográ�cos no Brasil, dos mei-
os naturais, técnicos e do meio técnico-cientí�co-informacional, o autor pro-
põe uma divisão regional do país baseado, "[...] simultaneamente, numa atuali-
dade marcada pela difusão diferencial do meio técnico-cientí�co-
informacional e nas heranças do passado" (SANTOS; SILVEIRA, 2008, p. 268).

A difusão diferencial das técnicas e a superposição de divisões sociais e terri-


toriais do trabalho produzem descontinuidades que explicam as desigualda-
des regionais.

De acordo com Santos e Silveira (2008, p. 268):

Cada região instala aquilo que, a cada momento, vem a constituir rugosidades dife-
rentes. Essas rugosidades estão ligadas, de um lado, à tecnicidade dos objetos de
trabalho e, de outro, ao arranjo desses objetos e às relações daí resultantes. A cons-
tante é o espaço, isto é, um conjunto indissociável, solidário, mas também contradi-
tório, de sistemas de objetos e sistemas de ações.

Considerando esses aspectos, Santos e Silveira (2008) reconhecem a existên-


cia de quatros Brasis: a Região Concentrada, a Região Nordeste, a Região
Centro-Oeste e a Amazônia (Figura 11).
Figura 11 Os quatro Brasis de Milton Santos. 

A Região Concentrada, formada pelas regiões Sul e Sudeste, caracteriza-se pe-


la consolidação, no espaço geográ�co, do meio técnico-cientí�co-
informacional. A industrialização e a produção agrícola mais moderna, o con-
sumo e a vida comercial mais intensa são os traços mais evidentes dessa re-
gião.

As atividades ligadas à globalização reorganizam as funções e os �uxos urba-


nos e comercias; ampliam e complexi�cam as divisões sociais do trabalho e
criam novas especializações produtivas ligadas, sobretudo, às �nanças, à polí-
tica e à informação.

Graças aos acréscimos de ciência, técnica e informação, maiores volumes de pro-


dutos são obtidos em áreas mais reduzidas e em tempos mais curtos, rompem-se,
então os equilíbrios pré-existentes e impõem-se outros em relação à quantidade e
qualidade da população, dos capitais, das formas de organização, das relações soci-
ais (SANTOS; SILVEIRA, 2008, p. 270).

Nesse cenário, a Região Concentrada apresenta uma grande integração produ-


tiva possibilitada pela densa rede de circulação e pela velocidade dos �uxos
de capitais, mercadorias e informações, cada vez mais necessários à existên-
cia da região.

Já a Região Centro-Oeste, formada pelos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso


do Sul, Goiás e Tocantins, é de�nida por Santos e Silveira (2008, p. 271) como
uma "[...] área de ‘ocupação periférica’ recente. O meio técnico-cientí�co-
informacional se estabelece sobre um território praticamente ‘natural’, ou me-
lhor ‘pré-técnico’ onde a vida de relações era rala e precária".

A principal característica dessa região seria a difusão de uma agricultura glo-


balizada sobre uma parcela do espaço territorial. Essa agricultura fundada na
mecanização agrícola e na tecnologia de informação, além da intensa utiliza-
ção de fertilizantes e defensivos agrícolas, seria facilitada pelo valor relativa-
mente baixo da terra e pela ação do Estado na liberação de �nanciamentos e
na criação de infraestrutura de transportes e armazenamento de alimentos.
A região Nordeste, constituída pelos Estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio
Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia, é a área de
povoamento antigo do país, no qual a introdução do meio técnico-cientí�co-
informacional ocorreu de forma pontual e pouco densa, apenas em algumas
manchas do território, como a agricultura irrigada do Vale do São Francisco.

De uma forma geral, a agricultura exibe baixos índices de mecanização e uma


expressiva concentração de terras. Além disso, em razão do processo histórico
de ocupação econômica, o número de núcleos urbanos é grande, sobretudo
nas áreas litorâneas; porém, a taxa regional de urbanização é baixa. Assim, se
"[...] as aglomerações são numerosas, a urbanização é, de modo geral, raquíti-
ca. São causas e consequências da fraqueza da vida de relações, formando um
círculo vicioso" (SANTOS; SILVEIRA, 2008, p. 272).

A Amazônia, por sua vez, formada pelos Estados do Pará, Amapá, Amazonas,
Acre, Roraima e Rondônia, é uma região de "[...] rarefações demográ�cas e bai-
xa densidade técnica" (SANTOS; SILVEIRA, 2008, p. 272).

A região foi a última a ampliar a sua mecanização e a consolidação de uma


base técnica é di�cultada pela vastidão do território e as imposições do meio
natural. Nesse sentido, o transporte aéreo e a navegação �uvial adquirem im-
portância signi�cativa nos �uxos comerciais e de pessoas, que são irradiados
a partir dos poucos núcleos urbanos existentes. A cidade de Manaus pode ser
considerada uma exceção na região, dada a sua vocação industrial, amparada
pela regulação espacial da Zona Franca.

Além disso, a Amazônia, a despeito da implantação de modernos satélites e


radares, ainda permanece muito desconhecida, especialmente, no que se refe-
re a sua biodiversidade natural.

Assim, a regionalização proposta por Milton Santos (1999; 2008), ao considerar


a dimensão técnica, cientí�ca e informacional e a sua instalação desigual so-
bre o território, possibilita compreender os processos recentes de inserção do
Brasil na economia globalizada, nas suas variações regionais.

3. Histórico de regionalização do espaço mun-


dial e principais teorias
O vídeo a seguir apresenta o histórico da regionalização do espaço mundial, a
qual vem mudando de acordo com as relações socioeconômicas, políticas e de
disputas pelo poder que se estabelecem entre os territórios mundiais ao longo
da história da humanidade.

Após assistir ao vídeo, retome seus estudos no tópico a seguir, pois você terá a
oportunidade de reforçar seu conhecimento e re�etir sobre alguns detalhes
observados nos mapas distribuídos no texto, os quais ilustram de modo e�ci-
ente as regionalizações.

4. Regionalizações globais e origem da divisão


Norte-Sul
Agora que já vimos um pouco sobre os conceitos região e regionalização, bus-
caremos compreender as principais propostas de regionalizações do planeta.

Continentes �siográ�cos
A regionalização mais conhecida é a separação do mundo em continentes,
que se baseia em critérios naturais e foi feita a partir da distinção entre por-
ções de água e terra. A de�nição dos limites dessa regionalização tem por cri-
tério os processos geológicos de milhões de anos, que con�guraram os conhe-
cidos continentes �siográ�cos: América, Eurásia, África e Oceania.

Como sabemos, há centenas de milhões de anos, todos os continentes forma-


vam um só bloco, denominado Pangeia (do grego pan = toda e geo = terra).
Com o movimento das placas tectônicas, a Pangeia dividiu-se em duas partes:
Gondwana e Laurásia. Posteriormente, essas partes foram fragmentadas até
atingir a distribuição atual.

É sob a perspectiva da Geogra�a Tradicional (positivista), carregada, ora de


um empirismo mais descritivo, ora de uma lógica determinística pautada na
sobrevalorização do ambiente físico e natural, que a regionalização por conti-
nentes foi enfatizada (HAERBAERT; PORTO-GONÇALVES, 2006).

Nessa proposta de regionalização, a estabilidade dos limites é uma das princi-


pais características, uma vez que suas alterações não são imperceptíveis den-
tro da vivência de tempo do homem. Mas, como para toda regra há exceção, o
homem, na tentativa de superar os limites impostos pela natureza, buscou
também alterar os limites dos continentes, na maioria das vezes, com �ns
econômicos.

Nesse contexto, destaca-se a construção do Canal de Suez, em 1869, interligan-


do o Mediterrâneo ao Mar Vermelho e ao Oceano Índico. Isso representou, nas
palavras de Magnoli (1997, p. 10): "[...] a capacidade humana de refazer o dese-
nho dos continentes e das rotas marítimas".

Podemos citar, também, o Canal do Panamá (Figura 12), inaugurado em 1914,


que liga o Oceano Pací�co ao Atlântico, e a recente construção de ilhas arti�ci-
ais em Dubai (Figura 13), nos Emirados Árabes Unidos, que atrai turistas do
mundo todo.
Figura 12 Dubai.                                                                                                                  Figura 13 Canal do Panamá.

Esta regionalização, como já dissemos, é a que estrutura este estudo. Nesse


sentido, é necessário apontar que, apesar de reconhecermos seus limites e os
ranços positivistas ainda presentes nesta forma de regionalização, que inclu-
sive perpassam para os livros didáticos distribuídos para a Educação Básica
em todo o país, a proposta não é se ater à descrição dos elementos físicos,
econômicos e populacionais de cada área, mas, utilizando-se deles, analisá-
los em uma perspectiva crítica, objetivando entender o espaço geográ�co en-
quanto totalidade.

Nesse sentido, o conceito de “espaço total” formulado pelo professor Ab’Sáber


mostra-nos a importância de entender que a estrutura espacial é feita por
ações humanas sobre um espaço herdado da natureza. Esse conceito, apresen-
tado pelo geógrafo em 1998, é de�nido como:

[...] o arranjo e o per�l adquiridos por uma determinada área em função da organi-
zação que lhe foi imposta ao longo dos tempos. Neste sentido pressupõe um enten-
dimento – na conjuntura do presente – de todas as implantações cumulativas rea-
lizadas por ações, construções e atividades antrópicas (AB’SÁBER, 1998, p. 30).

Assim, se os limites naturais do globo terrestre não são su�cientes para com-
preender o espaço mundial, eles também não devem ser ignorados. Da mesma
forma, são importantes as faixas climáticas, os biomas, os solos, o relevo, a hi-
drogra�a e outros elementos e características do meio físico e natural.

O que podemos concluir com a avaliação do conceito de espaço total é que, pa-
ra ser compreendido em sua totalidade, o espaço mundial deve ser analisado
mediante uma visão integrada desses elementos (atributos físicos e naturais)
e sua interação com os elementos antrópicos.

Regionalizações políticas e econômicas


Ainda com relação ao conceito de espaço total, vamos enfatizar os aspectos
relacionados ao que Christofoletti (1999) denomina "ações, construções e ativi-
dades antrópicas", ou seja, a atuação humana sobre o meio natural.

Nessa perspectiva, para compreender o espaço mundial, a cultura, a política e


a economia são elementos indispensáveis, uma vez que, ao mesmo tempo em
que determinam as formas da relação sociedade e natureza, são construções
decorrentes dessa relação. Considerando o espaço mundial, enfatizaremos a
perspectiva política e econômica, aspectos inseparáveis de uma única reali-
dade, responsáveis por sua con�guração em diferentes tempos históricos.

É importante, então, compreender a divisão do mundo em Estados-Nações,


uma invenção histórica europeia generalizada para o mundo devido ao coloni-
alismo e ao imperialismo. Sua origem foi na Europa renascentista, quando as
monarquias absolutas empreenderam a centralização do poder político, des-
truindo os particularismos feudais. As terras do reino, submetidas aos poderes
locais, passaram ao domínio dos monarcas, as fronteiras políticas tornaram-
se mais precisas, as sedes dos poderes �xaram-se em capitais permanentes.
Inventou-se, assim, a "soberania", que pode ser de�nida como o "[...] exercício
do poder político sobre um espaço geográ�co delimitado por fronteiras"
(MAGNOLI, 1997, p. 39-40).

A estreita relação entre o surgimento do Estado-Nação e o desenvolvimento do


conceito de região é também destacada por Gomes (1995). Para ele, tal concei-
to tem implicações fundadoras no campo das discussões políticas, da dinâmi-
ca do Estado, da organização da cultura e do estatuto da diversidade espacial.

Além disso, considera que o debate sobre a região (ou seus correlatos como
nação) possui um componente espacial, ou seja, o viés na discussão desses te-
mas, da política, da cultura e das atividades econômicas está relacionado es-
peci�camente às projeções no espaço das noções de autonomia, soberania, di-
reitos etc.

Gomes (1995) fala de nação como correlato de região, o que signi�ca que os li-
mites das nações são, em origem, limites regionais. Tão marcante foi essa re-
lação que, em qualquer regionalização do mundo, o Estado-Nação é um dos
principais pontos de partida (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES, 2006).
A regionalização do espaço mundial pela perspectiva política e econômica
normalmente está vinculada: à ordem internacional; ao equilíbrio instável dos
países e grupos; à disputa (ou cooperação) entre as grandes potências mundi-
ais características de um certo período histórico.

Para compreender a oscilação na ordem internacional, retomemos o século


20: a Inglaterra, grande potência mundial na ordem monopolar da segunda
metade do século 18, viveu seu declínio no �m do século 19, o que fez com que
se multiplicassem os embates pela hegemonia mundial.

A partir de então, vigorou uma ordem mundial multipolar, ou seja, com base
em vários polos ou centros de poder que disputavam a hegemonia internacio-
nal. Foi um período marcado por acirradas disputas territoriais, mercados e
recursos na África, Ásia e Europa, propiciando um clima pré-guerra.

Nesse período, inúmeros pensadores dedicaram-se a tarefa de compreender o


equilíbrio das forças no espaço mundial e as condições que levariam determi-
nado Estado-Nação à situação de grande potência. Segundo esses estudiosos,
o fundamental para a época era a quantidade de recursos – mercados, povos
(mão de obra e soldados), solos agriculturáveis, minérios. A expansão territori-
al e o controle dos espaços con�guravam-se, portanto, como formas capazes
de fortalecer e tornar hegemônico um Estado (VESENTINI, 2005).

A Figura 14 traz um mapa que representa a ordem internacional no �m desse


período, que terminou com a Segunda Guerra Mundial. Ele retrata as conquis-
tas territoriais das potências mundiais do mundo multipolar, ou seja, indica a
distribuição territorial do domínio europeu, materializado em suas colônias.
Figura 14 Mundo multipolar – 1945.

No �m da Grande Guerra, as potências europeias estavam arrasadas e, conse-


quentemente, seus impérios na Ásia e na África. O Japão, igualmente arrasa-
do, perdeu as áreas que havia conquistado no Extremo Oriente. Duas novas po-
tências mundiais – Estados Unidos e União Soviética – destacaram-se no ce-
nário mundial e dividiram o mundo entre si. Foi a época da bipolaridade, que
durou cerca de 45 anos (desde o �m da Segunda Guerra até meados de 1991). O
período foi marcado pela disputa entre a economia de mercado, representada
pelos Estados Unidos, e a economia estatal, simbolizada pela União Soviética.

Para esclarecer a nova organização econômica e sociopolítica do Planeta,


formulou-se a divisão do sistema internacional nas três macroáreas, como
aponta Magnoli (1996):

• Primeiro Mundo: países que, tendo realizado a Segunda Revolução


Industrial, dispunham de parque industrial complexo, formado pelos se-
tores de produção de bens de capital e bens de consumo duráveis.
Englobava os aliados políticos dos Estados Unidos – líder político do
Oriente/Oeste – na Europa, América e Pací�co.
• Segundo Mundo: correspondia à União Soviética e sua zona de in�uência
no Leste europeu. Abrigava os países que optaram pela modernização
acelerada com base no monopólio estatal dos meios de produção e na
plani�cação central da alocação de recursos.
• Terceiro Mundo: países que não acompanharam a arrancada industrial,
cuja economia dependia da produção de bens primários, agrominerais.
Apresentavam fraca urbanização, concentração demográ�ca no meio ru-
ral, elevado crescimento vegetativo e alarmantes índices de pobreza.

O mapa da Figura 15 apresenta a regionalização conforme essa organização


econômica e sociopolítica. Observe.
Figura 15 Primeiro, Segundo e Terceiro Mundo.

Nesse período, utilizam-se, também, as divisões do mundo em Leste/Oeste e


em Norte/Sul. A expressão Leste/Oeste, como aponta Magnoli (1996), re�etia a
ruptura da economia mundial em sistemas econômicos contrapostos e o iso-
lamento acentuado dos países socialistas em relação aos �uxos internacio-
nais de capitais e mercadorias. Re�etia, ainda, a rivalidade geopolítica das su-
perpotências nucleares e a constituição de esferas diplomáticas e militares.

Já a tensão Norte/Sul estava relacionada com as relações entre o Primeiro e o


Terceiro Mundo, que re�etiam a subordinação econômica derivada da distri-
buição desigual do capital e da tecnologia.

Podemos, portanto, ler a expressão Leste/Oeste como uma oposição entre sis-
temas econômicos e políticos, ou seja, Capitalismo versus Socialismo, e a ex-
pressão Norte/Sul como uma oposição em termos econômicos que expressa
apenas diferenças no nível de desenvolvimento dos países de economia capi-
talista, ou seja: países capitalistas desenvolvidos versus subdesenvolvidos.

A noção de subdesenvolvimento inclusive adquiriu grande destaque no pen-


samento geográ�co a partir da segunda metade do século 20, por isso, a im-
portância de compreendê-la.

5. O Subdesenvolvimento
Desde a publicação do livro Geogra�a do Subdesenvolvimento, na década de
1960, por Yves Lacoste, a noção de subdesenvolvimento passou a ser objeto de
discussão, de defesas e de críticas no debate acadêmico, mas também passou
a ser amplamente utilizada nos bancos escolares.

Portanto, o surgimento do termo "subdesenvolvimento" é recente e está ligado


à ampliação do conhecimento do mundo pelo processo de expansão capitalis-
ta Pós Segunda Guerra Mundial. De acordo com Lacoste (1966, p. 12):

A aparição do conceito de subdesenvolvimento é contemporânea de duas das mai-


ores descobertas das ciências econômicas e humanas. Esta coincidência está longe
de ser um acaso. A primeira descoberta foi a de um fenômeno muito antigo: a misé-
ria e a fome. A segunda foi a de um fenômeno completamente novo: o extraordiná-
rio aumento da população mundial a partir do começo do século XX.

A combinação desses dois fatores motivou os debates acadêmicos, bem como


os políticos, em face da ameaça que poderia representar a estrutura de poder
vigente capitalista no seu embate com as ideias socialistas.

Assim, como explica Furtado (2000, p. 25), ao discutir as ideias de desenvolvi-


mento estabelecidas no seio dessas relações:

Mais do que um tema acadêmico, essa re�exão foi alimentada pelo debate político
nascido das grandes transformações produzidas pela Segunda Guerra Mundial,
tais como o desmantelamento, das estruturas coloniais e a emergência de novas
formas de hegemonia internacional fundadas no controle da tecnologia e da infor-
mação e na manipulação ideológica.

Nesses debates acadêmicos e políticos, houve, de um modo geral, a prevalên-


cia de duas tendências teóricas na explicação do subdesenvolvimento. De um
lado, as diversas instituições internacionais (ONU, FMI, Banco Mundial,
CEPAL) e os seus teóricos, que entendiam o subdesenvolvimento como uma
fase, um estágio para alcançar o desenvolvimento e, do outro, autores e políti-
cos mais críticos, que compreendiam o subdesenvolvimento como um produ-
to contraditório do desenvolvimento capitalista.
Na primeira visão, com uma perspectiva evolucionista, os países pobres esta-
riam em uma situação transitória de miséria, que seria superada a partir da
repetição dos mesmos processos que levaram os países ricos a se tornarem
desenvolvidos. Deriva disso, também, a aplicação do termo "países em desen-
volvimento", comum aos relatórios de instituições multilaterais e internacio-
nais.

Já na segunda, conforme a�rma o geógrafo brasileiro Josué de Castro (1973, p.


2):

O subdesenvolvimento não é, como muitos pensam equivocadamente, insu�ciên-


cia ou ausência de desenvolvimento. O subdesenvolvimento é um produto ou um
subproduto do desenvolvimento, uma derivação inevitável da exploração econômi-
ca colonial ou neocolonial, que continua se exercendo sobre diversas regiões do
planeta.

Para Celso Furtado (2000, p. 28, grifos do autor), outra importante referência ao
estudo do subdesenvolvimento:

A formação do sistema econômico mundial apoiou-se, assim, tanto no processo de


transformação das estruturas sociais como no processo de modernização do estilo
de vida. Desenvolvimento e subdesenvolvimento, como expressão das estruturas
sociais, viriam a ser resultantes da prevalência de um ou outro desses dois proces-
sos. Cabe, portanto, considerar subdesenvolvimento e desenvolvimento como situ-
ações históricas distintas, mas derivadas de um mesmo impulso inicial e tendendo
a reforçar-se mutuamente [...]. Portanto, para compreender as causas da persistên-
cia histórica do subdesenvolvimento, faz-se necessário observá-lo como parte que
é de um todo em movimento, como expressão da dinâmica do sistema econômico
mundial engendrado pelo capitalismo industrial.

Dessa forma, como a�rma Gomes (1987-1988, p. 39), "[...] jamais podemos dis-
sociar dois componentes, tendo em vista que um – o desenvolvimento capita-
lista – é causa determinante do outro – o subdesenvolvimento capitalista".
Essas formulações contribuíram para compreender o desenvolvimento do es-
paço geográ�co como um processo desigual e contraditório.
Por sua vez, Theis (2009, p. 249) explica que:

[...] a co-existência, simultânea e dinâmica, de espaços mais desenvolvidos e me-


nos desenvolvidos é o resultado do desenvolvimento geográ�co desigual. Mas,
também, é condição para o processo de continuada valorização do capital.

Os processos de valorização do capital tendem a uma concentração econômi-


ca e espacial, potencializando as diferenças regionais; todavia, a seletividade e
a circulação acelerada dos capitais criam possibilidades de mudanças para
áreas restritas.

Ainda segundo o autor:

De qualquer maneira, desses processos de centralização e dispersão resulta uma


paisagem geográ�ca em constante mudança. Regiões bem-sucedidas são espaços
nos quais a economia tende a crescer e a sociedade a se tornar mais rica; regiões
perdedoras, em contrapartida, constituem espaços nos quais o processo de acumu-
lação parece estar travado e sua sociedade, em consequência, parece empobrecer
além da pobreza herdada. De fato, regiões bem-sucedidas e regiões perdedoras con-
formam a paisagem do capitalismo mundializado, expressão concreta do desenvol-
vimento geográ�co desigual. O capital ignora os espaços em que as perspectivas de
lucro são baixas e, por entre as diversas escalas, se move em direção aos espaços
em que as perspectivas de lucro são as mais altas. Daí que regiões perdedoras de
ontem podem ser as que propiciem melhores condições de valorização para o capi-
tal amanhã (THEIS, 2009, p. 249, grifos do autor).

Essas condições tornam a noção de desenvolvimento geográ�co desigual, o


qual é um importante instrumento teórico para entendermos a desigualdade
espacial manifestada na paisagem e a produção do subdesenvolvimento.
Contudo, uma questão importante ainda permanece: quais são os elementos
que caracterizam o subdesenvolvimento?

Vejamos a seguir.

Características do subdesenvolvimento: primeiras de�ni-


ções
A expansão desigual do capitalismo pelo mundo e as suas particularidades de
inserção em cada país di�culta a criação de uma de�nição consensual para o
subdesenvolvimento. Ao longo do tempo, as mudanças econômicas e sociais
transformaram o espaço geográ�co e exigiram mudanças teóricas e critérios
diferençados para a classi�cação dos países.

Lacoste (1970, p. 9) já alertava que um "[...] dos traços mais importantes do


fenômeno do subdesenvolvimento é sua complexidade, a superposição de sin-
tomas sociológicos e econômicos e o emaranhado de suas interações".

Além disso, segundo Lacoste (1966, p. 17-18):

A de�nição de subdesenvolvimento fenômeno global, situação complexa, só pode


ser entendida, tomando-se em consideração, não somente um único critério, nem
um único fator (por mais signi�cativo que seja, como a fome), mas uma combina-
ção de fatores maiores.

Por isso, diversas são as combinações, e diferentes podem ser os critérios de


classi�cação dos países subdesenvolvidos.

Yves Lacoste (1966-1970) propôs uma classi�cação dos países com base nos
seguintes critérios:

1. Insu�ciência alimentar.
2. Recursos negligenciados ou desperdiçados.
3. Grande número de agricultores de baixa produtividade.
4. Industrialização restrita e incompleta.
5. Hipertro�a e parasitismo do setor terciário.
6. Situação de subordinação econômica.
7. Violentas desigualdades sociais.
8. Estruturas tradicionais deslocadas.
9. Ampliação das formas de subemprego e trabalho das crianças.
10. Baixa integração nacional.
11. Graves de�ciências das populações.
12. Aumento do crescimento demográ�co.
13. Lento crescimento dos recursos de que dispõem, efetivamente, as popula-
ções.
14. Tomada de consciência e uma situação em plena evolução.

Já Gomes (1987-1988, p. 39) defende que, para caracterizar o subdesenvolvi-


mento, há de existir, nos espaços nacionais:

[...] estruturas políticas subdesenvolvidas corruptas, corruptíveis e subservientes;


comunidades atrasadas, dotadas de baixo nível de consciência política, portanto,
acríticas e alienadas do processo histórico transformador; abundante potencial de
recursos naturais renováveis e não renováveis, e de matérias-primas existentes no
meio geográ�co do mundo subdesenvolvido; elevada mão-de-obra disponível sub-
metida a baixos salários, etc.

Em síntese, poderíamos dizer que o subdesenvolvimento é caracterizado por


uma situação econômica e social na qual predominam a dependência econô-
mica e a grande desigualdade social, ambas oriundas de processos históricos
que criaram um abismo entre ricos e pobres. A Figura 16 apresenta a divisão
característica entre o mundo subdesenvolvido e o mundo desenvolvido, ou,
ainda, países do Norte e países do Sul.

Figura 16 Países do Norte e países do Sul.


Os critérios elencados por Lacoste (1966-1970) e Gomes (1987-1988) para carac-
terizar o subdesenvolvimento são produto de um determinado momento his-
tórico, o qual era marcado pela expansão das relações capitalistas pelo mundo
e pela transição de uma população rural para a cidade, impulsionada pelos
processos de industrialização.

Assim, durante a Guerra Fria, a discussão sobre desenvolvimento versus sub-


desenvolvimento ou o correspondente con�ito Norte versus Sul, bem como a
regionalização em países de primeiro, segundo e terceiro mundo acabou do-
minando os debates e embates teóricos no campo da Geogra�a.

Contudo, na década de 1990, essa classi�cação, também conhecida como


Teoria dos Mundos, perdeu muito seu sentido devido ao �m da oposição entre
países socialistas e capitalistas, simbolizado pela queda do muro de Berlim e o
�m da União Soviética. Além disso, como apontam Haesbaert e Porto-
Gonçalves (2006), percebeu-se que essa separação era muito mais de ordem
militar e ideológica do que propriamente político-econômica, visto que a mai-
oria dos países socialistas (Segundo Mundo) reproduzia uma espécie de capi-
talismo de Estado, e a industrialização não era mais um elemento que diferen-
ciava claramente países de Primeiro e Terceiro Mundo.

É nesse momento que "[...] o muro Leste-Oeste sucumbe, ao mesmo tempo em


que novos muros Norte-Sul se levantam" (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES,
2006, p. 9). Essa frase destaca o simbolismo da queda do muro de Berlim como
marco do �m da Guerra Fria e início de outro período em que a palavra de or-
dem é globalização, e a regionalização do mundo passa a ser mais bem ex-
pressa pela divisão entre ricos e pobres.

Segundo Magnoli (1996), a nova ordem mundial, mediante a revolução


técnico-cientí�ca dos países de Primeiro Mundo, aponta duas tendências em
vigor:

• A tendência à globalização do mercado, que estimula os �uxos internaci-


onais de mercadorias e investimentos, atuando para eliminar entraves à
competição no espaço mundial.
• A tendência à regionalização dos mercados, que atua na busca por erguer
barreiras protetoras, consolidando megablocos que se enfrentam em dis-
putas comerciais e �nanceiras.

Nesse cenário da globalização, a atuação do Estado-Nação é motivo de contro-


vérsias entre estudiosos. Alguns acreditam que o Estado-Nação tende a ocu-
par um lugar marginal na política internacional, enquanto outros julgam que
o Estado-Nação vai se fortalecer, pois, posicionado no interior da economia
mundial, pode escolher políticas capazes de moldar o próprio processo de glo-
balização.

Considerando esse contexto, em que também prevalece a ideia de uma econo-


mia uni�cada e da dinâmica cultural sustentadas pela ação da globalização,
Gomes (1995) indica que uma sociedade só pode ser compreendida no proces-
so de reprodução social global. Seria a globalização, portanto, o �m da diferen-
ciação das áreas do globo e, consequentemente, o �m da região?

A essa questão Santos (1999, p. 16) responde que:

A região continua a existir, mas com um nível de complexidade jamais visto pelo
homem. Agora, nenhum subespaço do planeta pode escapar ao processo conjunto
de globalização e fragmentação, isto é, individualização e regionalização.

Essas mudanças derivadas dos processos de globalização levaram alguns au-


tores a proclamar o �m da região. Entretanto, como esclarece Gomes (1995, p.
72):

A tão decantada globalização parece concretamente não ter conseguido suprimir a


diversidade espacial, talvez nem a tenha diminuído. Se hoje o capitalismo se ampa-
ra em uma economia mundial não quer dizer que haja uma homogeneidade resul-
tante desta ação. Este argumento parece tanto mais válido quanto vemos que o re-
gionalismo, ou seja, a consciência da diversidade continua a se manifestar por to-
dos os lados.

Segundo essa versão, os movimentos regionais ou regionalistas são, em geral,


movimentos de resistência à homogeneização, movimentos de defesa das di-
ferenças (GOMES, 1995).
No entanto, sua lógica também produz diferenciações, segrega e exclui, como
apontam Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006, p. 38):

À medida que parece organizar-se gradativamente uma espécie de "território-


mundo" globalmente articulado, o capitalismo se reproduz contraditoriamente e,
sobretudo, difunde as desigualdades, apropriando-se ou mesmo produzindo a dife-
renciação, a �m de expandir a lógica mercantil que lhe é inerente.

Apesar de toda a pretensa homogeneização promovida pelos processos de glo-


balização, ainda é possível delimitar claramente enormes espaços relativa-
mente à margem das benesses da globalização, e outros extremamente privi-
legiados, enquanto ainda há os que podem ser vistos como potências.

No contexto da globalização, uma potência mundial é um Estado (ou uma con-


federação, como a União Europeia) que possui tecnologia moderna e força
quali�cada de trabalho (e pressupõe elevado nível de escolaridade), e não
aquele que possui basicamente um grande território, boa estratégia militar e
armamentos pesados (VESENTINI, 2005).

Se tomarmos essa concepção de potência mundial da atualidade, notaremos


que, via de regra, essas potências ocupam o Hemisfério Norte e, portanto, a di-
visão Norte-Sul ainda é uma possibilidade de compreender a organização do
mundo atual, ainda que seja importante destacar que essa divisão não é abso-
luta devido às transformações constantes na economia atual.

Portanto, regionalizar mediante critérios político-econômicos no contexto da


globalização é uma tarefa bastante complexa. Quais seriam, então, os funda-
mentos dos processos de regionalização na atualidade?

Para Haesbaert (1999, p. 32), o processo de regionalização na atualidade deve


considerar:
[...] o grau de complexidade muito maior na de�nição dos recortes regionais, atra-
vessados por diversos agentes sociais que atuam em múltiplas escalas; a mutabili-
dade muito mais intensa que altera mais rapidamente a coerência ou a coesão regi-
onal; a inserção da região em processos concomitantes de globalização e fragmen-
tação.

Além disso, Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006), apontam a importância de


observar algumas divisões que se institucionalizaram: os Estados-Nações, as
grandes organizações ou blocos econômicos e as relações centro-periferia, ou
simplesmente Norte-Sul, considerando a complexidade dessa relação na atua-
lidade.

Ainda sob a perspectiva da globalização, surgem algumas propostas de regio-


nalização do mundo. Entre essas propostas, destaca-se a de Castells (1999). O
autor a�rma que a economia global apresenta diferenciações que podem ser
representadas por três regiões principais e suas áreas de in�uência: a
América do Norte; a União Europeia e a região do Pací�co asiático, concentra-
da em torno do Japão, mas com peso crescente da Coreia do Sul, Indonésia,
Taiwan, Cingapura e China. Em torno do triângulo de riqueza, poder e tecnolo-
gia, o resto do mundo organiza-se em uma rede hierárquica e assimetrica-
mente interdependente à medida que países e regiões diferentes competem
para atrair capital, pro�ssionais especializados e tecnologia.

Para caracterizar esse momento histórico, o autor usa a expressão "economia


global regionalizada", uma vez que há de fato uma economia global devido ao
processo interativo que ultrapassa as fronteiras territoriais. Porém, essa eco-
nomia não é a mesma em cada região, não é uni�cada, e os governos têm um
papel importante nos assuntos econômicos (CASTELLS, 1999).

Outra classi�cação, que surge sob a perspectiva da globalização e é bastante


difundida, é a regionalização centro/periferia. Ressalta-se que tal divisão é
complementar à divisão Norte/Sul. Tal interpretação remonta aos tempos de-
senvolvimentistas de um capitalismo que acreditava poder, um dia, difundir o
desenvolvimento do centro para a periferia (HAESBAERT; PORTO-
GONÇALVES, 2006).
Essa diversidade de tentativas para compreender o espaço mundial globaliza-
do é enfatizada por Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006, p. 134):

Fica evidente que o espaço mundial sob a "nova (des)ordem" é um emaranhado de


zonas, redes e 'aglomerados', espaços hegemônicos e contra-hegemônicos que se
cruzam de forma complexa na face da Terra. Fica clara, de saída, a polêmica que
envolve a nova regionalização mundial. Como regionalizar um espaço tão hetero-
gêneo e em parte �uido, como é o espaço mundial contemporâneo?

Dessa forma, no próximo tópico, tentaremos entender de maneira mais apro-


fundada a regionalização do espaço mundial em tempos de globalização.

6. Globalização e Espaço Mundial atual


Neste tópico, discutiremos o conceito de globalização e você será convidado a
re�etir um pouco sobre a relação que a globalização pode ter com a regionali-
zação.

Para entender o período atual, devemos voltar um pouco na História. A queda


do muro de Berlim, em 1989, marcou o �m do período denominado Guerra Fria,
anunciando a reuni�cação alemã e a implosão da União Soviética. Esses
acontecimentos simultâneos, junto com a completa integração da China nos
�uxos internacionais de mercadorias e investimentos, diluíram a fronteira
que separava as economias estatizadas da economia mundial de mercado.
Eles também reintroduziram uma antiga abordagem geográ�ca, geopolítica e
histórica, que pode ajudar a entender o capitalismo moderno: a globalização.

Esse fenômeno é tão antigo quanto a origem do Estado, e seu desenvolvimento


está associado às políticas de�nidas por ele. Podemos dividir a globalização,
portanto, em três fases históricas, conforme apresenta Magnoli (1997):

• Primeiro estágio da globalização: o ponto de partida remonta às grandes


navegações europeias nos séculos 15 e 16, que con�guram, pela primeira
vez, a imagem geográ�ca do planeta na consciência do homem. Essa pri-
meira fase se caracterizou pela circulação de mercadorias, que eram pro-
duzidas pelo trabalho escravo ou servil, na economia mercantil interna-
cional. A expansão comercial mercantilista, impulsionada pelas viagens
de descobrimento, representou um empreendimento combinado que con-
ciliou o poder e a riqueza do Estado à iniciativa dos empreendedores par-
ticulares.
• Segundo estágio da globalização: o segundo estágio da globalização tem
como marco a Revolução Industrial do século 19, que teve como condição
a transição do modo de produção escravista pelo trabalho assalariado. A
fusão dos capitais industriais aos capitais bancários originou o novo
mundo das �nanças. A formação de conglomerados econômicos podero-
sos foi uma de suas expressões. A disponibilidade de capitais para inves-
timentos em lugares distantes abriu caminho para uma integração muito
mais profunda na economia internacional.
Esse período teve como pano de fundo o desenvolvimento de transportes
terrestres (ferrovias) e oceânicos (navios a vapor), e o desenvolvimento
das comunicações (telégrafo).
• Terceiro estágio da globalização: o terceiro e atual estágio começa quan-
do termina a Segunda Guerra Mundial. No período denominado Guerra
Fria, uma parte do mundo �cou isolada do processo de integração inter-
nacional dos mercados, estabelecendo uma fronteira geopolítica para a
globalização. Porém, fora desses territórios, a interdependência das eco-
nomias de mercado se aprofundou e consolidou. Sob a liderança geopolí-
tica dos Estados Unidos, a reconstrução da Europa e do Japão impulsio-
nou o crescimento da economia mundial.

A descolonização da África e da Ásia, paralelamente à modernização das eco-


nomias da América Latina, permitiu a expansão da economia industrial para
territórios nos quais, até então, prevaleciam a exportação de produtos primári-
os e a economia rural.

As corporações transnacionais passaram a lucrar com as economias nacio-


nais menos desenvolvidas, por meio da exploração de seus recursos naturais,
como jazidas minerais e reservas petrolíferas e, usufruindo, quando possível,
do potencial hidrelétrico e do baixo custo de mão de obra. Na iminência do �m
da Guerra e já pensando na reconstrução, os Estados Unidos e seus aliados eu-
ropeus estabeleceram na Conferência de Bretton Woods, em 1944, um sistema
internacional de câmbio em que a valorização da moeda dos Estados inte-
grantes estavam indexadas ao dólar americano, passando a funcionar como
divisa internacional. Ao mesmo tempo, ergueram-se instituições intergover-
namentais destinadas a assegurar empréstimos internacionais, amenizando
os riscos de colapsos econômicos. Assim nasceram o Fundo Monetário
Internacional (FMI) e o Banco Internacional para Reconstrução e
Desenvolvimento (BIRD), também conhecido como Banco Mundial.

No início da década de 1970, a paridade entre o dólar e o ouro e a divisa dos


Estados Unidos da América passou a �utuar conforme os movimentos de
oferta e procura, o que re�etia o encerramento da hegemonia econômica
norte-americana, representando riscos para a evolução e estabilidade do inter-
câmbio mundial de mercadorias e para os �uxos de investimentos.

A partir desse momento, o sentido político da economia mundial �cou ainda


mais evidente. Assim, as potências econômicas começaram a coordenar suas
políticas de câmbio mediante a realização de reuniões anuais (inicialmente
G5: Estados Unidos, Japão, Alemanha, França e Grã-Bretanha, posteriormente
agregou-se a Itália e o Canadá, formando o G7 e, atualmente, a Rússia), e seus
governos revelaram-se capazes de evitar o precipício das guerras comerciais e
das retaliações protecionistas.

O ciclo de expansão da economia mundial no Pós-guerra baseou-se no aper-


feiçoamento das tecnologias tradicionais, cujas premissas tinham sido esta-
belecidas na transição do século 19 para o 20. Esse ciclo encerrou-se na déca-
da de 1970, quando crises recessivas marcaram o �m de uma época.

O que caracteriza o estágio atual do processo de globalização é que ele já não


se apoia nas tecnologias tradicionais. A grande novidade é a revolução da in-
formação, que possibilita, mediante uma base tecnológica, um salto na uni�-
cação do mercado mundial.

Na década de 1970, o movimento de descobertas tecno-cientí�cas alavancou o


panorama da produção mundial. Essa nova era foi marcada pelas novas tec-
nologias de transmissão de informações e de microeletrônica. Por outro lado,
trouxe, também, a automatização e a robotização dos processos de produção,
que posteriormente geraram novas crises.
Novas indústrias voltam-se à produção de computadores e softwares, teleco-
municações, química �na, robótica, biotecnologia e outras tecnologias revolu-
cionárias, deslocando o núcleo de acumulação de riquezas e marginalizando
as indústrias tradicionais. As indústrias da revolução tecno-cientí�ca
caracterizam-se pela intensa aplicação de ciência e do conhecimento para
elaborar novos produtos. Ao contrário das indústrias tradicionais, que buscam
se instalar em lugares favoráveis à geração de energia, reservas minerais, jazi-
das de reservas carboníferas e mão de obra barata, por exemplo, essas indús-
trias têm como condição para seu desenvolvimento a localização em centros
de pesquisa e mão de obra altamente quali�cada.

A evolução da indústria tecno-cientí�ca conduziu-nos a uma etapa da globali-


zação que pode ser compreendida como a integração entre diversas partes do
mundo mediada por �uxos de mercadorias, de investimentos e de informa-
ções, os quais são detalhados a seguir:

• Fluxos de mercadorias: tem um papel de vanguarda na estrutura da eco-


nomia globalizada. O crescimento vertiginoso do comércio de mercadori-
as nos últimos anos do século 20 foi um grande passo na integração dos
mercados. Em consequência, as economias nacionais tornaram-se mais
dependentes da econômica global, com atividades produtivas voltadas
para o mercado externo.
• Fluxos de investimentos: podem ser classi�cados em dois grupos. Um
que compreende o empréstimo de capital concedido por instituições in-
tergovernamentais ou bancos para governos e empresas privadas e ainda
os capitais �nanceiros aplicados em mercados de ações, moedas ou títu-
los públicos. O outro compreende os investimentos diretos materializados
na implantação de unidades produtivas em países estrangeiros.
• Fluxos de informação: a revolução da informação a partir de inovações
tecnológicas é um avanço na uni�cação do mercado mundial. Para que
essa revolução fosse efetivada, o mercado das �nanças precisou de uma
base tecnológica gerada pela revolução cientí�ca. Os satélites de comuni-
cação e as redes de computadores tornaram possíveis as operações inin-
terruptas entre os mercados de moedas, títulos e ações ao redor do plane-
ta. O desenvolvimento da internet e a posterior internacionalização da re-
de com a incorporação de centenas de milhões de usuários iniciou uma
etapa crucial do �uxo de informações. Sob o ponto de vista cultural, a
Internet disseminou (e ainda o faz) modos de pensar e enxergar o mundo
e contribui com a circulação de mercadorias culturais, de diversão e en-
tretenimento. A internet atua na padronização do gosto e das demandas
de consumo, além de difundir globalmente as marcas divulgadas pelas
corporações. Sob esse aspecto, ela possibilita a ruptura das singularida-
des nacionais e locais que funcionaram até hoje como barreiras para a
expansão do consumo globalizado (MAGNOLI, 1997).

Depois das informações apresentadas, uma pergunta essencial é: a liberdade


para os �uxos de mercadorias, investimentos e informações foi acompanhada
pela liberdade do �uxo de pessoas?

Paramos aqui, um pouco, para essa re�exão. A desigualdade desencadeada


pelo processo de globalização, ou seja, para que um país consiga alcançar um
bom nível de desenvolvimento, dependerá da "doação" de esforços de um se-
gundo, restringindo, assim, a utópica igualdade (até o presente momento de
nossa história). Logo, os problemas sociais se evidenciam, abrindo espaço pa-
ra a criminalidade e ações terroristas, respostas xenófobas.

A sensação de insegurança que o terrorismo inspira na sociedade também


atinge os Estados, especialmente em termos econômicos. Dessa forma, o mai-
or protecionismo econômico é barrar um dos pilares da globalização: o �uxo
de pessoas. Contraditoriamente, o conceito de soberania surge novamente e a
proteção de fronteiras físicas mostra-se nítida, ocasionando o baixo �uxo no
espaço real, com sua contrapartida no elevado �uxo "virtual" (informações,
mercadorias etc.).

Na realidade, o �uxo de pessoas segue na contramão da integração mundial.


Num mundo sem fronteiras para o capital e as informações, a liberdade de
deslocar-se �ca ameaçada (HAESBAERT; PORTO-GONÇALVES, 2006). A Figura
17 mostra o muro que separa os Estados Unidos e o México. Embora os dois
países tenham um acordo de livre comércio, o �uxo de pessoas ocorre de ma-
neira ilegal.
Figura 17 Fronteira dos Estados Unidos com o México.

A proposta de Lei SB 1070, apresentada pelo Estado do Arizona em janeiro de


2010 e promulgada em julho do mesmo ano, é um exemplo explícito da contra-
mão dos �uxos de pessoas no mundo. O texto autoriza que a polícia do Estado
aborde pessoas nas ruas caso suspeitem que elas sejam imigrantes ilegais,
sendo a ausência de documentação considerada um grave delito.

Lei SB 1070
Caso queira obter mais informações, clique aqui (http://www.azleg.gov/legtext/49leg/2r/bills/sb1070s.pdf)
e leia na íntegra o texto da lei SB 1070.

O Estado-Nação e os blocos econômicos


Outra questão que se coloca para a compreensão do mundo na atualidade tem
relação com o papel do Estado-Nação no mundo globalizado. Leia atentamen-
te as seguintes citações:
O Estado Nação não é mais o que costumava ser. [...] Parece inconcebível que tão di-
minuta criatura possa por muito tempo continuar sendo a unidade básica das rela-
ções internacionais, a entidade que �rma tratados, participa de alianças, desa�a
inimigos, vai a guerra. Não estará seguramente o Estado-Nação, a caminho de se
dissolver em algo maior, mais poderoso, mais capaz de encarar as conseqüências
da tecnologia moderna: alguma coisa que será a nova e poderosa unidade básica do
mundo de amanhã? (THE ECONOMIST apud MAGNOLI, 1997, p. 33).

[...] a edi�cação de blocos regionais representa uma estratégia dos Estados direcio-
nada para a inserção das suas economias na economia-mundo (MAGNOLI, 1997, p.
6).

A primeira citação é um texto ironizando a postura de alguns estudiosos que


defendem que o Estado-Nação esteja envolvido em um rápido processo de fra-
gilização que culminará com sua extinção. Para esses estudiosos, o Estado se-
ria incapaz de gerir a organização social e geográ�ca global-fragmentada e se
dissolveria tanto no liberalismo quanto nos blocos de culturas supranacio-
nais. Há outra perspectiva, compartilhada por inúmeros autores, que divulga a
teoria exposta na segunda citação, a�rmando que o Estado está se reestrutu-
rando sob novas bases e adquirindo distintas funções na nova geopolítica
mundial, pautada pela sociedade de controle – o novo discurso a legitimar o
reforço de poder de muitos Estados.

De qualquer forma, é essencial admitir que houve mudanças muito importan-


tes com relação ao poder do Estado a partir do fortalecimento das empresas
transnacionais e a formação de grandes entidades econômicas ou político-
econômicas supranacionais. Nesse processo, até algumas funções antes con-
sideradas essencialmente estatais passaram a ser exercidas por entidades pri-
vadas. Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006) mencionam o caso da segurança
pública, mas são inúmeros os exemplos de privatização, como serviço de água
e luz, telefonia e empresas de grande porte do setor primário, como a Vale do
Rio Doce (atualmente Vale).

De fato, os Estados são desa�ados pelas novas tendências de integração e glo-


balização. Magnoli (1997, p. 43) de�ne muito bem atuação do Estado-Nação no
contexto da globalização:
A globalização implica uma nova reformulação das relações entre o Estado e o
mercado. O Estado abandona uma série de funções que tinha assumido desde a dé-
cada de 1930 e se reorganiza para lidar com a economia globalizada. As empresas
públicas são privatizadas. As taxas alfandegárias são reduzidas ou, em certos ca-
sos, abolidas. As políticas econômicas são coordenadas em escala internacional.
Em conseqüência, a noção de soberania é submetida a mais uma revisão.

Essa revisão não se confunde com a sua supressão ou com o desfalecimento do


Estado-Nação, que representa a única instância capaz de conduzir o próprio pro-
cesso de globalização. Ao contrário, sob diversos aspectos, o Estado reforça a sua
capacidade de operar como intermediário entre as forcas externas e a sociedade
nacional. Alguns geógrafos compreenderam perfeitamente o sentido desse nexo,
capacitando-se para a�rmar como o faz Luiz Navarro de Britto, que 'o Estado cons-
titui a sociedade global dos nossos dias’.

Agora que já esclarecemos o papel do Estado no cenário mundial atual, vamos


buscar compreender a atuação dos blocos econômicos.

Segundo Haesbaert e Porto-Gonçalves (2006), a ideia de formação de grandes


blocos econômicos começa após as guerras mundiais, justamente em uma
tentativa de minimizar o poder de Estados com grande poder beligerante e ga-
rantir a paz e o crescimento econômico em um período de grave crise. A inici-
ativa de maior sucesso até hoje, e também a primeira a se consolidar, é a
União Europeia.

Existem, segundo Magnoli (1997), quatro tipos de tratados econômicos e, ain-


da, uma modalidade de bloco regional espontâneo:

1. Zona de Livre Comércio: constitui-se de um acordo entre Estados com ob-


jetivo de eliminar as restrições tarifárias e não tarifárias que incidem so-
bre a circulação de mercadorias entre os integrantes. Trata-se de um
acordo circunscrito à esfera comercial, que não restringe o intercâmbio
de cada Estado com países externos ao bloco. Sua �nalidade, do ponto de
vista da teoria econômica, é ampliar a exposição da economia dos países
integrantes à concorrência externa, a �m de estimular ganhos de produti-
vidade. Como exemplo dessa categoria, podemos citar o Nafta, formado
pelo Canadá, México e Estados Unidos.
2. União Aduaneira: trata-se de um acordo na esfera comercial que de�ne
duas metas: a eliminação das restrições alfandegárias e a �xação de uma
tarifa externa comunitária. Essa tarifa consiste em um imposto de impor-
tação comum cobrado sobre mercadorias provenientes de países externos
ao bloco. A �nalidade desse tipo de tratado é atrair investimentos produ-
tivos para seu território. Os principais benefícios para as empresas são o
aumento do mercado consumidor e a proteção alfandegária, que elimi-
nam a concorrência de países que não fazem parte do bloco. Como exem-
plo dessa categoria de tratado podemos citar o Mercosul, formado pela
Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai (a tendência é de que o Mercosul se
torne um Mercado Comum).
3. Mercado Comum: é a categoria de tratado cujo objetivo é assegurar não
somente a livre circulação de mercadorias, mas também a de capitais,
serviços e pessoas por meio das fronteiras políticas dos integrantes. Não
se restringe, portanto, à esfera comercial. Invade domínios da legislação
industrial, ambiental, �nanceira e educacional. O objetivo econômico do
mercado é incentivar os países participantes a integrar suas corporações
�nanceiras e de produção, em uma uni�cação que determina a concor-
rência vantajosa sobre os países que não integram o bloco.
4. União Econômica e Monetária: trata-se de um mercado comum acrescido
de uma moeda única. Em seu interior, as moedas seriam substituídas por
uma divisa comunitária, emitida e controlada por um banco central su-
pranacional. Assim, as �utuações de câmbio desapareceriam, e não mais
limitariam as economias nacionais. Não haveria nenhum sentido econô-
mico nas fronteiras entre os países integrantes, mas elas continuariam a
desempenhar funções políticas e militares. Um exemplo dessa categoria
de tratado é a União Europeia.

O Quadro 1 resume as características dos quatro tipos de tratado mencionados


anteriormente. Acompanhe. 

Quadro 1 Tipologias dos tratados econômicos regionais.

ZONA DE UNIÃO MERCADO UNIÃO


LIVRE ADUANEIRA COMUM ECONÔMICA E
COMÉRCIO MONETÁRIA
Mercadorias Livre circula- Livre circula- Livre circu- Livre circula-
ção ção lação ção

Tarifa externa De�nida por Imposto co- Imposto co- Imposto co-
cada país mum mum mum

Capitais servi- Regras naci- Regras nacio- Livre circu- Livre circula-
ços e pessoas onais nais lação ção

Moeda Nacional Nacional Nacional Comunitária


 Fonte: adaptado de Magnoli (1997).

Há mais um tipo de bloco regional, denominado áreas de integração por in-


vestimentos. São espaços geográ�cos �uidos nos quais se veri�ca uma dinâ-
mica de crescimento econômico bastante interdependente. As corporações in-
tegrantes direcionam pesados investimentos para os países vizinhos, deslo-
cando unidades produtivas, implantando �liais, adquirindo empresas locais.
Esses investimentos geram um comércio intrarregional, material e invisível.

Com o tempo, os setores mais modernos dos países da área evoluem num rit-
mo comum e sofrem as crises e �utuações de um ciclo econômico integrado.
Essas áreas não têm limites de�nidos pelos Estados e sua área de atuação po-
de aumentar ou contrair, independentemente da vontade dos governos ou da
ação de diplomatas (MAGNOLI, 1997).

A Figura 18 mostra os principais processos de integração regional no início do


século 21 e a participação do Produto Interno Bruto (PIB) de cada uma das re-
giões. Acompanhe.
Figura 18 Principais processos de integração regional no ano de 2007. 

Agora que você já conhece um pouco mais sobre os blocos econômicos, vamos
analisar uma questão relevante: a tendência à regionalização com base nos
blocos econômicos seria um obstáculo à integração global dos mercados?

De acordo com Magnoli (1997), há duas consequências da consolidação das


áreas de livre comércio:

• Redirecionamento dos �uxos comerciais para a área, restringindo as áre-


as de exportação e desfavorecendo a globalização.
• Criação de novos �uxos, pois a ausência das barreiras alfandegárias in-
centiva a importação de produtos a preços menores, favorecendo a globa-
lização.

É importante considerar que a globalização não somente se limita ao comér-


cio, mas também à área de investimentos e à ampliação do campo das trans-
nacionais. Esses aspectos também estão por trás da estruturação de um mer-
cado globalizado.

Concepção geográ�ca da regionalização do mundo em blo-


cos econômicos
Você pode perceber que a divisão do mundo em blocos regionais é uma ten-
dência na atualidade. Agora que você já sabe mais sobre esse assunto, vamos
tentar compreender os princípios metodológicos da regionalização.

Inicialmente, seria interessante classi�car em que categoria de regionalização


a divisão do mundo em blocos econômicos se enquadra. Para isso, destaque-
mos algumas de suas peculiaridades:
• Os blocos econômicos são fruto de acordos econômicos e fazem parte de
um plano de ação entre países com a intenção de fortalecê-los no cenário
mundial.
• Alguns blocos integram países com grandes disparidades nos níveis de
desenvolvimento econômico.
• Há, entre os países participantes, diferentes características culturais.

Logo, a regionalização do mundo em blocos econômicos pode ser classi�cada


como "instrumento de ação", ou seja, é uma unidade espacial de�nida segundo
atributos econômicos e com o propósito de crescimento econômico, podendo
ser entendida como sinônimo de espaço econômico.

Dessa forma, podemos dizer que a divisão do mundo em blocos econômicos é


uma forma de regionalização muito importante para compreender o mundo
globalizado. Porém, não é exclusiva, tampouco esgota a compreensão do espa-
ço mundial.

A pobreza global
Magnoli (1997, p. 21) de�ne globalização como o "[...] processo pelo qual o espa-
ço mundial adquire unidade [...]", ou seja, um processo econômico e social que
estabelece integração entre todas as regiões do mundo através do �uxo de
mercadorias, investimentos e informações, como já vimos. Porém, essa globa-
lização que uni�ca também separa, segrega, exclui.

O processo de globalização agravou as desigualdades entre a acumulação de


riquezas e a disseminação da pobreza. O desenvolvimento econômico assume
padrões perversos, marginalizando grandes parcelas da população. As novas
modalidades de indústria, que englobam tecnologia e ciência, são responsá-
veis pela diminuição de empregos, redução de salários reais e supressão dos
direitos trabalhistas tradicionais, atingindo diretamente as parcelas da popu-
lação de média e baixa quali�cação pro�ssional (MAGNOLI, 1996).

Milton Santos (2000, p. 23) analisa o atual momento da globalização


interpretando-o como "[...] ápice do processo de internacionalização do mundo
capitalista [...]", momento em que as perversidades intrínsecas a esse sistema
socioeconômico atingem escalas globais. Segundo o autor:
Os fatores que contribuem para explicar a arquitetura da globalização atual são: a
unicidade da técnica, a convergência dos momentos, a cognoscibilidade do planeta
e a existência de um motor único na história, representado pela mais-valia globali-
zada. Um mercado global utilizando este sistema de técnicas avançadas resulta
nessa globalização perversa (SANTOS, 2000, p. 24).

Para compreender melhor a interpretação que Milton Santos (2000) dá à glo-


balização atual, vejamos a seguir cada fator citado por ele:

1. Unicidade das técnicas: o que representa o sistema atual é a técnica da


informação que assegura o comércio global e tem um papel determinante
no uso do tempo, permitindo em todos os lugares a convergência de mo-
mentos e assegurando simultaneidade das ações. Consequentemente, is-
so acelera o processo histórico.
2. Convergência dos momentos: tornamo-nos capazes de conhecer o que é o
acontecer do outro. Essa possibilidade é oferecida pela técnica.
3. Cognoscibilidade do planeta: é a possibilidade de conhecer o planeta ex-
tensiva e profundamente, fato jamais observado, e que se deve aos pro-
gressos da ciência.
4. Motor único: esse motor seria uma mais-valia universal, que só é possí-
vel porque a produção se efetiva em escala global, por intermédio de em-
presas mundiais.

A universalização do capitalismo mediante a universalização da mais-valia


origina o que Milton Santos (2000) denomina "pobreza estrutural". A pobreza é
estrutural, e não mais local nem nacional, porque está presente em toda parte
do mundo. O autor ainda destaca que: "Há uma produção planetária e uma
produção globalizada da pobreza, ainda que esteja mais presente nos países já
pobres" (SANTOS, 2000, p. 69).

A segregação socioespacial, organização espacial da pobreza inerente ao sis-


tema capitalista que, de acordo com Villaça (2001, p. 142), "[...] é um processo
segundo o qual diferentes classes ou camadas sociais tendem a se concentrar
cada vez mais em diferentes regiões gerais [...]", passa, portanto, a ser um
fenômeno global, compreendido em diversas escalas. De acordo com Magnoli
(1997, p. 94):
[...] O espaço geográ�co é também o espelho desse movimento de segregação
econômica e social, que se manifesta em escala mundial e nacional e, de modo
mais evidente, nas escalas regionais e locais.

 Aprofunde seus conhecimentos!

Para concluir o estudo deste ciclo, profundar os temas abordados e re�e-


tir com mais profundidade as relações estabelecidas entre região, regio-
nalização, regionalismos e globalização. Propomos a leitura do artigo ci-
entí�co Região, diversidade territorial e globalização (https://periodi-
cos.uff.br/geographia/article/view/13361
/8561%20Acesso%20em:%2026%20nov.%202020)   de autoria de Rogério
Haesbaert.

Sugerimos, agora, que você re�ita sobre sua aprendizagem realizando a ques-
tão a seguir:

7. Considerações
Ao estudar as regionalizações brasileiras e mundiais, pudemos entender que
elas se estruturam a partir das diversidades do território brasileiro e mundial
na busca por melhor entender as dinâmicas desses territórios e suas desigual-
dades internas, sendo esse entendimento o caminho para uma administração
mais e�ciente dos diversos espaços em uso, que se distribuem pelo globo.

Pudemos compreender que as diferentes formas de regionalização estão vin-


culadas a determinados contextos históricos, que, dada a dinamicidade da re-
alidade, podem ser suprimidos ou entrarem em desuso. E vimos, por �m, que,
com a emergência da globalização e das novas relações políticas e econômi-
cas que se estabeleceram entre os países ao longo do tempo, algumas dessas
formas de regionalizar o espaço perderam seu poder explicativo, colocando a
necessidade de novas explicações, ou ainda abriram espaço para outras for-
mas de regionalização, que dialogam de modo mais e�ciente com a realidade
atual.
(https://md.claretiano.edu.br

/epiorgteoregregesp-gs0036-ago-2022-grad-ead-np/)

Ciclo 5 – Aspectos Físicos, Econômicos e


Populacionais da Europa, América Anglo-Saxônica e
Oceania no Contexto do “Norte Rico” e da África, Ásia
e América Latina no Contexto do “Sul Pobre”

Camila Barbosa
Luiz Henrique Pereira
Victor Hugo Junqueira

Objetivos
• Estudar as diferenças geográ�cas dos espaços mundiais em seus fatores
físicos e humanos.
• Conhecer as diversidades dos territórios considerados como "norte rico".
• Conhecer as diversidades dos territórios considerados como "sul pobre".
• Compreender quais fatores e elementos constituem as desigualdades
territoriais econômicas e sociais das regiões norte e sul do mundo.

Conteúdos
• Desigualdades de um mundo globalizado.
• Europa, América Anglo-Saxônica e Oceania no contexto do "norte rico".
• África, Ásia e América Latina no contexto do "sul pobre".

Problematização
Quais são as principais diferenças internas encontradas na organização dos
países? Como o clima, relevo, hidrogra�a, ou seja, aspectos físicos, in�uenci-
am na ocupação e desenvolvimento dos países? Qual a importância das mi-
grações para o continente europeu e quais problemas isso tem acarretado in-
ternamente? De que forma a população africana está distribuída pelo territó-
rio? Quais os principais problemas enfrentados pela população africana na
atualidade? Como a África tem sido inserida nas relações capitalistas mun-
diais? Qual o papel do continente africano nas negociações econômicas glo-
bais? Quais heranças o imperialismo deixou para os países africanos? Como
as relações globais contribuem para o aumento dos problemas sociais nos
países africanos?

Orientação para o estudo


No início deste ciclo, você terá a oportunidade de entender o papel dos índi-
ces de desenvolvimento para a compreensão das relações de dependência
política e socioeconômicas vividas pelos diversos territórios. Os índices são
fundamentais para os estudos geográ�cos, porém, não devem ser analisados
de modo estanque e isolados. Assim, é importante conhecê-los e saber
relacioná-los de modo crítico e complementar, para um entendimento mais
amplo dos territórios estudados geogra�camente.

Além disso, no decorrer deste estudo você deverá assistir aos vídeos propos-
tos  que expõem e discutem a organização geral dos espaços continentais do
globo. Observe que os estudos geográ�cos das nações que compõem o globo
devem se estruturar de modo amplo, abrangendo desde os aspectos físicos
até os aspectos advindos das relações humanas estabelecidas nos territórios,
pois somente assim é possível compreender de modo detalhado e efetivo as
diversas regiões que se formam no espaço mundo.

1. Introdução
Lembre-se de que não existe Geogra�a sem História: o espaço geográ�co é um
produto social de�nido pela atividade produtiva e pelas ideias que, ao longo do
tempo, se materializam sobre a superfície do planeta. Assim, considerando
que o fenômeno da globalização atua sobre o espaço herdado de tempos pas-
sados, remodelando-o em razão das novas necessidades, uma nova Geogra�a
foi tecida pelos �uxos globais de mercadorias, capitais e informações.
É pensando nesse contexto que vamos veri�car alguns aspectos econômicos
dos países e estudar os indicadores de desenvolvimento. Veremos que, do es-
paço globalizado contemporâneo, emergiram as novas potências econômicas,
as quais se reorganizaram com novas relações e mudanças dos focos tradicio-
nais de poder.

2. Desigualdades de um mundo globalizado


Após compreender os processos históricos que culminaram no fenômeno da
globalização e analisar como esse fenômeno pode contribuir com as dispari-
dades socioespaciais do mundo atual, vamos entender como os países podem
ser classi�cados em relação às suas desigualdades econômicas e sociais e em
seus níveis de desenvolvimento.

Para isso, neste tópico, vamos analisar indicadores e variáveis que permitam
comparar os níveis de desenvolvimento econômico, educacional e de tecnolo-
gia, além dos padrões de qualidade de vida entre os países do mundo, repre-
sentados em mapas temáticos.

Todos os mapas estão disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geogra�a e Estatística


(IBGE). Por meio deles, podemos visualizar espacialmente como a globalização, que uni�ca
o mundo, também contribui, contraditoriamente, com sua diferenciação.

Desigualdades quanto aos níveis de desenvolvimento


econômico
Um dos indicadores mais utilizados para indicar os níveis de desenvolvimen-
to econômico é o Produto Interno Bruto (PIB) e o PIB per capita.

De acordo com Lourenço e Romero (2002), o PIB é o indicador-síntese de uma


economia. É a soma de todos os bens e serviços produzidos em um país em
um período de�nido.

Além do PIB, é comum utilizar o PIB per capita, que corresponde ao quociente
entre o PIB nominal e a população de um país. Com esse índice, é possível in-
ferir o padrão de vida da população. Um país pode ter um PIB total elevado,
porém, devido ao grande número de habitantes, apresentar um PIB per capita
baixo.

Observe o mapa da Figura 1, que apresenta o PIB per capita (em dólares) dos
países para o ano de 2010.

Figura 1 Produto Interno Bruto per capita 2010.

Observando o mapa do PIB (Figura 1), podemos constatar que os maiores valo-
res desse índice ocorrem predominantemente nos Estados Unidos, Espanha,
França, Alemanha, Japão e China, localizados no hemisfério Norte. No hemis-
fério Sul, de acordo com a classi�cação temática da legenda, destacam-se paí-
ses com valores médios de PIB, como Brasil, Argentina, África do Sul e alguns
países do Pací�co Sul. De maneira geral, observamos uma tendência de queda
dos valores do PIB no sentido Norte-Sul.

Quanto ao PIB per capita, podemos constatar que também predominam os


maiores valores para os países do hemisfério Norte, com exceção da Austrália,
que apresenta elevado valor e ocupa o hemisfério Sul. No hemisfério Sul,
destacam-se países como Argentina, Brasil, África do Sul e Venezuela, que
apresentam, de acordo com a classi�cação adotada pelo IBGE, valores médios
para o PIB per capita.

Quando se compara o PIB com o PIB per capita, observa-se que alguns países,
como a China e a Índia, embora apresentem elevados PIB, não apresentam PIB
per capita elevado. Isso ocorre porque esses países são populosos.

Outra forma de observar as desigualdades regionais em tempos de globaliza-


ção é a comparação das exportações de mercadorias. A Figura 2 mostra a ex-
portação mundial de mercadorias entre os anos de 2005 e 2010 por continen-
tes.

Figura 2 Participação das exportações mundiais de mercadorias por regiões entre os anos 2005 e 2010.

Conforme pudemos observar na Figura 2, as regiões que apresentam a menor


participação nas exportações de mercadorias são as que historicamente esti-
veram submetidas a uma situação de dependência política, ou seja: América
Latina, África, Oriente Médio e CEI (Comunidade dos Estados Independentes).
Observe que nessas regiões ocorreu um crescimento percentual da participa-
ção nas exportações mundiais de mercadorias, enquanto na América do Norte
e na Europa ocorreu um decréscimo, mas que ainda não afeta o poderio
econômico dessas áreas, evidenciando as desigualdades espaciais entre gran-
des áreas do globo.

Em relação à Ásia, é importante percebermos que a elevada participação das


exportações no comércio mundial se deve, sobretudo, à economia da China, ao
Japão e à Índia, enquanto a maior parte dos países apresenta baixos níveis de
integração no comércio mundial.

Conforme Lacoste (1966), para um número muito grande de países subdesen-


volvidos, a dependência foi, a princípio, de natureza política, contudo, mesmo
com o processo de descolonização, persistiram formas duráveis de subordina-
ção econômica.

Atualmente, essas formas de subordinação econômica se realizam pela ação


do mercado, por meio de empréstimos internacionais, pagamento de royalties,
remessa de lucros pelas grandes empresas multinacionais e dependência tec-
nológica pelos países pobres.

A título de exemplo, veja, na Tabela 1, os valores da dívida externa e o serviço


da dívida por grandes áreas do mundo.

Tabela 1 Dívida externa e serviço da dívida por regiões em bilhões de dólares.

A dívida externa, ainda que seja um problema para diferentes nações, tem
efeitos mais perversos sobre as economias mais frágeis, pois reduz a capaci-
dade de investimento e, consequentemente, a e�ciência de políticas sociais.

Outro elemento novo do espaço geográ�co globalizado é a combinação da apli-


cação das políticas neoliberais com o crescimento do desemprego estrutural,
que contribui para a ampliação da diferença de renda interna em vários paí-
ses, inclusive nos mais ricos.

De acordo com Castells (1999, p. 105):

[...] há uma disparidade considerável na evolução da desigualdade interna de distri-


buição de renda de diversas regiões do mundo. Nas últimas duas décadas, a desi-
gualdade na distribuição de renda cresceu nos Estados Unidos, Reino Unido, Brasil,
Argentina, Venezuela, Bolívia, Peru, Tailândia e Rússia, e, nos anos 80, no Japão,
Canadá, Suécia, Austrália, Alemanha e Japão.

Dessa forma, a desigualdade social e o desemprego rompem as barreiras dos


países de economia dependente e se instalam em espaços privilegiados da
economia capitalista.

Desigualdades quanto aos níveis de desenvolvimento tec-


nológico
É irônico o fato de a mesma tecnologia uni�car o mundo e segregar as pesso-
as.

Como vimos anteriormente, a Tecnologia da Informação uni�cou o mercado


mundial. Portanto, elementos como a internet indicam a inserção de um país
no contexto econômico mundial. Porém, esse elemento que caracteriza o de-
senvolvimento não é distribuído igualmente entre os países do mundo, como
você pode ver no mapa da Figura 3. Ele demonstra que há, no mundo, inúme-
ros países à mercê do desenvolvimento técnico e cientí�co.

A falta de acesso a essas e outras tecnologias con�gura-se um novo fator de


exclusão e denuncia níveis baixos de desenvolvimento tecnológico.
Nesse sentido, é importante destacar o caso da China. Apesar de ter um gran-
de desenvolvimento tecnológico e um mercado em franca expansão, observa-
se a intervenção política no acesso à internet. Não que o Estado Chinês impe-
ça a população de acessá-la. Mas há, na verdade, um �ltro no conteúdo dispo-
nibilizado.

Pesquisa feita pela OpenNet Initiative (ONI) em 2004/2005 constatou que o go-
verno chinês �ltra severamente os sites cujos tópicos são considerados "peri-
gosos" para seu poder. Segundo a instituição, os assuntos �ltrados e frequente-
mente bloqueados incluem pornogra�a, independência de Taiwan e do Tibet,
Falun Gong, Dalai Lama, incidente da Praça Tiananmen, partidos políticos de
oposição e movimentos anticomunistas.

Figura 3 Internautas (1991-2006). 

O mapa da Figura 3 demonstra que o menor número de internautas está loca-


lizado na África, Ásia e América Latina. Entre os países que apresentam o me-
nor número de internautas, estão o Tadjiquistão, Afeganistão e Iraque, no con-
tinente asiático, e Etiópia, Níger e Serra Leoa, na África. Em contraposição, os
países com o maior número de internautas estão na Europa, América do
Norte, além de Japão, Austrália e em outras áreas de grande concentração in-
dustrial.

Assim, os dados expostos exempli�cam como a implantação de um meio


técnico-cientí�co-informacional rea�rma as diferenças entre os países.

Desigualdades quanto aos níveis de desenvolvimento edu-


cacional
Os investimentos em ciência e tecnologia e a quali�cação da força de trabalho
são fundamentais para que um país se destaque atualmente. Para tanto, a ga-
rantia de acesso à educação con�gura-se como ponto de partida.

Como pode um país almejar desenvolvimento no mundo globalizado se um


grande percentual da população não tem nem acesso à alfabetização?

Não existe quali�cação da mão de obra onde há altos níveis de analfabetismo.


Esses países estão à mercê dos benefícios da globalização.

Entretanto, vale ressaltar que os altos níveis de alfabetização não garantem a


quali�cação da mão de obra e tampouco o desenvolvimento cientí�co, mas
são pré-requisitos para tanto.

O mapa da Figura 4 apresenta os dados de taxa de analfabetismo para a popu-


lação de 15 anos ou mais entre os países do mundo, considerando o cenário de
2009.
Figura 4 Analfabetismo, 2009.

Observe, na Figura 4, que os países com as maiores taxas de analfabetismo es-


tão na África, sendo Mali o país com a maior taxa de analfabetismo (73,8%).

Já as menores taxas de analfabetismo estão nos países do Norte, incluindo


países Europeus, da América do Norte, Japão e Austrália. Como explica o ma-
pa (Figura 4), nesses países o Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD) atribui uma taxa de 1% ao calcular o IDH. Os países
da América do Sul não apresentam índices extremamente altos, com destaque
para a Argentina, Chile e Uruguai, que possuem as menores taxas de analfabe-
tismo.

3. Possibilidades de Regionalização
O espaço geográ�co, no dizer de Santos (1978), é um acúmulo de tempos desi-
guais, e, assim, a organização mundial continua a preservar velhas estruturas
do passado, mas também assume novas formas e manifestações com a emer-
gência da globalização.

Como vimos, a regionalização é uma das formas de explicitar essas diferenças


e desigualdades espaciais, por isso, deve estar atenta aos novos cenários sem,
contudo, perder os referenciais históricos da constituição do espaço.

A Figura 5 exempli�ca uma das possibilidades de regionalização do mundo


atual, mas que preserva elementos históricos, como a linha que divide o Norte,
desenvolvido, do Sul, subdesenvolvido. Observe-a atentamente.
Figura 5 Regionalização contemporânea.

Os países nessa classi�cação são divididos pelo critério de participação nas


relações econômicas globalizadas, ou seja, a inserção na economia de merca-
do; contudo, antigas desigualdades não foram superadas, e sim superpostas
por uma nova dinâmica espacial.

Nesse momento de reordenamento da economia mundial, é fundamental des-


tacar a presença cada vez mais signi�cativa dos países considerados de inte-
gração autônoma, como é o caso do Brasil, China, Índia, Rússia e África do Sul,
na cena política e econômica mundial.

Apresentando um crescimento econômico por muitos anos superior ao dos


países centrais do capitalismo, os países considerados "emergentes" alcança-
ram a condição de importantes lideranças regionais e ampliam, continua-
mente, sua participação no mercado mundial.

Além disso, essa condição favorece a participação desses países no debate po-
lítico internacional. A ascensão do G20 – grupo que reúne as economias mais
avançadas e os países emergentes, formado no �nal da década de 1990 –, co-
mo principal fórum de discussão da agenda econômica e �nanceira internaci-
onal, re�ete a importância política dos países emergentes diante das sucessi-
vas crises econômicas que afetam o mundo no início do século 21.

O G20 é formado por 19 países e pela União Europeia, e conjuntamente repre-


sentam cerca de 90% do PIB mundial e 80% do comércio global.
A Figura 6 exibe os países que compõem o G8 – composto pelas sete economi-
as mais avançadas do mundo e pela Federação Russa – e os países emergen-
tes que, somados a estes, formam o G20.

Figura 6 G8 e G20.

Os principais países emergentes que formam o G20 são: Argentina, Brasil e


México, na América Latina; África do Sul, na África, e Arábia Saudita, China,
Coréia do Sul, Índia, Indonésia e Turquia, na Ásia. Em geral, esses países tive-
ram em comum o fato de apresentaram um passado de dependência colonial
ou imperialista, bem como estarem entre o grupo dos países subdesenvolvi-
dos.

No Pós Segunda Guerra Mundial, em contrapartida, o intenso processo de in-


dustrialização a que esses países foram submetidos, impulsionadas pelo in-
gresso de empresas multinacionais, garantiram-lhes um elevado nível de pro-
dução econômica que os diferencia dos demais países subdesenvolvidos, ape-
sar de não terem superado diversos problemas sociais.
Os BRICS
Entre os países emergentes elencados anteriormente, destacam-se, no cenário
internacional, o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul,
que, juntos, formam o acrônimo BRICS.

A sigla criada em 2001, pelo economista-chefe do Goldman Sachs, Jim O'Neill,


inicialmente como conceito analítico da economia e das �nanças mundiais,
popularizou-se rapidamente nos meios jornalísticos.

Apenas em 2006 esse conceito se transformou em um grupo político diplomá-


tico, reunindo Brasil, Rússia, China e Índia. Em 2011, a África do Sul também
passou a fazer parte do agrupamento, de�nindo a sigla BRICS.

Os BRICS representam uma nova força econômica e política no contexto da


globalização, dispondo de extensa superfície terrestre, quase metade da popu-
lação mundial, recursos naturais abundantes, mão de obra barata, mercado
consumidor em expansão e economias diversi�cadas com elevado ritmo de
crescimento. Esse grupo de países já representa parcela expressiva do PIB
mundial.

De acordo com dados do Ministério das Relações Exteriores do Brasil (2012):

Entre 2003 e 2007, o crescimento dos quatro países (Brasil, Rússia, Índia e China)
representou 65% da expansão do PIB mundial. Em paridade de poder de compra, o
PIB dos Brics já supera hoje o dos Estados Unidos ou o da União Europeia. Para dar
uma ideia do ritmo de crescimento desses países, em 2003 os BRICs respondiam
por 9% do PIB mundial, e, em 2009, esse valor aumentou para 14%. Em 2010, o PIB
conjunto dos cinco países (incluindo a África do Sul), totalizou US$11trilhões, ou
18% da economia mundial.

Dados do Fundo Monetário Internacional para 2011 apontam, também, que, in-
dividualmente, esses países �guram no topo da lista dos maiores PIB mundi-
ais: China (2º lugar), Brasil (6º lugar), Rússia (9º lugar), Índia (10º lugar) e
África do Sul (29º lugar).
Não há dúvidas de que o crescimento econômico desses países tem provocado
um reordenamento na geogra�a mundial, ampliando a importância dos paí-
ses emergentes nas decisões políticas internacionais.

As avaliações dessas mudanças ainda não são conclusivas, e os rumos das


transformações ainda são incertos, dadas as questões particulares de cada
país, combinadas com a instabilidade da economia mundial. Dessa forma, é
fundamental mantermo-nos atualizados se de fato quisermos compreender o
mundo no século 21.

A seguir, analisaremos dois indicadores de classi�cação das condições sociais


dos países: o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o Índice de Gini, co-
mo forma de entendermos a desigualdade social e econômica que caracteriza
o mundo contemporâneo.

Acompanhe.

4. A Quanti�cação do Desenvolvimento
As condições de vida da população de um país também podem ser dimensio-
nadas a partir dos elementos quantitativos. As diferentes interpretações teóri-
cas que analisaram a questão do subdesenvolvimento, ou da desigualdade en-
tre os países, procuraram fundamentar-se em dados econômicos e sociais pa-
ra proceder à classi�cação dos países.

Como vimos anteriormente, entre os indicadores mais utilizados nos estudos


econômicos e geográ�cos, está o PIB – Produto Interno Bruto per capita. No
entanto, atualmente, esse indicador é muito criticado na quanti�cação da ri-
queza e da pobreza de um determinado país, por ser considerado insu�ciente
para representar a distribuição real da riqueza, pois a média oculta as desi-
gualdades sociais internas.

Além disso, outros problemas estão relacionados à utilização do PIB per capita
como indicador de desenvolvimento; dentre eles, destacamos: a não mensura-
ção da economia informal, a desconsideração do poder real de compra da mo-
eda, a falta de um critério internacional de medição do PIB, o que di�culta a
comparação entre os países e, especialmente, o fato de considerar apenas uma
dimensão do desenvolvimento – a econômica.

Outros indicadores foram formulados para aprofundar o entendimento sobre


as condições de vida em um país, integrando aspectos sociais como: índice de
mortalidade infantil, índice de natalidade, acesso à educação e à saúde, entre
outros.

Um indicador que procura combinar esses diversos aspectos é o Índice de


Desenvolvimento Humano (IDH). O IDH foi formulado em 1990, pelo Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), para contrapor a ideia de
mensurar o desenvolvimento utilizando apenas o PIB per capita como parâ-
metro.

De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano (2012), o Índice de


Desenvolvimento Humano (IDH) mede o grau, em média, de três dimensões
básicas de desenvolvimento humano, nomeadamente: saúde (expectativa de
vida ao nascer); educação (média dos anos de escolaridade e anos de escolari-
dade esperados); e um nível de vida digno (rendimento nacional bruto per ca-
pita).

A Figura 7 apresenta, de forma resumida, os componentes do IDH.

Fonte: PNUD (2010, p. 13).

Figura 7 Componentes do IDH.


De acordo com as condições mensuradas, o IDH dos países podem ser classi�-
cados como baixo, médio, elevado e muito elevado. A metodologia de classi�-
cação do IDH pode sofrer alterações anualmente, incorporando novos indica-
dores ou rede�nido os valores das notas para um país alcançar determinada
condição de desenvolvimento.

De qualquer forma, em 2010, ao completar 20 anos de elaboração de relatórios


anuais, é possível comparar a condição dos países, bem como os progressos e
retrocessos em suas condições sociais.

O Relatório de Desenvolvimento Humano de 2010 a�rma, por exemplo, que:

Em alguns aspectos básicos, o mundo é um lugar muito melhor hoje do que era em
1990 – ou em 1970. Ao longo dos últimos 20 anos, muitas pessoas de todo o mundo
alcançaram melhoramentos profundos em aspectos fundamentais das suas vidas.
Em geral, são mais saudáveis, possuem mais instrução, têm maior riqueza e têm
maior poder para eleger e responsabilizar os seus líderes do que nunca (PNUD,
2010, p. 3).

Entretanto, o mesmo relatório indica uma acentuação das desigualdades no


interior dos países, sobretudo nos que pertenciam à antiga União Soviética e
nos países da Ásia Oriental e do Pací�co.

Apesar do IDH ser um índice amplamente utilizado em análises relacionadas


ao grau de desenvolvimento de diferentes países, sua utilização recebe muitas
críticas, especialmente por "concentrar-se numa média aritmética dos desem-
penhos da renda per capita, da saúde e da educação [...] como se participassem
de torneios mundiais de desenvolvimentismo" (VEIGA, 2006, p. 27).

Índice de GINI
Outro indicador muito utilizado para quanti�car as condições sociais de um
país é o Índice de Gini. Criado pelo estatístico italiano Corrado Gini, esse indi-
cador é uma medida da concentração ou da desigualdade, comumente utiliza-
da na análise da distribuição de renda.
Além da desigualdade social, o indicador pode ser aplicado para medir o grau
de concentração de qualquer distribuição estatística, tais como concentração
de terra, urbana, industrial, entre outras. Na prática, o índice varia de 0 a 1, em
que o valor 0 representa a completa igualdade de renda, e o valor 1 indica a
completa desigualdade.

Essa é uma das dimensões importantes para analisarmos o subdesenvolvi-


mento, pois a desigualdade social é um dos seus aspectos marcantes. Ribeiro
(2006) argumenta que a desigualdade aumenta a pobreza, di�culta o cresci-
mento econômico e aumenta os con�itos sociais.

A Tabela 2 apresenta os valores medianos do Índice de Gini por região, entre


os anos de 1960 e 1990. Acompanhe.

Tabela 2 Coe�ciente de Gini e Medianos de Gini por região e decênios.

Os dados da Tabela 2 demonstram como o nível de desigualdade é maior na


América Latina e na África Subsaariana.

Essa situação mostra o grave problema social que essas regiões sofrem. Ainda
que a produção de mercadorias cresça com o incipiente processo de industria-
lização, a concentração de renda impede uma melhor qualidade de vida para a
maioria da população.

O Relatório de Desenvolvimento Humano de 2010 comprova, também, que:


No interior dos países, a regra é o crescimento da desigualdade de rendimentos:
mais países têm agora um coe�ciente de Gini superior ao que tinham nos anos 80.
Por cada país onde a desigualdade melhorou nos últimos 20-30 anos, piorou em
mais de dois (PNUD, 2010, p. 77-78).

A análise dos Índices de Gini, combinada com outros indicadores econômicos,


aponta, portanto, para uma assincronia entre o crescimento econômico e a
melhoria das condições de vida da população, reforçando a tese de que mais
do que crescimento econômico, é fundamental a distribuição social da rique-
za.

5. Europa, América Anglo-Saxônica e Oceania


no contexto do "norte rico"
O vídeo a seguir retomará alguns pareceres sobre a globalização e o espaço
mundial, assunto discutido no ciclo anterior. Na sequência, apresentaremos
uma discussão relativa às desigualdades de um mundo globalizado, focando
nas diversidades existentes entre os chamados "norte rico" e "sul pobre", indi-
cando as superações desse tipo de divisão, porém ressaltando as diversidades
dos espaços mundiais, sempre focando nas desigualdades socioeconômicas e
nos níveis diferentes de desenvolvimento vividos por essas regiões do globo.

Assista com atenção o vídeo e faça as suas anotações!

Como exemplo de análise e estudo regional é fundamental que você compre-


enda as diversidades e unidades territoriais da América Anglo-Saxônica no
contexto do norte rico. Isso que discutiremos no próximo tópico.
6. Estados Unidos
Antes de começarmos a falar sobre os Estados Unidos, observe nas Figuras 8 e
9, respectivamente, sua localização e seu mapa.

Figura 8 Localização dos Estados Unidos.     

Os Estados Unidos da América (EUA) localizam-se na América do Norte, na


fronteira com o Oceano Atlântico, a Leste; o Pací�co, a Oeste; o Canadá, ao
Norte, e o México, ao Sul. Ocupa uma área de 9.826.675km2 (um pouco maior
que o Brasil) e é o terceiro maior país do mundo em extensão (CIA, 2010).

O país esteve sob domínio colonial da Inglaterra até 1776, quando rompeu com
a metrópole. Já sua independência foi reconhecida em 1783, após o Tratado de
Paris, e, durante os séculos 19 e 20, 37, novos estados foram adicionados aos 13
originais (CIA, 2010).

Atualmente, o país está dividido em 50 estados e um Distrito Federal. O Alasca


é um território descontínuo, a Noroeste do continente, fazendo fronteira a
Leste com o Canadá. No Pací�co central está o estado do Havaí, um arquipéla-
go; também há vários territórios no Caribe, como podemos observar na Figura
9.
Figura 9 Mapa político dos Estados Unidos.

As experiências mais traumáticas da história do país foram a Guerra Civil


(1861-1865), na qual a União norte dos estados derrotou uma confederação se-
paratista de 11 estados escravistas do sul, e a Grande Depressão dos anos 1930,
uma recessão econômica que causou o desemprego de cerca de um quarto da
força de trabalho. Entretanto, fortalecidos pelas vitórias na Primeira e
Segunda Guerra Mundial, com o �m da Guerra Fria, em 1991, os Estados
Unidos estabeleceram-se como a nação mais poderosa do mundo. Durante
mais de cinco décadas, a economia atingiu um crescimento constante, baixas
taxas de desemprego e in�ação e rápidos avanços tecnológicos (CIA, 2010).

A relação entre o homem e o meio natural


Agora, vamos aprofundar nossos conhecimentos relacionados aos aspectos
humanos e naturais dos Estados Unidos da América e exercitar a análise inte-
grada de tais variáveis, com a �nalidade de compreender os Estados Unidos
da América sob a perspectiva da totalidade espacial. Acompanhe.

Relevo e hidrogra�a

Como sabemos, o relevo é um dos elementos físicos mais importantes de um


país ou região, pois determina seus tipos de solo e suas aptidões, além de in-
�uenciar o deslocamento de massas de ar e determinar a forma de ocupação
humana. Desse modo, para conhecermos um pouco melhor os Estados
Unidos, vamos compreender seu relevo e hidrogra�a.

A divisão dos Estados Unidos em províncias geomorfológicas, mais utilizada


atualmente, foi produzida pelo United States Geological Survey (USGS) e divi-
de o país em 25 províncias geomorfológicas. Cada província geomorfológica
tem relativa semelhança quanto à forma do relevo e à estrutura e história geo-
lógica. Porém, de maneira mais simpli�cada, podemos compreender o relevo
dos EUA a partir de seis grandes unidades de relevo. Observe a Figura 10, que
apresenta o mapa físico dos EUA.

Figura 10 Mapa físico dos Estados Unidos.

Genericamente, de acordo com Fennemam (1931), de Leste a Oeste, podemos


identi�car seis grandes unidades geomorfológicas. Embora tal compartimen-
tação seja um tanto genérica, demonstra inúmeras especi�cidades do relevo
norte-americano, tais como:
1. Planície Litoral Atlântica.
2. Montes dos Apalaches.
3. Planície Central ou do Interior.
4. Montanhas Rochosas.
5. Planaltos Intermontanos.
6. Sistema Montanhoso do Pací�co.

Da fronteira com o México até o Norte do país, está a Planície Litoral Atlântica,
abrangendo o litoral Atlântico desde o Cabo Cod, um pouco ao Sul de Boston.
Essa faixa se alarga à medida que avança para o Sul. Caracteriza-se por altitu-
des máximas de 200 metros e recebe os sedimentos provenientes dos montes
Apalaches. Em alguns setores como no litoral do Texas, Mississipi e Alabama,
o relevo apresenta formas de colinas e cristas. Na Flórida central e na maioria
dos estados do Sudeste há trechos acidentados, e pântanos e lagoas ocorrem
em pontos diversos do litoral da Virgínia, Carolina do Norte, Flórida e
Louisiana (FENNEMAM, 1931).

A cadeia de montanhas dos Apalaches estende-se por 2.500km entre a frontei-


ra do país com o Canadá e o estado do Alabama. Caracteriza-se pelo predomí-
nio de planaltos e montanhas baixas com o ponto mais alto representado pelo
Monte Mitchell, com 2.037m, na região das montanhas Azuis (Blue Ridge), a
Sudoeste, na área montanhosa central (HENRY, 2007).

As Planícies do interior são áreas planas que se situam entre as vertentes oci-
dentais dos Apalaches e as vertentes orientais das Montanhas Rochosas. A
Oeste do Mississipi-Missouri, gradualmente ganham altitude ao se aproxima-
rem do sopé das montanhas Rochosas. Podem ser subdivididas em planícies
centrais a Leste e grandes planícies a Oeste. Em sua porção norte, encontram-
se vestígios de glaciações quaternárias, como os Grandes Lagos. A costa do
golfo do México e o baixo vale do Mississipi, ao Sul, são muito planos e pouco
acima do nível do mar (HENRY, 2007).

A província denominada Montanhas Rochosas, apresenta picos que podem


chegar a quatro mil metros de altitude e ocupa uma extensão superior a dois
mil quilômetros. Estende-se da fronteira com o Canadá e cobre os estados de
Montana, Idaho, Wyoming, Colorado, Utah e o norte do Novo México.
Funciona como barreira natural entre os oceanos Pací�co e Atlântico, e as
maiores altitudes localizam-se no Sul (HENRY, 2007).

O domínio dos Planaltos intermontanos situa-se entre as montanhas rocho-


sas, a Leste, e a Serra Nevada e a cadeia das Cascatas, a Oeste. Pode ser dividi-
do em três subunidades: o Planalto de Colúmbia, que ocorre na região Leste do
estado de Washington e Oregon e a porção sul de Idaho; a Grande Bacia, que se
caracteriza como uma região desértica e plana, pontilhada por montanhas ve-
getadas e oasis, abrange a maior parte do estado de Nevada, o sul da
Califórnia, oeste de Utah e sul do Arizona, Novo México e Texas; e o Planalto
do Colorado, que ocupa as áreas central e sul de Utah, oeste de Colorado, norte
do Arizona e noroeste do Novo México. É nesta província, na região sudoeste,
que se formam profundos cânions, dentre estes o famoso Grand Canyon
(HENRY, 2007).

O Sistema montanhoso do Pací�co estende-se ao longo da costa do Oceano


Pací�co, do Canadá ao México, e inclui a Serra Nevada, a cadeia das Cascatas,
Klamath e da Costa. Na Serra Nevada, situa-se o ponto culminante dos
Estados Unidos, o monte Whitney, com 4.418m de altitude (HENRY, 2007).

O reconhecimento das unidades geomorfológicas e das principais formas de


relevo de um território é fundamental, pois ajuda-nos a compreender a rede
hidrográ�ca. Nesse contexto, no território norte-americano, podemos identi�-
car duas grandes vertentes: a atlântica e a pací�ca. Na vertente pací�ca,
destacam-se os extensos rios Colúmbia e Colorado. Ambos caracterizam-se
por cânions que cortam montanhas e planaltos. A vertente atlântica compre-
ende a maior porção do território americano (cerca de 75%). Associado aos
Montes Apalaches, os rios caracterizam-se por apresentarem pequena exten-
são e serem caudalosos. Merece destaque, como principal sistema hidrográ�-
co do país, a bacia Mississipi-Missouri, que se estende por vasta área entre os
Apalaches, a Leste, e as Rochosas, a Oeste. O rio Bravo nasce nas Montanhas
Rochosas e constitui, em parte, a fronteira natural entre o México e os Estados
Unidos, desembocando no golfo do México (USA, 2011).

Clima

A grande variação de temperatura no país deve-se à extensão norte-sul. O país


caracteriza-se pela diversidade de domínios climáticos. No norte do Alasca
predomina o clima polar, de menor representatividade espacial. O clima conti-
nental úmido aparece a Leste do Rio Mississipi e dos montes Apalaches, na
metade norte desta região e também ocorre em alguns pontos a Oeste das
Montanhas Rochosas (PACIEVITCH, 2010).

Nas latitudes médias, o clima é seco e aparece nas zonas centrais dos Estados
Unidos, a Leste do rio Mississipi e nas depressões das Montanhas Rochosas. O
clima marítimo da costa oeste limita-se a uma estreita faixa da costa do
Pací�co (desde o norte da Califórnia até a fronteira com o Canadá e na costa
do Alaska). Na costa oeste, também em faixa estreita, aparece o clima medi-
terrâneo. Em todo o Sudoeste, predomina o clima subtropical úmido. Já nas
imediações do deserto do sul e nos vales sul das montanhas rochosas aparece
o clima subtropical seco (PACIEVITCH, 2010).

Antrópico: urbanização e população


Nesse ambiente diversi�cado, de grandes rios e montanhas e com grande va-
riação climática, uma das maiores economias do mundo desenvolveu-se.
Além das características naturais, que atuaram decisivamente, os elementos
humanos também contribuíram com o crescimento do país.

Agora que conhecemos um pouco da dinâmica natural do país, vamos conhe-


cer algumas características antrópicas. Inicialmente, analisaremos a popula-
ção e sua distribuição espacial.

Observe a Figura 11. Nela está representada a densidade populacional, com


destaque para os principais centros urbanos.
Fonte: adaptado de ESRI (2010).

Figura 11 Densidade populacional dos Estados Unidos (habitantes por Km2).

Cerca de 254 milhões de habitantes (82% da população dos Estados Unidos)


concentram-se nas áreas urbanas (CIA, 2010). Destaca-se a região Nordeste
com maior densidade populacional e, na sequência, a região Sudeste e costa
oeste. A região Nordeste concentra algumas megalópoles: entre Boston e
Washington, entre Chicago e Pittsburg. O mesmo ocorre na costa oeste, no es-
tado da Califórnia, entre Los Angeles e San Francisco.

Tentemos analisar simultaneamente a distribuição espacial da população e os


atributos físicos que acabamos de conhecer.

A organização espacial é fruto de inter-relações de diversos fatores, entre eles,


os históricos. Não restrinja seu raciocínio aos fatores indicados. Recorde-se de
que o povoamento dos Estados Unidos começou na costa Leste, devido à che-
gada dos colonizadores europeus. Depois disso, diversas iniciativas de ocupa-
ção foram empreendidas pelos governantes.

Pode-se dizer que esse processo de ocupação também determinou a distribui-


ção da população pelo país. Seguindo esse raciocínio, podemos considerar que
os fatores históricos são condicionados pelo meio físico? Vejamos alguns da-
dos:

• As maiores concentrações populacionais estão no Nordeste, na região


dos Grandes Lagos, e em algumas áreas da costa Sul e Oeste. A região
Nordeste, do ponto de vista geomorfológico, compreende a Planície
Litoral Atlântica, passando pelos Montes Apalaches e chegando à
Planície Central, na região dos Grandes Lagos. As temperaturas da região
variam de 10°C a -30°C, e diminuem à medida que avançamos para o
Norte.
• No Oeste, a região que apresenta maior densidade possui clima marítimo,
com temperaturas e máximas mínimas elevadas (de 20°C a 30°C).
• O Centro-Oeste do país (a Norte de Denver) caracteriza-se por áreas desér-
ticas e semi-áridas, com baixa ocupação humana.

Ressalva-se que o Alasca, ao Norte e Leste do Canadá, apresenta baixíssima


densidade populacional que é justi�cada pela localização latitudinal (parte do
seu território está na Zona Polar) que determina um clima muito frio e certo
isolamento geográ�co.

Atualmente, os Estados Unidos têm a terceira maior população do mundo,


com 310.232.863 habitantes. Destes, 20,2% tem entre 0 e 14 anos, 67% entre 15 e
64 anos e 12,8% tem 65 anos ou mais. Essa distribuição pode ser observada na
Figura 12.

Figura 12 Estrutura etária dos Estados Unidos da América.

A pirâmide etária da Figura 13 mostra com mais detalhes a distribuição da po-


pulação por faixa etária para o ano 2000.

Figura 13 Pirâmide etária dos Estados Unidos (2000).

Observe que a base da pirâmide ainda é relativamente larga, ampliando ligei-


ramente a largura na faixa adulta e estreitando-se no topo (Figura 13). Se com-
pararmos a pirâmide dos Estados Unidos com a do Japão, notaremos que a ba-
se da primeira é mais larga, devido à maior taxa de natalidade (13,83 contra
7,41), vinculada à maior taxa de fecundidade (2,06 �lhos por mulher nos
Estados Unidos contra 1,2 no Japão).

Os fatores que condicionam essa estrutura estão apresentados na Tabela 3.

Tabela 3 Dados demográ�cos dos Estados Unidos.


 Fonte: adaptado de CIA (2010).

A estrutura etária dos Estados Unidos é também in�uenciada pela migração,


com a taxa de 4,25 migrantes/mil habitantes, a 22ª maior do mundo. Grande
parte desse percentual corresponde à população de países da América Central
e do Sul, que migram para o país em busca de oportunidades de trabalho.
Quanto à expectativa de vida, o país está em 49º lugar. Essa característica e o
elevado IDH (um dos maiores do mundo) demonstram que o país oferece óti-
mas condições de vida para a sua população.

No entanto, há desigualdade social. Em 2004, 12% da população vivia abaixo


da linha da pobreza. Cabe ressaltar que a pobreza dos Estados Unidos atinge
especialmente os negros e hispânicos.

Observe o grá�co da Figura 14, que demonstra a composição étnica do país.

Figura 14 Quanti�cação da composição étnica dos Estados Unidos em 2007.

A ausência de miscigenação entre as raças é uma característica marcante da


população, e a diferenciação entre etnias tem um forte viés socioeconômico.

Um fato a ser mencionado é que os Estados Unidos recebem inúmeros imi-


grantes de origem hispânica. São consideradas hispânicas pessoas de origem
dos países com língua espanhola da América Latina (incluindo de origem do
México, Cuba, Porto Rico e República Dominicana). Essa população não está
representada no grá�co, pois pode enquadrar-se em qualquer grupo étnico
(CIA, 2010).

Economia
Atualmente, os Estados Unidos têm a maior e, tecnologicamente, mais podero-
sa economia do mundo, com um PIB per capita de 46 mil dólares. As empre-
sas particulares tomam a maioria das decisões, e até os governos federal e es-
tadual compram bens e serviços do mercado privado.

Tais empresas têm mais �exibilidade do que as instaladas na Europa


Ocidental e no Japão em inúmeras decisões, como expansão de capital, de-
missão coletiva e desenvolvimento de novos produtos. As indústrias norte-
americanas estão na vanguarda dos avanços tecnológicos, especialmente em
computação e na indústria aeroespacial, médica e militar (CIA, 2010).

No entanto, a liberdade das empresas no cenário norte-americano tem dimi-


nuído diante da crise econômica iniciada em 2008. O país enfrenta problemas
estruturais, como investimento insu�ciente em infraestrutura econômica; rá-
pido aumento dos custos médicos e de pensão, devido ao dé�cit comercial de
envelhecimento da população; e estagnação da renda familiar dos grupos
econômicos mais baixos. O dé�cit da balança comercial atingiu um recorde de
840 bilhões de dólares em 2008, antes de recuar para 450 bilhões em 2009
(CIA, 2010).

A crise econômica atingiu escalas globais: houve a crise das hipotecas, falhas
de bancos de investimentos, os preços dos imóveis caíram e o crédito apertado
colocou os Estados Unidos em uma recessão em meados de 2008 (CIA, 2010).

O PIB contraiu-se até o terceiro trimestre de 2009, caracterizando essa como a


maior recessão desde a Grande Depressão (CIA, 2010). Dessa forma, foi inevitá-
vel a intervenção do Congresso norte-americano, por meio da criação de al-
guns fundos em outubro de 2008 para ajudar a estabilizar os mercados �nan-
ceiros. O governo usou alguns desses fundos para comprar participações em
bancos dos Estados Unidos e de outras corporações industriais.

Em janeiro de 2009, o Congresso aprovou uma lei que estimulou a criação de


empregos para ajudar a recuperar a economia. Em julho de 2010, o presidente
estabeleceu metas para promover a estabilidade �nanceira e proteger os con-
sumidores contra abusos. Destinou o apoio monetário a empresas �nanceiras
e a grandes bancos em crise para otimizar a responsabilidade e a transparên-
cia no sistema �nanceiro, impondo mecanismos favoráveis à regulamentação
e supervisão do governo (CIA, 2010).

Devemos destacar que essa crise econômica levou inúmeros estudiosos a de-
fenderem a interferência do Estado na economia capitalista.

Setores da economia

No setor primário, destaca-se a produção de trigo, milho, frutas, hortaliças, al-


godão, carne bovina, suína, aves, produtos lácteos, produtos �orestais, peixes e
extração de petróleo (3º maior produtor, 1º consumidor e 13º maior exportador
do mundo). O cartograma da Figura 15 apresenta a organização em cinturões
das principais atividades desse setor no país (CIA, 2010).

Figura 15 Atividades agropecuárias dos Estados Unidos.

Retome, mais uma vez, o mapa de densidade populacional (Figura 11) e tente
estabelecer relações com o mapa de atividades agropecuárias (Figura 15).
Observe que:

• O cinturão de laticínios está próximo aos setores de maior densidade po-


pulacional – a região Nordeste. Ou seja, está próximo ao mercado consu-
midor.
• O setor de criação extensiva de gado localiza-se nas áreas de menor den-
sidade populacional. No entanto, os centros abatedores se aproximam dos
grandes centros urbanos.

No setor secundário, destacam-se indústrias relacionadas ao petróleo e à mi-


neração, além de siderurgia, veículos automotores, aeroespacial, telecomuni-
cações, química, eletrônica, processamento de alimentos, bens de consumo,
madeira e minérios. Com um parque industrial altamente diversi�cado e tec-
nologicamente avançado, o país é considerado uma potência industrial.

É o setor terciário o mais importante para a economia do país, com maior per-
centual de empregos e com maior participação no PIB do país. Cabe destacar
que a rede comercial norte-americana se estende pelo mundo e coloca o país
como um dos mais poderosos atualmente (MAGNOLI, 2005).

Os grá�cos das Figuras 16 e 17 demonstram a importância de cada setor da


economia na composição do PIB e na geração de empregos (PEA).

Figura 16 Quanti�cação dos setores da economia segundo o PIB.


Figura 17 Quanti�cação do setor da economia segundo a PEA.

7. Canadá
Observe a Figura 18 e veja que o Canadá se localiza na América do Norte,
limitando-se ao Sul com os Estados Unidos, a Leste com o Oceano Atlântico, a
Oeste com o Oceano Pací�co e ao Norte com o Oceano Ártico. Ocupa uma área
de 9.984.670km², o que lhe confere a segunda colocação em extensão do mun-
do. Sua capital é Otawa e está na região Sudeste, próxima à fronteira com os
Estados Unidos.

Figura 18 Localização do Canadá.

O país caracteriza-se pela vasta extensão e riqueza em recursos naturais e


desenvolveu-se economicamente e tecnologicamente em paralelo com os
Estados Unidos, seu vizinho ao Sul. Atualmente, o Canadá enfrenta o desa�o
de atender às demandas públicas para melhorar a qualidade nos serviços de
saúde e educação, bem como responder às preocupações especí�cas da popu-
lação francófona (descendente de franceses) de Quebec (CIA, 2010).

O Canadá divide-se em dez províncias e três territórios, como você pode obser-
var no mapa da Figura 19.

Figura 19 Divisão política do Canadá.

A relação entre o homem e o meio natural


A exemplo dos países estudados anteriormente, buscaremos, na sequência,
aprofundar nosso conhecimento com relação às características humanas e
naturais, bem como iniciar uma avaliação das suas inter-relações para com-
preendermos o espaço total do Canadá.

Relevo

O relevo do Canadá é muito diversi�cado, composto de várias regiões �siográ-


�cas, ou seja, regiões que relacionam diretamente as características de uma
paisagem. Cada unidade �siográ�ca tem sua própria topogra�a e geologia.
Observe a Figura 20, nela estão identi�cadas as principais regiões �siográ�-
cas.

Figura 20 Regiões �siográ�cas do Canadá.           

Observe (Figura 20) que o Canadá pode ser divido em duas grandes regiões �-
siográ�cas: The Shield (o escudo) e The Borderlans (bordas ou regiões frontei-
riças). A região denominada The Shield é geologicamente caracterizada por
rochas cristalinas que datam do Pré-Cambriano, enquanto a região The
Borderlans é formada por rochas mais jovens que cercam o escudo. Nos terri-
tórios mais próximos ao escudo, o relevo caracteriza-se por planícies e planal-
tos de baixas altitudes, geralmente formados por rochas sedimentares.
Afastando-se do escudo, a formação do relevo é de áreas descontínuas de
montanhas e planaltos. Cada uma dessas grandes regiões é subdivida em re-
giões com características peculiares de topogra�a e geologia (CANADÁ, 2011a).

Retorne ao mapa das unidades administrativas (Figura 19, divisão política) e


tente estabelecer a relação entre a área ocupada pelas unidades administrati-
vas e a província �siográ�ca predominante. Esse exercício é muito importante
para compreender a relação entre a organização espacial e as feições naturais
do Canadá.

Vamos agora nos atentar às características peculiares de cada região:

• The Shield: por ser mais antigo, apresenta uma paisagem caracterizada
pelo nivelamento do relevo. Por milhares de anos, a paisagem sofreu
ações erosivas que propiciaram um horizonte plano, interrompida por cu-
mes arredondados ou achatados no topo e serras isoladas. A superfície da
shield é essencialmente resultado de glaciação, e grande parte é coberta
de lagos, lagoas e pântanos. A característica mais marcante do escudo é a
homogeneidade do terreno em regiões como Labrador, norte de Quebec e
Ontário, nos territórios do Noroeste.
• The Borderlans: divide-se em:

a. Planície Costeira do Ártico (Acrtic Coastal Plain): inclui o terreno cos-


teiro ao longo das margens do Oceano Ártico a partir da Ilha de Meighen
até o Alaska. É dividido em três sub-regiões, cada uma com característi-
cas �siográ�cas distintas: a Ilha Costeira, que apresenta setores planos e
uniformes alternando-se com setores montanhosos que são cobertos por
gelo; o Delta do Mackenzie, que inclui outros inúmeros deltas e se carac-
teriza pela deposição de sedimentos provenientes do rio e do mar; e a
Planície Costeira Yukon, uma superfície de erosão, que �ca a uma altitude
mais elevada que o Delta do Mackenzie.
b. Planícies do Ártico (Arctic Lownsland): incluem o Planalto Lancaster,
as planícies Foxe e Boothia, a Planície Victoria e as Montanhas Shaler. A
superfície do Planalto Lancaster segue suavemente para o sul, começan-
do com cerca de 770 metros, no sul da ilha de Ellesmere, Devon, e atingin-
do uma altitude média de 300 a 600 metros, em Somerset Island, e o
Noroeste da Península Brodeur Baf�n Island. A paisagem é uniforme.
Mais ao Sul, as altitudes diminuem ainda mais formando uma planície
denominada Boothia.

c. Região Innuitian: caracterizada por duas zonas de montanhas separa-


das por terrenos extensos e descontínuos de topogra�a mais suave for-
mados por chapadas, planaltos e planícies. As cordilheiras incluem a
Grantland, o Axel Heiberg e as montanhas de Victoria e Albert. Entre es-
sas duas grandes zonas montanhosas está o Planalto Eureka. Ao Sul es-
tão o Planalto Perry e as planícies Sverdrup, uma região de baixo relevo e
de planície escarpada.

d. Região da Cordilheira (Cordileran Region): dividida em três grandes zo-


nas de lineares chamadas de Sistema de Leste, Sistema do Interior e
Sistema Ocidental. Cada sistema é dividido em áreas e subdividido con-
forme características geológicas e �siográ�cas. Destacam-se no setor
Oeste formas de relevo produzidas por vulcanismo.

e. Planícies interiores (Interior Plain): região de baixas altitudes que ocu-


pa a região entre o escudo, a Leste, e as montanhas da região da cordilhei-
ra, a Oeste. A parte sul é caracterizada pela pradaria do semiárido, a parte
central apresenta cobertura arbórea e, ao Norte, a superfície está coberta
pela tundra.

f. Região dos Apalaches: estende-se do Sul do Quebec e Gaspésie e abran-


ge New Brunswick, Nova Scotia, Prince Edward Island e Ilha
Newfoundland.

g. Lawrence Lowlands: localiza-se a Sudeste do escudo. São áreas planas


que foram afetadas pela glaciação (CANADÁ, 2011a).
Clima e vegetação
Clima, relevo e vegetação são variáveis da paisagem que estão diretamente
inter-relacionados. As formas do relevo são resultado do trabalho dos agentes
do intemperismo ao longo dos anos e variam de acordo com o tipo climático
da região. Também associada a esta variabilidade climática está a vegetação,
é o que denominamos domínio climatobotânico.

No Canadá, a variedade de paisagens geomorfológicas e de vegetação denun-


cia a diversidade de tipos climáticos. No Norte, a baixa precipitação e as frias
temperaturas favorecem o permafrost, que di�culta o crescimento de vegeta-
ção. O resultado é uma região em que predomina a vegetação de tundra sem
árvores.

A Sul da tundra, na região do Escudo Canadense, os verões são curtos e quen-


tes, e os invernos, longos e frios. A precipitação anual é abundante, permitindo
o crescimento das �orestas de coníferas. Na costa do Pací�co, a combinação
de chuvas fortes e temperaturas amenas durante o ano todo faz com que as
�orestas temperadas se desenvolvam.

Nas pradarias, há grande quantidade de dias de sol, o que pode afetar o desen-
volvimento agrícola. No litoral, a proximidade com o Oceano Atlântico ameni-
za o clima, favorecendo invernos longos e suaves, e os verões são curtos e
frescos. Essas condições são favoráveis para o desenvolvimento das �orestas.

Finalmente, em torno dos Grandes Lagos e ao longo do rio St. Lawrence, tanto
a jusante como a cidade de Quebec, o clima é caracterizado por verões relati-
vamente quentes e invernos frios. Essas condições são adequadas para o de-
senvolvimento de vegetação de porte arbóreo com folhas largas (CANADÁ,
2011b).

Para avançarmos na análise do clima do Canadá, vamos observar nas Figuras


21 e 22 os mapas de temperatura. Cabe lembrar que a temperatura é apenas
uma das variáveis para de�nir tipos climáticos de uma região.
Figura 21 Variação das temperaturas mínimas para o mês de janeiro.                                                                 Figura 22

Variação das temperaturas mínimas para o mês de julho.

Como podemos observar nos mapas (Figuras 21 e 22), janeiro marca o auge do
inverno no Canadá e, com exceção das regiões costeiras do sul da Ilha de
Vancouver, as temperaturas mínimas abaixo de zero são normais. A baixa in-
cidência de sol faz que, na maior parte do país, as temperaturas �quem abaixo
de -15°C. A fraca luminosidade, ou mesmo a ausência de luz do sol, não possi-
bilita variação de temperatura durante o dia. O extremo norte permanece co-
berto de gelo com temperaturas máximas em torno de -30°C. A temperatura
máxima aproxima-se do ponto de fusão em Ontário e em partes das provínci-
as do Atlântico. As temperaturas máximas, acima de zero, ocorrem apenas no
litoral da Colúmbia Britânica e no extremo sul da Nova Escócia (CANADÁ,
2011c).

Em julho, as temperaturas mínimas abaixo de zero ocorrem apenas em altitu-


des mais elevadas e no extremo norte do Canadá. Em grande parte do sul do
país predominam temperaturas mínimas superiores a 10°C. Ao longo da costa
norte, do Lago Erie e Lago Ontário, e ao longo do vale do rio St. Lawrence, tanto
a Leste como em Montreal, as temperaturas mínimas ultrapassam os 15°C. As
temperaturas máximas em julho �cam acima de zero em todo o Canadá, com
exceção das grandes altitudes na ilha de Ellesmere (CANADÁ, 2011c).

As temperaturas máximas superam os 25°C nos vales do sul da Colúmbia


Britânica, nas pradarias do Sul, no sul de Ontário e ao longo do vale do rio St.
Lawrence, e prolongam-se até perto de Quebec e em partes da região central
de Nova Brunswick.
Para uma visualização melhor dessa distribuição espacial da temperatura, ob-
serve os mapas de temperaturas em janeiro (Figura 21) e julho (Figura 22) jun-
tamente com o mapa de divisão política do Canadá (Figura 19) (CANADÁ,
2011c).

Outro fenômeno importante para a compreensão do clima é a precipitação.


Observe o mapa de precipitação na Figura 23. Ele mostra a precipitação anual
do Canadá.

Figura 23 Média anual de precipitação em mm no Canadá.

Observe na Figura 23 que o volume de precipitação diminui à medida que


avançamos para o Norte. Isso se deve em parte à baixa temperatura do ar, que
restringe a formação de vapor de água e, portanto, a produção de precipitação
(CANADÁ, 2011d).

Na maior parte do território continental do Canadá, a precipitação atinge seu


máximo anual nos meses de verão. Outubro marca a transição do período de
chuvas para o período de neve, principalmente na região Norte (CANADÁ,
2011d).

Em janeiro, a precipitação em todo o país caracteriza-se especialmente pela


neve. A costa oeste recebe fortes precipitações na forma de chuva nas altitu-
des baixas e na forma de neve nas altitudes mais elevadas. Na costa leste, on-
de massas de ar frio continental se chocam com massas de ar quente do
Atlântico, há uma mistura de chuva e neve, com prevalência de chuva perto
do Atlântico e de neve na região de Quebec Sul e Labrador (CANADÁ, 2011d).

Abril é um mês de transição no sul do Canadá, quando a neve ainda ocorre,


mas chuvas começam com muito mais frequência (CANADÁ, 2011d).

Agora que você já conhece um pouco das características físicas do Canadá,


vamos pensar na seguinte situação: Imagine que você vive no Canadá, na ci-
dade de Yelowkinfe. Localize-a no mapa de divisões políticas (Figura 19).
Como seria viver nessa cidade? Observe o mapa de precipitação (Figura 23) e
os de temperatura (Figuras 21 e 22). Analisando-os, você pode constatar que,
nos meses de janeiro, você sentiria um frio de cerca de -30°C, e em julho, você
se sentiria bem menos desconfortável numa temperatura de cerca de 10°C. A
precipitação seria predominantemente em forma de neve. Volte no mapa de
regiões �siográ�cas (Figura 20) e imagine como seria a paisagem desse lugar.
A que domínio �siográ�co a cidade pertence?

Para conseguir imaginar como seria a vida nessa cidade, você precisa saber
um pouco mais. Em que você trabalharia? Para responder à pergunta é preciso
conhecer a economia da região.

Para avançar em nossa re�exão, precisamos compreender um pouco mais os


aspectos humanos e econômicos do Canadá. Vejamos.

Antrópico: urbanização e população


Iniciaremos nossa análise pela compreensão da população e sua distribuição
espacial. Para tanto, observe o mapa da Figura 24. Nele, está representada a
densidade populacional do Canadá no ano de 2001.

Figura 24 Densidade populacional do Canadá.

Atualmente, o Canadá possui cerca de 33.759.742 habitantes, dos quais 80% es-
tão em área urbana. O setor mais populoso do país é o Sul, paralelamente à
fronteira com os Estados Unidos e a região Sudeste, destacando as cidades de
Toronto, Otawa e Montreal. Essa ocupação se justi�ca pelas amenidades cli-
máticas, uma vez que o inverno é muito rigoroso. Compare a Figura 24 com os
mapas de temperatura (Figuras 21 e 22). Veja que os setores com maior densi-
dade populacional coincidem com as temperaturas mais elevadas.

Observe agora a Tabela 4, com as características populacionais do Canadá, e o


grá�co da estrutura etária da Figura 25.

Tabela 4 Dados demográ�cos do Canadá.


Fonte: adaptado de CIA (2010).

Figura 25 Estrutura etária do Canadá.

Constata-se que, quanto à estrutura etária populacional, destaca-se a faixa


etária entre 15 e 64 anos. A taxa de natalidade do país é de 10,28 nascimen-
tos/mil habitantes, e a de mortalidade é de 7,87. O nível de vida do canadense
mostra-se elevado, com taxas de analfabetismo de apenas 1%. Ao mesmo tem-
po, a maioria da população (76%) vive nas cidades, o que contribui na qualida-
de de vida (em função da infraestrutura que as áreas urbanas oferecem). O
crescimento da população, assim, apresenta-se como na maioria dos países
desenvolvidos, muito baixo, com dados indicando que pouco menos de 30% da
população têm menos de 19 anos e 15% tem mais de 60, o que denota seu enve-
lhecimento acentuado (CIA, 2010).

Outro fator que interfere na estrutura etária canadense é a elevada taxa de mi-
gração (5,64 migrantes/mil habitantes) caracterizando-o como o 15° maior
país do mundo em �uxo migratório. A população de imigrantes é geralmente
adulta, contribuindo no aumento da população entre 15 e 64 anos (CIA, 2010).

Quanto à expectativa de vida, o país possui a décima melhor do mundo, indi-


cativo de ótima qualidade de vida da população, junto com um dos maiores
IDHs do mundo. No entanto, assim como no caso dos Estados Unidos, o país
convive com a desigualdade socioeconômica.

Economia
Agora vamos compreender um pouco melhor a estrutura econômica do
Canadá. Com uma sociedade industrial de alta tecnologia, o país assemelha-
se aos Estados Unidos em seu sistema econômico de mercado, padrão de pro-
dução e padrões de vida, e que atualmente tem o nono maior PIB do mundo e
um PIB per capita de 38.100 dólares.

Desde a Segunda Guerra Mundial, o crescimento impressionante da indústria,


mineração e setor de serviços transformou uma economia basicamente rural
em uma economia industrial e urbana. Em 1989, Estados Unidos e Canadá �r-
maram um acordo de livre comércio que, e em 1994, se transformou no
NAFTA (North American Free Trade Agreement) depois da inclusão do
México. Tal acordo gerou um aumento signi�cativo no comércio e na integra-
ção econômica com os Estados Unidos, seu principal parceiro comercial. O
Canadá tem um grande excedente comercial, e os Estados Unidos absorvem
quase 80% das exportações canadenses a cada ano (CIA, 2010).

O Canadá está entre os maiores produtores mundiais de energia e fornece a


maior parte da energia importada pelos EUA. Quase todas as exportações ca-
nadenses de energia são para os EUA e inclui óleo, gás natural, carvão e eletri-
cidade (BRASIL, 2011b).

A estreita relação econômica com os Estados Unidos fez com que o país tam-
bém fosse afetado pela crise imobiliária americana em 2007 (que teve como
algumas das causas a desvalorização do dólar e a quebra de bancos america-
nos em 2008).
Vale destacar que o Canadá foi o último dos países do Grupo G-8 a entrar em
recessão e o que experimentou o melhor desempenho entre as economias in-
dustrializadas (BRASIL, 2011b).

Setores da economia

Observe os grá�cos das Figuras 26 e 27.

Figura 26 Composição do PIB por setor da economia.

Figura 27 Quanti�cação do setor da economia segundo a PEA.

Por meio das informações, podemos constatar que a PEA do Canadá


concentra-se no setor terciário, e é esse setor o responsável pelos maiores per-
centuais do PIB do país. O grande desenvolvimento desse setor caracteriza a
sociedade canadense como uma sociedade de consumo e altamente inserida
no mercado internacional.

No setor primário, os principais produtos do Canadá são: trigo, cevada, semen-


tes oleaginosas, tabaco, frutas, legumes, peixes, produtos lácteos, produtos �o-
restais, petróleo e gás natural.
No setor secundário, destacam-se equipamentos de transporte, produtos quí-
micos, minerais, processados, produtos alimentícios, produtos de madeira e
papel e produtos da pesca.

Observe no mapa da Figura 28 a distribuição das atividades econômicas no


território canadense.

Fonte: adaptado de Charlier (2002).

Figura 28 Mapa de uso da terra.

Observe que as baixas latitudes limitam, além da ocupação humana, o uso do


solo, devido à cobertura de gelo sobre ele (Figura 28).

Agora que você já conhece um pouco mais das características humanas,


econômicas e populacionais do Canadá, volte a re�etir sobre o modo de vida
na cidade de Yelowknife.

Podemos constatar que, para viver lá, certamente você deveria se ocupar com
atividades voltadas à comercialização de produtos �orestais. Caso pre�ra tra-
balhar no setor terciário da economia, você deve analisar cidades ao Sul. Faça
a mesma avaliação para as cidades de Otawa e Regina: observe as caracterís-
ticas climáticas, paisagísticas e as principais atividades econômicas de cada
cidade, assim como a densidade populacional. Esse exercício é importante pa-
ra que você compreenda a organização espacial do país e a relação entre o ho-
mem e o espaço natural.

Continuando nesse contexto, o próximo vídeo apresentará as questões relacio-


nadas à economia e desenvolvimento de alguns outros países ricos, analisan-
do sua organização espacial, distribuição da população, desenvolvimento tec-
nológico, modos de vida e uso dos recursos, sempre fazendo comparações en-
tre as nações que são consideradas ricas dentro das relações de produção e
consumo no mundo atual.

8. África, Ásia e América Latina no contexto do


"sul pobre"
O vídeo a seguir retomará alguns pareceres da discussão relativa às diversida-
des de um mundo globalizado, focando nas desigualdades entre o "norte rico"
e o "sul pobre". Porém, nessa nova sequência de discussão, apresentará uma
série de análises relacionadas aos países considerados pobres na divisão soci-
oeconômica, na relação de desenvolvimento e produção e também em relação
ao uso de recursos mundiais que movem o mercado global. Neste primeiro ví-
deo, que se refere aos países do sul pobre, o centro da discussão será a divisão
regional focada no conceito de subdesenvolvimento, suas características e
fundamentações teóricas. Vamos assistí-lo.
Seguindo neste contexto, o próximo vídeo focará seus comentários na África,
América e sudeste asiático, principalmente no que tange a seus aspectos na-
turais, sociais e territoriais, considerando, para isso, a unidade e complexidade
de cada uma dessas regiões. Assista-o com atenção e faça anotações dos pon-
tos que considerar mais importantes.

No próximo tópico, estudaremos as diversidades e unidades territoriais da


África. 

9. África: unidade e diversidade


O estudo de qualquer espaço geográ�co deve partir do princípio de que este é
uno, mas também diverso. Não se trata aqui de um simples jogo de palavras, e
sim de entender que a construção do espaço é resultado de uma relação dialé-
tica na qual a unidade e a diversidade são partes de um mesmo processo.

Expliquemos melhor: "Por conta da seletividade, o espaço nasce diverso"


(Moreira, 2007, p. 85), e, dessa forma, sua arrumação não é homogênea. A con-
�guração geográ�ca de uma determinada área envolve a organização de um
conjunto de aspectos naturais (clima, solo, vegetação, relevo, hidrogra�a) pro-
duzidos em ritmos e processos diferenciados, combinados com a ocupação, a
distribuição e a utilização do espaço pela sociedade.

Ao analisar as contribuições teóricas do marxismo para a formulação do con-


ceito de "espaço geográ�co", Carlos (2002, p. 165) a�rma que o espaço pode ser
entendido:

[...] como produto de um processo de relações reais que a sociedade estabelece com
a natureza (primeira ou segunda). A sociedade não é passiva diante da natureza,
existe um processo dialético entre ambas que produz, constantemente, espaço e so-
ciedade, diferenciados em função dos momentos históricos especí�cos e diferenci-
ados.

A diversidade torna-se, assim, uma marca inerente ao espaço geográ�co, dado


o caráter seletivo das relações entre a sociedade e a natureza. As imposições
da natureza e as condições técnicas que a sociedade dispõe são elementos
fundamentais para a localização, a distribuição e a utilização do espaço.

Por isso, segundo Brunhes apud Moreira (2007, p. 83):

A seletividade é a origem dos cheios e vazios do espaço, isto é, o todo das casas, ca-
minhos e atividades econômicas que compõem a forma e o conteúdo do habitat,
cuja con�guração varia de acordo com o tempo histórico.

De acordo com Moreira (2007, p. 85):

A diversidade transforma a localização numa distribuição e faz da distribuição um


habitat humano plural. A diferença hídrica, topográ�ca, do solo, da �ora, da fauna,
das casas, dos caminhos, das culturas, tudo orienta o habitat para o sentido da rea-
�rmação da diversidade.

A observação da paisagem, no sentido empregado por Santos (1996, p. 103), is-


to é, "[...] conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças
que representam as sucessivas relações localizadas entre o homem e a natu-
reza [...]", representa uma síntese momentânea dessa diversidade.

Todavia, o espaço também é uno. Conforme descreve Moreira (2007, p. 86):


A unidade é, tanto quanto a diversidade, intrínseca a natureza e ao gênero humano.
Está implícita no trabalho que transforma os homens numa comunidade e faz da
história um produto da sua ação coletiva na relação com os meios.

O espaço africano não é uma exceção. Na análise geográ�ca do seu território,


devemos considerar a diversidade natural e social, a multiplicidade de formas
e conteúdos, entretanto, sem negar o seu caráter unitário.

A interpretação do mapa físico da África, representado pela Figura 29, é um


importante ponto de partida para entendermos os aspectos da sua unidade
territorial na condição de continente. Acompanhe.
Figura 29 Mapa físico do continente africano.                        

A África, com cerca de 30.312 milhões de quilômetros quadrados, é o terceiro


maior continente da Terra, com quase 22% das terras emersas. Atravessada
por três importantes paralelos, o Equador e os trópicos de Câncer e
Capricórnio, tem 8.050 quilômetros de comprimento máximo na direção
Norte-Sul e 7.560 quilômetros de Leste a Oeste. Ela também é cortada pelo
Meridiano de Greenwich, �cando a maior parte de suas terras no hemisfério
oriental.

O continente é banhado pelos oceanos Atlântico (Oeste) e Índico (Leste), além


do Mar Mediterrâneo (Norte) e Vermelho (Nordeste). Seu litoral, com mais de
27 mil quilômetros de extensão, é muito regular, com poucos recortes, sendo
raras penínsulas, golfos e baías, o que di�culta o aproveitamento para a insta-
lação de portos. Nas suas imediações, emergem vários arquipélagos, como as
Canárias, Cabo Verde e Comores, além da grande Ilha de Madagascar.

Entre os pontos de grande importância geopolítica e econômica no litoral afri-


cano, estão:

• Estreito de Gibraltar: passagem marítima no sul da península ibérica que


estabelece a comunicação entre o Atlântico e o Mediterrâneo; possui 65
quilômetros de comprimento, cerca de 300 metros de profundidade média
e 15 quilômetros de largura mínima entre a ponta de Tarifa e a foz do rio
Guadalmesi, no Marrocos. Separa a costa Sul da Espanha da costa
Africana. Constitui um importante ponto estratégico para as rotas maríti-
mas e para a entrada de migrantes africanos no continente europeu
(NATIONAL GEOGRAPHIC, 2008).
• Golfo da Guiné: vasta enseada da costa Ocidental da África, no Oceano
Atlântico. Estende-se desde o Cabo Lopes, no Gabão, até o Cabo Palmas,
na Libéria, banhando o Gabão, Guiné Equatorial, Camarões, Nigéria,
Benin, Togo, Gana, Costa do Mar�m e Libéria. É dividido em duas baías:
de Bonny, a Leste, e de Benin, a Oeste, e constitui uma importante área
portuária para o escoamento da produção agrícola da África Ocidental
(NATIONAL GEOGRAPHIC, 2008).
• Golfo de Áden: liga o Oceano Índico ao Mar Vermelho e constitui uma im-
portante via marítima para o escoamento da produção de petróleo do
Golfo Pérsico.
• Península da Somália: ocupa o Leste do continente africano, na região co-
nhecida como Chifre da África. É uma das margens, ao Norte, do Golfo de
Áden, banhada pelo Oceano Índico ao Sul. A região tem sido ponto estra-
tégico para a ação de piratas somalis, que assaltam embarcações que
transitam pelo Mar Vermelho.

A análise dessas dimensões territoriais já indica as potencialidades de diver-


sidade natural do continente. A vegetação é uma das dimensões na qual isso
�ca mais evidente e constantemente é explorada pela mídia, visto que há um
grande contraste, pois, de um lado, existem paisagens em que predominam
extensos vales férteis e �orestas tropicais que guardam uma rica biodiversi-
dade, e, de outro lado, desertos gigantes, como é o caso do Saara.

Dessa forma, podemos perceber que não há uma dualidade entre diversidade e
unidade na composição do espaço geográ�co, pois a rica biodiversidade do
continente africano só pode se manifestar na sua unidade territorial. Essas
considerações podem ser exploradas, também, no que tange à sua unidade e
diversidade social.

Aspectos demográ�cos
A leitura dos dados populacionais do continente africano, comparando-o aos
outros espaços mundiais, mostra particularidades na organização territorial e
na estrutura populacional. A Organização das Nações Unidas aponta que o
continente apresenta a segunda maior população mundial. Os dados publica-
dos no relatório Population Ageing and Development, em 2009, indicam que a
população total é de 987.092 milhões de habitantes.

Observe a Tabela 5, que apresenta dados populacionais comparativos entre


grandes áreas do mundo.

Tabela 5 População absoluta, densidade demográ�ca e estimativa de cresci-


mento populacional de grandes áreas do mundo.
A Tabela 2 foi construída com base nos dados da Organização das Nações
Unidas, tendo como referência o ano de 2010. Nela, é possível constatarmos
que o crescimento populacional entre os anos de 2005 e 2010 ainda é o maior
do mundo. Esse crescimento está associado a elevadas taxas de natalidade;
em média, nascem 36 pessoas para cada mil no continente, enquanto a média
mundial é de 20 pessoas por mil.

Outro dado interessante a ser analisado é a distribuição da população urbana e


rural no continente. Acompanhe esse dado pela Tabela 6.

Tabela 6 Distribuição da população urbana e rural por continentes em 2007.

Os dados publicados no relatório Urban and rural áreas, em 2007, da


Organização das Nações Unidas, demonstram que, na África, a população ru-
ral ainda é predominante, com 61,3% do total. Na comparação com as outras
áreas, observa-se que o continente, proporcionalmente, apresenta os maiores
índices de população rural, superando a Ásia, que tem 59,2% das pessoas mo-
rando na área rural. Já as demais áreas concentram a maior parte da popula-
ção em áreas urbanas.

Segundo o mesmo relatório, a população urbana africana só superará a popu-


lação rural após o ano de 2025, chegando a 61,8% da população total no ano de
2050. As estimativas indicam que, em 2050, a população urbana no continente
será de 1,2 bilhões de habitantes.

A população está, portanto, distribuída de forma irregular pelo continente, as


maiores concentrações populacionais estão nas áreas da costa Atlântica e do
Mar Mediterrâneo. Observe a Figura 30.
Figura 30 Mapa da densidade demográ�ca no continente africano no ano 2000.              

É importante notarmos que o meio natural impõe obstáculos à distribuição da


população humana e que as áreas do Deserto do Saara, do Kalahari e da �ores-
ta tropical do Congo apresentam os menores índices de densidade demográ�-
ca. Não se trata de reviver o determinismo geográ�co, mas de compreender
que a natureza exerce, também, um papel seletivo na distribuição humana.

A ocupação do território é um processo complexo, que envolve a combinação e


a relação de elementos culturais, econômicos, históricos, técnicos, naturais e
políticos. Esses elementos regulam e organizam a localização e a distribuição
humana no território, mas de uma forma seletiva e restritiva.

Entre as principais cidades do continente, está a cidade do Cairo, localizada no


Egito, que é a maior aglomeração urbana na África, com uma população supe-
rior a dez milhões de habitantes, de acordo com dados da Organização das
Nações Unidas. Outras cidades populosas no continente são: Kinshasa
(República Democrática do Congo); Alexandria e Gizé (Egito); Casablanca
(Marrocos); Luanda (Angola); Abdjan (Costa do Mar�m) e Adis-Abeba e
Nairóbi (Quênia).

A população urbana no continente africano está concentrada em alguns pon-


tos do território, todavia, sem exercer uma coesão e forte ligação entre si. Essa
condição está profundamente ligada à ação das potências europeias, que in-
�uenciou na con�guração de uma estrutura urbana, orientada, muitas vezes,
por uma lógica externa ao próprio continente. Adiante, exploraremos mais es-
se tema.

No momento, é importante ressaltarmos que a apresentação das característi-


cas gerais do continente, examinado em sua unidade e totalidade territorial,
não objetiva apagar as diferenças e desigualdades internas, ao contrário, é
apenas um exercício teórico que procura reconhecer a diversidade na unidade
e a unidade na diversidade.
A diversidade social do continente é muito signi�cativa, não apenas no que se
refere ao contraste econômico entre pobres e ricos; ela se manifesta, principal-
mente, na existência de inúmeros grupos culturais (étnicos, religiosos, lin-
guísticos) que historicamente foram ocupando a região e atualmente convi-
vem ou disputam o mesmo território.

Ao longo desta unidade, procuraremos aprofundar os conhecimentos sobre a


diversidade social africana, construída, especialmente, a partir das in�uênci-
as externas, e quais as implicações na atual organização territorial. Agora en-
tenderemos como a Geogra�a construiu o seu olhar sobre o continente africa-
no.

Vamos em frente?

En�m, neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem respondendo à questão


a seguir.

10. Considerações Finais


Neste ciclo de aprendizagem estudamos a diferenciação e a desigualdade en-
tre o espaço geográ�co na escala global, especialmente, em relação as desi-
gualdades aprofundadas pela globalização. Vimos que como as desigualdades
ocorrem em diferentes níveis e espaços, é preciso compreender os espaços re-
gionais internamente e as suas relações globais, por isso o ciclo se estruturou
por meio de discussões sobre os espaços globais e seus níveis de desenvolvi-
mento socioeconômico.

Vimos que a base natural dos espaços estudados in�uencia os processos de


ocupação e produção. Todavia, entendemos por meio das análises trabalha-
das, que nada é de�nitivo, tendo em vista que as dinâmicas territoriais estão a
todo momento sendo sobrepostas, preservando e modi�cando formas e con-
teúdos.

Assim, pudemos compreender que as condições econômicas e sociais dos es-


paços geográ�cos aqui estudados não são imutáveis; pelo contrário, a produ-
ção do espaço geográ�co é um processo contraditório e repleto de possibilida-
des. Por essa razão, a Geogra�a é sempre um campo aberto a novos estudos e
descobrimentos.

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