Você está na página 1de 103

FUDAMENTOS TERÓRICOS E

METODOLÓGICOS DA GEOGRAFIA

ALEXANDRE FELIPE PINHO DOS


SANTOS

1
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA

FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA


GEOGRAFIA

Prof. MSc. Alexandre Felipe Pinho dos Santos

BOA VISTA
2020

2
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA1.ª Edição, 2020

Autoria: Prof. MSc. Alexandre Felipe Pinho dos Santos

Revisão: Profa. Dra. Ana Célia de Oliveira Paz

Faculdade de Ciências, Educação e Teologia do Norte do Brasil


Av: Bandeirantes, 900, Pricumã
69309-100 Boa Vista/RR
Tel: (95) 3625-5477
www.faceten.edu.br
E-mail: isef.faceten@gmail.com

©Todos os direitos reservados.


É proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio, sem
autorização por escrito da Faceten
FICHA CATALOGRÁFICA
CIP-Brasil. Catalogação na fonte

Dos Santos, Alexandre Felipe Pinho

Fudamentos Teóricos e metodológicos da Geografia - Boa Vista:


Editora FACETEN, 2020. p 103.

1. Geografia, Educação 2. Conceitos geográficos 3. Orientação


geográfica 4. Região e regionalidades 5. Recursos didáticos e
tecnológicos

I. Titulo. II. Faculdade de Ciências, Educação e Teologia do Norte


do Brasil.

CDD-370.15

1. Psicologia. 2. Psicologia – Educação. 3. Prática docente.


3 Educação e
I. Titulo. II. Faculdade de Ciências,
Teologia do Norte do Brasil.
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA

SUMÁRIO

Apresentação............................................................................5
1. A História da Geografia – Principais ramos da
Geografia.................................6

2.Recursos didáticos no ensino da


Geografia..............................................32
3. Os conceitos Geográficos mais
importantes.............................................49

4.Região, regionalização e regionalidades.......................73


5. Conceitos cartográficos básicos.....................................91
6. Referências........................................................................101

4
APRESENTAÇÃO

Olá querido (a) aluno(a)!

A presente disciplina é
composta por dez aulas e cinco textos
escolhidos com intuído de apresentar a geografia enquanto
ciência e disciplina nos anos iniciais do ensino fundamental.
O primeiro passo nesta caminhada é entender a história
da geografia e suas principais áreas. Posteriormente são
debatidas as ferramentas de ensino dessa disciplina,
principalmente a tecnologia.
No terceiro momento os principais conceitos dessa área
do conhecimento são analisados. Em seguida a região é
estudada nos vários aspectos que envolvem a geografia.
Por fim, a cartografia básica é apresentada, de maneira
que a orientação é compreendida e abordada na prática através
das suas concepções iniciais.

Bom Estudo!!!

Profa. MSc. Alexandre Felipe Pinho dos Santos

5
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA

UNIDADE I: A HISTÒRIA DA GEOGRAFIA – Principais


ramos da geografia

A HISTORIOGRAFIA DA GEOGRAFIA
ACADÊMICA E ESCOLAR: UMA RELAÇÃO DE
ENCONTROS E DESENCONTROS.

Victória Sabbado Menezes

1 – Introdução

A Geografia Escolar possui uma história que está


atrelada à própria historiografia da Geografia, esta entendida
como campo de conhecimento que se constituiu como ciência e
disciplina escolar. Os discursos que foram e ainda são
reproduzidos na escola provêm das correntes do pensamento
geográfico. Cabe salientar que a construção das diferentes
linhas teóricas, as rupturas de paradigma e as crises
vivenciadas por determinadas perspectivas estão associadas ao
contexto sócio-histórico em que se desenvolveram. Nesse
sentido, não é possível dissociar a trajetória da Geografia
científica com a história da Geografia escolar e com realidade
vivenciada pela sociedade.
Entretanto, é digno de nota que a relação entre a
Geografia acadêmica e a escolar não é feita somente de
encontros, mas também de desencontros. Em diversos
momentos, perceber-se-á que a realidade atual do ensino de
Geografia será explicada em função da assimetria, do
descompasso e do distanciamento entre estas duas vertentes.

6
Por outro lado, em outras situações a articulação entre a ciência
geográfica e a disciplina escolar de Geografia será responsável
por permitir a compreensão de acontecimentos em
determinadas épocas.
Este artigo tem o intuito de apresentar um panorama do
conhecimento produzido sob o rótulo de Geografia desde sua
origem até a atualidade, considerando os fatores que
contribuíram para o seu surgimento, a sua sistematização, a sua
inserção na escola, a função atribuída à sua disciplina e a
evolução do pensamento geográfico. Parte-se do pressuposto
de que para compreender o ensino de Geografia na
contemporaneidade é preciso resgatar o processo histórico da
Geografia, tanto a científica quanto a escolar. Por isso, deve-se
recorrer à epistemologia da Geografia a fim de analisar suas
correntes teórico-metodológicas e as implicações de seus
discursos no espaço escolar. A metodologia adotada pauta-se
em uma revisão bibliográfica realizada a partir do estudo de
obras relacionadas à epistemologia da Geografia e ao ensino de
Geografia no Brasil, que correspondem aos eixos basilares do
presente artigo. Dessa maneira, busca-se garantir um suporte
teórico às afirmações explicitadas.

2 - Epistemologia da Geografia: gênese e correntes de


pensamento

Pesquisar o ensino de Geografia no contexto hodierno


exige considerar também o passado desta disciplina. Isto é, as
fases pelas quais a Geografia escolar passou, as distintas
perspectivas teóricas que foram introduzidas na instituição
educativa e as mudanças desencadeadas na sociedade ao longo
dos anos colaboram para a análise atual do ensino desta
disciplina, assim como para a construção de objetivos futuros a
serem realizados.

7
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
Dessa maneira, é fundamental enquanto professores
pesquisadores de Geografia termos uma clareza no que diz
respeito à história do campo do saber para o qual nos
dedicamos.
Desde a Antiguidade já se produzia conhecimento
geográfico, porém ainda não sistematizado. Tratava-se de um
conhecimento disperso que não era reconhecido sobre o termo
“Geografia”. De acordo com Moreira (2014, p. 13), “a
trajetória do saber geográfico vem dos séculos I e II de nossa
era, quando no primeiro século foi criada por Estrabão e ao
segundo, por Claudio Ptolomeu”. Logo, a Geografia nasceu na
Grécia, de modo que tanto Estrabão quanto Ptolomeu
apresentavam a mesma ideia de Geografia baseada na leitura da
superfície terrestre e na descrição da paisagem. Contudo,
lançavam olhares distintos, pois o primeiro analisava a
superfície terrestre em escala horizontal, de maneira que a
diversidade das paisagens era vista sob o ângulo dos diferentes
modos de vida dos seres humanos. Já Ptolomeu considerava a
escala vertical pautando sua análise através das relações da
Terra com o universo.
Mais tarde, no século XVII Varenius apresentou uma
concepção de Geografia que reuniu o olhar horizontal de
Estrabão com a perspectiva vertical de Ptolomeu. Nos séculos
XVIII e XIX, verifica-se uma mudança no que concerne ao
foco de interesse da Geografia. A concepção até então
hegemônica de descrição da paisagem é substituída pela
relação homem-meio. Nesse processo destaca-se Kant, o qual
exerceu um papel relevante na história da Geografia ao buscar
a demarcação do objeto de estudo da mesma. Dessa forma, a
obra de Kant foi essencial para que futuramente a Geografia
fosse reconhecida como campo do conhecimento, uma vez que
apresentava uma visão baseada no estudo da relação homem-
natureza e na descrição dos fenômenos.

8
Cabe salientar que a Alemanha representa o locus onde
a Geografia foi sistematizada. Isso se deve ao contexto
histórico que marcava a sociedade alemã no século XVIII e
início do século XIX, o que explica a urgência desta disciplina
no ensino básico e a sua institucionalização na academia. Nesta
época, o capitalismo já estava presente na grande maioria dos
Estados da Europa, porém a Alemanha ainda não constituía um
Estado Nacional. Muito arraigada ao feudalismo, a elite
germânica tinha dificuldades de implantar o sistema capitalista.
Além disso, a estrutura do território germânico em unidades
dispersas encontrava-se vulnerável diante o expansionismo
cada vez mais forte de França e Inglaterra.
Nesse contexto, a questão espacial compreendia o
centro das preocupações, assim como a necessidade de uma
unificação alemã. O projeto de construção de um sentimento de
identidade nacional e de unificação alemã teve a escola como
um elemento chave para alcançar seus objetivos. Desse modo,
a escola representava um espaço controlador que reproduzia
um discurso para atender os interesses de determinada classe
que visava a consolidação da Alemanha como Estado Nacional.
A Geografia, por sua vez, exerceu uma função imprescindível
neste processo. Logo,
A Geografia, então, foi considerada uma ferramenta de
grande auxílio para este projeto. Tornou-se importante devido à
possibilidade de produzir as verdades necessárias para a
unificação alemã (1871). A contribuição da Geografia Escolar
para esse projeto foi de produzir um saber sobre a relação
homem e natureza com efeitos de verdade. [...] Por privilegiar a
descrição dos fenômenos físicos, cujos discursos foram
atravessados pela causalidade natural, a Geografia foi
posicionada como dispositivo para fabricação da identidade do
povo alemão na escola. (TONINI, 2006, p. 31)
É preciso esclarecer que a Geografia escolar apresentou,
em suas origens, a tarefa de contribuir para o projeto alemão de

9
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
unificação e de fortalecimento do nacionalismo. Isso lhe
garantiu o caráter de matéria escolar no currículo obrigatório
das escolas alemãs. Deve-se ressaltar que, além de disciplina
escolar, a Geografia também estava presente na universidade,
mas como uma matéria. A sua criação enquanto curso superior
ocorreu mais tarde, de maneira que foi sua condição primeira
de disciplina escolar que permitiu sua implantação no ensino
superior. Este é um detalhe interessante na história da
Geografia escolar, visto que esta propiciou a afirmação da
Geografia enquanto ciência.
No que se refere à sistematização da Geografia, esta
ocorreu por meio de Humboldt e Ritter, conhecidos como os
fundadores desta ciência. O primeiro foi um viajante, o qual
elaborou suas ideias com base na prática de sua investigação,
de suas explorações; o segundo, por outro lado, foi um
professor, pesquisador. Para Humboldt, a Geografia era a
síntese dos conhecimentos referentes à Terra, enquanto que
Ritter a considerava como o estudo da individualidade dos
lugares. Estes dois autores foram os responsáveis por formar a
base de sustentação da primeira corrente do pensamento
geográfico, qual seja: a Geografia Tradicional.
A Geografia Tradicional, também conhecida como
Geografia Moderna, fundamentou-se no método positivista. De
acordo com o positivismo, a análise da realidade deve ser
reduzida à aparência dos fenômenos, abarcando somente os
aspectos visíveis, concretos. Além disso, aceita-se apenas um
método de interpretação, o qual é proveniente das ciências da
natureza. Estas apresentavam um status mais elevado que as
ciências humanas e seu método caracterizava-se por naturalizar
os fenômenos humanos, considerando o ser humano apenas
como mais um elemento da paisagem. Nesse sentido, “a
unidade do pensamento geográfico tradicional adviria do
fundamento comum domado ao positivismo, manifesto numa

10
postura geral, profundamente empirista e naturalista”
(MORAES, 1997, p. 24).
Esta corrente teórica pautava-se na descrição e
classificação dos fenômenos, apresentando uma visão
extremamente reducionista da realidade. É importante destacar
que a raiz fragmentária da ciência geográfica encontra-se nesse
período de desenvolvimento da Geografia Moderna. Logo, as
divisões conhecidas entre Geografia Física e Geografia
Humana, Geografia Geral e Geografia Regional, Geografia
Sintética e Geografia Tópica estão associadas ao método
utilizado pela corrente tradicional.
Como o positivismo exigia a definição do objeto de
estudo, foram formuladas diversas concepções de Geografia,
como estudo da superfície terrestre, estudo da paisagem, estudo
da individualidade dos lugares, estudo da diferenciação das
áreas, estudo do espaço e estudo das relações homem-meio.
Contudo, está multiplicidade de propostas dificultou uma
delimitação precisa do objeto. Para tanto, elaborou-se a ideia
de Geografia como ciência de síntese a partir das formulações
de Kant a fim de encobrir a ausência de definição do objeto.
Além dos fundadores da Geografia, Humboldt e Ritter,
mais tarde, ao final do século XIX, destacou-se outro alemão:
Ratzel. Este elaborou a ideia do que posteriormente seus
seguidores denominaram de doutrina do determinismo
geográfico, a qual se referia às influências do meio sobre o
homem. O autor também criou o conceito de espaço vital, que
corresponde ao equilíbrio entre a população e os recursos
disponíveis à mesma. Deve-se enfatizar que as formulações de
Ratzel tinham o intento de justificar o expansionismo alemão.
Naquele período, a Alemanha venceu a guerra Franco-
Prussiana, de modo que a discussão geográfica se tornou
necessária na França que havia perdido territórios. Em função
disso, foi criada a fase universitária da Geografia na França por
meio de Vidal de La Blache. Por conseguinte, “se o século XIX

11
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
foi alemão, o século XX será francês em geografia. [...] Seja
como for, é da geografia alemã que a francesa tirará o conteúdo
para a sua geografia” (MOREIRA, 2009, p. 29).
La Blache apresentou críticas ao pensamento ratzeliano,
principalmente à politização do seu discurso e ao seu caráter
naturalista. Construiu as bases do que foi denominado de
Possibilismo, perspectiva que concebe a natureza como
possibilidade para a ação humana, e valorizou a História,
embora não tenha rompido com o viés naturalista em suas
análises. Aparentemente, La Blache se colocava como um
contraponto às ideias de Ratzel, porém o francês também
visava legitimar os interesses expansionistas de seu país.
Depreende-se que no período da Geografia Moderna,
tanto a ciência quando a disciplina escolar exerceu funções
estratégicas para servir aos dominantes. Mais que isso, a
Geografia foi sistematizada com esse intuito de fornecer um
conhecimento do espaço para facilitar a conquista territorial
aos detentores do poder, enquanto na escola tinha o papel de
construir um sentimento de identidade nacional. Isso pode ser
claramente percebido tanto na Alemanha, o berço da Geografia,
quanto na França.
Lacoste traduz esta realidade quando menciona a
existência da Geografia dos Estados Maiores e a Geografia dos
Professores. Ambas carregam um sentido político ideológico
muito forte e articulam-se para atingir os mesmos objetivos. A
Geografia dos Estados Maiores está relacionada a um conjunto
de conhecimentos cartográficos e concernentes ao espaço, o
qual é utilizado como um instrumento de poder pelos
dirigentes. A Geografia dos Professores faz parte do espaço
escolar com o intuito de exaltar a pátria e mascarar a real
utilidade do conhecimento geográfico no domínio do território.
O autor preconiza que:
Essa forma socialmente dominante da geografia escolar
e universitária, na medida em que ela enuncia uma

12
nomenclatura e que inculca elementos de conhecimento
enumerados sem ligação entre si (o relevo - o clima - a
vegetação - a população...) tem o resultado não só de mascarar
a trama política de tudo aquilo que se refere ao espaço, mas
também de impor, implicitamente, que não é preciso senão
memória. (LACOSTE, 1988, p. 33)
A Geografia escolar se mostra como uma disciplina
desinteressada e desinteressante, uma vez que aborda os
conteúdos de forma fragmentada e descontextualizada. Esta é a
Geografia dos Professores mencionada por Lacoste, a qual
surgiu no final do século XIX primeiro na Alemanha e, em
seguida, na França. A partir disso, deve-se refletir: será que
estas mesmas características da Geografia escolar no século
XIX na Europa não estão também presentes no Brasil no século
XXI?
Evidentemente, não se pode negar que se vive um outro
contexto e uma outra realidade social. No entanto, a
memorização, a descrição dos fenômenos e a
compartimentação da Geografia caracterizam o ensino desta
disciplina em muitas escolas brasileiras atualmente. Diante
disso, por que se pode ainda considerar a clássica obra A
Geografia, isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra, de
Yves Lacoste, como atual? Mais adiante, irá se discorrer acerca
de como a Geografia Tradicional se desenvolveu no contexto
brasileiro.
É preciso salientar que a Geografia Moderna deixou um
legado, visto que possibilitou a formação de uma ciência
unitária com conhecimentos sistematizados, construiu um
material empírico importante e elaborou alguns conceitos,
mesmo que estes ainda necessitem ser questionados e
repensados. Contudo, algumas questões fizeram com que esta
corrente do pensamento geográfico entrasse em crise, o que
está associado ao que Moreira (1982) denomina de “armadilhas

13
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
epistemológicas”. Conforme argumenta o autor (MOREIRA,
2011, p. 119):
Um conjunto de problemas daí advém e então se
acumula: o da definição do que é a geografia (problema da
definição), de quais são os seus princípios e conceitos
fundantes (problema da episteme) e do modo próprio como
explica e estabelece sua forma de intervenção no mundo
(problema do método).
A crise da Geografia Tradicional começa a se
desenvolver por volta da metade do século XX e está
profundamente relacionada à crise do positivismo. Houve
mudanças na sociedade, o capitalismo se fortaleceu e iniciou-se
uma revolução tecnológica. Aliado a isso, as formulações
teóricas e as técnicas tradicionais não eram suficientemente
capazes para explicar a complexidade da organização do
espaço e da realidade social que se apresentava.
A crise da corrente tradicional foi um momento
importante da história da Geografia, pois propiciou uma
discussão sobre os rumos que esta ciência estava tomando.
Assim, levantaram-se questionamentos, realizaram-se
reflexões, apresentaram-se propostas. Abriu-se um caminho
para o novo, para novas possibilidades nesta ciência, de
maneira que este também foi um momento profícuo aos que se
dedicam à Geografia. Se se parte da perspectiva de que a crise
acarreta um processo que visa sua superação, isso torna-se
interessante e revigorante aos geógrafos. Nesta mesma linha de
pensamento, Porto-Gonçalves (1982, p. 11) reitera: “Se a
geografia está em crise, viva a geografia!”.
Construiu-se um movimento de renovação com o
intento de superar a perspectiva tradicional da Geografia.
Deve-se assinalar que este movimento era constituído de
diversas propostas e posicionamentos. Assim, não apresentava
uma unidade, mas uma multiplicidade de visões acerca da
Geografia. Diante deste quadro heterogêneo que marca a

14
Geografia Renovada, destacam-se duas grandes correntes de
pensamento: a New Geography e a Geografia Crítica.
A New Geography (Nova Geografia) é também
conhecida como Geografia Pragmática e apresenta como uma
de suas principais tendências a linha teórica denominada de
Geografia Quantitativa. Esta se formou inicialmente nos
Estados Unidos a partir da década de 50 do século XX, no
período pós Segunda Guerra Mundial, em que o mundo
passava por transformações políticas, econômicas, científicas.
Criticou a Geografia Tradicional principalmente no que se
refere à ausência de aplicabilidade prática. Dessa forma, as
críticas elaboradas não se direcionavam aos fundamentos que
embasavam a perspectiva tradicional, mas sim os métodos e
técnicas adotadas.
A Geografia Pragmática buscou uma atualização apenas
da forma e não do conteúdo da corrente tradicional. Construiu
um novo instrumental técnico à Geografia, desenvolvendo uma
renovação puramente metodológica. Houve o que Moraes
(1997, p. 102) classifica como uma “renovação conservadora
da Geografia”, tendo em vista que passou-se do método
positivista da Geografia Moderna para o neopositivismo na
Nova Geografia. Criaram-se novas técnicas e novas linguagens
sem que fossem revistos os pressupostos teóricos da ciência
geográfica.
A Geografia Quantitativa pautou-se nos métodos
matemáticos para explicar a realidade. Reduziu a análise das
relações entre os elementos da paisagem como relações
meramente quantitativas. Dessa maneira, desconsiderou a
questão social e afastou o ser humano de suas preocupações,
além de não atentar para o espaço das sociedades em constante
transformação. Segundo Santos (2008, p. 108), “a geografia
tornou-se uma viúva do espaço”.
A New Geography propiciou um significativo
desenvolvimento técnico, porém suas análises baseadas em

15
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
cálculos matemáticos mascaravam a realidade. Isto evidencia o
caráter político-ideológico desta corrente. Por conseguinte,
ressalta-se que “a chamada geografia quantitativa prestou-se
maravilhosamente ao jogo de certo número de geógrafos
aplicados exageradamente à tarefa de manutenção de todo tipo
de status quo [...]” (SANTOS, 2008, p. 107).
No que diz respeito à Geografia escolar, deve-se deixar
claro que a New Geography foi constituída sem o intuito de
inserir-se no ensino básico. Como aponta Tonini (2006, p. 57),
“a Nova Geografia diferencia-se, sob o ponto de vista
pedagógico, dos discursos anteriores porque ela não emerge
com a finalidade de atender ao ensino, não está articulada a
nenhum projeto educacional”. Enquanto na Alemanha e na
França a Geografia Tradicional adentrou o espaço escolar para
fortalecer o sentimento de patriotismo, a Geografia
Quantitativa foi criada nos Estados Unidos com o objetivo de
auxiliar os dirigentes no planejamento e intervenção espacial
sem necessidade de estar presente na escola. O que se percebe
desta orientação teórico-metodológica no ensino são as
expressões matemáticas representadas por meio de dados de
regiões, por exemplo, em tabelas, gráficos e quadros.
Por volta da década de 70 do século XX, começou a se
fortalecer a corrente da Geografia Crítica. Esta apresentou um
caráter político e social e visou provocar uma ruptura com as
perspectivas anteriores, em especial o pensamento geográfico
tradicional. Considerou que a Geografia não deveria auxiliar na
manutenção da ordem vigente, mas sim contribuir no processo
de transformação social. Logo, as pesquisas embasadas nesta
vertente buscavam desvelar a realidade, explicitando as
contradições sociais a fim de superar as desigualdades e
injustiças que marcavam a sociedade.
A Geografia Crítica questionou os métodos (positivista
e neopositivista), mas também os fundamentos das correntes
tradicional e pragmática, como o empirismo e naturalismo

16
demasiado. Adotou o materialismo histórico e dialético como
método de interpretação e caracterizou-se pela articulação entre
teoria e prática. Isto é, não bastava entender o mundo e a
realidade, era preciso transformá-los. Defendeu a concepção de
que “a geografia, através da análise dialética do arranjo do
espaço, serve para desvendar máscaras sociais, vale dizer, para
desvendar as relações de classes que produzem esse arranjo”
(MOREIRA, 1982, p. 14).
Esta linha teórica dedicou-se a analisar a relação entre a
sociedade e a natureza na produção do espaço geográfico.
Dessa maneira, diferentemente do pensamento anterior,
considerou a realidade como mutável, dinâmica e em
permanente movimento. No ensino, esta corrente esteve
presente através da ênfase dada à construção do espaço
permeado de tensões, conflitos e contradições sociais.
Entretanto, a Geografia Crítica ainda possui dificuldades de
consolidação no espaço escolar.
Em um período mais recente, a partir dos anos 1970,
desenvolveu-se a Geografia Humanista. Calcada especialmente
na fenomenologia, também apresentou crítica ao positivismo
lógico que embasou a Geografia Moderna e Quantitativa. A
corrente humanista possibilitou uma nova abordagem na
ciência geográfica, além de provocar seu revigoramento. É
interessante destacar que:
A geografia humanista traz uma lufada de frescor a uma
disciplina que a estatística tinha um tanto ressecado. Fala do
homem, das suas fantasias, dos seus sonhos, o que o encanta,
dos poemas nos quais se reconhece. Cooperações frutuosas
realizam-se com os psicólogos, os pintores, os artistas,
romancistas, semióticos, todas as categorias até então
ignorados. (CLAVAL, 2011, p. 239)
Esta linha do pensamento geográfico se interessou pelos
indivíduos e suas experiências no mundo. Logo, a análise
geográfica deslocou-se de certa forma da sociedade para

17
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
considerar o indivíduo, o vivido, o subjetivo. Buscou
compreender o comportamento e a maneira como as pessoas se
sentem em relação a determinados lugares
(CHRISTOFOLETTI, 1982). Destarte, o espaço possui uma
carga expressiva de significações, de modo que a ação humana
está associada ao contexto em que está inserida.
Diferentemente da Geografia Crítica, Quantitativa e
Tradicional, a Geografia Humanista assentou-se na intuição, na
subjetividade, no simbolismo, nos sentimentos, “privilegiando
o singular e não o particular ou o universal e, ao invés da
explicação, tem na compreensão a base de inteligibilidade do
mundo real” (CORRÊA, 2012, p. 30). Nesse sentido, a
conceito de lugar assumiu suma importância, visto que
relaciona-se ao experienciado, ao vivido.
Cabe assinalar que aliada à Geografia Humanista,
houve uma retomada da Geografia Cultural. Esta havia se
constituído nos anos de 1920 nos Estados Unidos com uma
base teórica distinta à atual perspectiva cultural da Geografia. A
partir de outra matriz teórica, o discurso cultural passa
atualmente a ser revalorizado. Assim, a cultura torna-se uma
questão-chave para a compreensão do espaço geográfico ao
refutar a ideia de uniformização engendrada pela globalização
e demonstrar a existência de pluralidades culturais (TONINI,
2006). Todavia, esta linha teórica não atingiu o âmbito escolar,
apesar dos avanços significativos notados na academia nos
últimos anos.

3 - Geografia acadêmica e escolar brasileira

Analisou-se que a Geografia foi institucionalizada no


século XIX na Alemanha, porém no Brasil isso ocorreu no
início do século XX. Foi a partir de 1930 que houve sua
sistematização como ciência através, principalmente, da
Sociedade Brasileira de Geografia (SBG), do Instituto

18
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Universidade
de São Paulo (USP). Cabe destacar que “antes de se constituir
como campo de formação em nível superior, essa matéria já era
ensinada nas escolas; ela foi, assim, antes de tudo, geografia
escolar [...]. Porém, há uma relação e certa correspondência em
suas trajetórias” (CAVALCANTI, 2012, p. 21).
De acordo com Moreira (2010, p. 11), “três distintas
perspectivas dominam a formação do pensamento geográfico
brasileiro: a francesa de Vidal, a franco-germânica de Brunhes
e a germânica de Hettner, além de uma quarta, a norte-
americana de Sauer e Hartshorne, [...]”. Inicialmente, a
Geografia no Brasil foi influenciada por professores franceses,
como Pierre Monbeig e Pierre Deffontaines, os quais
compartilhavam das ideias de La Blache. Desse modo, os
primeiros cursos superiores de Geografia como o da
Universidade de São Paulo (USP), responsáveis por formar
pesquisadores e também professores, foram orientados pela
linha teórica francesa.
Assim como na história da Geografia Mundial, a
Geografia brasileira teve como primeira corrente de
pensamento a perspectiva tradicional. Esta caracterizou-se
pelos estudos regionais a fim de elaborar um conhecimento
minucioso do território brasileiro e assentou-se na descrição e
enumeração dos fenômenos. Na escola, desenvolvia-se uma
Geografia enciclopédica, mnemônica, descritiva e fragmentada.
Havia uma ênfase nos aspectos físicos, concebendo o ser
humano como mais um elemento da natureza. A realidade era
concebida como algo estático, congelado.
Com a divisão entre Geografia Física e Humana, a
disciplina escolar não possibilitava aos alunos uma leitura do
todo. Os fenômenos espaciais eram analisados de forma
desarticulada, sem o estabelecimento de conexões. Nesse
sentido, Castrogiovanni (2014) associa a Geografia Tradicional
escolar ao que denomina de Geografia do Cubo. Segundo o

19
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
autor, a Geografia foi considerada “como sendo a ciência das
descrições e das localizações, ou seja, a Geografia do Cubo.
[...] A Geografia parecia existir como se fosse um cubo
esperando a virada para contemplar a outra face. Cada face
vista como um plano” (CASTROGIOVANNI, 2014, p. 85).
O ensino de Geografia exigia somente a memorização
dos educandos, uma vez que não os provocava à reflexão.
Consequentemente, os mesmos apresentavam dificuldades de
compreender o espaço geográfico em sua totalidade e
considerar as relações e contradições que lhe constituem. Esta
perspectiva tradicional foi inserida diretamente nos livros
didáticos, expressa através da clássica divisão N-H-E
(natureza-homem-economia). Dessa maneira, o livro foi
dividido em aspectos físicos, aspectos humanos e, por fim,
aspectos econômicos, o que constrói uma visão fragmentada da
realidade É digno de nota que, “na história da Geografia
escolar, é sabidamente conhecida a sua origem nos serviços que
ela prestou à manutenção da ordem vigente” (KIMURA, 2011,
p. 72). A Geografia Tradicional abarca estas características e
assim foi reproduzida no ensino devido à algumas
intencionalidades. Sua aparente despolitização foi construída
propositadamente, visando atingir determinados fins. Portanto,
não se pode desconsiderar o caráter político da Geografia e o
papel que exerce na escola.
Deve-se ressaltar que a Geografia Tradicional foi
facilmente introduzida no espaço escolar, visto que a Educação
Tradicional também estava em vigência nesse período. Logo,
“se para os geógrafos positivistas o espaço era visto como um
receptáculo, para os educadores tradicionais os alunos também
tinham a mesma função” (STRAFORINI, 2004, p. 61). Os
princípios do pensamento geográfico tradicional iam ao
encontro da Educação Tradicional, resultando em um ensino de
Geografia mecânico, superficial e descontextualizado.

20
Na segunda metade do século XX, a ciência geográfica
passou por transformações com o surgimento da corrente
teorético-quantitativa. Como já mencionado anteriormente, esta
orientação teórico-metodológica assentou-se no neopositivismo
e empregou os métodos matemáticos em suas análises. Uma de
suas expressões máximas é o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), o qual foi criado em 1937. Conforme
aponta Pontuschka, Paganelli & Cacete (2009, p. 53), “a
Geografia teorética não teve repercussão direta nas escolas de
primeiro e segundo graus”. Seu desenvolvimento se deu
especialmente na geografia acadêmica, com pequenas
intervenções na escola através dos livros didáticos. Por
conseguinte, no período de auge da Geografia Teorética-
Quantitativa no Brasil, o ensino da disciplina escolar ainda era
fortemente marcado pela perspectiva tradicional.
Esta realidade passou por algumas transformações a
partir da década de 1980. Isso porque a sociedade brasileira
vivenciava um outro contexto, marcado pela abertura política e
pelo processo de democratização do Estado. Nesse período, a
corrente da Geografia Crítica se fortalecia, buscando uma
verdadeira renovação e representando um contraponto ao
discurso tradicional e quantitativo. Com inspiração marxista e
sustentada no materialismo histórico, a linha crítica tinha o
intuito de desvendar a realidade e promover uma nova ordem
social. Suas críticas se dirigiam, principalmente, ao discurso
geográfico que legitimava o sistema capitalista e naturalizava o
ser humano.
Esta corrente destacou-se no Brasil a partir da obra Por
uma Geografia Nova, de Milton Santos, o qual concebia o
espaço como uma formação sócio-espacial. O espaço, nesta
perspectiva, poderia ser compreendido por meio da relação
dialética entre sociedade e natureza. O espaço deixou de ser um
mero receptáculo na visão dos geógrafos críticos e a sociedade
passou a ser entendida como produto e produtora deste espaço

21
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
geográfico. Sendo assim, Geografia Crítica propôs uma
mudança social, deixando claro o seu cunho político.
Tonini (2006, p. 69) preconiza que “já na literatura
didática a inscrição dessa abordagem foi registrada por
Melhem Adas, no início dos anos 80”, o qual utilizou
categorias baseadas no marxismo ao regionalizar o mundo,
tornando este um “motivo suficiente para desencadear um
processo de mudanças na Geografia Escolar”. Quanto à
Geografia Humanista, com destaque para a linha da Geografia
Cultural, não obteve uma inserção perceptível no ensino
escolar. De acordo com a autora, “na maioria dos livros
didáticos, no entanto, a noção de cultura continua sendo
transmitida pelos enfoques mais tradicionais” (TONINI, 2006,
p. 74). Desse modo, a perspectiva cultural dominante no ensino
de Geografia corresponde àquele primeiro discurso originado
nos anos de 1920 nos Estados Unidos.
Constata-se que foi o movimento da Geografia Crítica
aliado a outros fatores que contribuíram para provocar uma
renovação no ensino da disciplina. O contexto brasileiro a
partir dos anos 1980 alterou-se e, simultaneamente ao
fortalecimento da corrente crítica da Geografia, aconteceram
mudanças no sistema educacional do país, como por exemplo,
a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional em 1996. A implantação desta lei desencadeou
algumas iniciativas a fim de melhorar a qualidade da educação
no país, como a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs), o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), entre outros.
Segundo Martins (2011, p. 65), “os métodos e as teorias
da Geografia tradicional, baseados em levantamentos
empíricos e estudos descritivos, tornaram-se insuficientes para
dar conta de uma nova perspectiva de ensino”. Tornava-se
premente que o ensino tradicional de Geografia, hegemônico
até então, fosse revisto e reformulado a partir de outros

22
pressupostos teórico-metodológicos. Era preciso superar a
prática de uma transmissão mecânica dos conteúdos, em que se
desenvolvia uma Geografia meramente informativa, acrítica e
desvinculada da realidade. O conjunto de mudanças
educacionais exigia, consequentemente, mudanças no ensino
desta disciplina.
Notou-se que em paralelo ao movimento da Geografia
Crítica desenvolveu-se o movimento da Pedagogia Crítica. Os
pensadores de ambos defendiam pressupostos teóricos
semelhantes, o que possibilitou um terreno fecundo para a
discussão de uma renovação efetiva na educação, em geral, e
no ensino de Geografia, em específico. Assim, a concepção de
professor predominante, os cursos de formação docente e o
currículo escolar foram questionados e iniciou-se uma reflexão
com o intuito de construir um projeto educacional que visasse a
libertação e não a alienação do sujeito e a legitimação da ordem
estabelecida.
Nesse período, principalmente no último quarto do
século XX, a produção acadêmica referente à Geografia escolar
começou a aumentar. Nos eventos científicos da área
promovidos pela Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB),
como o 3º Encontro Nacional de Geógrafos de 1978 e o 1º
Encontro Nacional de Ensino de Geografia - Fala Professor de
1987, esta temática relacionada à corrente crítica tanto da
ciência quanto da disciplina escolar assumiu a centralidade nas
discussões realizadas (CAVALCANTI, 1998). Logo, este
momento da história da Geografia foi marcado por um debate
teórico extremamente rico num contexto em que a sociedade
brasileira presenciava transformações políticas, econômicas,
sociais e educacionais.
Entretanto, apesar do quadro positivo em que se está
descrevendo acerca da Geografia no Brasil, é necessário
esclarecer que estes avanços supracitados eram mais notáveis

23
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
na teoria e nos discursos do que nas práticas efetivas. Kaercher
(2004, p. 117) argumenta que:
O que veio posteriormente – GC e Pedagogia
progressista -, embora com intenções mais democráticas, pelo
menos no nível do discurso, com uma maior preocupação com
o sujeito aluno, não conseguiu dar um salto de qualidade no
que diz respeito a uma melhoria da aprendizagem do aluno e
nem na construção de relações P-A mais efetivas. A GC e a
Pedagogia Progressista trouxeram um grande número de
slogans, palavras de ordem, boas intenções, mas sua
operacionalização cotidiana na sala de aula ficou frágil, pois o
próprio papel do professor ficou secundarizado, confuso.
A Geografia Crítica e a Pedagogia Crítica foram
movimentos importantes ao apresentar uma nova perspectiva e
questionar a realidade educacional em voga. Contudo, as
mudanças que provocaram foram muito mais significativas e
observáveis no plano teórico do que na ação pedagógica dos
professores do ensino básico. Sendo assim, a discussão evoluiu
no âmbito acadêmico, porém houve (e ainda há!) dificuldades
de implementação no espaço escolar. Surge então o
questionamento: por que a renovação da Geografia limitou-se à
universidade e teve dificuldades de refletir-se na escola?
De acordo com Straforini (2004), a construção da
Geografia nas escolas ocorreu de forma verticalizada. Ou seja,
não houve uma construção coletiva entre professores
universitários e professores do ensino básico nem um diálogo
entre os mesmos. O autor afirma que “na verdade, a Geografia
Crítica foi apresentada para a grande maioria dos professores
através dos livros didáticos, pulando a mais importante etapa:
sua construção intelectual” (STRAFORINI, 2004, p. 50). Este é
o ponto-chave, o qual merece atenção: a ausência de uma
construção intelectual fez com que os conteúdos, sob
orientação da linha crítica, chegassem aos educadores de forma
pronta. Isso não foi suficiente para modificar as práticas dos

24
mesmos, visto que permaneciam assumindo posturas
tradicionais.
No contexto contemporâneo, o ensino de Geografia
continua apresentando as características de um modelo
positivista e tradicional. Segundo Goulart (2011), a maneira
como “grande parte dos professores ensina ainda está centrada
na quantidade de informações desinteressantes, desconectadas
e descontextualizadas da realidade dos alunos, das outras áreas
do conhecimento e dos acontecimentos do mundo”. Logo, a
fase tradicional da Geografia escolar ainda não foi superada, o
que revela uma realidade preocupante. A reduzida incorporação
da perspectiva crítica no ensino remete à reflexão acerca da
relação entre a geografia acadêmica e a geografia escolar.
Urge compreender o porquê da distância entre
universidade e escola. Defende-se a ideia de que o
estranhamento entre estes espaços no contexto atual constitui
uma das principais causas do desenvolvimento de um ensino de
Geografia predominantemente reprodutivista, conteudista e
desinteressante. Parte-se do princípio de que os cursos de
formação docente possuem significativa importância ao
preparar os professores que assumirão as salas de aula do
ensino básico. Apesar do processo de renovação da Geografia
ter sido desenvolvido no interior dos cursos universitários, a
maioria dos professores formados nos mesmos não
incorporaram a orientação teórico-metodológica da Geografia
Crítica no seu fazer pedagógico.
No que diz respeito à relação universidade-escola,
Moreira (2014) considera que estas interagem em função de
seus propósitos e também recebem influência de outras
instituições. Para o autor:
Universidade e escola interagem através do que
ensinam. Essa interação nunca é linear e unilateral. Sempre é
uma relação de troca de experiências de domínio do
pensamento que ora vai da universidade para a escola, ora da

25
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
escola para a universidade, diferentemente de como pensamos.
São instituições de ensino que nunca estão em relação
sozinhas, sempre havendo junto e ao lado delas outras
instituições vinculadas ao mesmo mundo intelectual e do saber.
No contexto europeu eram as sociedades de geografia. No
Brasil os institutos de geografia aplicada, como o IBGE.
(MOREIRA, 2014, p. 11)
Tanto a universidade quanto a escola são (ou deveriam
ser) espaços do conhecimento, da reflexão, do pensar. Como
possuem funções complementares, devem estar em constante
conexão. A interação no qual Moreira se refere pode ser
percebida na correspondência existente entre o currículo
universitário e o currículo escolar. Em geral, as disciplinas que
fazem parte dos cursos de Geografia estão associadas à grade
curricular dos conteúdos programáticos da disciplina escolar.
Logo, mesmo que formalmente, há uma articulação entre o
espaço acadêmico e escolar.
No entanto, o foco de análise empreendido encontra-se
em outra questão. Não se trata de conteúdo, mas sim da
formação do professor, da construção da sua identidade
docente, da epistemologia que irá assentar sua prática
pedagógica. Nesse sentido, parte-se do pressuposto de que a
geografia acadêmica não pode ser confundida com a geografia
escolar. Cada uma possui uma função, visa determinados
objetivos e são direcionadas a grupos distintos de sujeitos.
Para Cavalcanti (2012), a Geografia escolar refere-se ao
conhecimento geográfico ensinado, trabalhado em sala de aula,
de modo que constitui uma referência fundamental à geografia
acadêmica. É a geografia acadêmica, por sua vez, que garante a
legitimidade da geografia escolar, pois os cursos de formação
acadêmica são orientados nesse sentido. Callai (2013) aponta
que o conhecimento da Geografia escolar se difere da
acadêmica, pois é influenciado pelas características da escola,
do seu contexto e tem o intento de atender as finalidades

26
sociais da mesma. Outrossim, estas são construídas de maneira
distinta e uma não significa a mera reprodução da outra,
simplificando seu conteúdo. A autora esclarece que “o que
acontece com os conteúdos escolares não se reduz a uma
simples passagem sequencial da ciência para o que é ensinado
na universidade e para os livros didáticos e para o que o
professor ensina e o que o aluno aprende” (CALLAI, 2013, p.
50).
A Geografia escolar resulta da seleção dos conteúdos
que serão trabalhados a partir do que é específico da ciência
geográfica. Contudo, ao considerar o contexto escolar, cria-se
um novo conhecimento específico da escola, não se trata mais
de uma repetição da Geografia acadêmica. Logo, a Geografia
escolar é construída com base nos conhecimentos provenientes
da formação inicial, mas também através da relação entre os
professores, das experiências que obtiveram no seu trabalho
profissional, dos cursos de formação continuada realizados e
dos projetos e intenções da escola.
É evidente que Geografia acadêmica e escolar não são
sinônimos e uma não resulta da simplificação da outra. No
entanto, é comum observar alguns professores recém-formados
que, em sua prática profissional, apenas reproduzem os
conteúdos que foram trabalhados na universidade de forma
reducionista. Assim, verifica-se uma transmissão dos
conteúdos, o que pode ser considerado como o
desenvolvimento da Geografia Tradicional na escola. Eis aqui
um ponto crucial: na formação docente, a preocupação em
ensinar a aprender tem se resumido, em muitos casos, a uma
questão meramente técnica, desconsiderando seu caráter
pedagógico e social. Consequentemente, este modelo tende a
contribuir para a permanência de um ensino tradicional.
Compartilha-se a ideia de que a não consolidação da
Geografia Crítica no espaço escolar está associada à relação
entre Geografia acadêmica e Geografia escolar. De acordo com

27
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
Castrogiovanni (2014, p. 91), “é inegável que ainda existam,
em muitos casos, práticas extremamente tradicionais na sala de
aula, não condizentes com a transformação ocorrida na ciência
ao longo das últimas décadas”. Nesse sentido, a realidade atual
do ensino de Geografia evidencia que a Geografia escolar não
acompanhou os avanços que ocorreram na ciência geográfica.
A discussão teórica empreendida em âmbito acadêmico ainda
apresenta dificuldades de ultrapassar os muros da universidade
e atingir as salas de aula das instituições escolares.

4 – Considerações finais

Por conseguinte, os cursos de formação de professores


assumem uma relevância considerável ao tornar explícitas as
diferenças entre geografia acadêmica e geografia escolar e, ao
mesmo tempo, possibilitar sua articulação. Para tanto, é
necessário que a formação do professor de Geografia não se
limite a lhe apresentar ferramentas e técnicas de transmissão
dos conteúdos geográficos, uma vez que “o ensino crítico de
geografia pressupõe a recusa de qualquer modelo; não há assim
nenhuma geografia crítica escolar pronta, [...]” (VESENTINI,
1985, p. 56). É preciso que o educador possua uma
fundamentação teórica, tenha conhecimento da história da
Geografia científica e escolar, além dos pressupostos da
Pedagogia.
Para que se deixe de desenvolver um ensino de
Geografia como o que Kaercher (2007a, p. 30) denomina de
“Gigante de pés de barro”, isto é, uma epistemologia pobre e
uma pedagogia confusa por parte do professor, deve-se
repensar a formação inicial. Sendo assim, os cursos de
formação docente devem auxiliar no sentido de que o educador
tenha clareza quanto às suas concepções epistemológicas de
Geografia e de Educação. Cabe ressaltar que a partir da sua

28
visão de mundo, do seu posicionamento político, o professor
irá adotar a linha teórica que orientará sua prática educativa.
Portanto, salienta-se que a prática profissional do
professor não deve se restringir a aplicação de técnicas e
métodos, mas é essencial que esteja assentada em uma
epistemologia. Isso exige o constante questionamento acerca
do que é Geografia, para que(m) serve, por que ensiná-la.
Aliada a corrente de pensamento da Geografia que embasa a
ação pedagógica do educador, deve-se apoiar também em uma
orientação teórico-metodológica da Educação, tendo em vista
que o encontro dos pressupostos da Geografia e da Educação
irá caracterizar o trabalho docente e poderá propiciar um ensino
de Geografia crítico, reflexivo e, sobretudo, realmente
significativo para os educandos. Esta não é uma tarefa fácil,
visto que envolve os cursos de formação de professores e a
própria auto-reflexão do educador no que concerne às suas
concepções epistemológicas e à vinculação destas ao seu fazer
pedagógico. Pretende-se com que as tensões entre geografia
escolar e geografia acadêmica deixem de ser latentes e passem
a ser encaradas. Este é o desafio.
Agradecimentos
Agradecimento à CAPES (Coordenadoria de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pela bolsa de
pesquisa de mestrado, pois este artigo é decorrente da pesquisa
de dissertação que está sendo desenvolvida.

REFERÊNCIAS

CALLAI, Helena Copetti. A formação do profissional da


geografia: o professor. Ijuí: Ed. Unijuí, 2013.
CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos. Subir aos sótãos para
descobrir a Geografia. In: MARTINS, Rosa Elisabete Militz

29
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
Wypyczynski; TONINI, Ivaine Marina; GOULART, Ligia
Beatriz. Ensino de geografia no contemporâneo: experiências e
desafios. Santa Cruz, do Sul: EDUNISC, 2014.
CAVALCANTI, Lana de Souza. Geografia, escola e construção
de conhecimentos. Campinas, SP: Papirus, 1998.
CAVALCANTI, Lana de Souza. A geografia escolar e a cidade:
ensaios sobre o ensino de geografia para a vida urbana
cotidiana. Campinas, SP: Papirus, 2012.
CHRISTOFOLETTI, Antonio. Perspectivas da Geografia. São
Paulo: DIFEL, 1982.
CLAVAL, Paul. Epistemologia da geografia. Florianópolis: Ed.
Da UFSC, 2011.
CORRÊA, Roberto Lobato. Espaço, um conceito-chave da
Geografia. In: CASTRO, Iná Elias de.; GOMES, Paulo Cesar
da Costa.; CORRÊA, Roberto Lobato (Orgs.). Geografia:
conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
GOULART, Lígia Beatriz. Aprendizagem e ensino: uma
aproximação necessária à aula de Geografia. In: TONINI, M.
I.; GOULART, L. B.; MARTINS, R. E. M. W.;
CASTROGIOVANNI, A. C.; KAERCHER, N. A. (Orgs.). O
ensino de geografia e suas composições curriculares. Porto
Alegre: Ufrgs, 2011.
KAERCHER, Nestor André. A Geografia escolar na prática
docente: a utopia e os obstáculos epistemológicos da Geografia
Crítica. Tese (Doutorado em Geografia Humana) FFLCH, USP,
São Paulo, 2004.
KAERCHER, Nestor A. A Geografia escolar: gigantes de pés
de barro comendo pastel de vento num fast food. Terra Livre,
Presidente Prudente, v. 1 n° 28, p. 28-44, Jan-Jun. 2007.
KIMURA, Shoko. Geografia no ensino básico: questões e
propostas. São Paulo: Contexto, 2011.
LACOSTE, Yves. A geografia – isso serve, em primeiro lugar,
para fazer a guerra. Campinas, SP: Papirus, 1988.

30
MARTINS, E. M. W. A trajetória da Geografia e o seu ensino
no século XXI. In: TONINI, M. I.; GOULART, L. B.;
MARTINS, R. E. M. W.; CASTROGIOVANNI, A. C.;
KAERCHER, N. A. (Orgs.). O ensino de geografia e suas
composições curriculares. Porto Alegre: Ufrgs, 2011.
MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história
critica. São Paulo: Hucitec, 1997.
MOREIRA, Ruy (Org.) A Geografia serve para desvendar
máscaras sociais. In: Geografia: teoria e critica ; o saber posto
em questão. Petrópolis: Vozes, 1982.
MOREIRA, Ruy. O que é geografia. São Paulo: Brasiliense,
2009.
MOREIRA, Ruy. O pensamento geográfico brasileiro:
as matrizes brasileiras. São Paulo: Contexto, 2010.
MOREIRA, Ruy. Para onde vai o pensamento geográfico? : por
uma epistemologia crítica. São Paulo: Contexto, 2011.
MOREIRA, Ruy. O discurso do avesso: para a crítica da
geografia que se ensina. São Paulo: Contexto, 2014.
PONTUSCHKA, Nídia Nacib; PAGANELLI, Tomoko Iyda;
CACETE, Núria Hanglei. Para ensinar e aprender Geografia.
São Paulo: Cortez, 2009.
PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A Geografia está em
crise. Viva a Geografia! In: MOREIRA, Ruy (Org.) Geografia:
teoria e critica; o saber posto em questão. Petrópolis: Vozes,
1982.
SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: da crítica da
geografia a uma geografia crítica. São Paulo: EDUSP, 2008.
STRAFORINI, Rafael. Ensinar geografia: o desafio da
totalidade-mundo nas séries iniciais. São Paulo: Annablume,
2004.
TONINI, Ivaine Maria. Geografia escolar: uma história sobre
seus discursos pedagógicos. 2. Ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006.
VESENTINI, José William. Para uma geografia crítica na
escola. São Paulo: Ática, 1985.

31
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA

UNIDADE II: RECURSOS DIDÁTICOS NO ENSINO DA


GEOGRAFIA

O ENSINO DE GEOGRAFIA E O USO DOS RECURSOS


DIDÁTICOS E TECNOLÓGICOS
Flaviana Moreira Calado

Resumo:
Este artigo tem como objetivo fazer uma análise sobre a
pesquisa bibliográfica e de campo, sobre a importância do
ensino da geografia e o uso dos recursos didáticos e
tecnológicos, verificando como estão sendo trabalhados na
escola. Sabe-se que a inclusão do ensino de geografia no Brasil
passou por vários debates, até fazer parte do currículo oficial
do ensino fundamental. Desde então a geografia vêm passando
por mudanças significativas, logo, observa-se também a
importância do auxílio dos recursos didático – tecnológicos
nesse processo de mudanças. O conceito de geografia e a noção
do espaço são importantes para a construção do conhecimento
dos alunos. Verifica-se também que o livro didático ainda é o
recurso mais acessível até o momento e, um importante recurso
nas escolas. Para atingir o objetivo, foi realizada uma pesquisa
bibliográfica e levantamento de dados, através de entrevistas e
aplicação de questionários, com o intuito de analisar como o
ensino de geografia vem sendo abordado nas séries iniciais do
ensino fundamental bem como a contribuição do uso das novas
tecnologias podem melhorar o processo de ensino-
aprendizagem dos alunos. Conclui-se que o ensino tradicional

32
ainda prevalece nas aulas de geografia, e quanto aos docentes
das escolas pesquisadas, nota-se que há uma falta de incentivo
e motivação para a inovação de suas metodologias. Logo
repensar a sua prática pedagógica é primordial para a melhoria
do ensino aprendizado da criança.
Palavras-chave: Novas tecnologias; Geografia; Ensino
fundamental.

INTRODUÇÃO
Artes tem uma recente história como disciplina
obrigatória no currículo escolar brasileiro. Já considerada
atividade complementar e, ainda, extracurricular, a disciplina
tal como a conhecemos hoje já passou por diversas
transformações e configurações, desde sua implementação pela
Lei 5692 em 1971.
O ensino de geografia e o uso dos recursos didáticos e
tecnológicos no ensino fundamental de 5ª a 8ª séries, é de
fundamental importância, pois, através dessa disciplina o aluno
pode desenvolver o seu senso de localização e também
compreender-se como parte do mundo em que vive. O ensino
dessa disciplina proporciona a aquisição e o aperfeiçoamento
de determinados conceitos que contribuem de forma
significativa para o desenvolvimento do aluno não só como
indivíduo no seu meio ambiente, mas também como cidadão
em seu meio social. Tais conceitos podem ser aproveitados nas
séries iniciais, pois os conteúdos abordados nas aulas de
geografia possibilitam desenvolver tanto os aspectos sociais
quanto os físicos.
Assim como em todas as disciplinas na escola pública,
também na Geografia, percebe-se uma tendência à
continuidade da utilização de métodos tradicionalistas no
processo ensino-aprendizagem. Apesar de as escolas
gradualmente serem abertas para as novas tecnologias
(atualmente quase todas as escolas já têm laboratórios de

33
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
informática, TV, DVD players, parabólicas, etc.) o que se
observa é que o uso adequado das novas tecnologias não
ocorre, o que prova que simplesmente disponibilizar essas
tecnologias na escola não é suficiente.
Promover mudanças no ensino da geografia não
compete somente aos professores, mas também ao governo
(através de políticas educacionais eficientes), e à família (com
apoio e acompanhamento da vida escolar do aluno). A parceria
escola/família é muito importante na aprendizagem dos alunos,
pois, é no seu cotidiano (na sua casa, no seu quintal, no seu
bairro, etc.) que eles começam a formar seus próprios conceitos
sobre o meio que os cerca (o seu meio ambiente), como por
exemplo, lugar, paisagem, região e território. Ao analisar o
espaço que os alunos estão inseridos, pode-se sugerir a
elaboração de mapas do percurso que os alunos fazem
diariamente da escola para sua casa, do seu bairro, da sua
cidade, etc.
A escolha desse tema surgiu a partir de um
acompanhamento e observação no ambiente escolar, no
decorrer dos últimos meses, e observando a necessidade da
implantação de novos recursos e métodos para a melhoria do
ensino da geografia escolar.
Assim, este artigo tem como objetivo fazer uma
reflexão a respeito do ensino de geografia e levar os
professores a refletir sobre a realidade local, onde se encontram
inseridos, integrando o conhecimento geográfico à sua
experiência de vida e a partir desse contexto, desenvolver
diferentes habilidades nos educandos do ensino fundamental.
Com a intenção de atingir o objetivo proposto, foi
realizada uma pesquisa de campo, através de observações e
conversações com a equipe pedagógica, em duas escolas de
ensino fundamental, no município de Capitão Poço, região
nordeste do estado do Pará.

34
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Inclusão do ensino de geografia nas séries iniciais no


Brasil O ensino de geografia no Brasil foi fortemente
influenciado pela reforma Capanema que foi responsável pela
inserção desse ensino no currículo oficial no país, e desde
então com o aprofundamento das discussões, a reestruturação
curricular da educação e o ensino de geografia foram ao
encontro das necessidades de assimilação de conhecimentos
úteis para a vida em sociedade.
Segundo autor:
A reforma Capanema foi responsável pelo ensino de
geografia no Brasil, que passou a fazer parte do currículo
oficial do ensino primário no país, a partir da Lei Orgânica do
Ensino Primário e a Lei Orgânica do Ensino Normal, em 1946.
De acordo com as propostas da escola nova, que tinha a função
de promover o desenvolvimento geral do aluno, possibilitando
adquirir conhecimentos que fossem úteis para a vida em
sociedade. (MARQUES, 2008, p. 203).
Houve vários debates sobre o ensino de geografia até a
promulgação da LDB de 1961, que foi concretizada somente
com a Lei 5692/71. Esta lei tinha a intenção de alinhar, o
sistema educacional conforme os moldes políticos da época.
Mas, contrariamente aos objetivos políticos e ideológicos, a
geografia fugia totalmente das necessidades do governo em
impor sua ideologia. “Buscando uma disciplina que se adéqua
ao sistema de governo da época, Jânio Quadros, então criou a
disciplina de Educação Moral e Cívica (EMC) em todos os
graus de ensino”. (MARQUES, 2008, p. 204).
Segundo o autor,
Com a reforma da LDB em 1971, foi introduzida a
matéria Estudos Sociais no currículo das escolas primárias
visando à substituição de geografia e história. A implantação da
disciplina Estudos Sociais, somada ao ensino da EMC,

35
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
acarretou muitos problemas que podem ser detectados na
escola de base ainda hoje. (MARQUES, 2008, p. 205)
Percebe-se que os problemas relacionados ao processo
do ensino de geografia voltada para a construção de noções do
espaço e seus conceitos, e também, a problemas relacionados
ao ensino de história como civismo e as datas comemorativas,
que eram ensinados na Educação Moral e Cívica, até hoje estão
impregnadas nos currículos tanto de geografia como de
história, dificultando o trabalho do professor, que vem
buscando contextualizar o ensino com a realidade do aluno.

A importância do ensino de geografia nas séries


iniciais do ensino fundamental

Repensar o ensino de geografia nas séries iniciais do


ensino fundamental, na atualidade, é uma tarefa que requer
cuidados e acima de tudo responsabilidade. Devemos ressaltar
que, para que haja mudanças no método de ensino da
geografia, é preciso também uma parceira, como abordam
Melo & Urbanetz (2008, p. 91), “[...] na escola, cabe ao
professor repensar sua prática no coletivo institucional, da
comunidade, entendendo a educação como um compromisso de
todos.”
Assim, considerando as contribuições dos autores,
podemos notar a importância da parceira escola/família e a
comunidade. De modo geral, todos têm obrigação em colaborar
com um ensino-aprendizagem de qualidade, abrindo inúmeras
possibilidades voltadas para o desenvolvimento de um bom
trabalho educacional, principalmente para as crianças das séries
iniciais do ensino fundamental que estão começando a
desenvolver suas habilidades de aprendizagem.
O ensino da disciplina de geografia está em processo de
mudanças significativas e essas têm sido questões com as quais
os professores de geografia têm-se defrontado ultimamente.

36
Santos (2010, p.25) afirma que, “[...] no lugar de uma geografia
meramente descritiva, os novos tempos dão lugar a uma
realidade vivida pelo educando e a sua situação nesse
contexto.”
Isso significa que, o ensino de geografia na atualidade, tem-se
voltado para uma nova realidade onde o aluno deve interpretar
o que lhe é ensinado para melhor compreender o que passa a
sua volta, ou seja, o lugar que ele ocupa dentro do contexto
geográfico, e sua relação com as demais áreas do
conhecimento.
A geografia especializou-se também em estudar realidades
presentes no espaço geográfico dos alunos, como Santos (2010,
p.22) coloca, “[...] a geografia é uma ciência ligada à vida e,
portanto, ligada ao cotidiano do aluno.” Nesse sentido é muito
significativo colocar as crianças diante do mundo a ser
decifrado, para isso é necessário como uma estratégia, a
pesquisa de campo para que se possa fazer uma leitura mais
aprofundada das paisagens e, através dela podermos identificar
os sistemas naturais, culturais e a relação que existe entre si.
Como educadores temos um papel muito importante, que é
fazer com que o aluno seja um pesquisador de seus próprios
conhecimentos. Para isso é viável, antes de realizar uma
pesquisa de campo, fazer uma prévia dos elementos que
constituem a pesquisa e o espaço geográfico onde os alunos
irão pesquisar para uma melhor fundamentação do trabalho e
de preferência algo que tenha a ver com a realidade dos
mesmos.
A iniciação da aprendizagem na geografia se apresenta de
forma imprescindível, não somente pelo fato de fazer parte da
vida de uma maneira geral, mas por trazer informações úteis
para a construção do saber nos primeiros ciclos de formação da
criança.
De acordo como abordam os (PCNs, 1997, p.128) sobre a
construção dos saberes geográficos contata-se que: “[...] desde

37
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
o primeiro ciclo é importante que os alunos conheçam alguns
procedimentos que fazem parte dos métodos de operar da
geografia: observar, descrever, representar e construir.”
Observa-se que a geografia se ocupa da descrição da superfície
terrestre e das relações que os homens estabelecem com esse
meio envolvendo aspectos culturais, sociais, naturais e
históricos do lugar.
Sobre essa questão, as autoras comentam que:
O aluno que pesquisa aprende a observar, catalogar
informações, a analisá-las reconstruindo constantemente o seu
saber, construindo assim, a sua autonomia agindo como um
cidadão que possa contextualizar e refletir sobre o lugar que
vive: sua gênese, suas relações de poder e suas possibilidades.
Reconhecendo o espaço produzido e se reconhecendo como
parte do mundo que se reproduz no local e nas relações
cotidianas. (NUNES & RIVAS, 2009, p. 4)
Para essas autoras, o ensino de geografia é muito além de
preparar o aluno para as séries seguintes, e sim ajudá-lo a
tornar-se um cidadão que busca informações e conhecimentos
para a construção efetiva do saber e da vida em sociedade,
fazendo com que o mesmo possa pensar de forma crítica
elaborar perguntas problematizar estabelecendo relações entre
a construção do conhecimento.
Assim nota-se a importância que tem o ato da observação e
interpretação dos lugares para o entendimento do espaço, ou
seja, o lugar como lócus.
Pode-se notar no que diz respeito ao ensino da geografia
escolar, que o aluno
precisa entender e reconhecer os vários aspectos da sociedade
humana, como sua dinâmica, cultura, tradições e as constantes
transformações que vem sofrendo o espaço geográfico ao longo
da história.
Segundo o autor,

38
A geografia, como as demais ciências que fazem parte do
currículo de 1º e 2º graus, procura desenvolver no aluno a
capacidade de observar, analisar, interpretar e pensar
criticamente a realidade, tendo em vista a sua transformação.
(OLIVEIRA, 2010, p. 141)

Neste aspecto devem ser levados em consideração as


transformações dos espaços geográficos, o antes e o depois, ou
seja, os espaços modificados e seu contexto dentro da história.

As contribuições do uso dos recursos didático-tecnológicos


no ensino de geografia

Partindo-se do pressuposto de que a contemporaneidade exige


por parte do professor inovações no que concerne ao uso dos
recursos didáticos e tecnológicos em sala de aula, e no tocante
as diferentes transformações sociais, tecnológicas e cientificas
que a sociedade atual vem passando, entende-se nesse contexto
histórico contemporâneo, a necessidade de inserir no ensino de
história e geografia, novas tecnologias como ferramentas para
superar os desafios postos, tanto no que concerne ao ensino,
quanto a aprendizagem dos alunos.
Observa-se, no entanto, que há escolas, que em pleno século
XXI, que não possuem esse aparato de recursos metodológicos
e, muitas vezes, nem o recurso mais simples como quadro
branco e livros didáticos, observando-se ainda no seu acervo
bibliográfico, uma grande insuficiência de livros. A escola não
tem contribuído em suas práticas educativas e também não sido
receptiva, por diversos fatores a essas transformações e
evoluções tecnológicas, mesmo sendo ferramentas relevantes
para ensino de geografia, como afirma as autoras, Nunes &
Rivas (2009, p.2), “[...] a introdução de novas tecnologias e
novas formas de apropriação da informação propicia inúmeras
possibilidades de atuação na sociedade contemporânea”, e sem

39
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
dúvida essas ferramentas na escola ajudam bastante tanto os
professores quanto os alunos a desenvolver habilidades
importantes no ensino-aprendizagem. Além de despertar a
curiosidade, permitem retirar os alunos das aulas rotineiras,
sem nenhuma expectativa, as quais fazem com que causem
certo tipo de antipatia pela disciplina.

A importância do livro didático na sala de aula

O livro didático não pode ser considerado um recurso


descartável, levando-se em conta, as estratégias metodológicas
que devem ser usadas para trabalhar com esse recurso, pois,
este ainda é o meio, em muitas escolas, mais viável e mais
acessível aos alunos.
O livro didático é uma ferramenta importante para o professor
e como cita Stefanello (2008, p.86) “[...] o livro didático é, sem
dúvida, instrumento indispensável para o ensino, não como
mero objetivo de levar informações ao aluno, mas por ser uma
ferramenta no processo de construção do conhecimento”. Pode-
se utilizar o livro didático não somente para a leitura, mas
também para resumos, interpretação de textos, observação de
imagens, fazer exercícios de fixação, etc. Isto significa que não
podemos descartar o livro didático, pois, é também um recurso
de grande valia, capaz de construir o conhecimento dos alunos.
Mais o professor deve ficar atento quanto à qualidade dos
livros didáticos e analisar de forma minuciosa os conteúdos
que estão inseridos nestes livros que são distribuídos para as
escolas públicas.

METODOLOGIA

A metodologia utilizada para o desenvolvimento deste estudo


que teve como temática o ensino de geografia e o uso dos

40
recursos didáticos e tecnológicos foi à descritiva / qualitativa,
por meio da qual se buscou investigar o uso destes recursos nas
práticas pedagógicas em sala aula, os resultados foram
alcançados por meio da técnica de pesquisa bibliográfica, de
observações, e de pesquisa de campo, fundamentada em um
estudo e análise da bibliografia, de observações, e de
entrevistas informais e aplicação de questionário para os
informantes da pesquisa, que foram: funcionários (diretores,
coordenadores pedagógicos e professores) das duas escolas,
onde funciona o ensino fundamental (5ª a 8ª séries), no
município de Capitão Poço, localizado no nordeste do estado
do Pará. Através dos dados levantados nas entrevistas, e nas
observações, sobre quais são os recursos tecnológicos
disponibilizados pela Secretaria de Educação do município
para escolas municipais e de que forma são distribuídos, e
como os professores fazem uso destes recursos, para facilitar o
ensino de geografia de seus alunos, obtiveram-se os seguintes
resultados:
 Escola E.M.E.F. Professora Walmeire Borges,
localizada no subúrbio da cidade, têm disponíveis os
recursos tecnológicos como: TV, DVD, aparelho de
som, um laboratório de informática, conectado a
internet desde 2009.
De acordo com os dados levantados, em relação aos recursos
tecnológicos observadas na escola, foi que, a escola tem uma
sala de laboratório de informática que possui internet desde
2009. Percebe-se que, apesar da escola estar localizada na zona
periférica da cidade, isso não impediu que a educação fosse
priorizada, diferenciada e valorizada, em relação às escolas
localizadas no centro da cidade.
Para os oito docentes da escola foram aplicados um
questionário, com questões relativas a:
 Identificação do profissional (sexo, idade, formação,
tempo de atuação);

41
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
 Área de formação (Geografia);
 Posição do profissional em relação à maneira de como
deve ser ensinada a geografia;
 Tipo de recurso didático utilizado nas aulas;
 Manuseio dos recursos tecnológicos disponíveis.
 A opinião do profissional em relação ao que deve ser
feito para mudar essa realidade.

A análise das respostas permite afirmar que, a maioria dos


docentes possui formação específica na área de Pedagogia.
Quanto ao posicionamento de como a geografia deve ser
trabalhada, observou-se que muitos ainda estão utilizando uma
metodologia tradicional, pois as escolas não têm recursos para
oferecer aos docentes uma inovação em suas práticas
pedagógicas; alguns docentes alegam que, isto ocorre devido a
una área específica. Quanto ao tipo de recurso didático mais
utilizado em suas aulas, as respostas indicaram o livro didático,
que é viável na escola, porém, alegam os professores das duas
escolas, para a questão da insuficiência desses livros.
Quanto aos recursos tecnológicos disponíveis nas escolas
como: o DVD, computadores, etc. já citados anteriormente,
observou-se que na questão da informática, os professores das
escolas pesquisadas ainda não sabem manuseá-los
adequadamente, pois se acredita que há uma falta de
preparação, ou seja, falta de uma formação continuada para
ensiná-los a trabalhar esses recursos em suas aulas.
E para que haja mudanças no processo de ensino-aprendizado
nas aulas de geografia, é necessária a disponibilização de
recursos didáticos e sem dúvida mais participação da
coordenação pedagógica no decorrer do desenvolvimento das
aulas. E a partir da contribuição e parceria da comunidade
escolar/família, pode-se mudar a metodologia adotada nas
escolas pesquisadas.

42
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Diante das observações evidenciadas no decorrer do


desenvolvimento deste trabalho, notou-se que o ensino de
geografia vem acontecendo de forma meramente tradicional,
ou seja, os professores ainda estão ligados aos recursos mais
simples encontrados na escola, não inovam suas metodologias
com aulas práticas (de campo).
Podemos desenvolver habilidades e melhorar o ensino-
aprendizagem das nossas crianças, com o auxílio desses
recursos tecnológicos disponibilizados à escola.
Devemos ressaltar também, um ponto muito importante
em relação aos recursos metodológicos e sua utilização no
decorrer das aulas. Será que todas as escolas da rede pública no
Brasil, possuem realmente todas essas tecnologias já citadas
anteriormente? E os professores sabem manusear esses
recursos em suas aulas? E como anda o processo de ensino-
aprendizagem na geografia com a utilização desses recursos?
São indagações que muitas das vezes ficamos em dúvida.
Com relação aos professores, observou-se que falta uma
de treinamento, para que possam inovar suas aulas com
diversos recursos disponibilizados na escola; isto foi constado
durante a entrevista realizada com os professores e demais
funcionários das escolas.
No que se refere ao ensino de geografia, as novas
tecnologias podem tornar as aulas dinâmicas, deixando de lado
aquela geografia tradicional, onde o aluno nada mais é do que
um recebedor de informação. E para romper com essa prática
tradicional na sala de aula, o professor terá que inovar e criar

43
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
novas possibilidades de aprendizagem. Com o auxílio desses
recursos, principalmente no ensino fundamental, os alunos vão
ficar motivados para participar das aulas, contribuindo assim
para o seu aprendizado.
Sobre a utilização de novas tecnologias, Lopes (2010,
p.83) considera que, “[...] precisamos ficar atentos a esse
contexto, pois para saber utilizar as ferramentas, as tecnologias
atuais, é necessário um bom método”, ou seja, os professores
têm que saber como, utilizar essas ferramentas de apoio
durante o desenvolvimento de suas aulas, logo para que isso
ocorra, os educadores, necessitam de um preparo adequado,
para lidar com esse aparato tecnológico, principalmente o uso
dos computadores ligados a internet. Porém, como afirma
Stefanello (2008, p.116) “[...] caso a escola disponha desse
recurso, é necessário que o professor oriente e acompanhe as
pesquisas feitas na internet, mostrando aos alunos uma
utilização muito ampla e valiosa dessa ferramenta”.
Desta forma, nota-se a importância na escolha das
ferramentas a serem adotadas, pois se deve levar em
consideração o nível de escolaridade dos alunos, bem como,
verificar qual o recurso é mais apropriado para o tipo de
trabalho a ser desenvolvido na escola.
Vale ressaltar também que o educador não pode ver a
tecnologia como o único recurso para o desenvolvimento de
uma boa aula. Até porque os recursos metodológicos podem
variar. Podem ir desde o quadro-de-giz (eventualmente em
algumas escolas estão sendo substituídos por projeção em
Power point) ao trabalho em equipes virtuais, do recorte de
revistas e do conhecimento exclusivamente através do livro
didático. Dentre outros recursos, incluem-se à criatividade dos
alunos, que é de suma importância.
Segundo a metodologia adotada, os recursos didáticos
propõem diversas maneiras, que viabilizam o processo de
aprendizagem a partir de uma visão sociointeracionista do

44
ensino de geografia. A tecnologia faz parte do cotidiano dos
alunos e a escola é responsável por fazer com que a criançada
tenha acesso a ela.

Como explicitam as autoras:


O professor necessita transpor a mera instrução
conceitual/técnica e tornar-se mediador do fluxo incessante de
informações e de novas tecnologias e, para isso, deve possuir
algum conhecimento sobre o uso didático desses aparatos
tecnológicos – a atualização deve ser constante e continua
porque requer certa intimidade com as ferramentas. (NUNES
& RIVAS, 2009, P. 10)
Como as autoras afirmam, o professor deve estar
instruído quanto ao uso dos recursos tecnológicos nas diversas
disciplinas. No ensino de geografia os recursos didáticos–
tecnológicos, permitem aulas mais atrativas, ou seja, a
inovação dos métodos tanto para os alunos quantos para os
professores, possibilita uma aula dinamizada sem fugir do
contexto.
Assim, diante das informações adquiridas no decorrer
dessa pesquisa, opta-se em sugerir para o desenvolvimento das
aulas de geografia com o auxílio dos recursos tecnológicos
encontrados na escola: utilização de vídeos/filmes, imagens,
slides, músicas, blogs, fóruns, chats.
A utilização dos vídeos/filmes na sala de aula requer
alguns cuidados importantes como Stefanello (2008, p.116)
ressalta, “[...] quando utilizamos filmes como recurso
metodológico precisou verificar que tipos de imagens eles
contêm, no sentido de atentar a que informações elas se
referem.” Pois como estamos trabalhando com alunos de séries
iniciais, precisamos fazer uma análise das cenas dos filmes ou
documentários, ou seja, sugerimos ao professor assistir o
conteúdo antes de passá-lo para os alunos.

45
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
As imagens são importantes recursos metodológicos
para que os alunos, principalmente das séries iniciais do ensino
fundamental, consigam atribuir sentido ao aprendizado dos
conteúdos de geografia. Podemos mostrar fotografias,
ilustrações, figuras até mesmo do livro didático, imagens de
mapas, gráficos, tabelas etc.
A utilização da música é uma ferramenta importante
também, pois, esse recurso ajuda o professor a dinamizar seu
trabalho, fazendo das aulas um momento prazeroso para ele e
os educandos. Assim podemos trabalhar letras de música que
abordem questões como a regionalização do espaço e suas
riquezas regionais entre outros, de acordo com o nível de
aprendizagem das séries relativas ao ensino fundamental.
De maneira geral, os recursos didáticos oferecem a
oportunidade de desenvolver atividades interdisciplinares, que
contribuem de forma significativa para o enriquecimento das
aulas não só de geografia mais também com as outras
disciplinas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mediante o desenvolvimento deste trabalho de


pesquisa, observa-se que em pleno século XXI, ainda existem
escolas que vem passando por dificuldades, pois há uma falta
de incentivo e motivação para desenvolver aulas prazerosas e
sair da rotina fazendo uso dos recursos mais comuns
encontrados nas escolas públicas que é a lousa e o livro
didático, que na maioria das vezes e dependendo do professor é
o único recurso.
Nota-se também que, as escolas pesquisadas ainda não
têm condições de oferecer muitos recursos tecnológicos para
inovação das metodologias dos professores. Recursos esses,
que em algumas escolas, hoje em dia, são comuns, como por
exemplo, a disponibilidade de data show, computadores

46
conectados à internet, entre outros recursos, para uso em sala
de aula.

Inovar sua metodologia faz com que a aula de geografia


se torne prazerosa e, satisfaça com sucesso o ensino às crianças
que estão iniciando sua vida estudantil.
Portanto, repensar a prática docente no processo de
ensino-aprendizagem é uma tarefa difícil, mas, jamais
impossível. Pois, diga-se de passagem, que, o educador é o
ponto de partida na alfabetização dos nossos alunos,
principalmente nos primeiros ciclos de formação onde o aluno
nesse momento está, pela primeira vez, em contato com o
mundo de informações que o cerca, ou seja, começando a sua
vida escolar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Ministério da Educação e da Cultura.


Parâmetros curriculares nacionais:
história, geografia. Brasília: MEC/ Secretaria de
Educação Fundamental (SE)F, 1997.
166p.
BRABANT, Jean-Michel de. Crise da Geografia, Crise da
Escola/ Para onde vai o
ensino de geografia? Ariovaldo Umbelino de Oliveira
(org.). 9.ed., 3ª reimpressão.
São Paulo: Contexto. 2010, p.17.
BOLIGIAN, Levon; ALVES, Andressa Turcatel. Geografia:
espaço e vivência volume
único; ensino médio. São Paulo: Atual, 2007.
LOPES, Jaime Sérgio Frajuca. Professor - pesquisador
em educação geográfica.

47
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
Curitiba: Ibpex, 2010. (coleção Metodologia do Ensino de
História e Geografia; v.4)
MARQUES, Valéria. Reflexão sobre o ensino de
geografia nas séries iniciais do ensino
fundamental. In: SIMPÓSIO DE GEOGRAFIA, 1. Rio
Claro, SP, 2008. Anais do...
Rio Claro, SP, 2008.
MELO, Alessandro de; URBANETZ, Sandra Terezinha.
Fundamentos de didática.
Curitiba: Ibpex, 2008, p. 186.
NUNES, Camila Xavier; RIVAS, Carmen Lúcia F. R.
Novas linguagens e práticas
interativas no Ensino da Geografia. In: Encontro de
geógrafos de AméricaLlatina
“caminando en una América Latina en transformación,
12., Montevideo, Uruguay,
2009. Anais do… Montevideo, Uruguay, 2009. Disponível
em:
<http://egal2009.easyplanners.info/area03/3107_Figuere
do_Razoni_Rivas_Carmen_Lu
cia.pdf>, 2009. Acesso em 08/08/2011.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de (Org.). Para onde vai
o ensino de geografia? 9.
Ed., 3ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2010, p. 141.
STEFANELLO, Ana Clarissa. Didática e avaliação da
aprendizagem no ensino de
geografia. Curitiba: Ibpex, 2008, p. 159. (Metodologia do
ensino de história e
geografia: v.2).
SANTOS, Lilia Maria Souza. Tecnologia na escola.
Disponível em:
<http://www.faced.ufba.br/~edc287/edc2871999/lliamaria.
htm>. Acesso em
19/05/2011, às 19h30.

48
SANTOS, Rosane Maria Rudnick dos; SOUZA, Maria
Lopes de. O ensino de geografia e suas linguagens.
Curitiba: Ibpex, 2010, (coleção Metodologia do Ensino de
História e Geografia; v. 8).
UNIDADE III: OS CONCEITOS GEOGRÁFICOS MAIS
IMPORTANTES

Revisitando as noções de espaço, lugar, paisagem e


território, sob uma perspectiva geográfica

Luiz Otávio Cabral

Resumo
Entendendo que o papel da geografia na construção de uma
"análise espacial renovada" depende cada vez mais do
conhecimento acerca do significado das categorias espaciais,
propomos, neste artigo, refletir sobre as noções de espaço,
lugar, paisagem e território, a partir de certo número de títulos
da literatura geográfica publicada no Brasil. Desse modo,
acreditamos contribuir com a tese de que se trata de noções que
expressam níveis de abstração ou possibilidades analíticas
diversas e complementares.
Palavras-chave: Espaço; lugar; paisagem; território; análise
espacial.

Introdução
Se nos arriscarmos a qualificar, com poucas palavras, a
produção teórica das ciências sociais durante a década de 1990
e nos primeiros anos deste século, temos de dizer que suas
marcas são a pluralidade temática e analítica. Desse modo, há

49
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
uma miríade de assuntos que vem sendo abordada a partir de
perspectivas de análise mais ou menos diversas.
Outra característica desse veio da produção intelectual interessa
ressaltar: ao mesmo tempo em que os estudos não exibem
preocupação com o enquadramento nos modelos clássicos de
análise — sobretudo porque pretendem maior autonomia
epistemológica e maior poder de explicação e também de
predição — é fácil perceber que vêm recorrendo à reflexão
espacial como recurso analítico necessário à compreensão das
mudanças e das novas configurações estruturais do mundo
contemporâneo.
Entretanto, ao refletir sobre a forma como as categorias
espaciais têm se configurado no domínio das ciências sociais,
chama a atenção, em muitos casos, a conotação genérica e
superficial dos sentidos empregados e, sobretudo, o fato de que
boa parte dos trabalhos recorre aos termos corri° se fossem
sinônimos ou equivalentes.
Neste ensaio, contraditamos essa tendência, ao revisitar as
noções de espaço, lugar, paisagem e território com o intuito de
valorizar o debate mobilizado pela geografia no sentido de
reconhecer que cada categoria deve ser utilizada para
identificar e interpretar dimensões mais ou menos distintas
da realidade socioespacial.

50
De um ponto de vista metodológico, cabe ressaltar que, ao
mesmo tempo em que certo número de precisões se fará
necessário, evitaremos nas reflexões em tomo dessas categorias
a pretensão de encontrar um sentido único, estabelecido
de forma definitiva. Haja vista que o estatuto de conceito exige
formalização e precisão bem maiores, privilegiaremos aqui o
estatuto de noção.
Antes de qualquer coisa, porém, vamos refletir sobre o fato de
a dimensão espacial ser considerada por diversos segmentos
das ciências sociais como um dado que depõe contra a crença
de que a cada disciplina corresponde um recorte ou objeto.

A dimensão espacial e o papel da geografia

Somos fiéis ao entendimento de que a identidade do olhar


disciplinar se encontra no tipo de questionamento que
dirigimos aos fenômenos.
Segundo Gomes (2002, p.292):
[...] podemos conceber que os objetos de investigação são
construídos pelo tipo de questões a eles endereçadas, sendo
estas questões que os conformam, os limitam, os criam, e não o
inverso, como, por vezes, tendemos a imaginar.

51
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
Santos (1999, p. 62) ratifica esse pressuposto, argumentando
que: Os mesmos objetos podem dialogar com as mais diversas
disciplinas [...] A questão que se coloca é, pois, sobretudo, uma
questão de método, isto é, da construção de um sistema
intelectual que permita, analiticamente, abordar uma realidade,
a partir de um ponto de vista.
Entendendo que o objeto de investigação não é um dado a
priori, e sim uma construção, acredita-se ser desnecessário
defender a busca por um objeto com existência separada, isto é,
um objeto geográfico em si, muito menos defender que a
dimensão espacial — e, por conseguinte, as categorias
espaciais — seja um objeto exclusivamente geográfico, já que,
como fundamento da realidade, é abordada sob perspectivas
diversas por disciplinas como a história, a sociologia, a
antropologia, a economia etc.
Ao mesmo tempo, torna-se pertinente enunciar as duas formas
mais emblemáticas de análise espacial assumidas pelas ciências
sociais: de um lado, situa-se a maior parte dos estudos em que
as "condições geográficas" são utilizadas para descrever os
elementos morfológicos ou ambientais de uma dada área e
tomadas simplesmente como explicativas, quando não
determinantes, de certos aspectos da realidade social; de outro,

52
percebe-se no esforço de alguns estudiosos o intento de
demonstrar como o espaço constitui elemento ativo na
organização social, ou seja, que atua a um só tempo como
produtor e como produto, que ele é de forma simultânea agente
e paciente nessa dinâmica (GOMES, 2002).
Assim é que na opinião de muitos geógrafos, cada vez mais,
compete à geografia o desafio de promover a interpretação dos
fenômenos através de uma renovada análise espacial. Para
Gomes (op. cit., p.8), isso pressupõe o compromisso de
exprimir a importância e o alcance da dimensão espacial nos
fenômenos estudados.
Em outras palavras, os princípios de coerência e lógica na
dispersão das coisas sobre o espaço podem trazer à luz um
novo ângulo para a compreensão de certas dinâmicas sociais e
constituem a contribuição propriamente geográfica na análise
dos fenômenos que habitualmente são estudados por áreas
disciplinares vizinhas.
Em nosso entendimento, as possibilidades de construção de
uma "análise espacial renovada" dependem cada vez mais do
conhecimento acerca do significado e das possibilidades
analíticas das categorias espaciais.

53
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA

Espaço

No intento de qualificar o espaço sob uma perspectiva


geográfica, é preciso registrar que as formulações teóricas mais
inspiradoras foram encontradas em A natureza do espaço e A
condição urbana, publicadas por Santos (1999) e Gomes
(2002), respectivamente. Apesar de esses dois autores, nas
obras aqui referenciadas, comungarem o desafio de construir
instrumentos analíticos comprometidos com a interpretação dos
fundamentos da realidade socioespacial contemporânea, é
possível diferenciar essas obras, atestando que, enquanto a
primeira se volta a uma empreitada mais ampla e (meta)teórica,
à medida que busca construir um quadro teórico-metodológico
que pretende ser uma contribuição geográfica para a produção
de uma teoria social crítica, a segunda assume um desafio mais
temático e didático, representado pelo esforço de renovar o
conteúdo da agenda geográfica através da análise espacial de
fenômenos tradicionalmente não estudados pela geografia
brasileira. Não obstante essa diferença, é notório o paralelismo

54
entre as concepções fundamentais desses geógrafos,
especialmente quanto à forma de definir e abordar o espaço sob
um ângulo propriamente geográfico.
Para Gomes (2002, p. 172), por exemplo, três características
definem o "espaço geográfico": I) é sempre uma extensão
fisicamente constituída, concreta, material, substantiva; II)
compõe-se pela dialética entre a disposição das coisas e as
ações ou práticas sociais; III) a disposição das coisas materiais
tem uma lógica ou coerência.
É justamente a interpretação dessa lógica do arranjo espacial e
de seus sentidos que compõe o campo fundamental das
questões geográficas: Por que as coisas estão dispostas no
espaço dessa maneira? Qual MI o significado e as
consequências de tal ordem espacial?
Se nos termos assumidos por Gomes (Id., p.290), "[...] a análise
espacial deve ser concebida como um diálogo permanente entre
a morfologia e as práticas sociais ou comportamentos", para
Santos (1999, p. 18), esse tratamento analítico pressupõe que
"[...] o espaço seja definido como uni conjunto indissociável de
sistemas de objetos e de sistemas de ações".
Dessa forma, os autores apregoam que se torna indispensável à
geografia assumir uma concepção de espaço que contemple
simultaneamente a forma (material) e o conteúdo (social), isto

55
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
é, "examinar o espaço como um texto, onde formas são
portadoras de significados e sentidos" (GOMES, 1997, p.38).
Aliás, Santos define o espaço como um composto de "formas
conteúdo", ou seja, formas que só existem em relação aos usos
e significados que têm nelas sua mesma condição de existência.
Cabe uma breve digressão para dizer que seria ingênuo pensar
que se trata de uma tarefa simples, pois, como alerta Soja
(1993, p.100), o predomínio de uma "visão fisicalista" do
espaço é tamanho que tende a contaminar nosso próprio
vocabulário. Assim, enquanto adjetivos como "social",
"político", "econômico" e "histórico" costumam sugerir
vínculos com ações e motivações humanas, o termo "espacial"
tende a evocar uma imagem física ou material, uma parte do
meio ambiente, o cenário da sociedade ou seu continente, e não
uma estrutura formadora criada pela sociedade. Não seria
impróprio lembrar também que, segundo esse geógrafo, o
"espaço em si" pode ser primordialmente dado, mas sua
organização e sentido são produtos da transformação e
experiência sociais.
Isso leva a insistir no pressuposto de que o espaço (e sua
vivência) seja uma equação dada pela morfologia e pelos
diferentes sentidos que ela é capaz de veicular e condicionar.
Construídos socialmente, os sentidos e significações da

56
organização do espaço são sempre tributários de um universo
relacional: da relação entre coisas espacialmente distribuídas,
da relação entre os objetos e suas funções, da relação entre
esses objetos e as práticas que aí têm lugar, dos lugares com as
coisas e aí sucessivamente (GOMES, 1997).
Em seu livro, Gomes (2002) discorre sobre a "linguagem"
como metáfora capaz de aprofundar o entendimento desse
ponto. Na analogia feita pelo autor, as palavras têm sentidos
que mudam quando são articulados com outras palavras, com o
contexto no qual se faz a emissão, de acordo com os
interlocutores. Todos esses elementos também participam como
ingredientes fundamentais na transmissão de sentidos.
Dentro desse universo, transmitir e compreender um sentido
significa interpretar algumas regras que presidem a organização
dos objetos. Depois podemos vê-los em relação, o que conduz,
por conseguinte, a sentidos muito mais complexos. O espaço
pode também ser visto como uma complexa composição de
formas, sentidos, atividades e contextos.
Num trabalho anterior, Gomes (1997, p.38-39) recorre à
mesma metáfora e conclui que "Há, por assim dizer, uma certa
'escrita' nesta distribuição das coisas no espaço". Portanto, se o
arranjo espacial das formas é uma "linguagem", a geografia
deve ser vista como atividade e não como obra realizada:

57
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
Como "atividade, a geografia é ação no mundo, é a perpétua
geração de nexos na ordem espacial das coisas, é sentido e
comunicação, discurso e intervenção". Essa inscrição espacial
de significados ocorre todos os dias, isto é, nossa relação
cotidiana com o espaço se dá através da (re)significação.
Pode-se dizer que a "dimensão relacional" da lógica espacial,
advogada por Gomes (2002), tem sua correlata na "condição de
inseparabilidade" entre sistemas de objetos e sistemas de ações,
defendida por Santos. A sua maneira, Santos também adverte
que não se trata de sistemas tomados separadamente, pois
objetos e ações interagem continuamente, formando um
conjunto indissociável, solidário e ao mesmo tempo
contraditório: "A ação não se dá sem que haja um objeto; e,
quando exercida, acaba por se redefinir como ação e por
redefinir o objeto" (SANTOS, 1999, p. 77). De um lado, o
sistema de objetos molda ou condiciona a forma como se dão
as ações e, de outro, o sistema de ações leva à criação de
objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes. Gomes
(2002, p. 36), por sua vez, admite que o arranjo físico das
coisas permite que determinadas ações se (re)produzam, ou
seja, as práticas sociais são dependentes de (não determinadas
por) certa distribuição ou ordenação das coisas. É assim que o
espaço encontra sua dinâmica e se transforma.

58
Dentre as revelações proporcionadas por essa forma de abordar
o espaço, destacamos a possibilidade de compreender que, ao
longo do tempo, as formas ou objetos e as ações ou
comportamentos mudam e propõem diferentes geografias. Para
Santos (1999, p.62-63), isso impõe a necessidade de captar em
cada momento histórico o que é mais característico do sistema
de objetos e de práticas vigente. Por esse viés, é possível
perceber que o processo socioespacial que reúne objetos e
ações está fundado, ao mesmo tempo, na lógica da história
passada (sua datação, sua realidade material, sua causação
original) e na lógica da atualidade (seu funcionamento e sua
significação presente).
Contudo, se concebermos o espaço como resultado da relação
entre formas e comportamentos ou consequência da
inseparabilidade entre sistemas de objetos e de ações, torna-se
óbvio que uma geografia interessada apenas num determinado
tipo de objetos ou numa dada classe de ações "[...] não seria
capaz de dar conta da realidade que é total e jamais é
homogênea" (SANTOS, 1999, p. 78).
Buscando resumir a concepção de espaço geográfico, Santos
(Idem, p. 88) ratifica que "O espaço é a síntese, sempre
provisória, entre o conteúdo social e as formas espaciais".
Sobretudo, o espaço deve ser concebido como algo que

59
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
participa da condição do social e do físico, um misto, um
híbrido.
Sendo assim, as complexas interações que daí decorrem só
podem ser analisadas satisfatoriamente, segundo os dois
geógrafos aqui referenciados, a partir de uma visão dialética
que dê conta de suas mais variadas combinações e evite tomá-
las de forma simplista ou definitiva.
Por último, Santos (1999, p. 19 e 63) torna oportuno observar
que, a partir da noção de espaço, devem-se reconhecer suas
categorias analíticas internas e operacionais. Suertegaray
(2000, p. 13-14) acrescenta que, ao constituir um conceito
abrangente e, por conseguinte, abstrato, o espaço geográfico
pode ser analisado a partir de outras categorias espaciais, que
expressam níveis de abstração diferenciados e, por
consequência, possibilidades operacionais diversas.
Nesse caso, cabe lembrar que, apesar de reconhecer a
importância de outras categorias espaciais como região e
ambiente, por exemplo, no presente artigo, nosso esforço de
reflexão privilegiará as noções de lugar, paisagem e território.

Lugar

60
Ferreira (2000) lembra que, como categoria do pensamento
geográfico, a evolução do conceito de lugar vinculou-se à
trajetória da geografia humana, principalmente através de dois
de seus principais ramos: a geografia humanista e a geografia
radical.
Partindo de uma perspectiva humanista, interessada na
subjetividade da relação homem-ambiente, a preocupação está
em definir o lugar como base fundamental para a existência
humana, como experiência ou "centro de significados" que está
em relação dialética com o constructo abstrato que
denominamos espaço (HOLZER, 1999). Para Tuan (1983),
espaço e lugar são termos familiares e complementares: o que
começa como espaço indiferenciado acaba assumindo a
configuração de lugar, ao conhecermos e o dotarmos de valor.
Frémont (1976) diz que os lugares formam a trama elementar
do espaço.
De uma forma ou de outra, os geógrafos humanistas admitem
que o lugar permite focalizar o espaço em torno das intenções,
ações e experiências humanas — desde as mais banais até
aquelas eventuais ou extraordinárias — e que sua essência é ser
um centro onde são experimentados os eventos mais
significativos de nossa existência: o viver e o habitar, o uso e o
consumo, o trabalho e o lazer etc., sobretudo, porque "[...] toda

61
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
consciência não é meramente consciência de algo, mas de algo
em seu lugar" (RELPH citado por Holzer, 1999, p.72).
Um aspecto curioso dessa abordagem está no reconhecimento
de que o sentido de lugar não está limitado ao nível pragmático
da ação e da percepção e que sua experiência (direta ou
simbólica) se constitui em diversas escalas: atualmente ela
formaria um contínuo que inclui o lar, como provedor primário
de significados; a localidade ou bairro, como campo de
sociabilidade; a cidade; as regiões; o Estado-nação e até
mesmo o próprio planeta. Entretanto, como afirma Holzer
(1999), é preciso admitir que, tanto para o indivíduo como para
o grupo, o aumento da abrangência impossibilita,
progressivamente, um relacionamento espacial direto,
remetendo-nos a uma visão cada vez mais fragmentária dos
lugares, a uma "visão em arquipélago".
De um ponto de vista radical, o lugar é qualificado como uma
construção sócio-histórica que cumpre determinadas funções.
Através de suas formas materiais e não materiais, o lugar é uma
funcionalização do mundo, acrescenta Santos (1999). Seja qual
for o momento da história, o mundo se define como um
conjunto de possibilidades, e cada lugar se diferencia por
realizar apenas um feixe daquelas possibilidades existentes.
Referindo-se à relação local-global, o mesmo autor observa

62
que a ordem global busca impor uma racionalidade única, mas
os lugares respondem segundo os modos de sua própria
racionalidade. Enquanto a ordem global funda as escalas
superiores e externas, a ordem local funda a escala do cotidiano
— em que prima a comunicação — e seus parâmetros são a co-
presença, a vizinhança, a intimidade, a emoção, a cooperação e
a socialização com base na contiguidade.
"Cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e
de uma razão local, convivendo dialeticamente" (Ibid., p.273).
Ferreira (2000) afirma que, a partir dessas duas acepções
aparentemente conflitantes e irreconciliáveis—que vão de uma
relação autêntica com o espaço, por um lado, à materialização
da relação local-global, por outro — , estudos recentes têm
buscado um ponto de contato, ao enquadrar o lugar como um
campo de articulação das questões cruciais para a compreensão
da existência humana e sua relação com um ambiente cada vez
mais fragmentado e globalizado. Dentre os autores que buscam
sintetizar aquelas diferentes acepções, sobressaem Oakes
(citado por FERREIRA, 2000), para quem o lugar é o sítio de
identidades significativas e atividade imediata, é uma
consequência de ligações que o convertem mais numa rede
dinâmica do que uma localização ou sítio específico. Segundo
esse autor, o lugar não deve ser compreendido como um

63
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
contraponto conceituai a uma vaga modernidade
"deslugarizada", pois o que acontece no lugar não é
simplesmente uma resistência às tentativas de hegemonia
histórica e espacial, mas uma luta para nos colocarmos como
sujeitos da história e da espacialidade.

Paisagem

Se de um lado, a noção de "paisagem" sempre esteve associada


à ideia de formas visíveis sobre a superfície da terra e com sua
composição, de outro, sua importância para o pensamento
geográfico tem variado no tempo. se em certos períodos tem
sido visto como um conceito capaz de fornecer unidade e
identidade à geografia, em outros foi relegada a uma posição
secundária, suplantada pela ênfase em categorias como espaço,
região, território ou lugar (CABRAL, 2002). No entanto, a
partir da década de 1970, os estudos de paisagem ampliaram-
se, sobretudo sob dois enfoques: o sistêmico e o cultural.
A concepção sistêmica entende a paisagem como realidade
objetiva, como o resultado de uma combinação dinâmica e, por
conseguinte instável, de elementos físicos, biológicos e
humanos. Essa interação é singular para cada porção do espaço
e toma a paisagem um conjunto individualizado, indissociável

64
e em contínua evolução. A categoria que mais bem reflete essa
noção de inter-relação e complexidade é o geossistema, que,
como uma classe de sistema aberto, dinâmico, flexível e
hierarquicamente organizado, corresponde, teoricamente, a
uma paisagem nítida e bem circunscrita. Segundo seus
defensores, o enfoque geossistêmico contribuiu para revitalizar
o caráter de integração e de totalidade da paisagem geográfica
(MACHADO, 1988).
Sob a ótica cultural, toma-se a paisagem como mediação entre
o mundo das coisas e aquele da subjetividade humana, a noção
surge ligada, portanto, à percepção do espaço: "A paisagem, de
fato, é uma 'maneira dever', uma maneira de compor e
harmonizar o mundo externo em uma 'cena', em uma unidade
visual" (COSGROVE, 1998, p.98-99). Entretanto, se tomarmos
em conta que a paisagem se trata, grosso modo, de uma porção
do espaço apreendida com o olhar (FERREIRA, 1984), é
preciso lembrar que o processo perceptivo não se limita a
receber passivamente os dados sensoriais, mas os organiza para
lhes atribuir sentido(s). Portanto, a paisagem percebida é
também significada e construída. Sua estrutura e dinâmica são
acessíveis ao homem e agem como guias para suas atitudes e
condutas. Berque (1998, p.84-85) resume esse entendimento
afirmando que: A paisagem é uma marca, pois expressa uma

65
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
civilização, mas é também uma matriz porque participa dos
esquemas de percepção, de concepção e de ação — ou seja, da
cultura — que canalizam, em um certo sentido, a relação de
uma sociedade com o espaço e com a natureza.
Desse modo, o conceito de paisagem tende a privilegiar a
coexistência de objetos e formas em sua face sociocultural
manifesta (SUERTEGARAY, 2000). Dessa forma, se a
paisagem, como um conjunto de formas naturais e
culturais associadas em uma dada área (CORRÊA e
ROZENDHAL, 1998), traduz-se num "campo de visibilidade",
ao ser oferecida a nossa percepção e a nossa experiência,
converte-se num "campo de significação" individual e coletiva
(BARBOSA, 1998). Sendo assim, a paisagem pode ser
considerada um texto que serve a uma multiplicidade de
leituras.
Por esse viés, admite-se que, tanto pela diversidade de arranjos
e cenários como pelas diferentes maneiras de olhar e atribuir
significados, seria mais adequado referir-se a "paisagens que
emanam de uma mesma paisagem" (CABRAL, 2002, p.59).

Território

66
Raffestin (1993, p.143) estabelece a diferença entre espaço e
território dizendo que, ao apropriar-se concreta ou
abstratamente (por exemplo, pela representação) de um espaço,
o ator o territorializa. "O espaço vem, portanto, primeiro, ele é
preexistente a toda ação".
Sabe-se que foi com a etologia, no início do século XX, que os
conceitos de território e territorialidade ascenderam de forma
definitiva ao domínio científico: o primeiro como sendo a
apropriação biológica de uma área delimitada por uma fronteira
e que se torna exclusiva de determinados membros de uma
espécie e, o segundo, como urna conduta característica adotada
por um organismo para tomar posse de um território e defendê-
lo (HOWARD citado por BONNEIMAISON, 2002).
Na geografia tradicional, o território surge como determinada
porção da superfície terrestre que é apropriada e ocupada por
um grupo humano, como um espaço concreto em si (com seus
atributos naturais e sociais).
Em relação a esse enquadramento, cabe observar que além de
"etológico" e simplista — haja vista que a ideia de território se
restringe às áreas que são objeto de atuação direta das pessoas
— ele tende a confundir território e espaço, o que obscurece o
caráter político inerente ao primeiro. Ao mesmo tempo, embora
essa dimensão tenha sido valorizada no âmbito da geografia

67
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
política, o tratamento temático manteve-se extremamente
atrelado (inclusive ideologicamente) à escala do território
nacional, isto é, à figura do Estado-nação.
Nas últimas décadas, buscando superar essas limitações
analíticas, surgiram concepções mais flexíveis e críticas,
voltadas às complexidades territoriais.
Por esse viés, prevalece o entendimento de que, sob a noção de
território, deve-se privilegiar a reflexão sobre o poder
referenciado ao controle e à gestão do espaço. Nesse caso,
tornou-se necessário conceber o poder como sendo
multidimensional, derivado de múltiplas fontes, inerente a
todos os atores e presente em todos os níveis espaciais.
Assim é que o território passou a ser entendido como espaço
mobilizado como elemento decisivo às relações de poder
(RAFFESTIN, 1993) e territorialidade como estratégia(s)
utilizada(s) para delimitar e afirmar o controle sobre uma área
geográfica, ou seja, para estabelecer, manter e reforçar esse
poder (GOMES, 2002).
Visando a aprofundar a compreensão em tomo dessa
perspectiva, Sack (citado por SOUZA, 1995) destaca dois
importantes aspectos: primeiramente, deve-se ter em mente que
os territórios não têm uma dimensão espacial e temporal fixa,
pois variam de tamanho (podendo inclusive ser "móveis" ou

68
"flexíveis") e da mesma maneira que existem num dado
momento, noutro poderão desaparecer; e, em segundo lugar,
vários territórios podem ser apropriados simultaneamente pelo
mesmo agente.
Essa última característica levantada pelo autor aplica-se aos
territórios articulados em rede, e se toma indispensável para
compreender os fenômenos sócio espaciais atuais. Nesse
sentido, outro aspecto também importante é salientado por
Souza (1995), quando considera que territórios com formas e
limites variados podem superpor-se e, ainda por cima, com
territorialidades em contradição, por conta dos atritos e
conflitos existentes entre os respectivos agentes. Na opinião
desse mesmo autor, territórios são campos de forças, são antes
teias ou redes de relações sociais projetadas no espaço do que o
substrato material em si, e não há necessidade de forte
enraizamento material para que se tenha território.
Queremos frisar que o conceito geográfico de território
obedece tanto a perspectivas analíticas mais rígidas e
simplistas, que se restringem à apropriação do espaço por
grupos humanos ou privilegiam o poder em termos de Estado-
nação, quanto a abordagens mais flexíveis e complexas, que,
assumindo uma concepção de poder multidimensional,
permitem tratar de territorialidades resultantes da coexistência

69
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
de diferentes agentes, por vezes, ao mesmo tempo e numa
mesma extensão do espaço físico.
Considerações finais

Insistindo na tese de que o espaço geográfico como resultado


de "[...] uma conjunção particular de processos materiais e de
processos de significação" (LAGOPOULUS citado por
SANTOS, 1999, p.67) pode ser analisado a partir de outras
noções que expressam possibilidades analíticas ou leituras mais
ou menos diferenciadas, sintetizamos nossa reflexão afirmando
que convém evitar a conotação genérica e abstrata do termo
espaço:

Em favor da noção de lugar, sempre que as singularidades em


termos de formas, atividades, significados e valores tornem-se
essenciais à compreensão da espacialidade humana;
- Em favor da noção de paisagem, nos casos em que os
aspectos visuais ou cênicos acrescidos de sua dimensão
simbólica tenham importância à leitura da relação humana com
o espaço.
- Em favor da noção de território, naquelas situações em que as
relações de poder referenciadas ao controle e à gestão do

70
espaço tornem-se indispensáveis ao entendimento da existência
humana.
Por fim, é preciso lembrar que esses estatutos não são únicos
tampouco fixos, haja vista a existência de outras categorias
espaciais e o fato de que os aspectos privilegiados por cada
uma das noções aqui abordadas estão contidos nas demais e
podem ser contemplados nelas: espaços contêm lugares, que
contêm paisagens, que contêm territórios etc.
Nesse caso, parece inquestionável que o potencial analítico das
categorias dependa também da capacidade do próprio
pesquisador, no sentido de estabelecer os sentidos e as inter-
relações possíveis e necessárias.

Referências bibliográficas

BARBOSA, J. L. Paisagens americanas: imagens e


representações do wilderness.
Espaço e cultura, Rio de Janeiro, n. 5, p. 43-53, 1998.
BERQUE, A. Paisagem-marca, paisagem-matriz: elementos da
problemática
para uma geografia cultural. In: CORRÊA, R. L. e
ROSENDAHL, Z.

71
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
(Orgs.). Paisagem, tempo e cultura. Rio de Janeiro: Editora da
UERJ,
1998. p.84-91.
BONNEMAISON, J. Viagem em torno do território. In:
CORRÊA, R. L. e
ROSENDAHL, Z. (Orgs.). Geografia cultural: um século (3).
Rio de Janeiro:
Editora da UERJ, 2002. p.83-132.
CABRAL, L. O. A paisagem como campo de visibilidade e de
significação:
um estudo de caso. Espaço e cultura, Rio de Janeiro, n. 13,
p.47-62,
jan./jun. 2002.

72
UNIDADE IV: REGIÃO, REGIONALIZAÇÃO E
REGIONALIDADE

Algumas considerações sobre região e regionalidade


José Clemente Pozenato

A região: uma rede de relações


O tema da região me persegue. Talvez pela circunstância de
viver num Estado, o Rio Grande do Sul, cuja cultura, e
especialmente cuja literatura, tradicionalmente vêm sendo
apodadas de regionalistas. Em função disso, escrevi um ensaio
(Pozenato, 1974), tentando separar as ideias de regionalismo e
de regionalidade na literatura gaúcha,
confrontando-as com o possível ideal da universalidade
literária. Mas vivo também num espaço, o da colonização
italiana, que reivindica de longa data ser classificada como
região com identidade própria. Mais ainda, trabalho numa
universidade que tem um projeto de regionalização, sobre o
qual também tentei refletir num novo ensaio (Pozenato, 1995)
em que a idéia de região é mais uma vez posta em cena e, mais

73
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
uma vez, em confronto com o ideal universitário da
universalidade do conhecimento. Agora, para cúmulo das
circunstâncias, estou envolvido num projeto de estudos
regionais. Não há como negar, portanto, que sou perseguido
pela ideia de região.
Mas desde o início dos meus estudos sobre o tema até agora,
num período de vinte anos, mudou sensivelmente a inflexão
com que a ideia de região é abordada. Talvez seja possível
simplificar essa mudança dizendo que ela transitou de uma
visão negativa para uma visão positiva. Quer dizer: antes era
preciso demonstrar que o regionalismo não consistia numa
visão estreita do processo social, em qualquer de suas
dimensões; hoje, a percepção das relações regionais é vista
como um modo adequado de entender como funciona, ou pode
funcionar, o processo de mundialização de todas as relações
humanas. Mas não adiantemos a discussão.
A idéia de região é antiga. Buscando a sua etimologia, Emile
Benveniste (citado por Bordieu, 1989, p. 118) mostra que a
palavra regio deriva de rex, a autoridade que, por decreto,
podia circunscrever as fronteiras: regere fines. A região não é
pois, na sua origem, uma realidade natural, mas uma divisão do
mundo social estabelecida por um ato de

74
vontade. Tal divisão só não é totalmente arbitrária porque, por
trás do ato de delimitar um território, há certamente critérios,
entre os quais o mais importante é o do alcance e da eficácia
do poder de que se reveste o auctor da região. Enquanto esse
poder é reconhecido, a região por ele regida existe. Em suma, a
região, sem deixar de ser em algum grau um espaço natural,
com fronteiras naturais, é antes de tudo um espaço construído
por decisão, seja política, seja da ordem das representações,
entre as quais as de diferentes ciências.
A ideia de região como um espaço natural talvez tenha surgido
a partir de sua utilização pela Geografia. A Geografia Física
circunscreve territórios em função da paisagem, como se dizia
antigamente, ou seja, da Meteorologia, da Hidrologia, da
Topografia, da vegetação etc. A Geografia Humana define os
espaços regionais também com critérios objetivos, fornecidos
pela História, pela Etnografia, pela Linguística, pela Economia,
pela Sociologia. Como nem sempre esses critérios coincidem, é
possível falar de região histórica, região cultural, região
econômica e assim por diante, com fronteiras distintas no
mesmo território físico.
Na esteira da Geografia, outras disciplinas passaram a utilizar a
ideia de região. Pierre Bourdieu (1989) registra, não sem
ironia:

75
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
a região é o que está em jogo como objeto de lutas entre os
cientistas, não só geógrafos, é claro, que, por terem que ver
com o espaço, aspiram ao monopólio da definição legítima,
mas também historiadores, etnólogos e, sobretudo desde que
existe uma política de ‘regionalização’ e movimentos
‘regionalistas’, economistas e sociólogos (BOURDIEU, 1989,
p. 118).
Em todas essas disciplinas, com exceção, é claro, da geografia,
o espaço físico passa para um segundo plano, para privilegiar
variáveis e relações de tipo humano ou social, cada uma dentro
da sua perspectiva de observação: o custo, para o economista, o
dialeto ou os rituais, para o etnólogo, as classes, para o
sociólogo, e assim por diante.
Esse interesse de diferentes disciplinas pela região, observa
ainda Pierre Bourdieu, tem raízes no interesse, e não apenas na
autonomia do conhecimento. Desde que a região passou a ser
um conceito de administração pública, como princípio de
integração e de superação das diferenças regionais, os
economistas passaram a dedicar-lhe atenção (se é que não
foram eles a criar o conceito de região administrativa). Desde
que os movimentos regionalistas – de modo especial quando se
contrapõem à ideia de nação, com intuito separatista e de
acentuação das diferenças – tomaram corpo, a região passou a

76
ser assunto da sociologia. E, é possível acrescentar, desde que
se caracterizou o processo de globalização ou de mundialização
das relações, somou-se o interesse renovado de historiadores,
de etnólogos e também, numa outra esfera, dos planejadores e
administradores.
Em todas essas disciplinas, porém, pode ser observado um
ponto em comum, de ordem epistemológica. Na perspectiva da
ciência newtoniana, é costume partir do pressuposto
de que a região (econômica, histórica, cultural etc.) é uma
realidade, ou um fenômeno, que tem existência autônoma e
está aí para ser objeto de explicação. Em outras palavras, o
foco é centrado na descrição e análise de um objeto dado como
sendo uma região e não, numa outra perspectiva, na análise de
um conjunto, ou rede, de relações que tenham o caráter de
regionalidade. O que pois cabe discutir é o significado desse
deslocamento da questão da região para a questão da
regionalidade. A regionalidade pode ser definida como uma
dimensão espacial de um determinado fenômeno tomada como
objeto de observação. Isto implica em admitir que o mesmo
fenômeno, visto sob a perspectiva da regionalidade, pode ser
visto sob outras perspectivas. A existência de uma rede de
relações de tipo regional num determinado espaço ou
acontecimento não os reduz a espaços ou acontecimentos

77
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
puramente regionais. Serão regionais enquanto vistos em sua
regionalidade.

As relações de regionalidade
Não é demais enfatizar que tanto o conceito de região (no
plano do fazer científico) quanto à definição de uma
determinada região (no plano do fazer prático) são construções.
Quer dizer, são representações simbólicas e não a própria
realidade ou, como ensina a Física Quântica: só existe como
fenômeno aquilo que conseguimos construir na nossa
linguagem. Como observa Pierre Bourdieu (1989), tanto o
discurso regionalista (voltado para constituir a identidade de
uma região) quanto o discurso científico (voltado para
descrever relações regionais) são performativos, isto é,
constroem a realidade que eles designam. Ou, como afirma
Pierre Lévy:
Nenhuma fronteira existe a priori. Sem dúvida há no mundo
gradientes e descontinuidades, mas o recorte restrito de um
conjunto supõe a seleção de um ou mais critérios para separar o
interior do exterior. A escolha desses critérios é,
necessariamente, convencional, histórica e circunstancial
(LÉVY, 1993, p. 143).

78
Uma determinada região é constituída, portanto, de acordo com
o tipo, o número e a extensão das relações adotadas para defini-
la. Assim, em última instância, não existe uma região da Serra
ou uma região da Campanha a não ser em sentido simbólico, na
medida em que seja construído (pela práxis ou pelo
conhecimento) um conjunto de relações que apontem para esse
significado. Isto é, o que é entendido como uma região é,
realmente, uma regionalidade. Não vejo no entanto problema
em continuar falando em região, contanto que por tal não fique
entendida uma realidade natural, mas uma rede de relações, em
última instância, estabelecida por um auctor, seja ele um
cientista, um governo, uma coletividade, uma instituição ou um
líder separatista.
Uma discussão interessante nessa direção é a de saber se o que
faz a região é o espaço ou, ao invés dele, o tempo, a história.
Para Paul Bois (1960) não há dúvida: é a história. Se a região
se apresenta como um espaço, ela é um espaço definido por
uma história diferente da do espaço vizinho e externo. Essa
ênfase na história como fator constituinte da região remete para
a importância maior dos fatores sociais em confronto com os
fatores de ordem física ou da paisagem. Mas remete,
principalmente, para uma visão sistêmica da regionalização
como processo. Nesse processo pesa, sem dúvida, a

79
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
constatação de identidades internas, mas pesa, igualmente, o
deslocamento produzido pelas diferenças vindas do mundo
externo.
Um importante deslocamento do conceito de região vem sendo
operado nas últimas décadas, quando a referência da região à
nacionalidade começa a ser substituída, pelo menos em parte,
pela referência à globalidade das relações políticas, econômicas
e culturais. Com isso, a identidade de cada região ganha novo
significado e, até mesmo, novo realce.
Durante o período de organização das nações – e, ainda hoje,
naqueles territórios em que a questão da divisão nacional ainda
não foi resolvida ou em que a consolidação das relações
internas constituintes da nacionalidade ainda está em processo
–a ideia de região sempre se ergueu em contraposição à ideia
de nação, ora com intuito de integração (na perspectiva do
poder central), ora com intuito separatista ou, em grau mais
atenuado, com intuito de afirmação da identidade própria (na
perspectiva dos movimentos regionalistas).
Exemplos atuais de conflito entre região e nação (ou entre
regionalidade e nacionalidade) podem ser observados inclusive
na Europa, que foi o primeiro continente a se organizar em
nações. No Brasil, um país de dimensões continentais, a
questão regional nunca deixou de estar presente, sob diferentes

80
formulações, desde a independência, mas especialmente no
período republicano, quando se institui um governo central
forte, num precário equilíbrio com a ideia de federação de
estados. Isso no plano político e administrativo. Não será
diferente no plano cultural. Ruben Oliven (1992), um
antropólogo social, entende que:
A afirmação de identidades regionais no Brasil pode ser
encarada como uma reação a uma homogeneização cultural e
como uma forma de salientar as diferenças culturais. Esta
redescoberta das diferenças e a atualidade da questão da
federação numa época em que o país se encontra bastante
integrado do ponto de vista político, econômico e cultural
sugere que no Brasil o nacional passa primeiro pelo regional
(OLIVEN, 1992, p. 43).
Ou, na nossa perspectiva, o regional define-se por
contraposição ao nacional. No caso brasileiro, apesar de alguns
sintomas isolados de separatismo, as lutas regionais têm sido
vistas como busca de relações cada vez mais adequadas de
integração nacional, nas quais haja um grau satisfatório de
respeito às diferenças de cada região e também um grau
satisfatório de atendimento administrativo de suas carências.
Com o crescente fenômeno de estabelecimento de relações
supra-nacionais e, sob alguns aspectos, planetárias, a ideia ou

81
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
conceito de região começa a adquirir um novo sentido. Na
Europa, esse deslocamento de sentido é mais perceptível, até
porque o processo de criação de uma comunidade de nações
está mais avançado. A região de Montpellier, por exemplo, tem
como slogan a frase: "Montpellier no coração, a Europa (e não
a França!) na cabeça". A eurovisão suplanta, sob muitos
aspectos, a visão da nacionalidade. A ideia de região passa a ser
usada em contraposição à ideia de globalidade e não tanto, ou
não exclusivamente, em contraposição à ideia de nação. Um
administrador da tecnópole de Toulouse fazia a seguinte
declaração, há alguns meses: "Toulouse não está competindo
com uma dezena de cidades francesas do seu porte, mas com
uma centena de cidades europeias". Amanhã ou depois ele
poderia acrescentar: "Competimos com um milhar de cidades
do nosso porte no planeta”.
Alvin Toffler (1990), entre outros, vê nessa tendência, que vou
chamar aqui de neorregionalista, uma reação ao globalismo
(ou, para quem preferir, ao mundialismo) que se manifesta
tanto no plano da economia e da política como no da cultura.
Segundo ele, "a política dos níveis deverá dividir os eleitores
em quatro grupos distintos: os globalistas, os nacionalistas, os
regionalistas e os municipalistas. Cada qual irá defender com

82
ferocidade sua identidade percebida e seus interesses
econômicos” (Toffler, 1990. p. 268).
Parece, pois, ser um fenômeno evidente o de que a
globalização e a regionalização, tanto da cultura quanto da
política e da economia, mantêm entre si alguma espécie de
relação, como houve, e em muitos aspectos continua existindo,
uma relação entre regional e nacional. No Brasil, mesmo que
permaneça com maior força a ideia de região tendo como
referência a nação de alguma forma essa relação começa
também a ser afetada pelos processos supranacionais e globais.
No plano da cultura, essa possível relação entre região e mundo
foi já observada. Oliven (1992, p. 135), ao analisar a questão
regional no Brasil nos dias atuais, afirma que "todo esse
processo de mundialização da cultura, que dá a impressão de
que vivemos numa aldeia global, acaba repondo a questão da
tradição, da nação e da região”. Mas também no plano da
economia – e isso talvez seja visível no atual momento na
região da Serra gaúcha – a política de blocos econômicos
começa a afetar o perfil produtivo das regiões e, mais, o modo
como cada uma delas afirma a própria identidade. À ampliação
dos mercados corresponde a necessidade de redesenhar todo o
mapa das relações.

83
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
Assim, é possível afirmar que a ideia de região, no Brasil, tem
uma referência no passado, vinculada ao processo de
consolidação da nacionalidade iniciado há quase dois séculos.
E uma referência no futuro, vinculada ao processo de
integração do país em relações supra-nacionais e globais. Esse
passado e esse futuro cruzam-se no presente. Daí ser
compreensível uma certa perplexidade em se lidar com a
questão. Um instituto, ou um programa, de estudos regionais
vão ter que enfrentar essa perplexidade. Para nosso consolo,
com o deslocamento da ideia de região do seu confronto
tradicional com a ideia de nação, pelos menos alguns
preconceitos tradicionais poderão ser varridos. Com a mesa
limpa, ou seja, com uma dose maior de isenção, será mais fácil
talvez examinar em que consiste a rede de relações à qual, por
convenção, designamos pelo nome de região.

Regionalidade, regionalismo, regionalização

Por sua proximidade semântica, estes três termos podem ser


facilmente confundidos. Em especial, isto tem acontecido com
as palavras regionalidade e regionalismo. Ao menos no campo
da literatura brasileira, o conceito de regionalismo tem sido
utilizado para identificar e descrever todas as relações do fato

84
literário com uma dada região. Penso que este significado deve
ser reservado para o conceito de regionalidade. O regionalismo
pode ser identificado como uma espécie particular de relações
de regionalidade: aquelas em que o objetivo é o de criar um
espaço – simbólico, bem entendido – com base no critério da
exclusão, ou pelo menos da exclusividade. Esse critério se
manifesta, no caso da produção literária, pelo uso de um
dialeto, quando não de uma língua, de estrita circulação
interna. E também não é por acaso que todos os regionalismos
– não só os literários – se apoiam fortemente na defesa de uma
língua própria, como no fenômeno, conhecido entre nós, do
talian. A força simbólica da língua funciona como uma
bandeira hasteada.
A regionalização é um conceito de outra ordem. Ela é na
realidade um programa de ação voltado para o estabelecimento
ou o reforço de relações concretas e formais dentro de um
espaço que vai sendo delimitado pela própria rede de relações
operativas que vai sendo estabelecida. Ela é portanto, antes de
mais nada, uma estratégia que necessita desenvolver seus
próprios instrumentos de gestão, de acordo com um programa
político. Se o programa for regionalista, a regionalização
tenderá a ser restritiva e excludente. Se ele levar em conta que
as relações de regionalidade não são as únicas a serem levadas

85
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
em conta, também no plano da ação, ele tenderá a ser aberto e
abrangente.

Alguns preconceitos contra a região

A ideia de região ainda sofre de preconceitos. A própria


proposta de desenvolvermos um programa de mestrado em
História, centrado no eixo dos estudos regionais, não tem
escapado a eles. Houve até mesmo um docente que recusou
participar dele sob a alegação de que estava interessado em
horizontes maiores. Será a região um horizonte estreito?
Pela própria história em que esteve imersa (história política,
principalmente, pelo menos na fase de superação de diferenças
no esforço de construir nacionalidades) a palavra região
carrega consigo esse estigma. É possível que o costumeiro uso
geográfico do conceito de região seja uma fonte de mal-
entendidos. A Geografia trata a região como um espaço
delimitado por fronteiras que, mesmo não podendo ser muitas
vezes nitidamente definidas com uma linha demarcatória,
funcionam no plano simbólico como um traço de separação e,
pois, de exclusão: a região é algo fechado dentro de fronteiras.
A essa ideia de espaço com fronteiras fechadas soma-se a ideia
de que a região é um espaço periférico com relação ao centro.

86
A Geografia, mas principalmente a Economia, deram ao centro
um estatuto científico. O centro polariza, em decorrência de
suas funções, um determinado espaço que se hierarquiza
segundo seu maior ou menor grau de acesso às funções
centradas na metrópole. Ao redor do centro gravita o interior, a
província, a periferia. Esse estatuto científico pode não ter tais
intenções, mas contribui para criar a estigmatização que toda
política centralista tem interesse em manter para garantir os
seus propósitos de hegemonia. Cito mais uma vez Pierre
Bourdieu (1989):
Se a região não existisse como espaço estigmatizado, como
província definida pela distância econômica e social (e não
geográfica) em relação ao centro, quer dizer, pela privação do
capital (material e simbólico) que a capital concentra, não teria
que reivindicar a existência (BOURDIEU, 1989, p. 126) .
Esse estigma que o centro imprime sobre a província repercute
em todas as representações que se façam de região. No plano
das representações culturais, o estigma estabelece que a
província é um mundo acanhado, estreito, incapaz de transpor
as próprias fronteiras: veja-se, por exemplo, os sentidos
pejorativos que os dicionários atribuem ao adjetivo
provinciano. Em contraposição, o centro é visto, como que por
natureza, como aberto e universal. O centro professa uma fé

87
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
universalista, na expressão de Bourdieu, da qual é excluída a
periferia.
Essas representações podem ter muitas origens, inclusive nas
próprias concepções científicas, onde a ideia de centro como
ocorre na Física newtoniana, é constitutiva da ordem tanto do
universo quanto do conhecimento. Mas acredito que muito da
força dessas representações tem apoio na concepção mítica,
subjacente ao senso comum, de que o universo (qualquer
universo) possui um centro. Mircea Eliade (1965) mostra que,
nas sociedades primitivas, cada uma delas se considerava o
centro do mundo e via o seu próprio centro como o "umbigo da
Terra".
A ideia de centro foi posta em xeque, penso que em definitivo,
pela Física Quântica. No seu lugar surge a imagem (ou
conceito?) de rede de relações pela qual transitam funções.
Onde se verifica uma função, aí está o centro, pelo menos
dessa função. Ou seja, não há centro.
Afastando as ideias, ou imagens, de centro e de fronteiras, a
região será melhor entendida se vista como simplesmente um
feixe de relações a partir do qual se estabelecem outras
relações, tanto de proximidade como de distância. O grau, o
volume, as características, a complexidade que podem assumir
essas relações, tanto as próximas como as distantes, vão

88
depender de diversas variáveis, dentre as quais a mais
importante, sem dúvida, é a da existência de canais de
comunicação. Com os canais de comunicação hoje existentes e
disponíveis, as ideias de centro e de fronteiras perdem cada vez
mais o seu sentido. Assim, a própria tecnologia das
comunicações nos obriga a pensar a região de acordo com
novos parâmetros. Ela deixa de parecer um espaço isolado
entre fronteiras e dependente de um centro, para se tornar
apenas um complexo de relações inserido numa rede sem
fronteiras.

Referências bibliográficas

BOIS, Paul. Paysans de l’Ouest, dês structures economiques et


sociales aux options politiques
depuis l1époque révolutionnaire, Paris-Haia: Mouton, 1960.
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa, Difel/Rio de
Janeiro, Bertrand Brasil, 1989.
ELIADE, M. Le sacré et le profane. Paris: Gallimard, 1965.
LEVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do
pensamento na era da informática.
Rio de Janeiro: 34, 1993. p. 143.

89
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
OLIVEN, Ruben G. A parte e o todo: a diversidade cultural no
Brasil-Nação.
Petrópolis:Vozes, 1992.
POZENATO, José C. O regional e o universal na literatura
gaúcha. Porto
Alegre:Movimento/IEL, 1974.

90
UNIDADE V: CONCEITOS BÁSICOS DE
CARTOGRAFIA
Leituras cartográficas e interpretações estatísticas Edilson
Alves de Carvalho, Paulo César de Araújo.

Entendendo conceitos importantes

Quando dizemos que uma determinada área está a leste de uma


outra, não estamos dando a localização precisa dessa área, mas
apenas indicando uma direção. Para saber com exatidão onde
se localiza qualquer ponto da superfície terrestre, como uma
cidade, um porto, uma ilha etc., usamos as coordenadas
eográficas, as quais se baseiam em linhas imaginárias traçadas
sobre o globo terrestre.
Como bem sabemos, a Terra tem uma forma quase esférica,
com achatamento nos polos (geóide), e é apresentada nos
mapas dividida em duas metades por uma linha horizontal
imaginária, denominada Linha do Equador (palavra de origem
latina, aequatore, que significa “o que iguala”). A Linha do
Equador está situada a uma igual distância dos polos, dividindo
a Terra em duas metades: o Hemisfério Norte ou Setentrional e

91
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
o Hemisfério Sul ou Meridional. As linhas imaginárias
posicionadas paralelamente (paralelos) ao Equador determinam
a latitude.
Latitude é a distância em graus de qualquer ponto da superfície
terrestre até a Linha do Equador. A distância em graus será de
0° na Linha do Equador até 90° para o Norte ou 90° para o Sul.
Assim, se a posição em análise estiver acima da Linha do
Equador, a latitude é norte, indo até o Polo Norte ou Polo
Ártico, e ao contrário, se a posição estiver abaixo da Linha do
Equador, temos latitude sul, indo até o Polo Sul ou Polo
Antártico. O modo como a latitude é definida depende da
superfície de referência utilizada. A seguir, veremos exemplos
desses modelos.
Em um modelo esférico da Terra, a latitude de um lugar é o
ângulo que o raio que passa por esse lugar faz com o plano do
Equador. Uma vez que o raio de curvatura da esfera é
constante, esta quantidade é também igual à medida angular do
arco de meridiano entre o Equador e o lugar em questão.
Em um modelo elipsoidal da Terra, a latitude de um lugar é o
ângulo que uma linha vertical perpendicular ao elipsóide nesse
lugar faz com o plano do Equador. Ao contrário do que
acontece com o modelo esférico da Terra, as normais ao
elipsóide nos vários lugares não são todas concorrentes no

92
centro da Terra. Por outro lado, e devido ao fato de os
meridianos não serem circunferências, mas sim elipses, a
latitude não pode ser confundida, como na esfera, com a
medida angular do arco de meridiano entre o Equador e o lugar.
As latitudes dos lugares representados nos mapas são latitudes
geodésicas.
Na superfície real da Terra, a latitude pode também ser definida
como o ângulo entre a vertical do lugar (isto é, a direção do fio-
de-prumo) e o plano do Equador. Uma vez que a vertical do
lugar não coincide geralmente com a normal ao elipsóide de
referência nesse lugar, essa modalidade de latitude (latitude
astronômica ou natural) é geralmente diferente da latitude
assinalada nos mapas, a latitude geodésica. Muito antes da
forma e das dimensões da Terra serem conhecidas com
exatidão, como acontece atualmente, a latitude astronômica era
determinada através da observação dos astros, utilizando
quadrantes, astrolábios e balestilhas.

Equador

Equador é a linha imaginária que resulta da interseção da


superfície da Terra com o plano que contém o seu centro e é
perpendicular ao seu eixo de rotação. Devido à oscilação do

93
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
eixo de rotação, a posição do Equador não é rigorosamente
constante, razão pela qual é adotada, para efeitos geodésicos,
uma posição média.
O Equador divide a superfície da Terra em dois hemisférios: o
Hemisfério Norte, ou Setentrional, que contém o Polo Norte; e
o Hemisfério Sul, ou Meridional, que contém o Polo Sul. O
raio do Equador é cerca de 6 378 km, correspondendo a um
perímetro de 40 075 km.
Tipos de Equador
 Equador geodésico – É o círculo máximo, definido num
modelo esférico ou elipsoidal da Terra, que é
perpendicular ao eixo. O plano do Equador geodésico é
a referência para a medição das latitudes de 0º a 90º
para Norte e para Sul.
 Equador astronômico ou terrestre – É a linha na
superfície da Terra em que a latitude astronômica é
igual a 0º. Devido às irregularidades do geóide, o
Equador astronômico é uma linha irregular.
 Equador celeste – É a circunferência que resulta da
interseção do plano do Equador com a esfera celeste.
Sobre o Equador celeste, a declinação é igual a 0º.

Onde passa a Linha do Equador?

94
No Brasil, a única capital que é cortada pela Linha do Equador
é Macapá, no Amapá. Ali existe um complexo turístico-cultural
onde está localizado o chamado “marco zero”. O Equador
cruza os oceanos Atlântico, Índico e Pacífico, bem como os
seguintes territórios da África, Ásia e América do Sul, de oeste
para leste, a partir do meridiano de Greenwich: São Tomé e
Príncipe, Gabão, República do Congo, República Democrática
do Congo, Uganda, Quênia, Somália, Maldivas, Indonésia,
Kiribati, Equador, Colômbia, Brasil.

Entendendo o conceito de paralelo ou paralelo geográfico

Paralelo ou paralelo geográfico é todo o círculo menor


perpendicular ao eixo da Terra e, portanto, paralelo ao Equador.
Sobre um determinado paralelo, a latitude é constante. Sobre o
Equador, a latitude é igual a zero, medindo-se de 0º a 90º, para
norte (positiva) e para sul deste (negativa).
 Paralelo geodésico de um lugar é aquele que é definido
sobre um modelo geodésico da Terra, sobre o qual a
latitude representada nos mapas (latitude geodésica) é
constante.

95
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
 Paralelo astronômico de um lugar é a linha imaginária
na superfície da Terra, sobre a qual a latitude
astronômica é constante. Devido às irregularidades do
geóide, os paralelos astronômicos são linhas irregulares,
não coincidentes com qualquer paralelo geográfico.

Os paralelos são círculos menores completos, obtidos pela


interseção do globo terrestre com planos paralelos ao
Equador. Possuem as seguintes características:
1. os paralelos são sempre paralelos entre si e, ainda que
sejam linhas circulares, sua separação é constante;
2. os paralelos são medidos sempre na direção leste-oeste;
3. os paralelos cortam os meridianos formando ângulos
retos e isso é válido para qualquer lugar do globo, exceto
para os polos, uma vez que neles a curvatura dos paralelos
é muito acentuada;
4. todos os paralelos são círculos menores, com exceção do
Equador que é um círculo máximo completo;
5. o número de paralelos que se pode traçar sobre o globo é
infinito, por conseguinte, qualquer ponto do globo, com
exceção do Polo Norte e do Polo Sul, está situado sobre um
paralelo.

96
São traçados paralelamente ao Equador tanto para norte
quanto para sul e é por meio deles que se determina a
latitude de um lugar. Alguns paralelos recebem nomes
especiais:
 Círculo Polar Ártico (66° 33 N);
 Trópico de Câncer (23° 27 N);
 Equador (0°);
 Trópico de Capricórnio (23° 27 S);
 Círculo Polar Antártico (66° 33 S).

Entendendo o conceito de longitude

A longitude também vai requerer para sua determinação uma


linha de referência, neste caso é o primeiro meridiano ou
Meridiano de Greenwich localizado no mapa mundi e no globo
terrestre na posição vertical, também dividindo a superfície
terrestre em dois hemisférios, o oriental ou leste, e o ocidental
ou oeste.

As linhas imaginárias posicionadas verticalmente (meridianos)


determinam a longitude, que é definida como a distância em
graus de qualquer ponto da superfície terrestre até o primeiro
meridiano ou Meridiano de Greenwich.

A longitude varia de 0° (no Meridiano de Greenwich) a 180°


para leste e 180° para oeste.

97
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA

Entendendo o conceito de meridiano geográfico

Linha imaginária que resulta de um corte efetuado num modelo


geométrico da Terra por um plano que contém o seu centro.
Quando esse modelo é uma esfera, o meridiano é uma
semicircunferência (180 graus); quando é um elipsóide de
revolução, é uma semi-elipse. Em ambos os casos, o meridiano
contém os polos e é perpendicular a todos os paralelos, como
também ao Equador.

O conjunto de dois meridianos opostos, formando uma


circunferência ou uma elipse, conforme o caso, chama-se
círculo meridiano. Cada círculo meridiano contém, portanto,
um meridiano e o respectivo antimeridiano ou meridiano
contrário. Podemos definir os seguintes meridianos.

 Meridiano internacional é aquele que é utilizado, por


convenção internacional, como origem para a contagem
das longitudes e corresponde ao meridiano que passa
pelo Observatório de Greenwich, na Inglaterra. Sobre o
meridiano que passa por esse local, a longitude é igual a
zero, contando-se para leste (positiva) e para oeste deste
(negativa). Sobre o antimeridiano de Greenwich,

98
também conhecido por Linha Internacional de Mudança
de Data, a longitude é igual a 180º.

 Meridiano geodésico de um lugar é aquele que é


definido sobre um modelo geodésico da Terra e sobre o
qual a longitude representada nos mapas (latitude
geodésica) é constante.

 Meridiano astronômico de um lugar é a linha imaginária


cujo plano contém a vertical do lugar e uma paralela ao
eixo de rotação da Terra, e sobre o qual a longitude
astronômica é constante. Devido às irregularidades do
geóide, os meridianos astronômicos são linhas
irregulares, não coincidentes com qualquer meridiano
geográfico.

 Meridiano celeste é um círculo máximo da esfera


celeste que contém os polos e o zênite do observador.
Ao contrário dos círculos horários, considera-se que os
meridianos celestes são solidários com a Terra, não
estando sujeitos ao movimento diurno aparente da
esfera celeste.

O termo “meridiano” vem do latim meridies, que significa,


literalmente, “linha que une os lugares que têm o meio-dia ao
mesmo tempo” ou, apenas, “a linha do meio-dia”. Assim, um
meridiano geográfico, ou linha do meio-dia, não é um círculo
máximo, mas sim um semicírculo máximo ou arco de 180
graus. O Sol cruza um dado meridiano a meio caminho entre a
hora do nascer do Sol e a do pôr-do-Sol naquele meridiano; no
meridiano oposto, ou antimeridiano, é meia-noite. A mesma

99
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
raiz latina deu origem aos termos Ante Meridiem (AM), antes
do meio-dia, e Post Meridiem (PM), depois do meio-dia.

Cada meridiano possui o seu antimeridiano, isto é, um


meridiano oposto que, junto com ele, forma uma circunferência
e todos eles têm o mesmo tamanho.

Todos os meridianos são semicírculos máximos, cujos


extremos coincidem com os polos Norte e Sul da Terra. Ainda
que seja correto que o conjunto de dois meridianos opostos
constituam um círculo máximo completo, é conveniente
recordar que um meridiano é só um semicírculo máximo e que
é um arco de 180º.

Outras características dos meridianos são:

1. todos os meridianos têm direção norte-sul;

2. os meridianos têm sua máxima separação no Equador e


convergem em direção aos dois pontos comuns nos polos Norte
e Sul;

3. o número de meridianos que se pode traçar sobre o globo é


infinito. Assim, existe um meridiano para qualquer ponto do
globo. Para sua representação em mapas, os meridianos se
selecionam separados por distâncias iguais adequadas.

100
Referências

BANKER, Mucio Piragibe Ribeiro de. Cartografia: noções


básicas. Rio de Janeiro: DHN, 1965.
BERALDO, P.; SOARES, S. M. GPS: introdução e aplicações
práticas. ECriciúma, SC: Ed. e
Liv. Luana, 1995.
COMISSÃO DE CARTOGRAFIA - COCAR. Cartografia e
Aerolevantamento-Legislação -
COCAR, 1981.
GARCIA, Gilberto J. Sensoriamento remoto: princípios e
interpretação de imagens. São
Paulo: Ed. Nobel, 1982.
DUARTE, P. A. Fundamentos de cartografia. 3. ed.
Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2006. (Série
didática).
FITZ, P. R. Cartografia básica. Canoas, RS: UNILASALLE,
2000.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
ESTATÍSTICA - IBGE. Manual técnico de noções
básicas de cartografia. Rio de Janeiro: Fundação IBGE, 1989.
Disponível em: <http://www.
ibge.gov.br/home/geociencias/cartografia/manual_nocoes/indic
e.htm>. Acesso em: 1 abr.
2008.
______. Apostila introdução á geodésia. Rio de Janeiro: -
Fundação IBGE, 1997.
JOLY, Fernand. A cartografia. Campinas: Papirus, 1990.

101
FUNDAMENTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS DA
GEOGRAFIA
LOCH, R. E. N. Cartografia: representação, comunicação e
visualização de dados espaciais.
Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2006.
MARTINELLI, M. Mapas da geografia e cartografia temática.
3. ed. São Paulo: Contexto,
2006.
______. Curso de cartografia temática. São Paulo: Ed.
Contexto, 1991.
MONICO, J. F. G. Posicionamento pelo NAVSTAR-GPS
descrição, fundamentos e aplicações.
São Paulo: Ed. UNESP, 2000.
OLIVEIRA, C. de. Curso de cartografia moderna. Rio de
Janeiro: IBGE, 1988.
OLIVEIRA, C. de. Dicionário de cartografia. 2. ed. Rio de
Janeiro: IBGE, 1983.
RAISZ, Erwin. Cartografia geral. Rio de Janeiro: Científica,
1969.
ROCHA, R. S. da. Algumas considerações sobre as projeções
cartográficas utilizadas no
Brasil para mapeamentos em grandes escalas. In:·
CONGRESSO BRASILEIRO DE CADASTRO
TÉCNICO MULTIFINALITÁRIO. Florianópolis. 1998.
Anais... Florianópolis, 1998. Disponível
em: <http://geodesia.ufsc.br/Geodesia-
online/arquivo/cobrac98/023/023>. Acesso em: 1
abr. 2008.
SANTOS, M. C. S. R. Manual de fundamentos cartográficos e
diretrizes gerais para
elaboração de mapas geológicos, geomorfológicos e
geotécnicos. São Paulo: Instituto de
Pesquisas Tecnológicas - IPT, 1989.

102
103

Você também pode gostar