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O latin jazz como processo criativo: fronteiras e

encontros

Resumen: El presente trabajo presenta los resultados parciales de la


investigación de doctorado sobre el género y tiene por finalidad la
presentación de los procesos involucrados en la elaboración y realización de
una pieza musical dentro del latín-jazz a partir de tres perspectivas: 1ª La
investigación de aspectos de la estructuración musical del género a partir del
estudio de casos específicos; 2ª La descripción de estos elementos; 3º El
aspecto procesal de la creación y de la ejecución a partir de los puntos
observados anteriormente. Para atender a estos objetivos se propone el
análisis de dos piezas de autores con características distintas que puedan
reflejar las posibilidades estéticas de este género.
Palabras clave: latin jazz, clave, música latina, bi-musicalidad.

Resumo: O presente trabalho apresenta os resultados parciais da pesquisa


de doutoramento sobre o gênero e tem por finalidade a apresentação dos
processos envolvidos na elaboração e realização de uma peça musical
dentro do latin-jazz a partir de três perspectivas: 1ª A investigação de
aspectos da estruturação musical do gênero a partir do estudo de casos
específicos; 2ª A descrição desses elementos; 3ª O aspecto processual da
criação e da execução a partir dos pontos observados anteriormente. Para
atender a estes objetivos propõe-se a análise de duas peças de autores com
características distintas que possam refletir as possibilidades estéticas deste
gênero.
Palavras chave: latin jazz, clave, música latina, bi-musicalidade.

Bio: Sergio Lyra David é doutorando na Universidade Estadual de Campinas


com o apoio da CAPES1. É músico profissional há 30 anos atuando na área
da música popular como instrumentista, arranjador e compositor. Também
atua como diretor de teatro musical e lança seu primeiro cd autoral intitulado
“Ventos de Havana”. email: sslyzz@gmail.com


1
http://www.capes.gov.br/
Bio: Paulo Tiné é Professor Doutor do Departamento de Música da
UNICAMP. É autor do livro “Harmonia: Fundamentos de Arranjo e
Improvisação” lançado com apoio da FAPESP. Possui quatro CDs gravados
como intérprete e autor, o último lançado em 2012 intitulado “Novos
Quartetos & Canções”. email: paulotine70@gmail.com
1. Introdução
Este trabalho parte tem como base a investigação sobre o latin-jazz
elaborada no Brasil a partir de análises musicológicas e da experiência
prática com o ensemble do autor. Esta investigação adotou como critério a
observação de elementos musicais que estruturam esta manifestação
musical a partir de casos específicos com o objetivo de descrever estes
elementos considerando o aspecto processual como uma importante fonte de
informação para a compreensão deste gênero.

Dentro das várias possibilidades estéticas do latin-jazz observam-se


alguns parâmetros que pode-se afirmar caracterizam sua unidade e
identidade. Sendo este um gênero que surge através de processos dinâmicos
com base na interculturalidade2 (Santos; Meneses 2009), pode-se afirmar,
encontra-se em constante transformação não sendo adequado enquadrá-lo
em definições. Esta realidade confere ao latin-jazz um caráter flexível
fazendo com que se manifeste de diversas formas com muitas nuances
estilísticas. A partir desta premissa busca-se os elementos que caracterizam
ao mesmo tempo sua latinidade e sua universalidade.

Tendo como princípio o aspecto rítmico como uma característica


preponderante nesta manifestação musical, considera-se também os
elementos harmônicos, melódicos, os aspectos ligados ao timbre e texturas,
no que concerne à concepção dos arranjos, como elementos importantes de
parâmetro para a elaboração das análises. As peças propostas como

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Ao contrário do multiculturalismo – que pressupõe a existência de uma cultura dominante
que aceita, tolera ou reconhece a existência de outras culturas no espaço cultural onde
domina – a interculturalidade pressupõe o reconhecimento recíproco e a disponibilidade para
enriquecimento mútuo entre várias culturas que partilham um dado espaço cultural (Santos;
Meneses 2009).


referência para tais análises são “Palmas” (Palmieri 1994) de Eddie Palmieri
e “City Sunrise” (Sanchez 2011) de David Sanchez.

A peça de Eddie Palmieri foi concebida através da influência da


música popular cubana, e oferece um conjunto de elementos musicais que
podemos apontar como fiéis a uma tradição. Palmieri comenta no encarte do
album Palmas sobre seu procedimento:

Em Cuba houve um desenvolvimento e cristalização de padrões


rítmicos que entusiasmaram as pessoas por muitos anos. Padrões
rítmicos incríveis como mambo, guaracha, son montuno, son e a
rumba. O que quer que tenha que ser construído deve ser
construído a partir daí. E se for construído a partir daí, torna-se
dançável, é garantia de excitação. Eu não acho que isso vai excitar
você, eu sei que vai. (Palmieri, encarte álbum Palmas 1994).

A música “Palmas” apresenta em sua disposição elementos formais,


harmônicos, melódicos e rítmicos da música popular cubana e do jazz
instrumental. Sobre a concepção do album Palmas de Palmieri também é
mencionado no encarte “um equilíbrio que deve ser explorado” (Palmieri,
encarte álbum Palmas 1994).

Na peça “City Sunrise” de David Sanchez percebe-se a presença de


elementos menos ligados a uma tradição bem definida que apontam para
uma concepção musical mais contemporânea (Siron 2004). Em oposição aos
limites impostos pelo território da tradição (Bailey 1993) pode-se observar
uma liberdade mais ampla na concepção formal, no discurso harmônico e na
estrutura rítmica desta peça. No entanto pode ser notado no trabalho de
David Sanchez elementos e conceitos ligados à tradição de maneira menos
explícita, que afirmam sua identidade cultural caribenha.

Como mencionado esta investigação se passa no Brasil com um grupo


de trabalho formado por músicos brasileiros e cubanos. A partir desta
premissa alguns problemas surgiram. A primeira pergunta da qual se partiu
foi: o que é latin-jazz no Brasil? Já que este termo, que nos EUA inclui o jazz
brasileiro e não é compartilhado no Brasil “onde os nativos usam a palavra
latin para se referir unicamente aos ritmos afro-cubanos” (Piedade 2003: 2).
2. Aspectos da estruturação musical do gênero e sua descrição a
partir de dois casos específicos

2.1 “Palmas”
A peça “Palmas” de Eddie Palmieri foi gravada no álbum do mesmo
nome em 1994. Primeiramente é preciso mencionar que “Palmas” se destaca
na carreira de Palmieri por ser de caráter instrumental e por dar ênfase à
improvisação jazzística. Observa-se na instrumentação desta peça duas
seções, que pode-se dizer, carregam fortes marcas de identidade. A seção
rítmico/harmônica formada por músicos da comunidade nuyorican3 de Nova
York e a seção de sopros, formada por três membros da comunidade
jazzística desta cidade.
Tem-se como premissa que a peça está estruturada num elemento
rítmico de origem cubana, a clave de son. A partir desta célula rítmica a peça
se estrutura através de fraseados e da forma como pode ser observado num
trecho da linha melódica da introdução na Figura 1.

Fig. 1: Linha melódica e clave, introdução em “Palmas”, contrabaixo e piano.

No que tange a forma a peça se estabelece em duas seções como


pode ser observado na Figura 2 abaixo. Pode-se afirmar que estas seções se
constituem por elementos que expressam a musicalidade de Eddie Palmieri,
vinculadas a duas origens, como em Piedade (2013), a caribenha que se
apresenta como uma musicalidade regional e a norte-americana que se
apresenta como uma musicalidade de caráter mais universal, como menciona
Piedade como “uma espécie de esperanto musical” (Piedade 2013: 4).


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O termo nuyorican refere-se aos membros ou à cultura da diáspora porto-riquenha
localizada em Nova York ou arredores, ou de seus descendentes.
Fig. 2: “Palmas” forma geral.

Na 1a seção ocorre a exposição do tema na forma AABA. Ou seja, vê-


se claramente nesta concepção a influência da forma da canção popular
norte-americana. Após a exposição do tema seguem-se improvisações sobre
a harmonia de caráter tonal do tema em Dm o que denota uma abordagem
jazzística nesta seção.
A 2a seção se constitui numa progressão harmônica cíclica de quatro
acordes (Dm7 – G7 – C7 – A7), um vamp e, mesmo que tenha uma
polarização tonal/modal definida (Dm), pode ser qualificado como um vamp
híbrido4 (Tiné 2014). Neste trecho da peça o primeiro aspecto que ressalta é


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Pode-se chamar de vamp híbrido aquele vamp que é constituído por acordes de campos
harmônicos diferentes, em oposição ao vamp puro que é constituído por acordes do mesmo
campo harmônico (Tiné 2014).
o rítmico que se torna mais acentuado. A seção é inaugurada por um solo de
congas seguido por um mambo5 e solo de trompete.
Vê-se nesta seção a presença mais forte do elemento percussivo
sobre um discurso harmônico cíclico. Pode-se então afirmar que esta seção
se espelha na 2a seção do son cubano, na parte que é conhecida como
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montuno . Através dos elementos explorados aqui observa-se um
comprometimento maior com a tradição da música popular cubana.

2.2 City sunrise


Nesta composição, gravada no álbum Ninety miles7 de 2011, pode-se
ver ideias estilísticas que partem de várias concepções. David Sanchez é um
saxofonista e compositor nascido em Porto Rico mas migrou para Nova York
afim de construir sua carreira no universo jazzístico. Assim, pode ser
observado em seu estilo elementos destas duas origens. No entanto vê-se
um tratamento deste material de modo diferente em relação à Eddie Palmieri.
Com respeito a forma, como pode ser observado na Figura 3 abaixo,
não é possível se identificar um vínculo com alguma tradição. Pode-se
afirmar que David Sanchez integra vários ingredientes estilísticos dentro
desta forma, valorizando elementos contrastantes, misturando materiais
harmônicos. Na introdução, por exemplo, a peça começa com um vamp
sobre o acorde de Am estabelecendo uma harmonia de caráter modal.
Observa-se em certos trechos desta peça a exploração de um sistema
harmônico onde os elementos que o compõem se comportam com muita
liberdade em relação ao seu centro tonal. Num trecho da parte B mostrado
abaixo, por exemplo, nota-se uma ambiguidade entre C#m e Am:

/ C#m7(9) / C#m7(9) / Esus9 / Eb(#11) – E7 / G7 – E7/G# /


/ Am7(9) / Am7(9) / Am7(9) / Am7 – B7(9) / Cmaj7(9) –
Eb(#11) – E7 / Am7/C – C#m7(9) / C#m7(9) – Am7(9) – Bm7 /
/ Cmaj7(#11) – Am7(9) /

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Nome que se dá a intervenção instrumental na segunda seção de uma peça num arranjo
de salsa.
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Segunda seção no son cubano que é concebida como um vamp. Apresenta intervenções
do coro e pregón (improvisação do cantor) assim como intervenções instrumentais como o
mambo e solos.
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Noventa milhas é a distância que existe entre as cidades de Havana e Miami.
Fig. 3: Forma geral em “City Sunrise”.

Nesta peça, como pode-se notar, a forma se desenvolve de maneira


não linear. Este aspecto pode significar um afastamento de territórios
tradicionais e previsíveis. Afirma-se assim uma grande liberdade e
originalidade nesta concepção.
No entanto aquilo que pode ser chamado de protagonismo do
contrabaixo ao longo da peça aponta para uma referência apoiada na
tradição da música popular caribenha. O musicólogo cubano Olavo Alén
enfatiza a importância do registro grave na música popular cubana e aponta
seu caráter preponderante.
O registro grave . . . não perdeu nunca seu caráter preponderante
dentro do contexto total da música. Talvez esta preponderância
fosse demasiado importante como tradição para os africanos e
seus descendentes em Cuba para se perde-la totalmente. O baixo
se destacou saindo do tempo forte nas estruturas musicais do son
e assumiu padrões rítmicos complexos que inclusive serviam como
guias em sua música. Esta riqueza do movimento do registro baixo
não encontra seu antecedente na Europa mas, nas complexas
transformações que sofreu o discurso musical africano durante no
processo de ocidentalização no Caribe (Alén, 2011: 93-94).

As Figuras 4 e 5 abaixo mostram dois momentos da peça em que o


contrabaixo assume esse protagonismo, a introdução e um trecho da parte B.

Fig. 4: Contrabaixo na Introdução de “City Sunrise”.

Fig. 5: Contrabaixo na parte B de “City Sunrise”.

3. Parâmetros e resultados: “Tamoios”


O processo de elaboração de uma peça original, como previsto neste
trabalho, se desenvolveu a partir das características observadas nas peças
analisadas acima. Parâmetros foram elencados tendo como referência
elementos estruturais como forma, harmonia, instrumentação e ritmo.
A concepção da composição original, “Tamoios”, partiu de uma ideia
musical centrada em dois elementos, a célula rítmica da clave de son, que
está ligada à tradição da música popular cubana, e uma frase em ostinato
executada pelo contrabaixo (FIGURA 6). Ou seja, partiu-se de uma
concepção da tradição da música popular cubana em que a clave tem a
função organizacional numa peça musical (Mauléon, 1993).
Fig. 6: Contrabaixo e clave em “Tamoios”.

Tendo em vista esta concepção inicial optou-se pela utilização de


elementos estilísticos desta tradição. Assim, no que tange à forma a peça se
apresenta em duas seções as quais chamo aqui como montuno 1 e montuno
2 (FIGURA 7).

Fig. 7: Forma geral em “Tamoios”.

As seções foram chamadas de montuno por serem concebidas em


forma de vamp, no caso sobre dois acordes, C7 – Bb7 e G7 – F7. Ambos os
vamps têm caráter híbrido. O montuno 2 expressa mais elementos da
tradição da música popular cubana como o mambo e a improvisação de um
instrumento percussivo.
No montuno 1 vê-se alguns ingredientes que podem ser apontados
como vinculados à linguagem jazzística como, por exemplo, uma abordagem
melódica cromática no desenvolvimento do tema (Figura 8).

Fig. 8: Trecho da melodia do tema, abordagem cromática.

Na improvisação do saxofone, surgem elementos ligados à articulação


de frases melódicas que podemos dizer evocam aquilo que Piedade (2013)
chamou de tópica bebop (Figura 9).

Fig. 9: Trecho do solo de saxofone, tópica bebop.

4. Considerações finais
Esta investigação se passa no Brasil a partir da experiência prática do
autor com um grupo estável no desenvolvimento de um trabalho a partir de
um repertório baseado na música latina considerando peças de gêneros da
música popular cubana, da salsa e do latin-jazz, assim como peças de cunho
autoral.

Este grupo de trabalho é formado por músicos brasileiros e cubanos e


consequentemente algumas questões ligadas à identidade surgiram como,
por exemplo, uma disparidade na concepção entre os músicos quanto a
adequação dos elementos musicais inerentes à peça autoral descrita neste
trabalho. Uma situação que gerou um tipo de “etnocentrismo de classe”
(Bourdieu 2002) pois os músicos de origem caribenha reivindicaram maior
rigor em relação aos elementos idiomáticos em sua concepção e execução
para que o resultado fosse aceito como genuíno ou legítimo.

Outra indagação se faz necessária. O termo latin-jazz surgiu nos


Estados Unidos como uma forma de classificação de gênero e mesmo como
rótulo comercial para designar um tipo de música com origem ou com
influência latino-americana. No entanto este termo não é compartilhado no
Brasil.

Apesar das culturas cubana e brasileira terem muito em comum


constata-se a necessidade de uma manutenção da identidade por seus
indivíduos. Em relação ao Brasil vê-se esse comportamento através de uma
negação, de uma recusa que os nativos fazem para se inserirem no contexto
da latinidade com o intuito de se construir uma identidade contrastiva
(Piedade, 2003).

Por outro lado nota-se um comportamento semelhante com os


músicos cubanos em relação à sua identidade através de uma rigidez ligada
à concepção rítmica inerente à sua música, através de um forte vínculo com
a clave e seus conceitos.

A longeva experiência do autor com uma manifestação de


musicalidade estrangeira levou à uma reflexão sobre a assimilação de
elementos musicais de outra origem, ou seja, sobre a construção de uma bi-
musicalidade (Hood 1960). Nesta construção é importante considerar a visão
de Bailey (1993) que pensa a música como um idioma, como a expressão de
uma linguagem com elementos característicos e carregados de identidade.
Tais elementos devem então ser absorvidos através da própria iniciativa e
autodeterminação.

No entanto este esforço na assimilação destes elementos deve


abranger também os sentidos e significados culturais inerentes a essa
musicalidade. Ou seja, além do esforço individual deve-se buscar os
elementos que estão na comunidade musical, não apenas em gêneros desta
tradição musical mas os elementos culturais como um todo.
Bibliografia

Alén, Olavo: Occidentalización de las culturas musicales africanas en el


Caribe. La Habana: Museo de la Música, 2011.
Bailey, Derek: Improvisation, its nature and practice in music, England
Ashbourne: Da Capo Press, 1993.
Bourdieu, Pierre: Campo de poder, campo intelectual – Itinerário de um
conceito. Montressor Ed, 2002.
Hood, Mantle. The Challenge of Bi-musicality. Ethnomusicology, 4, 1960,
p.55-59.
Mauléon, Rebeca. Salsa Guidebook: For Piano and Ensemble. Petaluma, Ca:
Sher Music, 1993.
Piedade, A. Tadeu. Brazilian Jazz and Friction of Musicalities. In: E. Taylor
Atkins (ed.). Jazz Planet. Mississipi: University Press of Mississipi, 2003. pp.
41-58.
______________. A teoria das tópicas e a musicalidade brasileira: reflexões
sobre a retoricidade na música. El oído pensante, vlo. 1, n° 1(2013) ISSN
2250-7116.
Santos, Boaventura de Sousa; Meneses, Maria Paula: Epistemologias do sul.
Coimbra: Ed. Almedina SA, 2009.
Siron, Jacques: La Partition Intérieure – Jazz, Musiques Improvisées. Paris:
Ed. Outre Mesure, 2004.
Tiné, Paulo José de Siqueira. O modalismo em alguns compositores de
música popular do Brasil pós Bossa Nova. Per Musi, Belo Horizonte, n.29,
p.110-116, 2014.

Discografia

Eddie Palmieri. 1994. Palmas. Elektra Nonesuch – 7559-61649-2


Stefon Harris, David Sánchez, Christian Scott, featuring Rember Duarte &
Harold López-Nussa. 2011. Ninety Miles: Concord Picante – UCCO-1111

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