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Artigo de Pesquisa PROEMUS - UniRio Jayme Vignoli 1

Jayme Vignoli Rodrigues de Moraes

Orientador: Prof. Dr. Marco Túlio de Paula Pinto

PROEMUS - Programa de Mestrado Profissional em Ensino das Práticas Musicais

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UniRio

Abordagem do Lundu dentro do projeto Lundu, tango, maxixe e calango - Música Brasileira em

plena ebulição

Introdução

Este projeto, em desenvolvimento no Programa de Mestrado Profissional em Ensino das

Práticas Musicais - PROEMUS/UniRio, sugere um estudo sobre os quatro gêneros musicais

descritos em seu título (todos integrantes do universo do choro ou de alguma forma ligados a

este), semelhantes entre si mas não idênticos, com a finalidade de evidenciar as diferenças en-

tre os mesmos e também mostrar o que poderia justificar a classificação de todos como uma

coisa só.

Além do profundo interesse e grande admiração pelo universo do choro, fatores que me

serviram como um chamado para querer ser músico, dois aspectos importantes me motivaram

para a elaboração desta proposta de trabalho que posso afirmar ter nascido então de duas cis-

mas. Uma, quando no início de carreira profissional, ao indagar um músico mais experiente so-

bre a categorização dos diversos gêneros do universo do choro, usando como exemplo um

questionamento quanto às diferenças por entre lundu, tango brasileiro, maxixe e calango, recebi

a enfática e conclusiva resposta de que era “tudo a mesma coisa!”. Outro fator de dúvida era o

enigmático fenômeno de quando alguns músicos brasileiros unanimemente apontados como

profissionais competentes, se propunham a escrever arranjos e/ou composições para gêneros e

sub gêneros desse universo, e não tinham rendimento à altura de suas atestadas competên-

cias. Esses então podem se dividir em dois grupos de instrumentistas: uns “militantes” do choro

(conhecedores portanto do métier o que justificaria larga experiência no assunto) e outros ori-
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undos de outras escolas musicais fazendo com que não se sentissem tão à vontade com a lin-

guagem.

A partir da investigação das formas de execução de cada gênero, amparada por material

fonográfico e partituras, aos quais se soma um trabalho de pesquisa viabilizando uma contextu-

alização histórica, proponho a elaboração de três versões de uma mesma música que contem-

ple cada gênero (totalizando portanto 12 versões), partindo do que chamo de “versão matriz” ou

seja, a forma bruta, natural e original de cada gênero, partindo em seguida para uma versão

intermediária (trio de choro flauta, cavaquinho e violão ou regional de choro com solista e quatro

acompanhantes) e uma terceira versão, numa formação instrumental comum a todas as músi-

cas, para orquestra típica com 15 integrantes, conforme o quadro 1:

Vale aqui destacar que as composições a serem trabalhadas são de minha autoria, a

partir da observação e pesquisa sobre os gêneros musicais em questão associada principal-

mente à experiência prática como músico instrumentista, arranjador e compositor com 31 anos

de carreira profissional e que, ao repertório de 12 músicas serão adicionadas mais duas faixas-

bônus com a orquestra típica, também compostas por mim: o tango-lundu Soprado e a peça

Quadro 1 - formação instrumental da orquestra típica (cada número


na primeira coluna à esquerda corresponde a um músico que pode
tocar mais de um instrumento).
1 Flauta Flauta em sol Flautim
2 Clarinete Clarone Sax Alto
3 Clarinete Clarone Sax Tenor
4 Sax Soprano Sax Tenor Sax Barítono
5 Trompete Cornet Flugelhorn
6 Trombone Bombardino
7 Acordeom
8 Piano
9 Bateria Percussão
10 Percussão
11 Percussão
12 Bandolim Violão-tenor
13 Cavaquinho
14 Violão
15 Contrabaixo
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Patrimônio (uma homenagem aos 150 anos de Ernesto Nazareth sob forma de rapsódia con-

templando os gêneros tango brasileiro, valsa e polca).

Complementando, quero dizer que a proposta vislumbra três etapas de trabalho:

primeiramente partir para uma investigação profunda do gênero musical a ser tratado, conhecer

sua história, como, onde e em que época surgiu e buscar o máximo de referências sonoras a

começar pelo máximo que houver de primordial, passando a exemplos que mostrem o desen-

volvimento do gênero em questão (se possível até os dias de hoje). Seguindo-se a isso, anotar,

transcrever e organizar os materiais musicais inerentes a cada gênero (e é importantíssimo que

isso não se restrinja aos aspectos melódicos ou rítmico-melódicos, isto é, apenas ao tema, ao

que é solado/cantado mas, já que estou falando de caracterização de diferentes gêneros musi-

cais, é imprescindível que se inclua também o máximo possível de informações referentes ao

acompanhamento). Por fim, fruto de todo o trabalho de pesquisa sonora, realizar composições e

arranjos que se utilizem do que foi coletado, como resultado do aprendido e apreendido.

Faz-se importante salientar que apesar dos gêneros musicais contemplados neste proje-

to terem se difundido por todo o território brasileiro e em função disso terem assumido carac-

terísticas peculiares em cada localidade, neste trabalho o exame será feito no ambiente da

cidade do Rio de Janeiro, podendo se estender por localidades adjacentes dentro da região

fluminense.

Reafirmo aqui então uma chamada de atenção ao que acredito ser de grande importân-

cia para o estabelecimento e reconhecimento de um sotaque próprio no campo do arranjo in-

strumental e também a composição musical: a investigação a fundo, manuseando as matérias

primas e brutas de cada gênero musical para em seguida partir para maiores elaborações.

Neste artigo farei um recorte do projeto de Mestrado Profissional, restringindo a abor-

dagem a apenas um dos quatro gêneros considerados no projeto, especificamente o lundu.

O lundu

É no mínimo curioso se saber e constatar que apesar de ser o gênero daquela que foi a

primeira música a ser gravada no Brasil - Isto é bom - gravação de Bahiano (Manoel Pedro dos
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Santos, 1887-1944) para a Casa Edison em 1902 - o lundu careça de maiores e mais acertadas

informações sobre sua forma de execução quando de seu surgimento no século XVIII. Segundo

Carvalho (2003), o lundu teria surgido no Brasil por volta de 1870 e teria estreitas relações com

outra dança, o “batuque” praticado nas senzalas. Em fins do século XVIII, o lundu aparece

como canção tanto no Brasil quanto em Portugal.

O que ocorre é que de acordo com alguns outros pesquisadores e musicólogos como

Araújo (1963), Andrade (1980), Tinhorão (1991), Sandroni (2001), Castagna (2006), Lima (2010)

as primeiras descrições, bem como diversas referências posteriores falam do lundu especifica-

mente como uma festiva dança dos negros ou uma manifestação cultural constituída de ele-

mentos coreográficos e musicais das várias culturas que deram forma à sociedade luso-

brasileira, onde a coreografia baseava-se em alternância das mãos dos dançarinos, ora na tes-

ta, ora nas ancas, movimentos nas pontas dos pés, estalar de dedos e palmas com os braços

para cima - classificado por alguns como uma evidente imitação de castanholas, endossando

uma influência espanhola - e ainda requebro e movimentos circulares dos quadris, essas duas

últimas características classificadas como originárias da cultura africana. Um fator sempre cita-

do quase unanimemente entre os vários estudiosos, como fator coreográfico marcante é a

“umbigada”, quando os dançarinos, no auge expressivo de suas performances chocam seus

ventres um contra o outro na altura do umbigo. Tinhorão (1991) ainda afirma que segundo o

maestro Batista Siqueira, não havia como saber se realmente a dança lundu inspirara o tipo de

canção homônima e como isso teria acontecido. Por volta de 1820 o lundu atinge todos os es-

tratos sociais, inclusive a classe aristocrática e passa a fazer enorme sucesso na programação

teatral, sendo apresentado no “entremez” que vinham a ser quadros cômico-musicais encena-

dos nos entreatos de peças teatrais.

Alguns registros aos quais se pode ter acesso, datados já do século XIX, são represen-

tados por gravuras de artistas plásticos onde, em alguns casos, os negros escravos da colônia

aparecem retratados de forma um tanto caricatural. Menos elitistas no entanto são as obras de

artistas como Jean Baptiste Debret (1768-1848) e Johann Moritz Rugendas (1802-1858) que
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deram enorme e valiosa contribuição à memória brasileira reproduzindo diversas cenas cotidi-

anas da sociedade de então. Me ative mais detidamente ao trabalho de Rugendas pelo fato de

nele encontrar mais alusões às festas e danças dos negros e principalmente ainda por registrar

algo do instrumental utilizado nas ocasiões o que vem a ser de suma relevância para meu tra-

balho.

Dentre farto material, em duas gravuras de Rugendas (c. 1835) encontrei menção direta

ao lundu, onde em ambas consta a legenda Danse Landu (SLENES, 1996). Numa, está descri-

ta visualmente uma festa informal bastante animada no que parece ser uma propriedade rural, à

noite onde iluminados pelas chamas de uma fogueira, um casal aparentemente branco ou

mestiço dança e o único instrumento musical que aparece é um violão. Entretanto, curiosa-

mente, como descrição de uma “dança negra”, os poucos negros nela retratados, não figuram

dançando mas se encontram quietos e sentados num canto. É interessante ainda ressaltar, em

meio à festividade, a presença de um frade. Talvez aqui nesse trabalho de Rugendas fique

patente o quanto o lundu já se entranhara na sociedade. Em outra, no que aparenta ser nova-

mente um cenário rural, em frente a uma pequena casa um casal mulato dança enquanto outros

personagens observam e nitidamente são partícipes da efeméride. Mais à direita do casal que

baila, um negro parece segurar um instrumento de percussão, parecendo um reco-reco, um

pandeiro ou uma espécie de caixeta.

Em outra gravura intitulada Danse Batuca (SLENES, 1996) o artista descreve um grupo

de negros - mais uma vez em meio a uma paisagem rural - posicionados em roda onde quase

todos parecem dançar batendo palmas (não há nenhum instrumento musical). Não sendo pro-

priamente um registro de algo ligado ao lundu, merece ser dito que o termo “batuque”, segundo

o Dicionário do Folclore Brasileiro de Luís da Câmara Cascudo é: “denominação genérica dada

pelos portugueses, a toda dança de negros na África.” (DELLA MONICA, 2001, p. 341) O ver-

bete ainda assinala que “de acordo com publicações de Portugal, no final do século XIX, o

batuque era considerada dança indecorosa, por apresentar movimentos lascivos, principal-

mente umbigadas” (id., ibid., p. 341, grifos do autor). Ora, ainda que lundu e batuque sejam
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gêneros distintos, não somente a imagem de Rugendas bem como também a descrição de

Câmara Cascudo, sugerem semelhanças entre os dois principalmente no que tange à atividade

em si, ou seja, reunião festiva de negros para dançarem e cantarem. O que acontece é que o

lundu aos poucos foi sendo aceito e absorvido por todas as camadas sociais da época, incorpo-

rando então à sua execução instrumentos que não somente os africanos mas vidos da Europa.

A partir então das imagens de Rugendas, Debret e outros (como A.P.D.G. - Begging for

the festival of N. S. D’Atalaya, datada do ano de 1826, que integra a publicação Sketches of

Portuguese Life e ainda gravuras incluídas no livro Viagem pelo Brasil de Johann Baptist von

Spix e K. Friedrich von Martius (LIMA, 2010), é possível listarmos alguns instrumentos como:

tambores, bumbo, calimba, reco-reco, balafon - praticamente todos instrumentos de percussão

de origem africana - e ainda, flauta, guitarra inglesa, violino e gaita de fole.

Outras fontes na forma de escritos anteriores a essas gravuras, ainda do século XVIII,

relatam o instrumental que acompanhava a dança com instrumentos de percussão, viola de

arame (ou guitarra inglesa, ou guitarra francesa) além das já mencionadas palmas e estalidos

de dedos. O português Manoel da Paixão Ribeiro em publicação de sua autoria Nova arte de

viola traz a informação de que “havendo mais de um cordofone, podiam executar acordes em

arpejos, tocar por pontos ou rasgueados que marcassem o ritmo padrão do lundu ou improvisar

melodias” (LIMA, 2010, p. 208). Aqui está uma questão fundamental: mas qual padrão?! Por

que será que foram necessários tantos anos para que alguém enfim transcrevesse para a grafia

musical o som do lundu tal e qual era tocado? O primeiro registro em partitura de um lundu data

de 1821, podendo ser encontrado no livro Viagem pelo Brasil dos alemães Johann Baptist von

Spix e K. Friedrich von Martius. Trata-se de Lundum, Brasilian Volkstanz que em tradução livre

vem a significar Lundum, dança popular brasileira (LIMA, 2010, p.214). Entretanto esse registro

se limitou apenas ao tema melódico e nada mais, isto é, além de não apresentar a harmonia

(embora esta seja de fácil dedução dada uma certa profusão de frases em arpejo), não faz nen-

huma menção sequer ao acompanhamento rítmico, mais precisamente, da percussão. Ora, jus-

tamente aquele que seria o fator característico mais marcante do gênero, não fora colhido e de-
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vidamente grafado. Ficamos com a “imagem” da percussão frenética, envolvente, acalorada e

outros adjetivos entre o exótico e o vibrante que em muitas descrições são utilizados para car-

acterizar a música trazida pelos africanos.

Apesar disso, repetidamente encontramos em publicações a alusão de que a rítmica do

lundu se resume à “presença da síncope no primeiro tempo de um compasso binário”. Mário de

Andrade por exemplo nos dá a seguinte descrição: “Canto e dança populares no Brasil durante

Scoreo século XVIII, introduzidos provavelmente pelos escravos de Angola, em compasso 2/4 onde o

primeiro tempo é frequentemente sincopado (ALVARENGA; TONI, 1989, p. 291). Algumas

referências (FLOYD Jr, 1999) chegam a grafar uma célula rítmica dita peculiar ao gênero como

na exemplo 1:

œ œ œ œ œ
Exemplo 1 - célula rítmica peculiar
ao lundu segundo Floyd JR, 1999.

Perfeito então; além da explanação mais teórica que fala da presença da síncope, já se

evolui aparentemente para um agrupamento rítmico mais definido que ocupa um compasso in-

teiro. Mas como definir e entender apropriadamente a noção de síncope ou de sincopado, antes

de mais nada?

As mais variadas definições disponíveis em vasta bibliografia apontam para a definição

de síncope como uma “acentuação deslocada”, isto é, um acento fora do que seria o seu lugar

natural, o chamado “tempo forte” ou “parte forte de tempo”. Já há tempos essa qualificação do

tempo como forte ou fraco cedeu lugar para o que se convencionou chamar “apoio” e “impulso”.

Para ilustrar, vejamos por exemplo a definição de síncope segundo o Harvard Dictionary of Mu-

sic: “… qualquer alteração deliberada do pulso ou métrica normal. Nosso sistema rítmico ba-

seia-se no agrupamento de pulsações iguais em grupos de 2 ou 3, com um acento regular

recorrente na primeira pulsação de cada grupo. Qualquer desvio em relação a este esquema é

sentida como uma perturbação ou contradição entre o pulso subjacente e o ritmo real” (APEL,

1974, p. 827).
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Mas, voltando à célula rítmica do lundu, permanecem dúvidas. Seria esse atributo rítmi-

co inerente à linha melódica, ao acompanhamento ou a ambos? No que diz respeito ao acom-

panhamento, como este se dava notadamente na percussão? Em se utilizando de instrumentos

de percussão de som indefinido entre membranofones e idiofones, onde estariam distribuídas

na célula rítmica dita particular do lundu as frequências graves, médias e agudas? Por exemplo,

ao ser executada num instrumento como o atabaque, que figura diria respeito a um golpe mais

seco, e qual corresponderia a um ataque que permita que a pele do instrumento ficasse vibran-

do por mais tempo. Além de tudo isso, haveriam variantes de acentuação entre as cinco figuras

da célula? Isso tudo, em minha opinião, deixa mais que claro que sempre para que ocorra um

melhor entendimento da real sonoridade de qualquer manifestação musical popular é indispen-

sável alguma referência em áudio seja na forma de gravações ou ao vivo (essa segunda possi-

bilidade é sem dúvida a mais completa por colocar o ouvinte-pesquisador em meio ao ambiente

legítimo do objeto de investigação). Mais, na realidade, grafar as informações dentro do sistema

de escrita musical há de ser uma fase posterior à escuta e à compreensão do que foi então

percebido. Entretanto, aqui com o lundu, como óbvia e infelizmente, os personagens inspi-

radores que constam das diversas gravuras de Debret, Rugendas e outros, não tinham em

mãos gravadores de áudio na ocasião, ficamos tateando para encontrar possíveis respostas às

diversas indagações acerca da verdadeira forma de execução (principalmente, volto a dizer, no

que tange ao acompanhamento) do legítimo lundu. Aqui ainda caberia uma pergunta: como e

porque que nenhum músico teve a iniciativa de anotar o que se ouvia naquelas ocasiões?!

Em meio então a sentimentos de inconformismo e certa frustração, de estar pratica-

mente lidando com um “caso perdido”, tentei levantar, via averiguação histórica e musicológica,

algo que pudesse trazer alguma luz a mais ao que havia então de material escrito em partitura e

descrições da época e, no caso do lundu, incorporando também ao todo, um repertório gravado

no início do século XX por artistas como Bahiano (Manoel Pedro dos Santos, 1887-1944), Mário

Pinheiro (1880-1923) e Eduardo das Neves (1874-1919) entre outros. Trata-se aqui de um lun-
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du mais estilizado onde sua maioria as gravações se dão na forma de voz acompanhada de

violão.

Do ponto de vista musicológico, percebi ser fundamental um melhor entendimento das

matrizes dessa música ainda no continente africano. A fim de ilustrar melhor, falemos do tresil-

lo, assim batizado por musicólogos cubanos como Argeliers León em e Solomon Glades

Minkovsky (SANDRONI, 2001). Trata-se de um agrupamento rítmico assimétrico largamente

empregado na música cubana e em demais países da América para onde foram levados es-

cravos africanos como o Brasil. Peculiar da música afro-americana, sua origem vem de um
Score
padrão rítmico de regiões da África Subsaariana (FLOYD Jr, 1999). Correspondendo então a

três figuras articuladas dentro de um âmbito de dois pulsos, o tresillo pode ser grafado de duas

maneiras a princípio (exemplo 2):

œ. œ œ œ œ. œ. œ
Exemplo 2 - duas formas de
grafia do tresillo

Também é feita alusão a esse agrupamento como “3-3-2” se levarmos em conta o

número de semicolcheias a que corresponde cada figura. A propósito, em minha atividade como

professor de música, costumo comentar com os alunos que em se falando de música brasileira,

em especial a música popular em compassos binários e quaternários para começar, é interes-

sante que tenhamos a partir do estabelecimento de um pulso regular, uma noção clara deste, já

subdividindo-o em grupos de quatro semicolcheias. Exemplificando melhor: quando um diretor

musical, arranjador ou professor quer passar aos integrantes de um grupo a pulsação do que

será tocado, ele o faz através de uma simples contagem desses pulsos. O que penso é que aos

que percebem essa informação, é preferível e recomendável que automaticamente já ouçam

internamente a pulsação com a subdivisão em grupos de quatro semicolcheias. Melhor ainda se

adicionarem à essa percepção uma alegoria como por exemplo a sonoridade do toque básico

do pandeiro no choro (que executa as 4 semicolcheias de cada pulso do compasso 2/4; exemp-
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lo 3) e no caso desse instrumento cada tipo de toque (dedo polegar, demais dedos e base da

mão entre outros) produz um som particular.


Score

œ œœ dedos 2 œ œ œ œ œ œ œ
base da mão
membrana œ
(dedo indicador ou médio
polegar 4 œœ Œ
pelo lado de dentro da
pele do instrumento)

Exemplo 3 - toque básico de choro para pandeiro


brasileiro de acordo com BOLÃO, 2003.

Continuando, como fator de identidade, o tresillo faz-se presente em inúmeros gêneros

musicais populares espalhados pelo mundo, inclusive nos quatro tratados no projeto principal

de Mestrado Profissional de onde deriva o presente artigo. Se o que quero é justamente evi-

denciar a diferença entre gêneros que pertencem a uma mesma “linhagem”, tomemos como

modelos agora dois estilos musicais mais distantes um do outro que são o maxixe e o baião. A

ambos é possível atribuir como um dos padrões rítmicos dos mais representativos, justamente o

tresillo, ou seja, estamos diante de dois gêneros com a mesma célula rítmica. Partindo da in-

formação grafada por meio da escrita musical nua e crua seria óbvio determinar então que

baião e maxixe se equivalem perfeitamente. Se o músico ou o estudante de música tomar então

o que está escrito e o cantarolar à guisa da tradicional forma de estudo da disciplina de per-

cepção musical, em particular o estudo de ritmo e som e leitura rítmica, isto é, reproduzindo

cada figura com a mesma intensidade, mesma altura e mesma sílaba, não restarão dúvidas que

baião e maxixe são idênticos (e de acordo com a interpretação oral do ritmo à maneira tradi-

cional descrita acima, consideravelmente enfadonhos). Contudo, se essa mesma pessoa, com

um mínimo de conhecimento de cada um desses dois estilos musicais, a começar do entendi-

mento que cada um vem de lugares diferentes geograficamente e que isso implica em diversos

fatores (climáticos, econômicos, sociais…) que apontarão para modos de vida distintos, aquilo

que está representado por meio de um mesmo símbolo gráfico começa a de fato se distinguir.
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Voltando ao estudo de leitura rítmica, se a pessoa agora tenta cantarolar o mesmo ex-

emplo rítmico de forma menos burocrática, imitando a sonoridade da percussão específica de

cada gênero, tentando reproduzir o ritmo qual a caixa clara ou o pandeiro para o maxixe e como

a zabumba para o baião, o que está escrito começa a ser realmente transformado em música.

Ora, se imaginarmos esses instrumentos de percussão como de fato executam suas partes - e

para isso volta-se à importante consideração de que o amparo de material de áudio é funda-

mental e imprescindível - perceberemos que há mais coisa soando do que única e simples-

mente as figuras que compõem a célula rítmica do tresillo. Associando então essa percepção à

prática da subdivisão do pulso sempre em grupos de quatro semicolcheias será factível verificar

que o que se tem, praticamente, são todas as semicolcheias soando, mas de maneiras distin-

tas, umas mais claras (acentuadas) e outras menos destacadas. Essas menos evidentes seriam

sons acessórios e complementares de modo a preencher o exemplo rítmico com todas as semi-

colcheias de cada tempo.

Abaixo, no exemplo 4, está colocado o tresillo junto à subdivisão do pulso e a uma rep-

resentação deste dentro de um padrão de acompanhamento (popularmente chamado de “leva-

da”). Na “levada”, as notas representadas por “x” equivalem aos sons complementares, frutos

do preenchimento da levada, fator fundamental para se fazer com que a coisa soe com o bal-

anço inerente à nossa música popular, notas às quais não raro é possível perceber um trata-

mento nominal como “notas fantasmas”:

42 ۜ
pulsação subdividida

Score Û Û Û œ
Û Û Û Û

42 œ .
tresillo

œ œ œ

42 œ . ¿ ¿ œ œ¿ ¿ œ ¿
padrão rítmico preenchido

Exemplo 4 - a pulsação subdividida ou


preenchida com todas as semicolcheias; o
padrão rítmico “bruto” do tresillo e o mesmo
“preenchido” com as figuras acessórias ou
“notas fantasmas”.
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Aqui faz-se interessante a abertura de parênteses para tratarmos da forma de acom-

panhamento dentro do universo do choro entre outras manifestações populares. Se pegarmos

instrumentos de assistência rítmico-harmônica como o cavaquinho e o violão, há que se dizer

que a reprodução de acordes de forma apropriada constitui mero detalhe frente às característi-

cas rítmicas do acompanhamento, essas sim de enorme importância na definição do gênero

que está sendo tocado. E nisso, os instrumentos tomados como exemplo estarão atuando de

maneira bastante proveitosa desde que estejam sempre “imitando” o instrumental de percussão

característico deste ou daquele gênero.

Lembrando ainda que esses instrumentos percussivos, cada qual com sua técnica par-

ticular, permitem a execução das figuras também se utilizando de diversas variações em toques

distintos, a sonoridade vai se diferenciando em muito. Enfim, assim como nas diferentes regiões

brasileiras levadas em conta aqui, ocorrem sotaques distintos no discurso falado, o mesmo se

dá no instrumental e consequentemente no soar de cada gênero. Não há dúvida que a determi-

nação desses sotaques é fortemente derivada do instrumental de percussão especificamente e

suas formas de tocar.

Levando-se em conta então a idéia de preenchimento descrita acima (exemplo 3) para

qualquer agrupamento rítmico, no caso do tresillo, a própria célula do lundu mostrada na figura

1 pode ser considerada uma variação deste (notar que em ambas ocorre a articulação das

porções correspondentes à quarta semicolcheia do primeiro tempo e terceira semicolcheia do

segundo tempo).

Uma outra célula rítmica largamente encontrada na música das Américas e que foi tam-

bém batizada por musicólogo cubanos (SANDRONI, 2001) é o cinquillo (exemplo 5), corre-

spondendo, como o próprio nome diz, a um grupo assimétrico composto de cinco figuras onde

temos equidistante de duas colcheias a síncope característica.


Score
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j j
œ œ œ œ œ

œ ¿ œ œ œ¿ œ œ ¿
Exemplo 5 - Cinquillo em três grafias: forma “bruta”,
evidenciando a presença da síncope e na forma

Na música brasileira, em especial os gêneros abordados em meu projeto de mestrado

(além do lundu, tango brasileiro, maxixe e calango bem como também em polcas e polcas max-

ixadas) o cinquillo é comumente empregado no acompanhamento tanto pelo cavaquinho quanto

pelo violão. Curiosamente porém não à toa, o compositor e arranjador Pixinguinha (Alfredo da

Rocha Viana, 1898-1973), em muitos arranjos escreve esse padrão rítmico para o acompan-

hamento a ser efetuado pelo piano em maxixes e polcas como na segunda parte da polca-tango

“A mulher do bode” de Cardoso de Meneses Filho (exemplo 6). Podemos achar o cinquillo tam-

bém por exemplo numa peça do compositor estadunidense Scott Joplin (1868-1917), logo no

início da parte final do ragtime “The entertainer” (exemplo 7).

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Exemplo 6 - Segunda parte de “A mulher do bode” de Cardoso de Meneses Filho
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Exemplo 7 - Início da parte final de “The entertainer”, de Scott Joplin

É interessante observar que enquanto no arranjo de Pixinguinha o cinquillo aparece

como padrão de acompanhamento, na peça de Joplin o mesmo faz parte do motivo rítmico do

tema.

Já no maxixe Dança do Urso de Candinho (Cândido José da Silva, 1870-1960, também

chamado de Candinho Trombone), transcrito no exemplo 8, percebemos cinquillo permeando a

música inteira, em suas três partes, vindo a constituir indiscutivelmente o motivo rítmico-melódi-

co principal da obra. Aqui nesta música, basta esquecermos das relações intervalares do tema

e cantarolarmos apenas o ritmo, tentando empreender uma sonoridade percussiva, e será fácil

perceber a todo momento a sugestão de uma “levada” maxixada. Vale muito observar então

que se temos aparentemente uma “levada” dentro do tema, uma interessante maneira de se

realizar o acompanhamento seriam justamente aquelas que não se baseassem no cinquillo mas

em outros padrões (como por exemplo o tresillo e/ou o “ritmo de habanera” que veremos adi-

ante), visando uma melhor definição dos planos sonoros (considerando-os melodia e acompan-

hamento) e evidenciando contraste entre os mesmos.


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Exemplo 8 - maxixe Dança do urso de Candinho.


Artigo de Pesquisa PROEMUS - UniRio Jayme Vignoli 16

Outra célula rítmica muito recorrente na música afro-americana, é aquela à qual se con-

vencionou chamar de “ritmo de habanera” (exemplo 9).

Analisando friamente, podemos considerar que se trata do próprio tresillo sem a ligadura

entre a última semicolcheia do primeiro grupo com a primeira colcheia do segundo. Fora isso,

concordo com Sandroni quando ele se posiciona em relação a essa denominação de “ritmo de
Score
habanera”: “O nome é enganoso por dar a entender que foi a habanera que introduziu este rit-

mo na musica brasileira” (SANDRONI, 2001, p. 30). Mesmo assim, esse fragmento assim ficou

consagrado e isso ao menos há de nos servir, facilitando quando a ele quisermos nos referir.

œ. œ œ œ
Exemplo 9 - célula rítmica da habanera

Em resumo, se compararmos as células rítmicas do lundu, tresillo, habanera e cinquillo

entre si, poderemos verificar - no exemplo 10 - que as coincidências de ataques dentro da sub-
Score
divisão de cada tempo por quatro semicolcheias terminam por gerar justamente a figura do tre-

sillo (retirando as cabeças de nota das figuras que não são coincidentes, vale notar o tresillo

corresponde à única que clula permanece inalterada na escrita).

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Exemplo 10 - comparação entre as células
rítmicas do lundu, habanera, tresillo e cinquillo.

Para complementar essa espécie de catalogação de fragmentos rítmicos inerentes ao

estudo da música brasileira, é muito interessante destacar a chamada “pirâmide de ritmos”

elaborada pelo musicólogo austríaco Gerhard Kubik (exemplo 11), composta de diversos ele-
Artigo de Pesquisa PROEMUS - UniRio Jayme Vignoli 17

mentos e agrupamentos coletados em regiões distintas do continente africano como Guiné,

África central e centro-oeste e região do Alto Sangha que engloba Congo, República Centro

Africana e Camarões (FLOYD Jr, 1999). Os fragmentos coletados por Kubik são na realidade o

que ele mesmo e outros pesquisadores como Nketia (SANDRONI, 2001, p. 25) chamam

de”time line”, que pode ser traduzido como “linhas guia” (id. ibid.), usadas na música da África

Negra, por meio de palmas e instrumentos de percussão de frequência aguda. Esses padrões

funcionam como referência “metronômica” - apesar não serem marcações de pulso o que seria

mais pertinente do ponto de vista musical ocidental - mas agrupamentos de células rítmicas que

se repetem com diferentes dimensões e graus de complexidade.

Observemos pois então no exemplo 11 o primeiro agrupamento. Podemos afirmar que o

mesmo é aparentado, ou uma variação do cinquillo (exemplo 5), contendo ainda a porção do

primeiro tempo coincidente com a célula do lundu (exemplo 1). Já o terceiro grupo é perfeita-

mente compatível com um dentre os diversos padrões rítmicos de tamborim no samba. Na ver-

dade, no exemplo 12 a mesma pirâmide aparece com os complementos e aqui cabe uma im-

portante observação, um paralelo com a peculiaridade do tamborim brasileiro, onde temos dois

tipos de toque: com a baqueta e com o dedo pelo lado de dentro da pele do instrumento. O

toque da baqueta corresponde aos às “cabeças de nota” com escrita convencional e o toque do

dedo, referente ao preenchimento dos fragmentos rítmicos “brutos” corresponde às “cabeças de

nota” escrita com “x”.

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Exemplo 11 - “pirâmide de ritmos” de Gerhard Kubik
Artigo de Pesquisa PROEMUS - UniRio Jayme Vignoli 18

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Exemplo 12 - “pirâmide de ritmos” de Gerhard Kubik com os complementos


ou preenchimentos

Fazendo um exercício de leitura e execução desses padrões rítmicos como se es-


tivéssemos tocando um tamborim - ou estabelecendo diferentes sílabas para cada tipo de toque
- a familiaridade com as manifestações musicais populares brasileiras fica ainda mais evidente.
Para escrever um lundu em 2014
Paralelo ao trabalho de pesquisa histórica acerca do lundu, não havendo encontrado um
registro gráfico ou fonomecânico que pudesse esclarecer como se dava a execução desse
gênero quando de seu aparecimento, busquei as informações sonoras que tanto almejava junto
a gravações do início do século XX, feitas pela Casa Edison do Rio de Janeiro, disponíveis no
website do Instituto Moreira Sales (<http://acervo.ims.com.br>). Essa coleção de gravações ap-
resenta na verdade um lundu já estilizado, na maioria das vezes gravado no formato “voz-e-vio-
lão”, onde alguns artistas se acompanhavam.
Em meio a tantas canções, foi possível enumerar algumas características recorrentes
como: progressão harmônica introdutória intercalando acordes de tônica e dominante; padrão
de acompanhamento coerente com o descrito aqui no exemplo 1, apresentando também algu-
mas variações; em termos formais, as peças são em geral compostas de uma só parte, ou uma
parte com refrão, ou duas partes com refrão; há espaços para declamações, ora à capela, ora
com acompanhamento ao fundo (em geral usando repetidamente a progressão tônica-domi-
nante); fermatas em profusão (talvez uma herança das cançonetas); comumente as letras são
satíricas e/ou maliciosas, em algumas vezes usando de expressões de duplo sentido (acho im-
portante descrever essa característica, por ser muito peculiar, ainda que não vá me utilizar de
temas letrados).
Artigo de Pesquisa PROEMUS - UniRio Jayme Vignoli 19

A partir de músicas como Leonor (<http://acervo.ims.uol.com.br/index.asp?codigo_-


sophia=17838>), Gosto de ti (porque gosto) (<http://acervo.ims.uol.com.br/index.asp?codigo_-
sophia=18935>), O bonde (<http://acervo.ims.uol.com.br/index.asp?codigo_sophia=18931>), O
padre e o sacristão (<http://acervo.ims.uol.com.br/index.asp?codigo_sophia=20303>), A farofa
(<http://acervo.ims.uol.com.br/index.asp?codigo_sophia=20263>), A pombinha de Iaiá (<http://
acervo.ims.uol.com.br/index.asp?codigo_sophia=19007>) e Tanto penar (<http://acervo.im-
s.uol.com.br/index.asp?codigo_sophia=19032>) já foi possível traçar alguns padrões de acom-
panhamento e variações que apresento abaixo no exemplo 13 (como não se trata da tran-
scrição de cada obra propriamente, mas do registro de padrões de acompanhamento ao violão,
optei por uniformizar os exemplos de maneira que todos estão colocados sobre o acorde de dó
maior).
Em todos os sub exemplos é possível perceber padrões em dois planos; um para os
baixos e outro para os complementos harmônicos (acordes propriamente ditos).
Foi possível então de fato constatar que a célula peculiar (colocada no exemplo 1) é
amplamente realizada.
A primeira variação se dá de maneira bem sutil em relação à célula peculiar, deslocando
apenasScore
a segunda figura do primeiro tempo. Segue-se a essa um exemplo onde o agrupamento
rítmico dos primeiro e segundo tempos são idênticos. As duas variações seguintes se mantêm
iguais à anterior mas se realizandoœdeœ forma
œ œ distinta
œ . œ no
œ que
œ diz respeito à utilização dos planos
(baixos e acordes). Os dois últimos exemplos trazem todas as quatro semicolcheias de cada

œ . œ œ(novamente
tempo realizando arpejos dos acordes œ œ . œ œse œtem distinções no aproveitamento dos
planos).
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œ Edison
œ œ do Rio deœœ Janeiro œœ
Exemplo 13 - padrões de acompanhamento do lundu coletados
& da œCasa
em gravações
œ. œ œ œ. œ œ œœ
œ. œ.
Artigo de Pesquisa PROEMUS - UniRio Jayme Vignoli 20

Como ilustração, coloco transcrito abaixo um fragmento do lundu Leonor em cuja


gravação curiosamente o acompanhamento é feito ao piano (exemplo 14). Podemos perceber
uso da segunda variação dentre as amostras descritas no exemplo 11, sendo que nesse caso o
acento dentro do agrupamento rítmico do primeiro tempo aparece deslocado da terceira para a
quarta semicolcheia.
É oportuno verificar também a presença de fermata no décimo sexto compasso, carac-
terística que fora por mim pormenorizada alguns parágrafos acima e que vem a ser um proced-
imento muito comum nos registros fonomecânicos de lundu da época (em algumas das
canções, a fermata dá lugar a uma declamação para depois o cantor retomar o tema musical).

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19

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Exemplo 14 - recorte da primeira parte do lundu A Leonor,
interpretação de Barros para a Casa Edison do Rio de
Janeiro em aproximadamente 1904 - 1907 (transcrição de
Jayme Vignoli)
Artigo de Pesquisa PROEMUS - UniRio Jayme Vignoli 21

Um outro modelo de acompanhamento muito usado como variação é aquele correspon-


Score dente aos dois últimos do exemplo 13, onde o violão realiza arpejos, tocando sempre as quatro
semicolcheias de cada tempo, um tipo de realização diga-se de passagem muito familiar aos

œ œ œ œ œ. œ œ œ
músicos e ouvintes assíduos do repertório de choro. Eis que então na audição da musica Gosto
de ti (porque gosto) interpretada pelo cantor Cadete, percebo uma irregularidade nesse padrão
tão característico: uma aparente imprecisão rítmica, qual fosse uma “levada atravessada” que
poderia ser interpretada como uma incorreção do acompanhamento. Seria isso fruto da falta de

œ. œ œ œ œ. œ œ œ
preparo ou quem sabe cansaço do violonista? O curioso é que o procedimento se repetia, pare-
cia fazer sentido e aos poucos me causava grande interesse. Partindo para a apreciação de
outras gravações, verifiquei a mesma conduta, dessa vez em gravação de Baiano para a musi-

& 42 œ œœœ œœœ œœ œœ œœ œœ œœ


ca A farofa. Lá estava novamente a mesma “inexatidão” dentro do grupo de quatro semi-

œ œ >œ œ >œ œ
“semicolcheia pontuada+fusa+duas semicolcheias” (exemplo 15).œ
œ
colcheias. Partindo então para a transcrição e registro dessa célula rítmica, cheguei ao formato

Score

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Exemplo 15 - variação œ œ . œ
. de levada dentro do . œ
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padrão de quatro semicolcheias.

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œ œcomoœanteriormente,
& 16 (ainda,
œ œ œ œ
œœ
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Em execução violonística de acordo com as gravações analisadas, cheguei à imagem
detalhada no exemplo
œ > œ > œ. usando
œ œ . exemplo
como
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o acorde de dó
maior). 2
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> 16 - variação deœlevada
>
Exemplo
œ œ
padrão de quatro semicolcheias ao violão.

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œœ fragmentoœœ rítmico correspondia
œœ œœ de habanera” (exem-
Score
&de œque esse
Essa descoberta surpreendente veio me causar ainda mais empolgação quando de

. œ œ œ. œ œ. œ œ. œ œ
œ
œ
minha constatação ao “ritmo

œ œ œ œ œ. œ œ œ
plo 8) só que desdobrado em figuras de menor valor, mais precisamente com metade do valor
das figuras que tomam parte na célula da habanera (exemplo 17).

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œ > œ .œ œ œ> œ œœ. . œ œ œ œ . œ
Exemplo 17 - correlação entre célula rítmica coletada nas gravações

œ 42 œ œœ œ œœ œœ œ
da Casa Edison do Rio de Janeiro e o “ritmo de habanera”.

& œ. œ œ & œ œ œœ . œ œ œœœ œ œ œ


œ. œ œ œ.
Artigo de Pesquisa PROEMUS - UniRio Jayme Vignoli 22

A partir dessa descoberta, não tenho no entanto nenhuma intenção de ser peremptório
em afirmar que essa maneira de desempenhar o acompanhamento do lundu era oriunda da ha-
banera. Entretanto sou capaz de afirmar sem receio algum que estamos no mínimo diante de
uma feliz coincidência (ainda que com aroma de “nada é por acaso”).
Após toda a pesquisa histórica e da apreciação do material sonoro, munido e impregna-
do de lundu, o próximo passo foi partir para a composição de um peça musical que pudesse
então receber três versões a serem gravadas. De imediata havia a intenção de usar de alguma
forma esse padrão rítmico dentro da composição e/ou dos arranjos.
Xisto, Bahiano e companhia
Foi assim, homenageando personagens exemplares da música brasileira do início do
século XX, em especial intérpretes e compositores consagrados do lundu, que intitulei a com-
posição (exemplo 17). Xisto Bahia (1841-1894), além de compositor, cantor e violonista, foi
também ator comediante de sucesso. Bahiano (Manuel Pedro dos Santos, 1887-1944), cantor e
instrumentista, integrou o primeiro elenco de cantores da Casa Edison do Rio de Janeiro ao
lado de Cadete (Manuel Evêncio da Costa Moreira, 1874-1960), Nozinho (Carlos Vasquez,
1887-1962), Mário Pinheiro (1880-1923) e Eduardo das Neves (1874-1919), esses últimos, den-
tre tantos outros, representantes e representados pela ilustre “companhia” (ARAÚJO, 1977).
Quanto à forma (exposta na figura 16), temos introdução-A1-A2-B-A1-A2-coda. intro-
dução, parte A1 (compassos 9 a 18), parte A2 (compassos 19 a 37), parte B (compassos 38 a
57) re-exposição de A1 e A2 (compassos 58 a 86) e coda (compassos 87 ao último). A tonali-
dade da parte A é de fá maior e da parte B de ré menor, concluindo em fá maior.
Introdução (compassos 1 a 8) - progressão harmônica de tônica-dominante-subdomi-
nante nos dois primeiros compassos se repetindo nos compassos seguintes (3 e 4). O quinto
compasso contém o acorde de tônica nas primeira e segunda inversões dando a entender que
o que ocorrera nos quatro primeiros compassos irá se repetir. A partir do sexto compasso entre-
tanto, acontece um encadeamento harmônico inesperado e improvável uma vez que não se uti-
liza de acordes do campo harmônico da tonalidade em questão (fá maior).
Antes de descrever cada arranjo e seus processos de construção e desenvolvimento,
acredito ser importante dizer que, em minha opinião, o arranjador profissional é o sujeito que
enxerga coisas numa obra (a receber uma versão) que talvez nenhuma outra pessoa perceba
da mesma maneira. Como procedimento pessoal, costumo justamente procurar algo que por-
ventura possa parecer menos evidente - tendo ou não forte caráter determinante dentro da peça
musical - para ser utilizado como elemento temático (a ser aplicado no próprio tema ou em con-
tracantos, ou ainda dentro também do acompanhamento). Falo aqui de uma conduta mera-
mente pessoal à qual, além de constituir um estilo próprio, recorro como exercício mesmo.
Dessa maneira, aquilo que para mim foi um achado - o ritmo de habanera desdobrado (exemplo
Artigo de Pesquisa PROEMUS - UniRio Jayme Vignoli 23

15) - empreguei não só no acompanhamento bem como também em um pequeno trecho da


melodia (tempo anterior à segunda fermata, na segunda parte) e também em contracantos con-
forme cada arranjo.
Em relação à obra em si, procurei chegar perto do efeito que as inspiradoras gravações
da Casa Edison do Rio de Janeiro trazem, isto é, realizar uma melodia que soasse despreten-
siosa e de natureza “cantarolável”. Procurei colocar nessa composição as marcas mais repre-
sentativas do lundu, coletadas na pesquisa. Sendo assim, procurei iniciar e terminar a música
com a tradicional progressão harmônica “tônica-dominante” (aqui incorporando também o
acorde de subdominante com alternância significativa dos baixos), adotei o padrão rítmico de
acompanhamento mais peculiar com alternância de planos (baixos e acordes no caso do violão)
e me utilizei por exemplo de fermatas em dois trechos culminantes do tema da segunda parte.
As três versões
Conforme já relatado aqui neste artigo, cada composição receberá três versões. A
primeira maneira se propõe a reproduzir as características essenciais quando do surgimento do
gênero musical em questão, o que chamei de “versão matriz” ou “versão primordial”, partindo
em seguida para uma versão intermediária para culminar com a versão ampliada para orquestra
típica com quinze integrantes.
Com o lundu teremos: “versão matriz” para quarteto que inclui clarinete, violão e dois
percussionistas (reco-reco e adufe), onde o clarinete faz as vezes do canto (peculiar ao “lundu
primordial”), uma vez que neste projeto não abordo melodias letradas mas somente instrumen-
tais. A versão intermediária é para regional de choro (quinteto com bandolim, cavaquinho, vio-
lão, violão de 7 cordas e pandeiro e a terceira variante foi escrita para a Orquestra Fuleira cuja
formação está pormenorizada no quadro 1.
Artigo de Pesquisa PROEMUS - UniRio Jayme Vignoli 24

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