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Abordagem do Lundu dentro do projeto Lundu, tango, maxixe e calango - Música Brasileira em
plena ebulição
Introdução
descritos em seu título (todos integrantes do universo do choro ou de alguma forma ligados a
este), semelhantes entre si mas não idênticos, com a finalidade de evidenciar as diferenças en-
tre os mesmos e também mostrar o que poderia justificar a classificação de todos como uma
coisa só.
Além do profundo interesse e grande admiração pelo universo do choro, fatores que me
serviram como um chamado para querer ser músico, dois aspectos importantes me motivaram
para a elaboração desta proposta de trabalho que posso afirmar ter nascido então de duas cis-
mas. Uma, quando no início de carreira profissional, ao indagar um músico mais experiente so-
bre a categorização dos diversos gêneros do universo do choro, usando como exemplo um
questionamento quanto às diferenças por entre lundu, tango brasileiro, maxixe e calango, recebi
a enfática e conclusiva resposta de que era “tudo a mesma coisa!”. Outro fator de dúvida era o
sub gêneros desse universo, e não tinham rendimento à altura de suas atestadas competên-
cias. Esses então podem se dividir em dois grupos de instrumentistas: uns “militantes” do choro
(conhecedores portanto do métier o que justificaria larga experiência no assunto) e outros ori-
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undos de outras escolas musicais fazendo com que não se sentissem tão à vontade com a lin-
guagem.
A partir da investigação das formas de execução de cada gênero, amparada por material
fonográfico e partituras, aos quais se soma um trabalho de pesquisa viabilizando uma contextu-
alização histórica, proponho a elaboração de três versões de uma mesma música que contem-
ple cada gênero (totalizando portanto 12 versões), partindo do que chamo de “versão matriz” ou
seja, a forma bruta, natural e original de cada gênero, partindo em seguida para uma versão
intermediária (trio de choro flauta, cavaquinho e violão ou regional de choro com solista e quatro
acompanhantes) e uma terceira versão, numa formação instrumental comum a todas as músi-
Vale aqui destacar que as composições a serem trabalhadas são de minha autoria, a
mente à experiência prática como músico instrumentista, arranjador e compositor com 31 anos
de carreira profissional e que, ao repertório de 12 músicas serão adicionadas mais duas faixas-
bônus com a orquestra típica, também compostas por mim: o tango-lundu Soprado e a peça
Patrimônio (uma homenagem aos 150 anos de Ernesto Nazareth sob forma de rapsódia con-
primeiramente partir para uma investigação profunda do gênero musical a ser tratado, conhecer
sua história, como, onde e em que época surgiu e buscar o máximo de referências sonoras a
começar pelo máximo que houver de primordial, passando a exemplos que mostrem o desen-
volvimento do gênero em questão (se possível até os dias de hoje). Seguindo-se a isso, anotar,
isso não se restrinja aos aspectos melódicos ou rítmico-melódicos, isto é, apenas ao tema, ao
que é solado/cantado mas, já que estou falando de caracterização de diferentes gêneros musi-
acompanhamento). Por fim, fruto de todo o trabalho de pesquisa sonora, realizar composições e
arranjos que se utilizem do que foi coletado, como resultado do aprendido e apreendido.
Faz-se importante salientar que apesar dos gêneros musicais contemplados neste proje-
to terem se difundido por todo o território brasileiro e em função disso terem assumido carac-
terísticas peculiares em cada localidade, neste trabalho o exame será feito no ambiente da
cidade do Rio de Janeiro, podendo se estender por localidades adjacentes dentro da região
fluminense.
Reafirmo aqui então uma chamada de atenção ao que acredito ser de grande importân-
primas e brutas de cada gênero musical para em seguida partir para maiores elaborações.
O lundu
É no mínimo curioso se saber e constatar que apesar de ser o gênero daquela que foi a
primeira música a ser gravada no Brasil - Isto é bom - gravação de Bahiano (Manoel Pedro dos
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Santos, 1887-1944) para a Casa Edison em 1902 - o lundu careça de maiores e mais acertadas
informações sobre sua forma de execução quando de seu surgimento no século XVIII. Segundo
Carvalho (2003), o lundu teria surgido no Brasil por volta de 1870 e teria estreitas relações com
outra dança, o “batuque” praticado nas senzalas. Em fins do século XVIII, o lundu aparece
O que ocorre é que de acordo com alguns outros pesquisadores e musicólogos como
Araújo (1963), Andrade (1980), Tinhorão (1991), Sandroni (2001), Castagna (2006), Lima (2010)
as primeiras descrições, bem como diversas referências posteriores falam do lundu especifica-
mente como uma festiva dança dos negros ou uma manifestação cultural constituída de ele-
mentos coreográficos e musicais das várias culturas que deram forma à sociedade luso-
brasileira, onde a coreografia baseava-se em alternância das mãos dos dançarinos, ora na tes-
ta, ora nas ancas, movimentos nas pontas dos pés, estalar de dedos e palmas com os braços
para cima - classificado por alguns como uma evidente imitação de castanholas, endossando
uma influência espanhola - e ainda requebro e movimentos circulares dos quadris, essas duas
últimas características classificadas como originárias da cultura africana. Um fator sempre cita-
ventres um contra o outro na altura do umbigo. Tinhorão (1991) ainda afirma que segundo o
maestro Batista Siqueira, não havia como saber se realmente a dança lundu inspirara o tipo de
canção homônima e como isso teria acontecido. Por volta de 1820 o lundu atinge todos os es-
tratos sociais, inclusive a classe aristocrática e passa a fazer enorme sucesso na programação
teatral, sendo apresentado no “entremez” que vinham a ser quadros cômico-musicais encena-
Alguns registros aos quais se pode ter acesso, datados já do século XIX, são represen-
tados por gravuras de artistas plásticos onde, em alguns casos, os negros escravos da colônia
aparecem retratados de forma um tanto caricatural. Menos elitistas no entanto são as obras de
artistas como Jean Baptiste Debret (1768-1848) e Johann Moritz Rugendas (1802-1858) que
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deram enorme e valiosa contribuição à memória brasileira reproduzindo diversas cenas cotidi-
anas da sociedade de então. Me ative mais detidamente ao trabalho de Rugendas pelo fato de
nele encontrar mais alusões às festas e danças dos negros e principalmente ainda por registrar
algo do instrumental utilizado nas ocasiões o que vem a ser de suma relevância para meu tra-
balho.
Dentre farto material, em duas gravuras de Rugendas (c. 1835) encontrei menção direta
ao lundu, onde em ambas consta a legenda Danse Landu (SLENES, 1996). Numa, está descri-
ta visualmente uma festa informal bastante animada no que parece ser uma propriedade rural, à
noite onde iluminados pelas chamas de uma fogueira, um casal aparentemente branco ou
mestiço dança e o único instrumento musical que aparece é um violão. Entretanto, curiosa-
mente, como descrição de uma “dança negra”, os poucos negros nela retratados, não figuram
dançando mas se encontram quietos e sentados num canto. É interessante ainda ressaltar, em
meio à festividade, a presença de um frade. Talvez aqui nesse trabalho de Rugendas fique
patente o quanto o lundu já se entranhara na sociedade. Em outra, no que aparenta ser nova-
mente um cenário rural, em frente a uma pequena casa um casal mulato dança enquanto outros
personagens observam e nitidamente são partícipes da efeméride. Mais à direita do casal que
Em outra gravura intitulada Danse Batuca (SLENES, 1996) o artista descreve um grupo
de negros - mais uma vez em meio a uma paisagem rural - posicionados em roda onde quase
todos parecem dançar batendo palmas (não há nenhum instrumento musical). Não sendo pro-
priamente um registro de algo ligado ao lundu, merece ser dito que o termo “batuque”, segundo
pelos portugueses, a toda dança de negros na África.” (DELLA MONICA, 2001, p. 341) O ver-
bete ainda assinala que “de acordo com publicações de Portugal, no final do século XIX, o
batuque era considerada dança indecorosa, por apresentar movimentos lascivos, principal-
mente umbigadas” (id., ibid., p. 341, grifos do autor). Ora, ainda que lundu e batuque sejam
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gêneros distintos, não somente a imagem de Rugendas bem como também a descrição de
Câmara Cascudo, sugerem semelhanças entre os dois principalmente no que tange à atividade
em si, ou seja, reunião festiva de negros para dançarem e cantarem. O que acontece é que o
lundu aos poucos foi sendo aceito e absorvido por todas as camadas sociais da época, incorpo-
rando então à sua execução instrumentos que não somente os africanos mas vidos da Europa.
A partir então das imagens de Rugendas, Debret e outros (como A.P.D.G. - Begging for
the festival of N. S. D’Atalaya, datada do ano de 1826, que integra a publicação Sketches of
Portuguese Life e ainda gravuras incluídas no livro Viagem pelo Brasil de Johann Baptist von
Spix e K. Friedrich von Martius (LIMA, 2010), é possível listarmos alguns instrumentos como:
Outras fontes na forma de escritos anteriores a essas gravuras, ainda do século XVIII,
arame (ou guitarra inglesa, ou guitarra francesa) além das já mencionadas palmas e estalidos
de dedos. O português Manoel da Paixão Ribeiro em publicação de sua autoria Nova arte de
viola traz a informação de que “havendo mais de um cordofone, podiam executar acordes em
arpejos, tocar por pontos ou rasgueados que marcassem o ritmo padrão do lundu ou improvisar
melodias” (LIMA, 2010, p. 208). Aqui está uma questão fundamental: mas qual padrão?! Por
que será que foram necessários tantos anos para que alguém enfim transcrevesse para a grafia
musical o som do lundu tal e qual era tocado? O primeiro registro em partitura de um lundu data
de 1821, podendo ser encontrado no livro Viagem pelo Brasil dos alemães Johann Baptist von
Spix e K. Friedrich von Martius. Trata-se de Lundum, Brasilian Volkstanz que em tradução livre
vem a significar Lundum, dança popular brasileira (LIMA, 2010, p.214). Entretanto esse registro
se limitou apenas ao tema melódico e nada mais, isto é, além de não apresentar a harmonia
(embora esta seja de fácil dedução dada uma certa profusão de frases em arpejo), não faz nen-
huma menção sequer ao acompanhamento rítmico, mais precisamente, da percussão. Ora, jus-
tamente aquele que seria o fator característico mais marcante do gênero, não fora colhido e de-
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outros adjetivos entre o exótico e o vibrante que em muitas descrições são utilizados para car-
Andrade por exemplo nos dá a seguinte descrição: “Canto e dança populares no Brasil durante
Scoreo século XVIII, introduzidos provavelmente pelos escravos de Angola, em compasso 2/4 onde o
referências (FLOYD Jr, 1999) chegam a grafar uma célula rítmica dita peculiar ao gênero como
na exemplo 1:
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Exemplo 1 - célula rítmica peculiar
ao lundu segundo Floyd JR, 1999.
Perfeito então; além da explanação mais teórica que fala da presença da síncope, já se
evolui aparentemente para um agrupamento rítmico mais definido que ocupa um compasso in-
teiro. Mas como definir e entender apropriadamente a noção de síncope ou de sincopado, antes
de mais nada?
de síncope como uma “acentuação deslocada”, isto é, um acento fora do que seria o seu lugar
natural, o chamado “tempo forte” ou “parte forte de tempo”. Já há tempos essa qualificação do
tempo como forte ou fraco cedeu lugar para o que se convencionou chamar “apoio” e “impulso”.
Para ilustrar, vejamos por exemplo a definição de síncope segundo o Harvard Dictionary of Mu-
sic: “… qualquer alteração deliberada do pulso ou métrica normal. Nosso sistema rítmico ba-
recorrente na primeira pulsação de cada grupo. Qualquer desvio em relação a este esquema é
sentida como uma perturbação ou contradição entre o pulso subjacente e o ritmo real” (APEL,
1974, p. 827).
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Mas, voltando à célula rítmica do lundu, permanecem dúvidas. Seria esse atributo rítmi-
na célula rítmica dita particular do lundu as frequências graves, médias e agudas? Por exemplo,
ao ser executada num instrumento como o atabaque, que figura diria respeito a um golpe mais
seco, e qual corresponderia a um ataque que permita que a pele do instrumento ficasse vibran-
do por mais tempo. Além de tudo isso, haveriam variantes de acentuação entre as cinco figuras
da célula? Isso tudo, em minha opinião, deixa mais que claro que sempre para que ocorra um
sável alguma referência em áudio seja na forma de gravações ou ao vivo (essa segunda possi-
bilidade é sem dúvida a mais completa por colocar o ouvinte-pesquisador em meio ao ambiente
de escrita musical há de ser uma fase posterior à escuta e à compreensão do que foi então
percebido. Entretanto, aqui com o lundu, como óbvia e infelizmente, os personagens inspi-
radores que constam das diversas gravuras de Debret, Rugendas e outros, não tinham em
mãos gravadores de áudio na ocasião, ficamos tateando para encontrar possíveis respostas às
que tange ao acompanhamento) do legítimo lundu. Aqui ainda caberia uma pergunta: como e
porque que nenhum músico teve a iniciativa de anotar o que se ouvia naquelas ocasiões?!
mente lidando com um “caso perdido”, tentei levantar, via averiguação histórica e musicológica,
algo que pudesse trazer alguma luz a mais ao que havia então de material escrito em partitura e
no início do século XX por artistas como Bahiano (Manoel Pedro dos Santos, 1887-1944), Mário
Pinheiro (1880-1923) e Eduardo das Neves (1874-1919) entre outros. Trata-se aqui de um lun-
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du mais estilizado onde sua maioria as gravações se dão na forma de voz acompanhada de
violão.
matrizes dessa música ainda no continente africano. A fim de ilustrar melhor, falemos do tresil-
lo, assim batizado por musicólogos cubanos como Argeliers León em e Solomon Glades
empregado na música cubana e em demais países da América para onde foram levados es-
cravos africanos como o Brasil. Peculiar da música afro-americana, sua origem vem de um
Score
padrão rítmico de regiões da África Subsaariana (FLOYD Jr, 1999). Correspondendo então a
três figuras articuladas dentro de um âmbito de dois pulsos, o tresillo pode ser grafado de duas
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Exemplo 2 - duas formas de
grafia do tresillo
número de semicolcheias a que corresponde cada figura. A propósito, em minha atividade como
professor de música, costumo comentar com os alunos que em se falando de música brasileira,
sante que tenhamos a partir do estabelecimento de um pulso regular, uma noção clara deste, já
musical, arranjador ou professor quer passar aos integrantes de um grupo a pulsação do que
será tocado, ele o faz através de uma simples contagem desses pulsos. O que penso é que aos
adicionarem à essa percepção uma alegoria como por exemplo a sonoridade do toque básico
do pandeiro no choro (que executa as 4 semicolcheias de cada pulso do compasso 2/4; exemp-
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lo 3) e no caso desse instrumento cada tipo de toque (dedo polegar, demais dedos e base da
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(dedo indicador ou médio
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pelo lado de dentro da
pele do instrumento)
musicais populares espalhados pelo mundo, inclusive nos quatro tratados no projeto principal
de Mestrado Profissional de onde deriva o presente artigo. Se o que quero é justamente evi-
denciar a diferença entre gêneros que pertencem a uma mesma “linhagem”, tomemos como
modelos agora dois estilos musicais mais distantes um do outro que são o maxixe e o baião. A
ambos é possível atribuir como um dos padrões rítmicos dos mais representativos, justamente o
tresillo, ou seja, estamos diante de dois gêneros com a mesma célula rítmica. Partindo da in-
formação grafada por meio da escrita musical nua e crua seria óbvio determinar então que
o que está escrito e o cantarolar à guisa da tradicional forma de estudo da disciplina de per-
cepção musical, em particular o estudo de ritmo e som e leitura rítmica, isto é, reproduzindo
cada figura com a mesma intensidade, mesma altura e mesma sílaba, não restarão dúvidas que
baião e maxixe são idênticos (e de acordo com a interpretação oral do ritmo à maneira tradi-
cional descrita acima, consideravelmente enfadonhos). Contudo, se essa mesma pessoa, com
mento que cada um vem de lugares diferentes geograficamente e que isso implica em diversos
fatores (climáticos, econômicos, sociais…) que apontarão para modos de vida distintos, aquilo
que está representado por meio de um mesmo símbolo gráfico começa a de fato se distinguir.
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Voltando ao estudo de leitura rítmica, se a pessoa agora tenta cantarolar o mesmo ex-
cada gênero, tentando reproduzir o ritmo qual a caixa clara ou o pandeiro para o maxixe e como
a zabumba para o baião, o que está escrito começa a ser realmente transformado em música.
Ora, se imaginarmos esses instrumentos de percussão como de fato executam suas partes - e
para isso volta-se à importante consideração de que o amparo de material de áudio é funda-
mental e imprescindível - perceberemos que há mais coisa soando do que única e simples-
mente as figuras que compõem a célula rítmica do tresillo. Associando então essa percepção à
prática da subdivisão do pulso sempre em grupos de quatro semicolcheias será factível verificar
que o que se tem, praticamente, são todas as semicolcheias soando, mas de maneiras distin-
tas, umas mais claras (acentuadas) e outras menos destacadas. Essas menos evidentes seriam
sons acessórios e complementares de modo a preencher o exemplo rítmico com todas as semi-
Abaixo, no exemplo 4, está colocado o tresillo junto à subdivisão do pulso e a uma rep-
da”). Na “levada”, as notas representadas por “x” equivalem aos sons complementares, frutos
do preenchimento da levada, fator fundamental para se fazer com que a coisa soe com o bal-
anço inerente à nossa música popular, notas às quais não raro é possível perceber um trata-
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pulsação subdividida
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padrão rítmico preenchido
que a reprodução de acordes de forma apropriada constitui mero detalhe frente às característi-
que está sendo tocado. E nisso, os instrumentos tomados como exemplo estarão atuando de
maneira bastante proveitosa desde que estejam sempre “imitando” o instrumental de percussão
Lembrando ainda que esses instrumentos percussivos, cada qual com sua técnica par-
ticular, permitem a execução das figuras também se utilizando de diversas variações em toques
distintos, a sonoridade vai se diferenciando em muito. Enfim, assim como nas diferentes regiões
brasileiras levadas em conta aqui, ocorrem sotaques distintos no discurso falado, o mesmo se
qualquer agrupamento rítmico, no caso do tresillo, a própria célula do lundu mostrada na figura
1 pode ser considerada uma variação deste (notar que em ambas ocorre a articulação das
segundo tempo).
Uma outra célula rítmica largamente encontrada na música das Américas e que foi tam-
bém batizada por musicólogo cubanos (SANDRONI, 2001) é o cinquillo (exemplo 5), corre-
spondendo, como o próprio nome diz, a um grupo assimétrico composto de cinco figuras onde
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Exemplo 5 - Cinquillo em três grafias: forma “bruta”,
evidenciando a presença da síncope e na forma
(além do lundu, tango brasileiro, maxixe e calango bem como também em polcas e polcas max-
pelo violão. Curiosamente porém não à toa, o compositor e arranjador Pixinguinha (Alfredo da
Rocha Viana, 1898-1973), em muitos arranjos escreve esse padrão rítmico para o acompan-
hamento a ser efetuado pelo piano em maxixes e polcas como na segunda parte da polca-tango
“A mulher do bode” de Cardoso de Meneses Filho (exemplo 6). Podemos achar o cinquillo tam-
bém por exemplo numa peça do compositor estadunidense Scott Joplin (1868-1917), logo no
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Exemplo 6 - Segunda parte de “A mulher do bode” de Cardoso de Meneses Filho
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como padrão de acompanhamento, na peça de Joplin o mesmo faz parte do motivo rítmico do
tema.
música inteira, em suas três partes, vindo a constituir indiscutivelmente o motivo rítmico-melódi-
co principal da obra. Aqui nesta música, basta esquecermos das relações intervalares do tema
e cantarolarmos apenas o ritmo, tentando empreender uma sonoridade percussiva, e será fácil
perceber a todo momento a sugestão de uma “levada” maxixada. Vale muito observar então
que se temos aparentemente uma “levada” dentro do tema, uma interessante maneira de se
realizar o acompanhamento seriam justamente aquelas que não se baseassem no cinquillo mas
em outros padrões (como por exemplo o tresillo e/ou o “ritmo de habanera” que veremos adi-
ante), visando uma melhor definição dos planos sonoros (considerando-os melodia e acompan-
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Outra célula rítmica muito recorrente na música afro-americana, é aquela à qual se con-
Analisando friamente, podemos considerar que se trata do próprio tresillo sem a ligadura
entre a última semicolcheia do primeiro grupo com a primeira colcheia do segundo. Fora isso,
concordo com Sandroni quando ele se posiciona em relação a essa denominação de “ritmo de
Score
habanera”: “O nome é enganoso por dar a entender que foi a habanera que introduziu este rit-
mo na musica brasileira” (SANDRONI, 2001, p. 30). Mesmo assim, esse fragmento assim ficou
consagrado e isso ao menos há de nos servir, facilitando quando a ele quisermos nos referir.
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Exemplo 9 - célula rítmica da habanera
entre si, poderemos verificar - no exemplo 10 - que as coincidências de ataques dentro da sub-
Score
divisão de cada tempo por quatro semicolcheias terminam por gerar justamente a figura do tre-
sillo (retirando as cabeças de nota das figuras que não são coincidentes, vale notar o tresillo
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Exemplo 10 - comparação entre as células
rítmicas do lundu, habanera, tresillo e cinquillo.
elaborada pelo musicólogo austríaco Gerhard Kubik (exemplo 11), composta de diversos ele-
Artigo de Pesquisa PROEMUS - UniRio Jayme Vignoli 17
África central e centro-oeste e região do Alto Sangha que engloba Congo, República Centro
Africana e Camarões (FLOYD Jr, 1999). Os fragmentos coletados por Kubik são na realidade o
que ele mesmo e outros pesquisadores como Nketia (SANDRONI, 2001, p. 25) chamam
de”time line”, que pode ser traduzido como “linhas guia” (id. ibid.), usadas na música da África
Negra, por meio de palmas e instrumentos de percussão de frequência aguda. Esses padrões
funcionam como referência “metronômica” - apesar não serem marcações de pulso o que seria
mais pertinente do ponto de vista musical ocidental - mas agrupamentos de células rítmicas que
mesmo é aparentado, ou uma variação do cinquillo (exemplo 5), contendo ainda a porção do
primeiro tempo coincidente com a célula do lundu (exemplo 1). Já o terceiro grupo é perfeita-
mente compatível com um dentre os diversos padrões rítmicos de tamborim no samba. Na ver-
dade, no exemplo 12 a mesma pirâmide aparece com os complementos e aqui cabe uma im-
portante observação, um paralelo com a peculiaridade do tamborim brasileiro, onde temos dois
tipos de toque: com a baqueta e com o dedo pelo lado de dentro da pele do instrumento. O
toque da baqueta corresponde aos às “cabeças de nota” com escrita convencional e o toque do
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Exemplo 11 - “pirâmide de ritmos” de Gerhard Kubik
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Exemplo 13 - padrões de acompanhamento do lundu coletados
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Artigo de Pesquisa PROEMUS - UniRio Jayme Vignoli 20
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Exemplo 14 - recorte da primeira parte do lundu A Leonor,
interpretação de Barros para a Casa Edison do Rio de
Janeiro em aproximadamente 1904 - 1907 (transcrição de
Jayme Vignoli)
Artigo de Pesquisa PROEMUS - UniRio Jayme Vignoli 21
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músicos e ouvintes assíduos do repertório de choro. Eis que então na audição da musica Gosto
de ti (porque gosto) interpretada pelo cantor Cadete, percebo uma irregularidade nesse padrão
tão característico: uma aparente imprecisão rítmica, qual fosse uma “levada atravessada” que
poderia ser interpretada como uma incorreção do acompanhamento. Seria isso fruto da falta de
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preparo ou quem sabe cansaço do violonista? O curioso é que o procedimento se repetia, pare-
cia fazer sentido e aos poucos me causava grande interesse. Partindo para a apreciação de
outras gravações, verifiquei a mesma conduta, dessa vez em gravação de Baiano para a musi-
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“semicolcheia pontuada+fusa+duas semicolcheias” (exemplo 15).œ
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colcheias. Partindo então para a transcrição e registro dessa célula rítmica, cheguei ao formato
Score
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Exemplo 15 - variação œ œ . œ
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padrão de quatro semicolcheias.
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Em execução violonística de acordo com as gravações analisadas, cheguei à imagem
detalhada no exemplo
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como
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o acorde de dó
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>
Exemplo
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padrão de quatro semicolcheias ao violão.
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œœ fragmentoœœ rítmico correspondia
œœ œœ de habanera” (exem-
Score
&de œque esse
Essa descoberta surpreendente veio me causar ainda mais empolgação quando de
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minha constatação ao “ritmo
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plo 8) só que desdobrado em figuras de menor valor, mais precisamente com metade do valor
das figuras que tomam parte na célula da habanera (exemplo 17).
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Exemplo 17 - correlação entre célula rítmica coletada nas gravações
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da Casa Edison do Rio de Janeiro e o “ritmo de habanera”.
A partir dessa descoberta, não tenho no entanto nenhuma intenção de ser peremptório
em afirmar que essa maneira de desempenhar o acompanhamento do lundu era oriunda da ha-
banera. Entretanto sou capaz de afirmar sem receio algum que estamos no mínimo diante de
uma feliz coincidência (ainda que com aroma de “nada é por acaso”).
Após toda a pesquisa histórica e da apreciação do material sonoro, munido e impregna-
do de lundu, o próximo passo foi partir para a composição de um peça musical que pudesse
então receber três versões a serem gravadas. De imediata havia a intenção de usar de alguma
forma esse padrão rítmico dentro da composição e/ou dos arranjos.
Xisto, Bahiano e companhia
Foi assim, homenageando personagens exemplares da música brasileira do início do
século XX, em especial intérpretes e compositores consagrados do lundu, que intitulei a com-
posição (exemplo 17). Xisto Bahia (1841-1894), além de compositor, cantor e violonista, foi
também ator comediante de sucesso. Bahiano (Manuel Pedro dos Santos, 1887-1944), cantor e
instrumentista, integrou o primeiro elenco de cantores da Casa Edison do Rio de Janeiro ao
lado de Cadete (Manuel Evêncio da Costa Moreira, 1874-1960), Nozinho (Carlos Vasquez,
1887-1962), Mário Pinheiro (1880-1923) e Eduardo das Neves (1874-1919), esses últimos, den-
tre tantos outros, representantes e representados pela ilustre “companhia” (ARAÚJO, 1977).
Quanto à forma (exposta na figura 16), temos introdução-A1-A2-B-A1-A2-coda. intro-
dução, parte A1 (compassos 9 a 18), parte A2 (compassos 19 a 37), parte B (compassos 38 a
57) re-exposição de A1 e A2 (compassos 58 a 86) e coda (compassos 87 ao último). A tonali-
dade da parte A é de fá maior e da parte B de ré menor, concluindo em fá maior.
Introdução (compassos 1 a 8) - progressão harmônica de tônica-dominante-subdomi-
nante nos dois primeiros compassos se repetindo nos compassos seguintes (3 e 4). O quinto
compasso contém o acorde de tônica nas primeira e segunda inversões dando a entender que
o que ocorrera nos quatro primeiros compassos irá se repetir. A partir do sexto compasso entre-
tanto, acontece um encadeamento harmônico inesperado e improvável uma vez que não se uti-
liza de acordes do campo harmônico da tonalidade em questão (fá maior).
Antes de descrever cada arranjo e seus processos de construção e desenvolvimento,
acredito ser importante dizer que, em minha opinião, o arranjador profissional é o sujeito que
enxerga coisas numa obra (a receber uma versão) que talvez nenhuma outra pessoa perceba
da mesma maneira. Como procedimento pessoal, costumo justamente procurar algo que por-
ventura possa parecer menos evidente - tendo ou não forte caráter determinante dentro da peça
musical - para ser utilizado como elemento temático (a ser aplicado no próprio tema ou em con-
tracantos, ou ainda dentro também do acompanhamento). Falo aqui de uma conduta mera-
mente pessoal à qual, além de constituir um estilo próprio, recorro como exercício mesmo.
Dessa maneira, aquilo que para mim foi um achado - o ritmo de habanera desdobrado (exemplo
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