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2º Nas Nuvens... Congresso de Música – de 01 a 07 de dezembro de 2016 – ANAIS Artigo

Apontamentos sobre as transformações na música sertaneja a partir


da análise de três duplas representativas em épocas distintas

Bruno Magalhães de Oliveira Rocha1

Ângelo Nonato Natale Cardoso2

Resumo: Este artigo fará uma breve revisão histórica da música sertaneja pautada
em personalidades que foram importantes para a consolidação e modificação do
gênero. A partir desta contextualização histórica será feita uma comparação entre
três duplas que representam fases distintas da música sertaneja: raiz, romântica e
universitária. A comparação será feita principalmente sobre três aspectos: letra,
instrumentação e maneira de cantar.

Palavras-chave: Música sertaneja. Música sertaneja raiz. Música sertaneja


romântica. Música sertaneja universitária.

Notes on the transformations in country music from the analysis of three


representative country music duo at different times

Abstract: This article will give a brief historical review of country music guided by
personalities that were important for the consolidation and modification of the
genre. From this historical context will be a comparison of three country music duo
that represent different stages of country music: raiz, romântica and universitária.
The comparison will be made primarily on three aspects: letter, instrumentation and
way of singing.

Keywords: Country music. Raiz country music. Romântico country music.


Universitário country music.

Introdução

Como consta em nosso título, no presente trabalho, faremos uma comparação


entre três duplas sertanejas, cada qual representando uma fase deste estilo musical,
denominadas de raiz, romântica e universitária. A comparação entre os artistas
representativos de cada período poderia ter sido feita a partir de diversos aspectos,

1 Graduando em Licenciatura em Música, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Escola de


Música – rocha.bruno14@gmail.com
2 Professor Doutor em Música, Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Escola de Música -

angelonnc@yahoo.com.br

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porém, por questões práticas relacionadas ao tempo de elaboração do trabalho,


elencamos a letra, instrumentação e a maneira de cantar.
Sobre a divisão de períodos da música sertaneja, Marta Ulhôa (1999) sugere
três fases. Segundo ela,

[...] levando em conta as inovações que vão sendo introduzidas


nos gêneros. De 1929 até 1944, como música caipira ou música
sertaneja de raiz; do pós-guerra até os anos 60, numa fase de transição;
do final dos anos 60 até a atualidade, como música sertaneja romântica
(ULHÔA, 1999, p.49).

Entretanto, como o estudo de Ulhôa é de 1999, ainda não se fala em sertanejo


universitário, termo amplamente utilizado e reconhecido para definir a música sertaneja
contemporânea. Além de acrescentar este período em nossa análise, ignoramos o que a
autora chama de “fase de transição”. Isto por que, assim como a autora, consideramos a
internacionalização do gênero uma constante, de tal maneira que a transição está
presente desde que a música sertaneja começa a ser gravada.
Sendo assim, o presente trabalho, essencialmente, após situar o leitor,
apresentando-lhe um breve histórico da música sertaneja a partir de personalidades
significantes deste universo, nos parâmetros já citados, analisa três duplas sertanejas
que, devido à sua influência e repercussão, podem ser consideradas representativas do
estilo ao qual se inserem. São elas: Tonico & Tinoco, Chitãozinho & Xororó e João Bosco
& Vinícius. Por fim, serão recapitulados os apontamentos mais significativos e será
apresentada uma pequena reflexão sobre as comparações realizadas ao longo do
trabalho.

1 História sucinta da música sertaneja a partir de alguns de seus atores


representativos

Em várias regiões brasileiras, manifestações híbridas surgiram do encontro das


culturas europeia, indígena e africana (NEPOMUCENO, 2005). Como observa Rosa
Nepomuceno (2005), a soma de características advindas dos fazeres desses povos
resultou numa identidade interiorana, a qual tinha na música um elemento essencial de
seus costumes e rituais. Quando o homem do campo começou a exibir essa música no
meio urbano ela foi intitulada música caipira.
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No presente trabalho, música caipira ou música sertaneja como viria a ser


chamada, assim como tem sido empregada ao longo de sua história, refere-se à música
do homem do interior, sobretudo dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato
Grosso e Paraná.
Dentre os costumes e rituais religiosos deste homem interiorano, pode-se
destacar as modas de viola, a qual, como veremos ao longo do texto, terá grande
importância no gênero musical tratado aqui. Estas foram “o cartão-de-visitas da música
rural na cidade, conquistou os astros do rádio e fez a fama de violeiros e compositores”
(NEPOMUCENO, 2005, p. 69). Eram cantadas em duos de terças e quase que de maneira
falada, as letras relatavam o universo rural contando histórias dos mais variados
assuntos.
As músicas caipiras no início do século eram imprecisas quanto aos
compositores e às datas em que foram criadas, eram praticadas coletivamente e
transmitidas de uma comunidade para outra, cumpriam uma função social e não
comercial (CALDAS, 1987). Porém, isso mudaria com o aparecimento de Cornélio Pires.
Pires, nascido em 13 de julho de 1884, em Tietê, conforme Nepomuceno (2005),
era especialista em imitar os caipiras e foi um dos maiores disseminadores da cultura
rural no final dos anos 20 e início dos anos 30. Ele organizou a Turma Cornélio Pires
junto com amigos violeiros e cantadores cujo objetivo era “apresentar-se
profissionalmente em todo o interior de São Paulo, cantando modas de violas, cateretês,
cururus, contando anedotas” (CALDAS, 1987, p.36). Segundo nos informa Caldas (1987),
em 1929, Pires decide ir a São Paulo com o desejo de gravar um disco com sua turma.
Porém, desprezado pelo diretor da Columbia, o artista teve de pagar pela prensagem
daquele que seria o primeiro disco de música e humor caipiras, gravados por autênticos
cantadores do interior e por ele próprio (NEPOMUCENO, 2005, p.102).
A ideia de Pires obteve sucesso e despertou o interesse das gravadoras. Desta
forma a RCA Victor criou outro grupo musical - a Turma Caipira Victor - e partiu à
procura de novas duplas. A música sertaneja, que assim passara a ser chamada, era uma
ideia que tinha dado certo e seu público só crescia. Dentre as duplas que surgiram de
maneira independente se destacaram Alvarenga & Ranchinho.
Alvarenga & Ranchinho iniciaram sua carreira em 1930 (CALDAS, 1987).
Conforme Lucas Antônio de Araújo (2008, p.74), essa dupla se caracterizava pelo humor

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e viés político das suas apresentações. Além da música, os shows tinham elementos
cênicos e circenses. Nos anos 40 a música sertaneja passou por modificações
relevantes, principalmente na figura de Raul Torres. O cantor nasceu em 11 de julho de
1906 em Botucatu, interior de São Paulo, mas iniciou sua carreira na capital paulista em
1927 (NEPOMUCENO, 2005, p.266). Torres foi o principal responsável pela
incorporação de novos elementos musicais estrangeiros às músicas do interior, tais
como a polca paraguaia, guarânias e rasqueados (NEPOMUCENO, 2005, p. 130). De
acordo com Nepomuceno (2005), Capitão Furtado, cantor e compositor, sobrinho de
Cornélio Pires, também acrescentou a influência paraguaia ao seu repertório,
disputando o reconhecimento por este pioneirismo com Raul Torres.
Foi ainda nos anos 40 que surgiu uma dupla que faria escola e que é considerada
por muitos a maior dupla caipira de todos os tempos. Segundo Caldas (1987), em 1943
os Irmãos Peres participaram e ganharam o concurso “Arraial da Curva Torta”, realizado
pela Rádio Difusora e apresentado pelo Capitão Furtado a fim de eleger a melhor dupla
de violeiros do Estado de São Paulo. Capitão Furtado não gostava do nome Irmãos Peres
e então sugeriu Tonico & Tinoco. A forma anasalada de cantar, as anedotas nas
apresentações e a maneira “errada” de falar marcaram época e várias duplas surgiram
tentando imitá-los (NEPOMUCENO, 2005, p.302).
Ao fim dos anos 50 e início dos anos 60 a música sertaneja já estava consolidada
no meio urbano e a partir desse momento, um processo que já vinha ocorrendo há
algum tempo atrás fica mais latente: o distanciamento das origens rurais e da música
caipira de 1929 (ver CALDAS, 1987, p.64).
Em 1969, a dupla Léo Canhoto & Robertinho deixou claro o desejo de se
aproximar da classe média urbana e de “modernizar” a música sertaneja. Apoiados no
estilo cowboy americano e influenciados pelos filmes de bang-bang italianos, a dupla
utilizava elementos do rock e da folkmusic em suas músicas, a guitarra passou a ser um
instrumento central nos arranjos e as letras abandonaram os temas bucólicos e
amorosos e se aproximaram de uma temática mais violenta e de virilidade, como pode-
se ver, por exemplo em “Jack, o Matador”. O anseio era atingir o público tradicional
admirador das modas de viola, assim como os admiradores da Jovem Guarda
(NEPOMUCENO, 2005).

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Segundo Nepomuceno (2005), a partir deles, ao longo dos anos 70, a música
sertaneja esteve dividida. De um lado estava a nova geração empolgada com a guitarra
elétrica e com as influências do rock e do folk, dentre eles Milionário & José Rico, que
tinham o maior número de vendas; e de outro lado estavam os tradicionais que se
recusavam a mudar o seu estilo para atender às tendências do mercado, como Tonico &
Tinoco.
Em 1982 Chitãozinho & Xororó lançam o disco “Somos Apaixonados”. Pela
primeira vez a música sertaneja superou a marca de um milhão de cópias vendidas,
foram um milhão e meio, embaladas pelo hit “Fio de Cabelo”, a partir disso os
paranaenses se tornam referência para praticamente todas as duplas que surgiriam nos
anos 80 e 90.
O sertanejo dos anos 90 continuou com alguns aspectos dos anos anteriores, a
estrutura de banda com guitarra bateria e baixo e a presença cada vez menor da viola.
Entretanto, há a incorporação de elementos do country norte-americano, com o uso de
banjos e de arranjos que se aproximassem dessa estética (OLIVEIRA, 2009, p. 318).
Em 1999, após terem saído de Coxim e chegado à capital do Mato Grosso do Sul
para cursar faculdade, a dupla João Bosco & Vinícius começou a se apresentar nos bares
de Campo Grande. Começaram a tocar também no entorno da Capital e, nas palavras de
Vinícius, “graças a Deus esse público do interior foi fazer faculdade na capital”3. O som
da dupla passou a circular muito no meio universitário, a dupla até ficava hospedada em
repúblicas, quando tocava fora do Estado, e distribuía cortesias para que estes jovens da
universidade acompanhassem seus shows. Por isso João Bosco e Vinícius são
considerados uma das duplas precursoras do Sertanejo Universitário.
Quando em 2009 a dupla convida o produtor Dudu Borges para trabalhar no
próximo CD intitulado “Curtição”, uma nova sonoridade surge na música sertaneja. Dudu
Borges costumava produzir música gospel e talvez por isso o CD flerta muito mais com o
pop do que com o sertanejo tradicional ou o country. A partir disso vários artistas
surgem com essa mesma estética e sonoridade sertaneja, tais como Luan Santana, Jorge
& Matheus, Gusttavo Lima e Fernando & Sorocaba.
A balada jovem é essencialmente a temática do sertanejo universitário. A
maioria das músicas é dançante e as letras falam de festas, bebidas e “azaração”, como

3 Em entrevista de 2014 para o canal de Youtube do Dudu Borges. Acesso:


https://www.youtube.com/watch?v=4D7ICUYNBQ8

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por exemplo: “Não Paro de Beber” (2016) gravada por Gusttavo Lima, “As Mina Pira”
(2013) por Fernando & Sorocaba, “Balada Louca” (2011) por Munhoz & Mariano e “Vai
Vendo” (2014) de Lucas Lucco.
As dores de cotovelo tradicionais do sertanejo até os anos 90, a partir do
sertanejo universitário foram um pouco substituídas pela superação encontrada na
balada e na bebida, sofrer por amor fica um pouco fora de moda e o desejo de “dar o
troco” aparece frequentemente, como se pode ver em “Ai que dó”, de Thaeme & Thiago.
Nos anos de 2010 o sertanejo incorpora principalmente o ritmo arrocha e
também elementos do funk, pagode e axé. Com as influências de ritmos baianos e
nordestinos é comum que hoje em dia as duplas sertanejas dividam o mesmo palco com
artistas dessas regiões, como Wesley Safadão, Aviões do Forró e Pablo.

2 Análises e comparações entre duplas representativas dos diferentes períodos da


música sertaneja

A seguir, analisaremos sucessos de três duplas da música sertaneja: Tonico &


Tinoco, Chitãozinho & Xororó e João Bosco & Vinícius. Estas duplas representarão,
respectivamente, o período raiz, romântico e universitário. Para a dupla Tonico & Tinoco
foram selecionados alguns dos principais sucessos (1946-1960), para as outras duas
duplas selecionamos um álbum de cada uma delas: “Somos Apaixonados” (1982) para
Chitãozinho & Xororó e “Curtição” (2009) para João Bosco & Vinícius.
Os principais aspectos analisados serão letras, instrumentação e a maneira de
cantar. Sobre este último aspecto é importante esclarecer que o enfoque foi mais na
pronúncia e relação entre as duas vozes do que na técnica vocal. Além destes três
aspectos, também analisaremos, em menor medida, a estrutura de algumas músicas.

2.1 Período raiz: Tonico & Tinoco – alguns sucessos (1946-1960)

Muito do que caracterizou a música sertaneja se deve a Tonico & Tinoco (ver
CALDAS, 1987; NEPOMUCENO, 2005; OLIVEIRA, 2009; ALONSO, 2011). Na década de
40, a dupla foi a principal referência para características as quais ainda são consideradas
a tradição da música caipira: a temática, a performance e a sonoridade (ver ULHOA,
2004).

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Por essas razões escolhemos a dupla em questão para representar o período


raiz. Entretanto, esbarramos com a dificuldade de selecionar um álbum especifico de
Tonico & Tinoco para representar o período, visto que a dupla emplacou vários sucessos
ao longo dos anos 40 e 60 e não encontramos destaque referente a um período ou LP.
Isso fará com que, diferentemente dos outros dois períodos que serão analisados, este
tenha um recorte maior de tempo, já que as obras em questão abarcarão dos anos 40 até
os 60. Para obtermos uma amostragem maior e, por consequência, mais representativa
do período musical em questão, analisaremos “Chico Mineiro”, “Rei do Gado”, “Tristeza
do Jeca”, “Cana-Verde”, “Moreninha Linda”, “Destinos Iguais”, “Canoeiro” e “Canta
Moçada”. Tal escolha tem como suporte, entre outras coisas, o sucesso midiático
alcançado em sua época, como podemos observar em Oliveira:

Tonico e Tinoco emplacaram uma série de sucessos sertanejos


entre 1945 e 1960, tais como a toada histórica “Chico Mineiro” (1946), a
moda de viola “Rei do Gado” (1946), a toada “Destinos Iguais” (1947), a
toada “Tristeza do Jeca” (1947), o cururu “Canoeiro” (1950), “Cana-
Verde” (1957), o xote “Canta Moçada” (1960) e a cana-verde
“Moreninha Linda” (1960). (OLIVEIRA, 2009, p.288).

No trecho acima o próprio autor classificou os gêneros de cada música, os quais


são considerados genuinamente brasileiros e, com exceção do xote, todos são típicos da
música caipira e a maioria esteve presente desde as gravações de Cornélio Pires.

Fig 1: Tonico & Tinoco4

4 Disponível em www.tonicoetinoco.com.br

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2.1.1 Análise das músicas - Tonico & Tinoco – (1946 – 1960)

As letras5 das obras escolhidas obedecem ao caráter narrativo cujo Ulhôa (1999,
p. 54) define, juntamente com o vocal, como a unidade estilística da música sertaneja. O
caráter bucólico e/ou de nostalgia do campo, tão comuns à música sertaneja, ficam
evidentes nas músicas “Destinos Iguais”, “Tristeza do Jeca” e “Canoeiro”.
A primeira é um lamento amoroso, mas que se faz relacionando o destino do
narrador ao de um casal de canários, após um gavião atacar um deles. “Tristeza do Jeca”
é um canto de tristeza pela saudade da cidade natal. “Canoeiro” trata de uma pescaria
com os “companheiros”, com descrições dos rios e dos animais do entorno. Já “Chico
Mineiro” e “Rei do Gado” possuem um conteúdo moral que também é uma característica
da música caipira de raiz. Segundo Oliveira (2009), a partir dos anos 40, se
popularizaram “letras com conteúdo moral, que tratavam de diversos assuntos: a vida
no campo, tragédias familiares, narrativas de viagem e críticas à modernidade.”
(OLIVEIRA, 2009, p.290). Destas duas, a primeira é uma narrativa de viagem trágica. Um
patrão narra a viagem que fizera com seu empregado e amigo Chico Mineiro. No meio da
viagem, Chico Mineiro é baleado e morre. Mais tarde o patrão vem a descobrir que o
companheiro de viagem era seu irmão. A moda-de-viola ”Rei do Gado” também tem um
conteúdo moral. Um peão de aparência humilde é desmerecido pela elite frequentadora
de um bar, mas ao final ele se revela um grande criador de gado surpreendendo todos.
Entre as músicas selecionadas no presente trabalho, as gravadas por Tonico &
Tinoco no final dos anos 50 e início dos anos 60 envolvem uma temática amorosa. “Cana-
Verde” (1957), “Canta Moçada” (1960) e a cana-verde “Moreninha Linda” (1960) são de
decepções amorosas. Uma vez que a temática amorosa foi muito presente no período
seguinte, o romântico, talvez tenham iniciado este caminho.
A instrumentação, a estrutura e a forma de cantar em “Chico Mineiro”, “Rei do
Gado”, “Destinos Iguais” são similares. Possuem apenas violão e viola. A introdução da
viola antecede os versos que são cantados por dueto em terças. Essa estrutura, conforme

5No presente trabalho, por uma questão de espaço, não transcreveremos as letras analisadas. Para
melhor compreensão de nossa narrativa, sugerimos que o leitor as consulte em vários sites, tais
como www.letras.mus.br e www.vagalume.com.br

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nos informa Ulhôa, é comum nas modas (ULHÔA, 2004. p.59). “Canoeiro” também possui
essa mesma estrutura, a viola antecedendo os versos cantados em terças, porém são
duas violas e não tem violão.
Em “Tristeza do Jeca”, “Cana-Verde”, “Canta Moçada” e “Moreninha Linda” a
estrutura pouco se difere das músicas já mencionadas, o que vale ser destacado é o
acordeom na instrumentação e que em “Moreninha Linda” tem um baixo na marcação.
Outro aspecto relevante é a pronuncia da dupla, o jeito “errado” de falar e o
sotaque fazendo referência ao homem da roça são mantidos nas letras. Destaco também
que as músicas são todas cantadas em duos de terças o tempo inteiro e que os contornos
melódicos são bem próximos da língua falada.

2.2 Período Romântico: Chitãozinho & Xororó – LP “Somos Apaixonados”(1982)

A escolha do álbum “Somos Apaixonados”, lançado em 1982 por Chitãozinho e


Xororó, justifica-se não só pelo seu inédito sucesso de vendas no mercado de música
sertaneja, mas também pela importância desse disco, sobretudo do hit “Fio de Cabelo”,
de Darcy Rossi e Marciano, para a consolidação da música sertaneja como um gênero
musical definido. Gustavo Alonso (2011) nos conta que antes do disco “Somos
Apaixonados”, e inclusive no próprio disco, havia a preocupação de informar ao ouvinte
qual era o gênero musical de cada música. Por exemplo, “Fio de Cabelo” no disco de
1982, levou o adjetivo “guarânia” e a música “Amor Dividido” do disco homônimo de
José Rico e Milionário, recebeu o rótulo de “canção rancheira”.
Ainda segundo Alonso (2011), isso ocorria por que a música sertaneja ainda não
era reconhecida como um gênero musical em si, ela era reconhecida enquanto vários
subgêneros como o cururu, moda de viola, catira e toada. As músicas nos discos de MPB
e Jovem Guarda, por exemplo, não necessitavam dessa descrição. Isso por que o público
estava ciente do que encontraria em discos destes gêneros. O mesmo passou a ocorrer
na música sertaneja a partir do arrebatador sucesso de Chitãozinho & Xororó. Segundo
Allan Oliveira (2009), o disco também foi marcante por que o sucesso massivo fez com
que a música sertaneja atingisse outras camadas sociais. A classe média aos poucos
começou a escutar música sertaneja e isso fez com que cada vez mais as duplas
frequentassem as rádios FM, programas de televisão e trilhas de novelas.

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Fig 2: Contracapa do disco “Somos Apaixonados”6

Fig 3: Capa do disco “Somos Apaixonados”7

O disco “Somos Apaixonados” conta com 12 músicas, sendo 4 canções


rancheiras, 2 guarânias, 2 boleros, 1 toada, 1 polca, 1 chamamé e 1 guancheira.

6 Disponível em paisagemdosertao.blogspot.com
7 Disponível em baudamusicasertaneja.blogspot.com

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2.2.1 Análise do LP e comparação com o período anterior – Chitãozinho & Xororó –


“Somos Apaixonados” (1982)

As diferenças entre as músicas analisadas de Tonico & Tinoco e o disco de


Chitãozinho & Xororó começam na classificação dos gêneros musicais. Se em Tonico &
Tinoco os gêneros eram todos considerados genuinamente brasileiros e caipiras, no
disco “Somos Apaixonados” identificamos muito mais gêneros estrangeiros do que
nacionais. Contudo, as fortes influências mexicanas e paraguaias do disco não é algo
inédito. Alonso (2011) nos informa que a invasão latino-americana na música sertaneja
gerou duras críticas por parte dos mais conservadores e puristas, e que a dupla
Milionário & José Rico, dupla que mais se apoiou na sonoridade e visual mexicanos, foi
um dos principais alvos destas. Milionário & José Rico foram uma das principais
referências da carreira de Chitãozinho & Xororó, o que ajuda a explicar a presença de 4
rancheiras e 2 boleros no disco.
Ao contrário dos sucessos analisados de Tonico & Tinoco, sobretudo os das
décadas de 40 e início de 50, a temática deste disco pouco se remete à vida no campo.
Com exceção de “Obras de Poetas”, que tem um aspecto bucólico e de proteção da
natureza, o restante das obras é de romance. Todavia, o caráter narrativo é mantido.
Algumas letras retratam um amor muito ardente, isso é perceptível inclusive no título de
duas músicas: “Chama de Amor” e “Explosão de Amor”. Em alguns casos há um cunho
sexual, como pode ser observado em “Chama de Amor”, em “Explosão de Amor” e em
“Uma Noite Especial”.
Há também casos de decepção amorosa e/ou de saudade do amor vivido, este é
o caso da letra de “Fio de Cabelo”. A letra narra a recordação de um amor vivido que é
trazida pelo fio de cabelo encontrado em um paletó:
Com relação à instrumentação, a viola só é encontrada na toada “Obras de
Poetas”, enquanto que o violão é instrumento utilizado em todas as músicas, exceto
nesta última referida. Geralmente são dois violões, mas em “Uma Noite Especial” foram
gravados quatro.
Se em Tonico & Tinoco havia uma introdução de viola antecedendo as estrofes,
neste disco há introduções feitas por metais (“Somos Apaixonados”), teclado (“Moço

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Pobre”), por xilofone (“Casa de Pecados”), acordeom (“Debaixo do Cobertor”) e harpa


paraguaia (“Ela Fez Minha Cabeça”). O disco também conta com baixo elétrico, que foi
utilizado em todas as músicas, e percussão, esta encontrada só em “Obras de Poetas”.
O dueto em terças permanece, porém em algumas músicas há alternância entre
o solo e o dueto, como em “Chama de Amor” em que a segunda voz entra somente no
refrão. Diferentemente de Tonico & Tinoco, em que o contorno melódico se aproximava
da voz falada, Chitãozinho & Xororó utilizam muito vibrato e a extensão vocal exigida
pelas músicas é quase sempre maior se comparada à da primeira dupla analisada. Além
disso, a pronúncia é feita pela norma culta da língua, não é observado o jeito “errado” de
falar do caipira presente em Tonico & Tinoco e tido por alguns até por “caricato” (ver
ALONSO, 2011, p. 49).

2.3 Período Universitário: João Bosco & Vinícius – álbum “Curtição” (2009)

Como dito, João Bosco & Vinícius são considerados precursores do chamado
sertanejo universitário. A própria dupla considera que foi no disco “Curtição”, de 2009, a
partir da já mencionada produção de Dudu Borges, que uma nova sonoridade foi lançada
no segmento da música sertaneja.
O principal sucesso deste disco foi “Chora Me Liga”, música sertaneja mais tocada
em 2009.

Figura 4: Capa do cd “Curtição”8

8 Disponível em www.jbev.com.br

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O disco é composto por 16 canções e é, em sua maioria, uma mistura de pop


com sertanejo. As características sertanejas são mantidas nas frases de violão, na
maneira de cantar, no duo de vozes em terças, na sanfona e nas letras românticas. Já o
pop é percebido, sobretudo, nas “levadas” de bateria e nas frases de guitarra, baixo e
teclado. Ao contrário dos períodos anteriores, é difícil classificar o gênero de cada
música, pois há uma fusão de influências. Entretanto, podemos afirmar que
musicalmente o disco de João Bosco & Vinícius é essencialmente muito diferente dos
dois períodos anteriores, tanto pela forma musical, quanto pela instrumentação e ritmo.

2.3.1 Análise do álbum e comparação com os períodos anteriores – João Bosco &
Vinícius – “Curtição” (2009)

Há uma semelhança entre os discos “Somos Apaixonados” e “Curtição”, ambos


fazem uma espécie de homenagem ao período anterior ao deles, ao apresentarem uma
música com características referentes ao período anterior. No disco de Chitãozinho &
Xororó a toada “Obras de Poeta” possui uma temática bucólica e se utiliza da viola
caipira, aproximando-se do estilo de Tonico & Tinoco. No cd “Curtição”, a música “Semi
Luz” assemelha-se a uma guarânia ou a uma polca. Em “Semi Luz” também há um pouco
de caráter sexual na letra, comum no disco de Chitãozinho & Xororó.
É importante ressaltar que a característica narrativa das letras, encontrada nos
períodos anteriores, é mantida. Todas as letras do disco falam sobre amor romântico. A
maioria são declarações de amor ou sentimento de saudade da pessoa amada. A
diferença, no que tange à letra, entre este disco e o do período romântico é a forma como
isto é feito. No disco “Somos Apaixonados”, o amor é ardente e efusivo, em João Bosco &
Vinícius não há este fervor.
Sobre a letra “Chora Me Liga”, diferentemente das letras do disco “Somos
Apaixonados” ou de Tonico & Tinoco, o personagem da música cantada por João Bosco &
Vinícius não tem a intenção de seguir uma história de amor com a outra pessoa, apenas
de se divertir. A temática do “eu já sofri muito por amor e agora eu vou curtir a vida” e
das “paixões de uma noite que logo tem fim” serão muito frequentes no sertanejo
universitário nos anos seguintes, conforme já falamos.
A instrumentação do disco conta com: bateria, violões, baixo, teclado, percussão,
sanfona, guitarra e viola (tocada apenas em “Maluco de Paixão”). As introduções e

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passagens são protagonizadas pelo violão (“Sufoco”), pela sanfona (“Chora, Me Liga”) ou
pelos dois juntos (“Canto, Bebo, Choro”).
Em algumas músicas é possível perceber influências maiores de outros gêneros
do que do próprio sertanejo, é o caso de “Meu Mundo Gira” que se parece muito com Axé
Music.
O duo de vozes ainda é predominantemente em terças, porém nos períodos
anteriores a segunda voz era usada na música inteira, como em Tonico & Tinoco, ou
apenas no refrão, como em algumas músicas de Chitãozinho & Xororó. No disco
“Curtição”, além do refrão, a segunda voz também aparece pontualmente, em algumas
frases ou apenas em finais de frases, como é o caso em “Terremoto”.

Considerações finais

Feita esta comparação entre duplas sertanejas de diferentes períodos, é


perceptível as grandes mudanças durante todos esses anos, pois tanto a instrumentação
quanto as letras variaram muito. Porém, ressaltamos os pontos que foram comuns entre
as duplas: o canto em terças e o aspecto narrativo das letras; ainda que estes também
tenham se modificado com o tempo. Em grande medida, esta constatação se apoia na
afirmação de Ulhôa (1999) de que o vocal e o aspecto narrativo das letras são a unidade
estilística da música sertaneja. Porém, Ulhôa se refere ao vocal de maneira mais ampla,
não apenas sobre o comportamento do duo de terças, mesmo por que existem cantores
sertanejos solos, como Sérgio Reis e Luan Santana, de modo que o duo de terças em si
não poderia ser considerado uma unidade estilística do gênero. De toda maneira, estes
dois aspectos parecem relevantes para que duplas como Tonico & Tinoco, Chitãozinho &
Xororó e João Bosco & Vinícius possam ser situadas no mesmo gênero musical.
Devemos ressaltar, essencialmente, três aspectos: o estrangeirismo, a
concomitância de estilos e a já citada unidade estilística.
Ou seja, a comparação entre as três duplas corrobora que a música sertaneja ao
longo de seu percurso sofreu constantes influências internacionais. No início por,
exemplo, influência mexicana, paraguaia; nos anos 80, influência norte americana e no
início do século XXI as influências são tão diversas que algumas vezes é difícil definir de
que tipo de gênero se trata ou por qual gênero é influenciado.

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Também ficou evidente que apesar de haver uma divisão do gênero – raiz,
romântico e universitário – o surgimento de um novo estilo não elimina o anterior. O LP
“Somos Apaixonados”, por exemplo, apesar de ser muito significativo para a
consolidação do período romântico, musicalmente é muito mais semelhante às músicas
feitas nas décadas anteriores. Isto pode ser indício de que a influência deste LP para a
sua geração está muito mais no ineditismo de vendas e repercussão do que nas
inovações musicais e temáticas.
Sobre a unidade estilística, mesmo com a música sertaneja tendo sofrido
inúmeras modificações durante todos esses anos, ainda é possível estabelecer uma
unidade entre os diversos períodos, possibilitando a coesão desse universo sertanejo tão
heterogêneo. O caráter narrativo das letras e o duo de terças cumprem um papel
importante nesse sentido, sendo talvez os principais aspectos comuns às três duplas
analisadas.

Referências

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528. Tese de Doutorado apresentada à Pós- Graduação em História da Universidade
Federal Fluminense, Niterói, 2011.

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Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.

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outubro de 2016.

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(UFU). v.9, p.56-65, 2004.

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Santiago, Chile: Fondart; Rama Latinoamericana IASPM, 1999, p. 47-60.

YouTube. (2014, Dezembro 7). Programa Studio Vip – Episódio 2 (Teaser)[Video file].
Retirado de <www.youtube.com/watch?v=4D7ICUYNBQ8>. Acesso em 21 jul 2016.

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