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Resumo: Este artigo fará uma breve revisão histórica da música sertaneja pautada
em personalidades que foram importantes para a consolidação e modificação do
gênero. A partir desta contextualização histórica será feita uma comparação entre
três duplas que representam fases distintas da música sertaneja: raiz, romântica e
universitária. A comparação será feita principalmente sobre três aspectos: letra,
instrumentação e maneira de cantar.
Abstract: This article will give a brief historical review of country music guided by
personalities that were important for the consolidation and modification of the
genre. From this historical context will be a comparison of three country music duo
that represent different stages of country music: raiz, romântica and universitária.
The comparison will be made primarily on three aspects: letter, instrumentation and
way of singing.
Introdução
angelonnc@yahoo.com.br
e viés político das suas apresentações. Além da música, os shows tinham elementos
cênicos e circenses. Nos anos 40 a música sertaneja passou por modificações
relevantes, principalmente na figura de Raul Torres. O cantor nasceu em 11 de julho de
1906 em Botucatu, interior de São Paulo, mas iniciou sua carreira na capital paulista em
1927 (NEPOMUCENO, 2005, p.266). Torres foi o principal responsável pela
incorporação de novos elementos musicais estrangeiros às músicas do interior, tais
como a polca paraguaia, guarânias e rasqueados (NEPOMUCENO, 2005, p. 130). De
acordo com Nepomuceno (2005), Capitão Furtado, cantor e compositor, sobrinho de
Cornélio Pires, também acrescentou a influência paraguaia ao seu repertório,
disputando o reconhecimento por este pioneirismo com Raul Torres.
Foi ainda nos anos 40 que surgiu uma dupla que faria escola e que é considerada
por muitos a maior dupla caipira de todos os tempos. Segundo Caldas (1987), em 1943
os Irmãos Peres participaram e ganharam o concurso “Arraial da Curva Torta”, realizado
pela Rádio Difusora e apresentado pelo Capitão Furtado a fim de eleger a melhor dupla
de violeiros do Estado de São Paulo. Capitão Furtado não gostava do nome Irmãos Peres
e então sugeriu Tonico & Tinoco. A forma anasalada de cantar, as anedotas nas
apresentações e a maneira “errada” de falar marcaram época e várias duplas surgiram
tentando imitá-los (NEPOMUCENO, 2005, p.302).
Ao fim dos anos 50 e início dos anos 60 a música sertaneja já estava consolidada
no meio urbano e a partir desse momento, um processo que já vinha ocorrendo há
algum tempo atrás fica mais latente: o distanciamento das origens rurais e da música
caipira de 1929 (ver CALDAS, 1987, p.64).
Em 1969, a dupla Léo Canhoto & Robertinho deixou claro o desejo de se
aproximar da classe média urbana e de “modernizar” a música sertaneja. Apoiados no
estilo cowboy americano e influenciados pelos filmes de bang-bang italianos, a dupla
utilizava elementos do rock e da folkmusic em suas músicas, a guitarra passou a ser um
instrumento central nos arranjos e as letras abandonaram os temas bucólicos e
amorosos e se aproximaram de uma temática mais violenta e de virilidade, como pode-
se ver, por exemplo em “Jack, o Matador”. O anseio era atingir o público tradicional
admirador das modas de viola, assim como os admiradores da Jovem Guarda
(NEPOMUCENO, 2005).
Segundo Nepomuceno (2005), a partir deles, ao longo dos anos 70, a música
sertaneja esteve dividida. De um lado estava a nova geração empolgada com a guitarra
elétrica e com as influências do rock e do folk, dentre eles Milionário & José Rico, que
tinham o maior número de vendas; e de outro lado estavam os tradicionais que se
recusavam a mudar o seu estilo para atender às tendências do mercado, como Tonico &
Tinoco.
Em 1982 Chitãozinho & Xororó lançam o disco “Somos Apaixonados”. Pela
primeira vez a música sertaneja superou a marca de um milhão de cópias vendidas,
foram um milhão e meio, embaladas pelo hit “Fio de Cabelo”, a partir disso os
paranaenses se tornam referência para praticamente todas as duplas que surgiriam nos
anos 80 e 90.
O sertanejo dos anos 90 continuou com alguns aspectos dos anos anteriores, a
estrutura de banda com guitarra bateria e baixo e a presença cada vez menor da viola.
Entretanto, há a incorporação de elementos do country norte-americano, com o uso de
banjos e de arranjos que se aproximassem dessa estética (OLIVEIRA, 2009, p. 318).
Em 1999, após terem saído de Coxim e chegado à capital do Mato Grosso do Sul
para cursar faculdade, a dupla João Bosco & Vinícius começou a se apresentar nos bares
de Campo Grande. Começaram a tocar também no entorno da Capital e, nas palavras de
Vinícius, “graças a Deus esse público do interior foi fazer faculdade na capital”3. O som
da dupla passou a circular muito no meio universitário, a dupla até ficava hospedada em
repúblicas, quando tocava fora do Estado, e distribuía cortesias para que estes jovens da
universidade acompanhassem seus shows. Por isso João Bosco e Vinícius são
considerados uma das duplas precursoras do Sertanejo Universitário.
Quando em 2009 a dupla convida o produtor Dudu Borges para trabalhar no
próximo CD intitulado “Curtição”, uma nova sonoridade surge na música sertaneja. Dudu
Borges costumava produzir música gospel e talvez por isso o CD flerta muito mais com o
pop do que com o sertanejo tradicional ou o country. A partir disso vários artistas
surgem com essa mesma estética e sonoridade sertaneja, tais como Luan Santana, Jorge
& Matheus, Gusttavo Lima e Fernando & Sorocaba.
A balada jovem é essencialmente a temática do sertanejo universitário. A
maioria das músicas é dançante e as letras falam de festas, bebidas e “azaração”, como
por exemplo: “Não Paro de Beber” (2016) gravada por Gusttavo Lima, “As Mina Pira”
(2013) por Fernando & Sorocaba, “Balada Louca” (2011) por Munhoz & Mariano e “Vai
Vendo” (2014) de Lucas Lucco.
As dores de cotovelo tradicionais do sertanejo até os anos 90, a partir do
sertanejo universitário foram um pouco substituídas pela superação encontrada na
balada e na bebida, sofrer por amor fica um pouco fora de moda e o desejo de “dar o
troco” aparece frequentemente, como se pode ver em “Ai que dó”, de Thaeme & Thiago.
Nos anos de 2010 o sertanejo incorpora principalmente o ritmo arrocha e
também elementos do funk, pagode e axé. Com as influências de ritmos baianos e
nordestinos é comum que hoje em dia as duplas sertanejas dividam o mesmo palco com
artistas dessas regiões, como Wesley Safadão, Aviões do Forró e Pablo.
Muito do que caracterizou a música sertaneja se deve a Tonico & Tinoco (ver
CALDAS, 1987; NEPOMUCENO, 2005; OLIVEIRA, 2009; ALONSO, 2011). Na década de
40, a dupla foi a principal referência para características as quais ainda são consideradas
a tradição da música caipira: a temática, a performance e a sonoridade (ver ULHOA,
2004).
4 Disponível em www.tonicoetinoco.com.br
As letras5 das obras escolhidas obedecem ao caráter narrativo cujo Ulhôa (1999,
p. 54) define, juntamente com o vocal, como a unidade estilística da música sertaneja. O
caráter bucólico e/ou de nostalgia do campo, tão comuns à música sertaneja, ficam
evidentes nas músicas “Destinos Iguais”, “Tristeza do Jeca” e “Canoeiro”.
A primeira é um lamento amoroso, mas que se faz relacionando o destino do
narrador ao de um casal de canários, após um gavião atacar um deles. “Tristeza do Jeca”
é um canto de tristeza pela saudade da cidade natal. “Canoeiro” trata de uma pescaria
com os “companheiros”, com descrições dos rios e dos animais do entorno. Já “Chico
Mineiro” e “Rei do Gado” possuem um conteúdo moral que também é uma característica
da música caipira de raiz. Segundo Oliveira (2009), a partir dos anos 40, se
popularizaram “letras com conteúdo moral, que tratavam de diversos assuntos: a vida
no campo, tragédias familiares, narrativas de viagem e críticas à modernidade.”
(OLIVEIRA, 2009, p.290). Destas duas, a primeira é uma narrativa de viagem trágica. Um
patrão narra a viagem que fizera com seu empregado e amigo Chico Mineiro. No meio da
viagem, Chico Mineiro é baleado e morre. Mais tarde o patrão vem a descobrir que o
companheiro de viagem era seu irmão. A moda-de-viola ”Rei do Gado” também tem um
conteúdo moral. Um peão de aparência humilde é desmerecido pela elite frequentadora
de um bar, mas ao final ele se revela um grande criador de gado surpreendendo todos.
Entre as músicas selecionadas no presente trabalho, as gravadas por Tonico &
Tinoco no final dos anos 50 e início dos anos 60 envolvem uma temática amorosa. “Cana-
Verde” (1957), “Canta Moçada” (1960) e a cana-verde “Moreninha Linda” (1960) são de
decepções amorosas. Uma vez que a temática amorosa foi muito presente no período
seguinte, o romântico, talvez tenham iniciado este caminho.
A instrumentação, a estrutura e a forma de cantar em “Chico Mineiro”, “Rei do
Gado”, “Destinos Iguais” são similares. Possuem apenas violão e viola. A introdução da
viola antecede os versos que são cantados por dueto em terças. Essa estrutura, conforme
5No presente trabalho, por uma questão de espaço, não transcreveremos as letras analisadas. Para
melhor compreensão de nossa narrativa, sugerimos que o leitor as consulte em vários sites, tais
como www.letras.mus.br e www.vagalume.com.br
nos informa Ulhôa, é comum nas modas (ULHÔA, 2004. p.59). “Canoeiro” também possui
essa mesma estrutura, a viola antecedendo os versos cantados em terças, porém são
duas violas e não tem violão.
Em “Tristeza do Jeca”, “Cana-Verde”, “Canta Moçada” e “Moreninha Linda” a
estrutura pouco se difere das músicas já mencionadas, o que vale ser destacado é o
acordeom na instrumentação e que em “Moreninha Linda” tem um baixo na marcação.
Outro aspecto relevante é a pronuncia da dupla, o jeito “errado” de falar e o
sotaque fazendo referência ao homem da roça são mantidos nas letras. Destaco também
que as músicas são todas cantadas em duos de terças o tempo inteiro e que os contornos
melódicos são bem próximos da língua falada.
6 Disponível em paisagemdosertao.blogspot.com
7 Disponível em baudamusicasertaneja.blogspot.com
2.3 Período Universitário: João Bosco & Vinícius – álbum “Curtição” (2009)
Como dito, João Bosco & Vinícius são considerados precursores do chamado
sertanejo universitário. A própria dupla considera que foi no disco “Curtição”, de 2009, a
partir da já mencionada produção de Dudu Borges, que uma nova sonoridade foi lançada
no segmento da música sertaneja.
O principal sucesso deste disco foi “Chora Me Liga”, música sertaneja mais tocada
em 2009.
8 Disponível em www.jbev.com.br
2.3.1 Análise do álbum e comparação com os períodos anteriores – João Bosco &
Vinícius – “Curtição” (2009)
passagens são protagonizadas pelo violão (“Sufoco”), pela sanfona (“Chora, Me Liga”) ou
pelos dois juntos (“Canto, Bebo, Choro”).
Em algumas músicas é possível perceber influências maiores de outros gêneros
do que do próprio sertanejo, é o caso de “Meu Mundo Gira” que se parece muito com Axé
Music.
O duo de vozes ainda é predominantemente em terças, porém nos períodos
anteriores a segunda voz era usada na música inteira, como em Tonico & Tinoco, ou
apenas no refrão, como em algumas músicas de Chitãozinho & Xororó. No disco
“Curtição”, além do refrão, a segunda voz também aparece pontualmente, em algumas
frases ou apenas em finais de frases, como é o caso em “Terremoto”.
Considerações finais
Também ficou evidente que apesar de haver uma divisão do gênero – raiz,
romântico e universitário – o surgimento de um novo estilo não elimina o anterior. O LP
“Somos Apaixonados”, por exemplo, apesar de ser muito significativo para a
consolidação do período romântico, musicalmente é muito mais semelhante às músicas
feitas nas décadas anteriores. Isto pode ser indício de que a influência deste LP para a
sua geração está muito mais no ineditismo de vendas e repercussão do que nas
inovações musicais e temáticas.
Sobre a unidade estilística, mesmo com a música sertaneja tendo sofrido
inúmeras modificações durante todos esses anos, ainda é possível estabelecer uma
unidade entre os diversos períodos, possibilitando a coesão desse universo sertanejo tão
heterogêneo. O caráter narrativo das letras e o duo de terças cumprem um papel
importante nesse sentido, sendo talvez os principais aspectos comuns às três duplas
analisadas.
Referências
João Bosco & Vinícius, Disponível em: <www.jbev.com.br> . Acesso em 15 jul 2016.
NEPOMUCENO, Rosa. Música caipira: roça ao rodeio. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2005.
OLIVEIRA, Allan de Paula. Miguilim foi pra cidade ser cantor: uma antropologia da
música sertaneja. f. 317. Tese de Doutorado apresentada à Pós-Graduação em
Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2009.
______. Música sertaneja e globalização. In: Música Popular en América Latina. ed.
Santiago, Chile: Fondart; Rama Latinoamericana IASPM, 1999, p. 47-60.
YouTube. (2014, Dezembro 7). Programa Studio Vip – Episódio 2 (Teaser)[Video file].
Retirado de <www.youtube.com/watch?v=4D7ICUYNBQ8>. Acesso em 21 jul 2016.