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br/geopoleco-

gs0081-fev-2023-grad-ead/)

1. Introdução
Seja bem-vindo (a) ao estudo da disciplina de
que contribuirá, a partir das análises políticas e econômicas ocorridas no es-
paço geográ�co, para o entendimento das relações entre o território e poder.

De forma bem genérica, podemos a�rmar que a geogra�a econômica tem co-
mo objetivo a análise das inter-relações entre a estrutura econômica e a estru-
tura espacial, apresentando sempre uma dupla perspectiva, na qual, de um la-
do, as mudanças econômicas produzem alterações socioespaciais e, de outro,
o espaço sempre aparece como meio e condição para o desenvolvimento das
ações econômicas.

Assim, neste período de intensas e aceleradas mudanças econômicas que pro-


duzem alterações no conteúdo e nas formas espaciais, a geogra�a econômica
pode, certamente, contribuir muito para a análise da realidade.

Também, segundo essa perspectiva, a geopolítica é um ramo do conhecimen-


to que faz interface com a Geogra�a Política e com outras áreas do saber, como
a Ciência Política, Relações Internacionais, História, Economia e Sociologia.
Seu objeto de interesse é investigar o papel desempenhado pelos Estados
Nacionais enquanto agentes da organização do espaço na política nacional e
internacional, ou seja, no espaço interno e externo.

2. Informações da Disciplina
Ementa
A disciplina contribui para a formação pro�s-
sional do aluno no sentido de analisar como os processos políticos e econômi-
cos, em escala macro, in�uenciam a produção do espaço geográ�co. Para tan-
to, conceitua os agentes econômicos e seus comportamentos, assim como os
fatores de produção. Nesse sentido, analisa, também, os clássicos da
Economia Política, a questão do valor, acumulação capitalista e a regulação da
economia, buscando explicações do desenvolvimento econômico. A disciplina
aborda, ainda, a relação sociedade/natureza, os problemas na economia nacio-
nal, além de questões sobre a globalização econômica, os meios de produção
capitalista e sua in�uência na produção do espaço. No desenvolvimento polí-
tico, analisa os conceitos e controvérsias inerentes à Geopolítica, conceituan-
do as origens do pensamento geopolítico. Aborda o nascimento dos Estados
nacionais na era moderna, a industrialização e o imperialismo do século 20. A
disciplina trata, ainda, dos temas nova ordem mundial, globalização capitalis-
ta e relações internacionais, poderio bélico e geoestratégia, Geopolítica do tra-
balho, além da Geopolítica no Brasil.

Objetivos Especí�cos
• Analisar os preceitos clássicos que subsidiam as interpretações econômi-
cas.
• Investigar a in�uência do desenvolvimento econômico na produção do
espaço.
• Re�etir sobre a Geopolítica em suas características epistemológicas, bem
como suas particularidades enquanto teoria de ação.
• Perscrutar o desenvolvimento da ciência, sua in�uência nas questões
mundiais e os atores internacionais nas relações entre o território e o po-
der.
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Ciclo 1 – Clássicos da Economia Política e a Teoria Do


Valor

Paulo Eduardo Vasconcelos de Paula Lopes


Vera Lúcia Santos Abrão

Objetivos
• Conceituar os agentes econômicos e seus comportamentos, assim como
os fatores de produção.
• Analisar os clássicos da Economia Política e as questões de valor, acu-
mulação capitalista e regulação da economia, buscando explicações do
desenvolvimento econômico.

Conteúdos
• Agentes econômicos e seus comportamentos.
• Fatores de produção.
• Valor e acumulação capitalista.

Problematização
O que são agentes econômicos? E fatores da produção? Como se desenvolve o
pensamento da Economia Política clássica a partir de seus principais auto-
res? Como se analisa espaço e valor? Como a questão do valor in�uencia a
produção do espaço? Como se dá a valorização do espaço no ?
Qual a importância da teoria do valor para a compreensão da produção e va-
lorização do espaço geográ�co?
1. Introdução
Neste primeiro ciclo de aprendizagem, veremos os fatores da produção, a
Economia Política clássica e a questão do valor e sua interferência na produ-
ção do espaço.

Bons estudos!

2. Fatores da produção, Economia Política clás-


sica e a questão do valor
A questão econômica sempre exerceu um papel importante no pensamento
geográ�co apesar das diferentes utilizações metodológicas nas correntes posi-
tivistas, historicistas ou dialéticas, ela historicamente constituiu-se um ele-
mento essencial do discurso geográ�co.

Na atualidade, os processos de expansão das empresas transnacionais, de in-


tegração dos mercados e o aumento da �uidez de capitais, atribuem à
Geogra�a Econômica novas particularidades que podem di�cultar a sua con-
ceituação.

No entanto, de forma bem genérica, podemos a�rmar que a Geogra�a


Econômica tem como objetivo a análise das inter-relações entre a estrutura
econômica e a estrutura espacial, apresentando sempre uma dupla perspecti-
va, na qual, de um lado, as mudanças econômicas produzem alterações socio-
espaciais e, por outro, o espaço sempre aparece como meio e condição para o
desenvolvimento das ações econômicas.

Assim, poderíamos re�etir: é possível pensar o espaço geográ�co desvincula-


do da economia? A produção do espaço geográ�co não está ligada diretamen-
te à produção econômica da sociedade?

As relações entre espaço geográ�co e economia são múltiplas e devido ao seu


caráter dialético estão em constante renovação.
Este movimento contribui para o entendimento do tempo presente, no que se
refere às estruturas que in�uenciam as formas de sociabilidade e os mecanis-
mos de apropriação e valorização dos territórios.

Além disso, as múltiplas relações entre a economia e o espaço geográ�co são


os alicerces para a compreensão de outros campos disciplinares da própria
Geogra�a, bem como contribuem no sistema explicativo de outras áreas cien-
tí�cas, tais como a Sociologia, a História, a Administração e a própria
Economia.

Observe o esquema, apresentado na Figura 1 a seguir, que ilustra algumas


inter-relações possíveis entre a estrutura territorial e a estrutura econômica
na Geogra�a Econômica.
Figura 1 Articulação entre a estrutura econômica e a estrutura territorial na Geogra�a econômica.

Estas inter-relações in�uenciam diretamente na mobilidade espacial, na di-


nâmica populacional, no mundo do trabalho, nos processos de urbanização e
nas condições ambientais, temas recorrentes aos estudos geográ�cos.

Na mesma perspectiva, estas relações são, também, teoricamente necessárias


para compreender a rentabilidade econômica e as desigualdades territoriais e
econômicas que são os pilares sobre os quais se sustentam a economia capita-
lista contemporânea.

Há ainda um terceiro elemento importante para a Geogra�a. As ações econô-


micas deixam as suas marcas impressas no espaço, que servem como teste-
munhos de um modo de produção anterior, e suas formas concretas. Esta ma-
terialidade, a qual o geógrafo Milton Santos chamou de rugosidades, condicio-
na as ações de produção econômica que devem adaptar-se as formas preexis-
tentes.

Dessa forma, com a�rma Milton Santos (1978, p. 138):

Pode-se falar do espaço como condição e�caz e ativa da realização concreta dos
modos de produção e de seus momentos. Os objetos geográ�cos aparecem em loca-
lizações correspondendo aos objetivos da produção em um dado momento e, em
seguida, por sua própria presença, eles in�uenciam os momentos subsequentes da
produção.

Por isso, não há dúvidas de que cada vez mais o espaço geográ�co se impõe
como meio e condição básica aos processos econômicos e, inevitavelmente,
re�ete os sentidos e as formas de produção material e simbólica da sociedade.

Todavia, essas considerações iniciais ainda são insu�cientes. Para aprofun-


darmos nossas re�exões é preciso considerar o espaço geográ�co como pro-
duto histórico e social, produzido pelo homem por meio do trabalho, na sua
eterna luta pela sobrevivência, trabalho este que representa a aplicação da sua
energia sobre a natureza, diretamente ou como prolongamento do seu corpo
por meio de recursos mecânicos ou tecnológicos.

Assim, conforme a�rma Milton Santos (1982, p. 88):

Não há produção que não seja produção do espaço, que se dê sem o trabalho. Viver
para o homem é produzir espaço. Como o homem não vive sem trabalho, o proces-
so de vida é um processo de criação do espaço geográ�co. A forma de vida do ho-
mem é o processo de criação do espaço.

Este processo de produção do espaço evidencia os meios pelos quais a socie-


dade, por meio do trabalho, se apropria da natureza e a transforma. Para Karl
Marx (s/d, p. 4): "A produção é sempre apropriação da natureza pelo indivíduo
no seio e por intermédio de uma forma de sociedade determinada".

Dessa forma, a história do homem é a história da sua relação com a natureza,


que se diferencia conforme o momento histórico e o modo de produção econô-
mica. Por exemplo, nas sociedades naturais, segundo Ruy Moreira (1994, p.
76):

[...] a terra é o meio universal de trabalho, há uma unicidade orgânica entre o ho-
mem e a natureza. O ritmo do trabalho e da vida dos homens repete o ritmo da na-
tureza. O espaço geográ�co é o próprio espaço natural [...] a terra é a despensa pri-
mitiva e o arsenal primitivo. Trabalhando-a, tiram os homens o seu sustento e os
instrumentos de trabalhos novos. A natureza-terra é a condição da produção/repro-
dução das relações entre os homens.

No entanto, com a emergência da sociedade capitalista este vínculo será rom-


pido por meio da proletarização dos trabalhadores e da apropriação capitalista
da natureza. O ritmo do trabalho e dos homens não será mais o ritmo da natu-
reza e sim o ritmo do capital, que tudo transforma em mercadoria, inclusive a
própria força de trabalho e a natureza.

O geógrafo brasileiro Carlos Walter Porto Gonçalves (1990, p. 25) esclarece que:
[...] a natureza é, em nossa sociedade, um objeto a ser dominado por um sujeito, o
homem, muito embora saibamos que nem todos os homens são proprietários da
natureza. Assim, são alguns poucos homens que dela verdadeiramente se apropri-
am. A grande maioria dos outros homens não passa, também, de objeto que pode
até ser descartado.

O fato histórico e concreto é que a sociedade capitalista levou ao extremo a


apropriação intensiva e extensiva da natureza, concebendo-a como uma sim-
ples mercadoria necessária à reprodução ampliada de capital. Com isso houve
uma aceleração na velocidade da lógica de ocupação do espaço geográ�co ao
que, de certa forma, se aplica a mesma lei universal do capitalismo, a sobrepo-
sição do valor de troca ao valor de uso.

Nesse sentido, a produção do espaço e a sua consequente valorização capita-


lista apresenta duas perspectivas, por um lado, passa a ser de�nida pelas pos-
sibilidades de acumulação e reprodução do capital e, por outro, re�ete as pró-
prias desigualdades inerentes à organização social e territorial do trabalho.

Estas são as contradições que estão materializadas na paisagem, para qual o


olhar geográ�co deve estar sempre atento.

Observe a Figura 2, que mostra como a manifestação das desigualdades, além


de sociais, são, também, espaciais e condicionam a própria existência huma-
na.
Figura 2 Manifestação das desigualdades sociais e espaciais

Nestas re�exões que estamos desenvolvendo sobre a produção do espaço na


sociedade capitalista, considerando a relação sociedade-natureza é importan-
te salientar o papel do trabalho na sua ação mediadora.

De fato, o trabalho é uma categoria fundante do ser social, sendo o ponto de


partida para o desenvolvimento das necessidades humanas, transformando o
homem de forma objetiva e subjetiva.

Sabendo que o homem produz a sociedade e por ela é produzido, as transfor-


mações no mundo do trabalho apresentam seu maior grau de complexidade
no desenvolvimento do modo de produção capitalista, e que, a partir de então,
ditam suas determinações.

No modo de produção capitalista o processo de trabalho é de�nido pela forma


como os homens se relacionam entre si e com os meios de produção. A socie-
dade transforma-se em sociedade fundamentalmente urbana e as relações so-
ciais que se estabelecem estão agora baseadas na contradição capital/traba-
lho, burguesia/proletariado.

A condição necessária para a consolidação das relações capitalistas de produ-


ção é a expropriação do trabalhador de um lado e a apropriação dos meios de
produção pela burguesia, de outro. A partir daí está estabelecida uma relação
contraditória porque só o trabalho gera riqueza, gera valor, que é apropriado
pelos proprietários dos meios de produção. Uma vez expropriado, lhe é retira-
da a possibilidade da reprodução da sua existência como ser humano, tendo
que recorrer ao mercado e, para isso, é necessário que venda a sua força de
trabalho, transformada em mercadoria para os detentores do capital, gerando
radical separação entre o trabalhador e a natureza, desfazendo violentamente
seus vínculos mais
intensos e de unicidade com a natureza.
De acordo com Ruy Moreira (1994, p. 73):

A incorporação dos homens e da natureza ao circuito das mercadorias é a base so-


bre a qual nasce e se expande o capitalismo, como condição necessária e su�ciente.
Mas não é a mercadoria o objetivo do capital e sim a reprodução ampliada deste,
expansão permanente. A universalização da mercadoria, isto é, a transformação de
tudo em mercadoria (homem e natureza nas suas variadas formas) só é necessária
porque a produção de mercadorias é o veículo da produção da mais valia, e sua rea-
lização (sua compra-venda) é o veículo transformador da mais valia em lucro, que
será reinjetado em nova produção de mercadorias [...].

Assim, no capitalismo, as relações naturais e tradicionais se convertem em


relações mercantis, ou seja, os meios de vida e o trabalho são transformados
em mercadorias. O modo de produção capitalista torna o homem alienado da-
quilo em que ele mesmo produz, além disso, o trabalhador é considerado um
produto social privado por meio do modo assalariado.

Com base nesses pressupostos, o capitalismo se desenvolveu, expandindo-se


numa escala planetária, num processo de globalização cada vez mais intenso,
que avança sobre amplos territórios, incorporando a natureza, as sociedades e
o espaço geográ�co à lógica da produção de mercadorias.

A seguir veremos especi�camente como a Revolução Industrial e as sucessi-


vas mudanças técnicas alteraram o conteúdo e as formas do espaço geográ�-
co.

A produção do espaço geográ�co na Economia industrial


O ponto de partida para as nossas re�exões é o entendimento de que a
Revolução Industrial não é apenas um momento histórico, mas sim um fenô-
meno que se desenvolve em um processo de grandes transformações não so-
mente técnicas, mas, especial e fundamentalmente, em transformações políti-
cas, econômicas e sociais.

Diferente dos modos de produção pré-capitalistas, nos quais o ritmo do desen-


volvimento da tecnologia era lento e a acumulação de conhecimentos pouco
sistemática, o modo de produção capitalista a partir da Revolução Industrial
vai inaugurar uma fase na história da civilização, na qual tecnologia e ciência
cada vez mais vão se integrando na produção de mercadorias, desenvolvendo
novas formas de divisão social e territorial do trabalho.

Essas transformações modi�caram, evidentemente, o espaço geográ�co. A so-


ciedade basicamente rural, agrária, fechada, desarticulada espacialmente,
transforma-se em uma sociedade urbana articulada por meio do processo de
circulação de mercadorias, isto é, por meio do mercado. O mundo rural tam-
bém sofre transformações nessa nova ordem econômica, uma vez que o pro-
cesso de produção ocorre agora baseado em um novo regime de propriedade e
de divisão do trabalho, passa a estar segmentado entre o comércio e a manu-
fatura na cidade e a atividade agrícola no campo.

Além disso, o espaço mundial aos olhos das nações que primeiro realizaram a
revolução industrial torna-se o espaço da reprodução de capitais, portanto, ob-
jeto de uma disputa cada vez mais acirrada pelo controle de matérias-primas,
mão de obra e de territórios.

No entanto, esta disputa pelo controle do espaço geográ�co, os modos de apro-


priação do trabalho, da natureza e a utilização do território devem ser entendi-
das como relações em permanente mutação, pois a sustentação do capitalis-
mo, como modo de produção dominante, ocorre basicamente pela superação e
adaptação às crises econômicas, pela existência de formas avançadas de divi-
são social do trabalho e uma constante rede�nição das proporções e do signi-
�cado social e territorial dessa divisão, sejam em uma escala regional, nacio-
nal ou internacional.

Para tornar esta exposição mais didática, analisaremos a Revolução Industrial


em suas diferentes fases do capitalismo: a fase concorrencial, a fase monopo-
lista e a fase �nanceira.

A primeira fase da Revolução Industrial inicia-se na Inglaterra, na segunda


metade do século 18, e difunde-se a partir de 1830 para a Bélgica e para a
França. É importante evidenciar que a Revolução industrial marca, também,
uma revolução nos transportes e na utilização energética. O desenvolvimento
das ferrovias, o aperfeiçoamento da navegação marítima e a utilização do car-
vão mineral exercem uma forte in�uência sobre a organização do espaço.
Neste contexto histórico, as localizações geográ�cas se orientam pela locali-
zação das minas de energia, estas, por sua vez, atraem as indústrias que ge-
ram os aglomerados urbanos.

Enquanto isso, o restante do território nacional permanece organizado sob for-


ma de uma paisagem rural, todavia, vivenciando um processo de êxodo rural
intenso.

A organização do espaço mundial, in�uenciada pelas relações comerciais, nas


quais os países industrializados, sobretudo a Inglaterra, eram fornecedores de
bens manufaturados e o restante do mundo atuava em uma condição periféri-
ca suprindo os países industrializados de bens primários.

A primeira fase da Revolução Industrial é marcada pelo capitalismo concor-


rencial, na qual prevalece o liberalismo político e econômico. O capitalismo
concorrencial possibilitou uma competição extrema por mercados, que levou
as empresas mais fortes a derrotarem as mais fracas e concentrarem capital.

Marx (s/d, p. 720), ao analisar o processo de concentração de capital, explica


que:

Cada acumulação se torna meio de nova acumulação. Ao ampliar-se a massa de ri-


queza que funciona como capital, a acumulação aumenta a concentração dessa ri-
queza nas mãos de capitalistas individuais. Essa concentração da riqueza nas
mãos de capitalistas individuais propicia base para a produção em grande escala e
para a de�nição de métodos de produção especi�camente capitalistas. O cresci-
mento do capital social realiza-se por meio do crescimento de muitos capitais indi-
viduais.

A concentração e a centralização de capitais contribuíram para o estabeleci-


mento de uma segunda fase da Revolução Industrial, caracterizada pela fase
monopolista do capitalismo.

A segunda fase da Revolução Industrial origina-se nos Estados Unidos, por


volta de 1870, e difunde-se ainda no início do século 20 para Alemanha, Itália e
Japão, e, posteriormente, para os países latino-americanos, asiáticos e africa-
nos.

Neste período, há um processo de inovações técnicas intensas, que tem como


principal símbolo o automóvel. Nesse sentido, as rodovias e a navegação área,
como meios de transportes, e a eletricidade e o petróleo, como fontes de ener-
gia, reordenam a utilização do espaço geográ�co.

A energia elétrica libera a indústria das restrições da localização e abre uma


expansão territorial sem limites, levando à industrialização do mundo como
um todo. O espaço nacional, por sua via, passa por um processo de redivisão
interna, no estabelecimento de uma hierarquia entre as regiões e as cidades.
Neste contexto, a cidade passa a ser referência, pois as vias de transporte e de
comunicação a partir desta se irradiam sobre o campo, ultrapassando os limi-
tes urbanos. Os veículos automotores metropolizam o espaço urbano consoli-
dando a sociedade urbana.

A segunda fase da Revolução Industrial também modi�ca o padrão das trocas


internacionais com a entrada das empresas multinacionais nos países subde-
senvolvidos, os quais também passam a exportar produtos manufaturados,
porém, mantendo uma relação de dependência tecnológica em relação aos
países capitalistas centrais.

Outra característica importante da segunda Revolução Industrial é que ela re-


organiza o espaço interno da fábrica e exerce uma in�uência decisiva no
mundo do trabalhador.

Se durante a primeira fase da industrialização o operário deslocava-se dentro


da fábrica para realizar diversos tipos de atividades utilizando diferentes fer-
ramentas e matérias-primas, na segunda fase a introdução da organização ci-
entí�ca do trabalho proposta por Frederick Taylor e a sua aplicação por Henry
Ford no sistema de produção de automóveis fundou-se em um padrão de orga-
nização do espaço interno da fábrica e disciplinamento da força-de-trabalho
denominado modelo Fordista-Taylorista.
Podemos compreender que o sistema fordista-taylorista é um dos maiores e
mais clássicos exemplos da teoria e de todo seu desenvolvimento metodológi-
co, sendo colocado na prática sob a tutela do desenvolvimento capitalista.

Tal sistema caracteriza-se pela produção em massa, uma vez que, somente
por meio dela, poder-se-ia reduzir os custos da produção e o preço de venda.

Esse sistema produtivo ainda caracteriza um grande número de empregos e


um consequente achatamento de salários; racionalização de produção, por
meio da divisão de tarefas (fundado em Taylor), não sendo preciso uma espe-
cialização ou treinamento especí�co, apenas uma força física e mental para
um processo de produção constituído por um trabalho repetitivo, obtendo as-
sim a produção em massa. Neste contexto, houve a necessidade de grandes
galpões para estocagem.

Todavia, uma de suas principais marcas foi o aperfeiçoamento da linha de


montagem, pois os automóveis eram construídos em esteiras rolantes que
funcionavam enquanto os operários �cavam praticamente parados nas esta-
ções, realizando pequenas etapas da produção, tornando, dessa forma, desne-
cessária a alta quali�cação dos trabalhadores.

Tempos modernos: o �lme que mostrou como sobreviver em


 meio ao mundo moderno e industrializado

O �lme Tempos Modernos (https://www.youtube.com/wat-


ch?v=3tL3E5fIZis), de Charles Chaplin, mostra de uma forma muito inte-
ressante a vida na sociedade industrial americana caracterizada pela
produção com base no sistema de linha de montagem e especialização
do trabalho.

Esta forma de produção espalhou-se pelo mundo caracterizando de forma


muito decisiva o mundo do trabalho durante grande parte do século 20.
No entanto, o próprio esgotamento do modelo fordista/taylorista de produção,
as inovações técnicas e as mudanças sociais e econômicas do capitalismo
conduziram a uma terceira fase da Revolução Industrial, que atualmente vi-
venciamos.

As décadas de 1980 e 1990 foram de�nidas por um conjunto de mudanças no


sistema produtivo capitalista. Este fenômeno, também chamado de reestrutu-
ração produtiva do capitalismo mundial, representou novas formas de produ-
ção e circulação de mercadorias; reprodução de capitais; e ordenamento políti-
co e econômico do espaço geográ�co.

Tendo início no Japão e rapidamente se espalhando pelo mundo, a reestrutu-


ração produtiva do capitalismo foi a saída encontrada para manter o padrão
de reprodução do capital. Orientada pela necessidade do melhor aproveita-
mento de matérias-primas, das fontes energéticas e da força de trabalho, as
empresas capitalistas aplicaram uma forte política de inovações cientí�cas e
tecnológicas, centradas na informática, na microeletrônica, na robótica e na
biotecnologia.

Este processo resultou em uma verdadeira revolução tecnocientí�ca que, ali-


cerçada na automação e na produção de artigos de alta tecnologia, modi�cou
as formas de produção industrial e as relações de trabalho com a transição de
um modelo centrado no uso extensivo da força de trabalho (fordismo) para o
uso intensivo de força de trabalho (toyotismo).

O Toyotismo, também chamado de acumulação �exível, marca um novo pa-


drão nas formas de produção. A �exibilidade no processo de trabalho, nos
mercados, nos produtos, bem como a incorporação de novas tecnologias, o
avanço nos setores de serviços, entre outros, são algumas das características
desse novo sistema de acumulação.

A linha de montagem é transformada em ilhas nas quais o trabalhador


deve ser polivalente e integrado, com rodízio de tarefas.

Com isso, o tempo de produção de mercadorias, fator fundamental para a lu-


cratividade no capitalismo, foi reduzido drasticamente graças às novas tecno-
logias de produção - robôs, automação - e graças às novas formas de organiza-
ção do trabalho, "just-in-time", na qual as vendas orientam a produção, a par-
tir de um sistema de controle de reposição de mercadorias denominado
Kanbam.

Os avanços tecnológicos que modi�caram a produção industrial reorganiza-


ram, inevitavelmente, todo o circuito produtivo capitalista, acelerando a �ui-
dez de mercadorias, de capitais e de informações a nível internacional. Estas
condições inauguraram uma nova etapa do capitalismo: o capitalismo �nan-
ceiro.

Nesse sentido, a organização do espaço se estrutura em redes, �uídas e dester-


ritorializadas, compatível com a natureza de um capital móvel e sem pátria.

A concepção de mercados e mercadorias globais signi�cou uma inédita cria-


ção de dinheiro e de créditos, também de dimensões globais. A interligação
entre bancos, corretoras, serviços �nanceiros entre outros, tornaram-se muito
rápidos, ultrapassando fronteiras antes inimagináveis.

Este processo demonstra, portanto, como a produção de um novo sistema téc-


nico foi capaz de modi�car a geogra�a mundial e, por conseguinte, marca um
novo período na história contemporânea, denominado globalização. Segundo
Milton Santos, no seu livro Por uma oura globalização do Pensamento Único a
Consciência Universal:

A globalização não é apenas a existência desse novo sistema de técnicas. Ela é


também o resultado das ações que asseguram a emergência de um mercado dito
global, responsável pelo essencial dos processos políticos atualmente e�cazes. Os
fatores que contribuem para explicar a arquitetura da globalização atual são: a uni-
cidade da técnica, a convergência dos momentos, a cognoscibilidade do planeta e a
existência de um motor único na história representado pela mais-valia globalizada
(2008, p. 24).

Nesta perspectiva, a globalização conseguiu, de certa forma, uma uni�cação


(colonização) do mercado global por meio do sistema �nanceiro e comercial,
só que, por outro lado, provocou uma exacerbação das especializações produ-
tivas, ou seja, na escolha das localizações para aplicação de investimentos
produtivos é cada vez mais seletivo, na medida em que devem atender os cri-
térios impostos pelas forças hegemônicas.

Os lugares, portanto, se especializam, em função de suas virtualidades natu-


rais, de sua realidade técnica, de suas vantagens de ordem social, tornando-se
um elemento decisivo para a reprodução capitalista.

Assim, é importante destacarmos que, neste contexto, o espaço geográ�co


exerce um papel cada vez mais importante para a organização produtiva do
capitalismo, sendo um fator direto para a produção de mercadorias, meio para
a reprodução de capital e re�exo de uma estrutura econômica �nanceira �exí-
vel e de intensos �uxos de informação e tecnologia.

Estas condições contribuem para a�rmar o papel da geogra�a como ciência,


necessária à compreensão do mundo presente. Para Octavio Ianni (2001, p.
185):

A geogra�a e a história parecem entradas em um novo ciclo, adquirindo movimen-


tos inesperados e dimensões surpreendentes. Realidades geográ�cas e históricas
que pareciam estáveis ou ultrapassadas ressurgem, ao mesmo tempo que se dese-
nham novos mapas do mundo.

Assim, neste período de intensas e aceleradas mudanças econômicas que pro-


duzem alterações no conteúdo e nas formas espaciais, a Geogra�a Econômica
pode, certamente, contribuir muito para a análise da realidade.

A seguir, analisaremos os conceitos e os fundamentos ligados à Economia


Política que in�uenciaram a construção da Geogra�a Econômica. Desse modo,
conceituaremos questões norteadoras do processo econômico, como a oferta,
a demanda e os fatores da produção, para, em seguida, analisar as concepções
teóricas dos principais pensadores da economia política clássica, como Adam
Smith, Thomas Malthus, Karl Marx e John Keynes, que servirão de subsídio
para entendermos e analisarmos, de forma crítica, as transformações econô-
micas e a alteração no espaço empreendida pelo capitalismo.
3. Oferta, demanda e fatores da produção
A oferta constitui a quantidade de determinado bem econômico ou serviço,
colocado à venda pelo produtor, em certa unidade de tempo, por preço estipu-
lado.

A oferta caracteriza-se como uma aspiração à venda, não podendo, dessa for-
ma, ser confundida com a venda efetiva.

Observe o texto seguinte:

A oferta é composta por uma série de produtos, commodities e serviços, escassos


ou não, colocados à disposição por grupos de fornecedores para outros grupos, cha-
mados de consumidores. Estes estabelecem uma demanda por esses bens, depen-
dendo da posição de preços competitivos, de qualidade e quantidades disponíveis.
Os bens são apresentados em um lugar denominado mercado (RASMUSSEN, 2006,
p. 21).

Pode-se, então, a�rmar que a oferta está associada à produção, mais especi�-
camente à necessidade de produzir, que, para tanto, utiliza-se dos fatores de
produção. Esses, na acepção clássica, caracterizam-se como a Natureza ou os
recursos naturais, o capital e o trabalho.

A Natureza ou os recursos naturais (também conhecidos como "Terra") e o tra-


balho seriam fatores de produção "originários", porque o capital deriva da
Natureza e do trabalho. Esses fatores são utilizados amplamente para satisfa-
zer as necessidades do gênero humano, tendo, desse modo, in�uência direta
na produção.

Mesmo com o avanço do conhecimento, em especial o tecnológico, a Natureza


permite os mais diversos tipos de produção em inúmeras condições, pois ofe-
rece gêneros alimentícios e matérias-primas necessárias para o desenvolvi-
mento econômico. Desse modo, a Natureza con�gura-se como a representação
de todos os recursos naturais do planeta Terra que podem ser utilizados e/ou
transformados pelo homem.
Na busca pela satisfação, o gênero humano, mesmo dispondo de recursos na-
turais tão abrangentes, necessitou, desde seu primórdio, desenvolver técnicas
e ferramentas, como, por exemplo, para caçar, pescar, plantar etc., empreen-
dendo, assim, o fator de produção denominado trabalho.

Conclui-se que o trabalho representa os recursos humanos utilizados na


transformação dos recursos naturais para a produção de bens que tragam me-
lhoria às condições de vida. Assim, as condições materiais de existência e de
reprodução da sociedade são propiciadas pela interação entre trabalho e
Natureza, ou seja, o gênero humano transforma os recursos naturais em pro-
dutos que visam atender suas necessidades.

A caracterização de trabalho citada anteriormente distancia-se e diferencia-se


das atividades determinadas pela Natureza, con�gurando um novo tipo de ati-
vidade na qual sua prática se torna exclusiva de uma espécie animal.

De acordo com Netto e Braz, essa diferenciação se dá:

Em primeiro lugar, porque o trabalho não se opera com uma atuação imediata so-
bre a matéria natural; diferentemente, ele exige instrumentos que, no seu desenvol-
vimento, vão cada vez mais se interpondo entre aqueles que o executam e a maté-
ria. Em segundo lugar, porque o trabalho não se realiza cumprindo determinações
genéticas; bem ao contrário, passa a exigir habilidades e conhecimentos que se ad-
quirem inicialmente por repetição e experimentação e que se transmitem median-
te aprendizado. Em terceiro lugar, porque o trabalho não atende a um elenco limita-
do e praticamente invariável de necessidades, nem as satisfaz sob formas �xas; se
é verdade que há um conjunto de necessidades que sempre deve ser atendido (ali-
mentação, proteção contra intempéries, reprodução biológica etc.), as formas desse
atendimento variam muitíssimo e, sobretudo, implicam o desenvolvimento, quase
sem limites, de novas necessidades (NETTO; BRAZ, 2008, p. 30-31).

Devemos compreender que o fator de produção trabalho diz respeito à ativida-


de desenvolvida pelo gênero humano, ou seja, é o trabalho humano. As máqui-
nas, a indústria, ou mesmo os animais utilizados para o desenvolvimento de
alguma atividade não podem ser considerados trabalho, mas, sim, o terceiro
fator de produção denominado capital.
O capital representa as instalações e os equipamentos, tais como indústrias,
máquinas, ferramentas etc., aplicados na produção na tentativa de geração de
riquezas. O dinheiro pode ser considerado capital quando representa a fonte
de �nanciamento para compra de bens de produção (insumos), ou seja, apenas
sua existência ou acumulação especulativa não con�gura capital.

Após caracterizarmos a oferta, a demanda e os fatores da produção, no próxi-


mo tópico, vamos analisar alguns dos principais pensadores da Economia
Política Clássica, veri�cando os desdobramentos dados por eles para tais fun-
damentos e suas perspectivas de desenvolvimento. Acompanhe!

4. Os clássicos da economia política


Em qualquer ciência que busca teorizar a vida social, procedimentos, metodo-
logias e análises estão ligados a interesses particulares ou de um agrupamen-
to de pessoas, empreendido em determinado período histórico.

Por esse motivo, devemos fazer uma apresentação das concepções clássicas
da economia política para que elas sejam visualizadas não somente sob pers-
pectivas e fundamentações teóricas, mas também sob in�uência de suas per-
cepções na alteração do espaço social, com base nas mudanças constantes no
sistema capitalista.

Vejamos a seguir as ideias de alguns teóricos da área:

Adam Smith (1723-1790)


Adam Smith nasceu na Escócia, em 1723. Iniciou seus estudos na cidade de
Kirkcaldy, para, em seguida, ingressar na Universidade de Glasgow e, depois,
em Oxford, onde estudou Filoso�a e Teologia.

Como aponta Hugo Cerqueira:


A história da recepção do pensamento de Smith pode ser representada como uma
sucessão de períodos em que se alternam momentos de maior e de menor prestígio
e, sobretudo, em que se modi�cam e se acrescentam as perspectivas a partir das
quais sua contribuição foi apreciada (CERQUEIRA, 2003, p. 2).

Para elaborar sua teoria, Adam Smith fez uma análise investigativa acerca
das causas da riqueza das nações, o que deu origem ao título de sua principal
obra Riqueza das nações. Essa tornou-o um dos mais importantes pensadores
liberais, passando a ser considerado o pai da Economia Política. Nela, Smith
teorizou a origem do valor, bem como a questão do preço do trabalho.

Nessa obra, Adam Smith utilizou-se de concepções de localização, tendo em


vista sua abordagem e seu interesse nos diferentes níveis de riqueza dos paí-
ses e/ou regiões, mencionando, assim, os fatores geográ�cos.

Com efeito, Adam Smith distinguiu a concepção de valor das mercadorias,


apresentando a ideia de um valor de uso e um valor de troca para elas.

Para ele, o valor de uso estaria ligado à utilidade do bem em si, enquanto o va-
lor de troca estaria associado à capacidade de esse bem ser trocado por outros
no mercado.

Nesse contexto, Drouin destaca que:

Numa sociedade pouco desenvolvida em termos econômicos, o valor de troca de


um produto é essencialmente de�nido pela quantidade de trabalho necessário para
sua realização. [...] Numa sociedade mais desenvolvida, isso passa de maneira to-
talmente diversa. O preço ou o valor de troca de uma mercadoria já não deriva ape-
nas do trabalho humano incorporado ao produto, pois outros fatores de produção
intervêm na fabricação das várias mercadorias, como a terra, as matérias-primas e,
sobretudo, o capital (DROUIN, 2008, p. 12).

Com base nessa concepção, Adam Smith desenvolveu sua teoria de divisão do
trabalho, apresentando que essa forma aumenta a produção e a produtividade.
Para tanto, a�rmou que a divisão do trabalho, visto que se especializa para
uma função, aumenta a produtividade de cada trabalhador. Essa divisão eli-
mina o tempo desperdiçado com a troca dos materiais necessários para co-
meçar uma nova função, tornando o trabalho mais efetivo.

Além disso, a�rmou que o trabalhador, ao tornar-se especialista em uma fun-


ção, passa a conhecer melhor seu trabalho e, partindo disso, desenvolve ins-
trumentos que possam otimizar seu tempo na realização dele.

Smith enfatizou que surgiram "pesquisadores" que observaram a sistemática


da produção, objetivando sua melhoria e ocasionando, assim, a invenção de
equipamentos.

O grande aumento da quantidade de trabalho que, em consequência da divisão do


trabalho, o mesmo número de pessoas é capaz de executar deve-se a três circuns-
tâncias: primeira, o aumento de destreza de cada um dos trabalhadores; segunda, a
possibilidade de poupar o tempo que habitualmente se perdia ao passar de uma ta-
refa a outra; e, �nalmente, a invenção de um grande número de máquinas que faci-
litam e reduzem o trabalho, e tornam um só homem capaz de realizar o trabalho de
muitos (SMITH, 1983, p. 83).

Com efeito, Smith apontou que a divisão do trabalho, descrita por ele como ex-
tremamente bené�ca, não advém das faculdades intelectuais e sabedoria hu-
mana colocadas ao impulso de atingir a opulência, mas, sim, da tendência na-
tural do gênero humano para a troca, fato anterior à própria circulação de
bens.

Desse modo, de acordo com ele, a divisão do trabalho, fonte de riqueza das na-
ções, está intrinsecamente ligada ao tamanho do mercado e à disposição para
troca e, para tanto, surge a necessidade, na busca do desenvolvimento, de que
a sociedade institucionalize a troca entre seus agentes produtivos, fazendo
que essa sociedade torne-se mercantil.

Nesse contexto, a concepção de mercado para Smith ultrapassa a concepção


de espacialidade das trocas, uma vez que, ao permitir a harmonia de interes-
ses comumente contraditórios dos indivíduos, torna-se um consenso social.
Para Drouin:

O jogo do interesse pessoal, numa coletividade em que todos os indivíduos são mo-
tivados de maneira idêntica, leva à concorrência. Esta leva à produção dos bens de-
sejados pelo conjunto dos agentes econômicos, a preços aceitos pela maioria. Cada
indivíduo motivado pela busca de suas aspirações pessoais é incentivado a respon-
der à demanda dos outros, com o objetivo de extrair de sua atividade o maior bene-
fício possível. É o que Smith chama de "mão invisível, que guia os interesses e as
paixões individuais na direção mais favorável aos interesses de toda a sociedade"
(DROUIN, 2008, p. 21-22).

A livre concorrência dos produtos no mercado acarretaria preços justos, uma


vez que o vendedor, no intuito de lucrar rapidamente, eleve os preços de seu
produto, levará o consumidor a comprar o mesmo produto de quem tiver o
preço mais acessível, fazendo-o rever seus preços ou entrar em ruína, acarre-
tando, assim, o princípio da .

Quanto ao Estado, Smith entendeu que sua função consiste na defesa do terri-
tório e na manutenção dos princípios de justiça, ou seja, na proteção dos indi-
víduos em sociedade, bem como nas atividades econômicas sem iniciativa
privada, em razão de essas atividades não representarem lucratividade, desde
que sejam necessárias à população.

Além disso, a manutenção desse Estado deve ser feita por meio de um sistema
tributário que não penalize os setores produtivos.

Cabe também ao Estado, na visão smithiana, manter o exercício da livre con-


corrência no mercado, coibindo a formação de monopólios duradouros.

Entretanto, deve-se salientar que:


[...] é possível observar que, apesar de Smith ser consensualmente associado à li-
berdade econômica, há muitas distorções na visão mais corrente sobre o autor no
que concerne ao signi�cado que esta assumiu em sua obra e às razões que ele
aponta para a sua defesa. Não há como negar que Smith criticou duramente as di-
versas regulamentações e privilégios encampados pelos Estados nacionais de sua
época e contrapôs a este conjunto de intervenções o seu "sistema de liberdade na-
tural". No entanto, as interpretações usuais sobre as razões pelas quais Smith rejei-
ta o "intervencionismo" e defende o "liberalismo" são anacrônicas, estando muito
mais relacionadas a concepções atuais sobre o funcionamento dos mercados do
que à visão que Smith tinha da economia e sociedade no �nal do século XVIII
(MATTOS, 2007, n. p.).

Thomas Robert Malthus (1766-1834)


O economista e religioso Thomas Robert Malthus, considerado teórico da su-
perpopulação, nasceu na Inglaterra. Sua trajetória foi marcada pelo estudo da
Matemática e Literatura em Cambridge e, depois, pelo sacerdócio, que o levou
a assumir uma paróquia em 1791. Ao assumir a função de sacerdote, Malthus
esteve em contato direto com a realidade social da época e a situação em que
se encontravam as classes trabalhadoras muito marcadas pelo processo de
industrialização.

Na época, a jornada de trabalho na Inglaterra era de 14 a 18 horas, com a insig-


ni�cante parada de 20 minutos para uma refeição, o que acabara por ocasio-
nar, dentre outros fatores, intensos protestos por toda a metade do século 19.

Toda essa convivência com os problemas sociais remeteu-o aos estudos da


Economia Política, fato este que o levou a se tornar professor de História e
Economia numa Faculdade fundada pela Companhia das Índias, em
Haileybury.

Malthus foi autor da teoria que enfatizava, sobretudo, a defasagem entre o


crescimento populacional e a produção agrícola e, assim como Adam Smith, é
um dos principais representantes da Escola Clássica Inglesa.
In�uenciado pelo espírito do iluminismo, favorável à idéia de progresso social,
Malthus inicialmente defendia uma redistribuição de renda entre as populações
mais desfavorecidas. Mas a extensão da pobreza e o espetáculo cotidiano da misé-
ria o levaram a rever suas posições éticas e a orientar suas re�exões para um mai-
or pragmatismo econômico (DROUIN, 2008, p. 56).

As análises de Malthus tinham como base o crescimento da população e seu


contexto na economia. De acordo com seus relatos, o excesso populacional se-
ria a causa dos males da sociedade, pois a superpopulação geraria uma explo-
são demográ�ca que encontraria sérios obstáculos na disponibilidade de re-
cursos alimentares, ocasionando a generalização da pobreza e problemas de
ordem social.

Em suas obras, Malthus fazia exposições sobre uma maneira de distribuir os


valores econômicos de uma forma justa. Suas explanações eram marcadas,
sobretudo, pelo pessimismo em relação ao futuro da economia britânica.

Desse modo,

Malthus, que tinha consciência da imensa miséria e pobreza das massas inglesas,
que mantiveram famílias com 20 �lhos, dos quais somente 20% chegavam à idade
de 10 anos – o restante morria de fome ou doença –, prognosticou um futuro mais
pessimista em relação ao desenvolvimento populacional da Inglaterra, bem como
as conseqüências macroeconômicas e microeconômicas para a nação inglesa e
para o mundo (RASMUSSEN, 2006, p. 71).

Assim, Malthus publicou uma série de estudos que enfatizava a preocupação


com o crescimento demográ�co acelerado e a relação deste com o bem-estar
populacional. Entre suas obras, estão:

1. An essay on the principle of population (Ensaio sobre a população) (pri-


meira edição anônima em 1798, segunda edição com o nome do autor em
1803).
2. An inquiry into the nature and progress of rent (Investigação sobre a na-
tureza e a evolução da renda) (1815).
3. Principles of political economy: considered with a view to their practical
application (Princípios de economia política: considerações sobre sua
aplicação prática) (1820).
4. The measure of value (A medida de valor) (1823).
5. De�nitions in political economy (De�nições em economia política) (1827)
(DROUIN, 2008, p. 56).

Em suas explanações, Malthus buscava estabelecer relações entre as possibi-


lidades de evolução da produção agrícola e o aumento da população. De acor-
do com suas conclusões, o ritmo de crescimento populacional seria mais ace-
lerado que o ritmo de crescimento dos alimentos.

Dessa maneira, considerava que os bens de subsistência, extraídos da produ-


ção agrícola, cresciam em produção aritmética, enquanto o aumento da popu-
lação, que evoluía num ritmo mais rápido, dava-se em proporção geométrica
(progressão aritmética versus progressão geométrica).

Concluiu, então, que:

[...] adotando meus postulados como certo, a�rmo que o poder de crescimento da
população é in�nitamente maior que o poder que tem a terra de produzir meios de
subsistência para o homem (MALTHUS, 1982, p. 282).

Além disso, chegou à conclusão de que, no futuro, a população mundial conti-


nuaria a crescer, mas as possibilidades de aumento da área cultivada estariam
esgotadas, pois os continentes estariam ocupados pela agropecuária.

Para Drouin:

A produção agrícola é determinada pelo estabelecimento do valor das terras, consi-


derado sob o aspecto quantitativo (superfície agrícola útil) e o qualitativo (métodos
de cultivo). Do ponto de vista quantitativo, as terras cultiváveis estão limitadas pelo
espaço geográ�co do território nacional. Não tem extensão in�nita. [...] De um ponto
de vista mais qualitativo, Malthus se baseia na lei dos crescimentos decrescentes,
cuja paternidade foi atribuída ao economista e político francês Anne Robert Turgot
(1727-1781) (DROUIN, 2008, p. 57).
Malthus acreditava que o crescimento demográ�co iria ultrapassar a capaci-
dade produtiva da Terra, gerando fome e miséria. Por isso, defendia duas ma-
neiras para controlar o crescimento da população: aumento da taxa de morta-
lidade (fome, desnutrição, epidemias, doenças, pragas e guerra) ou interven-
ção humana com a redução da taxa de natalidade (proibição de que casais
muito jovens tivessem �lhos, controle da quantidade de �lhos por família nos
países pobres, aumento do preço dos alimentos e redução dos salários para
que populações mais pobres tivessem menos �lhos).

De acordo com Drouin:

[...] o primeiro deles, o obstáculo destrutivo, resulta das desgraças que atingem as
populações, como as fomes, as epidemias e as guerras. O obstáculo preventivo, me-
nos doloroso, é denominado por Malthus de "coerção moral" (DROUIN, 2008, p.
58-59).

Ainda rati�cando as di�culdades advindas da superpopulação e o seu desfa-


vorecimento, Malthus fez críticas às políticas assistenciais, condenando esse
modo de redistribuição que, conforme seu ponto de vista, só agravaria a pobre-
za.

Nesse contexto, Gennari (2012, p. 4) acrescenta que:

A discussão de Malthus sobre população alimentou seus argumentos acerca da po-


lêmica lei de amparo aos pobres de seu tempo. Nesse aspecto particular, há uma
obsessão moral de Malthus contra os costumes da classe operária, principalmente
no que tange ao hábito de tomar cerveja. Essas idéias de Malthus inspiraram mui-
tos economistas conservadores modernos na elaboração de suas teorias acerca da
impossibilidade e inutilidade de uma política de bem-estar social que tivesse no
seu cerne a distribuição de renda. Para que distribuir renda se os pobres amorais
gastariam todo o acréscimo de renda em futilidades, vícios e orgias? Seria melhor
manter a renda concentrada, pois pessoas frugais iriam poupar o excedente que
transformar-se-ia em investimentos e progresso geral da sociedade.

Esses argumentos têm como base a concepção de que a transferência de ren-


da que não cria riquezas ocasionaria um aumento de preços e, consequente-
mente, in�ação por demanda, uma vez que o aumento da demanda por víve-
res acabaria acarretando o aumento nos preços dos alimentos, havendo, as-
sim, prejuízo para todo o conjunto da sociedade.

Além disso, o aumento da riqueza, que, nesse sentido, para Malthus, era fanta-
siosa, criaria um estímulo ao aumento da população.

A doutrina malthusiana, abrangendo a ideia da importância da demanda efe-


tiva, pre�gurou o keynesianismo e teve prolongamentos até mesmo em situa-
ções recentes, como, por exemplo, a política do �lho único na China.

Em contrapartida, também sofreu críticas ao minimizar o papel do progresso


técnico na agricultura, pois observa-se que com as transformações tecnológi-
cas a produção de alimentos tornou-se imensa, sem citar o desenvolvimento
das trocas internacionais que pode compensar a insu�ciência da produção
agrícola.

Em suma, o desenvolvimento tecnológico na agricultura e a redução no cres-


cimento demográ�co mostraram que os receios de Malthus em relação à po-
pulação e à pobreza, embora aceitáveis e relevantes na história do capitalis-
mo, não se con�rmaram. Ao contrário da visão malthusiana, a agricultura não
é um obstáculo para o crescimento da população.

Entretanto, apontando a atualidade do pensamento malthusiano, Gentil


Corazza a�rma que:

[...] a atualidade da questão populacional e a polêmica da abordagem malthusiana,


seu caráter naturalista e darwiniano. A questão da pobreza é analisada como um
problema natural, e não como um problema social. Suas causas certamente não
são naturais, mas estão relacionadas com a estrutura econômica da sociedade.
Malthus levanta outras questões: a da demanda efetiva e da possibilidade de crises,
uma questão relevante e recorrente na história do capitalismo (CORAZZA, 2005, p.
16).

David Ricardo (1772-1823)


David Ricardo nasceu na cidade de Londres em 1772. Filho de judeus, começa-
ra a trabalhar com o pai aos 14 anos, na Bolsa de Londres. Aos 21 anos, casou-
se com uma cristã ortodoxa, fazendo com que seu pai o renegasse. Ricardo
tornou-se um renomado corretor, abrindo um escritório para assuntos �nan-
ceiros da bolsa londrina. Considerado um sucessor de Adam Smith, refez a te-
oria do valor-trabalho. Além disso, foi defensor do livre-câmbio e desenvolveu
a teoria das vantagens absolutas e das vantagens comparativas, sustento da
economia liberal.

Nesse contexto, veja o trecho seguinte:

David Ricardo é considerado o principal teórico da escola clássica inglesa.


Apoiando-se nos trabalhos de Smith, ele reformulou a teoria do valor-trabalho e
apresentou uma re�exão original sobre a repartição da renda, dos lucros e dos salá-
rios. Defensor do livre-câmbio, pronunciou-se contra as leis protecionistas do
Reino Unido, que impediam as importações de cereais a preços baixos, provenien-
tes do continente (corn laws). A ele se deve a célebre teoria das vantagens absolu-
tas, base de sustentação da análise liberal no campo das relações econômicas in-
ternacionais (DROUIN, 2008, p. 34).

No que tange à teoria do valor-trabalho, ele explica que uma parte do valor das
mercadorias apresentadas no mercado é fruto de dois fatores de produção: o
afazer humano, que por si só agrega valor, pois signi�ca a reprodução da força
de trabalho, e os bens de produção, ou seja, as ferramentas e as máquinas que
serão utilizadas pelo trabalhador no processo produtivo. Portanto, Ricardo ad-
mite que no valor das mercadorias esteja embutido o trabalho humano e suas
devidas técnicas utilizadas.

Ampliando a re�exão sobre essa teoria, ele revela que existe um grupo reser-
vado de produtos cujo valor não depende exclusivamente da quantidade de
afazeres necessários à sua produção, porém seu valor está materializado na
disposição de pessoas que queiram adquiri-los, ou seja, são bens considerados
"únicos".

Observe os trechos seguintes:


Algumas mercadorias têm seu valor determinado somente pela escassez. Nenhum
trabalho pode aumentar a quantidade de tais bens, e, portanto, seu valor não pode
ser reduzido pelo aumento da oferta. Algumas estátuas e quadros famosos, livros e
moedas raras, vinhos de qualidade peculiar, que só podem ser feitos com uvas cul-
tivadas em terras especiais das quais existe uma quantidade muito limitada, são
todos desta espécie. Seu valor é totalmente independente da quantidade de traba-
lho originalmente necessária para produzi-los, e oscila com a modi�cação da ri-
queza e das preferências daqueles que desejam possuí-los (RICARDO, 1982, p. 24).

Sobre o mesmo assunto, Drouin a�rma:

Assim como na teoria do valor-trabalho, o valor da mercadoria é determinado pelo


tempo de sua produção, imbuído nessa mesma lógica, Ricardo entende que a pro-
dução de moedas e a produção de papel-moeda devem ser controladas para evitar a
in�ação, pois o papel-moeda pode ser produzido com grande facilidade, ao contrá-
rio da moeda de ouro ou de prata, que se baseia na extração e na cunhagem do me-
tal. Dessa forma, ele entende que qualquer governo possa mandar imprimir um ex-
cesso de cédulas monetárias, causando sérios danos à economia (DROUIN, 2008, p.
40).

Dessa maneira, se não há limites na produção do papel-moeda, os bancos de-


vem tomar cuidado com os incentivos e as facilidades de créditos, pois quanto
mais as linhas de créditos se multiplicarem, maiores as chances de aumentar
o índice de in�ação, fazendo com que os preços das mercadorias elevem-se,
ao passo que haverá, também, a necessidade do aumento salarial dos traba-
lhadores.

Conforme Luchinger (2011), outra questão proposta por David Ricardo refere-se
à teoria do salário-lucro, em que o valor do trabalho humano depende dos pre-
ços dos meios de subsistência que permitam ao trabalhador reproduzir sua
força de trabalho, ou seja, quanto mais os preços dos mantimentos da alimen-
tação básica elevarem-se, maior deverá ser o salário dos trabalhadores, a �m
de que eles possam alimentar-se. Nesse momento, devem ser inclusas suas
famílias, pois eles necessitam de "energia" para dispor no trabalho, sendo "os
salários do mercado oscilantes a longo prazo, ao redor do centro de gravidade
dos salários de subsistência, que são os salários necessários para a manuten-
ção da vida".
Pensando nessa dinâmica, além de ser simpatizante com as ideias de Smith,
Ricardo destacou pontos favoráveis àquilo que seu amigo, Thomas Malthus,
tinha como concepção de mundo nesse momento histórico. Ambos são con-
cordantes que o desenvolvimento econômico é uma dualidade entre o cresci-
mento populacional e a expansão de alimentos.

Malthus, por exemplo, era um grande defensor da ideia de que a expansão de-
senfreada da taxa de natalidade desequilibraria a produção/distribuição dos
alimentos. Além dessa problemática, o controle da população faria com que o
salário do trabalhador se mantivesse em níveis mais elevados. Contudo, ainda
segundo Luchinger (2011), Ricardo também acreditava no controle da popula-
ção como um modo de manter os salários acima do mínimo da subsistência,
pois quanto maior é o número de trabalhadores, maior é a pressão sobre os sa-
lários.

Nesse contexto, Luchinger acrescenta que:

Ao se referir a isso, Ricardo cunhou o termo salário natural, com o qual o trabalha-
dor deve poder �nanciar seu próprio sustento e o de sua família. No caso de uma
economia estagnada, a família tem dois ou três �lhos. Caso a economia cresça, o
salário natural será mais elevado para que a população de trabalhadores, corres-
pondente às necessidades da acumulação de capital, também possa crescer
(LUCHINGER, 2011, p. 48-49).

Para haver equilíbrio na balança comercial de uma nação, ou seja, no comér-


cio exterior, David Ricardo coloca-se como defensor do livre-câmbio.
Exempli�cando melhor, tomemos como base a ideia que ele cria sobre a ques-
tão dos cereais:

Ricardo explica que se o preço dos cereais britânicos é muito alto, torna-se neces-
sário importar cereais mais baratos pelas relações comerciais internacionais. Para
ele, reduzir os preços dos produtos de base – entende-se o trigo como uma excelen-
te matéria-prima – seja como for, tornar-se-ia numa redução nos salários, como já
explicitado. Todavia, ele explica que é preciso diminuir, e até eliminar, os direitos
protecionistas que impedem a importação de trigo na Grã-Bretanha (DROUIN, 2008,
p. 41).
Com efeito, ao haver grande protecionismo ao trigo inglês, na visão de David
Ricardo, cria-se um obstáculo à produção estrangeira. A ideia é a de que se de-
ve crer no livre-câmbio como um programa para o bem da nação como um to-
do e entre as nações. Num sistema liberal, cada país deve empreender seu ca-
pital do modo como julgar necessário. Em outras palavras, pode-se a�rmar
que existe uma perspectiva na qual o interesse individual conduz ao bem-
estar de toda a sociedade, chegando-se à melhor distribuição e à maior econo-
mia, unindo-se os interesses comuns entre os países. Entretanto, Ricardo
complementa:

Num sistema comercial perfeitamente livre, cada país naturalmente dedica seu ca-
pital e seu trabalho à atividade que lhe seja mais bené�ca. Essa busca de vantagem
individual está admiravelmente associada ao bem universal do conjunto dos paí-
ses. Estimulando a dedicação ao trabalho, recompensando a engenhosidade e pro-
piciando o uso mais e�caz das potencialidades proporcionadas pela natureza,
distribui-se o trabalho de modo mais e�ciente e mais econômico, enquanto, pelo
aumento geral do volume de produtos, difunde-se o benefício de modo geral e une-
se a sociedade universal de todas as nações do mundo civilizado por laços comuns
de interesse e de intercâmbio (RICARDO, 1982, p. 97).

Entretanto, o teórico londrino desenvolveu outra visão chamada de lei das


vantagens comparativas, em que um país pode ter a preferência de importar
certos produtos que poderia fazer a custos mais baixos em relação ao dos paí-
ses exportadores, desde que tenha a perspectiva de conquistar o mercado de
outros produtos para exportação. Para explicar melhor, nos deteremos em ou-
tro exemplo: a troca do tecido inglês pelo vinho de Portugal:

Na Inglaterra, a produção de tecido exige o trabalho de cem operários durante um


ano, e a produção de vinho é realizada por 120 operários durante o mesmo período.
Em Portugal, a produção de vinho requer o trabalho de oitenta operários, e fabrica-
ção de tecido supõe o uso de noventa operários. Para os dois produtos, o tecido e o
vinho, a produção é mais econômica em termos de trabalho. No entanto,
especializando-se em vinho, Portugal pode comprar mais tecidos do que produziria
se desviasse uma parte de seu capital da vinicultura para a indústria têxtil. Cada
país opta pelo tipo de produção em que se destaca (DROUIN, 2008, p. 44).

Dessa forma, entendemos que, para ter uma maximização dos lucros, torna-se
necessário investir nas especi�cidades de cada país. Porém, estas mesmas es-
peci�cidades são determinadas por fatores importantes, por exemplo, a obten-
ção de algumas vantagens naturais, como clima, vegetação, solo e, também,
de vantagens arti�ciais, como tecnologias, ciência, entre outros.

Em suma, notamos que várias críticas foram direcionadas a David Ricardo por
outros autores, como no que concerne à teoria do livre-câmbio e à especi�ci-
dade de produção, em que as relações econômicas externas nem sempre re-
sultariam em crescimento e desenvolvimento econômico, além de desenvol-
ver uma ideia de troca desigual, principalmente entre países centrais e perifé-
ricos.

Em relação à teoria das vantagens comparativas, alguns autores apontam que


se o desenvolvimento econômico é desigual, os recursos naturais e os recur-
sos tecnológicos também serão, pois os países mais avançados, por meio de
sua acumulação de capital, podem reestruturar-se ao terem de�ciências em
tais recursos.

Em contrapartida, a visão liberal de David Ricardo espalhou-se pelo mundo


angariando muitos adeptos de tal ideologia econômica, fazendo com que ou-
tros teóricos desenvolvessem e validassem suas hipóteses. Nessa dinâmica,
Luchinger explicita que:

Hoje em dia, alguém como Ricardo coloca seu dinheiro em investimentos que apos-
tam na escassez de matérias-primas ou no envelhecimento das sociedades.
Ricardo não é espantosamente atual apenas nesse ponto. Suas declarações sobre a
estabilidade de uma moeda, o problema do endividamento do Estado ou a questão
de como surge o valor fazem parte do plano de aula de qualquer economista em
formação. A maneira e o método como ele desenvolveu sua teorias in�uenciam os
economistas até hoje. E quem procura por argumentos sobre os benefícios do co-
mércio internacional e da globalização do mundo, encontra os mais importantes
deles em David Ricardo (LUCHINGER, 2011, p. 44).

Karl Marx (1818-1883)


Karl Marx nasceu na cidade de Trèves, em 5 de maio de 1818, no sul da
Prússia, região onde, atualmente, se situa a Alemanha, próxima às fronteiras
francesas.

Marx estudou na Universidade de Bonn e, em seguida, na Universidade de


Berlim, onde a in�uência do pensamento de Georg Wilhein Friedrich Hegel
dominava o meio universitário. Nesse ambiente, Marx converteu-se a uma
concepção hegeliana de esquerda, como explica o trecho seguinte.

Os discípulos do �lósofo encontravam-se divididos. Uns se prendiam aos elemen-


tos conservadores da �loso�a hegeliana, à apologia do Estado prussiano, à defesa
da ordem constituída: eram hegelianos de direita. Outros procuravam aplicar o mé-
todo historicista do mestre à análise das questões sociais: eram os hegelianos de
esquerda (KONDER, 1999, p. 18-19).

Em 1841, Marx defendeu seu doutorado, no qual buscou o caminho do materia-


lismo na antiguidade grega. Debruçou-se, a partir desse momento, no estudo
da Filoso�a, do Direito, da História e da Sociologia. Atuou como redator-chefe
de um jornal liberal chamado Gazeta renana, no qual começou a tecer comen-
tários acerca dos interesses materiais.

Durante esse período, escreveu A Sagrada Família (1844) e a Ideologia Alemã


(1845), ambas com a colaboração de seu amigo Frederick Engels.

Já debruçado sobre as concepções econômicas, Marx elaborou a Miséria da


Filoso�a (1846-1847) e o Manifesto Comunista (1847). Essas obras, comumente
atribuídas à fase do "jovem Marx", uma vez que ele não atingira ainda os 30
anos de idade, anteciparam o que seria sua grande preocupação, uma análise
crítica da economia capitalista e seus desdobramentos, que culminou em sua
mais célebre obra: O (1867).

Em sua teoria, Marx apresentou a concepção de que as condições materiais de


toda a sociedade condicionam as demais relações sociais. Desse modo, torna-
se impossível separar a relação indivíduo-sociedade das condições materiais
em que ela se apoia.

Qualquer análise deveria recorrer às relações sociais estabelecidas pelos ho-


mens na utilização dos meios de produção no intuito de alterar a Natureza,
uma vez que são essas relações sociais de produção a base condicionante da
sociedade.

Todavia,

[...] as idéias nunca podem, por si mesmas, superar um determinado estado de coi-
sas: podem apenas superar as idéias desse estado de coisas. Idéias superam idéias
e não, automaticamente, situações materiais. "As idéias nunca podem realizar na-
da", assinalou Marx, "pois para a realização das idéias é preciso que os homens po-
nham em ação uma força prática" [...] o pensamento está ligado à prática, e é no uso
social que ele prova sua e�cácia, a sua qualidade (KONDER, 1999, p. 48).

Simultaneamente, com base na Filoso�a hegeliana, Marx apresentou sua con-


cepção dialética, alicerçada nos princípios de contradições e de antagonismo
e, como apontado anteriormente, se para Hegel as contradições só podiam ser
resolvidas na Filoso�a, para Marx, elas só encontrariam solução na ação his-
tórica e social. Sua concepção materialista histórica dialética pressupôs que a
existência precede a consciência.

De acordo com Konder (1999),

Marx aprendeu com Hegel, pela leitura de seus livros, que na lógica formal a con-
tradição é sempre a manifestação de um defeito. Aprendeu, também, que a lógica
formal tem seus limites de validade e que nem todos os problemas da existência
humana estão sob a jurisdição da lógica formal. Na vida, a contradição não é mera
manifestação de um defeito, é uma realidade que não se pode suprimir.
Determinadas contradições surgem, outras desaparecem (são superadas), mas há
sempre algumas contradições pendentes de solução. [...] Hegel, todavia, com seu
método dialético, ensinou que os seres e as coisas existem em permanente mudan-
ça, entrosados uns com os outros, e que só é possível compreendê-los se desde o
início forem consideradas as suas ligações recíprocas (KONDER, 1999, p. 43-44).

O materialismo, como salienta Plekanov (1989), colocou a dialética sobre "seus


próprios pés", retirando, assim, o véu místico que a envolvia em Hegel e, as-
sim, demonstrou o caráter revolucionário da dialética.
Em sua forma mística, diz Marx, a dialética se tornou moda alemã, porque ela pare-
cia glori�car o estado de coisas existente. Em sua forma racional, a dialética não é,
aos olhos da burguesia e de seus porta-vozes doutrinários senão escândalo e hor-
ror, porque, além da compreensão da negação, da ruína necessária do estado de
coisas existentes; porque ela concebe toda forma no �uxo do movimento, portanto
sob seu aspecto transitório; porque ela não se inclina diante de nada e porque ela é,
por sua essência, crítica e revolucionária (PLEKANOV, 1989, p. 97-98).

A revolução vai além das manifestações de vontade dos revolucionários, uma


vez que em sua "dialética racional" (crítica e revolucionária) ela está escrita na
história real e, consequentemente, está também na lógica que a desvenda.

Para Marx, as contradições na sociedade capitalista seriam enormes, mas a


principal contradição, uma vez que afetaria de maneira mais constante os in-
divíduos, seria a divisão de classes, mais notadamente entre o proletariado e a
burguesia. Apontou, ainda, que tal contradição con�gurou-se como essencial
ao sistema capitalista, sendo necessária a ascensão revolucionária da classe
operária para sua superação, originando, assim, a sociedade socialista.

Leia com atenção o trecho seguinte.

O sistema social hegemônico que se estabeleceu torna-se uma tese que gera dentro
de si uma antítese. Do choque dialético entre esses dois pólos sobrevém uma nova
situação histórica, uma síntese, que ainda carrega em si elementos do velho (tese) e
do novo (antítese), que se instala, por sua vez, como tese novamente, dando curso
ao processo histórico. Essa de�nição �losó�ca levou Marx a uma concepção que
via nessa luta de opostos, que ele denominou luta de classes, o motor da História,
nos sucessivos embates entre modos de produção distintos, o �o condutor dos pro-
cessos de mudança social (FERREIRA, 2001, p. 55).

Marx não descobriu as classes e suas contradições, tal análise já havia sido
empreendida em seu tempo. Na verdade, ele desenvolveu a ideia de como as
classes sociais têm papel preponderante na evolução histórica das socieda-
des, uma vez que, para ele, como as classes sociais se de�niam pela proprieda-
de dos meios de produção, a luta delas tornar-se-ia o motor da História.
Veja o que pensa mais um autor a respeito desse assunto:

É famosa a este respeito a descrição de O manifesto sobre a expansão, ao mesmo


tempo destrutiva e criadora, da burguesia. Tão famosa, aliás, quanto as suas anota-
ções, no mesmo texto, sobre a emergência e as perspectivas revolucionárias do pro-
letariado. "A burguesia só pode existir sob a condição de revolucionar incessante-
mente os instrumentos de produção e, por conseqüência, as relações de produção, e
com isso todas as relações sociais." Deste modo, descrever uma classe social é, nos
marcos da sociedade moderna ou da transição da sociedade moderna, descrever a
sua capacidade de derrubar uma ordem e criar outra. Descrever uma classe é
confrontá-la com sua "tarefa" revolucionária. No caso da burguesia, esta capacida-
de de expansão destrutiva e criadora acaba por estabelecer as condições de sua
própria destruição. A burguesia acaba por "produzir os seus próprios coveiros", ou
seja, o proletariado (WEFFORT, 1996, p. 233).

No modo de produção capitalista, a classe burguesa detém os meios de produ-


ção, ou seja, o capital se opõe à classe proletária que dispõe, unicamente, de
sua força de trabalho. Essa relação caracteriza-se, no sistema produtivo, por
meio da exploração do trabalho pelo capital.

Marx, em sua obra O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte (2003), de�niu di-
versas classes sociais, como burguesia, pequena burguesia, proletariado, e
também frações de classes, como burguesia �nanceira e burguesia industrial,
mas suas análises sempre se pautaram na questão de que as classes se vincu-
lariam aos meios de produção, mais especi�camente, à propriedade dos meios
de produção.

Observe mais um trecho de outra obra de Marx:

As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes; isto é, a


classe que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força
espiritual dominante. A classe que tem a sua disposição os meios de produção ma-
terial dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual, o que faz com que
a ela sejam submetidas, ao mesmo tempo e em média, as idéias daqueles aos quais
faltam os meios de produção (MARX, 1989, p. 72).

Outro conceito desenvolvido por Marx foi o de alienação, elaborado com base
nas leituras de Hegel, culminando com a análise das condições do proletaria-
do no capitalismo, uma vez que, nesse modelo de sociedade, ele perdeu a pos-
se de sua força de trabalho, porque ela se tornou mercadoria como qualquer
outra, sendo vendida no mercado na esteira da oferta e da procura, em sua
complexa variação.

Dentro desse processo, ao vender sua força de trabalho em troca de pagamen-


to em forma de salário, o trabalhador alienou-se em relação ao seu trabalho e
foi alienado por ele, simultaneamente, o que ocasionaria outra alienação rela-
cionada a si mesmo, acarretando, dessa forma, a perda da dignidade humana.

Para Marx, apenas a revolução social, levando os trabalhadores a tomar o con-


trole dos meios de produção e, consequentemente, abolir o sistema assalaria-
do, poderia resgatar o princípio coletivo do trabalho social.

Nesse contexto, acrescenta-se que:

No sistema atual, o trabalhador produz bens que não lhe pertencem e cujo destino,
depois de prontos, escapa ao seu controle. O trabalhador, assim, não pode se reco-
nhecer no produto do seu trabalho, não pode encarar aquilo que criou como fruto
da sua livre atividade criadora, pois se trata de uma coisa que para ele não terá uti-
lidade alguma. A criação (o produto), uma vez que não pertence ao criador (o operá-
rio), se apresenta diante dele como um ser estranho, uma coisa hostil, e não como
resultado normal da sua atividade e do seu poder de modi�car livremente a nature-
za (KONDER, 1999, p. 34).

Marx denominou esse processo de alienação do trabalho, ou seja, o processo


no qual o trabalhador exerce sua atividade criadora em condições impostas
pelo capital e pela divisão social de classes e é sacri�cado do produto de seu
trabalho.

Os regimes nos quais os meios sociais de produção são privados (em especial,
o capitalismo) levam os homens a serem transformados em meros meios de
produção na geração da riqueza particular. E, dessa forma, o trabalhador está
condicionado ao produto e a suas exigências (exigências do capitalismo relati-
vo ao mercado, mais especi�camente, na venda do produto), ao invés da cria-
ção livre do produtor. Assim, a superação da alienação estaria em torno da
abolição da propriedade privada e do trabalho estranhado.

Pode-se destacar que:

A alienação do trabalho nos Manuscritos é analisada como: a) estranhamento do


operário do produto do trabalho; b) estranhamento da atividade produtiva, que de
primeira necessidade se tornou atividade coatá; c) estranhamento da essência hu-
mana enquanto a objetivação do gênero humano está degradada em atividade ins-
trumental em vista da mera existência particular; d) estranhamento dos homens
entre si em relações de antagonismo e concorrência (BOBBIO; MATEUCCI;
PASQUINI, 2004, p. 21).

Outro conceito importante apresentado por Marx é o de mais-valia. Tal con-


ceito compreende o valor criado no trabalho empreendido pelo trabalhador e o
valor pago por ele em forma de salário. Depois de �nalizado o produto e pago o
salário ao trabalhador, deve sobrar um saldo que con�guraria a mais-valia.

Essa mais-valia é apropriada pelo capitalista que, dessa forma, toma para si
um valor gerado pelo trabalho empreendido pela classe proletária.

Para Ferreira (2001, p. 56):

[...] Marx denominou este processo de exploração, uma vez que ele entendeu ser a
taxa da mais-valia a expressão concreta do grau de exploração a que os assalaria-
dos são submetidos em função da venda de sua força de trabalho. Esse conceito foi
elaborado com base em uma de�nição que �cou conhecida como teoria do valor,
que, grosso modo, entende por valor a quantidade de trabalho social incorporada a
uma mercadoria, esclarecendo que esse tipo de trabalho refere-se ao tempo neces-
sário a sua produção.

A mais-valia não deve ser confundida apenas com o lucro do capitalista. Marx
apontou que esse seria apenas uma parte da mais-valia. Em sua análise
econômica, ela abrangeria, também, o dinheiro que ele é obrigado a reservar
para o funcionamento e desenvolvimento de seu negócio, bem como qualquer
tipo de juros e rendas que a propriedade possa auferir.
Analise o trecho seguinte.

Uma coisa, porém, é certa: "toda mais-valia – seja qual for a forma especí�ca em
que ela se cristalize (lucros, juros, rendas etc.) – é sempre, substancialmente, a ma-
terialização de tempo do trabalho não pago".

Quer dizer: no âmbito do trabalho, o que é mais-valia para o capitalista é sempre


minus-valia para o trabalhador (KONDER, 1999, p. 119).

Crítica marxista à economia política

Em relação à teoria econômica da divisão do trabalho, Marx e Smith analisa-


ram o comportamento da sociedade e dos seus agentes econômicos do ponto
de vista da produção e do consumo.

A expectativa que Smith tinha com a fragmentação do trabalho era que pu-
desse haver melhor desempenho quanto à quantidade produzida, quando se
reduzissem as tarefas no tamanho e na complexidade, essas designadas a in-
divíduos dentro de um processo produtivo.

Smith evidenciou as vantagens do princípio da divisão do trabalho ao a�rmar


que os operários especializados poderiam ser mais e�cientes, fabricando, por
exemplo, quantidades maiores de al�netes ao atuarem em apenas uma parte
da produção, em vez de fabricar o al�nete completo (teoria do al�nete).
Analisou, então, a importância da divisão do trabalho para desenvolvimento,
e�cácia e aumento da produtividade nas organizações.

Em contrapartida, Marx acreditava não apenas na divisão do trabalho como


meio para se alcançar a produção de mercadorias, mas considerava, também,
a divisão de tarefas entre os indivíduos e as relações de propriedade.

Para ele, a divisão do trabalho e a especialização das atividades em classes


eram, basicamente, a divisão dos meios de produção e da força de trabalho. A
divisão social do trabalho estava diretamente relacionada às oscilações do
mercado e à divisão manufatureira, o que faz que a força coletiva do trabalho
desenvolvida contribua para a dominação do capital e para uma concorrência
que gere aumento da produtividade.

De acordo com Drouin (2008, p. 82):

[...] a divisão do trabalho resulta em inúmeros efeitos perversos sobre a população


operária. Ocorre uma separação entre o agente produtivo e o produto do seu traba-
lho, uma sujeição do homem à maquina e aos ritmos impostos pelos proprietários
dos meios de produção. Privado do seu ofício, o operário se torna uma engrenagem
da indústria. O trabalho já não permite a integração do indivíduo ao corpo social.

Em se tratando do crescimento populacional proposto por Malthus, Marx


substituiu-o por uma lei demográ�ca própria do sistema capitalista que con-
testava a limitação e a maneira abstrata em que os estudos de Malthus foram
baseados. Argumentou sobre a necessidade de se evidenciarem as condições
econômicas e sociais diversi�cadas.

Sua teoria sustentou-se no fato de que a causa de uma superpopulação deve-


se à forma de produção capitalista e a seus respectivos sistemas econômicos
que geram excesso relativo de população. Conforme seus argumentos, na soci-
edade burguesa, a acumulação do capital faz que uma parte da população ope-
rária se torne inevitavelmente supér�ua; é a chamada superpopulação relati-
va. Essa população é a eliminada da produção, pois sua mão de obra é substi-
tuída pela automação industrial, gerando desemprego e ociosidade da classe
operária.

Logo, Drouin (2008) explica que Malthus subdividiu a classe operária em dois
subsetores: o exército ativo (os que trabalham) e o exército industrial de reser-
va (os desempregados). Essa população operária foi muito importante nos es-
tudos de Marx, que a colocou na lógica da exploração capitalista. Divergiu, as-
sim, das ideias de Malthus, quando a�rmou que a coerção moral poderia ser
um fator limitante do crescimento populacional.

Para Marx, a situação econômica no sistema capitalista tinha conexão com a


vida pessoal dos trabalhadores, ou seja, havendo a exploração capitalista, ha-
veria aumento da produção, aumento da automação, maior concorrência, au-
mento dos lucros, mas queda dos salários e aumento do desemprego.
Para poder analisar a evolução histórica e a transformação social, Marx de-
senvolveu modelos teóricos em que o centro das análises baseava-se no modo
de produção. O modo de produção pode ser de�nido como uma organização
social e econômica, desenvolvida por meio de forças produtivas e das relações
de trabalho, ou seja, a maneira como o homem age e interage com os indivídu-
os e a Natureza, a �m de conseguir satisfazer as suas necessidades.

Assim, sucederam-se modos de produção como: modo de produção escrava-


gista (sociedades antigas), modo de produção feudal (sociedades medievais) e
o modo de produção capitalista (sociedades industriais).

O modo de produção capitalista era o que mais chamava a atenção de Marx, o


qual ele dividia em duas classes distintas: uma que detinha os meios de pro-
dução e o dinheiro, e outra que vendia sua força de trabalho.

O modo de produção baseia-se em conjuntos de elementos em interação, sen-


do uma estrutura maior e global constituída de estruturas regionais: a estrutu-
ra econômica, considerada a infraestrutura; a estrutura política e a ideológica,
vistas como superestruturas. Pode-se a�rmar que a infraestrutura determina
a superestrutura, pois a base material da sociedade está relacionada com a
origem das formas políticas e de conteúdo ideológico.

Detalhando a infraestrutura e a superestrutura, a primeira representa a base


econômica constituída de matérias-primas, capital técnico e uso do trabalho
humano (forças produtivas). Esses, interligados por relações de produção e ge-
rando oposição entre os proprietários dos instrumentos de produção e os que
vendem sua força de trabalho. A superestrutura política e ideológica reproduz
as relações de produção evidenciadas pelas classes que, com a presença do
Estado fornecendo instrumentos coercitivos, perpetuam a dominação de uma
sobre a outra.

De acordo com a concepção marxista, essa diferença e subordinação entre as


classes sociais geram as lutas de classes que constituem a história da huma-
nidade. Conclui-se que o que determina uma classe é a dialética das forças en-
tre poderosos e fracos, opressores e oprimidos, ou seja, o lugar que elas ocu-
pam no modo de produção.
Para a luta de classes, a consciência de classe é determinante. Tal consciência
é atingida quando �ca clara a posição de classe, isto é, como cada indivíduo
deve posicionar-se no contexto social. Além disso, o avanço das forças produ-
tivas em escala cada vez maior faz que haja sucessivas crises e confrontos en-
tre classes antagônicas no modo de produção capitalista; consequentemente,
aumenta a "consciência de classe", ou seja, percebe-se que uma classe está
sendo explorada por outra, o que leva à defesa dos interesses especí�cos de
uma classe em relação a áreas econômica, política e social.

Tal fato ocorre, especialmente, quando o proletariado ganha consciência de si


como classe, assumindo, então, a responsabilidade de transformar a socieda-
de capitalista em sociedade de classe. Abre-se caminho para o socialismo que,
como descreve Drouin (2008, p. 93), se divide em duas fases distintas:

O socialismo inferior ou ditadura do proletariado se baseia na coletivização dos


meios de produção, necessária para o �m da exploração do homem pelo homem.
[...] Esse primeiro período é transitório.

O socialismo superior ou comunismo se caracteriza pela extinção do Estado, na


medida em que este, instrumento a serviço da classe dominante, não tem mais ra-
zão de ser, devido ao desaparecimento das classes sociais. A economia atinge a era
da abundância, quando cada um consumirá em função não de seu trabalho, mas de
suas necessidades.

Jonh Maynard Keynes (1883-1946)


O economista britânico Jonh Maynard Keynes nasceu em Cambridge, estudou
no colégio Eton, um dos mais famosos da aristocracia inglesa e, depois, no
King´s College, da Universidade de Cambridge, no qual foi aluno do economis-
ta Alfred Marshall.

Keynes foi funcionário do Ministério dos Negócios das Índias e, depois,


tornou-se assistente no King´s College, após defender sua tese sobre as teorias
da probabilidade em 1908. Posteriormente, foi chamado para várias missões
administrativas e, em 1916, ingressou no Tesouro Britânico, no qual exerceu
cargos importantes.
Após a Primeira Guerra Mundial, Keynes foi conselheiro da delegação britâni-
ca nas negociações de paz. No entanto, renunciou às suas funções argumen-
tando que discordava das compensações econômicas impostas à Alemanha
pelo Tratado de Versalhes. Então, após esse período, passou a escrever artigos
sobre os problemas econômicos da época e publicá-los. Foi reincorporado ao
Tesouro Britânico durante a Segunda Guerra Mundial e, em 1944, che�ou a de-
legação britânica na Conferência de Bretton Woods.

A crise de 1929 despertou em Keynes a necessidade de buscar respostas para


tal fato. Diante desse contexto, foi apresentada sua teoria no livro Teoria geral
do emprego, do juro e da moeda. Nesta obra, Keynes defendeu a ideia da inter-
venção do Estado na dinâmica econômica, proposta contrária aos princípios
do liberalismo.

Ao Estado cabia regular o mercado econômico pela inoperância deste na ad-


ministração de sua política. Com isso, a alternativa consistiu na gestão esta-
tal, o que não signi�ca a socialização nos meios de produção.

Desse modo,

[...] objetivando a estabilidade da economia européia e do próprio capitalismo,


Keynes apresenta uma proposição de reestruturação da ordem econômica mundial
centrada nos seguintes pontos: revisão do Tratado de Versalhes, principalmente
das questões pertinentes às reparações de guerra – mais especi�camente, Keynes
propunha o cancelamento das dívidas de guerra – a reorganização do comércio in-
ternacional em conformidade com a sistemática do livre-comércio e uma reforma
monetário-�nanceira internacional para assegurar uma maior elasticidade da li-
quidez internacional e estabilizar as taxas de câmbio [...] (FERRARI FILHO, 2006, p.
217).

As suas obras foram relevantes para o pensamento econômico, dando origem


a um dos principais paradigmas da ciência econômica: o keynesianismo.

Conforme esse ponto de vista, Jean-Claude Drouin aponta que:


[...] Opondo-se à ortodoxia liberal, Keynes mostrou os limites das re�exões neoclás-
sicas, sobretudo na questão do subemprego. Pronunciou-se também contra a teoria
quantitativa da moeda, como havia sido enunciada pelo economista norte-
americano Irvining Fisher (DROUIN, 2008, p. 114).

Em suas teorias econômicas, Keynes analisou a necessidade da interferência


do Estado nos mercados instáveis do pós-guerra e expressou tal ideia em qua-
tro principais livros que causaram bastante impacto político nas nações capi-
talistas:

1. The economic consequences of peace (As consequências econômicas da


paz) (1919).
2. Treatise on money (Tratado sobre a moeda) (1930).
3. Essays in persuasion (Ensaios de persuasão) (1931).
4. General theory of employment, interest, and money (Teoria geral do em-
prego, do juro e da moeda) (1936) (DROUIN, 2008, p. 114).

De acordo com a abordagem de Keynes, precisa haver interdependência entre


os diversos fatores que compõem o circuito econômico global, e não uma so-
ma de comportamentos individuais (consumo e poupança) ou estratégias de
grupos relativamente estritos (empresas).

Suas concepções acerca da economia apresentavam-se de maneira ampla e


propunham a intervenção estatal na vida econômica, com o objetivo de gerir e
gerar um regime de pleno emprego.

[...] Demos à nossa teoria o nome de "teoria geral" [...]. Com isso, quisemos apontar
que tínhamos em vista, sobretudo, o funcionamento do sistema econômico tomado
em seu conjunto, que tomávamos os rendimentos globais, os lucros globais, a pro-
dução global [...]. E cremos que se cometeu um grave erro ao estender para o siste-
ma tomado em conjunto conclusões que haviam sido corretamente estabelecidas
considerando apenas uma parte do sistema tomada isoladamente (KEYNES, 1936
apud DROUIN, 2008, p. 115-116).

Ainda conforme as teorias de Keynes, o ponto fundamental para compreender


a economia estava na observação dos níveis de consumo e investimento do
governo, das empresas e dos próprios consumidores. Desse modo, a doutrina
keynesiana aponta que, no momento em que as empresas tendem a investir
menos, inicia-se todo processo de retração econômica que propicia o estabele-
cimento de uma crise.

O modelo keynesiano contradisse o pensamento de clássicos que defendiam a


ideia de que a oferta cria a sua própria demanda. Para Keynes, não era a oferta
que gerava a demanda dos produtos criados, e sim a demanda que gerava a
produção.

Em relação ao pensamento malthusiano, Keynes também argumentou e fez


ampliações ao destacar os efeitos da poupança numa situação de subempre-
go. Suas teorias basearam-se no fato de que os consumidores aplicam as pro-
porções de seus gastos em bens e em poupança, tudo em função da renda; ou
seja, quanto maior a renda, mais se poupa.

Forma-se um ciclo em que a taxa de acumulação de capital aumenta e a pro-


dutividade e o investimento reduzem-se, pois o capital �ca parado. Há excesso
de poupança em relação ao investimento, o que faz que a demanda �que abai-
xo da oferta, e o emprego reduza-se para um ponto de equilíbrio no qual a pou-
pança e os investimentos �quem iguais. Por consequência, há redução dos
empregos criados e aumento da taxa de desemprego (Figura 1).

: Drouin, (2008, p. 117).

Figura 3 Fatores para o aumento do desemprego segundo Keynes.

Quanto à circulação de capital e à moeda, Keynes a�rmava que essa não é


neutra, ou seja, não é um simples veículo de troca; o dinheiro era garantia de
reserva de poder aquisitivo. Em suas explanações, contemplava uma econo-
mia monetária na qual o dinheiro tem função própria que afeta e motiva deci-
sões.
Ferrari Filho (2006, p. 220) comenta que:

A metáfora utilizada por ele sinaliza que, no curto prazo, variações no estoque de
moeda in�uenciam as expectativas do público e do sistema bancário em relação às
suas decisões de demanda por moeda e de expansão da oferta de crédito, respecti-
vamente, afetando, assim, o nível geral de preços.

Em relação à taxa de juros, Keynes rompeu com a visão clássica de que essa
regulava menos o mercado de capitais do que a oferta e a demanda de moeda
(as curvas de oferta e demanda são interdependentes). Para ele, a moeda atua-
va diretamente sobre a economia por meio das taxas de juros, que consistiam
em um prêmio pela renúncia à liquidez; e é determinada pela preferência à li-
quidez e pela quantidade de moeda em poder das autoridades monetárias.

Entretanto, advogou a concepção de que, havendo desemprego e instabilidade


econômica, deveria haver a baixa das taxas de juros para permitir um impulso
nos investimentos que determinam lucros e trazem um consequente cresci-
mento dos empregos.

A teoria clássica do desemprego também foi contestada por Keynes. A princí-


pio, o trabalho humano foi visto como uma mercadoria, e assim como qual-
quer outra, em relação ao mercado, tinha seu preço determinado pela oferta
(trabalhadores) e demanda (empregos).

Na obra Teoria do desemprego (Theory of unemployment), Arthur Cecil Pigou


(s/d), que trabalhou com Keynes em Cambridge, sintetizou que não há desem-
prego se houver necessidade de diminuição dos salários, com o intuito de
equilibrar a economia, ou seja, havendo diminuição dos salários, os preços das
demais mercadorias colocadas no mercado continuarão os mesmos, o que faz
os lucros aumentarem e, posteriormente, haverá necessidade de mais contra-
tações.

No entanto, Keynes contestava veementemente essa teoria, pois, para ele, ha-
vendo diminuição dos salários, também haveria diminuição dos preços, inal-
teração dos lucros e de empregos. Em suma, o que move a teoria keneysiana
são os empregos e os investimentos das empresas, logo, diminuição de salário
e desemprego acarretam perda do poder aquisitivo e redução das despesas de
consumo.

Keynes (1936) aponta:

Que a razão do desemprego típico de um período de depressão seja a recusa da mão


de obra em aceitar uma redução dos salários nominais é uma tese que não foi cla-
ramente demonstrada pelos fatos. Não é plausível a�rmar que o desemprego nos
Estados Unidos em 1932 decorreu da resistência obstinada da mão de obra à baixa
dos salários nominais, ou da vontade irredutível de obter um salário real superior
ao que lhe podia ser proporcionado pelo rendimento da máquina econômica. [...]
Esses fatos da observação formam, pois, um terreno preliminar onde se pode colo-
car em dúvida a fundamentação da análise clássica (KEYNES, 1936 apud DROUIN,
2008, p. 121).

Keynes defendeu a tese de que deve haver políticas econômicas que permitam
a volta ao pleno emprego, por meio de armas orçamentárias e monetárias que
ajudem a regulamentar a situação econômica. O Estado deve ampliar suas
funções e intervir na fase recessiva dos ciclos econômicos para evitar a des-
truição das instituições econômicas e manter o pleno emprego.

Tal procedimento poderia ocasionar o aumento das despesas públicas e o ris-


co de dé�cit orçamentário, no entanto, o que Keynes defendia é que essa situa-
ção seria apenas para conseguir um equilíbrio orçamentário e sustentar a ati-
vidade econômica. Além disso, em momentos de crise, deveria haver inter-
venção estatal que aumentasse a demanda efetiva por meio do aumento dos
gastos públicos. Esses gastos deveriam estar alicerçados na ideia de política
de grandes obras, com aumentos dos créditos orçamentários para saúde, edu-
cação e redistribuição de renda aos menos favorecidos: "Política econômica se
desdobra em política social" (DROUIN, 2008, p. 130). Entretanto, ainda que com
a ideia de ajuda e intervenção do Estado, Keynes não defendeu o socialismo do
Estado. Para ele, o Estado não deveria assumir a propriedade dos meios de
produção; sua intervenção seria temporária, e a sua gestão cessaria para o
mercado retomar seus direitos.

Dos estudos de Keynes, podemos concluir que seu objetivo era manter o cres-
cimento da demanda em igualdade com o aumento da capacidade produtiva
da economia, de forma a garantir o pleno emprego sem exageros para que não
houvesse in�ação.

Em resumo,

[...] as concepções teóricas e as proposições de política econômica de Keynes


voltaram-se, em grande parte, para a solução do desemprego e a eqüidade da renda.
Ao explorar diferentes temas de natureza econômica, tais como (i) causas e con-
seqüências das crises monetárias, (ii) �utuações de demanda efetiva e desemprego,
(iii) regime monetário-cambial apropriado às circunstâncias internacionais e (iv)
arquitetura da ordem econômica mundial, a análise revolucionária de Keynes foi
uma característica essencial. Ele não queria que o capitalismo sucumbisse; muito
pelo contrário, queria salvá-lo. Para tanto, rejeitando o capitalismo à la laissez-fai-
re, ele propõe um capitalismo regulado – liberal-socialismo – em que as disfun-
ções do mercado fossem supridas pela intervenção do Estado, por meio tanto de
políticas públicas quanto de naturezas normativas imprescindíveis para a constru-
ção de um ambiente institucional favorável às tomadas de decisões dos agentes
econômicos (FERRARI FILHO, 2006, p. 233).

De maneira geral, podemos concluir que, anos após ter exposto suas teorias,
elas ainda servem de base para buscar reverter os grandes problemas econô-
micos ocorridos no mundo, como aconteceu na década de 1930, momento em
que o capitalismo se encontrava em crise.

Nesse período, recorreu-se à doutrina de Keynes com o intuito de reequilibrar


a economia afastando as ideias do liberalismo clássico de não intervencionis-
mo estatal. Desse modo, muitos economistas defendem que os aspectos sobre
a economia de Keynes servem de mecanismo para resgatar e assegurar traje-
tórias de equilíbrio e crescimento econômico.

Nesse contexto, a�rma-se que:


[...] Keynes não se dedicou a um "caso" teórico. Seu objetivo era, ao contrário, suge-
rir que os fundamentos, para usar uma palavra tão ao gosto de economistas mais
convencionais, de uma economia empresarial não são adequadamente retratados
pela economia clássica. Para Keynes, os clássicos não conseguiam explicar a de-
pressão, realmente, mas também não conseguiam explicar os estados de euforia
dessa economia ou, mesmo, qualquer outro estado satisfatoriamente. Em sua visão
isto era uma consequência da inadequada identi�cação dos mecanismos funda-
mentais de operação de economias empresariais. É exatamente a importância da
compreensão correta desses mecanismos que se a�rma durante uma crise
(CARVALHO, 2009, p. 94-95).

Ainda acerca de sua atualidade, as obras de Keynes continuam produzindo re-


leituras que ganharam importância, ao ponto de serem denominadas de esco-
la do neokeynesianismo ou pós-keynesianismo.

Em linhas gerais, tal concepção apresenta-se como uma releitura teórica de


aspectos que foram "negligenciados" por Keynes, tais como a importância do
conceito de incerteza etc.

Com efeito, Rogério de Andrade (2000) aponta que:


[...] as seguintes características de�nem um "modelo" pós- -keynesianismo:

(i) a noção de que o sistema econômico é um processo que se move irreversi-


velmente no tempo histórico;
(ii) o papel de expectativas heterogêneas sob incerteza, um conceito diferente
de expectativas racionais sobre o risco probabilístico mensurável (um equi-
valente de certeza);
(iii) o papel de instituições na determinação da produção, do emprego e do ní-
vel de preços, tais como sistema �nanceiro e bancário, o dinheiro, contratos
legais, contratos salariais nominais, mercados futuros de ativos e bens e etc.;
(iv) as estruturas de distribuição da renda e do poder;
(v) o conceito de capital, enfatizando a) diferença, de um lado, entre capital
real e �nanceiro, e de outro, entre os mercados para cada um; e b) a não-
maleabilidade do capital real;
(vi) efeitos-renda predominam em relação aos efeitos-substituição: nem tudo
é substituto para tudo o mais;
(vii) a importância do atributo de liquidez ou as "propriedades essenciais da
moeda": dinheiro (e todos os ativos com elevado grau de liquidez) possui a)
elasticidade nula (ou negligível) de produção e b) elasticidade nula (ou negli-
gível) de substituição em relação a outros bens que possuem uma alta elasti-
cidade de produção, isto é, que são rapidamente ofertáveis, uma vez que mão
de obra e outros fatores são mobilizados (ANDRADE, 2000, p. 80).

Caracterizamos as ideias de alguns dos principais teóricos da Economia


Política Clássica. Suas análises irão subsidiar, a partir de agora, nossos estu-
dos das perspectivas da economia espacial.

Conheceremos agora, a teoria do valor e a sua relação com a produção do es-


paço geográ�co, tendo em vista que esse espaço é um produto histórico e soci-
al. Dessa forma, o assunto aqui foi desdobrado em mediações, especialmente
aquelas relacionadas às categorias teóricas em torno da Economia Política.

5. Espaço e valor: introdução


Você sabia que os séculos 17 e 18 foram muito promissores para as ciências
econômicas? Nesse período, começaram a surgir os grandes pensadores e es-
tudiosos que viriam a formular teorias que tentavam explicar a realidade
econômica da época partindo da observação da realidade vivenciada. Entre
outros, podemos destacar as contribuições de Thomas Malthus, John Law,
Stuart Mill, Adam Smith, David Ricardo e Jean Baptiste Say (MORAES et al.,
1987).

Além disso, em função das origens desses pensadores, na história da econo-


mia, duas foram as nações que se destacaram como precursoras do pensa-
mento econômico clássico, também conhecido como pensamento econômico
da burguesia: Inglaterra e França. A�nal, entre outras razões, há que se consi-
derar que a Inglaterra representa, em termos práticos (ou pragmáticos), o nas-
cedouro (século 17) da implantação, implementação e organização de um sis-
tema econômico moderno – o capitalismo – que iria suplantar, em termos de
construção e distribuição de riqueza, os sistemas anteriores, que �caram co-
nhecidos como economia primitiva, escravagismo e feudalismo. Inicialmente,
chamamos a atenção para alguns pontos que tal implantação acarretava e
vêm acarretando desde o início da industrialização, quais sejam:

1. desregulação ou não interferência do poder estatal no processo de produ-


ção capitalista;
2. restringir o papel do Estado, nessa nova economia (capitalista), a três
funções: defender a nação dos ataques externos, promover e assegurar a
justiça para todos e empreender obras sociais necessárias em que a
iniciativa privada, por si só, não conseguisse empreender;
3. o trabalho humano como causa da riqueza das nações;
4. a livre iniciativa de mercado;
5. a especialização do trabalho humano como meio de aumento da produti-
vidade;
6. a crença na existência da "mão invisível" como fator de autorregulação
de uma economia de mercado fortemente acionada pela competição (na
busca de preços competitivos, de ampliação do mercado de consumo, de
aferição de maiores lucros, de transformar cada vez mais a mão de obra
em uma mercadoria como outra qualquer existente no mercado)
(MORAES et al., 1987).

Mas, a�nal, qual a relação entre esses princípios e o pensamento e a prática


geográ�ca? Para respondermos a essa questão, inicialmente, devemos enten-
der o próprio pensamento econômico nos seus aspectos teóricos. Desse modo,
poderemos perceber que esse pensamento está voltado para uma área investi-
gativa da Geogra�a que diz respeito à exploração do espaço em geral e do ur-
bano em particular que os clássicos da economia tratam, indiretamente, como
.

Vale destacar que a compreensão e a construção teórica sobre a valorização


do espaço necessita de mediações re�exivas em torno de uma categoria refe-
rencial que tem sido objeto de atenção de todos os que se propõem a estudá-la:
o valor, também denominado valor-trabalho. Vamos considerá-la, aqui, a par-
tir de um ponto de vista crítico, aquele esboçado e exposto por Marx em mea-
dos do © Geogra�a Econômica 19. Além disso, vamos acompanhar as críticas
de Marx (e, também, de Engels) aos economistas teóricos da economia capita-
lista a partir do século 18.

Antes, porém, é preciso deixar claro que o fato de Marx se propor a uma visão
crítica aos clássicos da economia burguesa não signi�cava, para ele,
desmerecê-los. Ao contrário, eram constantes as a�rmações, explícitas ou su-
bentendidas, sobre a seriedade com que, segundo a visão marxiana, os seus
interlocutores tratavam daqueles pontos criticados, especialmente em se tra-
tando da relação trabalho, lucro e renda da terra.

Esses pontos estão atrelados à compreensão do que �cou conhecido como


Teoria do Valor ou Teoria do Valor-trabalho. Nos próximos parágrafos, nossas
atenções estarão voltadas para os desdobramentos ligados a essa Teoria.
Inicialmente, veremos um quadro de implicações teóricas e práticas que estão
articuladas com o pensamento econômico clássico e, posteriormente, vamos
esboçar outro quadro que se a�gura como crítica à economia clássica, tendo
como referenciais as contribuições teóricas de Marx e Engels.

A primeira referência ao valor-trabalho dá-se durante o século 17 com W.


Petty. Nesse século, ocorreu a implementação do mercantilismo, como vere-
mos mais adiante.

Os defensores da economia mercantilista, apontando-se, entre outros, W.


Petty, A. Montchretien e Tomas Mun, consideravam que o valor se confundia
com a moeda (MARX, 1983).

Nesse período, acreditava-se que a nação que tivesse o maior volume de ouro
impunha o valor do peso/ouro, como foi o caso da Espanha. E, como o ouro era
a moeda que tinha o trânsito entre as nações, o comércio passou a ser visto
como o meio de maior ou menor enriquecimento. Dessa forma, países como a
Inglaterra e a França produziam mercadorias para vender aos países que ti-
vessem ouro su�ciente para comprá-las; a Espanha era um desses países
mais fortes.

Nesse cenário, as nações que se punham a industrializar suas mercadorias


para o comércio, Claretiano - Centro Universitário © U2 - Teoria do Valor
Inglaterra e a França, vendiam os produtos por um preço maior do que valiam
e, assim, obtinham um excedente em ouro que Petty denominava .

De acordo com Marx (apud MORAES et al., 1987), além da categoria lucro, Petty
também fazia incursões teóricas para entender a verdadeira origem do valor,
ou seja, o trabalho dependido pelo trabalhador para produzir mercadorias.
Para Petty, a maneira correta de estabelecer o valor da moeda era estabelecer
o valor do trabalho e não da moeda em si. Mas, para tanto, o comércio, segun-
do ele, tinha de contar com o poder de Estado para estabelecer as regulações
nas transações comerciais entre as nações.

Já no século 18, destacam-se dois economistas: Adam Smith na Inglaterra e


Quesnay na França. Smith voltou suas atenções para a circulação das merca-
dorias, e Quesnay, para a análise em torno do processo de produção. De acordo
com Marx, os �siocratas (Quesnay, entre outros) foram os primeiros a investi-
gar o capital em todos os seus elementos e manifestações a partir da realiza-
ção do trabalho produtivo. Em outras palavras, Marx considerava-os os "ver-
dadeiros fundadores da moderna economia" (MORAES et al., 1987).

Para os �siocratas, o importante era descobrir e enunciar as "leis naturais" de


uma ordem econômica capaz de garantir a sua autorregulação (ou seja, aquilo
que Smith denominou "a mão invisível do mercado"). Essa concepção dos �si-
ocratas traz consigo os elementos constitutivos da própria etimologia da pala-
vra: em grego, a palavra "físeo" tem sentido de "natureza", e "crates", de regime;
daí a ideia de produção agrícola regida por leis da natureza sem necessidade
de acrescentar nada mais que a própria natureza propiciava: sementes, terra,
água, entre outros elementos. O que levou Marx a a�rmar, de certa forma nu-
ma visão crítica, que, para os �siocratas, o lucro ou "a mais valia é uma dádiva
da natureza".

Numa visão oposta à dos �siocratas, Smith entende que só o trabalho incorpo-
rado ao produto, qualquer que ele seja, é capaz de gerar lucro, independente-
mente de seu tipo, ou seja, tanto no campo quanto na cidade, por meio da in-
dústria.

Para ele, o lucro é apenas uma "decorrência natural do produto do trabalho".


Desse modo, o parâmetro para o valor será o trabalho; é a partir dele que se po-
de observar a extração do lucro, pois este é a parcela de trabalho não pago.

Pelas questões levantadas pelos economistas que destacamos anteriormente,


a problematização do tema em torno do rural e do urbano começa a despontar.
São pontos de importância não só para os economistas, como também para
outras áreas do conhecimento, tais como: a política, a saúde, a Geogra�a, a
educação, a , a Sociologia, a comunicação e a ecologia. A�nal, en-
tram em cena, nos debates que eles suscitam, os limites que circundam a inte-
gração entre valor, lucro e renda da terra.

Outro economista desse período, David Ricardo, contribuiu para o avanço de


alguns pontos nas teorias econômicas de seus predecessores. Ricardo entende
que o valor, o lucro e a renda estão envolvidos numa teoria integrada.

Mas, o que integraria esses três elementos? Para ele, o fundamento do valor na
produção burguesa, aquela produção na qual predomina o uso intensivo do ca-
pital, independentemente do uso da terra, dá-se por meio do tempo de traba-
lho. Assim, não basta se contentar em a�rmar que o lucro é resultado do traba-
lho no campo ou na cidade (indústria), mas é preciso estabelecer um pa-
râmetro único e válido para todas as situações em que o trabalho esteja em jo-
go, seja para o capitalista, seja para o trabalhador propriamente. A�nal, a que
trabalho estamos nos referindo?

O ponto de vista ricardiano insiste na maneira de se entender a distribuição


desse tempo no resultado �nal. O valor da mercadoria está tripartido entre o
tempo do trabalhador, o tempo que já veio embutido nas matérias-primas e
aquele tempo das máquinas e demais equipamentos. Nesse contexto, surge,
aqui, uma crítica aos �siocratas: estes se apegam ao aparente (a terra como
fonte de lucro), deixando de lado a totalidade, o tempo de trabalho distribuído
pelos diversos segmentos da produção. Para Ricardo, a conjunção desses tem-
pos incide no preço da mercadoria, na sua venda e no lucro auferido (MARX,
1983).

Embora Marx elogie o avanço da visão teórica de Ricardo em relação aos seus
predecessores, também chama a atenção para o fato de esse economista dei-
xar de lado ou não se ter apercebido que o capital, ou capitalista, acaba por
lançar mão de uma visão de trabalho que favorece, antes de mais nada, o pró-
prio detentor do capital do que àquele que apenas detém a sua mão de obra, ou
seja, o próprio trabalhador. É o chamado "trabalho abstrato". O salário torna-se
a mediação, qual seja: a de atender às necessidades de reproduzir o "trabalho
abstrato", que recai numa outra categoria não menos abstrata: "o trabalhador".
O salário visa à reprodução das energias para se restabelecer a mercadoria
conhecida como "mão de obra" e, assim, essa mercadoria estar sempre à dis-
posição do capital e da produção no campo ou na cidade (mais na cidade do
que no campo).

Seguindo essa linha de desvendamento e indo além de Ricardo, Marx constrói


as chaves que possibilitarão abrir outras portas. Essas chaves são importantes
para se entender a acumulação da riqueza e o seu uso para se reproduzir o tra-
balho abstrato. Segundo Marx (1983), o capital traz consigo duas frações: a
constante e a variável.

Entende-se por capital constante aquele que empregou o dinheiro nos meios
de produção (matérias-primas, também entendidas como capital circulante, e
maquinarias, também entendidas como capital �xo). Essas duas modalidades
de capital constante (o circulante e o �xo) são depositários de "trabalho mor-
to", que será reavivado pelo valor-trabalho. Assim, em relação à segunda fra-
ção do capital (o variável), trata-se da massa de dinheiro que o capitalista in-
veste na compra de uma mercadoria especial: a força de trabalho, que, ao ser
consumida durante o processo de produção, acaba por dar vida ao "trabalho
morto", representado pelo capital constante. Desse modo, as duas modalidades
estão articuladas numa dependência intrínseca e inevitável (MARX, 1983).
Em relação ao capital, a força de trabalho é vista e tratada como mercadoria,
ou seja, como qualquer outra mercadoria, ela tem um preço. Esse preço será
determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para a reprodu-
ção do trabalhador, o que será levado em conta para que os salários sejam de�-
nidos. Contudo, em relação a outras mercadorias, esta é a única que cria valor.
Não se trata de um valor qualquer, mas de um valor resultante da venda da
mercadoria produzida pelo trabalhador: o "mais-valor" ou o lucro, também re-
ferido como . Assim, Marx desvenda as chaves que podem levar à
compreensão do âmago da produção e reprodução capitalistas.

Com relação à acumulação capitalista proveniente do lucro ou da mais-valia,


Marx (ibidem) distingue duas formas. A primeira é denominada (até
então não considerada pelas posições teóricas econômicas anteriores à visão
teórica marxiana), um sobrevalor proveniente do trabalho excedente não pago
pelo capitalista ao trabalhador. Nesse caso, tem-se que a taxa de mais-valia
será maior à medida em que for maior a diferença entre o preço da força de
trabalho e a quantidade de valor por ela adicionada ao produto.

A segunda forma de acumulação é denominada . Nesse caso, ela vai


depender da proporção da composição orgânica do capital, ou seja, da sua par-
cela constante. Por exemplo, a exibição de �lmes, considerando-se a relação
mercadoria e consumo. O consumo de �lmes de alta tecnologia, como os de ti-
po "3D", implica duplo desembolso: por parte do capitalista no aumento da
composição orgânica do capital constante para manter a oferta de uma mer-
cadoria diferenciada. Da parte do consumidor (expectador), o desembolso de
um dinheiro duas vezes maior que o do �lme "não 3D". Por outro lado, o capital
variável não aumenta, uma vez que o lucro advindo com a implantação da al-
ta tecnologia não é repassado para o salário dos funcionários do cinema, uma
vez que o preço da mão de obra não se alterará com a exibição de �lmes de al-
ta tecnologia. Com isso, o empresário capitalista das salas de exibição cine-
matográ�ca, além de manter a lucro absoluto do qual reservará uma parte pa-
ra pagar o tempo de trabalho de seus funcionários, aufere, também, um lucro
relativo sem que, com isso, tenha de repassar, necessariamente, um tempo de
trabalho relativo aos seus funcionários.

Assim, como acontece em outras esferas, níveis e escalas de produção capita-


lista, a transformação do lucro em capital dá-se por sua reinserção no proces-
so produtivo, aumentando a massa de capital. É basicamente nesse círculo e
circuito que se há de ou se deve entender uma teoria de valor, a do valor-
trabalho, na sua perspectiva de totalidade. Não é outra a proposta marxiana de
entender essa teoria a não ser como o fundamento da explicação sobre o mo-
vimento na sua totalidade social. Pois o valor, ao ser tratado como valor, há
que ser visto para além de qualquer tipo de aparência (moeda, lucro, renda),
mas na sua essência como "realização de trabalho e produção sociais". Se o lu-
cro é visto como um dos elementos resultantes dessa produção, ele também é
social, mas a apropriação é individual. Sendo essa apropriação apoiada no
pressuposto da propriedade privada dos meios de produção, revela-se, de for-
ma clara, o conteúdo social e político dos processos econômicos.

Diante disso, já se torna insustentável a tese anteriormente defendida pelos


teóricos da economia burguesa: a de que o lucro é a manifestação "natural" da
produção. Já na visão marxiana, ele é entendido como a manifestação de de-
terminada estrutura e organização políticas. E mais, ele apresenta caracterís-
ticas de caráter histórico, como vimos anteriormente neste tópico sobre o
valor-trabalho: trabalho livre (sob o ponto de vista de um mercado de traba-
lho), acumulação prévia de capital por meio da posse de meios de produção,
privatização das terras, concentração geográ�co-urbana da população e dos
demais fatores de produção, bem como a generalização do processo de circu-
lação, aí incluído o chamado "direito de ir e vir".

Diante do quadro sintético esboçado, podemos a�rmar que a sociedade se rela-


ciona com seu espaço material e todos os seus elementos por meio de um
constante e laborioso processo de valorização. O que nos leva a concluir que o
homem, mediante seu trabalho, gera e transfere valores. Parte desses valores
soma-se ao espaço e acaba, desse modo, a in�uenciar na construção e na ma-
nifestação de futuros processos de mudanças ou transformações a curto, mé-
dio ou longo prazo. Contudo, vale enfatizar que não há articulação entre socie-
dade e espaço em abstrato, ambos são atravessados por mediações. E, como
vimos, essas mediações só serão compreendidas, investigadas, analisadas e
superadas se tiverem como guia determinada teoria que leve em conta a valo-
rização em geral e a do espaço em particular.

6. Capitalismo e valorização do espaço


Como já sabemos, o capitalismo envolve, entre outras, uma gama de questões
articuladas entre si, tais como: capital constante e variável, circulação, preço,
mercadoria, mais-valia absoluta e relativa. Se considerarmos que o sistema
econômico capitalista necessita de consumir para produzir mercadorias, ele
não se comporta de maneira diferente com relação ao espaço. Mas, nesse ca-
so, há que se destacar a dupla forma desse consumo, qual seja:

• enquanto , o sistema econômico capitalista consome-o


de forma produtiva;
• enquanto , o consumo dá-se improdutivamente.

Cabe, aqui, uma observação: o termo "improdutivo" não deve ser tomado ao pé
da letra, no sentido de "algo imprestável". Ao contrário, seu consumo "impro-
dutivo" é condição da produção enquanto condição de reprodução do próprio
espaço. Tomemos como exemplo o consumo social do espaço urbano. Ele traz
consigo as contradições desse modo de produção. Se veri�carmos, por exem-
plo, os movimentos dos "sem teto" nas grandes metrópoles contemporâneas,
eles acabam por integrarem as chamadas "lutas sociais urbanas", que nada
mais são do que a expressão (espacial) da luta de classe. Em outras palavras, o
consumo "improdutivo" do espaço remete, na sua plena expressão, aos condi-
cionamentos da luta política de cada lugar ou localidade. Vejamos, a seguir, as
imbricações que incidem no desdobramento do espaço geográ�co entre o ru-
ral e o urbano.

"Rural-urbano" (ou urbano-rural, ou "rurbano") é uma expressão de caráter


emblemático. Como todo termo dessa natureza (tais como "globalização", "feti-
che", "materialismo", "pesquisa", entre outros), traz consigo um alto nível de
potencialidade em termos de fatores.

Estamos, aqui, diante de um tema recorrente, ou seja, é objeto de atenção, pes-


quisa e análise presente em vários domínios do conhecimento: Sociologia,
ensino-aprendizagem, Antropologia, Psicologia. Também na Geogra�a, que
nos interessa mais particularmente.

Em se tratando da Geogra�a, é bastante compreensível, uma vez que visa en-


tender as implicações que envolvem o ser humano na sua relação com o espa-
ço. Porém, não se trata de um espaço qualquer, comumente chamado de "natu-
reza", mas de um espaço envolvido pelos domínios econômico e político.
Trata-se de um domínio hegemônico que se vem estabelecendo há mais de
dois séculos por meio do emprego de capitais e mão de obra: o sistema capita-
lista de produção.

No entanto, antes de desenvolvermos alguns eixos teórico-investigativos so-


bre a relação capital-espaço com aqueles que o habitam, vamos destacar uma
síntese preliminar que servirá de guia-mestra para a nossa exposição. Assim,
podemos dizer que os traços determinantes do capitalismo na articulação
com o espaço acentuam um modo geral de atribuir-lhe valor de tal forma que
poderíamos de�nir dizendo que se trata de uma real valorização para a valori-
zação, ou seja, o espaço na economia capitalista é, antes e acima de tudo, obje-
to, veículo e produto do capital. Desse modo, o processo de valorização do es-
paço acaba por incidir na própria valorização do capital.

No que diz respeito à valorização do espaço, há um conjunto de fatores a ser


levado em conta. Inicialmente, podemos apontar aquele que diz respeito à
existência de uma colonização atual, diferente da colonização, por exemplo, da
Europa em relação ao continente africano no século 19. Atualmente, em fun-
ção das novas técnicas e tecnologias e suas aplicações, seja no plano dos
transportes, seja no plano da exploração dos recursos naturais (em relação
não só aos minerais, mas também ao plantio, como é o caso da cana-de-
açúcar e da soja), a colonização dá-se menos em função da expansão da fron-
teira agrícola, como ocorreu no Brasil no período da chamada "expansão da
fronteira agrícola para o centro-oeste" (nos anos 1970), mas em função da apli-
cação intensa do capital no entorno do espaço explorado, por exemplo, na
plantação de cana para a produção de etanol, como é o caso da região nordeste
do Estado de São Paulo.

Assim, a partir do que vimos no parágrafo anterior, é possível entendermos o


que passou a ser conhecido como "desruralização" do campo, que é um outro
fator resultante da valorização do espaço. Se, no passado, a expansão da fron-
teira agrícola levava consigo a necessidade de contar com um contingente de
trabalhadores provindos de outras regiões do país, agora, aplica-se de forma
intensiva capital morto no espaço, relativizando as fronteiras entre cidade e
campo, pois a mão de obra para o trabalho no campo vai se concentrar nos es-
paços urbanos, o que pode resultar na migração de mão de obra. É o caso da
migração de grande massa de nordestinos para a região de Ribeirão Preto para
o trabalho ligado à colheita da cana. Por conta dessa intensi�cação do capital
no campo nessa região, a mídia, durante os anos 1980, referia-se a Ribeirão
Preto como a "Califórnia brasileira", o que, em pouco tempo, de certa forma,
contribuiu para o inchaço populacional e o surgimento de favelas. Ao invés da
necessidade de construir conglomerados habitacionais nas fazendas de café,
as chamadas "colônias", como ocorreu intensamente no início do século pas-
sado até a grande crise de 1929, agora, os serviços para a demanda da cana são
terceirizados, e os trabalhadores instalam-se nas cidades.

Finalmente, é importante destacar a maneira como se relacionam as diferen-


tes formas assumidas pelo capital com o espaço. Referimo-nos aos capitais
mercantil, industrial e �nanceiro. Essas três formas de manifestação
constituem-se em importantes fatores para que se possa compreender o pro-
cesso de valorização da terra ou do espaço e, portanto, do próprio capital.

Assim, no que se refere ao capital mercantil (quanto à aplicação em atividades


agrícolas, comerciais ou de serviços), na atualidade, praticamente, a coloniza-
ção agrícola, da forma como expusemos anteriormente, traz consigo as carac-
terísticas de um verdadeiro palco de valorização do capital: tanto no que se re-
fere ao fator compra e venda de terra, como no fator de exploração de terras
por meio de grandes empresas poliprodutoras. Nesse sentido, há que se levar
em conta, por exemplo, o comércio de fertilizantes e de produtos no combate
às pragas prejudiciais ao desenvolvimento dos produtos agrícolas. Dessa for-
ma, a expansão do comércio representa, também, expansão territorialmente
circunscrita dos chamados meios de circulação, tais como: estradas, vias pú-
blicas, infraestrutura urbana de políticas de saneamento, espaços culturais e
de lazer etc. São meios que, em grande parte, são assumidos pelo poder públi-
co e que, direta ou indiretamente, têm peso signi�cativo para a valorização do
espaço, especialmente o urbano.

Quanto ao capital industrial (voltado para produtos especi�camente industri-


ais), ele deve ser visto sob duplo aspecto. Primeiro, como capital constante
(aplicado em instalações, máquinas, tecnologias etc.). Trata-se, como já vimos
anteriormente, de trabalho morto aplicado no próprio espaço, daí a valorização
subsequente deste. Um exemplo prático da valorização do espaço que o em-
prego do capital industrial propicia é a adoção de políticas públicas, por parte
de municípios, voltadas para a instalação e a implementação das chamadas
"cidades (ou polos) industriais" em parcerias com capitais nacionais e/ou es-
trangeiros, também conhecidos como multinacionais. Daí se concluir que a
grande indústria pode ser vista como poderoso agente integrador de espaços.

Finalmente, o terceiro fator ligado ao capital �nanceiro. Em geral, esse fator


costuma ser puxado pelas instituições bancárias. Considerando o capital �-
nanceiro como uma densa massa de dinheiro em circulação, vê-se que ele
condiciona projetos e decisões voltados para o investimento de várias nature-
zas, que podem ocorrer tanto no plano da propriedade privada, quanto no pla-
no dos investimentos públicos. Os investimentos são resultantes de emprésti-
mos oriundos das instituições �nanceiras. Por conta dos custos que os em-
préstimos acarretam, o dinheiro acaba, indiretamente, sendo fator de avalia-
ção desses custos e ajuda a de�nir as prioridades, o que poderá acelerar ou re-
tardar o desenvolvimento de certos setores produtivos. E, assim, o fator �nan-
ceiro, além de condicionar os investimentos, incide na valorização do espaço
como um todo.

Agora, para entender melhor como se dá o processo de construção da


Geogra�a Econômica, assista ao vídeo a seguir:

Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem respondendo à questão a se-


guir.

7. Considerações
Chegamos ao �m deste primeiro ciclo, na qual pudemos observar as noções
introdutórias à Economia Política, evidenciando a questão dos fatores da pro-
dução, bem como o funcionamento da oferta e da procura.
Veri�camos, também, o pensamento clássico da Economia Política, estudando
as principais características das teorias formuladas por Adam Smith, Thomas
Malthus, Karl Marx e John Maynard Keynes, que buscaram, na sua época,
tanto analisar o momento vivido pelo sistema econômico quanto intervir em
seu funcionamento.

Outras obras e textos poderão ajudá-lo no aprofundamento acerca das ques-


tões abordadas. No entanto, esperamos que você consiga identi�car e analisar,
desde já, a concepção elaborada pelos pensadores clássicos da Economia
Política, distinguindo as imbricações e as contradições das teorias entre si.

Analisamos, ainda, a teoria do valor nas suas diferentes perspectivas e discu-


timos a importância dela para a compreensão da produção e valorização do
espaço geográ�co.

No Ciclo 2, as nossas atenções estarão voltadas à compreensão de uma temá-


tica que tem forte aproximação com as questões relativas à produção do espa-
ço geográ�co: as relações entre sociedade e natureza. Também iremos investi-
gar a teoria da regulação e o desenvolvimento dos meios de produção e sua in-
�uência na produção do espaço. Esses temas, por sua vez, trazem consigo, co-
mo veremos, conotações sobre a valorização do espaço geográ�co.
(https://md.claretiano.edu.br/geopoleco-

gs0081-fev-2023-grad-ead/)

Ciclo 2 – Meio De Produção e o Espaço Geográ�co

Paulo Eduardo Vasconcelos de Paula Lopes


Vera Lúcia Santos Abrão

Objetivos
• Examinar a relação entre sociedade e natureza e seus desdobramentos.
• Conceituar a teoria da regulação e o desenvolvimento dos meios de pro-
dução, analisando como esses processos alteram o espaço e, simultane-
amente, a sociedade.

Conteúdos
• Regulação da economia.
• Explicações do desenvolvimento econômico.
• Problemas na economia nacional.
• Questões sobre a globalização econômica.

Problematização
Como ocorre o desenvolvimento social em face da natureza? Como se dá a di-
cotomia homem versus natureza? Como ocorre a divisão do trabalho no capi-
talismo? Quais os conceitos apresentados pela teoria da regulação? Quais
seus efeitos no processo produtivo capitalista? No que consiste o tayloris-
mo/fordismo? Quais transformações ocorreram sob sua in�uência? Em qual
contexto se dá a transição do fordismo ao pós-fordismo? Como se caracteriza
o Estado neoliberal? No que consiste a acumulação �exível? Quais as con-
sequências para a produção do espaço geográ�co?

1. Introdução
Neste ciclo, buscaremos a compreensão das relações entre sociedade e natu-
reza. Também iremos investigar a teoria da regulação e o desenvolvimento
dos meios de produção e sua in�uência na produção do espaço. Esses temas,
por sua vez, trazem consigo, como veremos, conotações sobre a valorização do
espaço geográ�co.

2. Sociedade e natureza: introdução


O espaço geográ�co deve ser entendido como produto histórico e social, pro-
duzido pelo homem por meio do trabalho na sua eterna luta pela sobrevivên-
cia, trabalho esse que representa a aplicação da sua energia sobre a natureza,
diretamente ou como prolongamento do seu corpo, por meio de recursos me-
cânicos ou tecnológicos.

Nesse contexto, Santos (1982, p. 88) comenta que:

Não há produção que não seja produção do espaço, que se dê sem o trabalho. Viver
para o homem, é produzir espaço. Como o homem não vive sem trabalho, o proces-
so de vida é um processo de criação do espaço geográ�co. A forma de vida do ho-
mem é o processo de criação do espaço. Por isso a Geogra�a estuda a ação do ho-
mem.

O processo de produção do espaço dá-se, então, por meio da relação ho-


mem/natureza, sociedade/natureza. No decorrer do desenvolvimento da hu-
manidade, o homem vai impondo à natureza a sua marca e dá forma à sua
condição de homem, de ser social. A história do homem e a história da nature-
za fundem-se e confundem-se. Há uma "humanização" da natureza e uma
"naturização" do homem, da sociedade.
[...] desde o aparecimento do homem na face da Terra história dos homens e histó-
ria da natureza confundem-se e se fundem em um só e Claretiano - Centro
Universitário © U3 - Produção do Espaço Geográ�co: as Relações Sociedade e
Natureza Em cada modo de produção este plano abstrato (abstrato porque genéri-
co) ganhará sua expressão concreta [...] (MOREIRA, 1994, s.n.).

De acordo com Quaini (1979 apud MOREIRA, 1994, s.n.), "[...] Homem e natureza
formam uma unidade orgânica, uma identidade, nas sociedades naturais e
entes distintos e separados organicamente nas sociedades históricas."

A natureza e a sociedade são realidades objetivas, interdependentes, consti-


tuindo uma mesma totalidade, porém, com suas essências regidas por leis es-
pecí�cas inerentes às estruturas de seus fenômenos. Os fenômenos naturais
são regidos por leis físicas e naturais, já os fenômenos da sociedade são regi-
dos por leis históricas e sociais.

A história do homem é a história da sua relação com a natureza, que se dife-


rencia conforme o momento histórico e o modo de produção. Nas sociedades
naturais (pré-capitalistas) e na sociedade capitalista, essa relação diferencia-
se. Mas o que as torna diferentes? O que caracteriza as sociedades naturais?
De acordo com Moreira (1994, p. 76):

Nas sociedades naturais, assim chamadas porque a terra é o meio universal de tra-
balho, há uma unicidade orgânica entre o homem e a natureza. O ritmo do trabalho
e da vida dos homens repete o ritmo da natureza. O espaço geográ�co é o próprio
espaço natural [...] a terra é a despensa primitiva e o arsenal primitivo.
Trabalhando-a, tiram os homens o seu sustento e os instrumentos de trabalhos no-
vos. A natureza-terra é a condição da produção/reprodução das relações entre os
homens.

Podemos considerar que a natureza tem duas formas distintas e articuladas: a


primeira natureza e a segunda natureza, e, por meio do processo de trabalho, a
primeira natureza, que é natural, é transformada em segunda natureza, que é
social. Isso não signi�ca o desaparecimento da primeira natureza. O que ocor-
re é a sua transformação em social, histórica, uma transformação da forma-
natural para a forma-sociedade. Para Moreira (1994, p. 80): [...] Frequentemente
nos esquecemos de que o pão que comemos, a roupa que vestimos, o prédio
que habitamos, o carro que dirigimos, as pessoas que curtimos, são formas so-
cializadas, historicizadas da natureza.

Assim, essas relações orgânicas encontradas nas sociedades naturais são


transformadas radicalmente com a dicotomização da relação sociedade/natu-
reza na sociedade capitalista.

3. A dicotomia homem/natureza
Nas sociedades capitalistas, o vínculo, a unicidade orgânica entre homem e
natureza, será rompido, e esse rompimento ocorrerá por meio da proletariza-
ção dos trabalhadores e da apropriação da natureza. O ritmo do trabalho e dos
homens não será mais o ritmo da natureza e, sim, o ritmo do capital. A relação
que se estabelecerá será uma relação de exterioridade, uma relação entre es-
tranhos, isto é, natureza e homem irão deparar-se como estranhos. O trabalho
que liberta o homem, na sociedade capitalista, o faz cativo. Mas como enten-
der a dicotomia homem/natureza?

Segundo Capra (2002), a natureza, inclusive o homem, a partir de Descartes


(século 17), passou a não mais ser vista na sua totalidade dialética e, sim, co-
mo uma soma de partes. Desse modo, é possível "desfazer" a natureza, estudar
suas partes separadamente e, a partir daí, juntá-las para se obter o todo. Essa
visão tem a ver com a concepção de Descartes em relação à busca da verdade.

Para Descartes, a verdade é alcançada a partir de princípios da lógica dedutiva


nunca dissociados, como: duvidar de tudo, não aceitando como verdade aquilo
que não fosse evidente sem a inserção de qualquer juízo; dividir para melhor
estudar, partindo do mais simples para o mais complexo; revisar sempre, enu-
merar e nada omitir. Mas é a célebre frase de Descartes "penso, logo existo"
que imprimirá, na sociedade ocidental, a ideia de que nos diferenciamos dos
demais animais porque pensamos, porque temos a característica da racionali-
dade como exceção. É, portanto, a razão que nos torna humanos e, consequen-
temente, é a falta da razão que torna a natureza externa (des)humana e passí-
vel de ser explorada.
O mundo de Descartes era uma soma de todas as partes. Nesse processo, por
um lado, a natureza passa a ser vista como um recurso a ser explorado, fato
que se consolida com o capitalismo industrial. Por outro lado, a ciência ga-
nhou o status de neutralidade e responsabilidade de tudo estudar e averiguar.

A dicotomia homem/natureza tem como base, como fundamento, a racionali-


dade do homem e essa racionalidade como caráter de humano, tornando essa
relação uma relação de exterioridade e o homem perdendo-se enquanto natu-
reza. Além disso, a ciência foi capturada e faz parte de um conjunto das rela-
ções da sociedade que contribui para a nossa visão dicotomizada de mundo e
que está na base de toda a nossa existência: nas artes, na política, no cotidiano
e no pensar/fazer Geogra�a. Essa compartimentação encontra-se, também, na
Geogra�a. Mas, a�nal, quais as consequências dessa relação para pensar/fazer
Geogra�a?

A Geogra�a, como ciência institucionalizada, já nasceu cingida, no século 19,


dentro do ideário racionalista e de fragmentação da ciência (ciências huma-
nas e ciências naturais), iniciando-se com Descartes, que imprimiu uma visão
dicotômica para o mundo e mecânica, especialmente a partir de Newton, ten-
do, depois, Darwin, com o princípio da evolução, o reforço e a legitimação do
antagonismo de classes. A ciência geográ�ca tem a especi�cidade de lidar
com aspectos da sociedade e, também, da natureza externa, o que trouxe para
dentro dela a problemática da dicotomia, já que a ideia de natureza está atrela-
da ao conceito de recurso a ser explorado. A Geogra�a, assim, apresenta-se de
forma compartimentada, tal qual da visão da ciência em geral, re�etindo prin-
cípios e teorias dominantes nos séculos 19 e 20.

A busca da integração dos conteúdos físicos e humanos é antiga e permeia a


Geogra�a desde a sua origem. Contudo, a ideia de unidade (homem/natureza)
na Geogra�a, durante muito tempo considerada uma "ciência de síntese", foi
uma visão empobrecedora, que colocava os estudiosos como organizadores
dos conhecimentos produzidos pelas demais ciências.

À Geogra�a, interessa analisar, compreender e propor o espaço geográ�co.


Para tanto, é necessária a compreensão da dinâmica da natureza e da socie-
dade com a clareza de que se constituem em diferentes tempos de formação e
de que o processo de industrialização e desenvolvimento cientí�co, ao mesmo
tempo que "desnaturizou" o homem, hominizou, historicizou, a natureza con-
forme os interesses das classes que dominam a produção do espaço geográ�-
co.

4. Relações capitalistas de produção e pro-


dução capitalista do espaço geográ�co
No modo de produção capitalista, o processo de trabalho é de�nido pelo modo
como os homens se relacionam entre si e com os meios de produção. A socie-
dade transforma-se em sociedade fundamentalmente urbana, e as relações
sociais que se estabelecem estão baseadas, agora, na contradição capital/tra-
balho, burguesia/proletariado.

A condição necessária para a consolidação das relações capitalistas de produ-


ção é, de um lado, a expropriação do trabalhador e, de outro, a apropriação dos
meios de produção pela burguesia. A partir daí, está estabelecida uma relação
contraditória, porque só o trabalho gera riqueza, gera valor, que é apropriado
pelos proprietários dos meios de produção. Uma vez expropriado, é-lhe retira-
da a possibilidade da reprodução da sua existência como ser humano, tendo
de recorrer ao mercado; para isso, é necessário que venda a sua força de traba-
lho, transformada em mercadoria, para os detentores do capital, gerando radi-
cal separação entre o trabalhador e a natureza, desfazendo violentamente seus
vínculos mais intensos e de unicidade com a natureza. Segundo Moreira
(1994, p. 73):
Como a natureza pressupõe homens e natureza, a transformação da força de traba-
lho em mercadoria, repete-se com a natureza então. O acesso à natureza e seus re-
cursos deve passar pelas relações mercantis, uma vez que a sua apropriação pelo
capital implica a eliminação da sua gratuidade natural entre os próprios capitalis-
tas. A incorporação dos homens e da natureza ao circuito das mercadorias é a base
sobre a qual nasce e se expande o capitalismo, como condição necessária e su�ci-
ente. Mas não é a mercadoria o objetivo do capital e sim a reprodução ampliada
deste, expansão permanente. A universalização da mercadoria, isto é, a transfor-
mação de tudo em mercadoria (homem e natureza nas suas variadas formas) só é
necessária porque a produção de mercadorias é o veículo da produção da mais va-
lia, e sua realização (sua compra–venda) é o veículo transformador da mais valia
em lucro, que será reinjetado em nova produção de mercadorias [...].

Assim, com base nesses pressupostos, o capitalismo irá desenvolver-se,


expandindo-se numa escala planetária, num processo de globalização.

5. Revolução industrial
A Revolução Industrial é um fenômeno que se desenvolve num processo de
grandes transformações não somente técnicas, mas, especial e fundamental-
mente, políticas, econômicas e sociais.

A revolução industrial longe de se apresentar como um fenômeno técnico signi�-


cou uma transformação na ciência, nas idéias e nos valores da sociedade.
Signi�cou também troca no volume e distribuição de riqueza centrada, até então,
no monopólio da nobreza que lhe conferia também o poder político. Por sua vez, e
produto de um processo histórico do desenvolvimento das forças produtoras e do
princípio da especialização assentada na divisão do trabalho, já que o homem não
produzia mais para a subsistência (CARLOS, 1997, p. 28).

Nos modos pré-capitalistas, o ritmo do desenvolvimento da tecnologia era len-


to, resultado das invenções que o homem produziu e da acumulação de conhe-
cimentos pouco sistemática, e não se relacionava claramente a produção do
conhecimento do mundo físico e social e sua aplicação à produção em geral.
Essa síntese será realizada pelo capitalismo:
A razão por que o modo de produção capitalista conseguiu absorver de maneira re-
volucionária o conhecimento técnico anterior e impulsionar com intensidade des-
conhecida o desenvolvimento das forças produtivas e da ciência se encontra no
próprio caráter da acumulação do capital. A produção capitalista se apóia na
separação taxativa entre o trabalhador e os meios de produção, ao passar ambos a
serem propriedade do capital. O trabalho e os meios de produção se incorporam as-
sim em forma de capital variável e capital constante (SANTOS, s/d, p. 14-15).

O que se busca no processo de produção do capital é o aumento da taxa de lu-


cro; para isso, são necessários: a redução do valor da força de trabalho, a incre-
mentação da produtividade do trabalho por meio de melhorias técnicas e a in-
tensi�cação da jornada de trabalho, a redução do valor dos meios de produção
e da rotatividade do capital, a diminuição dos custos com transporte, a comer-
cialização e o aumento da jornada de trabalho. En�m, diminuição dos custos
de produção para obtenção de taxas maiores de lucro.

O aumento da jornada de trabalho, produção e exploração da mais valia abso-


luta, tem limites, que são os próprios limites biológicos do trabalhador e, para
sua superação, o recurso utilizado pelo capital é a aplicação do conhecimento
cientí�co à produção, reduzindo, com isso, o tempo de trabalho socialmente
necessário para a produção de mercadorias. Essa preocupação com a diminui-
ção da jornada de trabalho ou do tempo de trabalho socialmente necessário
para a produção de produtos não ocorreu com o intuito de diminuir as horas
de trabalho do produtor direto, isto é, do trabalhador, e, sim, para a apropriação
maior do tempo excedente.

De acordo com Carlos (1997, p. 29):

A jornada de trabalho, que o operário deverá enfrentar terá como características bá-
sicas a uniformidade, regularidade e a continuidade, devidamente vigiadas: tal fato
vai aumentar a intensidade do processo de trabalho requerida pela racionalidade e
e�ciência, contrariamente àquela desenvolvida no campo, onde o ritmo do trabalho
é dado pelas condições naturais.

O modo de produção capitalista é diferente dos modos de produção pré-


capitalistas no que diz respeito à sua necessidade e à possibilidade de aplicar
a tecnologia e a ciência, como foi a�rmado anteriormente, ao processo de pro-
dução, e essa capacidade efetivou-se por meio do processo do desenvolvimen-
to da indústria, baseado na divisão do trabalho, cooperação e concentração,
encontrando já na manufatura o embrião desses elementos.

Como foi dito anteriormente, a Revolução Industrial foi muito mais do que
uma revolução tecnológica:

[...] analisando este problema em O , Karl Marx observava que a máquina a


vapor, assim como existiu durante o período da manufatura, desde sua invenção
em �ns do século XVII até o ano de 1780, não trouxe nenhuma revolução à indús-
tria. Pelo contrário, foi a criação das máquinas-ferramentas que tornou necessária
a máquina a vapor revolucionada. Desde o momento em que o homem, em vez de
atuar como ferramenta sobre o objeto do trabalho atua unicamente como o fator
impulsionador de uma máquina-ferramenta, passa ser puramente acidental o ins-
tante no qual a água, o vento e o vapor podem substituir a utilização dos músculos
humanos como força motriz (SANTOS, 1983, p. 18).

Com a grande indústria e a maquinaria, o trabalho socializado, coletivo, o au-


mento da intensidade do trabalho e a incorporação da população como um to-
do no processo produtivo, teremos a passagem do homem criativo ao homem
mecânico.

O novo processo de produção e de trabalho vai se utilizar intensivamente da


máquina, transformando o trabalhador, em parte, num apêndice de uma má-
quina, conforme a�rma Carlos (1997, p. 30-31):

A máquina aparece como o elo de transformação, não do modo de produção, mas


do homem no processo de trabalho e da mudança do seu papel neste mesmo pro-
cesso. A máquina, enquanto meio de produção e meio material de existência do ca-
pital passa a ser o fundamento material do modo de produção capitalista. A grande
indústria, ao revolucionar as relações gerais de produção da sociedade, produz uma
nova concepção de trabalho, de vida, de relação entre os seres humanos. Isto é pro-
vocado pela mudança das relações entre o capital e o trabalho, pois a maquinaria
de meio de trabalho, converte-se, de imediato em competidor do próprio operário e
a habilidade deste desaparece [...]
A partir disso, cria-se a necessidade de um novo homem, não mais aquele que
domina a máquina e, sim, aquele dominado por ela. A introdução da máquina
não tem como objetivo "facilitar" ou aliviar o trabalho que pesa sobre os om-
bros do trabalhador e, sim, intensi�car o trabalho, diminuindo o custo de pro-
dução e, consequentemente, desquali�cando o trabalhador.

Além das transformações sociais, tecnológicas, políticas e econômicas, o es-


paço geográ�co também se modi�ca. A sociedade, basicamente rural, agrária,
fechada e desarticulada espacialmente, transforma-se em sociedade urbana,
articulada por meio do processo de circulação de mercadorias, isto é, do mer-
cado. O mundo rural perde o seu papel nessa nova ordem econômica, uma vez
que o processo de produção ocorre, agora, baseado num novo regime de pro-
priedade e de divisão do trabalho entre o comércio e a manufatura na cidade e
a atividade agrícola no campo.

Além dessas transformações, houve a necessidade da ampliação do mercado


interno dos países europeus e, também, da ampliação e melhor controle das
colônias além-mar.

O processo de industrialização iniciado na Inglaterra, que dispunha de condi-


ções históricas e geográ�cas favoráveis, expandiu-se pela França, Alemanha e
Bélgica. Em �ns do século 19, os Estados Unidos também entraram na corrida
da industrialização, seguidos do Japão. Esses países procuraram controlar as
áreas próximas, buscando, posteriormente, o controle de áreas numa escala
que ultrapassava os limites locais, regionais e continentais.

6. Capitalismo e divisão territorial do trabalho


O capitalismo, como modo de produção dominante, pressupõe a existência de
formas avançadas de divisão do trabalho e uma constante rede�nição das
proporções e do signi�cado social dessa divisão numa escala regional, nacio-
nal ou internacional.

Segundo Lipietz (1977), a divisão do trabalho social apresenta-se sob dois as-
pectos: uma divisão horizontal e uma divisão vertical. A divisão horizontal
refere-se à divisão entre os ramos de atividade, enquanto a divisão vertical diz
respeito àquela entre os grupos sociais, dominantes e dominados, havendo in-
teração entre divisão social e técnica do trabalho.

No capitalismo, as atividades econômicas não se desenvolvem de forma igual,


harmônica, entre os diferentes setores dos diferentes ramos de atividades. E
esse desenvolvimento desigual não é mero resultado de uma situação históri-
ca no início do desenvolvimento do modo de produção capitalista, como a�r-
mam Goldestein e Seabra (1982, p. 21):

[...] Resulta de determinações que interferem no processo de acumulação de capital


e guardam aspectos ora mais especi�camente técnicos, ora mais especi�camente
econômicos ou político-econômicos. E ainda, de todas as formas de desigualdade
que opõem exploradores e explorados, dominantes e dominados, e, em particular, a
burguesia e o proletariado.

O desenvolvimento é desigual do ponto de vista técnico, uma vez que inexis-


tem condições relativas ao conhecimento cientí�co e tecnológico com possi-
bilidade de aplicação em todos os ramos de atividades econômicas.

Já do ponto de vista econômico, o desenvolvimento desigual explica-se, uma


vez que existem setores mais dinâmicos (como indústrias) e menos dinâmi-
cos (como a agricultura); assim, as mercadorias correspondentes aos diferen-
tes ramos e setores não são produzidas em um mesmo período, não tendo,
também, a mesma dimensão de mercado. Além disso, o conhecimento
cientí�co-tecnológico tem uma dimensão histórico-cumulativa, implicando
diferente custo social.

A diferença de tecnologia aplicada à agricultura de um lado e à indústria de


outro permite a concentração do capital em um espaço restrito. Aí explica-se o
caráter concentrador e urbanizador da revolução industrial, sendo a cidade
um meio muito favorável à acumulação capitalista.

Essas desigualdades, que podem ser técnicas, econômicas e político-


econômicas, não se restringem às diferenças de desenvolvimento entre cam-
po e cidade, que pode ser ainda explicado:
Pela tendência ao nivelamento da taxa de lucro dentro de um mesmo ramo e entre
ramos (transferência de mais valia dos ramos com baixa composição orgânica do
capital para os de alta composição orgânica), chega-se ao caráter combinado do de-
senvolvimento desigual entre ramos e, portanto cidade-campo, interregional, inter-
nacional (GOLDESTEIN; SEABRA, 1982, p. 22).

Após a Segunda Guerra Mundial, o desenvolvimento do capitalismo, diferente-


mente de sua fase baseada nas pequenas empresas, com menor concentração
de capital e aplicação da ciência no processo de produção, é marcado pelo pro-
cesso de consolidação dos oligopólios internacionais, que originaram empre-
sas multinacionais, como os cartéis, trustes etc. Esse momento é marcado pe-
la emergência dos Estados Unidos como potência e pela transformação inter-
na das empresas norte-americanas.

As multinacionais são a expressão mais avançada do capitalismo, que promo-


veu o surgimento de novas formas de organização e de relações de trabalho,
como veremos mais adiante. Essa expansão envolve três processos inter-
relacionados: os movimentos internacionais de capitais, a produção capitalis-
ta internacional e a existência de governos internacionalmente.

Esses processos estão na base da formação do mercado mundial, derivado da


posição internacional alcançada pelas empresas multinacionais da América
do Norte. As empresas europeias e japonesas integraram-se a esse sistema,
que é o sistema �nanceiro internacional, engendrando, assim, a mundializa-
ção da economia capitalista e rede�nindo e rea�rmando a participação e lugar
nesse sistema dos países centrais e dos países periféricos.

A seguir, explicitaremos a escola da regulação para analisarmos os desdobra-


mentos do taylorismo/fordismo, bem como sua transição para o modelo de
acumulação �exível (toyotismo).

7. Teoria da regulação
A escola da regulação é uma corrente teórica que se desenvolveu na França,
com base nos conceitos elaborados por Michael Aglietta em sua obra
Regulations et crises du capitalisme (Regulação e crises do capitalismo), de
1976.

De acordo com Gounet (1999, p. 57), a escola da regulação visa:

[...] interpretar o capitalismo de maneira dinâmica, no decorrer de um longo perío-


do, distantemente das doutrinas econômicas burguesas tradicionais, que adotam
quase exclusivamente um enfoque estático ou de curto prazo. Também ela tem ori-
gem no marxismo, concentrando sua análise nas relações salariais e enfocando as
estratégias de acumulação. Insiste na importância das formas institucionais, ou
seja, do quadro dentro do qual o sistema de produção pode se desenvolver. Eis por
que chega à noção de regulação, que fornece o nome dessa corrente teórica: a regu-
lação serve para fazer de um modelo de acumulação um conjunto coerente, que se
reproduz e se expande [...]

Pode-se a�rmar que, em determinado ponto do capitalismo, aparece uma or-


ganização do trabalho especí�ca. Tal característica corresponde, tendo em
vista as condições técnicas e sociais, ao máximo de e�cácia possível.

Assim, a regulação que se busca é a de�nição de papéis atribuídos a cada indi-


víduo (e que demonstram ser e�cientes), ou seja, uma espécie de negociação
social entre patrões e empregados.

David Harvey (1998) de�ne com exatidão a escola da regulação ao a�rmar que:
[...] Seu argumento básico, que teve como pioneiro Aglietta (1979) e como proposito-
res Lipietz (1986), Boyer (1986a; 1986b) e outro, pode ser resumido em poucas pala-
vras. Um regime de acumulação "descreve a estabilização, por um longo período,
da alocação do produto líquido entre consumo e acumulação; ele implica alguma
correspondência entre a transformação tanto das condições de produção como das
condições de reprodução de assalariados". Um sistema particular de acumulação
pode existir porque "seu esquema de reprodução é coerente". O problema, no entan-
to, é fazer os comportamentos de todo tipo de indivíduos – capitalistas, trabalhado-
res, funcionários públicos, �nancistas e todas as outras espécies de agentes
político-econômicos – assumirem alguma modalidade de con�guração que mante-
nha o regime de acumulação funcionando. Tem de haver, portanto, "uma materiali-
zação do regime de acumulação, que toma a forma de normas, hábitos, leis, redes
de regulamentação etc. que garantam a unidade do processo, isto é, a consistência
apropriada entre comportamentos individuais e o esquema de reprodução. Esse
corpo de regras e processos sociais interiorizados tem o nome de modo de regula-
mentação" [...] (LIPIETZ, 1986 apud HARVEY, 1998, p. 117).

Diante das relações que os indivíduos estabelecem, embasadas em uma socie-


dade capitalista cujo objetivo e �nalidade motriz são a lucratividade mediante
o meio de produção, cabe aqui apontarmos para a maneira como o poder de
coerção social atua na vida dos cidadãos, a ponto de o comportamento das
pessoas poder ser organizado nas atividades econômicas, o que foi denomina-
do por David Harvey como "regime de acumulação e modo de regulamentação
social e política" (LOPES; SAMBRANO; COUTO, 2009).

Deve haver, portanto, um conjunto de instituições – como leis, religião, Estado,


entre outras – para promover e dinamizar esse regime, a �m de assegurar a
homogeneidade entre indivíduos e modos de produção.

8. Taylorismo/fordismo
Ao longo dos séculos, o trabalho sempre esteve, mesmo que de diferentes for-
mas, associado à vida humana. Por meio dele, a sociedade impulsionou-se pa-
ra o desenvolvimento de forças produtivas, distinguindo o ser humano dos ou-
tros animais por conta de suas ações no processo de transformação da
Natureza.

De fato, o trabalho é uma categoria fundante do ser social, sendo ponto de par-
tida para o desenvolvimento das necessidades humanas, transformando o ho-
mem objetiva e subjetivamente.

Sabendo que o homem produz a sociedade e por ela é produzido, as transfor-


mações no mundo do trabalho apresentam seu maior grau de complexidade
no desenvolvimento do modo de produção capitalista, que ditou suas determi-
nações.

No capitalismo, as relações naturais e tradicionais convertem-se em relações


mercantis, ou seja, os meios de vida e o trabalho são transformados em mer-
cadorias. O modo de produção capitalista torna o homem alienado daquilo que
ele mesmo produz, e, além disso, o trabalhador é considerado um produto so-
cial privado por meio do modo assalariado.

Como vimos anteriormente, um acontecimento histórico marcou, intensa-


mente, a exploração do trabalho pelo capitalismo – a Revolução Industrial.
Nela, obtivemos o início da inversão do campesinato para o processo de urba-
nização; a expropriação de terras fez que os trabalhadores rurais ocupassem o
"chão das fábricas".

Nesse contexto, conforme Marx (2007, p. 55):

[...] A indústria moderna transformou a pequena o�cina do mestre artesão patriar-


cal na grande fábrica do capitalista industrial. Massas de operários, comprimidos
na fábrica, são organizados militarmente. Simples soldados da indústria são colo-
cados sob a vigilância de uma hierarquia completa de subo�ciais e o�ciais [...].

Ao longo de todo o desenvolvimento do trabalho no capitalismo, observamos a


perda progressiva do controle do trabalhador sobre o processo produtivo e, em
consequência, a perda de controle sobre seu próprio trabalho.

Para podermos entender como se deu o desenvolvimento do capitalismo, so-


bretudo nos países ocidentais, no século 20, é necessário perpassarmos a tra-
jetória histórica estrategista de acumulação na indústria automobilística. Mas
por que é necessário estudarmos aspectos relevantes da história do automobi-
lismo?

Para tanto, são indicados quatro aspectos que mostram tal importância:

1) Um carro tem no mínimo 20 mil peças. É um produto de tecnologia e organiza-


ção complexas, cuja fabricação não se limita ao conjunto de seus componentes. Há
todo um sistema dedicado a produzir o automóvel. Caso se considere o conjunto do
sistema e os serviços ligados a ele (seguros, créditos, garagens...), essa indústria re-
presenta, nos principais países do mundo, cerca de 10% do emprego, 10% do Produto
Nacional Bruto (PNB) e 15% do comércio externo.

2) Em conseqüência, a produção automobilística tornou-se uma questão de Estado.


Os governos tentam atrair para seu território empresas que criam tantos empregos,
que favorecem o aparecimento de um tecido industrial composto por fabricantes
de autopeças, que permitem melhorar a balança comercial, para não falar dos im-
postos. [...] passa pela criação de um mercado interno su�ciente, pela criação de
infra-estrutura (auto-estradas, por exemplo) que facilite o uso do automóvel, pela
proteção da indústria nacional, através de barreiras alfandegárias ou subsídios às
exportações, pela incorporação das empresas nacionais em projetos de pesquisa,
etc.

3) A indústria automobilística tem a particularidade de ser pioneira em matéria de


organização da produção (organização do trabalho), seja ao nível de uma fábrica ou
de todo um sistema de produção. Foi ela quem criou o chamado Fordismo. Foi ela
que elaborou e desenvolveu os chamados métodos �exíveis de produção. O que
acontece no setor automobilístico se espalha depois pela maior parte da indústria.

4) Por �m, devido ao peso de sua in�uência estratégica, de suas conseqüências


econômicas, de seu papel pioneiro na organização do trabalho, o automóvel tem
uma importância mais que setorial. Todo um modelo de desenvolvimento se arti-
cula ao seu redor (GOUNET, 1999, p. 13).

Por esses motivos – e talvez por mais alguns outros não explicitados –, pode-
mos compreender como o setor automobilístico foi importante para o desen-
volvimento do sistema capitalista no século 20.

Para analisarmos tal fato histórico, retornemos ao início do século 20, mais
enfaticamente ao contexto da produção cientí�ca de Taylor e ao pragmatismo
de Ford.
Frederick Winslouw Taylor (1856-1915) nasceu nos Estados Unidos da
América, no estado de Filadél�a. Iniciou sua carreira como aprendiz de mecâ-
nico, graduou-se em Engenharia, no Stevens Institute of Technology. Foi
engenheiro-chefe das fábricas de aço Midway e trabalhou em empresas que
adotaram seu sistema de racionalização da produção. Em 1906, foi eleito presi-
dente da Associação Americana de Engenheiros Mecânicos.

Taylor é considerado o pai da . Seus estudos tinham


por intuito organizar e dividir todas as tarefas e operações realizadas pelos
trabalhadores de uma atividade fabril, obtendo grande enfoque na e�cácia
operacional, e substituir a manufatura pelo incremento tecnológico da maqui-
nofatura.

Em relação à ideologia taylorista, Moraes Neto (1991, p. 32- 33) indica-nos três
pontos que julga fundamentais:

• Dissociação do processo de trabalho das especialidades dos tra-


balhadores.
• Separação de concepção e execução.
• Utilização do monopólio do conhecimento para controlar cada fase do
processo de trabalho e seu modo de execução.

Há, portanto, uma separação entre trabalho intelectual e trabalho manual, re-
servando o primeiro, exclusivamente, aos diretores e gerentes, enquanto o se-
gundo caberia aos trabalhadores, no chão da fábrica. "Caracteriza-se o taylo-
rismo, portanto, como controle do trabalho (pelo capital) através do controle
das decisões que são tomadas no curso do trabalho" (MORAES NETO, 1991, p.
33).

Com essa divisão, torna-se explícita a concepção de quem tem a função ma-
nual e a função intelectual, traçando as metas de quem executa, planeja e rea-
liza.

Nesse contexto, a parte gerencial é vista como o elemento mais privilegiado,


uma vez que pode moldar os movimentos e as atitudes gerais do trabalhador.
Notamos que a divisão do trabalho proposta por Taylor se baseia, fundamen-
talmente, na separação entre aqueles que pensam e aqueles que somente exe-
cutam.

Esse trabalhador, em geral, é reconhecido como desquali�cado ou pouco quali-


�cado, pois é o que realiza as funções cotidiana e mecanicamente, isto é, sem
ter de tomar alguma decisão, pois essa função cabe a outro departamento.

Taylor utiliza essa desquali�cação para planejar toda a linha de produção,


pois, para ele, o trabalhador dessa área não necessita de uma formação pro�s-
sional, mas, sim, de que apenas se cumpra o que lhe é pedido em tempo deter-
minado, para não haver desperdício operacional, con�gurando um cenário no
qual se deseja a distância entre o trabalhador, o instrumento de trabalho e a
sua manipulação, tirando-lhe o poder de decisão.

Observamos que não são somente as bases técnicas de produção que �cam à
mercê das determinações do capital. Tal ideia lança-se para dominar, de modo
subjetivo, o próprio trabalhador, fazendo com que este se transforme em uma
máquina.

De acordo com Taylor, as ferramentas deveriam permanecer nas fábricas, eti-


quetadas em determinado lugar, dentro de armários etiquetados em cores di-
ferentes e com os nomes de quem as utilizava na jornada de trabalho. A cada
�nal de expediente, tudo deveria ser revisado por chefes de equipes.

Como não poderia deixar de ser, a indústria produz o grau máximo de cisão
entre o trabalho intelectual e o trabalho manual, empregando a ciência no pro-
cesso produtivo pela introdução da maquinaria. Entretanto:

[...] o processo de trabalho torna-se cienti�cizado com a introdução da maquinaria


porque permite "uma análise verdadeiramente cientí�ca do processo de produção",
ou seja, permite que "as ações produtivas sejam decompostas nas formas funda-
mentais do movimento e recompostas em operações mecânicas transferíveis às
máquinas" (MORAES NETO, 1991, p. 26).

Taylor revelava com clareza a extensão do poder do capital, mostrando que


não somente o capital era propriedade do capitalista, mas o próprio trabalho e
quem o executa.
De acordo com outro autor:

Taylor tinha a convicção, e reiterava isso em diferentes momentos, de que ele havia
proporcionado uma transformação decisiva para a sociedade industrial, não ape-
nas com a criação de uma ciência do trabalho, mas a operacionalização de uma
verdadeira revolução nas relações entre capital e trabalho (SAUL, 2004, p. 18).

Como sabemos, todos os procedimentos criados por Taylor contribuíram mui-


to para um melhor desenvolvimento da organização cientí�ca do trabalho,
que, de certo modo, escondia-se sob a ideologia da racionalidade cientí�ca, e
com ela o desenvolvimento totalmente ligado à produção capitalista, primei-
ramente nos Estados Unidos e, posteriormente, no restante do mundo.

Henry Ford (1863-1947), empresário norte-americano, à frente de uma empresa


com seu próprio nome (Ford Motor Company), criou, em 1914, o que se denomi-
nou "fordismo".

Para que seus preceitos pudessem ser colocados à prova, Henry Ford criou
uma revolução no sistema de produção de automóveis baseado nas ideias de
Taylor, caracterizando o sistema fordista-taylorista.

Henry Ford nasceu na cidade norte-americana de Springwells. Quando jovem,


trabalhou na fazenda do pai como responsável pela manutenção dos tratores,
ocasião em que demonstrou interesse e talento pela Engenharia automobilís-
tica.

Como modelo de industrialização, o fordismo marcou a conclusão da revolu-


ção taylorista, no início do século 20. Podemos a�rmar, então, que o sistema
fordista/taylorista é um dos maiores e mais clássicos exemplos da teoria e de
todo seu desenvolvimento metodológico (Taylor), sendo colocado na prática
(Ford), sob a tutela do desenvolvimento capitalista.

Tal sistema caracteriza-se pela produção em massa, uma vez que somente por
meio dela poderiam reduzir os custos da produção e o preço de venda dos veí-
culos.
Ainda caracteriza tal sistema produtivo grande número de empregos e conse-
quente achatamento de salários; racionalização de produção por meio da divi-
são de tarefas (fundado em Taylor), não sendo necessária especialização ou
treinamento especí�co, apenas força física e mental para um processo de pro-
dução constituído por trabalho repetitivo, obtendo, assim, a produção em mas-
sa. Nesse contexto, houve a necessidade de grandes galpões para estocagem.

Todavia, uma de suas principais marcas foi o aperfeiçoamento da linha de


montagem, pois os automóveis eram construídos em esteiras rolantes que
funcionavam enquanto os operários �cavam praticamente parados nas esta-
ções, realizando pequenas etapas da produção, tornando, dessa forma, desne-
cessária a alta quali�cação dos trabalhadores.

Veja o trecho seguinte:

[...] a velocidade da passagem da esteira transportadora condiciona o ritmo de tra-


balho dos homens (à força de trabalho com volume constante, é claro). Dizendo de
outro modo, as cadências de trabalho dos homens não dependem de uma norma
(por exemplo, o número de peças por dia) para ser aplicada por homens a outros
homens: aqui é uma máquina que dita o ritmo de intervenção dos homens
(DURAND, 2003, p. 142).

Buscando a redução máxima dos gastos de produção, Ford teve a ideia de pa-
dronizar as peças; portanto, um mesmo componente era montado em um
mesmo modelo. Além disso, ele tomou a iniciativa de comprar as �rmas que
fabricavam peças. Desse modo, "[...] o empresário se atira à integração vertical,
ou seja, ao controle direto de um processo de produção, de cima a baixo"
(GOUNET, 1999, p. 19).

Após essas transformações, Ford começou a automatizar suas fábricas. Os re-


sultados desse investimento foram consideravelmente surpreendentes, e a ve-
locidade com que os automóveis eram montados revelou tal revolução:
A antiga organização da produção precisava de 12:30 horas para montar um veícu-
lo. Com o Taylorismo, ou seja, apenas com o parcelamento das tarefas, a racionali-
zação das operações sucessivas e a estandardização dos componentes, o tempo cai
para 5:50 horas. Em seguida, graças ao treinamento, para 2:38 horas. Em janeiro de
1914, Ford introduz as primeiras linhas automatizadas. O veículo é produzido em
1:30 hora, ou seja, pouco mais de oito vezes mais rápido que no esquema artesanal
usado pelos concorrentes (GOUNET, 1999, p. 19).

No entanto, o empresário necessitava de um contingente muito grande de tra-


balhadores para que pudesse produzir em massa. Para atrair esse batalhão de
operários, Ford propôs um salário de cinco dólares por uma jornada de traba-
lho de oito horas.

Promovendo enorme publicidade nos jornais, dez mil pessoas foram disputar
as cinco mil vagas postas à disposição em uma de suas fábricas. Apesar do
tumulto instalado, Ford conseguiu seu objetivo de contratar o número de mão
de obra necessário. Essa atitude tomada por Ford obviamente não chamara a
atenção dos trabalhadores por conta de um salário que pudesse fazer que
comprassem os carros que produzissem, pois a remuneração não seria su�ci-
ente, mas a ideia do empresário era diminuir a rotatividade dos trabalhadores,
economizando dinheiro no gasto de preparação e treinamento de mão de obra.

Entretanto, alguns autores, como Harvey (1998) e Kumar (1997), a�rmam que a
organização do trabalho difundida por Ford não passava de uma reestrutura-
ção daquilo que já se fazia no século 19. Contudo, o diferencial de Ford:

[...] era a sua visão, seu reconhecimento explícito de que produção de massa signi�-
cava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma
nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psi-
cologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, mo-
dernista e populista (HARVEY, 1998, p. 121).

Ford acreditava numa modi�cação não somente instalada no trabalho, isto é,


no processo produtivo dentro das fábricas, mas também numa modi�cação da
sociedade em todos os aspectos, do lar do trabalhador até o seu lazer. O intento
dos cinco dólares por oito horas de trabalho não signi�cava obrigar o traba-
lhador a seguir regras impostas somente no período de trabalho ou fazê-lo au-
mentar sua produtividade. O empresário previa que o trabalhador deveria sa-
ber gastar seu salário adequadamente.

Nesse contexto, em 1916, Ford:

[...] enviou um exército de assistentes sociais aos lares dos seus trabalhadores "pri-
vilegiados" (em larga medida imigrantes) para ter certeza de que o "novo homem"
da produção de massa tinha o tipo certo de probidade moral, de vida familiar e de
capacidade de consumo prudente (isto é, não alcoólico) e "racional", para responder
às necessidades e expectativas da corporação (HARVEY, 1998, p. 122).

Entretanto, tal modo de vida imposto pelo empresário com certeza não teria
vida longa, mas pôde servir como pressuposto para os problemas políticos, so-
ciais e psicológicos que o fordismo iria trazer.

A disseminação da ideologia do sistema taylorista/fordista, tanto em seu pró-


prio país de origem – Estados Unidos – quanto pelo resto do mundo, encon-
trou muitas di�culdades, sobretudo no período entre a Primeira e a Segunda
Guerra Mundial.

Em primeiro lugar, destaca-se o período da Grande Depressão dos anos 1930,


que fez com que o governo norte-americano tomasse medidas "racionais", as
quais atravancavam o avanço do fordismo. Nota-se, também, que, no restante
do mundo, não havia certa aceitação quanto a um sistema de produção no
qual o trabalhador tivesse longas horas de jornada de trabalho meramente ro-
tinizadas, exigindo pouca habilidade manual tradicional.

Em alguns países, o trabalho artesanal era, simplesmente, muito difundido.


Ford dispunha de muita mão de obra imigrante, o que já não se dava em ou-
tros países. Assim, poucas fábricas na Europa aderiram à tecnologia da linha
de montagem nessa época.

Outro problema importante enfrentado pelo sistema taylorista/ fordista


relacionava-se aos modos e mecanismos de intervenção estatal.
Tornava-se necessário um novo modo de regulação do Estado para garantir
condições à produção fordista. A crise dos anos 1930 pode ser considerada
marco (quanto à necessidade de uma nova mentalidade) da mudança estrutu-
ral no modo e no uso dos poderes do Estado. O governo democrático estaduni-
dense tinha de ser superado, e muitos intelectuais e políticos já concordavam
com certo autoritarismo e intervencionismo estatal.

Tal situação só foi resolvida após 1945. Nesse período pós-guerra, o fordismo
aliou-se à nova forma de ideologia estatal, conhecida como "Estado de bem-
estar social" ( ), que tinha como base econômica a doutrina key-
nesiana (keynesianismo). Com base nesse princípio, Fiori (1995) indicou qua-
tro considerações, as quais acreditava serem fundamentais para o sucesso da
implementação do Welfare State e para a sua relação com o fordismo:

A primeira era constituída pelos fatores materiais ou econômicos [...] A segunda


era constituída pelo "ambiente" econômico global [...]. A terceira, constituída, inici-
almente, pelo "clima" de solidariedade nacional que se instalou logo depois da
guerra [...]. A quarta, constituída pelo avanço das democracias partidárias e de
massa (FIORI, 1995, p. 4-5).

O paradigma fordista fortaleceu-se, pois o Estado de bem-estar social promo-


veu segurança ao crescimento e estabilidade ao trabalhador, o que, conse-
quentemente, ajudaria a movimentar e a acelerar o ritmo de crescimento
econômico, seguindo à risca os preceitos econômicos de Keynes.

O acordo de corroborou o desenvolvimento do sistema político,


sobretudo o favorecimento e o equilíbrio da economia em padrões internacio-
nais.

O momento de bipolaridade no mundo pós-Segunda Guerra Mundial trouxe o


progresso de partidos políticos de caráter social, aumentando o poder e dando
voz à grande massa trabalhadora. Contudo, não houve linearidade na imple-
mentação do modelo de Welfare State, pois cada país, a seu modo e com suas
particularidades, utilizou vários padrões de construção e de organização do
Estado de bem-estar social.
No Brasil, por exemplo, a prática desse modelo não ganhou caracterização
concreta como nos demais países. Por volta da década de 1930, a população
brasileira, em sua grande parte, ainda vivia na zona rural. Apesar da rápida
urbanização que ocorreu anos depois, os trabalhadores não reuniam condi-
ções para o amadurecimento de lutas e movimentos políticos contra os oligar-
cas.

No entanto, o número de capitalistas (agricultores) considerados extrema-


mente ricos ainda era muito baixo, caracterizando, assim, uma in�uência do
governo brasileiro de intermédio entre a classe operária e os agricultores.
Nesse momento, outra classe estava em ascensão, assinalada pelos burgueses
industriais. O governo de Getúlio Vargas tomou para si interesses que talvez
fossem peculiares à classe trabalhadora, o que, posteriormente, acarretaria um
fraco envolvimento dos operários nas lutas contra o capital.

Todavia, as lutas de classe no Brasil foram reprimidas pela ascensão da bur-


guesia industrial, uma vez que as políticas públicas eram bastante efêmeras,
objetivando condições para acumulação de capital. Tampouco observamos
políticas de seguridade social no período da ditadura militar.

Diante dessas considerações particulares discutidas referentes ao governo


brasileiro, há algumas explicitações que se valem como comuns a todos os
países que adotaram a política do Welfare State:

1. A natureza, forma e ritmo do desenvolvimento econômico.


2. O grau, intensidade e organicidade da mobilização da classe operária.
3. O grau de avanço do desenvolvimento político-institucional.
4. A extensão ou impacto do efeito de difusão das inovações ocorridas nos
países paradigmáticos.
5. A forma peculiar e a intensidade em que se desenvolve a luta política en-
volvendo os partidos que tradicionalmente representaram o mundo do
trabalho (FIORI, 1995, p. 11).

Contudo, de modo geral, com esse novo modo de regulação estatal, podemos
notar um avanço nas melhorias de modernas corporações, o fortalecimento
de sindicatos, entre outros.
Dentre as mudanças ocasionadas pelo Estado de bem-estar social, destacam-
se:

O Estado, por sua vez, assumia uma variedade de obrigações. Na medida em que a
produção de massa, que envolvia pesados investimentos em capital �xo, requeria
condições de demanda relativamente estáveis para ser lucrativa, o Estado se esfor-
çava por controlar ciclos econômicos com uma combinação apropriada de políti-
cas �scais e monetárias no período pós-guerra. Essas políticas eram dirigidas para
áreas de investimento público – em setores como transporte, os equipamentos pú-
blicos etc. – vitais para o crescimento da produção e do consumo de massa e que
também garantiam um emprego relativamente pleno. Os governos também busca-
vam fornecer um forte complemento ao salário social com gastos de seguridade
social, assistência médica, educação, habitação etc. Além disso, o poder estatal era
exercido direta ou indiretamente sobre os acordos salariais e os direitos dos traba-
lhadores na produção (HARVEY, 1998, p. 129).

Veja o Quadro 1, a seguir, que ilustra parte do assunto exposto.

A organização de salários em quatro países, 1950-1975.

Alta, colari-
Baixa Variável Moderada
nho azul

Fragmentada Periódica
Fraca com
entre indústri- com movi- Estruturada e
facciosismo
as e categori- mentos de uni�cada
político
as massa

Divididos en- Rivalidade


tre tendênci- Fraca organi- setor priva- Fortes e orga-
as e organiza- zação coletiva do setor pú- nizados
ções blico
Intervenções Negociação
amplas e re- coletiva vo- Intervenção
gulamenta- luntária com legislativa
ção do traba- normas �xa- periódica Papel muito
lho e dos sa- das pelo dependente fraco
lários através Estado a par- de luta de
de acordos tir da metade classes
tripartites dos anos 1960
: adaptado de Boyer (s/d.) apud Harvey (1998).

Entretanto, as formas de intervencionismo estatal variavam muito entre paí-


ses, conforme podemos observar no Quadro 1. Por exemplo, existia uma gran-
de atuação da força sindical na Grã-Bretanha em relação aos demais países
capitalistas avançados. Intervenções mais contundentes por parte de alguns
Estados-nação, como no caso de Itália e França.

Como vimos, são variadas as formas de intervencionismo estatal, e muitas são


as "[...] posturas tomadas por diferentes governos da Europa Ocidental diante
das negociações de contratos trabalhistas" (HARVEY, 1998, p. 130).

Outras diferenças são notórias no que tange aos padrões de gastos públicos, da
organização e da estrutura do Welfare State. Todavia, as organizações traba-
lhistas e os sindicatos também variavam, consideravelmente, de país para
país.

Assim, o sistema taylorista/fordista no período pós-guerra começou a efetuar,


de�nitivamente, seus objetivos no que se refere à questão do processo produti-
vo de trabalho, bem como à organização da vida em sociedade.

Após seu avanço no território norte-americano, tal sistema começou a


expandir-se rapidamente por vários países do mundo. Com o �m da Segunda
Guerra Mundial, impulsionado pelo Plano Marshall, que tinha como principal
objetivo reconstruir países da Europa Ocidental, muitos estudos evoluíram pa-
ra implementação do fordismo nessa parte do continente.

O �uxo de comércio e investimento mundiais (baseados no Plano Marshall)


foi crucial para a disseminação da ideologia de Henry Ford, sobretudo na
Europa Ocidental e no Japão. As corporações norte-americanas buscavam
mercados externos para superar a demanda interna, permitindo que a capaci-
dade excedente dos Estados Unidos fosse absorvida pelos demais países.
Assim, o fordismo progrediu, formando mercados de massas globais e cor-
roborando a nova concepção de .

Em relação ao Japão, são necessárias algumas considerações relativas ao in-


vestimento de capital estrangeiro. Os japoneses tentaram introduzir, nos anos
1920, os novos métodos de produção (fordismo), com a instalação de três gran-
des empresas norte-americanas. Mas sabendo da grande diferença econômi-
ca e produtiva entre empresas nacionais e internacionais, o governo fascista
decidiu proteger a produção local: "Em 1936, edita a lei da indústria automobi-
lística, criando obstáculos para as importações e, o que é mais importante,
proíbe a produção estrangeira em território japonês" (GOUNET, 1999, p. 23). Em
razão disso, as empresas norte-americanas são convidadas a sair da ilha.

Entretanto, em 1945, o Japão perdeu a guerra, e, com isso, os investimentos


norte-americanos começaram a voltar. Mas como vimos anteriormente, o se-
tor automobilístico tem muita importância para um país, seja ele qual for.
Assim, os japoneses mantiveram a ideia do não investimento estrangeiro em
tal setor. Por ser um país em plena reconstrução, a produção em massa não
trouxe resultados; os acidentes geográ�cos e o pouco espaço físico do país não
permitiam a circulação de milhares de automóveis.

Como a demanda pela fabricação era menor no Japão, foi possível a produção
de modelos diversi�cados. Com todos esses aspectos, o sistema taylorista/for-
dista não atingiu, completamente, o Estado- japonês, ou seja, outro mo-
delo de sistema produtivo teve de ser desenvolvido para suprir as necessida-
des do Japão, modelo este que veremos mais adiante.

Com hegemonia reconhecida nos poderes econômicos, políticos e militares


nos EUA, o dólar transformou-se em moeda mundial, facilitando a abertura de
mercados e mercadorias ao poder das grandes multinacionais norte-
americanas.
Assim, a expansão internacional do fordismo ocorreu numa conjuntura particular
de regulamentação político-econômica mundial e uma con�guração geopolítica
em que os Estados Unidos dominavam por meio de um sistema bem distinto de ali-
anças militares e relações de poder (HARVEY, 1998, p. 132).

Mas, como era de se esperar, o sistema taylorista/fordista ocasionou muitas


desigualdades, apontando de�ciências que acarretariam, a posteriori, o seu de-
clínio. Cada estado procurava administrar a seu modo as relações de trabalho,
as políticas monetária e �scal, os investimentos públicos. Os salários da mas-
sa trabalhadora estavam atrelados a maior ou menor capacidade econômica
dos estados-nação, o que implica mencionar um crescente con�ito sindical.

As desigualdades produziram sérias revoltas sociais, e os preconceitos de ra-


ça, gênero e origem étnica começaram a despontar naquilo que constituía
acesso ou não aos melhores cargos nas empresas. Sem acesso a bons empre-
gos, os trabalhadores, consequentemente, não dispunham de bons lazeres e de
melhores condições de vida.

Devemos acrescentar a insatisfação dos países do chamado "Terceiro Mundo",


que, ao tentarem inserir-se nesse processo de integração ao fordismo, acaba-
ram tendo o colapso de suas culturas locais e muita opressão dos países mais
ricos em troca de investimentos estrangeiros que só bene�ciavam uma parce-
la ín�ma da sociedade, entre outros fatores.

Já em 1973, o modelo taylorista/fordista caiu, de�nitivamente, em profundo


declínio, aumentando a crise estrutural já instalada, aliado ao grande recesso
ocasionado pela crise do petróleo.

O contexto histórico de transição: do fordismo ao pós-


fordismo
Em análise mais profunda, já era possível observar indícios de problemas gra-
ves no fordismo, na década de 1960. A Europa Ocidental e o Japão vinham nu-
ma crescente recuperação, quando, com o equilíbrio do mercado interno,
tornava-se acessível a ambos a busca maior pelo mercado externo. Os Estados
Unidos já iniciavam um período de declínio em sua produtividade e lu-
cratividade, fazendo que o dólar começasse a perder forças como moeda-
reserva internacional.

Os países do chamado "Terceiro Mundo", sob in�uência das grandes multina-


cionais, endossaram um grande levante de industrialização fordista, porém,
como já mencionado anteriormente, cada estado tinha o seu modo de condu-
zir tal sistema, o que acarretou um fraco ou inexistente contrato social. Com
essa con�guração no cenário internacional, a hegemonia estadunidense foi
desa�ada cada vez mais, assim como o dólar também se desvalorizou. De mo-
do geral, tanto o fordismo quanto o keynesianismo mostraram-se incapazes
de conter os contrassensos do sistema capitalista, principalmente pela rigidez
em que ambos se propunham.

Havia severidade nos investimentos de capital �xo que impedia a �exibilidade


de planejar e crescer em mercados de consumo distintos. Havia, também, rigi-
dez nos mercados e nos acordos trabalhistas.

Além disso, de acordo com Harvey (1998, p. 135): "[...] toda tentativa de superar
esses problemas de rigidez encontrava a força aparentemente invencível do
poder profundamente entrincheirado da classe trabalhadora". Toda essa aus-
teridade do estado foi intensi�cando-se até o ponto em que os gastos públicos
saíram do controle, dando margem a sérios problemas �nanceiros. Diante dis-
so:

O único instrumento de resposta �exível estava na política monetária, na capaci-


dade de imprimir moeda em qualquer montante que parecesse necessário para
manter a economia estável. E, assim, começou a onda in�acionária que acabaria
por afundar a expansão do pós-guerra (HARVEY, 1998, p. 136).

Todos esses problemas, aliados à crise mundial nos mercados imobiliários,


por conta do processo in�acionário, e os efeitos da decisão da OPEP
(Organização dos Países Exportadores de Petróleo) de aumentar o preço do
"ouro negro" e a atitude dos árabes em embargar o petróleo para o Ocidente �-
zeram que muitos empresários, de diversos segmentos, buscassem alternati-
vas para mudar a situação que se instalava. Em razão desses fatores, muitas
empresas foram obrigadas a racionalizar e a reestruturar o controle sobre o
processo de trabalho.

A mudança tecnológica, a automação, a busca de novas linhas de produto e nichos


de mercado, a dispersão geográ�ca para zonas de controle do trabalho mais fácil,
as fusões e mediadas para acelerar o tempo de giro do capital passaram ao primei-
ro plano das estratégias corporativas de sobrevivência em condições gerais de de-
�ação (HARVEY, 1998, p. 137).

No �nal da década de 1970 e início dos anos 1980, a política e a vida social co-
meçaram a tomar um feitio de progresso. Uma nova maneira de organização
industrial começou a ser desenvolvida.

Partindo dessa nova con�guração, as mais signi�cativas mudanças foram à


passagem para um regime de acumulação totalmente novo, adjunto à regula-
mentação política e social bem distinta.

A , também chamada "toyotismo", vem na contramão do


sistema taylorista/fordista, modelo vigente até então. A �exibilidade no pro-
cesso de trabalho, nos mercados, nos produtos, a incorporação de novas tecno-
logias, o avanço nos setores de serviços etc. são algumas das características
desse novo sistema de acumulação.

O trabalho organizado começou a se transferir para regiões e centros mais an-


tigos onde careciam as indústrias. O poder sindical – uma das colunas políti-
cas no fordismo – enfraqueceu-se, ao passo que, cada vez mais, houve a dimi-
nuição dos salários, o aumento nas jornadas de trabalho (sobretudo as chama-
das horas extras) e o desemprego, acarretando, desse modo, drástica transfor-
mação no mercado de trabalho.

Com a variabilidade do mercado, a competitividade e a diminuição das mar-


gens de lucro, os empresários aproveitaram a instabilidade sindical e a mão
de obra excedente para, quase coercitivamente, impor contratos de trabalho
mais �exíveis.

Talvez uma das maiores mudanças no trabalho, em geral, tenha sido o fato de
que os trabalhadores temiam a perda de estabilidade no emprego, ou seja, a re-
dução do emprego regular. Em detrimento a esse fato, cresceu, consideravel-
mente, o uso do trabalho em tempo parcial, temporário ou subcontratado.

Com efeito, surgiu, nas empresas, determinado grupo de pessoas que traba-
lham em tempo integral, com mais segurança no emprego, boas condições de
promoção e que devem atender às expectativas de ser trabalhador �exível,
adaptável e, se necessário, geogra�camente móvel. Nesse grupo, podemos
considerar administradores, publicitários e outros.

Surgiu, também, outro grupo de empregados em tempo integral, que consistia


em habilidades que são facilmente encontradas no mercado de trabalho, como
as do setor �nanceiro, secretárias, dos trabalhos manuais, dos serviços gerais
etc. Com menos acesso às oportunidades de ascensão na carreira pro�ssional,
esse grupo tendia a ter rotatividade muito alta, migrando, constantemente, de
um emprego a outro.

A mudança na estrutura do mercado de trabalho abriu a possibilidade de no-


vas formas de sistema produtivo, bem como reavivou formas antigas de rela-
ções no trabalho (Quadro 2).

Diferentes formas do processo de trabalho e de organização da pro-


dução.

Individualista e
Consultores, ar- regida pelo merca-
Troca de bens e
Autônoma tesãos e setor do, antimonopólio
serviços
informal ou regulamenta-
ção estatal

Acordos internos,
Coletivos e coo-
Cooperativa intercâmbio exter- Negociação
perativas
no
Pequenas �r-
Parentesco baseado
Patriarcal mas familiares Paroquial
em idade e sexo
(exploradoras)

Comunidade base-
Grandes �rmas
Paternalismo co- ada em normas, em
domésticas (tra- Aparência e status
munitário costumes e na for-
balho duro)
ça

Possibilidade de
Sistemas corpo- Racionalidade, leal- ascensão funcio-
Paternalismo bu-
rativos e de ge- dade e antiguidade nal e competição
rocrático
rência estatal calculadas dentro das organi-
zações

Impérios hierar-
quicamente or- Relações de poder e
Barganhas, ga-
ganizados na troca de favores
Patrimonial nhos mútuos e lu-
produção, no co- (privilégio tradicio-
tas dinásticas
mércio ou nas nal)
�nanças

Compra e venda de
força de trabalho e Competição no
Empresa capita-
controle sobre o mercado, ação co-
Proletária lista e sistema
processo de traba- letiva, negociação
de fábricas.
lho e os meios de e luta de classes.
produção.
: adaptado de Deyo (1987) apud Harvey (1998).

Com o advento dessa nova estruturação �exível, aumentaram-se os pequenos


negócios e, conjuntamente, os trabalhos domésticos, artesanais, patriarcais,
paternalistas, dentre outros. O trabalho informal também cresceu rapidamen-
te, sendo, muitas vezes, em várias famílias, o único sustento, mesmo oferecen-
do riscos.

Aliás, como não pode deixar de ser lembrado, essas novas e antigas formas de
organização do trabalho são usadas como estratégias de sobrevivência para os
desempregados ou pessoas que sofrem algum tipo de discriminação, como
imigrantes, negros ou, até mesmo, as mulheres.

Um dos grandes problemas dessa disseminação das formas organizativas de


trabalho é a falta de reconhecimento da massa trabalhadora como classe soci-
al. Essa individualização no modo de trabalho faz que os sindicatos se tornem
reféns das empresas, e, além disso, esse re�exo conduz a classe trabalhadora a
não se reconhecer como parte de um todo, particularizando reivindicações,
que, até certo grau, não mobilizam grandes lutas, como no passado não muito
distante.

Ao contrário daquilo que foi proposto no sistema taylorista/ fordista, com o


sistema de produção em massa e em série, muitas indústrias passaram a pro-
duzir em menor escala, porém, com alto padrão de adaptabilidade ao mercado,
ou seja, os produtos fornecidos pelas indústrias são cada vez mais diversi�ca-
dos.

Podemos, então, destacar que:

Esses sistemas de produção �exível permitiram uma aceleração do ritmo da inova-


ção do produto [...] Em condições recessivas e de aumento da competição, o impul-
so de explorar essas possibilidades tornou-se fundamental para a sobrevivência
(HARVEY, 1998, p. 148).

O tempo de produção de mercadorias, fator fundamental para a lucratividade


no capitalismo, foi reduzido drasticamente graças às novas tecnologias de
produção – robôs, automação – e às novas formas de organização do trabalho,
just-in-time.

Com a �exibilização na produção de mercadorias cada vez mais diversi�cada,


o consumo obrigatoriamente mudou também. Foi necessário fazer com que a
sociedade consumisse mais rapidamente, o que tornou, consequentemente, o
tempo de vida útil das mercadorias menor.
Mas a aceleração do tempo de giro na produção teria sido inútil sem a redução de
tempo de giro no consumo. A meia-vida de um produto fordista típico, por exemplo,
era de cinco a sete anos, mas a acumulação �exível diminuiu isso em mais da me-
tade em certos setores (como o têxtil e o do vestuário) [...] (HARVEY, 1998, p. 148).

Essas mudanças acabaram por valorizar outras áreas do mercado de trabalho,


como, por exemplo, o setor de serviços. Houve crescimento da subcontratação
e da consultoria, ou seja, algumas atividades que antes eram realizadas dentro
da própria empresa e por seus próprios funcionários foram externalizadas, co-
mo o campo do marketing, da publicidade, entre outros.

Outro fator de elucidação para essa grande mudança no sistema produtivo foi
o fato de que, no sistema fordista, algumas empresas monopolizaram produ-
tos, tomando grande espaço no mercado mundial. Porém, na acumulação �e-
xível, a concorrência aumentou aceleradamente, fazendo que as empresas
buscassem alternativas para ocupar espaços no mercado. Assim, uma dessas
alternativas manifestou-se no grande número de fusões entre grandes empre-
sas. "As companhias norte-americanas gastaram 22 bilhões de dólares com-
prando umas às outras em 1977, mas, por volta de 1981, a cifra chegara a 82 bi-
lhões [...]" (HARVEY, 1998, p. 150).

Todas essas transformações ocorridas de um sistema a outro não sugerem


que o capitalismo esteja desestruturando-se, mesmo que, pelos modos de des-
centralização, da mobilidade geográ�ca e da �exibilização exigente do merca-
do, do modo produtivo e do consumo, autores como Lash e Urry (1987) tenham
denominado a atual fase como "capitalismo desorganizado".

Talvez um dos maiores trunfos de todas essas mudanças tenha sido o avanço
tecnológico, sobretudo no que tange ao acesso à informação, cada vez mais rá-
pida e precisa. Torna-se mercadoria muito valorizada, bem como seu controle,
por uma minoria de grandes corporações.
Um dos traços marcantes do atual período histórico é, pois, o papel verdadeiramen-
te despótico da informação. [...] Todavia, nas condições atuais, as técnicas da infor-
mação são principalmente utilizadas por um punhado de atores em função de seus
objetivos particulares. Essas técnicas da informação (por enquanto) são apropria-
das por alguns Estados e por algumas empresas, aprofundando assim os processos
de criação de desigualdades (SANTOS, 2003, p. 38).

A capacidade instantânea de absorção de dados aumenta a competitividade,


pois, na acumulação �exível, tal fato é sinônimo de vantagens e de obtenção
de lucro.

Como a técnica está sempre aliada ao saber, o conhecimento cientí�co torna-


se peça chave para as empresas. "[...] o conhecimento da última técnica, do
mais novo produto, da mais recente descoberta cientí�ca, implica a possibili-
dade de alcançar uma importante vantagem competitiva" (HARVEY, 1998, p.
151).

Entretanto, a utilização da ciência e da técnica, no ideário da acumulação �e-


xível, visa, quase exclusivamente, ao aspecto econômico, tornando-se via de
acesso àqueles que detêm muito dinheiro para poder usufruir dos benefícios.
Em geral, a ciência, claramente, objetiva �ns mais econômicos do que sociais,
�cando à mercê da produção e dos produtores, perdendo seu principal ideário,
que é o de servir à sociedade.

Como advento desse novo surto de tecnologias de ponta, o sistema �nanceiro


tornou-se cada vez mais globalizado. A concepção de mercados e mercadorias
globais signi�cou a inédita criação de dinheiro e de créditos também de di-
mensões globais. A interligação entre bancos, corretoras, serviços �nanceiros,
entre outros, tornou-se muito rápida, ultrapassando fronteiras antes inimagi-
náveis.

Os novos sistemas �nanceiros implementados a partir de 1972 mudaram o equilí-


brio de forças em ação no capitalismo global, dando muito mais autonomia ao sis-
tema bancário e �nanceiro em comparação com o �nanciamento corporativo, esta-
tal e pessoal (HARVEY, 1998, p. 155).
Para tanto, a acumulação �exível toma o capital �nanceiro como poder coor-
denador, o que signi�ca que as chances de uma crise �nanceira e monetária
são grandes em comparação ao sistema fordista, mesmo obtendo-se transfe-
rências de fundo de empresas rapidamente, a �m de minimizar suposta ten-
são.

Contudo, o mesmo autor ainda complementa, argumentando sobre o domínio


coordenador do capital �nanceiro, que extrapola todas as expectativas:

Boa parte da �uidez, da instabilidade e do frenesi pode ser atribuída diretamente ao


aumento dessa capacidade de dirigir os �uxos de capital para lá e para cá de ma-
neira que quase parecem desprezar as restrições de tempo e de espaço que costu-
mam ter efeito sobre as atividades materiais de produção e consumo (HARVEY,
1998, p. 155).

Para que, de fato, o sistema taylorista/fordista fosse concretizado nos Estados


Unidos e, posteriormente, no restante dos países capitalistas ocidentais, era
necessário que o Estado-nação estivesse de acordo com tal sistema. Isto im-
plicou, naquela época (meados do século 20), o surgimento do Estado de bem-
estar social sob a política econômica keynesiana. No regime de acumulação
�exível, não poderia ser diferente, o Estado deveria assumir seu papel de pro-
vedor e, consequentemente, suas obrigações. A lenta retirada do Estado de
bem-estar social, o ataque ao salário e as organizações sindicais são postula-
dos que careciam de resolução e que contribuíram para a mudança política
dos Estados.

As políticas adequadas para retomar o crescimento econômico nas sociedades ca-


pitalistas, conclui o diagnóstico, exigirão necessariamente transformações profun-
das nas estruturas das sociedades ocidentais, com perspectiva de liberar nova-
mente o funcionamento dos mecanismos naturais, que se expressam no mercado e
que foram desvirtuados pela aplicação de políticas redistributivas direcionadas pe-
lo Estado (BIANCHETTI, 2005, p. 23).

Sob esse viés, o sistema de acumulação �exível ganhou forças, apoiando-se


em nova estrutura política estatal baseada nas ideias neoliberais, nas quais o
mercado regula não somente suas ações em si, mas toda a sociedade.
9. Acumulação �exível e o estado neoliberal
Com a política estatal baseada no neoliberalismo, o modelo fordista de produ-
ção já não era mais aceito, e, consequentemente, adotou-se o toyotismo ou a
produção �exível. Nesse modelo, a produção baseia-se em resposta imediata
às variações das vendas, exigindo a organização �exível e integrada do traba-
lho e dos trabalhadores. Trata-se de uma "experiência democrática de gestão
da produção nos marcos do capitalismo", em que o sistema opera sob pressão
permanente e com intensi�cação notável do trabalho, em comparação ao tay-
lorismo clássico (KUMAR, 1997, n. p.).

Na realidade, trata-se de uma ofensiva do capital sobre o processo de fabrica-


ção, pois, ao reconstituir as práticas tayloristas e fordistas, a expectativa é al-
cançar o que pode ser chamado de "captura da subjetividade operária pela
produção do capital".

É uma tentativa de racionalização do trabalho a partir de uma estratégia dis-


tinta daquela conhecida por Taylor e Ford. Tal diferenciação apresenta-se na
sua extensão subjetiva, visto ser necessário encontrar saídas para, dentro das
novas condições do capitalismo mundial, resolver uma das di�culdades estru-
turais da fabricação de mercadorias, qual seja, a aceitação operária (ou como
desfazer a resistência operária ao anseio de valorização do capital, no plano
da fabricação).

Como disse Gramsci (1978, p. 381), com o fordismo, "[...] a superioridade vem da
fábrica".

Se o taylorismo/fordismo buscou resolver esse problema por meio de parceli-


zação e repetitividade do trabalho, o toyotismo busca resolvê-lo por uma espé-
cie de "desespecialização" dos trabalhadores, da acomodação de determinada
polivalência e plurifuncionalidade dos homens e das máquinas.

É a intervenção de uma nova espécie de captura da subjetividade operária pe-


la fabricação do capital, avaliada como o nexo fundamental da série de proto-
colos da informática, objeto de gestão do toyotismo, como a "automação", o
just-in-time e o kanban.
Para Rezende (1997), é evidente que, a partir da perspectiva histórica, a ampli-
ação da nova base técnica da obra microeletrônica venha depois da consigna-
ção do toyotismo.

Na realidade, o toyotismo não tem a ambição de tentar uma sociedade "racio-


nalizada", mas uma "fábrica racionalizada" por meio da racionalização do pro-
cesso de trabalho. Sendo um modelo de gestão �exível, o toyotismo é adaptá-
vel a qualquer realidade e condição de trabalho, seja qual for o Estado-nação
que irá empreendê-la. Para tanto, é preciso uma sustentabilidade política ad-
vinda do neoliberalismo, que garantirá condições propicias à sua implantação
e desenvolvimento.

Como aponta Filgueiras (2012), o neoliberalismo pode ser visto como ideologia
ou, ainda, como um conjunto de políticas econômico-sociais. Como ideologia,
in�uenciou o comportamento de indivíduos e grupos sociais, sendo reivindi-
cado por intelectuais e governantes; como conjunto de políticas, foi adotado
pela maioria dos atuais governos.

As políticas econômicas referem-se às políticas públicas que fazem alusão às


matérias econômicas, procurando regular ou alterar os interesses econômicos
de uma nação. As políticas neoliberais foram eleitas como alternativas à crise
do Welfare State, com a reestruturação produtiva, como resposta à crise do
modelo fordista.

O neoliberalismo defende o total afastamento do Estado em relação aos meca-


nismos de funcionamento do mercado; este, sendo livre, garantirá liberdade
econômica e política. É uma doutrina que se constrói em uma sociedade de-
mocrática, tendo como princípio o aprofundamento da desigualdade social,
característica considerada positiva e motivadora para a concorrência.

A livre concorrência materializa-se por meio das �exibilizações das relações


de trabalho e, em nível macroeconômico, mediante a livre circulação de mer-
cadorias e de capitais �nanceiros.

No entanto, o total afastamento político das ações econômicas não ultrapassa


o âmbito do discurso. Na realidade, contraditoriamente, o Estado interfere na
economia e o faz sob a égide da defesa do grande capital, justi�cadas como in-
tervenções passageiras apenas para regulagem.

Nas palavras de Santos (2004, p. 176), "[...] quando se trata de defender esses
interesses, a economia de mercado é mandada às favas [...]".

O neoliberalismo elege a democracia representativa como sendo ideal aos


seus objetivos. Em contrapartida, rejeita qualquer tipo de ação coletiva, como
os sindicatos, por exemplo, visto que em todas as instâncias – econômica, so-
cial e política – essa doutrina considera o indivíduo como referência maior.

Juntam-se a esse cenário os altos níveis de so�sticação que a tecnologia ele-


trônica alcançou, permitindo �exibilizar ainda mais o mercado, o capital e
mesmo as indústrias e as relações de trabalho. Como a�rma David Harvey
(1998, p. 148) "[...] o tempo de giro – que sempre é uma chave da lucratividade
capitalista – foi reduzido de modo dramático pelo uso de novas tecnologias
produtivas [...]".

O acesso à informação, aliado à grande capacidade de análise de dados, per-


mite a coordenação centralizada de interesses corporativos descentralizados.
Agrega-se a isso uma completa reformulação do sistema �nanceiro mundial,
com a criação de instrumentos inéditos até então agindo nos �uxos �nancei-
ros de modo global.

Essa desregulamentação �nanceira, desde 1986, vem atingindo todos os cen-


tros do mundo, uma vez que, com tamanha �uidez, torna-se exequível deslo-
car �uxos �nanceiros de um lado a outro, eliminando-se as barreiras de tempo
e espaço.

A acumulação �exível é tida como produto de reformulação do capitalismo.


Este sempre se renova e se refaz após cada crise, por ser:
[...] a própria "ordem natural", começo e �m da história, de acordo com uma concep-
ção que enxerga a sociedade governada por "leis naturais" e imutáveis, que existem
"desde quando o mundo é mundo", semelhantes à lei da gravidade, isto é, leis que
sempre existiram, existem e sempre existirão (FILGUEIRAS, 2012).

As privatizações das empresas públicas também integram os objetivos das


políticas neoliberais. Essas empresas sofrem muitas críticas da ideologia neo-
liberal, que parte da premissa de que "[...] tudo que o Estado faz é mau, ine�ci-
ente e corrupto; e que tudo o que faz o setor privado é bom, e�ciente e virtuoso"
(BORÓN, 1995, p. 82).

As privatizações faziam parte da reforma estrutural do Estado e foram mais


expressivas nos países periféricos que nos países considerados de centro do
capital. A receita consiste em fortalecer o setor privado em detrimento do
Estado, que, consequentemente, se apresenta sem possibilidades de atuação,
especialmente no setor social, precarizando a oferta adequada no setor da
saúde, educação, moradia, transporte, dentre outros.

É preciso registrar que essa ideologia neoliberal, de cunho político conserva-


dor, assumida pelos Estados, tem como principal objetivo o aumento e a ma-
nutenção da acumulação capitalista em detrimento da classe trabalhadora.

Dessa forma, aproveitando-se da crise de superacumulação causada pelo for-


dismo, os processos de reestruturação produtiva, acompanhados de forte
avanço tecnológico de automação, facilitam e agilizam o processo de globali-
zação nos âmbitos �nanceiro e comercial. A palavra de ordem nos anos de
1970 foi a �exibilidade em todos os setores: produtivo, comercial e �nanceiro.
Isto restringiu a atuação dos sindicatos e mesmo a regulação dos governos
nos mercados �nanceiros, deixando livre o terreno para a forte especulação �-
nanceira, que, por sua vez, é o principal meio de acumulação de capital no re-
gime neoliberal.

Nesse cenário, preconiza-se que Estado e mercado:


[...] não devem ser vistos como opostos, mas sim como complementares. Ambos
têm a função social a cumprir e, para que isso aconteça, é preciso que o Estado, vis-
to aqui como o conjunto das forças políticas do país, seja o organismo regulador e
disciplinador do mercado, para que os interesses da minoria privilegiada não se so-
breponham aos da imensa maioria da população (ADAS, 1998, p. 177).

As consequências desse receituário neoliberal estão explícitas pelo globo.


Tiveram êxito com a queda da in�ação e aumento das receitas do setor priva-
do, especialmente por meio da especulação �nanceira e do desemprego. No
entanto, não trouxeram crescimento ao orçamento dos Estados; principalmen-
te, graças ao baixo investimento produtivo e aos gastos que este passou a ter
com os problemas sociais.

O desemprego, objetivado, também, pelas ideologias neoliberais, não se carac-


teriza por simples consequência do determinismo tecnológico, mas, antes, co-
mo consequência de forte �exibilização no setor produtivo.

Tais políticas permitiram criar uma atmosfera social favorável – por meio do
desemprego em massa – para que as empresas retomassem o controle sobre o
ritmo e a mobilidade do processo de trabalho (NETO, 1998).

O capital, portanto, posto sob o comando das políticas neoliberais, atinge uma
�exibilidade tal que o libera de todas as amarras e restrições para atingir o
máximo de acumulação possível.

A realidade é a total �exibilização nos âmbitos espacial, temporal, produtivo,


�nanceiro, comercial e nas relações de trabalho. Todas as estratégias neolibe-
rais proporcionam resultados favoráveis ao capital, à custa de lamentáveis ba-
lanços da sociedade e do Estado. O desemprego estrutural e a vulnerabilidade
exposta pelo Estado diante da volatilidade da especulação �nanceira provo-
cam uma insegurança permanente, tanto na sociedade quanto no Estado.
Desse modo, homogeneíza-se economicamente, política e socialmente, parte signi-
�cativa do planeta, mas ao mesmo tempo, aprofunda-se a diferenciação no interior
de cada espaço nacional, mesmo nos países mais desenvolvidos. Nessa medida,
globaliza-se o desemprego e a exclusão social, a instabilidade e as incertezas; en-
�m, globaliza-se um certo mal-estar, inclusive entre as parcelas privilegiadas das
sociedades, de se estar destruindo um "modo de vida" sem, contudo, se ter ainda a
clareza do que se está colocando em seu lugar (FILGUEIRAS, 2012).

A herança do neoliberalismo é uma sociedade fragmentada, individualizada;


isto mostra que o neoliberalismo não é capaz de prover o marco ideológico, so-
cial, econômico e cultural mais adequado para se adaptar às novas realidades.

Diante do exposto, evidencia-se que o neoliberalismo alcançou êxito em um


grau provavelmente não dimensionado pelos seus idealizadores, disseminan-
do a ideia de que não há alternativas para os seus princípios e de que todos,
seja confessando ou negando, têm de se adaptar a seus preceitos.

Assim, entende-se que o neoliberalismo sobrevive a si mesmo pela incapaci-


dade da esquerda em construir, de forma hegemônica, alternativas que levem
à superação, visto que "[...] qualquer balanço atual do neoliberalismo só pode
ser provisório. Este é um movimento ainda inacabado [...]", como postula
Anderson (1995, p. 22).

O Quadro 3 apresenta de modo sintético as principais diferenças entre o for-


dismo e a acumulação �exível, no que tange ao processo de produção, traba-
lho, espaço, Estado e ideologia.

Contraste entre o fordismo e a acumulação �exível.

Produção em massa de bens homo-


Produção em pequenos lotes.
gêneos.
Produção �exível e em pequenos lo-
Uniformidade e padronização. tes de uma variedade de tipos de pro-
duto.

Grandes estoques e inventários. Sem estoques.

Testes de qualidade ex-post (detec-


Controle de qualidade integrado ao
ção tardia de erros e produtos defei-
processo (detecção imediata de erros).
tuosos).

Produtos defeituosos �cam ocultados Rejeição imediata de peças com de-


nos estoques. feito.

Perda de tempo de produção por cau-


Redução do tempo perdido,
sa de longos tempos de preparo, pe-
reduzindo-se "a porosidade do dia de
ças com defeito, pontos de estrangu-
trabalho".
lamento nos estoques etc.

Voltada para os recursos. Voltada para a demanda.

Integração vertical e (em alguns ca- Integração (quase) vertical, subcon-


sos) horizontal. tratação.

Redução de custos por meio do con- Aprendizagem na prática integrada


trole dos salários. ao planejamento a longo prazo.

Realização de uma única tarefa pelo


Múltiplas tarefas.
trabalhador.

Pagamento pro rata (baseado em cri- Pagamento pessoal (sistema detalha-


térios da de�nição do emprego). do de boni�cações).

Alto grau de especialização de tare-


Eliminação da demarcação de tarefas.
fas.

Pouco ou nenhum treinamento no


Longo treinamento no trabalho.
trabalho.

Organização mais horizontal do tra-


Organização vertical do trabalho.
balho.

Nenhuma experiência de aprendiza-


Aprendizagem no trabalho.
gem.
Ênfase na redução da responsabilida-
Ênfase na corresponsabilidade do tra-
de do trabalhador (disciplinamento
balhador.
da força de trabalho).

Grande segurança no emprego para


trabalhadores centrais (emprego per-
Nenhuma segurança no trabalho. pétuo). Nenhuma segurança no traba-
lho e condições de trabalho ruins pa-
ra trabalhadores temporários.

Especialização espacial funcional


Agregação e aglomeração espaciais.
(centralização/descentralização).

Divisão espacial do trabalho. Integração espacial.

Homogeneização dos mercados regi- Diversi�cação do mercado de traba-


onais de trabalho (mercados de tra- lho (segmentação interna do mercado
balho espacialmente segmentados). de trabalho).

Distribuição em escala mundial de Proximidade espacial de �rmas verti-


componentes e subcontratantes. calmente quase integradas.

Desregulamentação/rerregulamenta-
Regulamentação
ção.

Rigidez. Flexibilidade.

Divisão/individualização, negocia-
Negociação coletiva.
ções locais ou por empresa.

Socialização do bem-estar social (o Privatização das necessidades coleti-


Estado de bem-estar social). vas da seguridade social.

Estabilidade internacional por meio Desestabilização internacional; cres-


de acordos multilaterais. centes tensões geopolíticas.

Descentralização e agudização da
Centralização. competição inter-
regional/interurbana.

O Estado/a cidade "subsidiados". O Estado/a cidade "empreendedores".


Intervenção indireta em mercados
Intervenção estatal direta em merca-
por meio de políticas de renda e de
dos por meio de aquisição.
preços.

Políticas regionais "territoriais" (na


Políticas regionais nacionais.
forma de uma terceira parte).

Pesquisa e desenvolvimento �nanci- Pesquisa e desenvolvimento �nancia-


ados pelas �rmas. dos pelo Estado.

Inovação liderada pela indústria. Inovação liderada pelo Estado.

de massa de bens duráveis: Consumo individualizado: cultura


a sociedade de consumo. "yuppie".

Modernismo. Pós-modernismo.

Totalidade/reforma estrutural. Especi�cidade/adaptação.

Individualização; a sociedade do "es-


Socialização.
petáculo".
: Swyungeduw (s/d.) apud Harvey (1998, s/n.).

10. Crítica pós-moderna e panorama econômi-


co
A atual con�guração capitalista abalou alicerces das teorias econômicas e,
consequentemente, da Geogra�a Econômica. Contudo, a concepção pós-
modernista visa a desacreditar a própria epistemologia que fundamenta tais
teorias.

A questão não está centrada simplesmente em qual teoria é a mais apropriada


para análise dos fenômenos, mas na própria ideia de teoria em si.

Modernidade e busca pela razão


A modernidade teve sua origem no século 18. Fundamentou-se na utilização
do conhecimento acumulado e originário da sociedade, bem como na criativi-
dade e no trabalho que visa à emancipação humana, conquistando, assim, o
aprimoramento da vida diária.

Prometia-se a liberdade da escassez por meio do domínio cientí�co da


Natureza e o desenvolvimento de formas racionais de organização social e do
pensamento, uma vez que, por trás do aparente caos da vida econômica e so-
cial, haveria pontos em comum que demonstrariam tendências universais.

O objetivo era romper com as irracionalidades do mito, da religião, da supers-


tição, assim como com a liberação do uso do poder, muitas vezes, arbitrário e,
também, pertencente à própria natureza humana. De acordo com essas pre-
missas, as qualidades universais, eternas e imutáveis da humanidade poderi-
am ser reveladas.

Com a centralidade da razão, o esforço de emancipação tem como fundamen-


to o indivíduo e seus direitos, tornando-se a subjetividade o preceito funda-
mental da modernidade. O sujeito cognoscente assume poder instituinte de
uma nova realidade, em substituição à antiga visão mágica e metafísica. A
nova consciência que assim foi, paulatinamente, se formando e que teve sua
expressão política mais intensa na Revolução Francesa obteve sua base mate-
rial através da Revolução Industrial (GEORGEN, 2005, p. 17-18).

O homem organizava-se pelo uso da razão, fruto do iluminismo e de sua revo-


lução, procurando entender e adaptar a Natureza em seu proveito, afastando-
se, quase por completo, das concepções religiosas e do determinismo geográ�-
co para explicar a realidade social. Assim, a concepção de progresso traria be-
nefícios para todo o gênero humano. Esse processo é comumente denominado
"metanarrativa" ou "metarrelato", isto é, ideias racionais que visam explicar o
todo e que levariam a sociedade de um estágio menos evoluído para um mais
evoluído (GEORGEN, 2005).

Partindo das concepções iluministas, são propagadas acepções de igualdade,


razão universal e liberdade. Com isso, concluía-se que as artes e as ciências
promoveriam o controle das forças naturais, a compreensão do mundo e do eu,
o progresso moral, a justiça e, até mesmo, a felicidade das pessoas.
Tal movimento é amplamente dotado de otimismo, e, baseado nas imbrica-
ções entre ambos, pode-se a�rmar que o iluminismo e o projeto da modernida-
de "se casaram".

O conjunto de idéias e perspectivas que caracterizam a modernidade parece consti-


tuir um grande sonho que a humanidade elaborou para si mesma, ou ainda um au-
dacioso projeto da Razão como libertadora. O discurso iluminista de emancipação
pela revolução, ou pelo saber, sustenta essa con�ança na capacidade da Razão
(CHEVITARESE, 2001, p. 4).

Desse modo, cabe às ciências humana e social apresentar de forma clara a re-
alidade, podendo assim racionalizar o funcionamento da economia, bem co-
mo o próprio funcionamento da sociedade.

Concepção pós-moderna
O pós-modernismo contesta as a�rmações e fundamentações da modernida-
de.

Para tanto, busca apresentar o mundo como uma pluralidade em que espaço e
tempo se con�gurariam de modo heterogêneo, existindo mais diferenças e
contingências do que fenômenos semelhantes ou universais, denotando nova
perspectiva baseada em contextualidades, impossibilidade de determinações
e incertezas.

Veja um trecho no qual o autor aponta que o discurso da modernidade não


cumpriu o prometido, uma vez que:

O século XX – com seus campos de concentração e esquadrões da morte, seu mili-


tarismo e duas guerras mundiais, sua ameaça de aniquilação nuclear e sua experi-
ência de Hiroshima e Nagasaki – certamente deitou por terra esse otimismo. Pior
ainda, há a suspeita de que o projeto do iluminismo estava fadado a voltar-se con-
tra si mesmo e transformar a busca da emancipação humana num sistema de
opressão universal em nome da libertação humana (HARVEY, 1998, p. 23).

Assim, para muitos, a pós-modernidade surge como uma crítica à modernida-


de, mais especi�camente como um modelo a substituir aquilo que o projeto da
modernidade não foi capaz de responder.

Perry Anderson (1999) identi�ca o surgimento do conceito pós-moderno na


década de 1930. Para tanto, aponta que Toynbee utilizou o conceito como sig-
ni�cado de uma nova era ou um novo ciclo histórico. Já Charles Jenks datou
como o �m da modernidade o início da década de 1970.

Todavia, desde a década de 1930, já se fazia uso do termo "pós-moderno", utili-


zado para descrever um re�uxo conservador no próprio modernismo, no mun-
do hispânico, pelo menos em uma geração antes do seu aparecimento na
Inglaterra e nos Estados Unidos. Entretanto, o autor considera momento deci-
sivo as ideias apresentadas na década de 1960. No mesmo sentido, salienta
David Harvey (1998, p. 46): "[...] Em algum ponto entre 1968 e 1972, portanto, ve-
mos o pós-modernismo emergir como um movimento maduro, embora ainda
incoerente, a partir da crisálida do movimento antimoderno dos anos 60".

É possível vislumbrar a construção dessa ideologia depois da década de 1960,


mais precisamente na década de 1970, quando o capitalismo teve de enfrentar
uma nova crise – a de superprodução, precisando, assim, desenvolver estraté-
gias de superação desta, que resultaram em ações de reestruturação do Estado
para recuperação da capacidade produtiva e �nanceira.

A mistura de um pragmatismo estadunidense na �loso�a com a onda pós-


marxista e pós-estruturalista culminou numa denúncia da razão abstrata e
em uma profunda aversão a todo projeto que buscasse a emancipação huma-
na por meio das forças da tecnologia, da ciência e da razão.

A análise da pós-modernidade é bastante complexa, visto que há diversas teo-


rias sobre o tema. Em uma simples análise dos principais autores que assumi-
ram as premissas pós-modernas ou daqueles que se dispuseram a analisar es-
sa corrente, �ca evidente a diferenciação entre eles.
[...] as idéias sobre a existência de uma chamada pós-modernidade são produzidas
dentro de um panorama social, econômico e político típico do capitalismo em seu
estágio atual. A chamada pós-modernidade é um desses agrupamentos possíveis
que se apresenta como um grupamento complicado, uma vez que uma simples
síntese bibliográ�ca já demonstra que, mesmo entre os que defendem a idéia da
existência de uma condição pós-moderna, aparecem importantes diferenças e dis-
crepâncias no tocante ao que realmente signi�ca tal condição, o mesmo acontecen-
do com as características dessa condição apontada pelos diferentes autores
(PEIXOTO, 1998, p. 79-80).

A concepção pós-moderna con�gura-se, de forma intrínseca, com a aceitação


do efêmero, do fragmentário, do descontínuo, mergulhando em um relativis-
mo que não se centra no passado na busca de legitimação, enfatiza o caos da
vida moderna assumindo a impossibilidade de análise racional que possa al-
terar, radicalmente, o processo social.

Valoriza o espírito e a ação livres e desimpedidos do indivíduo, alimentando


um novo espírito na cultura e na ciência e abrindo o caminho para novas for-
mas de ceticismo, bem como para novos espaços de liberdade.

A introdução concomitante da incerteza na vida e no conhecimento re�ete,


claramente, as dúvidas acerca da mensagem empreendida pela concepção
moderna de emancipação humana pela razão etc.

Segundo Zajdsznajder (1992), o momento atual acaba por se con�gurar a partir


da fratura dos eixos, não havendo, assim, mais elementos de orientação como
outrora, desacreditando, dessa forma, o pensamento modernista de que a ver-
dade objetiva é um princípio acessível.

Prega-se o �m das fronteiras, como os limites entre as disciplinas do saber,


das instâncias da sociedade e, de forma mais severa, das práticas sociais, co-
mo educação, religião, política etc. Vislumbra-se o afastamento de qualquer
pensamento que busque identidades estáveis e com claras demarcações.

Dessa maneira, o mesmo autor aponta que a pós-modernidade con�gura-se


no:
[...] afastamento da fundamentalidade, da centralidade e da universalidade. A fun-
damentalidade diz respeito à busca e fundamentos últimos para o conhecimento
humano, uma base de certeza e garantia. A centralidade refere-se a existir um cen-
tro, centro dos centros, que se manifesta de diversas formas: como origem, como
orientação maior, como fonte de força. A universalidade se relaciona a discursos ou
vozes que pretendem falar em nome do universal (ZAJDSZNAJDER, 1992, p. 6).

Ciência nesse contexto


A concepção pós-moderna de mundo apresenta uma clara rejeição ao conhe-
cimento tido como totalizante (que visa a explicar o mundo a partir de pers-
pectiva de totalidade) e aos valores proferidos como universais, incluindo, em
seu bojo, a concepção de racionalidade, igualdade e emancipação do gênero
humano.

Em seu ideário, enfatiza a diversidade e a diferença, e defende identidades e


lugares particulares, apontando-os como únicos em sua essência.

Enfatiza a Natureza fragmentada do conhecimento produzido pelo homem,


uma vez que o indivíduo possui identidade incerta e frágil, tornando-se des-
centrado, impossibilitando a construção de quaisquer identidades sociais co-
muns baseadas em interesses e experiências também comuns.

Mesmo em suas manifestações menos extremas o pós-modernismo insiste na im-


possibilidade de qualquer política libertadora baseada em algum tipo de conheci-
mento ou visão "totalizantes". Até mesmo uma política anticapitalista e por demais
"totalizante" ou "universalista". Não se pode sequer dizer que o capitalismo, como
sistema totalizante, exista no discurso pós-moderno – o que impossibilita a própria
crítica do capitalismo. Na verdade, a "política", em qualquer um dos sentidos tradi-
cionais da palavra, ligando-se ao poder dominante de classes ou Estados e à oposi-
ção a eles, é excluída, cedendo lugar a lutas fragmentadas de "políticas identida-
des" ou mesmo ao "pessoal como político" (WOOD, 1999, p. 13).

O único caminho seria explorar as qualidades abertas do discurso humano,


tornando-as fundamento, e, a partir daí, utilizar (e interferir na sua constru-
ção) o conhecimento constituído nos lugares particulares, prevalecendo sem-
pre um discurso localizado de poder. Sua ênfase aponta para projetos em pe-
quena escala. É a representação de um mundo antagônico e de intensa alteri-
dade. Qualquer coisa dissonante a esse pensamento é um mero discurso da ra-
zão falida (moderna).

Alguns autores como Lyotard (2002) e Foucault (2004), que assumiram as con-
cepções teóricas pós-modernas, buscaram não apenas teorizar o atual estágio
de mudança político-econômico-social, mas também desenvolver novas cate-
gorias de análise e novas formas radicais de pensamento e discurso, na clara
tentativa de construir um "novo conhecimento".

Nessa esteira, Jean-François Lyotard (2002), um dos mais célebres defensores


da perspectiva pós-moderna, denota, em sua teoria, a impossibilidade da
construção de uma metanarrativa, uma vez que esta visaria estabelecer con-
cepções que abarcassem o todo, o universal.

Assim, surge uma concepção de que a história é constituída de eventos com-


pletamente caóticos, em que fatos e acontecimentos estão desconectados uns
dos outros, sendo aleatoriamente produzidos no contexto histórico-social. É
impossível qualquer percepção de fenômenos universais, uma vez que apenas
ocorrem fenômenos singularizados, caracterizados por sua particularidade.

Terry Shinn (2008), analisando a concepção de Lyotard, aponta que este:

[...] rejeita o Estado de bem-estar social, o qual alega constituir um grande avanço
na solidariedade social, pois o indivíduo abandona a responsabilidade por seu pró-
prio destino pessoal. Por força do Estado-nação e de seus muitos projetos de buro-
cratização, a individualidade tornou-se uma casca vazia. Um princípio central da
pós-modernidade de Lyotard é sua insistência na "diferença". Ela requer pluralismo
na escolha e ação individuais. A ética universalista elimina a legitimidade da dife-
rença individual e do pluralismo (SHINN, 2008, p. 51).

Para Lyotard (2002), a produção cientí�ca pode ser vista como "jogos de lin-
guagem", nos quais as regras não possuem legitimação em si mesmas, mas
são objetos de um contrato explícito ou não entre os jogadores, ainda que estes
não se inventem, em que sem tais regras não existe jogo, ou seja, é uma dispu-
ta na qual todo enunciado pode ser considerado como um lance.
Na mesma esteira, aponta que a legitimação do saber no mundo pós-moderno
abandona as metanarrativas e não pode se legitimar de outro lugar, senão de
sua prática de linguagem e de sua interação comunicacional. Deduz que a "di-
ferença" é intrinsecamente revolucionária, como único obstáculo insuperável
contra o qual se choca a hegemonia do gênero econômico. Conclui-se que, da-
da a diversidade dos variados jogos de linguagem, não há como abarcar tal
dissenso em um consenso ou em uma metanarrativa.

Dessa maneira:

O recurso aos grandes relatos está excluído; não seria o caso, portanto, de recorrer
nem à dialética do Espírito nem mesmo à emancipação da humanidade para a va-
lidação do discurso cienti�co pós-moderno. Mas [...] o "pequeno relato" continua a
ser a forma por excelência usada pela invenção imaginativa e antes de tudo pela
ciência. Por outro lado, o princípio do consenso como critério de validação também
parece insu�ciente (LYOTARD, 2002, p. 111).

Lyotard (2002) condena as metanarrativas como totalizantes, de�nindo o pós-


moderno simplesmente como "incredulidade diante das metanarrativas".

Esse autor centra-se em desenvolver, por meio de uma forma radical de dis-
curso, novas categorias de pensamento que resultariam em novas formas de
conhecimento e de interpretação dos fenômenos.

Michel Foucault (2004), analisando as diversas formas de poder estabelecidas


na sociedade, apresenta, em sua teoria, uma desassociação entre poder e apa-
relho do Estado. Para tanto, aponta uma rede de poderes "moleculares" que se
espalham por toda a sociedade, transformando as relações de força empreen-
dida entre os contrários em um nível muito mais elementar, cotidiano.

Conforme esse contexto, David Harvey (1998), discutindo as premissas apre-


sentadas por Foucault, salienta:
As idéias de Foucault rompem com a noção de que poder esteja situado em úl-
tima análise no âmbito do Estado, e nos conclama a "conduzir uma análise
ascendente do poder, começando pelos seus mecanismos in�nitesimais, cada
qual com sua própria história, sua própria trajetória, suas próprias técnicas e
táticas, e ver como esses mecanismos de poder foram – e continuam a ser –
investidos, colonizados, utilizados, involuídos, transformados, deslocados, es-
tendidos e etc. por mecanismos cada vez mais gerais e por formas de domínio
global". O cuidadoso escrutínio da micropolítica das relações de poder em lo-
calidades, contextos e situações sociais distintos leva-o a concluir que há
uma íntima relação entre os sistemas de conhecimento ("discursos") que codi-
�cam técnicas e práticas para o exercício do controle e do domínio sociais em
contextos localizados particulares (HARVEY, 1998, p. 50).

Como a�rma Zygmunt Bauman (1998), tal como no caso dos signos repletos de
possibilidade enquanto permanecem livres de signi�cados, a essência da livre
escolha é o esforço para abolir a escolha.

Para aqueles que defendem a concepção pós-moderna, opor-se ao capitalismo


é uma opção extremamente limitada. Se não se pode compreender o sistema
capitalista (para alguns, não se deve nem sequer entendê-lo como sistema),
obviamente não se pode superá-lo. Dessa forma, o melhor a ser feito é aceitá-
lo e desfrutá-lo da melhor maneira (individual) possível.

Crítica pós-moderna e Geogra�a Econômica


Nos últimos anos, a Geogra�a Econômica tem sido questionada, em seus prin-
cípios, teorias, métodos e pressupostos, desa�ando sua tentativa de estabele-
cer leis universais da localização da indústria e do desenvolvimento desigual.

Entretanto, não estamos diante de uma reformulação ligada, estreitamente, à


Geogra�a Econômica, advinda da transformação e do movimento de uma fase
do capitalismo para outra, mas por meio de uma denominada crítica pós-
moderna, estamos diante de um movimento que visa à alteração das tradições
epistemológicas em si, como vimos anteriormente.

Torna-se mister salientar que, em períodos de mudança rápida e abrangente,


como as ocorridas a partir da transição do paradigma fordista de produção pa-
ra o pós-fordismo, �ca extremamente difícil evidenciar em que estágio esta-
mos, bem como separar o fundamental do efêmero.

Como salienta Ron Martin (1996), algumas mudanças nos processos econômi-
cos contemporâneos precisam ser consideradas, uma vez que:

Sem dúvida, uma das mudanças mais profundas é o advento de um novo "pa-
radigma tecno-econômico" baseado em informação [...] a segunda mudança
foi a aceleração na "terceirização" do desenvolvimento econômico [...] serviços
de setor privado, o produtor, o consumidor, o setor �nanceiro, o setor cultural e
de lazer e o pessoal, todos se expandiram ao mesmo tempo que a manufatura
estagnou ou, em muitos casos desindustrializou-se [...] um terceiro desenvol-
vimento signi�cativo é a tendência para o que tem sido chamado "hipercon-
sumismo" [...] que é simultaneamente mais individualizado, internacionaliza-
do e multidimensional [...] a quarta grande mudança é a da globalização
(MARTIN, 1996, p. 34).

Buscando teorizar o atual momento e suas mudanças no sistema econômico,


a concepção pós-moderna enfatiza o fragmentário em detrimento de uma
concepção geral, fato esse aproveitado por alguns geógrafos para trazer nova-
mente à baila o local e singular.

O elogio pós-modernista ao sincrônico e espacial em detrimento ao diacrônico e


temporal [...] a particularidade espacial, o contexto local e a especi�cidade do lugar
assumiram proeminência como referências analíticas, o que, na verdade, é uma
nova maneira de focalizar a "diferenciação de área" (MARTIN, 1996, p. 48).

A concepção pós-moderna visa à alteração da forma de ver a realidade econô-


mica, bem como a sua interface com os diversos modelos teóricos e de discur-
sos.

A economia espacial caracteriza-se por enorme complexidade e variedade de


concepções e discursos. Assim, as teorias são baseadas em convicções ideoló-
gicas que constroem discursos e "leituras diferentes" da economia.
Podemos a�rmar que os geógrafos, em suas abordagens, utilizam diversas for-
mas de ver o mundo em relação à economia capitalista, seja quanto ao papel
da localização na tomada de decisões, seja na teorização do desenvolvimento
desigual.

Tal crítica aponta que o conteúdo apresentado nas ciências é eminentemente


ideológico, e, desse modo, a Geogra�a Econômica, ao assumir as diversas con-
cepções ideológicas, desa�aria a objetividade das concepções da economia es-
pacial.

Em outras palavras, a "disputa" entre as diversas correntes teóricas da


Geogra�a Econômica, na busca de explicações e abordagens da economia es-
pacial, não poderia, simplesmente, ser resolvida por meio de demonstração ra-
cional.

A Geogra�a Econômica con�gura-se como discurso, adquirindo um elemento


hermenêutico essencial, apresentando-se com o uso de concepção baseada
em premissas ideológicas individuais de quem a utiliza e visto pelos pós-
modernos como problema. Tudo isso não signi�ca a confusão pós-modernista
de teorias con�itantes e irreconciliáveis quanto à concepção e à natureza da
economia espacial e sua explicação, pois:

Uma coisa é revelar o papel central (e freqüentemente ofuscante) que a ideologia e


a metáfora desempenham em nossas explicações; mas não resulta, como
McCloskey incorretamente sustenta no caso da economia, que isto é tudo que exis-
te e que devemos abandonar por completo a epistemologia e a metodologia. O reco-
nhecimento da geogra�a econômica como discurso, como ideologia, deveria confe-
rir a disciplina uma autoconscientização e não uma autodestrutividade (MARTIN,
1996, p. 51).

Nesse contexto, os pós-modernistas apontam a falta de conclusões e dos rela-


tivismos apresentados pelas concepções teóricas em suas explanações e ex-
plicações. Com isso, buscam empreender a ideia de que as teorias são relati-
vas, pois necessitam de paradigmas para expor sua perspectiva de verdade.
Para os relativistas, não existem explanações gerais que possam explicar de
forma única a totalidade dos fenômenos, apenas esquemas conceituais.
Ron Martin (1996) destaca que os pós-modernistas ultrapassam essa perspec-
tiva e levam o relativismo ao extremo ao a�rmarem a inexistência de capaci-
dade decisória quanto ao signi�cado:

[...] e tudo que é possível são multiplicidades de conhecimentos fragmentados, par-


ciais e igualmente válidos. Dentro da geogra�a econômica, esta ênfase no relativis-
mo e no pluralismo veio à tona no ataque à teorização realista e no foco agora con-
ferido à particularidade espacial e a unicidade do lugar. O problema com esse enfo-
que é que o que começa como um interesse legítimo pela diversidade e a diferença
pode, facilmente, transformar-se em um pluralismo niilístico que substitua a cau-
sação por contingência e o sistemático pelo especí�co (MARTIN, 1996, p. 51).

Tal a�rmação não busca desmerecer e muito menos relativizar a importância


da diferença e da especi�cidade da economia espacial; o que se pretende de-
monstrar é que, assumindo tal importância, não se exclui a generalização e a
sistematização do processo, uma vez que "[...] aceitar o contrário carrega em si
o perigo de um recuo retroprogressivo da teoria para o detalhamento des-
critivo empiricista de características especí�cas de lugar para um realismo de
'ontologia vazia'" (MARTIN, 1996, p. 52).

Negar os processos de generalização é assumir a concepção de que todos os


lugares são únicos, que cada localidade e as mudanças na economia espacial
são únicas, ou seja, estamos diante de uma teoria que a�rma o excepcionalis-
mo espacial.

Os eventos espaciais ocorridos nas localidades devem ser explicados com ba-
se nos termos de encaixe e interação de ambos. Desse modo, deve-se conside-
rar o local, em sua especi�cidade, atrelado com estruturas mais gerais, como
regional, nacional e mundial, com importância relativa às interações ocorri-
das nas diferentes espacialidades.

Concluímos que a concepção de uma Geogra�a Econômica multidimensional,


visando ao entendimento das dinâmicas da economia espacial,

Procuraria oferecer uma análise dos diferentes níveis ou campos do processo


econômico e as maneiras pelas quais estes campos se interagem para produ-
zir uma con�guração especí�ca de desenvolvimento desigual. Teria que con-
siderar pelo menos quatro desses níveis: a microeconomia de indivíduos e
empresas; a macroeconomia da nação-estado; a economia do capital e �nan-
ças transnacionais; e a economia global ou mundial (MARTIN, 1996, p. 56).

E, a seguir, há uma compilação de importantes vídeos para você assistir. No


primeiro, é apresentada, a partir do meio técnico cientí�co informacional, uma
análise da globalização, por meio das redes e �uxos, investigando os proces-
sos e caminhos pelos quais a sociedade se insere na globalização. No segundo,
temos uma introdução às questões do tema dos meios de produção. E, no ter-
ceiro, é apresentado na prática como funciona a globalização econômica, aju-
dando, assim, na análise concreta desse fenômeno. Para acessar os vídeos, cli-
que nos ícones a seguir:

 
Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem, respondendo à questão a se-
guir.

11. Considerações
No decorrer deste ciclo, analisamos a relação homem-natureza nos diferentes
momentos históricos e discutimos a dicotomia homem-natureza e a sua rela-
ção com o desenvolvimento e a consolidação das relações capitalistas de pro-
dução.

Além disso, vimos que o sistema capitalista se alterou severamente no século


21, assim como já havia ocorrido outrora. Analisamos o modelo taylorista/for-
dista, evidenciando as mudanças empreendidas nos meios de produção e no
modo de regulação. Conhecemos as características do Estado em que tal mo-
delo estava inserido, bem como entendemos como se deu a transição para o
modelo de acumulação �exível (toyotismo), que transformou a sociedade em
todas as suas esferas.

Também estudamos a crítica pós-moderna, que visa teorizar o momento hodi-


erno com base em uma nova concepção metodológica e epistemológica, utili-
zando os próprios conceitos originados dos processos econômicos empreendi-
dos pelo toyotismo.

Tendo em vista a complexidade do assunto abordado, sugerimos que faça no-


vas leituras, que poderão facilitar e/ou aprofundar seus estudos acerca dos
conteúdos estudados. Dessa maneira, você conseguirá viabilizar vários con-
ceitos que permitirão a análise das reestruturações do capital e das mudanças
sociais advindas dessas alterações.
(https://md.claretiano.edu.br/geopoleco-

gs0081-fev-2023-grad-ead/)

Ciclo 3 – Conceitos Geopolíticos

Rubens Arantes Corrêa


Tatiana de Souza Leite Garcia

Objetivos
• Contextualizar a Geogra�a Política e a Geopolítica, enquanto concepção
teórica e prática do Estado Nacional moderno e contemporâneo.
• Apresentar e discutir os conceitos relacionados à Geogra�a Política e à
Geopolítica, bem como suas respectivas aplicações históricas.
• Analisar as principais teorias da Geopolítica Clássica.

Conteúdos
• Geopolítica: conceitos e controvérsias.
• Geopolítica Clássica.

Problematização
O que é Geopolítica? Quais as diferenças entre Geopolítica e Geogra�a
Política? Quais as diferenças e semelhanças entre as teorias geopolíticas dos
três primeiros importantes teóricos da Geopolítica (Mahan, Mackinder e
Haushofer)?

1. Introdução
Neste ciclo, apresentaremos a Geopolítica, a partir conceitos e controvérsias,
bem como as origens do pensamento geopolítico na Alemanha, nos Estados
Unidos e no Reino Unido, veri�cando como esses processos se imbricam nas
relações entre o território e o poder.

A Geopolítica é um ramo do conhecimento que faz interface com a Geogra�a


Política e com outras áreas do saber, como a Ciência Política, Relações
Internacionais, História, Economia e Sociologia. Seu objeto de interesse é in-
vestigar o papel desempenhado pelos Estados Nacionais enquanto agentes da
organização do espaço na política nacional e internacional, ou seja, no espaço
interno e externo.

Os Estados Nacionais, movidos por interesses econômicos, motivações ideoló-


gicas, posições estratégicas, fontes de recursos naturais, como solo fértil e
água, e por necessidades populacionais, atuam no sentido de expandir suas
fronteiras para o exterior. Para isso, os Estados recorrem às teorias da
Geogra�a Política e às estratégias da Geopolítica, de modo que justi�que a bus-
ca pelos interesses nacionais, envolvendo a questão da soberania, os investi-
mentos nas capacidades técnicas e humanas militares, e os elementos cientí-
�cos para legitimar suas ações.

A Geopolítica é considerada uma ciência prática, uma técnica, uma arte, cujo
objetivo é a formulação de teorias e projetos estratégicos de ações voltadas pa-
ra as relações de poder entre os Estados e as conquistas territoriais. É uma
disciplina dinâmica que relaciona as estratégias políticas para a obtenção de
poder e controle de um território ou recurso. Alguns acadêmicos defendem
que é uma ciência aplicada, interdisciplinar, ideológica, multitemática e, por
ter sido muito utilizada nos períodos das Grandes Guerras Mundiais, �cou en-
tão estigmatizada após esses períodos.

A Geogra�a Política é uma ciência cujo objetivo é defender os interesses dos


Estados, especialmente, no processo de formação, consolidação e expansão
deste ator político, ou seja, compreender como a geogra�a e a política são in-
�uenciadas reciprocamente. Pode-se dizer que é uma disciplina estática e teó-
rica, porque estuda as relações da política do Estado com seu espaço geográ�-
co, ou seja, o território, mais especi�camente, as questões ligadas à posição ge-
ográ�ca do país na região e no mundo, as condições das fronteiras, as caracte-
rísticas físicas (naturais) das localidades, a administração territorial, dentre
outras.

A Geogra�a Política e a Geopolítica são interligadas e uma depende da outra


para existir. A Geogra�a Política apresenta as ideias e estuda detalhadamente
o território com o objetivo de veri�car suas condições de expansão, proteção e
administração. A Geopolítica formula as estratégias e as coloca em prática pa-
ra atender ao objetivo citado.

A maioria dos acadêmicos cita que o fundador da ciência Geopolítica foi


Rudolf Kjéllen, professor da Universidade de Gotemburgo e da Universidade
de Upsala, ambas localizadas na Suécia, pois foi o primeiro a publicar o termo
“Geopolítica” em seus livros como: As Grandes Potências, em 1905, e O Estado
como forma de vida, em 1916. Para este estudioso da cultura germânica, a
Geopolítica deveria descrever a relação entre o Estado e o território.

No entanto, as primeiras teorias sobre a importância do território para a for-


mação de um Estado foram formuladas por Friederich Ratzel, considerado o
pai da Geogra�a Política. De origem germânica, tinha como objetivo buscar as
justi�cativas para a formação da Alemanha, que ainda não era um país até
1871 e, sim, uma “colcha de retalhos” formada por 38 confederações indepen-
dentes, mas dominadas pelo Império Austro-Húngaro.

Devido ao contexto de sua época, ele foi in�uenciado pelo sentimento nacio-
nalista germânico e pelo darwinismo social, tornando-se um defensor da polí-
tica expansionista de Otto von Bismark, o “chanceler de ferro”, para a consoli-
dação do território do Estado alemão.

Sua teoria baseava-se na condição de controle e defesa do “espaço vital” que


seria o espaço necessário para o equilíbrio entre a população de uma socieda-
de e os recursos naturais disponíveis para atender suas necessidades, o que
justi�caria possíveis intenções de expansão para novos territórios. Além dis-
so, defendeu a ideia do espaço como um organismo vivo que precisa de prote-
ção, devido à importância do solo e dos recursos naturais, e por ser a fonte de
poder de desenvolvimento social e econômico.
Ratzel fez uma leitura espacial da política e, ao mesmo tempo, reformulou a
maneira pela qual a ciência geográ�ca abordava o fenômeno político da rela-
ção entre território e desenvolvimento de uma sociedade. Por causa da ênfase
dada na relação entre território e política, foi considerado o pai da Geogra�a
Moderna e da escola Geográ�ca Determinista.

Alguns estudiosos da Geopolítica foram contra as ideias de Ratzel, como o


francês Vidal de La Blache. Todavia, tiveram aqueles que usaram as bases teó-
ricas do fundador para aplicá-las em outras situações, como Karl Haushofer
(1869-1946), que teve suas teses utilizadas por Adolf Hitler durante seu regime
nazista e na 2ª Grande Guerra.

Outros importantes teóricos da Geopolítica foram Halford Mackinder


(1861-1947) e Alfred Thayer Mahan (1840-1914).

Mas, qual é a importância da Geopolítica para a humanidade?

Para a formação de qualquer Estado-nação, são necessários alguns elementos


(geográ�cos, políticos e sociais). Primeiramente, é necessário que haja um po-
vo, ou vários povos, habitando uma porção do espaço da superfície terrestre e
que queiram se constituir como uma unidade politicamente organizada.

Esta porção do espaço da superfície terrestre, independentemente do tamanho


e de suas condições biogeográ�cas, certamente fora disputada por estes po-
vos, especialmente devido à disponibilidade de recursos para suas sobrevi-
vências, como água, alimentos, solos férteis, minérios, dentre outros.

Todas essas estratégias e ações dos povos para avançar, proteger ou controlar
seus espaços, poderíamos já considerar como princípios da Geopolítica.
Quando um povo consegue dominar um espaço, prevalecendo seus interesses,
então aquele passa a ser seu território de domínio.

Conforme os povos evoluem nos aspectos sociais, políticos, econômicos e tec-


nológicos, isto lhes possibilitam melhores condições para controlar e gerenci-
ar estes territórios. As fronteiras são os limites naturais ou arti�ciais que de�-
nem as áreas de soberania (direitos e deveres) de cada povo.
Além disso, deve-se mencionar que, para qualquer território, dependendo de
suas riquezas e valores associados, podem existir disputas internas ou exter-
nas.

Assim, para a formação de qualquer Estado- , é necessária primeiramen-


te a vontade de um povo de unir-se na condição de nação e constituir-se em
uma unidade política. Este povo pode ser composto por um ou mais grupos
étnico-sociais, dependendo de sua capacidade de coesão e autonomia, bem co-
mo de coabitar e coexistir em determinado espaço da superfície terrestre.

Possivelmente, esses grupos podem disputar e/ou cooperar no uso dos recur-
sos ambientais necessários para a sobrevivência de seus indivíduos. Este é
um dos contextos, que se justi�ca a criação da unidade política-
administrativa visando à gestão dos recursos, pois cabe ao Estado, na �gura
dos governantes, deter o monopólio legítimo do controle social, no sentido de
evitar o con�ito civil e prover a administração do território.

O território é o elemento geográ�co do Estado e a base material e simbólica da


sociedade (arena de ação). Tal a�rmação é feita devido ao fato de o território
ser a fonte dos recursos naturais (solo, água, minérios, posição estratégica,
dentre outros elementos biogeográ�cos) essenciais para o desenvolvimento
social e econômico de qualquer sociedade. Por isso, o território pode ser consi-
derado uma fonte de poder, pois aqueles que detêm os melhores recursos para
a sobrevivência, possivelmente, serão capazes de melhor desenvolver-se.
Nesse sentido, os grupos sociais disputam os territórios, na intenção de garan-
tir os recursos necessários para seu desenvolvimento.

A política apresenta-se como a expressão e o modo de controle dos con�itos


sociais. Para tanto, é necessária a de�nição das fronteiras, justamente para de-
limitar os espaços de gestão dos recursos territoriais de cada sociedade.
Historicamente, existiram e existem várias formas de organização política-
social, mas, na contemporaneidade, os grupos que controlam os territórios, as-
sim o fazem sendo representados por seus governantes, de�nindo formas e
sistemas de governo.

A soberania é outro elemento importante para a consolidação do Estado, pois


constitui o reconhecimento internacional, ou seja, outros Estados (países) o
reconhecem como tal, dando-lhe a condição de igualdade, respeitando, assim,
suas fronteiras e território. A soberania é um conceito político-jurídico que in-
dica o direito e o dever de um governo em atuar em um determinando territó-
rio, limitado pelas fronteiras.

A Geopolítica é a ciência que formula as estratégias e ações, colocando-as em


prática, para alcançar o objetivo de um povo ou Estado: a sua formação como
unidade política-territorial; a proteção e a expansão de seus territórios e fron-
teiras.

Na história da humanidade, notadamente na era Moderna, podemos constatar


muitas situações de Estados que se utilizaram da Geopolítica como justi�cati-
va para conquistar os objetivos citados anteriormente como: Portugal,
Espanha, França e Inglaterra entre os séculos 15, 16, 17, 18 e 19, expressos nos
movimentos colonialistas pelos continentes americano, africano, asiático e
oceania, bem como para serem considerados Impérios, para além de seus ter-
ritórios e colônias.

O século 20 apresenta uma diversidade de acontecimentos que alguns autores,


como Eric Hobsbawm em sua obra Era dos extremos: o breve século XX:
1914-1991, apontam como um período de muitas transformações artísticas,
tecnológicas, catástrofes, guerras, crises e incertezas.

Dentre os vários acontecimentos ocorridos neste período, podemos citar que


as 1ª e 2ª Grandes Guerras no continente europeu levaram à destruição econô-
mica e social dos países europeus, enquanto concomitantemente os Estados
Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS) fortaleciam-se para assumir uma nova disputa sobre o espaço mundi-
al, ou seja, a busca pela hegemonia, na chamada Guerra Fria. Muitas foram as
estratégias Geopolíticas usadas no século 20 pelos Estados durante as guerras
e pelas disputas de poder.

Com o �m do pensamento Geopolítico Clássico, a dissolução do bloco soviéti-


co, a emergência de novos atores estatais e não estatais no sistema internaci-
onal e a inserção gradativa de potências regionais e novos temas na agenda
da política internacional in�uenciaram para que a Geopolítica tomasse outros
rumos e aplicações.

Portanto, concluímos que, inicialmente, a nova ordem mundial era direciona-


da pelos Estados Unidos, que representavam a maior potência em termos mi-
litares e econômicos. No entanto, os aspectos políticos, econômicos, tecnológi-
cos, sociais, culturais e ambientais tornam cada vez mais complexo o entendi-
mento das relações internacionais, sendo que os níveis de poder e as tomadas
de decisões necessitam da Geopolítica com maior �exibilidade e e�cácia.

Mas, en�m, o que é Geopolítica? Quais são as especi�cidades desse campo de


conhecimento? Quais as relações entre a Geopolítica e os demais campos de
conhecimento? Onde e em qual contexto histórico o saber Geopolítico foi sis-
tematizado? Por que passada a Segunda Grande Guerra (1939-1945), a
Geopolítica foi abolida do discurso acadêmico? São essas e outras questões en-
volvendo a Geopolítica que pretendemos resolver neste ciclo.

2. O que é Geogra�a Política e Geopolítica?


A Geogra�a Política pode ser considerada como um dos elementos preponde-
rantes para a discussão de poder na perspectiva das Relações Internacionais.

A ciência geográ�ca busca explicar as relações vivenciadas pela sociedade


humana no processo de apropriação e organização do espaço, que é entendido
por Milton Santos (2004) como o conjunto indissociável de sistemas de objetos
e de sistemas de ações.

Napoleão Bonaparte, baseando-se em Montesquieu e em sua experiência mili-


tar, percebeu a importância desta ciência para a política de um Estado ao a�r-
mar que “a política de um Estado está na sua geogra�a”.

Dessa forma, a associação entre Geogra�a e Política é essencial para se enten-


der as relações de poder entre os Estados, assim como as suas estratégias de
ação no sistema internacional, evidenciando-se suas capacidades no que se
refere aos recursos de poder disponíveis, que estão intimamente ligados com o
território, sendo que este, sob a ótica do determinismo geográ�co, oferece re-
cursos que serão utilizados de acordo com a sua disponibilidade para atender
aos interesses do Estado e da sociedade em questão. Conforme Costa (2008, p.
11), “[...] esse tipo de discurso está predominantemente centrado nas relações
entre o território como objeto e meio de poder de Estado”.

Conceitualmente, pode-se de�nir Geogra�a Política como uma ciência cujo ob-
jetivo é defender os interesses dos Estados, especialmente, no processo de for-
mação, consolidação e expansão deste ator político, compreendendo o modo
pelo qual a Geogra�a e a Política são in�uenciadas reciprocamente.

A Geogra�a Política é de�nida como uma disciplina estática e teórica que es-
tuda as relações da política do Estado com o espaço geográ�co, notadamente o
território, com questões relacionadas à posição, condições das fronteiras, ca-
racterísticas geográ�cas naturais, administração territorial, dentre outras.

Segundo Castro (2005, p. 17), a Geogra�a Política é

[...] o conjunto de idéias políticas e acadêmicas sobre as relações da geogra�a e


vice-versa [...] Interpretação dos fatos políticos, em diferentes momentos e em dife-
rentes escalas, com suporte numa re�exão teórico-conceitual [...].

Por sua vez, a Geopolítica está relacionada com a formulação das teorias e
projetos estratégicos de ações voltados às relações de poder entre os Estados e
as conquistas territoriais. A Geopolítica é considerada mais próxima das ciên-
cias políticas aplicadas, interdisciplinar, utilitarista e belicosa, pois trata-se de
uma disciplina dinâmica que lida com estratégias políticas e a obtenção de
poder sobre algum território/recurso (COSTA, 2008).

A Geopolítica é apontada por alguns autores como um subproduto da


Geogra�a Política, pois “[...] se apropria de parte de seus postulados gerais, pa-
ra aplicá-los na análise de situações reais interessando ao jogo de forças esta-
tais projetado no espaço nacional/regional/mundial” (COSTA, 2008, n. p.).

Entretanto, outros autores têm uma perspectiva diferente sobre a Geopolítica.


O geógrafo José Willian Vesentini apresenta um esquema das várias interpre-
tações da Geopolítica, resumidamente, é uma ciência/técnica/arte dinâmica,
voltada para a ação; é ideológica por ter sido usada como um instrumento do
nazi-fascismo ou dos Estados totalitários; considerada por Yves Lacoste
(2005) como a verdadeira geogra�a devido sua aplicabilidade na estratégia es-
pacial e a utilidade da cartogra�a; atualmente é um campo de estudo interdis-
ciplinar e multitemático.

A Geogra�a Política Clássica foi iniciada por Friedrich Ratzel (1897) até mea-
dos do século 20, período este em que a Geogra�a Política Clássica se subdivi-
diu em duas fases:

• : �nal do século 19 até Segunda Grande Guerra (1939-1945).


• : do ano de 1945 até 1970, com a decadência das correntes
europeias, consolidação da escola americana e início da russa.

A primeira fase teve como objetivo propor teorias para justi�car o nascimento,
a consolidação e a expansão dos Estados Nacionais. Assim, as correntes ale-
mã, francesa, britânica e estadunidense apresentavam um discurso naciona-
lista com base no território. Houve ênfase na ordem mundial, em um contexto
de competição entre Estados-nações por maior in�uência econômica e terri-
torial, e nas relações entre poderio estatal e espaço. Tal fase teve forte identi�-
cação com a Geopolítica devido à presença dos grandes con�itos ocorridos no
período, como a Primeira e a Segunda Grande Guerras.

A segunda fase apresentou um rompimento com a Geopolítica e uma maior


aproximação dos preceitos da Geogra�a Política para as relações entre
Estados. Tal fase foi marcada pelas preocupações com a Guerra Fria, as ideo-
logias e os sistemas socioeconômicos, dado que não havia con�itos diretos
entre as superpotências da época (Estados Unidos da América – líder do bloco
capitalista e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – líder do bloco soci-
alista). Neste contexto, houve um maior rigor técnico-metodológico com ênfa-
se na cienti�cidade. Destacam-se, ainda, os enfraquecimentos das escolas ale-
mã, francesa e britânica e o fortalecimento da escola norte-americana. A
Geopolítica não deixou de existir, era aplicada nas disputas regionais, como a
Guerra do Vietnã.

A partir dos anos de 1970, a Geogra�a Política e a Geopolítica sofreram uma


forte transformação, recebendo outras denominações como a Nova Geogra�a
Política ou Geogra�a do ou Geopolítica Crítica.

Este período é marcado por uma abordagem marxista, criticando as relações


de poder impostas no mundo, como a divisão capitalismo versus socialismo,
ou melhor, as relações de dominação. Nesta época, os teóricos críticos tinham
como objetivo argumentar contra os atores dominantes, tanto em âmbito naci-
onal, como nas Relações Internacionais.

Ao invés de ver a política apenas focada no Estado, outros atores ganharam


gradativamente maior visibilidade como o feminismo feminista, as lutas con-
tra a Guerra do Vietnã, os movimentos pelos direitos civis, os movimentos dos
países subdesenvolvidos não alinhados, a contra-cultura e os ambientalistas.

Tal período apresenta uma crítica direta à visão estadocêntrica, uma vez que o
Estado não conseguia prover o bem-estar social e, dessa forma, os outros ato-
res, como as empresas, ganharam espaços nas políticas nacionais e internaci-
onais.

Conforme Castro (2005, p. 32-33), o Estado estava em processo de enfraqueci-


mento pela perda da sua soberania, permeabilidade de suas fronteiras, desna-
cionalização do capital �nanceiro, pelo fortalecimento dos novos atores supra-
nacionais e perda de sua centralidade política. Os movimentos transnacionais
como o terrorismo é um exemplo de secundarização do papel do Estado.

Segundo Castro (2005, p. 36),

No momento atual, novos atores – globais, nacionais e locais – põem em questão a


hegemonia e a centralidade do Estado-nação contemporâneo, que ao contrário do
seu papel inovador no passado constitui hoje foco de resistência da ordem que se
estruturou em torno dele.

A Geopolítica sofreu uma releitura com Yves Lacoste em 1976, expressa nas
publicações da revista Heródote. Tal releitura teve como pano de fundo as teo-
rias críticas de autores como Marx, Gramsci, Foucault, anarquistas e teóricos
da escola de Frankfurt.

As preocupações a partir dos anos de 1980 com a globalização ou o sistema


global se tornaram cada vez mais crescentes. Houve uma continuação do en-
foque crítico, das preocupações epistemológicas e teórico-metodológicas da
fase anterior, especialmente, o estatuto cientí�co e as relações com a
Geopolítica, porém outros temas surgiram como a Geopolítica Ambiental e a
Geogra�a Eleitoral.

Desse modo, a Geopolítica pode ser considerada, desde então, como um campo
de estudos interdisciplinares.

Os estudiosos da Geogra�a Política e da Geopolítica apontam que há uma in-


dependência entre ambas, mas ao mesmo tempo coexistem e se tocam na
análise dos fenômenos políticos no âmbito da ciência geográ�ca.

Para compreender os acontecimentos do mundo que são direta e indiretamen-


te relacionados com os processos da globalização, faz-se necessário estudar
as relações existentes entre política, território e poder, uma vez que tais rela-
ções repercutem e atingem todos os atores internacionais de formas e intensi-
dades diferentes. Neste contexto, a ciência geográ�ca, a Geogra�a Política e a
Geopolítica desempenham um papel fundamental para entender a dinâmica
do sistema internacional que é determinado pelas relações entre os diversos
atores internacionais e suas capacidades de poder.

3. A evolução da Geogra�a Política e da


Geopolítica
O termo “Geogra�a Política” foi primeiramente usado pelo �lósofo francês
Turgot (1750), em seu projeto Teoria de Geogra�a Política. No entanto, há quase
um consenso entre os especialistas de que esse termo foi sistematizado por
Friedrich Ratzel, com a obra Politische Geographie (1897).

Segundo Costa (2008), foi Rudolf Kjéllen, que pioneiramente publicou o termo
“Geopolítica” em seus livros: As Grandes Potências (1905) e O Estado como for-
ma de vida (1916). Kjéllen, de origem sueca, estudioso da cultura germânica,
professor da Universidade de Gotemburgo e da Universidade de Upsala, ambas
localizadas na Suécia, a�rmava que a “Geopolítica é a ciência que concebe o
Estado como um organismo geográ�co ou como um fenômeno do espaço”
(1916 apud MAGNOLI, 1988, p. 12).  Dessa forma, além de pioneiro no emprego
do termo “Geopolítica”, deixou explicitamente claras as vinculações entre
Geopolítica-Ciência-Estado.

Na perspectiva de Kjéllen, caberia à Geopolítica descrever a relação entre o


Estado e o território, assim como caberia à Sociologia, à Economia e à Ciência
Política as atribuições teóricas e práticas tendo sempre como referência o pa-
pel relevante do Estado.  Assim, a Sociologia faria a ponte entre o Estado e a
sociedade, a Economia teria como atribuição maior o estudo da relação entre
Estado e produção de bens e, no caso particular das vinculações entre Estado
e poder, de�niria as atribuições da Ciência Política.

Portanto, temos já uma questão fundamental no estudo da geopolítica: trata-se


do campo de conhecimento que se constitui a partir de uma referência funda-
mental no mundo moderno e contemporâneo: a presença da organização soci-
al e política do Estado.

A partir do Estado, podemos de�nir fronteiras, espaços ocupados por popula-


ções com histórias, religiões e culturas próprias; os espaços, por sua vez, são
constituídos de interesses variados, desde os econômicos até os militares,
passando por reservas estratégicas de minerais, como petróleo, além de fontes
de águas.

O lugar de Kjéllen no desenvolvimento do pensamento Geopolítico o coloca


numa situação curiosa: ele é continuador de um dos mais importantes intelec-
tuais alemães, Friedrich Ratzel, e verá, posteriormente, suas ideias serem
aprofundadas por Karl Haushofer, estrategista do chanceler do Estado alemão
Adolf Hitler ao longo do domínio nazista na Alemanha. Estava formada, as-
sim, o que se convencionou chamar, a posteriori, a Escola Geopolítica Alemã.

Uma das explicações para o fato de a Alemanha se tornar a “pátria da


Geopolítica” encontra-se em seu próprio desenvolvimento histórico. Até o ano
de 1871, a Alemanha não passava de uma confederação de 38 confederações
independentes capitaneadas pelo forte e crescente desenvolvimento industri-
al da Prússia, mas dominadas pelo Império Austro-Hungaro, que possuía um
vasto domínio na Europa naquele �nal de século 19.

O primeiro passo no sentido da uni�cação dos Estados germânicos veio com a


criação, em 1830, do Zollverein – termo alemão utilizado para signi�car a
união comercial entre todos os territórios germânicos, unindo-os, por meio da
fronteira econômica.  Os próximos quarenta anos de história alemã serão mar-
cados por intensas guerras empreendidas contra a Dinamarca (Guerra dos
Ducados de 1864), contra a Áustria (Guerra Austro-Prussiana de 1866) e, �nal-
mente, contra a França (Guerra Franco-Prussiana de 1870).

No centro de todas as operações militares alemãs estava o “chanceler de fer-


ro”, Otto von Bismarck, que, a partir da Prússia, organizou e comandou um for-
te exército, resistindo a três con�itos armados e culminando com a vitória so-
bre a França de Napoleão III. Em 1871, no salão de espelhos do Palácio de
Versalhes, era coroado Guilherme I, imperador da Alemanha.  Estava fundado
o II Reich, que é o termo usado para designar a união dos povos germânicos na
representação de uma unidade política na condição de Estado.

Concluída a uni�cação política, partia, agora, a Alemanha para a luta com as


superpotências de então – Inglaterra e França – no sentido de conquistar um
lugar no mundo industrial. O atraso, no entanto, em seu processo de uni�ca-
ção deixou-a em desvantagem na corrida colonial em direção à África e à
Ásia, condição imprescindível, naquele instante do desenvolvimento histórico
do sistema capitalista, para o estabelecimento de hegemonias econômicas e
territoriais, como fornecedores de matérias-primas e mercados consumidores.

É justamente nesse contexto de efervescência do sentimento nacionalista e da


propagação dos ideais expansionistas que emerge o pensamento de Friedrich
Ratzel (1844-1904), um dos “pais da geogra�a moderna” e fundador da chama-
da “escola geográ�ca determinista”.

Ratzel foi um intelectual engajado, pois teve efetiva participação no processo


de uni�cação da Alemanha, apoiando o projeto político-bélico de Bismarck.
De�nitivamente, suas ideias iriam marcar, em grande medida, gerações poste-
riores de estudiosos do campo geográ�co e político.

Em 1882, Ratzel publicou Antropogeogra�a, cujo subtítulo já anunciava sua


concepção de Geogra�a: Fundamentos da Aplicação da Geogra�a à História.
Para ele, a Geogra�a, enquanto ciência, somente poderia ser concebida en-
quanto conhecimento global do espaço, ou seja, sem fragmentar o conheci-
mento do meio físico da vivência e a sua ocupação pelas sociedades huma-
nas. Nascia, dessa forma, a Geogra�a Humana, como comumente é conhecida
nos dias de hoje.

A uni�cação tardia da Alemanha, que não impediu um relativo desenvolvimento


interno, deixou-a de fora da partilha dos territórios coloniais. Isto alimentava um
expansionismo latente, que aumentaria com o propósito constante de anexar no-
vos territórios. E, por essa razão, mais uma vez, o estímulo para pensar o espaço,
logo, para fazer Geogra�a.

Ratzel vai ser um representante típico do intelectual engajado no projeto estatal:


sua obra propõe uma legitimação do expansionismo bismarckiano. Assim, a
Geogra�a de Ratzel expressa diretamente um elogio do imperialismo, como ao di-
zer, por exemplo: ‘Semelhante à luta pela vida, cuja �nalidade básica é obter espa-
ço, as lutas dos povos são quase sempre pelo mesmo objetivo. Na história moder-
na, a recompensa da vitória foi sempre um proveito territorial’. [...]

O progresso signi�caria um maior uso dos recursos do meio, logo, uma relação
mais íntima com a natureza. Quanto maior o vínculo com o solo, tanto maior seria
para a sociedade a necessidade de manter sua posse.  É por esta razão que a socie-
dade cria o Estado, nas palavras de Ratzel: ‘Quando a sociedade se organiza para
defender o território, transforma-se em Estado’. A análise das relações entre
Estado e o espaço foi um dos pontos privilegiados da Antropogeogra�a. Para
Ratzel, o território representa as condições de trabalho e existência de uma socie-
dade. A perda de território representa maior prova de decadência de uma socieda-
de. Por outro lado, o progresso implicaria a necessidade de aumentar o território,
logo, conquistar novas áreas. Justi�cando estas colocações, Ratzel elabora o con-
ceito de ‘espaço vital’; este representaria uma proporção de equilíbrio entre a po-
pulação de uma dada sociedade e os recursos disponíveis para suprir suas neces-
sidades, de�nindo assim suas potencialidades de progredir e suas premências ter-
ritoriais (MORAES apud MAGNOLI, 1996, p.14).

Ratzel, assim como muitos dos intelectuais de seu tempo, nos mais diversos
campos do conhecimento cientí�co e humano, foi devoto das teses determi-
nistas de origem biológica. Entre a segunda metade do século 19 e as primei-
ras décadas do século 20, as chamadas ciências naturais ganharam grande
aceitação no mundo cientí�co, sobretudo, a partir da divulgação dos estudos
do naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882) condensados em sua obra
inovadora, A origem das espécies, publicada em 1859. O darwinismo e suas
ideias de seleção, evolução e adaptação natural das espécies exercerão pro-
funda in�uência sobre outras áreas do saber, entre elas a Filoso�a, a
Sociologia, a e, claro, a Geogra�a.

Muitas dessas ideias produzidas e propagadas pelas ciências humanas, nesse


contexto histórico, serão apropriadas pelos Estados europeus e atores políticos
no sentido de justi�car a expansão territorial e o domínio político-econômico
sobre vastas áreas do planeta. O chamado “darwinismo social” – aplicação
das ideias naturalistas de Darwin ao mundo humano – vai estar na base de te-
orias supostamente cientí�cas segundo as quais era perfeitamente “natural” e
“justo” que o homem branco europeu dominasse os povos africanos e asiáti-
cos, pois aquele era biologicamente superior a esses.

Seguindo essa concepção de cunho darwinista, Ratzel concebia o espaço co-


mo um organismo, tal como o entendemos na Biologia, que precisa ser cons-
tantemente defendido. Para realizar tal tarefa de defesa, era fundamental, se-
gundo Ratzel, a constituição de um Estado forte, militarizado e capaz de agir
não somente na defesa do território, mas também na própria expansão deste. 
Em outras palavras,

[...] in�uenciado pelo organicismo de fundo biológico, concebia o Estado como ema-
nação natural da sociedade destinada à defesa do território. Ao formular suas “leis
da expansão espacial dos Estados” de�ne o progresso como crescimento territorial
(MAGNOLI, 1988, p. 13).

Se, por um lado, Ratzel, com seu Antropogeogra�a, foi precursor da Geogra�a
Humana, por outro, vai contribuir de forma decisiva para a formulação de
análises geopolíticas com outra obra, também, fundamental: trata-se de
Geogra�a Política publicada originalmente em 1897. Nesse livro, vai lançar
mão do “Lebensraum” – “espaço é poder” – um conceito fundamental dentro
da perspectiva teórica do campo de conhecimento da Geopolítica. Segundo o
pensador alemão, caberia ao Estado buscar um “equilíbrio entre a população
de determinada sociedade, seus recursos naturais e seu território potencial”
(MAGNOLI, 1988, p. 13).  Em outras palavras,

As fronteiras não são concebidas senão como a expressão de um movimento orgâ-


nico ou inorgânico; as formações estatais elementares assemelham-se, evidente-
mente, a um tecido celular: em tudo se reconhece a semelhança entre as formas de
vida que surgem da ligação com o solo (RATZEL, 1987, p. 59 apud FONSECA;
VLACH, 2003, p. 2).

Observe que novamente Ratzel faz a analogia entre Estado político e organis-
mo biológico para justi�car não só as necessidades de proteção do espaço, co-
mo também de expansão espacial como forma de garantir o suprimento de re-
cursos indispensáveis às necessidades da sociedade e, no caso especí�co, da
sociedade alemã. Neste contexto, justi�ca-se a anexação da região da Alsácia-
Lorena devido sua condição geográ�ca rica em recursos minerais.

A tese segundo a qual “espaço é poder”, preconizada por Ratzel, servirá para
justi�car não só o projeto de uni�cação territorial de Bismarck, como também
para subsidiar em termos estratégicos o projeto expansionista do III Reich, sob
o comando de Adolf Hitler, entre os anos de 1930 e 1940. O Lebensraum de
Ratzel seria retomado pelo líder nazista em seu Mein Kampf (em português
“Minha Luta”), publicado entre 1925/1926, que se tornaria uma espécie de “livro
sagrado do nazismo”.

Resumidamente, pode-se entender que as teses de Ratzel apontam os Estados


como organismos que devem ser concebidos em sua íntima relação com o es-
paço, pois é o fundamento geográ�co do poder político.

De acordo com Costa (2008, p. 35)


Não se trata, porém de um determinismo estreito, meramente causal. O que esta em
jogo é a idéia de que o solo e seus condicionantes físicos são apenas um dado geral,
uma base concreta, um potencial en�m, cuja e�cácia para o desenvolvimento esta-
tal de uma nação ou de um povo dependerá antes de tudo da sua capacidade em
transformar esta potencialidade em algo efetivo.

Apesar de não ter sido o pioneiro, Friedrich Ratzel foi o grande responsável
por legitimar a importância do estudo da Geogra�a Política, por meio de sua
obra Politische Geographie (Geogra�a Política) de 1897.

Assim, o teórico sistematizou uma leitura espacial da política e, ao mesmo


tempo, reformulou a maneira pela qual a ciência geográ�ca abordava o fenô-
meno político ao apontar a questão do espaço-vital, ou seja, a relação entre ter-
ritório e desenvolvimento de uma sociedade, enfatizando especialmente os re-
cursos naturais e o solo, adotando, assim, como era tendência das ciências so-
ciais do período, uma abordagem biológica.

No entanto, a “escola geográ�ca determinista germânica” representada espe-


cialmente por Ratzel fez com que surgisse uma reação francesa que criticava,
sobretudo, o determinismo geográ�co, notadamente baseado em sua condição
territorial.

O sociólogo Émile Durkheim, em L’Année sociologique (1898), e o historiador-


geógrafo Vidal de La Blache, em Annales de géographie (1898), produziram
críticas em relação ao denominado “determinismo estreito” de Ratzel.

Ratzel foi o responsável por enfatizar as discussões envolvendo território, en-


quanto La Blache deu dimensões para o conceito de região, abarcando ainda
ideias relacionadas aos organismos, ao meio, à ação humana e ao gênero da
vida, enfatizando, neste contexto, que a ação humana é o principal elemento
transformador da natureza.

O grande objeto da abordagem possibilista de La Blache é entender, além dos


fenômenos relacionados às ações humanas e à relação com o meio, seja este
natural ou humanizado, as particularidades que estão ligadas em âmbitos
maiores, construindo uma geogra�a geral que deve ter ligações com as geo-
gra�as regionais (MORAES, 1987, n. p.).

No que se refere ao contexto em que o estudo da Geogra�a Política foi reformu-


lado por La Blache, deve-se considerar a rivalidade entre a Alemanha e a
França, pela região da Alsácia-Lorena, sendo que enquanto a Alemanha bus-
cava sua expansão territorial, no entanto, ameaçava a integridade territorial
francesa. Dessa forma, pode-se identi�car a rivalidade entre duas escolas de
Geogra�a Política.

Alguns fatores contribuíram para a rivalidade existente tanto no âmbito teóri-


co e histórico nas relações entre Alemanha e França.

A derrota francesa na guerra franco-prussiana no século19, a Primeira Guerra


Mundial e, em seguida, a ascensão do nazismo e a difusão da “geopolítica ale-
mã” nos anos de 1920, 1930 e 1940, em especial por meio da revista Zeitschrift
fur Geopolitik editada pelo general Karl Haushofer e com forte in�uência rat-
zeliana, são consideradas exemplos dos fatores que levaram a tal rivalidade. A
revista referida, por vezes, exibia ideias nazistas de “raça ariana superior” e do
“destino manifesto” da Alemanha em se tornar potência mundial que gerou a
Geopolítica de Haushofer e seus colaboradores (geógrafos, historiadores, cien-
tistas políticos, militares e juristas). Dessa forma, a relação determinismo –
Geopolítica – regimes totalitários ganhou força nos anos seguintes, especial-
mente pelo desfecho da Segunda Grande Guerra.

O determinismo de Ratzel sofreu críticas devido a sua visão exagerada, estrei-


ta e unilateral que via apenas a importância do meio físico para a sociedade e
não valorizava a criação humana em si, a tecnologia e a (re)produção da natu-
reza. Assim, alguns teóricos como La Blache ou Lucien Febvre incluem o livre
arbítrio dos seres humanos, a tensão entre a lógica e a política ou o acaso co-
mo fatores do possibilismo que in�uenciam na expansão de um Estado, além
das questões deterministas e territoriais previstas por Ratzel.

Pode-se concluir que as contribuições de Ratzel foram  fundamentais para o


entendimento da Geogra�a Política como a base de uma tecnologia espacial
do poder do Estado, sendo que caberia aos governantes saber instrumentalizá-
la para a noção de domínio territorial. Outro ponto que tange a questão das leis
gerais sobre a relação Estado-espaço, destacado neste contexto, é o solo como
base territorial do Estado, sendo que a importância absoluta ou relativa do
Estado é estabelecida segundo o valor dos espaços povoados.

A incorporação dos pressupostos de Ratzel pelo nazismo e pelo fascismo e a


prática do Holocausto �zeram com que a disciplina de Geogra�a Política fosse
conduzida ao ostracismo e, assim, as discussões em torno das questões terri-
toriais (fronteiras) foram em certa medida despolitizadas.

A concepção da Geopolítica do Estado nazista foi sistematizada por Karl


Haushofer (1869-1946), general-geógrafo e responsável pela criação do
Instituto de Geopolítica de Munique. Com Haushofer, a Geopolítica ganha con-
tornos acadêmicos e se institucionaliza enquanto teoria e prática do Estado
Alemão.

A vida pessoal de Haushofer é uma síntese dos grandes dilemas vividos pelo
povo alemão entre o �nal do século 19 e a primeira metade do século 20. Desde
as guerras de uni�cação passando pelas duas grandes guerras mundiais, a
Alemanha parecia encarnar um “destino histórico” qual seja o de se transfor-
mar em uma nação poderosa e imperialista. Tal “destino” mergulhou o povo
alemão em uma das maiores tragédias da história do homem, que foi o holo-
causto de judeus.  Pois é em meio a esse cenário que transcorreu toda a vida
de Haushofer, que aproximou o conhecimento Geopolítico da estratégia mili-
tar, sendo atribuída a ele a célebre de�nição: “[...] a Geopolítica deve ser e será a
consciência geográ�ca do Estado” (MAGNOLI, 1988, p. 12).

Haushofer nasceu em Munique, região da Baviera, sob o contexto da uni�ca-


ção germânica levada a cabo por Otto Von Bismack, tendo se consolidado em
1871, quando da fundação do II Reich com a coroação de Guilherme I, confor-
me vimos anteriormente.

Após concluir os estudos secundários, ingressou na carreira militar de seu


país. Como soldado, foi enviado ao Japão em 1903, onde serviu como uma es-
pécie de adido militar junto ao Exército Imperial japonês. Com experiência em
terras orientais, nasce seu profundo interesse pela cultura nipônica, levando-
o, inclusive, a escrever e defender uma tese de doutorado sobre o Japão,
apresentando-a na Universidade de Munique, obtendo o grau acadêmico. Já
no contexto da I Guerra Mundial (1914-1918), comandou, como o�cial general, o
corpo de artilharia alemã em uma das frentes de batalha. Ao �nal do con�ito,
em 1919, vem a declaração de derrota imposta pelo Tratado de Versalhes, algo
que marcou dolorosamente o espírito de Haushofer, bem como de todo o povo
alemão, levando-o a tomar a decisão de aposentar-se do exército no mesmo
ano.

As nações signatárias do Tratado de Versalhes – Estados Unidos, Inglaterra e


França – recon�guraram o mapa da Europa a partir do ano de 1919 (Figuras 1 e
2), sobretudo, com a fragmentação do Império Austro-Hungaro. À Alemanha
coube a humilhação de perder parte de seu território – a Alsácia-Lorena foi to-
mada pela França –, o pagamento de pesada indenização calculada em bi-
lhões de marcos aos vencedores, além de ter que reduzir suas forças militares
e bélicas. Na realidade, as cláusulas de Versalhes �zeram renascer o espírito
revanchista e expansionista germânico alimentado pelo nacionalismo exa-
cerbado, culminando com a eclosão em 1939 da II Guerra Mundial.

Figura 1 Mapa da Europa antes da I Guerra Mundial (1914-1919).


Figura 2 Mapa da Europa após as resoluções do Tratado de Versalhes em 1919.

Os anos posteriores ao Tratado de Versalhes seriam decisivos para o fortaleci-


mento das ideologias extremistas na Alemanha. A profunda crise econômica
e social em que mergulhara nos anos de 1920 teve como consequência o re-
crudescimento do nacionalismo germânico, sentimento que foi capitaneado
pelo Partido Nazista. Por essa época, Karl Haushofer, aposentado do exército,
encontrava-se em plena atividade acadêmica, produzindo, a partir do Instituto
de Geopolítica de Munique, fundado por ele próprio, teses e livros que se cons-
tituíram em peças importantes para a doutrina do Estado nazista alemão, tais
como:

1. 1925: publica Geopolítica do Oceano Pací�co.


2. 1927: As Fronteiras e seu signi�cado geográ�co e político.
3. 1933: ano de tomada do poder por Adolph Hitler, publica O desenvolvi-
mento do Japão como potencial mundial e imperial.
4. 1934: O pensamento nacional-socialista no mundo, cujo título é uma refe-
rência explícita ao programa político do Partido Nazista.
5. 1939: início da Segundo Guerra Mundial (1939-1945).
6. Após a invasão da Polônia no dia 1º de setembro 1939 pelas tropas nazis-
tas, publica A política cultural alemã no espaço indo-europeu.

O conjunto da produção intelectual de Karl Haushofer aponta para aspectos


importantes na estratégia política do Estado nazista: por um lado, a necessi-
dade de aliar conhecimentos geográ�cos e geopolíticos à ação do Estado e, por
outro lado, sua obra apontava para a necessidade da Alemanha estabelecer
alianças estratégicas com o Japão, algo que viria se concretizar efetivamente
em 1936 com a celebração do Eixo Roma-Berlim-Tóquio. São evidentes, por-
tanto, os indícios do envolvimento de Haushofer com o Estado nazista, algo
que viria negar após o término da guerra. Diante da derrota da Alemanha e em
vias de ser denunciado como criminoso de guerra e, por via de consequência,
ser obrigado a comparecer diante do Tribunal de Nuremberg, Haushofer e sua
esposa suicidam-se em 13 de março de 1946, prática comum aos o�ciais mili-
tares e altos funcionários do Estado Nazista após o �nal da guerra, como
Rudolph Hess e Joseph Goebbels.

Diante do que vimos até aqui, podemos concluir que a Geopolítica nasceu atre-
lada à experiência histórica da Alemanha entre o �nal do século 19 e início do
século 20. O objeto central da investigação teórica da Geopolítica é o estudo da
relação entre espaço geográ�co e Estado, procurando explicar a ocupação do
espaço a partir das necessidades estratégicas do Estado, sejam essas necessi-
dades econômicas, políticas, militares, demográ�cas ou geográ�cas.

Em contrapartida, a Geopolítica constituiu-se enquanto campo de conheci-


mento apropriando-se dos mais diferentes saberes tais, como a História, a
Economia e a Ciência Política. O conhecimento produzido pela Geopolítica, por
sua vez, assim como todo conhecimento de natureza cientí�ca, não tem nada
de neutralidade, podendo ser apropriado pelo Estado e os grupos políticos para
justi�car suas relações, internamente, com suas sociedades nacionais e, exter-
namente, com os outros Estados, num quadro mais amplo de relações interna-
cionais.

Portanto, embora tenha sotaque germânico, a Geopolítica ocupará ao longo da


história dos Estados modernos uma posição de destaque, in�uenciando e con-
tribuindo para o surgimento de “escolas de pensamento geopolítico” em diver-
sos países, especialmente, Estados Unidos e Inglaterra, como veremos a se-
guir.

4. Mahan: os oceanos como estratégia de do-


minação
Se para os geopolíticos alemães o domínio terrestre era sinônimo de poder e
de progresso do Estado, em especial do Estado germânico, para o almirante
norte-americano Alfred Thayer Mahan (1840-1914) era fator essencial, na es-
tratégia de dominação e hegemonia do Estado, o domínio dos oceanos. As
concepções Geopolíticas de Mahan teriam grande aceitação e repercussão por
parte dos governos norte-americanos desde a segunda metade do século 19
até grande parte do século 20.

Filho de um professor da Academia Militar dos Estados Unidos, Alfred Mahan


estudou em Columbia e graduou-se em 1859 na Academia Naval dos Estados
Unidos, iniciando, dessa forma, sua carreira militar, servindo como o�cial da
Marinha durante a Guerra Civil (1861-1865).  Sua notoriedade nos meios milita-
res lhe garante a nomeação como professor-instrutor da cadeira de História e
Tática Naval no Colégio Naval de Guerra dos Estados Unidos, fato que mudou
os rumos de sua carreira.

Dedicou-se ao estudo do problema naval na história especializando-se, sobre-


tudo, nos con�itos navais europeus ocorridos entre os séculos 17 e 19, que en-
volveram a Inglaterra e a França. Desses estudos, nasceram duas obras que se
tornaram célebres nas análises e estratégias de hegemonia naval e militar
com repercussões não só nos Estados Unidos como na Europa e no Japão: A
in�uência do poder naval na História 1660-1783 e A in�uência do poder naval
na Revolução e no Império Francês 1793-1812. Surgia, assim, a “teoria do poder
naval”, segundo a qual o domínio dos mares emprestaria hegemonia mundial.
Segundo Magnoli (1996, p. 40):

Mahan constrói teorias baseadas numa idéia-chave: o poder marítimo constituiria


o vértice da supremacia das nações na história contemporânea.   Utilizando o
exemplo inglês, propunha o desenvolvimento de uma poderosa Marinha e o estabe-
lecimento de bases e pontos de apoio logístico direcionados para o domínio do
Atlântico e do Pací�co.

As concepções Geopolíticas de Mahan privilegiavam a região inter-oceânica


entre Atlântico e Pací�co, considerada pelos seus estudos de fundamental im-
portância para a supremacia norte-americana.   A partir de 1897, quando
Mahan publica O interesse da América no poder marítimo: presente e futuro,
suas concepções são imediatamente incorporadas por ações governamentais
coordenadas, sobretudo a partir de Theodore Roosevelt, presidente dos
Estados Unidos entre 1901 e 1909.

Contextualmente, Mahan desenvolve seus estudos em uma época em que os


Estados Unidos da América emergiam como potência marítima e mundial. A
escalada expansionista dos Estados Unidos rumo ao continente americano
tem início com a Guerra Hispano-Americana em 1898, época em que T.
Roosevelt ocupava o cargo de subsecretário da Marinha. Conhecedor das teses
Geopolíticas de Mahan de quem foi colega à época em que eram professores
do Colégio Naval de Guerra, T. Roosevelt será peça-chave no aparelho de
Estado no contexto expansionista norte-americano. Em um período de pouco
menos de duas décadas, os Estados Unidos haviam estabelecido sua hegemo-
nia na região do Caribe e da América Central Peninsular:

1. : fruto da derrota imposta à Espanha após a Guerra Hispano-


Americana, os Estados Unidos anexa os Porto Rico, Guam e Filipinas;
nesse mesmo ano, incorpora ao seu território a ilha do Havaí e, no ano se-
guinte, Samoa, na Polinésia;
2. : interferência direta em Cuba, que mesmo após ter proclamado
sua independência, submete-se à “proteção norte-americana” através da
Emenda Platt;
3. : o governo norte-americano �nancia milícias rebeldes no Panamá,
que declara sua independência da Colômbia. Como desdobramento desse
movimento separatista, os Estados Unidos obtêm o direito de construir e
controlar o Canal do Panamá, corredor interligando os oceanos Pací�co e
Atlântico;
4. : a República Dominicana, no Caribe, é transformada em área sob
proteção dos Estados Unidos (Figura 3);
5. : intervenção na Nicarágua;
6. : intervenção no Haiti;
7. : aquisição das Ilhas Virgens junto ao governo da Dinamarca.
Figura 3 Expansionismo dos Estados Unidos rumo ao Mar do Caribe ao Oceano Pací�co a partir de 1867.

Inspirado na tese da superioridade naval como condição indispensável para


efetivar sua hegemonia, tese esta desenvolvida por Alfred Mahan, o Corolário
Roosevelt legitimava, assim, a expansão dos Estados Unidos pelo continente
americano, fazendo valer não só os interesses militares, como também os
econômicos na região do Caribe, que deveria ser, como nas palavras de
Mahan, um “lago americano”.

Para Mahan, nas “potências militares agressivas”, a marinha mercante é sub-


metida aos objetivos militares, tornando-se um ramo da marinha de guerra. A
construção do canal do Panamá expandiria o comércio marítimo norte-
americano e fortaleceria a sua armada.

O poderio marítimo de uma nação depende da sua capacidade de se instalar e


manter funcionando uma rede de apoio ao comércio. Por isso, Mahan destaca
a posição geográ�ca como uma condição importante que de�ne o poder marí-
timo, conforme pode-se constatar historicamente nos casos da Inglaterra,
França e Holanda.

O teórico via a Inglaterra como um modelo de poder marítimo, por causa da


sua condição geográ�ca (con�guração insular) e por manter um vasto império
colonial de apoio, ou seja, diversos pontos de apoio espalhados pelo mundo. Já
com relação à França, ora ele destaca como potência continental, ora como
potência marítima. Mas, apresentava uma desvantagem como potência marí-
tima, uma vez que sua frota naval era obrigada a passar pelo Estreito de
Gibraltar (controlado pelos ingleses). Com relação aos EUA, sua posição geo-
grá�ca é importante, pois tem acesso a dois oceanos, o Atlântico e o Pací�co,
mas não possui uma interligação entre eles, o que justi�caria a necessidade
urgente da construção do Canal do Panamá.

A abordagem inovadora de Mahan sobre o poder marítimo baseia-se numa con-


cepção integrada de todas as atividades relacionadas ao mar. Nesse sentido, suas
teorias não se restringem, como era tradicional às análises sobre o poder naval
(stricto senso) ou o comércio marítimo, tomados separadamente.  Para ele, é fun-
damental a natureza e o grau de envolvimento de toda a população de um país
com as atividades marítimas, decorrendo daí as possibilidades concretas de cons-
tituição de um poder de fato nessa área.  Dedica a maior parte de seu estudo a uma
revisão histórica do tema desde os primórdios da civilização, deixando clara a sua
admiração pela Inglaterra e seu domínio dos mares. Dessa revisão, extrai a idéia
de uma universalidade nos princípios que norteiam as operações navais [...]

Concebe os oceanos e mares como um vasto espaço social e político com caracte-
rísticas próprias que os distinguem dos espaços terrestres, mas articulados a estes
pelos a estes pelos portos e vias de comunicação interiores.  Chama a atenção pa-
ra o fato de que, apesar de esse ‘espaço marítimo’ permitir, em princípio, a circula-
ção em todas as direções, a história dos �uxos e a posição dos continentes e por-
tos de�nem as famosas trade routes, autênticas highways marítimas. [...] com o
desenvolvimento das vias terrestres, há a tendência a um estreitamento de rela-
ções entre os dois espaços, favorecendo o comércio mundial e a circulação em ge-
ral. Esta é uma das razões pelas quais a interdependência entre as marinhas mer-
cantes e de guerra tem aumentado, formando um único sistema durante os con�i-
tos (COSTA, 2008, p. 69-70).

Entre 1883 e 1913, Mahan produziu quatorze livros, todos tratando, de alguma
forma, da questão da superioridade naval. O contexto mais amplo em que pro-
duziu todo seu potencial intelectual é marcado pelos imperialismos das po-
tências europeias pela África e Ásia, movido pelo interesse de colônias que
pudessem abastecer as metrópoles do Velho Mundo de abundantes fontes de
matérias-primas para suas indústrias. Da mesma forma, agia o Japão no ex-
tremo Oriente, investindo contra o território de seus vizinhos, em seu projeto
expansionista buscando sua hegemonia imperialista na região.  Assim, tam-
bém, atuavam estrategicamente os Estados Unidos na área do Novo Mundo.

Nesta perspectiva, a concepção Geopolítica de Mahan veio ao encontro dos in-


teresses expansionistas dos Estados Unidos. Sua percepção da realidade mun-
dial, na verdade, encaixava-se nos ideais do “Destino Manifesto”, apregoados
pelos líderes norte-americanos desde a época da expansão interna em direção
ao Oeste, segundo a qual cabiam aos Estados Unidos a missão “civilizatória”
de conquistar o mundo.

Vimos, portanto, que a tese Geopolítica – o domínio naval como estratégia de


hegemonia – de Mahan ofereceu os subsídios e as justi�cativas indispensá-
veis para que o governo dos Estados Unidos empreendesse seu processo im-
perialista e, nesse caso, percebemos mais claramente a utilidade prática das
concepções elaboradas pela Geopolítica. Vejamos, agora, a Geopolítica sob
uma outra ótica, mas que, apesar das diferenças, também deu margem à ação
do Estado.

A construção do canal do Panamá


Até 1903, o Panamá era uma província do norte da Colômbia.  Entre o Panamá
e a América do Sul, geogra�camente localiza-se o istmo, que é uma estreita
porção de terra formada no período do Plioceno. Existe a tese de que este pon-
to de ligação da América Central com a América do Sul foi formado pelas anti-
gas placas tectônicas Laurásia e Godwana, que haviam se desmembrado em
placas menores e se deslocaram até formar o continente americano. Este pon-
to é estratégico, pois possibilita a ligação e a passagem do Oceano Atlântico
para o Pací�co e vice-versa.

Os Estados Unidos da América, na sua busca como potência imperialista glo-


bal, objetivava construir um Canal de passagem entre o Atlântico e o Pací�co,
que poderia ser no istmo do Panamá ou por um estreito da Nicarágua. A cons-
trução deste Canal, sem ter que dar a volta na América do Sul, seria considera-
da essencial para a perspectiva militar, estratégica e comercial.
Para isso, os Estados Unidos da América procuraram o governo da Colômbia,
que não aceitou a construção no Panamá. Diante da recusa, a potência
pronti�cou-se a auxiliar a província do Panamá em seu processo de indepen-
dência. Os EUA empreenderam esforços �nanceiros e militares para auxiliar
na revolução. Como reconhecimento à ajuda dos Estados Unidos, o novo
Estado, o Panamá, assina um tratado autorizando a construção do Canal do
Panamá. O Canal e a Zona do Canal em torno foram administrados pelos
Estados Unidos até 1999, quando o controle foi passado ao Panamá, como pre-
visto pelos Tratados Torrijos-Carter.

Observe nas Figuras 4 e 5 o Canal do Panamá.

Figura 4 Mapa do Canal do Panamá.


Figura 5 Canal do Panamá.

Todos os anos circulam, aproximadamente, mais de 13 mil navios com merca-


dorias neste Canal (Figuras 4 e 5), que têm 80km de extensão, levando em mé-
dia de 8 a 10 horas para completar o percurso.

O canal do Panamá é um ponto estratégico no Continente Americano e, por is-


so, as questões marítimas e terrestres estão diretamente ligadas.

5. Mackinder: a teoria da Terra-Coração


O controle de um território é fundamental para o exercício do poder de um
grupo social ou Estado. Nesse sentido, teorias referentes à dominação territo-
rial foram construídas visando a justi�car a expansão e dominação dos espa-
ços.

Ao lado do alemão Haushofer e do norte-americano Mahan, o britânico


Halford Mackinder (1861-1947) é considerado uma referência central naquilo
que �cou conhecido ao longo dos tempos como Geopolítica Clássica. Todos os
três estão inseridos no quadro histórico do expansionismo dos grandes impé-
rios – Alemanha, Estados Unidos e Inglaterra –, e até por conta desse contex-
to, toda a produção intelectual desses geopolíticos estará a serviço dos interes-
ses estratégicos de seus países de origem. No caso especí�co de Mackinder,
este desenvolveu um novo conceito geopolítico atendendo automaticamente
“às necessidades estratégicas do Império britânico” (MAGNOLI, 1988, p. 25).

Mackinder foi o típico intelectual acadêmico ligado inicialmente a Oxford


University, onde havia realizado cursos nas áreas de ciências naturais e histó-
ria, tomando, posteriormente, interesse pela Geogra�a. O interesse pelos estu-
dos geográ�cos levou-o a participar da fundação da Associação Geográ�ca,
entidade responsável pela divulgação da Geogra�a e seu ensino em escolas
por toda a Inglaterra nos princípios do século 20.

Em 1904, diante de uma seleta plateia, H. Mackinder ministrou uma conferên-


cia na Royal Geographical Society de Londres intitulada “O pivô geográ�co do
mundo”, na qual fez divulgar sua “teoria do heartland”, para muitos, o marco
da Geopolítica enquanto campo de estudo cientí�co. Segundo essa teoria, os
espaços localizados entre a Alemanha e a Rússia era a “terra-coração”, cujo
controle emprestaria poder ao Estado que o dominasse. Surge, então, o “con-
ceito estratégico de heartland”, que ganharia enorme repercussão no âmbito
do Império britânico, como também na própria Alemanha, sendo Karl
Haushofer um de seus principais divulgadores. Segundo Magnoli (1988, p. 25),

O novo conceito geopolítico nascido da exposição de Mackinder respondia às ne-


cessidades estratégicas do Império britânico.   Para cavar um fosso entre a
Alemanha e a Rússia, é �rmado o pacto anglo-russo de 1907. Começa a cristalizar-
se um dos blocos político-militares da Primeira Guerra. Num contexto diferente, em
1919, os vencedores da guerra, reunidos em Versalhes, utilizam a mesma idéia geo-
política para remontar o mapa da Europa.

Mackinder, em 1919, é designado pela Coroa britânica representante do corpo


diplomático no processo de tratativas entre as nações vencedoras da I Guerra
Mundial (1914-1918), que culminou com o Tratado de Versalhes. Nesse mesmo
ano, publica o livro Ideais democráticos e realidade: um estudo de reconstru-
ção política, no qual:

[...] reelabora o conceito Área Pivô, �exibilizando os seus limites geográ�cos e pas-
sando a denominá-la heartland, terra-coração.  Mackinder defende, nessa obra, a
idéia de que os fenômenos geopolíticos podem ser explicados a partir da luta trava-
da entre o heartland e os crescentes concêntricos que o circundam: ‘Quem domina-
da a Europa Oriental controla o Heartland; quem domina o Heartland controla a
World Island; quem domina a World Island controla o mundo (FONSECA; VLACH,
2003, p. 6).

Observe, na Figura, 6 a área pivô destacada no mapa, território entre Europa e


Rússia considerada por Mackinder, área de domínio estratégico.
Figura 6 Mapa destacando a “área pivô”.

Mackinder, diversamente de muitos de sua época, dirige a sua atenção preferenci-


almente para a imensa massa terrestre constituída pela Eurásia, �xando-se na
idéia de que a história dos povos e nações da Europa foi forjada em grande parte
como reações sucessivas às ameaças provenientes da Ásia. [...]

Centrando a sua análise geopolítica na vasta massa terrestre contígua compreen-


dida pela Europa Oriental e a Ásia, o autor identi�ca, logo de início, um fenômeno
para ele fundamental: o evidente contraste entre as dimensões do território russo
e dos demais Estados da Europa Oriental. [...] Essa massa terrestre, com aproxima-
damente 54,4 milhões de km2 de terras contíguas, possuiria, segundo Mackinder,
uma “área core”, um espaço central, por ele chamado de coração continental. Este,
por sua vez, compreenderia as terras localizadas no Centro e no Norte da Eurásia
(correspondendo, grosso modo, à antiga URSS), numa área aproximada de 23,3 mi-
lhões de km2, cuja característica principal é a de permitir uma ampla mobilidade
à sua população, em todas as direções. [...]

Esse novo espaço geográ�co constitui para ele o que chama de “área pivô” da polí-
tica mundial. O “coração continental”, “área pivô” ou, em outras palavras, o
Império Russo e suas virtualidades, constituem o novo pólo de poder mundial que
não pode ser negligenciado. [...] (COSTA, 2008, p. 79-81).

A importância das concepções Geopolíticas de Mackinder está no fato de sua


permanência e longevidade ao longo do século 20. Suas teses são utilizadas
pela Inglaterra e Estados Unidos no contexto do pós- I Grande Guerra no senti-
do de provocarem o surgimento de um “cordão sanitário” isolando a
Alemanha da Rússia, recém-convertida ao comunismo após a Revolução
Bolchevique de 1917. Novamente, serão retomadas no contexto da Guerra Fria,
período subsequente ao �m da II Guerra Mundial, quando para fazer frente ao
avanço da União Soviética na Europa, as potências ocidentais sob a liderança
dos Estados Unidos, impuseram uma “cortina de ferro” conforme expressão de
W. Churchill.

Mackinder con�rmou a tese de Mahan de que o poder marítimo era importan-


te para o poder mundial. Lembrando que, segundo Mahan, existia a necessi-
dade de os Estados Unidos perseguirem uma melhor posição relativa quanto
ao poder marítimo em escala regional e mesmo global, tomando como refe-
rência principal a Inglaterra e sua hegemonia no setor. No entanto, Mackinder
defendeu a ideia de que a disputa pela hegemonia em escala global dependia
da importância, cada vez maior do que chamou de poder terrestre (COSTA,
2008, n. p.).

Mackinder reconhece o papel da circulação marítima e do poder naval nas


modernas estratégias em nível mundial, mas ele alerta para o crescimento do
poder terrestre. Nessa disputa entre os dois fatores estratégicos, Costa (2008,
n. p.) destaca dois fatos que produziram resultados diversos: as construções de
canais que fortalecem o poder marítimo e as construções de ferrovias que for-
taleceram o poder terrestre.

Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem, respondendo à questão a se-


guir.

6. Considerações
Neste ciclo, analisamos imbricações e distanciamentos entre Geopolítica e
Geogra�a Política, assim como as principais teorias da Geopolítica Clássica, as
quais alicerçaram o pensamento da ciência. Tais temáticas irão subsidiar e
fundamentar a discussão no próximo ciclo, sobre o surgimento de novas teori-
as Geopolíticas.
(https://md.claretiano.edu.br/geopoleco-

gs0081-fev-2023-grad-ead/)

Ciclo 4 – Novas Geopolíticas

Rubens Arantes Corrêa


Tatiana de Souza Leite Garcia

Objetivo
• Apresentar os temas e as discussões relacionados às teorias geopolíti-
cas e às relações internacionais.

Conteúdos
• Novas Geopolíticas.
• Nova ordem mundial.
• A globalização capitalista e as relações internacionais.

Problematização
Como ocorreu a crise da Geopolítica Clássica? E quais são os temas emergen-
tes? Como tem se estabelecido a geopolítica da água? Quais são as interliga-
ções entre Geopolítica e globalização?

1. Introdução
Neste momento, exploraremos a crise da Geopolítica clássica e a emergência
de novos temas. Dentre esses novos temas, focaremos as possibilidades de
con�ito devido às questões econômicas, os choques culturais entre civiliza-
ções, o discurso da democracia liberal ocidental e suas implicações, bem co-
mo a geopolítica da água.

2. A crise da geopolítica clássica e a emergên-


cia de novos temas
A partir do �nal da Segunda Grande Guerra, a Geopolítica Clássica ingressou
em um período de questionamento em relação aos seus pressupostos funda-
mentais. Tal fato se deve à sua relação com o nazifascismo na Alemanha e
Itália, assim como com as políticas expansionistas da nação germânica e do
Japão. No entanto, vale ressaltar que a Geopolítica no Brasil, no Chile e na
Argentina, por exemplo, continuaram a se desenvolver como fundamento para
as políticas territoriais do Estado.

Na década de 1970, a Geopolítica assume uma nova roupagem, impregnada


pelo embate ideológico entre as potências do bipolarismo e seus sistemas
econômicos antagônicos. Nesse sentido, as discussões sobre o poder marítimo
versus o poder terrestre ou sobre o heartland são substituídas pelas teorias a
respeito do socialismo e do capitalismo em um contexto de Guerra Fria, assim
como as possibilidades de uma Terceira Grande Guerra.

O futuro da humanidade, a relação entre corrida armamentista e gastos nacio-


nais exorbitantes, assim como as questões relacionadas ao desenvolvimento
dos Estados, notadamente o movimento dos não alinhados, eram temáticas
colocadas em pauta dada a conjuntura internacional da época. Dessa forma,
“[...] pensar a guerra (ou opor-se) tornou-se uma necessidade imperiosa para
os movimentos sociais, as instituições de pesquisa e os intelectuais em geral”
(VESENTINI, 2004, p. 26).

As radicais mudanças ocorridas entre os anos de 1989 e 1991, sobretudo o �m


do con�ito bipolar e o esfacelamento da União Soviética, fez com que discus-
sões envolvendo o futuro do sistema internacional viessem à tona, ou seja, o
estabelecimento de uma nova ordem mundial apresentou-se como um novo e
importante objeto de pesquisas e re�exões, assim como quem seria a potência
mundial dominante. Vale ressaltar que a excessiva militarização do período
da Guerra Fria gerou, como já mencionado, altos gastos nacionais, fato que
desconsiderou a chamada economia civil. Nesse sentido, a nova reorganiza-
ção do sistema internacional daria maior ênfase nas questões relacionadas à
globalização, revolução técnico-cientí�co-informacional e formação ou conso-
lidação de blocos econômicos em detrimento das questões militares.

Nesse ponto, pode-se inferir que “a excessiva militarização das políticas exter-
nas” e a “negligência de outras ameaças ao bem-estar nacional” durante o pe-
ríodo da Guerra Fria, assim como os efeitos da globalização, �zeram com que a
insegurança global aumentasse, ao passo que novas contendas começaram a
ganhar cada vez mais destaque, como as questões ambientais, políticas,
econômicas e sociais, assim como os chamados “problemas sem passaporte”
(trá�co internacional de drogas e pessoas, terrorismo, AIDS, dentre outros), fa-
zendo com que o conceito de segurança humana fosse cada vez mais enfati-
zado, gerando a necessidade de ampliar/revisar o conceito de segurança mili-
tar.

Segundo Cravo (2009, p. 69), “[...] os con�itos intra-estatais substituíram os in-


terestatais como principal ameaça à segurança do sistema internacional [...]”.
Dessa forma, o �m do con�ito bipolar fez com que as questões de cunho hu-
mano fossem enfatizadas, notadamente a chamada segurança humana, espe-
cialmente como se assistiu na década de 1990 nos con�itos civis onde os di-
reitos humanos foram desrespeitados em larga escala.

Apesar do conceito de segurança estar ainda inserido nas questões de sobera-


nia estatal, nota-se a ênfase nas relações de cooperação e diálogo em detri-
mento das relações de competição e con�ito da Guerra Fria, destacando-se
ainda o papel das instituições internacionais (ONGs e OIGs), assim como da
própria sociedade civil, rompendo-se com a visão unicamente estadocêntricas
do realismo.

Nesse contexto, a teórica Mary Kaldor (2001, p. 1-12) aponta o surgimento de


um novo tipo de violência que marcaria as chamadas “novas guerras” no con-
texto da globalização. Tais guerras (intraestatais) se diferenciam das guerras
clássicas (interestatais) pela di�culdade de se diferenciar o interno do externo,
ou seja, há participação de diversos atores internacionais, como os organis-
mos internacionais governamentais ou não governamentais, a mídia e as
multinacionais, que são movidas pelos interesses das grandes potências.
Nesse sentido, as novas guerras seriam marcadas por objetivos políticos e
econômicos que envolveriam o crime organizado e a violação dos direitos hu-
manos em larga escala, como assistiu-se nos con�itos civis da década de 1990
no continente africano e no leste europeu.

Assim, faz-se necessário atentar às questões envolvendo as novas temáticas


da Geopolítica, enfatizando-se o predomínio das questões econômicas sobre
as militares. Nesse sentido, as teorias seguintes apresentam em comum a im-
portância dada ao poderio econômico em detrimento do poderio militar. Estas
foram formuladas em plena crise do mundo socialista e do con�ito bipolar,
época em que a disputa de alinhamentos ideológicos era intensa, especial-
mente na busca de mercados para a ideologia capitalista. Além disso, nesse
período pode-se identi�car a formação dos primeiros blocos econômicos.

3. As possibilidades de con�ito devido às ques-


tões econômicas
Segundo Vesentini (2004, p. 33), as disputas mundiais passaram a ser essenci-
almente econômicas. Baseado nas ideias de Luttwak, expressas no artigo “Da
Geopolítica à Geoeconomia”, publicado na revista The National Interest em
1990, aponta que, com o colapso da União Soviética, houve a substituição das
guerras militares por con�itos econômicos. A existência de guerras militares
não teria uma importância signi�cativa como teve antes da Guerra Fria. A ló-
gica da guerra não seria mais ideológica ou armamentista; seria regulamenta-
da pelas conquistas de novos mercados, aprimoramento de novas tecnologias
e de�cits de balança de mercado.

No entanto, aceitando-se que a Geopolítica estaria sendo substituída por uma


Geoeconomia, seria importante apontar também o enfraquecimento do
Estado- , pois este não possui um papel único no processo. Ele divide
uma parte de seu poderio com as empresas transnacionais, novas tecnologias,
organizações globais e até mesmo com as privatizações, que diminuíram o es-
paço do poder público na economia.

Nesse contexto, pode-se observar uma maior interferência nos assuntos inter-
nos dos Estados em nome dos direitos humanos ou do sistema global, alteran-
do o conceito de soberania de�nido no Tratado de Westfália de 1648, que con-
templava o princípio da não intervenção e da integridade dos Estados
Nacionais.

Haveria uma tendência de disputa entre três regiões: Japão, Europa e os


Estados Unidos. Porém, essa disputa não seria como no passado, quando o ob-
jetivo era destruir o adversário, uma vez que a interdependência dos Estados,
sobretudo por meio da economia e do comércio internacional, gerou a necessi-
dade de promoção da cooperação, pois as crises internacionais poderiam fa-
cilmente atingir todos os Estados no sistema internacional, como se tem as-
sistido nas crises econômicas recentes.

Neste sentido, a única ameaça ao capitalismo seria o descontentamento gera-


do pela desigualdades sociais, migrações e injustiças econômicas, que está
promovendo o aumento da xenofobia e movimentos extremistas. Para isso,
são necessários investimentos em desenvolvimento, melhor distribuição de
renda, infraestrutura, educação, assistência médica e quali�cação da força de
trabalho.

No que se refere às novas Geopolíticas, os megablocos ou blocos regionais, em


detrimento dos Estados Nacionais, serão cada vez mais fundamentais nas re-
lações internacionais, tendo as relações de poder forte ênfase nas questões
econômicas. De acordo com Vesentini (2004, p. 36): “[...] essa interpretação
consiste basicamente na idéia de que são os megablocos, e não mais os
Estados Nacionais, que dominam o cenário mundial ou as relações de poder
no espaço planetário.

Essa ideia começou a ser formulada e percebida antes mesmo do término da


Guerra Fria, durante a qual pode-se identi�car o crescimento econômico da
Europa Ocidental e do Japão que, juntamente com os Estados Unidos, domina-
vam o sistema capitalista. Assim, o mundo seria dividido em três blocos regi-
onais preponderantes: o americano, o europeu (que incluiria a África) e o asiá-
tico (que incluiria a Oceania).

O sucesso da integração europeia, cujo exemplo tenta ser imitado em outras


partes do mundo, por meio do Nafta, Mercosul, Apec, Alca, �zeram com que
muitos acreditassem que, por intermédio da formação desses blocos, haveria
uma nova ordem geopolítica mundial que seria multipolar e marcada pelas
associações de países ao redor de um Estado central.

No entanto, do ponto de vista geopolítico, essa ideia é duvidosa, pois, com ex-
ceção da União Europeia, que possui uma coesão político-diplomática concre-
ta, a maioria dos blocos é essencialmente formada por questões econômicas,
não tendo uma atuação conjunta como sujeitos em assuntos políticos e milita-
res.

Existe, sem dúvida, uma tendência à regionalização, ocorrida em decorrência


da interdependência econômica; no entanto, tal processo não se dá igual em
todo o mundo. Cada bloco evolui de acordo com seu interesse, e essa evolução
ocorre por etapas. Porém, segundo Vesentini (2004, p. 35-38), essa regionaliza-
ção, na verdade, é apenas uma forma pela qual avança a globalização e não
uma nova divisão do mundo ou um fechamento dos continentes em “blocos”
alternativos.

No que se refere à globalização, Milton Santos (1997) aponta que seus proces-
sos ocorrem de formas e intensidades diferentes nas diversas partes do globo.
A evolução da ciência, tecnologia e informação, referida pelo geógrafo como
“meio técnico-cientí�co-informacional”,

[...] se dá em muitos lugares de forma extensa e contínua (Europa, Estados Unidos,


Japão, parte da América Latina), enquanto em outros (África, Ásia, parte da
América Latina) apenas pode se manifestar como manchas ou pontos (SANTOS,
1997, p. 39).

Observe, na Figura 1, um esquema que representa as etapas de um processo de


integração regional e suas características.
: Cavusgil, Knight e Riesenberger (2010, p. 168).

Figura 1 Níveis de integração regional entre países.

De acordo com alguns geógrafos, a nova Geogra�a do mundo seria baseada no


sistema global, que seria uma espécie de ator muito mais importante do que
os próprios Estados Nacionais e as Organizações Internacionais ou blocos
econômicos.

Há diferentes versões para essa teoria, mas todas elas apostam na crise do
Estado-Nação, que deixaria de ser o ator principal no cenário internacional. O
conceito de potência, segundo essa teoria, também estaria ultrapassado e a
análise desse sistema global seria a chave para entender as relações de poder,
cujo alicerce estaria no sistema capitalista.

Talvez o principal teórico dessa linha de interpretação seja Immanuel


Wallerstein, ele acredita que existem potências hegemônicas, e que estas ain-
da têm um papel importante para desempenhar, mas já não são elas que co-
mandam de fato as mudanças. Essa mudança é responsabilidade do sistema
global e da economia.

Autor de “The Modern World System” (2011), Wallerstein enfatiza os fatos his-
tóricos como determinantes para se entender a dinâmica do sistema interna-
cional, contrariando a posição realista das Relações Internacionais que se ba-
seiam na análise sistêmica e sua in�uência na história. Nesse sentido, o teóri-
co faz referência à ebulição social do ano 1968 como fator de grande in�uência
para as “revoluções” do século 21, como a recente chamada “Primavera dos
Povos Árabes”.

Wallerstein chega a aceitar o termo “geocultura” como decorrência da análise


do sistema-mundo e da cultura global e seus con�itos. O problema é que essa
construção totalitária do globo precede as ações de atores menores, como os
Estados, empresas e associações internacionais.

Essa teoria, embora tenha aspectos em comum com a teoria do sistema-


mundo a respeito de que a globalização e seus processos propiciam uma regi-
onalização e enfraquecem os Estados Nacionais, tem uma abordagem distinta,
pois favorece os atores menores (região, lugar, indivíduos, pequenas empre-
sas).

O sistema global, de acordo com essa teoria, é visto como algo extremamente
positivo e como a garantia da humanidade para um mundo próspero.

Para Paul Kennedy, em sua obra Ascensão e queda das grandes potências:
transformação econômica e con�ito militar de 1500 a 2000, o maior con�ito
gerado pela nova ordem mundial é o aumento das disparidades entre os paí-
ses do Norte em relação aos países do Sul, problema este causado pela “nova
revolução industrial”, com o aumento da produtividade e o desemprego em
massa, a explosão demográ�ca e os perigos para o meio ambiente.

Como exemplo, Kennedy (1989, p. 342) cita que a robótica da nova revolução
industrial é imprópria para os países do Sul, pois, com seu alto índice demo-
grá�co, há a necessidade de preservar empregos além da carência de capitais
necessários para essas inovações. Além disso, esses avanços na robótica tor-
nam a força de trabalho mais barata e desquali�cada, características típicas
de países periféricos.

Kennedy (1989, p. 418), acredita que é necessário regulamentar e dar mais con-
�abilidade ao sistema global, pois a globalização e o enfraquecimento do
Estado agravariam ainda mais as desigualdades e tornariam o mundo mais
instável. Portanto, seria necessário um investimento dos governos em melho-
ria na educação, pesquisa tecnológica, melhoria da posição das mulheres, es-
pecialmente nos países pobres, e em negociações internacionais mais demo-
cráticas e sensíveis à diminuição dessas desigualdades.

A nova reorganização do sistema internacional daria maior ênfase às ques-


tões relacionadas à globalização, revolução técnico-cientí�co-informacional,
formação ou consolidação de blocos econômicos em detrimento das questões
militares. Além disso, as questões culturais voltavam a ser variáveis que in-
�uenciariam as relações internacionais, notadamente nos con�itos étnicos-
civilizacionais.

4. Os choques culturais entre civilizações


Samuel P. Huntington, em seu livro O choque das civilizações, publicado em
1994, criou um novo paradigma geopolítico para explicar os con�itos do pós-
Guerra Fria. Para o teórico, o �m da Guerra Fria e a vitória do capitalismo fez
com que a política internacional entrasse em uma nova fase, na qual eram de-
batidas visões acerca da mesma e como esta seria a partir de então. O teórico
defende que os novos con�itos na política internacional seriam de ordem cul-
tural, e não essencialmente de ordem econômica e ideológica por causa da
existência de uma heterogeneidade cultural no mundo.

A política internacional teria como foco a interação entre a civilização ociden-


tal e a não ocidental. Dessa forma, Huntington (1994, p. 120) se mostrava con-
trário à teoria do “�m da História” contemplada por Francis Fukuyama em seu
livro O �m da História e o último homem (1992), cuja de�nição se baseava na
supremacia do liberalismo capitalista no mundo.

Huntington (1994, p. 121) enfatiza que os Estados continuarão a ser os atores


mais poderosos, mas pontua que os con�itos ocorrerão entre nações que per-
tencem às diferentes civilizações, com a seguinte de�nição: “[...] o mais amplo
agrupamento cultural de pessoas e o mais abrangente nível de identidade cul-
tural que se veri�ca entre os homens”. Assim, os Estados deveriam ser agru-
pados de acordo com a sua cultura e civilização e não pelos seus sistemas po-
lítico e econômico.

O teórico ainda pontua que uma civilização pode conter várias Nações-
Estados, como a ocidental, ou apenas uma, como o Japão e a China. Dentre as
civilizações, podem ocorrer ainda subdivisões, como as variantes europeia e
americana na ocidental, e a árabe, turca e malaia na islâmica. Mas todas as ci-
vilizações podem ascender, chegar no apogeu, declinar, fundir-se ou dividir-
se.

Huntington (1994, p. 122-124) aponta a existência de sete ou oito civilizações


que moldarão o mundo por meio de suas interações: ocidental, confuciana, ja-
ponesa, islâmica, hindu, eslava ortodoxa, latino-americana e, possivelmente, a
africana. O teórico aponta que os con�itos girarão em torno das linhas de ci-
são que dividem essas civilizações e apresenta seis argumentos para funda-
mentar essa ideia:

1. As diferenças entre as civilizações são reais e fundamentais (história, lín-


gua, religião, cultura, tradição), existem há muito tempo e já foram moti-
vos para con�itos que vão além das diferenças em âmbito ideológico e
político, sendo especialmente cultural.
2. “O mundo está �cando menor”. Por isso, as interações entre as civiliza-
ções (migrações, por exemplo) aumentarão ainda mais o potencial de
con�ito entre as mesmas (contrasta com liberalismo sociológico).
3. A modernização econômica e a mudança social estão criando um distan-
ciamento entre pessoas e identidades locais e, assim, se assiste a um pro-
cesso de dessecularização do mundo, no qual as bases de identidade cul-
tural estão se reforçando cada vez mais na religião, que preenche tal dis-
tanciamento (enfraquecimento do Estado-Nação) por meio dos movimen-
tos fundamentalistas.
4. O duplo papel do Ocidente, que, por um lado, está em seu auge e, por outro,
assiste a um processo de enraizamento entre as civilizações não ociden-
tais, reforçando diferenças e animosidades entre as civilizações.
5. As diferenças de ordem cultural são menos mutáveis do que as de ordem
econômica e política e, portanto, são mais difíceis de conciliar.
6. O regionalismo será bem sucedido se baseado em uma civilização co-
mum (cultura comum e fortalecimento da consciência civilizacional).
identidades em termos étnicos e religiosos, as pessoas tendem a enxergar su-
as relações com pessoas de etnias e religiões diferentes como um jogo de ‘nós’
contra ‘eles’ [...]”, e o choque poderia ocorrer nos seguintes níveis:

• : grupos adjacentes ao longo das linhas de cisão em con�ito.


• : Estados de diferentes civilizações em con�ito.

Com o �m da Guerra Fria, a Cortina de Ferro (divisão política e ideológica na


Europa) deu lugar à Cortina de Veludo (divisão cultural na Europa) perante a
qual se opõem o Cristianismo ocidental, de um lado, e o Cristianismo ortodoxo
e o Islã, de outro. Essas linhas são o berço de crises e con�itos violentos entre
as civilizações, pois, segundo o teórico, ao norte e oeste da Europa, habitam
povos protestantes ou católicos que dividiram experiências comuns, são bem
sucedidos economicamente, democráticos e berço da comunidade europeia.
Já ao sul e leste, habitam povos muçulmanos e ortodoxos que pertenceram ao
império czarista ou otomano, menos desenvolvidos economicamente, sem go-
vernos democráticos estáveis e não afetados pelos acontecimentos que mol-
daram a Europa.

Huntington (1994, p.130) pontua que o con�ito na linha de cisão entre as civili-
zações ocidental e islâmica está ativo há 1.300 anos, notadamente desde o pe-
ríodo das Cruzadas. Com o �m da Segunda Guerra Mundial, o teórico aponta
que o Ocidente começou a recuar, com o desaparecimento de colônias, en-
quanto o fundamentalismo islâmico ascendia. A necessidade energética do
Ocidente e a alta dependência do Golfo Pérsico �zeram com que os países mu-
çulmanos se enriquecessem em dinheiro e armas. Quando os países de dife-
rentes civilizações entram em con�ito, os países de um mesmo grupo de civi-
lização tendem a buscar ajuda com outros países de mesma civilização. Isso
foi o que Huntington (1994, p. 129-130) chamou de “arregimentação civilizacio-
nal” e “síndrome dos países parentes”, na qual ocorre a “substituição da ideolo-
gia política e das considerações sobre equilíbrio de poder como base principal
para a cooperação e coalizão”, contrastando com a escola realista.

Para exempli�car tal situação, o autor utiliza a Guerra do Golfo, em que um


país árabe invadiu o outro (exceção à regra de con�ito entre civilizações dife-
rentes), e os movimentos fundamentalistas islâmicos apoiaram o Iraque, en-
quanto o Kuwait recebeu apóio da Arábia Saudita e do Ocidente (é o Ocidente
contra o Iraque).

Segundo o teórico, o mundo de con�ito entre civilizações apresenta critérios


duplos, ou seja, o que vale para um grupo de países parentes não vale para ou-
tro grupo diferente. Como exemplo, pode-se citar o con�ito da Iugoslávia, na
ex-União Soviética, e a Guerra Civil Espanhola. Contudo, defende que os con-
�itos entre grupos de uma mesma civilização são menos prováveis e menos
intensos, e que os maiores con�itos serão aqueles entre as linhas de cisão
(bósnios contra sérvios, por exemplo). A tendência é que tal síndrome se in-
tensi�que.

Já os países com grande número de povos que pertencem a diferentes civili-


zações tem forte tendência a se desintegrarem, como a URSS e a Iugoslávia.
Existem, ainda, países que apresentam grau considerável de homogeneidade,
mas nos quais não existe consenso interno sobre a que civilização pertencem,
como a Turquia, na qual, geralmente, seus líderes pretendem integrar-se ao
Ocidente, apesar da tradição não ocidental preconizada pela elite e população
em geral. Outro exemplo é o México, que passou de país latino-americano a
norte-americano. A Rússia se apresenta como a mais dividida, pois pode ser
considerada tanto uma civilização ocidental ou civilização eslava ortodoxa. o
que resulta em situações con�ituosas ao longo do seu território.

Huntington (1994, p. 133), cita a conexão confuciana-islâmica como a que sur-


giu para desa�ar os interesses ocidentais. O teórico ainda cita que existe um
nível de di�culdade variante para que países não ocidentais se juntem aos oci-
dentais. Para os latino-americanos, essa di�culdade é menor, o que não é váli-
do para as sociedades muçulmanas (a França não conseguiu implantar o oci-
dentalismo na Argélia, um país muçulmano, por exemplo).

Com o objetivo de concorrer com o Ocidente, países não ocidentais, como a


China e Coreia do Norte, desenvolvem sua capacidade militar por meio de im-
portação de armas do próprio Ocidente e do não Ocidente ou desenvolvem a
sua indústria bélica – armas nucleares e biológicas também são reclamadas
como direito para os não ocidentais (o objetivo da conexão confuciana-
islâmica é o armamento).
Os desa�os do pós-Guerra Fria são controlar o armamento do não ocidente e
garantir que os interesses ocidentais não sejam ameaçados por meio dos acor-
dos internacionais, pressão econômica e controle de transferência de armas e
tecnologia bélica.

O potencial con�ito – predominantemente de caráter cultural – que pode exis-


tir entre as linhas de cisão das civilizações, juntamente com o aumento da
consciência civilizacional, coloca tal potencial cada vez mais iminente. As ci-
vilizações não ocidentais serão agentes das Relações Internacionais, não ape-
nas objetos. Dessa forma, o globo cada vez mais é ameaçado pelo potencial de
guerras globais que se justi�cam nas fundamentais e reais diferenças entre as
civilizações.

As relações serão basicamente divididas entre o “Ocidente e o resto”. Perante


esses fatos, o teórico faz algumas recomendações necessárias para que o
Ocidente mantenha sua supremacia: combater o armamento dos países não
ocidentais, reforçar sua civilização, moderar a diminuição de seu poderio mili-
tar, apoiar grupos que demonstrem simpatia pelos valores ocidentais, fazer
um estudo antropológico das outras civilizações, manter seu poderio militar e
econômico, conciliar modernidade com tradição, entre outras. E aponta, tam-
bém, a importância dos Estados Nacionais no sistema internacional, que são
movidos, segundo a perspectiva realista, pela busca dos seus interesses nacio-
nais, como poder e recursos.

No que tange à questão da nova ordem mundial multipolar e multicivilizacio-


nal, além dos agrupamentos mais importantes de Estados, que são as sete ou
oito grandes civilizações que existem no globo, o teórico também apresenta os
con�itos ocorridos intracivilizações, devido à sua importância em nível regio-
nal. Todavia, aponta que os choques na Bósnia, por exemplo, são mais perigo-
sos e possuem repercussão global.

O conceito de “Estado-núcleo de uma civilização” seria considerado como ca-


racterística da nova con�guração da Geopolítica – “novas geopolíticas” – que
difere da Geopolítica Clássica, que é basicamente fundamentada por meio dos
pressupostos militares e expansionistas das superpotências da Guerra Fria e
das chamadas guerras clássicas.
Nesse sentido, Huntington (1994, p. 137), atribui aos Estados-núcleos a função
de “che�ar” cada bloco civilizacional pertencente. Os mesmos teriam o papel
de mediadores nos con�itos mundiais e, dessa forma, seriam fundamentais
para a manutenção da paz mundial. As civilizações latino-americana e africa-
na careceriam de um Estado-núcleo, mas não enfrentam con�itos com outras
civilizações, com exceção do con�ito africano para evitar a expansão do
Islamismo no continente. Tais civilizações são consideradas frágeis e tendem
a se apoiar no Ocidente. E, como a paz mundial estaria ameaçada não por
questões econômicas ou comerciais, mas sim, por choques entre as civiliza-
ções, a Europa e os Estados Unidos deveriam se unir para não serem “destruí-
dos”.

Huntington (1994, p. 138PÁGINA), não acredita na expansão da democracia pa-


ra outras civilizações, então argumenta que a OTAN (Organização do Tratado
do Atlântico Norte) e os Estados Unidos não deveriam se envolver em con�i-
tos de outras civilizações (“regra de abstenção”). Os Estados-núcleos teriam a
responsabilidade de estabelecer negociações entre si no intuito de evitar guer-
ras.

A principal crítica da teoria Realpolitik culturalista do respeitado teórico tan-


ge a questão dos direitos humanos, pois os Estados Unidos representariam
uma legitimação das desconsiderações pelos direitos humanos e o abandono
de qualquer universalismo e uma espécie de divisão do mundo entre os
Estados-núcleos, visto que poderiam fazer o que quisessem em suas zonas de
in�uência.

5. O discurso da Democracia Liberal Ocidental


e suas implicações
Francis Fukuyama, em seu artigo de 1989 “The end of History?”, provocou uma
grande discussão geopolítica no que se refere ao novo reordenamento do siste-
ma internacional em relação à nova ordem mundial que despontava no pós-
Guerra Fria, pois, ao utilizar o termo “O �m da História?”, não se refere ao �m
dos eventos históricos, como os con�itos, mas sim à chegada ao seu “destino
teleológico”, que representaria o estágio �nal da humanidade nos moldes da
democracia liberal, que se tornara a única alternativa política após o fracasso
do projeto comunista.

Segundo o teórico Fukuyama (1992):

[...] a história da humanidade consistiria numa progressão de etapas ou estágios –


as comunidades primitivas, as sociedades tribais, o escravagismo, as teocracias
etc. – até chegar à fase democrática-igualitária [...] (VESENTINI, 2004, p. 64).

A visão idealista de Fukuyama, anteriormente já apontada por Hegel em 1806


em um contexto de ideais revolucionários baseados nas Revoluções Francesa
e Americana, tem sido desa�ada, assim como fora Hegel, por uma visão mate-
rialista impregnada pelas forças produtivas ou materiais da humanidade que
desempenhariam um papel importante na evolução histórica.

A democracia liberal ainda teria que lidar com duas questões: o fundamenta-
lismo religioso e o nacionalismo. O primeiro seria representado pela possibili-
dade do estabelecimento de um Estado teocrático e o segundo seria in�uenci-
ado por uma consciência étnica, mas não totalmente incompatível com os
preceitos democráticos liberais.

As relações de poder no sistema internacional seriam marcadas pela progres-


siva uniformização dos regimes políticos e econômicos por meio da expansão
do liberalismo e da evolução do capitalismo, porém poderia haver problemas
ligados ao passado, trazendo à tona o calculismo, competição e con�ito.

Outro ponto importante da visão do teórico é o fato de que um mundo compos-


to por democracias liberais estaria menos sujeito a guerrear. No entanto, pro-
blemas relacionados à criminalidade, ao declínio das relações familiares, ao
aumento da descon�ança, à cultura individualista, à falta de respeito às re-
gras, e à desordem social poderiam ameaçar a manutenção/expansão do capi-
tal social e da democracia liberal.

No que se refere às discussões geopolíticas, o teórico era fortemente in�uenci-


ado pela visão norte-americana de mundo, pois ocupava cargo no
Departamento de Estado em Washington. Seu discurso estava fortemente con-
dicionado pelos princípios do governo de George Bush (nova ordem mundial,
cooperação internacional, não agressão, �nal da ameaça terrorista e justiça).

Tais princípios �zeram com que os Estados Unidos assumissem uma postura
intervencionista em países que julgavam não compartilhar desses pressupos-
tos e usassem a promoção da paz e defesa dos direitos humanos como forma
de legitimar sua ação intervencionista, rompendo com um dos postulados
westfalianos.

No entanto, ao mesmo tempo em que os direitos humanos se universalizam de


diferentes formas pelo mundo, o modelo democrático ocidental é ameaçado
pelos processos da globalização e pelo enfraquecimento dos Estados
Nacionais. Os chamados “problemas sem passaporte” abarcam questões que
permeiam desde as questões econômicas até as ambientais e vão erodindo as
bases da democracia, uma vez que as forças de outros atores internacionais,
como as empresas multinacionais, não levam em conta, na maioria das vezes,
a participação da sociedade que sofre com as externalidades causadas pelas
atividades desses atores.

Outra questão se refere à noção de localidade que muitas sociedades possuem,


como no caso das tribos africanas, fazendo com que esses grupos não sejam
diretamente ou indiretamente afetados pelos preceitos democráticos liberais.
Segundo Vesentini (2004, p. 70), os direitos do homem “[...] se rede�nem, se re-
criam, incorporando novos atores e novas demandas, alargando continua-
mente a noção de democracia”.

Vale relembrar que o período da Guerra Fria foi marcado pelo congelamento
do Conselho de Segurança, sendo que as intervenções da ONU nesse período
foram praticamente interrompidas devido à disputa das duas superpotências
que são, até os dias atuais, membros permanentes do Conselho de Segurança.
No entanto, com o �m do con�ito bipolar, a década de 1990 assistiu a um au-
mento tanto nos con�itos intraestatais como nas intervenções praticadas pela
Organização das Nações Unidas no intuito de reestabelecer a ordem por meio
dos preceitos democráticos e liberais, como foi discutido anteriormente.

No que se refere aos princípios democráticos liberais, Visentini (2004, p. 72)


aponta que:

A apologia da democracia liberal e do enfraquecimento da soberania nacional em


prol dos direitos humanos, apesar de encerrar um aspecto positivo (o ideal da de-
mocracia sendo operacionalizada também nas relações internacionais), na realida-
de generaliza demais e cai num otimismo infundado. Os arautos dessa visão ima-
ginam que a democracia está em expansão pelo mundo afora, que um Estado de-
mocrático tem uma política externa democrática e que uma vez atingido o estágio
da democracia não existe mais volta. Ora, infelizmente todos esses pressupostos
são questionáveis.

Dessa forma, pode-se a�rmar que não há garantias quanto à continuidade dos
regimes democráticos. Além do mais, a ideia de que a democracia está se es-
palhando pelo mundo, apesar de ser considerada como parcialmente verda-
deira, pode ser discutida. O fato de eleições elegerem governantes que garan-
tam o livre mercado não pode ser considerado su�ciente para garantir a de-
mocracia. Tal situação se deve ao fato de que a cultura democrática, caracteri-
zada especialmente pelos valores igualitários, nem sempre se faz presente em
sociedades que aparentemente são baseadas em princípios democráticos.

Na América Latina, por exemplo, o �m das ditaduras militares não garantiu


necessariamente a implementação de um governo dito democrático, devido à
permanência de questões que des�guram os preceitos democráticos, como a
permanência de uma cultura patrimonialista que não separa o público do pri-
vado e favorece a corrupção, desvalorizando as relações de trabalho e educa-
ção, e um corporativismo que não reconhece devidamente o cidadão, gerando
profundas desigualdades sociais que são cada vez mais intensi�cadas pelos
preceitos do liberalismo econômico.

Nesse contexto, pode-se inferir que a construção/perpetuação da democracia


está acontecendo e sendo feita pelos Estados Nacionais de forma mais signi�-
cativa, mas também outros atores internacionais participam desse processo,
conforme a�rma Vesentini (2004, p. 74):
As organizações que se preocupam com a atuação internacional de seus governos
e de suas empresas, que se denunciam desrespeitos aos direitos humanos ou agres-
sões ambientais no exterior, constituem talvez o embrião dessa nova consciência
democrática.

Finalmente, as intervenções em Estados considerados como fracos ou falidos,


sob o pretexto de defender os reprimidos, levam consigo, muitas das vezes, in-
teresses econômicos, políticos e geoestratégicos. Nem sempre as políticas in-
terna e externa de um Estado são condizentes. Frequentemente, países ditos
democráticos no âmbito de sua política interna agem de forma contrária na
busca pelos seus interesses, �nanciando e apoiando governos totalitários, co-
mo é o caso dos Estados Unidos da América que, por muitas vezes, promoveu
golpes militares na América Latina em prol da implantação da ideologia capi-
talista, liberal e democrática em um contexto de embate ideológico entre o ca-
pitalismo estadunidense e o socialismo soviético.

Desse modo, dada a globalização e a consequente interconexão tanto dos


Estados como dos problemas do sistema internacional, faz-se necessário a
construção de um “sistema internacional de regras” para a coexistência de-
mocrática entre os povos. Considerando a anarquia do sistema internacional,
aponta-se a necessidade de uma instituição que garantisse tal sistema de re-
gras.

No entanto, essa instituição não deveria ser representada primordialmente


por uma potência militar e sim por um organismo internacional legítimo que
incluísse especialmente organizações não governamentais, dado o seu envol-
vimento visível com questões que tocam os direitos humanos, por exemplo, ao
trabalhar diretamente com a sociedade civil. Vale ressaltar que tais menções
ainda estão no plano do idealismo, mas são temas considerados como varian-
tes das novas geopolíticas, e que contribuem para a construção do pensamen-
to geopolítico contemporâneo.

6. Geopolítica da água
Os recursos hídricos são preponderantes para as discussões envolvendo po-
der, con�ito e cooperação nas Relações Internacionais. A disponibilidade e a
distribuição de tais recursos podem levar países e comunidades ao con�ito e
buscarem a satisfação de suas necessidades, uma vez que tais recursos são de
vital importância tanto para a manutenção da vida quanto para o funciona-
mento das sociedades em geral. Dessa forma, pode-se a�rmar que a disponibi-
lidade dos recursos hídricos in�uencia diretamente as possibilidades econô-
micas, políticas e sociais de um Estado. Nesse sentido, Raffestin (1993, p. 251)
aponta que:

Hoje o petróleo, amanhã o trigo. Quem sabe? Todos os recursos são ou podem ser
instrumentos de poder. Se é verdade que certos recursos – conforme a sua capaci-
dade de satisfazer as necessidades fundamentais – manifestam uma grande per-
manência no papel que podem desempenhar, eles não deixam de se ligar ao con-
texto sócio-econômico e sócio-político quanto à sua signi�cação como instrumento
de poder.

O contexto de escassez hídrica, seja esta física (quando ditada pela natureza)
ou econômica (quando não há recursos econômicos su�cientes para prover o
acesso digno aos recursos hídricos), vem sendo cada vez mais apontado por
estudiosos de Geogra�a, Relações Internacionais e Ciência Política como o
causador das guerras do século 21. Assim, algumas bacias hidrográ�cas no
mundo têm sido identi�cadas como potenciais fontes de con�ito, notadamen-
te devido à distribuição desigual dos recursos hídricos transfronteiriços que
são diretamente afetados pela divisão política dos Estados Nacionais.

Observe o mapa da Figura 2: 70% do planeta Terra é composto por água, e ape-
nas 2,5% desse total é considerado água doce. No entanto, apenas 0,26% desse
total é considerado como acessível em rios, lagos e aquíferos de fácil acesso.
Figura 2 A distribuição política da água.

Os possíveis con�itos que podem se desenvolver em torno das bacias hidro-


grá�cas apontadas anteriormente podem ser enquadrados no contexto das
chamadas novas guerras e das discussões envolvendo as novas geopolíticas,
uma vez que podem acontecer dentro dos territórios nacionais (intraestatais),
envolvendo grupos mobilizados por etnia, raça ou religião, assim como diver-
sos atores internacionais.

De acordo com Homer-Dixon (1999 apud LOPES, 2009, p. 83-84), os con�itos


envolvendo o chamado estresse hídrico não são causados diretamente pela
escassez ou má distribuição dos recursos hídricos, mas sim pelas consequên-
cias sociais, políticas e econômicas advindas de tal situação, como pobreza,
migrações e queda da produção econômica, uma vez que os processos produ-
tivos estão diretamente relacionados à disponibilidade energética de um
Estado.

Tal situação de escassez pode levar a con�itos, caso o aparato político-


institucional seja afetado de forma drástica. É importante evidenciar, ainda,
que o teórico pontua que tais con�itos se concentram em escala nacional, mas
não descarta a possibilidade de transcenderem as fronteiras nacionais. A
água é um insumo essencial para a manutenção da vida dos seres vivos, pois

Ela integra padrões e sistemas produtivos de diversos segmentos da economia,


além de fazer parte do dia-a-dia dos mais de 6 bilhões de seres humanos da Terra e
de diversas outras formas de vida. Por isso é fundamental sua manutenção em
condições de aproveitamento (RIBEIRO, 2008, p. 32).
A Figura 3 aponta as bacias hidrográ�cas localizadas nas regiões do mundo
que podem servir de motivação para con�itos, justamente pelas questões des-
critas anteriormente.

: Wolf, Yoffe e Giordano (2003 apud LOPES, 2009, p. 82).

Figura 3 Bacias hidrográ�cas em risco.

Dessa forma, o acesso aos recursos hídricos pode ser considerado um fator de-
terminante para a chamada segurança ambiental, especialmente em casos de
escassez e/ou utilização destes por mais de uma nação, como os rios trans-
fronteiriços.

A água possui duas perspectivas que são diretamente ligadas à questão da se-
gurança ambiental: pode ser fonte de con�itos e ameaça à reprodução da vida.
Assim, pode-se considerar o acesso à água como uma temática intimamente
ligada à distribuição política desse recurso natural, uma vez que os cursos
d'água atravessam ou delimitam as fronteiras das nações soberanas,
evidenciando-se a relação entre território e poder, uma vez que tal distribuição
política é feita de forma desigual, fazendo com que certos Estados tenham
uma maior abundância hídrica que outros.

Ribeiro (2008, p. 13) faz referência a pontos importantes que tocam a questão
dos recursos hídricos, na qual

Veri�ca-se uma crise de governança em relação à sua gestão, e a necessidade de


gerenciá-los de forma mais e�ciente, englobando tanto a recuperação de sua quali-
dade e quantidade, como sua distribuição justa e equitativa.

De acordo com o relatório Water for People, Water for Life (UNESCO & WWAP,
2003, p. 25, tradução nossa):

Equidade e gerenciamento sustentável para a divisão dos recursos hídricos deman-


dam �exibilidade, instituições holísticas capazes de responder às variações hidro-
lógicas, às mudanças nas necessidades socioeconômicas, valores societais, e, par-
ticularmente no caso dos cursos d'águas internacionais, mudanças nos regimes
políticos.

Dada essa signi�cativa acepção, pode-se ressaltar a necessidade de criar me-


canismos que contribuam para uma gestão mais e�ciente dos recursos hídri-
cos em países que possuem rios transfronteiriços, como ocorre no caso em
que bacias hidrográ�cas, como a do Rio Amazonas, se situam em diferentes
territórios nacionais. Assim, destaca-se a necessidade da promoção e da coo-
peração entre esses países para que regimes internacionais relacionados à
gestão conjunta dos recursos hídricos sejam criados e, assim, padrões de com-
portamento sejam estabelecidos. Nesse sentido, Ribeiro (2008, p. 129) aponta
que:

[...] A água deve ser analisada na perspectiva de sua distribuição política e não na
natural, porque o sistema interestatal atua com base na soberania, determinando
aos países o direito de de�nirem o uso dos seus recursos naturais, incluindo os hí-
dricos.

No tocante às novas geopolíticas e ao seu enfoque nas questões econômicas,


pode-se a�rmar que a ausência de uma convenção internacional sobre o aces-
so aos recursos hídricos faz com que grupos transnacionais atendam seus in-
teresses ao enxergarem a água como uma fonte de lucros.
A heterogeneidade do sistema internacional no que se refere aos interesses
dos Estados Nacionais, assim como às capacidades econômica e militar, faz
com que países como os Estados Unidos possam empreender sua capacidade
militar na busca por recursos hídricos que, em sua maioria, se situam em paí-
ses que não possuem tais capacidades, como o Brasil, que abriga grande parte
da bacia amazônica.

A América Latina abriga uma parte signi�cativa dos recursos hídricos do


mundo. No entanto, a falta d'água que se faz presente em muitos dos países
latino-americanos, causada pela má administração do poder público, faz com
que as iniciativas privadas estrangeiras inter�ram na questão por meio da pri-
vatização, contexto que se caracteriza pela ingerência nos assuntos internos
de um Estado e traz externalidades que afetam a sociedade como um todo, co-
mo no caso de Cochabamba na Bolívia, em que a população se mobilizou con-
tra os preços abusivos cobrados pela empresa norte-americana Bechtel.

Em outras áreas do globo, a relação entre con�ito e recursos hídricos se faz


presente, como no caso de Israel e Palestina, em que o primeiro país determi-
na o consumo de água do segundo. Segundo Ribeiro (2008, p. 133),

O controle do fornecimento de água como pressão política é uma das variáveis a


ser ponderada no sistema internacional de gestão dos recursos hídricos. Os países
detentores das nascentes estão em vantagem com os que seguem à jusante, pois,
além de usarem como bem lhes aprouverem os recursos hídricos, podem regular o
fornecimento dos demais.

Diante dos debates apresentados ao longo do nosso estudo, pode-se perceber


que novas/velhas temáticas estão permeando a Geopolítica na
contemporaneidade, de modo que evidencia a importância da multiplicidade
dos atores (indivíduos, empresas, ONGs, OIs e Estados), os recursos
fundamentais para o desenvolvimento social e econômico atrelados
diretamente ao território, e as questões ideológicas e culturais ampliando a
complexidade das análises geopolíticas.
 Dica de leitura!

Agora que você já conhece as mais recentes teorias geopolíticas, é mo-


mento de abordar alguns temas importantes para a área, como imperia-
lismo e globalização. Para isso, faça a leitura do ,
, da obra Geopolítica:
do pensamento clássico aos con�itos contemporâneos, de Teixeira Jr.
(2017), disponível na Biblioteca Virtual Pearson.

Assista ao vídeo a seguir, em que, de forma de didática e clara, são analisados,


a partir da perspectiva geopolítica, os con�itos mundiais, o que nos ajuda a
entender e conceituar esses fenômenos.

Sugerimos agora que você faça uma pausa na sua leitura e re�ita sobre sua
aprendizagem, realizando a questão a seguir.

7. Considerações
Diante dos debates apresentados ao longo deste ciclo, pode-se perceber que
novas e velhas temáticas estão permeando a Geopolítica na contemporanei-
dade, de modo que se evidenciam a importância da multiplicidade dos atores
(indivíduos, empresas, ONGs, OIs e Estados), os recursos fundamentais para o
desenvolvimento social e econômico atrelados diretamente ao território, e as
questões ideológicas e culturais, ampliando a complexidade das análises geo-
políticas e sendo de extrema importância na análise da realidade atual.
Nesse contexto, no próximo ciclo, investigaremos a questão do poder em algu-
mas de suas facetas, como o poderio militar, conseguindo assim formar os
subsídios necessários para analisar as relações entre o território e o poder.
(https://md.claretiano.edu.br/geopoleco-

gs0081-fev-2023-grad-ead/)

Ciclo 5 – A Questão do Poder

Objetivo
• Discutir as mudanças no poderio militar e na divisão internacional do
trabalho, e as rede�nições geoestratégicas, para, em seguida, estudar a
Geopolítica brasileira.

Conteúdos
• A renovação do poder militar.
• O papel da informação no século 21.
• Divisão internacional do trabalho e sua relação com o poder.
• Geopolítica brasileira.

Problematização
O que é poder? O que é poder militar? A guerra militar acabou? O que é
Geoestratégia? O que é a divisão internacional do trabalho? Qual sua relação
com a questão do poder? Como foi a construída a Geopolítica brasileira? Qual
sua in�uência no pensamento estratégico?

1. Introdução
O conceito de poder, de um ponto de vista mais geral, segundo o dicionário de
política Bobbio, Matteucci e Pasquino (2004, p. 933), é de�nido da seguinte for-
ma:
[...] Em seu signi�cado mais geral, a palavra designa a capacidade ou possi-
bilidade de agir, de produzir efeitos. Tanto pode ser referida a indivíduos e a grupos
humanos como a objetos ou a fenômenos naturais (como na expressão Poder calo-
rí�co, Poder de absorção).

Essa citação é apropriada, porque permite introduzir a temática reiterando um


aspecto crucial relativo ao tema que será tratado agora: o poder acompanha
todas as sociedades humanas, ou seja, à medida que surgiram os coletivos so-
ciais, nasceram igualmente (e imediatamente) as hierarquias sociais e seus
correlatos mais próximos: a dominação, a autoridade (de todos os tipos).

Com essas ideias em mente, analisaremos, neste ciclo, a questão do poder em


algumas de suas faces, como o poder militar e a divisão internacional do tra-
balho. E, por �m, faremos uma análise da Geopolítica brasileira visando veri�-
car sua relação com a questão do poder e sua in�uência no pensamento estra-
tégico.

2. O poder militar

 Pronto para saber mais?

Para estudarmos a questão do poder militar, você deve ler o 

, da obra  Novas Geopolíticas, de Vesentini (2012), disponível na


Biblioteca Virtual Pearson. Nele o autor faz uma explanação sobre a re-
novação do poderio militar, destacando o papel das informações na guer-
ra do século 20, e destacando a teoria de Brzezinski sobre a nova ordem
mundial. Com isso, é possível analisar as relações belicosas atuais e as
mudanças acontecidas nas relações de poder mundial.

Além disso, assista ao vídeo a seguir, que apresenta uma forma de determinar
o poder militar de uma nação. Fazendo um panorama histórico, o vídeo tam-
bém ajuda a explicitar, ao longo do tempo, como se alterou a forma desse po-
der.
3. A divisão internacional do trabalho e o po-
der
As transformações ocorridas com a Revolução Industrial concentraram o
nas nações industrializadas, evidenciando uma divisão internacional
do trabalho que alterou de forma intensa a Geopolítica mundial.

 Pronto para saber mais?

Neste tópico, vamos estudar como essa divisão do trabalho alterou a so-
ciedade, a economia e a geopolítica mundial, trazendo assim grandes al-
terações no espaço geográ�co. Para isso, faça a leitura dos
da obra Geogra�a Política e Geopolítica, de Silva e Silva
(2018), disponível na Biblioteca Virtual Pearson.

4. Geopolítica brasileira
Já familiarizados com a questão do poder e da divisão internacional do traba-
lho, podemos passa ao estudo da Geopolítica brasileira. Para isso, leia o artigo
"A Geopolítica brasileira e sua in�uência no pensamento estratégico nacio-
nal", de Wanderlei M. da Costa (2017). Segundo o autor, a Geopolítica no Brasil,
durante meio século - de 1930 a 1980 -, foi uma atividade praticamente exclu-
siva dos aparatos estatais e especialmente dos meios militares. Re�etiu, as-
sim, em grande medida, a hegemonia de pensamento que se instalou no país
no início da década de 1930, marcadamente direcionado para o fortalecimento
da centralidade do papel do Estado nacional nos projetos de desenvolvimento
em geral. Por isso, o pensamento geopolítico que se estruturou nesse contexto
e se desdobrou nas décadas seguintes foi capaz de inspirar as políticas do
Estado para a estruturação interna e, sobretudo, para a projeção externa nacio-
nal nos campos da política, estratégia, economia e cultura.

Clique aqui (https://journals.openedition.org/espacepolitique/4132) para fazer essa importante leitura.

Para encerrarmos este tópico de estudos, assista ao vídeo a seguir que apre-
senta a percepção prática do �lósofo Luis Felipe Pondé, durante o Fórum
Internacional de Política, sobre a Geopolítica Brasileira.

Neste momento, re�ita sobre sua aprendizagem, respondendo à questão a se-


guir.

5. Considerações
Chegamos ao �m do último ciclo, no qual analisamos a importante questão do
poder. Pudemos veri�car como o poder militar se constitui na nova ordem
mundial e engendra e in�uencia a produção do espaço geográ�co.

Com isso, pudemos veri�car como as relações de poder criaram uma divisão
internacional do trabalho que interfere em toda a dinâmica social mundial,
para, em seguida, investigarmos a Geopolítica brasileira a partir da perspecti-
va do poder, destacando sua in�uência no pensamento estratégico, e desta-
cando sua con�uência na alteração do território nacional.

6. Considerações �nais
Esperamos que a disciplina tenha contribuído
para que você, futuro docente, aproveite todas as potencialidades de seus alu-
nos, respeitando, também, as suas necessidades, fazendo com que eles olhem
o mundo em todas as suas dimensões, sintam-se valorizados e enxerguem a
autonomia do aprender a apreender.

É importante que você tenha em mente que a questão econômica sempre


exerceu um papel importante no pensamento geográ�co e, apesar das diferen-
tes utilizações metodológicas nas correntes positivistas, historicistas ou dialé-
ticas, ela historicamente constituiu um elemento essencial do discurso geo-
grá�co. Desse modo, neste período de intensas e aceleradas mudanças econô-
micas, que produzem alterações no conteúdo e nas formas espaciais, a
Geogra�a pode, certamente, contribuir muito para a análise da realidade.

Na mesma esteira, é essencial que você, como futuro docente de Geogra�a, te-
nha adquirido uma visão crítica sobre as relações dos Estados nacionais e so-
bre as negociações para que essas relações se estabeleçam da melhor forma
possível. Assim, é importante que você tenha entendido o papel da Geopolítica
para o estabelecimento e o direcionamento de um diálogo coerente entre os
Estados nacionais.

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