Você está na página 1de 16

1

Artigo de reflexão

CAPITALISMO E O GEODESENVOLVIMENTO: REFLEXÕES BÁSICAS

Resumo

O objetivo central do artigo é refletir sobre a relação entre o espaço geográfico e o desenvolvimento
econômico. Na primeira parte do texto analisa-se o surgimento da dualidade o desenvolvimento e
subdesenvolvimento. Logo se aprofunda nos elementos centrais das reflexões sobre o
desenvolvimento econômico. Como efeito realiza-se críticas aos conceitos de desenvolvimento
convencionais e a ideia de desenvolvimento. A seguir se apresenta o espaço geográfico e o
desenvolvimento econômico: o geodesenvolvimento como proposta. Por último se apresentam
considerações finais na análise conceitual.

Palavras Chave: Capitalismo, Economia, Espaço, Desenvolvimento, Território.

CAPITALISM AND GEODEVELOPMENT: BASIC REFLECTIONS.

Abstract

The main objective of the article is to reflect on the relationship between geographic space and eco -
nomic development. In the first part of the text, the emergence of the duality of development and un-
derdevelopment is analyzed. It soon delves into the central elements of the reflections on economic de-
velopment. As a result, criticisms are made of conventional development concepts and the idea of de -
velopment. The following is the geographical space and economic development: geo-development as a
proposal. To conclude, final considerations are presented in the conceptual analysis.

Keywords: Capitalism, Development, Economy, Space, Territory.

CAPITALISMO Y GEODESARROLLO: REFELXIONES BÁSICAS

Resumen

El objetivo central del artículo es reflexionar sobre la relación entre espacio geográfico y desarrollo
económico. En la primera parte del texto se analiza el surgimiento de la dualidad desarrollo y subdesa-
rrollo. Luego se especifican los elementos centrales de las reflexiones sobre desarrollo económico. Co-
mo resultado se realizan críticas a los conceptos de desarrollo convencionales y a la idea misma de de -
sarrollo. Después se presenta la relación entre el espacio geográfico y el desarrollo económico para ob-
tener el concepto de geodesarrollo como propuesta. Por último se presentan consideraciones finales
del análisis conceptual.

Palabras clave: Capitalismo, Economía, Espacio, Desarrollo, Territorio.


2

INTRODUÇÃO

O objetivo central do artigo é refletir sobre a relação entre espaço geográfico e


desenvolvimento econômico. O espaço geográfico foi definido por Milton Santos como o
espaço formado por um “par de categorias: de um lado, a configuração territorial e, de outro,
as relações sociais” (Santos, 2006, p.38). Aí mesmo explica que “a configuração territorial é
dada pelo conjunto formado pelos sistemas naturais existentes em um dado país ou uma dada
área dada e pelos acréscimos que os homens superimpuseram a esses sistemas naturais”
(idem, ibidem).

No seu delineamento, a configuração territorial não pode ser confundida com o


próprio espaço geográfico, porque é apenas uma parte dele, correspondendo à materialidade
desse espaço, e este se torna geográfico, uma vez que se anima pela vida que se assenta sobre
ele, gerando uma dinâmica que se dá pela mobilidade e territorialização das comunidades
viventes, ou por uma ou outra, pois se consideram todas as outras formas de vida, como Reis
pensou os agrupamentos humanos, quando definiu assim uma questão básica na estruturação
das sociedades e economias na contemporaneidade, que vem a ser a tensão entre a mobilidade
e a territorialização. De acordo com J. Reis, “a mobilidade é uma característica dos factores
produtivos e dos actores que não estão presos as condições territoriais concretas” (Reis, 2007,
p.244), sendo que as

sociedades modernas, as sociedades industriais e as sociedades de serviços, de


comunicação e de consumo multiforme dos nossos dias assentam em mobilidades fáceis e
crescentes – em nomadismos – em comportamentos relacionais que resultam de processos em
que a tendência para a anulação da distância é muito forte.

De outra forma, J. Reis chama de territorializações aos

processos sócio-económicos localizados, assentes em dinâmicas e em actores cuja


acção é possibilitada por interacções de proximidade, às quais estão também associados aos
respectivos desenvolvimentos, mesmo quando se passam a integrar em contextos mais vastos
(Reis, 2007, p. 244).

A proposta do texto para abordar o desenvolvimento econômico não recorre as


definições ou os conceitos abstratos, embora elas sejam consideradas na discussão, mas se
centra-se numa experiência histórico-geográfica concreta. A experiência é a do período que
corresponde ao quarto de século que se sucedeu ao fim da Segunda Guerra Mundial na
Europa Ocidental. Nesse período, a Europa construiu um modelo de desenvolvimento
econômico que conseguiu oferecer à esmagadora maioria da população um padrão de vida
material bastante satisfatório, servindo de exemplo para o Mundo. Portanto, quando se faz
referência no texto ao desenvolvimento econômico, é à experiência europeia do pós-guerra
3

que se aborda, como um paradigma societal gerado pelo padrão de desenvolvimento


econômico correspondente, e que é classificado pela escola de pensamento regulacionista
francesa de Modelo de Desenvolvimento Fordista (Lipietz, 1991).

Geodesenvolvimento é a denominação que se dá à abordagem que integra


desenvolvimento econômico e espaço geográfico. Portanto, geodesenvolvimento é uma
perspectiva de se abordar o desenvolvimento econômico a partir de um viés vinculado de
forma estrita às dinâmicas próprias ao espaço geográfico, com as quais os processos a serem
resgatados para compreensão dessas dinâmicas deixam de ser apenas históricas para serem
históricas e geográficas, porque uma melhor compreensão das sociedades humanas não pode
ser considerada apenas ao longo da história, mas é indispensável que também seja buscada
nos largos planos da geografia. Nesses termos, o geodesenvolvimento volta-se de forma
especial ao desenvolvimento local e regional, buscando compreender o peso da
endogeneidade dos processos de desenvolvimento econômico que se vinculam a recortes bem
definidos do espaço geográfico, mas consciente de que o endógeno não se dissocia dos fatores
exógenos vinculados às escalas nacionais e globais.

O SURGIMENTO DA DUALIDADE DESENVOLVIMENTO E


SUBDESENVOLVIMENTO

No artigo, parte-se de um resgate da discussão em torno do desenvolvimento


econômico, com uma vista situada em termos geográficos e históricos europeus, mas
procurando abordar também, de forma introdutória, a influência deste modelo no Brasil.
Nisso, a filiação teórica é o regulacionismo, corrente de pensamento econômico de origem
francesa, que deu profundidade conceitual à ideia de pensar em modelos de desenvolvimento
econômico diversos ao se buscar compreender como esse processo passou a se diferenciar no
largo plano do espaço geográfico mundial. Portanto, os estudos dos regulacionistas acabaram
por classificar o caso da Europa Ocidental como um padrão específico de desenvolvimento
econômico. Os quadrantes em torno de Londres, Berlim, Paris e Roma viveram, depois da
Segunda Guerra Mundial, um processo de crescimento econômico significativo ao ponto de
se falar num “milagre europeu”, quando se aborda o processo de recuperação econômica do
período.

Na Europa Ocidental, o desenvolvimento econômico aconteceu em paralelo ao


crescimento econômico, levando ao entendimento que o desenvolvimento era o resultado
natural do crescimento. Esse exemplo europeu levou uma boa parte dos países
subdesenvolvidos a se centrarem apenas na busca do crescimento econômico,
desconsiderando que o paradigma societal fordista tinha na existência de uma situação de
bem-estar social um elemento indispensável.

O período correspondente aos vinte e cinco anos posteriores à última guerra mundial
recebeu diversas adjetivações como, por exemplo, “anos gloriosos” ou “anos de ouro” do
4

capitalismo. O que se considera como inegável é o fato de, que, pela primeira vez ao longo
da história europeia, e também no âmbito da sua geografia, a maioria da população de vários
países passou a viver com um padrão de vida material bastante satisfatório, atendendo às
necessidades básicas da quase totalidade da população, até ao ponto que excedentes
crescentes puderam ser desviados para o lazer, a cultura, o turismo, o esporte, a previdência,
entre uma série de outros segmentos não diretamente ligados à sobrevivência mais imediata
da população, como moradia, alimentação, vestuário, higiene e saúde. Portanto, a Europa
Ocidental e, em sequência, outros países do mundo, que foram gradativamente sendo
incorporados a esse mundo ao imitarem o modelo da Europa Ocidental, passaram a fazer parte
do que passou a ser denominado de Primeiro Mundo, diferenciando-se ideologicamente de
um Segundo Mundo, formado pelos países socialistas, mas, em oposição, em termos de
padrão de vida material, ao Terceiro Mundo, formado pelo restante dos países, com padrões
culturais, políticos e econômicos muito diversos, e que podiam ser reunidos em outro mundo,
por apresentarem níveis de pobreza rurais e urbanos bastante significativos, não obstante a
diferença marcante desses níveis no interior do Terceiro Mundo.

Para ressaltar o caráter sui generis do que aconteceu com o continente europeu após a
Segunda Guerra Mundial, é preciso atentar para o número extraordinário de povos de origens
diferenciadas, como saxões, germânicos, eslavos e mediterrâneos que, durante alguns dos
últimos séculos, migraram em direção à América, África e Oceania, fugindo da pobreza, da
fome e da destruição causada por uma sucessão de conflitos e guerras originadas por disputas
econômicas, territoriais, política e religiosas. A Europa manteve o mais antigo ainda padrão
histórico e geográfico dominante em todo mundo, com países organizados à base da
dominação de elites que aproveitavam os recursos escassos em benefício da acumulação de
capitais e, destarte, de poder político, reservando à maioria da população uma vida de carência
material extrema, só possível pelo uso indiscriminado da repressão sustentado no uso
sistemático da violência. Por certo, os excedentes econômicos acumulados durante alguns
séculos formaram a estrutura científica, tecnológica e produtiva que foram mobilizadas
rapidamente na década de 1950 para sustentar o paradigma societal fordista. O capitalismo
industrial avançado dominou a economia mundial extraindo excedentes econômicos de todo
mundo pela internacionalização imperialista, a partir do último quartel do século 19, que
provocou o recrudescimento da concorrência capitalista gerando as guerras mundiais que
abalaram os protagonistas deste capitalismo monopolista na Europa (Lenin, 1987; Dean,
1983).

A década de 1950 apresentou ao Mundo o padrão de vida materializado na Europa


Ocidental que passou a ser uma referência fundamental, transformando-se para os
etapistasestadistas, entre os quais se destaca W. W. Rostow (1961), no estágio final do
desenvolvimento econômico, levando a uma comparação inevitável entre os países do
Primeiro Mundo, que apresentavam um padrão de vida material cada vez mais confortável,
enquanto centenas de outros países do Terceiro Mundo permaneciam com índices de pobreza
elevados. Dessa forma, surgiu a dualidade, definindo-se a existência dos países
desenvolvidos e subdesenvolvidos. A heterogeneidade do grupo dos subdesenvolvidos levou
à criação de um grupo chamado de países “em desenvolvimento” para reunir os países cujos
níveis de desenvolvimento eram de padrão intermediário entre os países mais ricos e os mais
5

pobres. Essa composição de grupos de países estruturando a economia mundial inaugurou a


sistematização de teorias, fundamentadas na visão globalista, relacionada tanto à tradição
liberal, quanto à marxista. O globalismo relacionado às teorias fundamentadas no marxismo
defendem haver uma hierarquização e subordinação entre grupos de países desde a época
colonial, passando pela era imperialista, mantendo-se, com algumas adaptações, nas décadas
posteriores à Segunda Guerra Mundial. O globalismo marxista defende que a divisão
internacional do trabalho capitalista é a força estruturante que mantém desde o período
colonial o sistema integrado e sólido. Nesses termos, a teoria mais influente é a do sistema-
mundo, proposta por Immanuel Wallerstein (2001), que divide o mundo entre países centrais
e periféricos: os países centrais são os países desenvolvidos, e os periféricos, os
subdesenvolvidos. Essa estrutura é rígida, tornando a possibilidade dos periféricos de
mudarem o seu lugar neste mundo – é, reservadamente, muito mais um mito do que uma
possibilidade real.

A participação dos Estados Unidos da América na conformação da conjuntura mundial


do posterior à Segunda Guerra Mundial foi decisiva em diversos aspectos. Era a grande
potência capitalista que chegou ao fim da guerra com muito mais poder do que tinha no início.
O poder econômico americano consolida-se com as decisões de Bretton Woods que definiram
o novo sistema econômico mundial com nítida liderança americana. O poder político logo se
firmou com a vitória na guerra tanto no continente europeu em 1944, quanto na Ásia, com a
vitória incontestável sobre o Japão em 1945, quando foi apresentada ao Mundo a força
devastadora das armas nucleares, as quais deram aos EUA um poderio sem precedentes. A
dominação global permitiu que os EUA liderassem o mundo capitalista no embate que surgiu,
após o fim da grande conflagração mundial, contra a ex-URSS, que era o país líder do mundo
socialista, no fenômeno geopolítico fundamental denominado de Guerra Fria, cujo início tem
como marco o discurso do presidente americano Harry Truman, em 1947, no Congresso
americano, propondo o que ficou conhecido como Doutrina Truman, que definia a atuação
dos americanos no sentido de deter a expansão do socialismo e, destarte, o aumento da
influência soviética para além da Cortina de Ferro. O discurso de 1947 é considerado o marco
do surgimento da Guerra Fria influenciando de forma decisiva o tema do desenvolvimento
econômico.

ELEMENTOS CENTRAIS DAS REFLEXÕES SOBRE DESENVOLVIMENTO


ECONÔMICO

Nestsa seção do artigo, buscam-se discutir elementos aos quais recorrem, de forma
predominante, os autores que contribuíram para o debate sobre desenvolvimento econômico.
Um dos elementos é a questão do crescimento econômico, quando o crescimento era visto
como o pressuposto do desenvolvimento. Outro elemento é a tentativa de integrar, na
discussão sobre o crescimento econômico, a questão da modernização tecnológica como
motor indispensável desse crescimento, permitindo ainda a criação de um círculo virtuoso
envolvendo ampliação produtiva e de produtividade. O importante é constatar a relação que,
6

desde a década de 1950, se passou a fazer entre crescimento econômico e desenvolvimento


econômico, como se fossem duas faces da mesma moeda. Portanto, para se chegar a uma
compreensão mais esclarecedora sobre o desenvolvimento econômico é preciso deixar
evidenciada a importância da busca pelo crescimento econômico como passo indispensável
para se atingir o desenvolvimento. Dessa forma, uma das características fundamentais do
padrão convencional do desenvolvimento é essa busca pelo crescimento econômico (Maluf,
2000; Souza, 2006; 1997; 1996).

O crescimento econômico no capitalismo tradicional (concorrencial ou monopolista)


ocorre a partir de um processo de concentração crescente de renda, de maior ou menor
expressão, conforme a característica especifica dos diversos tipos de capitalismo, com as
consequências sociais negativas do crescimento sendo amenizadas por políticas
compensatórias. De qualquer forma, o crescimento seria fundamental porque moveria o
mecanismo do gotejamento, o trichle-down effect, pois o processo de crescimento funcionaria
como o enchimento de um balde com água, que, ao se completar, começaria a gotejar água
para quem estaria fora, começando a beneficiar a todos (Maluf, 2000).

O debate em torno do caráter indispensável ou não do crescimento econômico para


garantir bem-estar social para bilhões de seres humanos que vivem sob a égide do capitalismo
contemporâneo não cessou, muito pelo contrário, porque se pode destacar nos embates
posicionamentos díspares. Buscando os extremos do debate, tem-se, de um lado, a proposta
que defende o decrescimento, como S. Latouche afirma ser o decrescimento “um slogan
político com implicações teóricas (...) que visa acabar com o jargão politicamente correto dos
drogados do produtivismo” (Latouche, 2009, p.4), e, de outro lado, B. M. Friedman,
abordando as consequências morais do crescimento econômico, quando não faz por menos na
defesa de que não se pode abrir mão do crescimento econômico como proposta sistemática,
ao afirmar que “o crescimento econômico, ou sua ausência, muitas vezes desempenha um
papel significativo em promover o processo de mudança da ditadura para a democracia ou da
democracia para a ditadura” (Friedman, 2009, p.25). Essa afirmação é esclarecedora porque
processos histórico-geográficos dos mais diversos comprovam que crises econômicas, em
grande medida, anteciparam a instalação de ditaduras clássicas, como é o caso da crise
econômica alemã de 1923, o surgimento de diversos matizes de fascismos após a crise de
1929, para ficar apenas nos exemplos clássicos, bem consolidados na historiografia, que
tratam desta relação entre crises e ditaduras.

Souza chama atenção para outras características do desenvolvimento econômico


convencional, ao destacar a dobradinha de crescimento econômico com modernização
tecnológica. Nessa relação há o domínio de aspectos quantitativos, mas não de forma única,
pois aspectos qualitativos também se colocam pela via de “uma crescente complexidade da
estrutura da economia (progresso técnico, crescente integração intersetorial, etc.), tudo isso se
traduzindo através de um aumento da produtividade média do trabalho” (Souza, 1997, p.14).

Na contemporaneidade, o “padrão convencional de desenvolvimento” corresponde ao


próprio “desenvolvimento do capitalismo” que entra em crise na década de 1970, gerando
uma reação conservadora neoliberal que se apoia, justamente, no combate às políticas
7

compensatórias com características estruturais e na aceleração da modernização tecnológica,


que resultou numa reestruturação significativa nos mundo do trabalho, da produção e do
consumo, com forte impacto geográfico-territorial, agravando os problemas econômicos e
sociais, não apenas nos países subdesenvolvidos, mas também nos desenvolvidos, os quais,
como destacou M. L. Souza (2006), no final da década de 1990, estão longe de constituírem
ilhas de perfeição social cercadas de imperfeições por todos os lados. Ora, se era possível
fazer uma afirmação como essa de Souza naquela década, com mais certeza se deve destacar
este argumento atualmente.

As crises capitalistas têm impacto geográfico-territorial, porque o espaço não pode ser
desconsiderado como fundamental no próprio desenvolvimento do capitalismo como
processo, pois, como destaca Luiz A. G. Cunha (1998), há uma espacialidade tradicional do
capitalismo que se recrudesce nas crises. Essa espacialidade concretiza-se nas concentrações
espaciais do capital e trabalho, nos desequilíbrios regionais, nas migrações
desterritorializantes, na degradação socioambiental das periferias das cidades, na
modernização predatória do campo, na perda de dinamismo econômico das economias
regionais, entre uma série de outros aspectos próprios à espacialidade tradicional do
capitalismo, que se reproduz de forma sistêmica, na dependência de uma relação
subordinadora entre o mercado capitalista e o espaço geográfico (Cunha L., 1998).

CRÍTICA AOS CONCEITOS DE DESENVOLVIMENTO CONVENCIONAIS E A IDEIA


DE DESENVOLVIMENTO

Nos anos de 1990, a crítica pós-moderna à ideia de desenvolvimento e aos padrões de


desenvolvimento convencionais consolidaram-se como os questionamentos mais incisivos até
então produzidos sobre esses temas. A crítica englobava o desenvolvimento do capitalismo
porque se relacionava ao projeto da modernidade do Ocidente que, como M. L. Souza não
deixou escapar, foi visto como inseparável do etnocentrismo, do economicismo, do
historicismo, do universalismo, com toda a carga negativa relacionada a todos esses “ismos”
(Souza, 2006).

Portanto, é o projeto da modernidade que está no centro das críticas pós-modernas


porque, como argumenta M. L. Souza, não é possível pensar a modernidade sem o imperativo
da dominação da natureza, nem a desvinculando da emergência do capitalismo. A par disso,
M. L. Souza destaca que os críticos pós-modernos defendem que se descarte a própria ideia de
desenvolvimento que só serviu à “ocidentalização do mundo, à exploração capitalista em
escala mundial, à destruição da etnodiversidade em nome de uma pasteurização cultural”
(Souza, 1996, p.7). Dessa forma, “falar em desenvolvimento significa defender os interesses
capitalistas ou, mais amplamente, os valores do ocidente e do modelo civilizatório capitalista”
(idem, ibidem).
8

Nesse ponto, não se pode deixar de destacar que, nem só de “pós-modernismos”


vivem as críticas aos “padrões de desenvolvimento convencionais” e “a própria ideia de
desenvolvimento”, como demonstra M. L. Souza (2006) e R. Maluf (2000), ao resgatarem,
respectivamente, contribuições decisivas presentes na extensa obra intelectual de Cornelius
Castoriadis e Albert Hirschman, os quais elaboraram argumentos críticos ao capitalismo e
aos projetos de desenvolvimento tradicionais, mas sem deixarem de manter como referência
fundamental elementos do projeto de modernidade ocidental. Esses autores - Castoriadis para
Souza; Hirschman, para Maluf - foram decisivos para que ambos, mesmo endossando
algumas das críticas pós-modernas, não abandonassem a preocupação em pensar e propor
caminhos diferentes dos tradicionais, visando renovar os sentidos que possam ser dados à
noção ou ao conceito de desenvolvimento econômico, nas sínteses bastante completas que
produziram sobre a ampla discussão crítica relacionada às concepções tradicionais, ou
convencionais, do desenvolvimento econômico que aconteceu nas décadas de 1980 e 1990.

Nessa linha, para R. Maluf (2000), a noção de desenvolvimento econômico remete a


duas ideias fundamentais: melhoria e processo. Baseado nessas ideias, ele chega a uma
proposta preliminar de definição de desenvolvimento econômico, com o objetivo principal de
fornecer uma base para discussão. Para ele, desenvolvimento econômico é o processo de
melhoria na qualidade de vida de uma sociedade com fins e meios definidos pela própria
sociedade que está vivenciando esse processo.

Os dois principais méritos desta definição são referências à “melhoria na qualidade de


vida” e com “fins e meios definidos pela própria sociedade”. A primeira referência permite
superar a visão economicista e a segunda abre caminho para uma consideração efetiva com a
questão das “soluções abertas” hirschmaniano, que significam tornar as comunidades e
sociedades influenciadoras do seu próprio destino, que é praticamente um consenso hoje entre
as propostas que buscam a renovação conceitual da noção de desenvolvimento, definindo que
planos e projetos devem nascer de “baixo para cima”. M. L. Souza (1997) também preserva
essa ideia quando propõe definir desenvolvimento como um movimento sem estágio final,
direção pré-definida, e, “em cuja esteira uma sociedade se tornaria mais justa e aceitável para
seus membros” (Souza, 1997, p.19).

A questão das “soluções abertas” hirschmaniano, de certa forma, também está presente
em Antônio H. G. Cunha, muito embora as preocupações que direcionam o seu trabalho
tenham maior amplitude, pois se referem à cultura civilizatória entendida como “uma
tendência comportamental, psicossocial, que já existe desde que os primeiros encontros
culturais foram montando a civilização” (Cunha, A., 1997, p.98). Portanto, sua preocupação
fundamental é com o “rumo civilizatório”, não apenas com o desenvolvimento econômico.
Todavia, essa preocupação é compatível com a ideia ou noção do desenvolvimento
econômico com um sentido renovado, e este autor consegue, em síntese esclarecedora,
fundamentar de forma mais filosófica do que econômica, e não apenas filosófica, é mais
também antropológica, à qual se junta o afã civilizador que pode ser justo ou ideal para todos
e também não sê-lo, dependendo da perspectiva, mas que mesmo dual, parecendo ambígua,
não o é, e ainda assim se enquadra no princípio tanto das “soluções abertas”, quanto noutro
mais complexo em suas minudências quando afirma que, de certa maneira, sua concepção
9

se assemelha a de algumas idéias iluministas. Com uma diferença: os


iluministas pensaram na civilização como um processo com uma direção a um
fim ideal. Para nós, a cultura civilizatória, embora inclua o prognóstico, a
projeção, o projeto, não tem uma direção explícita, não tem uma meta perfeita
a ser atingida. Trata-se de fixar um tosco padrão de conduta a partir do próprio
encontro civilizatório, numa conclusão rápida de que, se foi inevitável o
encontro das culturas, só nos resta transformá-lo em alguma coisa que fusione
a culturalidade e a civilidade, criando-se e promovendo-se a cultura
civilizatória (CUNHA, A., 1997, p.100-101).

Antônio H. G. Cunha continua na trilha perceptível nessa citação, buscando defender a


ideia de se perseguir uma cultura civilizatória que não privilegia o sentido do “melhor”
desenvolvimentismo, porém o vê como aceitável onde ele bem se arranja. Os conflitos serão
vistos nos encaminhamentos liberais e democráticos. A cultura civilizatória é inicialmente
etnossociocultural, pois aparece da pré-história à história como um eixo a que as sociedades
vão aderindo ou entrando, no cotidiano pacífico em que as vidas são tomadas, formuladas,
levadas, adaptando, às vezes, uma razoável e suficiente sobrevivência às frágeis existências,
com isso mantendo uma linha de pensamento (talvez de “soluções nesse tempo e lugar, para
estes habitantes que buscam soluções para si”, coisa que aponta para uma investigação isenta
de qualquer banal juízo de valor na partida, embora ele possa estar na chegada) que não é
estranha ao princípio das “soluções abertas” hirschmaniano, sustentando A. H. G. Cunha que

cultura civilizatória não resulta de uma filosofia estrita da história tomada


como uma coleção de princípios que interpretam a história como uma lógica a
qual o futuro deveria se submeter. A cultura civilizatória está sendo tirada de
dentro da civilização sempre quando os grupos renunciam a seus padrões para
continuar a construção de um programa humano. A invenção disso é
absolutamente anônima. A gente só pode aderir e contribuir com este estado de
espírito da unificação das culturas e dos homínidas. Nunca se fez previsões que
devessem se realizar. Aposta-se. Fazem-se apostas de que aqueles são os
melhores caminhos; deixa-se a falta de palpites para os indiferentes (CUNHA,
A., 1997, p.101).

Ora, essa preocupação comum às revisões do conceito de desenvolvimento,


procurando livrá-lo de quaisquer determinismos ou teleologismos a partir de uma defesa de
“soluções abertas” para dirigir projetos de desenvolvimento deve atentar para algo que se
julga importante. Uma questão é defender “soluções abertas” para resolução de problemas
específicos relativos aos projetos de desenvolvimento, restritos, direcionados e com objetivos
precisos. Outra questão é o princípio das soluções abertas relacionado a projetos de
desenvolvimento, os quais precisam de ideais norteadores gerais, amplos e passíveis de
universalização. Acredita-se que a sociedade ocidental tem ideais de civilidade que podem ser
colocados como metas, objetivos e rumos a serem alcançados por determinados projetos de
desenvolvimento sem ferir a possibilidade das comunidades e sociedades participarem de
maneira fundamental na formulação, implementação e gestão destes projetos. Nesse ponto,
aproxima-se do pensamento de I. Sachs (1998) quando relaciona o desenvolvimento com o
10

respeito aos direitos humanos, considerando todas as gerações desses direitos que se
acumularam desde o século 18 até os dias atuais (Sachs, 1998). Em paralelo, considera-se que
a referência à possibilidade de uma direção mínima, ao se definir projetos de
desenvolvimento, pode trazer à tona o perigo do etnocentrismo, porque, mesmo se tratando de
direitos humanos, o alerta de Antônio H. G. Cunha (1997) deve ser considerado, pois uma
determinada proposta ligada a uma cultura civilizatória não poderia ser imposta sobre outras
de forma autoritária, portanto não deve “pretender generalizar-se, a não ser apenas a partir dos
canais do cultivo civilizado (...) ela há de cavar seu espaço com toda gradualidade e cautela
disponíveis” (Cunha, A., 1997, p.101).

ESPAÇO GEOGRÁFICO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: O


GEODESENVOLVIMENTO COMO PROPOSTA

Há um número significativo de abordagens que podem ser definidas como de cunho


geográfico-territorial e são essas abordagens que fundamentam a opção de englobá-las como
formando o campo do geodesenvolvimento. Para expor a compreensão do que se pretende
com o uso dessa expressão, recorre-se ao que se denomina de concepções renovadas de
desenvolvimento econômico, que foram colocadas como opções às concepções tradicionais, a
partir de uma opção decisiva em relacionar desenvolvimento econômico e espaço geográfico.
Neste artigo, recorre-se a duas destas concepções: a concepção do desenvolvimento sócio-
espacial e do desenvolvimento territorial.

Nesse ponto, é importante esclarecer o porquê se usa a expressão “concepção de


desenvolvimento econômico” na reflexão que se faz sobre o geodesenvolvimento. Recorre-se
a essa expressão porque ao se fazer referência a geodesenvolvimento centra-se na perspectiva
de abordar desenvolvimento econômico como projeto e não como processo. A abordagem
centrada na ideia de projeto é aquela que aponta para o futuro, buscando a proposição de um
caminho a seguir que transforme o contexto no qual se insere a espécie humana no Mundo. A
opção em pensar o desenvolvimento econômico como projeto, inspira-se, em grande medida,
em I. Sachs (1998), quando, ao abordar os diversos epítetos que foram sendo agregados ao
termo desenvolvimento (econômico, social, sustentável, humano), considerando-os positivos,
afirmando que

“Assim, reconhecemos o caráter eminentemente positivo do acréscimo sucessivo


dessas dimensões de desenvolvimento. É apenas por ter sofrido tal transformação, que
ser tornou uma noção central para a compreensão de nossa época e para a concepção
dos projetos nacionais voltados para o futuro. Sartre dizia que o homem é um projeto.
Por razão ainda mais forte, as sociedades humanas deveriam se esforçar para se tornar
um projeto” (Sachs, 1998).
11

A perspectiva de pensar o que se propõe centrado numa visão mais ampla e planetária
pode ser talhada e aplicada na proporção de recortes do espaço geográfico em outras escalas
que não apenas a global, as quais são vinculadas à vida concreta das comunidades humanas e
que são àquelas a que classificamos, na Geografia, de Geografia Regional.

O que são recortes abstratos e conceituais na Geografia tomam caráter político-


administrativo com a organização dos territórios dos países em unidades administrativas
denominadas de distritos, municípios, condados, províncias e estados, conforme o regime de
organização político-territorial de cada país, que dão a essas unidades níveis diferentes de
autonomia financeira ou administrativa de acordo com as opções político-institucionais.
Nesses termos, a concepção de desenvolvimento econômico corresponde a um conjunto de
ideias articuladas que formam uma proposta que pode ser transformada num projeto de
intervenção visando ao desenvolvimento econômico.

Portanto, entre as décadas de 1950 e 1970 tivemos as concepções tradicionais de


desenvolvimento econômico, que passaram a sofrer críticas sistemáticas a partir dos anos de
1980, questionamentos que se consolidaram no final do século 20, mas, no início da primeira
década do século 21, começaram a ser propostas as concepções renovadas ou reformadas de
desenvolvimento econômico. Ao lado disso, utiliza-se a expressão geodesenvolvimento para
agrupar as concepções reformadas de desenvolvimento econômico que são centradas no viés
geográfico-territorial.

Uma primeira concepção de desenvolvimento econômico reformada que se considera


como inserida no universo do geodesenvolvimento é a proposta de Souza (2006)
fundamentada no conceito de Castoriadis de autonomia, que M. L. Souza (2006) considera ser
um princípio indispensável para dar fundamento sólido a uma concepção renovada de
desenvolvimento econômico que valorize a perspectiva geográfico-territorial. M. L. Souza
(2006) justifica sua opção, afirmando que

Enquanto houver heteronomia, enquanto houver iniquidades, pobreza e


injustiça, fará sentido falar em implementar uma mudança para melhor na
sociedade, rumo a mais autonomia individual (capacidade individual de
decidir com conhecimento de causa e lucidamente, de perseguir a própria
felicidade livre de opressão) e coletiva (existência de instituições garantidoras
de um acesso realmente igualitário aos processo de tomada de decisão sobre os
assunto de interesse coletivo e auto-instituição lúcida da sociedade, em que o
fundamento das ‘leis’ não é metafísico, mas a vontade consciente de homens e
mulheres)” [grifos do autor] (Souza, 2006, p.105-106).

Todavia, M. L. Souza (1996) faz uma menção, destacando que “a autonomia é um


princípio ético e político”, que, conforme já enfatizado por ele, “não define um conceito de
desenvolvimento, mas justamente propicia uma base de respeito ao direito de cada
coletividade de estabelecer, segundo as particularidades de sua cultura, o conteúdo concreto
(sempre mutável) do desenvolvimento: as prioridades, os meios, as estratégias” (Souza, 1996,
p.9-10).
12

A proposta de M. L. Souza (1996) apoiada no conceito de autonomia, baseada naquele


princípio, reclama, segundo ele, uma “espacialização” porque para M. L. Souza (1996) o
espaço social não é um epifenômeno, mas, sim, um produto social que funciona como um
suporte para vida em sociedade, ao mesmo tempo que é “um condicionador dos projetos
humanos; um referencial simbólico, afetivo e, também, para organização política; uma arma
de luta; uma fonte de recursos (sendo a própria localização geográfica, que é algo relacional,
um recurso a ser aproveitado) (Souza, 1996, p.11). Nesses termos, ainda segundo M. L. Souza
(1996), “a autonomia de uma coletividade traz subentendida uma territorialidade autônoma,
ou seja, a gestão autônoma, por parte da coletividade em questão, dos recursos contidos em
seu território, que é o espaço por ela controlado e influenciado” [grifos do autor] (Souza,
1996, p. 11). Esse argumento o leva à sua proposta concreta ao aventar que “o
desenvolvimento é, necessariamente, sócio-espacial, ou seja, da sociedade e do espaço”, por
que

tão tola quanto a crença de se transformar substantivamente as relações sociais


apenas por meio de intervenções no espaço (fetichismo espacial tipificado por
certos urbanistas) é a negligência para com o fato de que a mudança social
demanda concomitantemente (mesmo que isso nem sempre ocorra), a mudança
da organização espacial que ampararia as velhas relações sociais (Souza, 1996,
p. 11).

Outra concepção reformada de desenvolvimento econômico, que se considera inserida


no campo do geodesenvolvimento, é a de desenvolvimento territorial. A origem dessa
concepção é a Europa, quando, na primeira metade da década de 1990, os países da União
Europeia buscavam formas de incentivar o desenvolvimento econômico regional no
continente, visando a uma convergência dos níveis de desenvolvimento dentre os países e
regiões que formavam o bloco europeu (Abramovay; Berduschi Filho, 2004). Nesse ponto, é
importante expor quais são os principais aspectos do desenvolvimento territorial que o
diferenciam das concepções tradicionais de desenvolvimento econômico regional.

Em primeiro lugar, o desenvolvimento territorial se contrapõe à visão setorial que era


central nas concepções tradicionais de desenvolvimento. Luiz A. G. Cunha (2006) analisou o
que significou incorporar nas concepções de desenvolvimento reformadas a perspectiva
territorial, concluindo que o desenvolvimento territorial defende o enquadramento holístico
do desenvolvimento econômico regional, abordando as ações humanas como decisivas na
conformação do espaço geográfico, permitindo valorizar “a questão da simultaneidade, da
diversidade, do caráter integrador de síntese, da interação homem e natureza, da superação
das distâncias, da territorialização e deslocalização das atividades econômicas, da dimensão
territorial do desenvolvimento (...)” (Cunha, L., 2006, p.274).

Em segundo lugar, a concepção de desenvolvimento territorial apresenta um conceito


fundamental na sua proposta denominado de “dimensão territorial do desenvolvimento”.
Sobre esse conceito, R. Abramovay (1998) lembra que

não se trata de apontar vantagens ou obstáculos geográficos de localização e


sim de se estudar a montagem das redes, das convenções, em suma, das
13

instituições, que permitem ações cooperativas que incluem, evidentemente, a


conquista de bens públicos como educação, saúde, informação capazes de
enriquecer o tecido social de uma certa localidade” [grifos do autor]
(Abramovay, 1998, p.2-3).

Um terceiro elemento, refere-se a busca por superar a dicotomia urbano-rural ou


cidade-campo, como também entre agricultura e indústria baseada apenas na ideia tradicional
de cadeias e complexos, abrindo a possibilidade de se utilizar os conceitos de rede e de
circuito, os quais são mais adequados ao caráter holístico das regiões.

Em quarto lugar, há a defesa de uma mudança nas formas de encaminhamento das


questões institucionais, regulacionais e propriamente políticas. A passagem de uma concepção
de desenvolvimento setorial para a de desenvolvimento territorial requer uma organização
institucional, em sentido amplo, que passa pelos vínculos inter-setoriais e mesmo pela
substituição de visão puramente econômica por outra, que, efetivamente, que considere
central o social (Cunha, L., 2006).

Porquanto, fundamentado nos elementos apresentados, a concepção de


desenvolvimento territorial defende a inclusão em projetos e políticas públicas, voltadas para
o desenvolvimento econômico de regiões, de segmentos sociais que não apenas àqueles
interessados diretos nas atividades econômicas, visando à construção de uma governança em
torno dos objetivos definidos pelas forças políticas, sociais e econômicas que atuam numa
determinada região. No que se refere especificamente ao desenvolvimento rural, a perspectiva
territorial foi fundamental em políticas públicas, criadas pelos governos FHC e Lula, voltadas
à revalorização da agricultura familiar, permitindo iniciar um processo bem captado por S. L.
O. Vilela (1998), quando afirma que

uma perspectiva territorial requer conhecimento integrado de diferentes setores, o que


permite encontrar um lugar e uma explicação como um todo coerente, que reúne todas
aquelas partes da realidade que têm sempre permanecido fora de nossos modelos, na
esperança de que, ao ignorá-los ou os considerar como anomalias, eles
desaparecessem. A invisibilidade por um longo período da evolução e persistência da
agricultura familiar é um perfeito exemplo disto (Vilela, 1998, p.27).

No governo Lula, a incorporação da concepção do desenvolvimento territorial em


políticas públicas foi realizadade forma sistemática com a criação do Ministério do
Desenvolvimento Agrário e, nesse Ministério, com a organização da Secretaria do
Desenvolvimento Territorial. Portanto, ao contrário da concepção de desenvolvimento sócio-
espacial de M. L. Souza, que não foi incorporada de forma sistemática em políticas públicas
na esfera federal, sendo considerada apenas em algumas prefeituras que implantaram a
experiência do orçamento participativo, o desenvolvimento territorial foi a influência
fundamental das políticas públicas concretizadas na organização, por exemplo, dos Territórios
14

Rurais e Territórios da Cidadania, propostos pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e


Secretaria do Desenvolvimento Territorial (Ministério, 2005).

Portanto, a concepção de desenvolvimento territorial foi testada durante alguns anos


no Brasil, porque fundamentou uma política pública que atingiu muitos estados brasileiros e
envolveu milhões de agricultores familiares (Ministério, 2010). Da mesma forma que as
concepções tradicionais, a concepção do desenvolvimento territorial está sendo submetida a
críticas que procuram mostrar que os resultados da utilização dos seus pressupostos em
programas desenvolvimentistas não foram decisivos, não apenas por deficiências de gestão,
mas, principalmente, porque se impõem à realidade dos agricultores familiares no Brasil, ou
em quaisquer outros países e regiões, a dinâmica capitalista, que é dominada pelos interesses
das grandes corporações empresariais, apoiadas pelos governos dos países capitalistas
centrais, que impedem que se formem círculos virtuosos de desenvolvimento econômico
realmente efetivos (Fávaro; Gómez, 2015).

Neste artigo, não se objetivou resgatar os debates recentes que se voltam para
perscrutar como se implantou, evoluiu e a que resultados chegaram as políticas territoriais
implementadas nas últimas duas décadas, porque o objetivo se resumiu a como se chegou
àquelas políticas públicas de caráter geodesenvolvimentistas, visando justificar a preocupação
em definir o campo teórico-conceitual que se preocupa em relacionar o desenvolvimento
econômico e o espaço geográfico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considera-se que as críticas às concepções e padrões convencionais do


desenvolvimento são consensuais e indicam os caminhos que devem ser seguidos pelas
propostas renovadoras. No entanto, não se pode dizer o mesmo sobre essas propostas
reformadas que são bastante diversificadas. Pode ser que essa diversidade de concepções
tenha o sentido positivo de significar a própria apreensão da complexidade e diversidade das
realidades socioespaciais concretas pelo conhecimento. Parece que, quando se alcança a essa
situação, estamos prontos para engendrar uma, na verdade, nova disciplina entendida como
uma coleção de noções, teorias, métodos etc., numa refundação esclarecedora. É o que se fará
num próximo texto nesta linha aqui apresentada: pensar os componentes daquela
complexidade apontada acima – uma espécie de plano de uma “desenvolvimentologia” em
função do limite teórico e metodológico exaustivo que se observa na atual quadra, que não
consegue fechar, prender, encerrar, a curiosidade, a indagação científica.

Por sua vez, a aplicação deste conhecimento reformado na formulação de modelos e


projetos de desenvolvimento servirá para a ascensão de pontos de vistas mais abrangentes por
vias diversas, mas não divergentes, o que no fundo significa dirigir de modo mais preciso a
ambição de uma ciência cada vez mais sintetizadora de conhecimentos indispensáveis,
incontornáveis, sob qualquer pretexto.
15

Entrementes, enquanto uma epistemologia enriquecedora não emerge pronta e


definitiva, finalmente, o que é urgente, no momento, em virtude da extrema diversificação das
propostas, algumas delas muito próximas na sua expressão teórica e prática, é trabalhar para
precisar melhor os termos econceitos utilizados nas novas propostas e concepções.

REFERÊNCIAS

Abramovay, R. Do setor ao território: funções e medidas da ruralidade no desenvolvimento


contemporâneo. São Paulo/Rio de Janeiro: IPEA-PROJETO / BRA / 97013, 1999.

Abramovay, R. O capital social dos territórios: repensando o desenvolvimento rural.


Fortaleza: MEPF / Governo do Ceará, 1998. 18 p. (Seminário sobre Reforma Agrária e
Desenvolvimento Sustentável).

Beduschi Filho, L.C.; Abramovay, R. Desafios para o desenvolvimento das regiões rurais.
Nova Economia, v.14, n.3, 2 jun.,2004.

Cunha, A.H G da. Superação dos impasses filosóficos e científicos no rumo civilizatório. Foz
do Iguaçu, PR: Pluri-uni, 1998.

Cunha, L.A.G. Do desenvolvimento setorial ao desenvolvimento territorial. Redes, Santa


Cruz do Sul, v.11, n.2, p.261-282, maio/ago. 2006.
https://online.unisc.br/seer/index.php/redes/article/view/11033

Cunha, L.A.G. Por um projeto sócio-espacial de desenvolvimento. Revista de História


Regional. Ponta Grossa: UEPG / Departamento de História, v.3, n.2, pp. 91-114, inverno /
1998.

Dean, W. As multinacionais: do mercantilismo ao capital internacional. São Paulo:


Brasiliense, 1983. 105p.

Lenin, V.I. Imperialismo, fase superior do capitalismo. São Paulo: Global, 1987. 127p.

Fávaro, J. L.; Gómez,J. R. M. A política de desenvolvimento territorial rural: o Estado sem o


“Estado” no território da cidadania Paraná-Centro, Paraná – Brasil. Revista Interface, n.10,
dez. 2015, p. 284-295.

Friedman, B. M. As consequências morais do crescimento econômico. Rio de Janeiro:


Record, 2009. 657p.

Latouche, S. Pequeno tratado do decrescimento sereno. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
170p.

Lipietz, A. Audácia: uma alternativa para o século 21. São Paulo: Nobel, 1991.
16

Maluf, R. Atribuindo sentido(s) à noção de desenvolvimento econômico. Estudos, sociedade


e agricultura. Rio de Janeiro: CPDA / UFRRJ, 2000 (versão preliminar para discussão).

Ministério do Desenvolvimento Agrário / Secretaria do Desenvolvimento Territorial.


Programa Desenvolvimento Sustentável de Territórios Rurais: PRONAT – Balanço de Gestão
2003-2010. Brasília: Ministério do Desenvolvimento Agrário / Secretaria de
Desenvolvimento Territorial, 2010.

Ministério do Desenvolvimento Agrário / Secretaria do Desenvolvimento Territorial.


Referências para uma Estratégia de Desenvolvimento Rural Sustentável no Brasil. Brasília:
Ministério do Desenvolvimento Agrário / Secretaria de Desenvolvimento Territorial, março
2005.

Reis, J. Ensaios de economia impura. Coimbra: Almedina, 2007.

Rostov, W.W. As etapas do desenvolvimento econômico: um manifesto não-comunista. Rio


de Janeiro: Zahar, 1961.

Sachs, I. O desenvolvimento enquanto apropriação de direitos humanos. Estudos Avançados.


São Paulo, v.12, n.13, maio/agosto 1998.

Santos, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2006.

Souza, M. L. A prisão e a ágora: reflexões em torno da democratização do planejamento e da


gestão das cidades. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. 632p.

Souza, M. L. Algumas notas sobre a importância do espaço para o desenvolvimento social.


Território. Rio de Janeiro: LAGET/UFRJ-DEGEO, n. 3. jul./dez. 1997, pp. 13-35.

Souza, M. L. A teorização sobre o desenvolvimento em uma época de fadiga teórica, ou:


sobre a necessidade de uma “teoria aberta” do desenvolvimento sócio-espacial. Território.
Rio de Janeiro: LAGET/UFRJ-DEGEO, n.1, jul./dez., 1996, pp. 5-22.

Storper, M. Territorialização numa economia global: possibilidades de desenvolvimento


tecnológico, comercial e regional em economias subdesenvolvidas. In: LAVINAS, L.;
NABUCO, M. ; CARLEIAL, L. Integração, região e regionalismo. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 1994, pp. 13-26.

Vilela, S. L. O. Uma nova espacialidade para o desenvolvimento rural: sobre meio rural,
desenvolvimento local e território. In: ANAIS do XXII Encontro Nacional de Pós-Graduação
em Ciências Sociais (CD-ROM). Caxambu: ANPOCS, 1998. v. 22.

Wallerstein, I. Capitalismo histórico e civilização capitalista. Rio de Janeiro: Contraponto,


2001. 102p.

Você também pode gostar