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A Economia em Revista

jan./abr. 2019, v. 27, n. 1, p. 1-14

TRAJETÓRIA DO MERCOSUL:
DO REGIONALISMO ABERTO AO REGIONALISMO PÓS-HEGEMÔNICO

Ricardo Luis Chaves Feijó1


Isabela Furegatti Corrêa2

RESUMO: O presente ensaio tem como objetivo analisar-se a evolução do regionalismo latino-americano, sobretudo
confrontando-se as principais características dos modelos de regionalismo no continente. Os tipos de regionalismo
demarcam períodos de criação e de desenvolvimento do principal bloco econômico da América do Sul, o Mercosul,
e determinam transformações e mudança de desempenho. Tendo-se em vista a relevância desse mercado comum na
história e nas variações do modelo de integração na região, o presente trabalho estuda os incentivos quando de sua
criação, bem como sua estrutura, relevância regional e de que forma, ao longo dos anos, sofre alterações devido às
influências externas e domésticas, de seus países membros. Com isso, busca-se demonstrar que o Mercosul reflete as
transformações econômicas, políticas e sociais ocorridas ao final do século XX, que o conformaram substancialmente
na primeira década do presente século.
PALAVRAS-CHAVES: Mercosul, Regionalismo, América do Sul.

Data da submissão: 21-02-2019


Data do aceite: 05-12-2019

1. INTRODUÇÃO

Estudos acerca do regionalismo e de suas variações, sobretudo a partir do final dos anos 1980, quando do
surgimento e da intensificação de várias formas de regionalismo, atraíram a atenção dos especialistas pelo elevado
número de esquemas regionais que se expandiram ou se conformaram na década seguinte. Em conjunção com as
dinâmicas que caracterizaram a integração da região, o debate acerca do regionalismo na América Latina não se fez
menos expressivo. De início, a partir dos anos 1950, as experiências dos processos do denominado regionalismo
contemporâneo, que se iniciavam na Europa, disseminam-se aos demais continentes, alinhando-se a projetos já
desenvolvidos localmente, como os promovidos pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).
Na América Latina, o regionalismo desenvolvera-se, destacando-se dois grandes períodos: o regionalismo velho, dos
anos 1950 até os anos 1980, e o novo regionalismo, dos primórdios dos anos 1990 até a atualidade, o qual, por sua
vez, também se define em duas subdivisões: os regionalismos aberto e pós-hegemônico. Durante o regionalismo
contemporâneo latino-americano, blocos de integração regionais expandiram-se na América Latina, como também o
desenvolvimento de redes e organizações no âmbito internacional, governamental e não governamental. Tais blocos
influenciaram na dinâmica do sistema internacional e propiciaram o multilateralismo das relações entre os países.
Foi quando do desenrolar do regionalismo aberto que foi criado um desses blocos de integração regional,
o mais exitoso da América do Sul: o Mercado Comum do Sul (Mercosul). O multilateralismo, de maneira tangencial,
embasou as transformações regionais, bem como as questões políticas, econômicas e, eventualmente, ideológicas
entre diversos Estados e atores não estatais, sobretudo no que tange a negociações econômicas de caráter global da
última década do século XX aos primórdios do século XXI. Nesse âmbito, em meio ao desenvolvimento regional,
com as organizações e os espaços multilaterais que tomavam forma, a confrontação entre Estado e sociedade civil
propicia a perspectiva de novos enfoques que viabilizam maior articulação dos interesses nacionais na esfera regional.
A ascensão de movimentos de cunho esquerdista nos anos 2000, e sua defesa de um Estado nacionalista e forte,
propicia a alternância do regionalismo no continente, emergindo-o a período pós-hegemônico.

1
Professor Associado – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo (FEA/RP – USP).
2
Doutoranda em relações internacionais no PROLAM/USP.
A Economia em Revista, v. 27, n. 1, jan./abr. 2019
2 Trajetória do MERCOSUL: do regionalismo aberto ao regionalismo pós-hegemônico

Em meio ao mundo globalizado, o fomento e a participação da sociedade civil, e a preocupação com a integração
produtiva dos países membros do Mercosul, passaram a ser o principal argumento nos discursos dos representantes
dos novos governos eleitos. A integração regional, neste contexto, e em contrapartida ao Estado nacional forte, seria
um meio pelo qual países latino-americanos passariam a interagir de outras maneiras além das comerciais, cooperando
entre si em busca do fomento da “agenda do desenvolvimento”. Assim como as características que conformaram ambos
os regionalismos, o Mercosul também se modifica ao longo dos anos, adotando caracterização híbrida. De modelo
substancialmente estratégico e econômico, o denominado “novo Mercosul” emerge a partir de 2003 como um
modelo de integração que busca desenvolver-se também no setor social, através da promoção da cooperação entre os
Estados e da participação da sociedade civil de maneira mais ativa e deliberativa.
O escopo institucional do Mercosul e as novas conformações do bloco são o objeto deste ensaio. São
examinadas as transformações apresentadas do regionalismo aberto ao pós-hegemônico. Busca-se demonstrar que o
Mercosul reflete as transformações econômicas, políticas e sociais ocorridas ao longo do século XX. Em reforço à tese,
o ensaio estrutura-se em três seções, além de outra conclusiva. A primeira fornecerá uma discussão teórica e empírica
acerca dos dois momentos relevantes neste contexto, o “regionalismo aberto” e o “regionalismo pós-hegemônico”,
provendo embasamento teórico e histórico dos conceitos que concernem os estudos do regionalismo, bem como os
fatos relevantes que permeiam as décadas em questão. Visa trazer à tona um panorama do regionalismo no continente
latino-americano e as transformações decorrentes dos processos regionais e mundiais que culminam na criação e no
desenvolvimento do Mercosul. A segunda seção explicita, com maior detalhamento, os motivadores da criação do
Mercosul e como, institucionalmente, este desenvolveu-se ao longo dos anos, perpassando o regionalismo aberto
até emergir no regionalismo pós-hegemônico. De maneira geral, busca-se precisar quais foram as mudanças e os
aspectos contundentes no escopo do bloco regional que impactaram as transformações ocorridas em seus países
membros, sobretudo no que concerne ao regionalismo estratégico e à incitação aos modelos de regionalismos social e
produtivo. Na terceira parte, por sua vez, serão retomadas as principais questões analisadas, conjuntando as principais
transformações ocorridas no escopo do Mercosul e comparando-as, de maneira a confrontar-se e chegar-se a um
quadro de como aspectos políticos, sociais e produtivos evoluíram ao longo do regionalismo aberto e conformaram
o modelo denominado como pós-hegemônico. Buscar-se analisar se houve uma alteração de paradigma associada às
diferentes expectativas ou se os discursos e iniciativas propostos, de fato, não passaram de retórica.

2. REGIONALISMOS ABERTO E PÓS-HEGEMÔNICO

Nos anos 2000, uma série de influências políticas globais e regionais incita a reformulação do regionalismo
latino-americano, o que demanda crescente capacidade de respostas coletivas frente a novos desafios, acrescidos da
maior participação e surgimento de outros atores, os quais viriam a dinamizar as estratégias de desenvolvimento e as
modalidades de inserção internacional da região até os dias atuais. A etapa denominada de “novo regionalismo” assiste
ao ressurgimento de debates teóricos acerca da revitalização e da expansão de diversas dinâmicas regionais, como
também o surgimento de novos atores participantes, não somente na América Latina, como também em escala global
(Lombaerde, Söderbaum, Van Langenhove, Baert, 2010: 732). O pluralismo e a multidimensionalidade do regionalismo
contemporâneo deram origem a uma série de novos desafios. Ainda que os estudos atinentes ao regionalismo e às
fases que o compõe remontem ao modelo europeu de integração e às diversas regiões do mundo, a América Latina,
em especial, foi favorecida por mudanças estruturais globais, inter alia devido às variações domésticas e características
intrínsecas regionais dos países envolvidos na integração, sobretudo culturais e históricas. Variáveis importantes como
economia, sociedade e política exerceram forças diferentes nos principais atores que coordenam a integração e isso
torna o regionalismo latino-americano tão rico e distinto dos regionalismos de outras regiões (Haas, 1967, p. 315).
Para melhor compreender-se tais processos e a relevância de cada qual, nesta seção busca-se abordar o regionalismo e
demais conceitos que contemplam seu estudo, e, a partir disso, analisar-se suas características e variações nas fases que
compõe o regionalismo contemporâneo, do qual o novo regionalismo faz parte.
Os diferentes atores e processos envolvidos em seus vários níveis de integração têm relevâncias distintas de
acordo com o tempo e o espaço nos quais se contextualizam, sejam em âmbito global, regional ou nacional. É justamente
a interação de todos esses fatores que conceitua o regionalismo como fenômeno em estudo, pelo qual pode ser
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analisado determinado sistema, criado e liderado por Estados nacionais, contando com a participação fundamental de
demais atores, estatais e não estatais, na cooperação e configuração de estratégias de uma determinada região (Hettne,
Söderbaum, 1999: 4). Os processos de construção das relações de interdependência entre os atores envolvidos são
caracterizados no conceito de regionalização; que “designa o processo (empírico) que leva aos padrões de cooperação,
integração, complementaridade e convergência dentro de um espaço geográfico nacional em particular” (idem, p. 4).
Logo, são os diferentes tipos de projetos e atividades regionais, como as integrações econômicas, políticas e sociais,
que definem os tipos de interação e as maneiras como os processos de regionalização são construídos. Para Haas
(1970), essas integrações regionais propiciam um laboratório vivo, no qual é possível vislumbrar-se o surgimento
de novos tipos de relações humanas, no âmbito econômico, político ou social, propiciando o esboço de processos
de adaptação e de aprendizagem, abrangendo-se uma esfera que transcende as delimitações regionais. Contudo, é
importante diferenciar regionalismo de regionalização. Enquanto o regionalismo pode ser caracterizado, sob uma
perspectiva analítica e operacional, como ideologia que, coordenada por Estados, conforma-se por meio de estratégias;
regionalização é o processo que gera a interdependência entre os atores envolvidos, podendo ser intencional ou
não intencional (Hettne, Söderbaum, 1999: 5). Quando diferentes processos de regionalização, em diferentes áreas,
convergem em mesma delimitação geográfica, já podemos caracterizá-la como uma região. Do mesmo modo, um
grupo de países localizados em um mesmo espaço geográfico, ou simplesmente um âmbito espacial caracterizado pela
intensidade de seus processos produtivos e comerciais, também podem definir regiões. O conceito de região afigura-se
polissêmico (idem, p. 12).
A definição de região a partir da interação de manifestações e práticas identitárias, intrínsecas de uma
comunidade regional auxilia no entendimento dos mecanismos que promovem a cooperação regional (Riggirozzi,
2010: 4). Não há região natural, mas regiões criadas e recriadas por processos de transformação global (Hettne,
Söderbaum, 1999, p. 12). Tais alterações por meio das transformações globais refletem-se em teorias contemporâneas,
como a “new regionalism theory” (NRT)3. Sob a perspectiva da NRT, os processos de regionalização são descritos pelos
autores por meio dos níveis de “regionness”, conceito criado no início dos anos 1990 para definir o grau de interações
econômicas, políticas e sociais em uma determinada região, e o que a distingue das demais (Riggirozzi, 2010: 4). Ou
seja, a ideia de região pode ser definida por níveis de “regionness”, determinando seu grau de organização social,
política e relações econômicas transfronteiriças.4
Nas palavras de Diana Tussie e Pía Riggirozzi (2012: 5), “regionness” denota dois tipos de dinâmicas. A
primeira é referente ao senso de identidade e de pertencimento do Estado ou atores não estatais a uma determinada
região, devido a valores, normas e instituições compartilhadas. A segunda dinâmica, por sua vez, denota a ação coesa
para o reconhecimento do outro. Ambas as dinâmicas, para Hettne e Söderbaum (1999: 2), são esmiuçadas e melhor
interpretadas por meio dos níveis ou fases de “regionness”, como processo de construção de uma região, os quais
seriam: espaço regional, complexo regional, sociedade regional, comunidade regional e Estado regional. Como
reiterado por Pía Riggirozzi, “o que essas categorias trazem é uma compreensão do regionalismo como uma complexa
estrutura de ideias, atores e instituições na formação da política social” (Riggirozzi, 2010: 4). A abordagem acerca dos
níveis de “regionness”, portanto, demonstra que a estrutura complexa que conforma o regionalismo pode ser vista
como estratégia de governança, com mecanismos de resposta pragmática a fatores exógenos, aos desafios da economia
política global e ao desenvolvimento da região, abarcando inúmeros processos de regionalização.
Estudos acerca do regionalismo atraíram a atenção dos estudiosos do tema pelo elevado número de
esquemas regionais que se expandiram ou se conformaram (Boas, Marchand, Shaw, 1999: 897). O regionalismo e
suas fases, ou “ondas”, trata-se de fenômeno global, tendo as especificidades locais, sejam estas econômicas, políticas,
sociais ou culturais, efeitos diretos sobre a concepção dos processos de regionalização. Esses diferentes casos e
entendimentos sobre a construção regional e os regionalismos criaram um campo de estudo em que as principais
teorias, neofuncionalista e intergovernamentalista, predominam (Tussie, Riggirozzi, 2012: 187).
A principal motivação do estudo do regionalismo é não somente melhor entender a sociedade de maneira
geral, mas principalmente compreender-se uma região e suas características intrínsecas, muitas vezes enriquecidas com
fatores sui generes, que a tornam única e inestimável aos estudos acadêmicos (Hettne, Söderbaum, 1999: 461).

3
A “new regionalism theory” (NRT), desenvolvida por Björn Hettne e Fredrik Söderbaum, busca explicar a ordem mundial que torna possíveis os
processos de regionalização (Hettne, Söderbaum, 1999, p. 5).
4
Sobre o conceito de “regionness”, vide (Hettne, Söderbaum, 1999, p. 2).
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O regionalismo de hoje envolve variedade de atores não-estatais, resultando em multiplicidade de governanças


regionais, formais e informais, e redes regionais na maioria das áreas em questão. Como tal, o regionalismo está
intimamente ligado à natureza cambiante da política global e à intensificação da globalização (Lombarede, Söderbaum,
Langenhove, Baert, 2010: 732). De início, o debate sobre o tema atinha-se aos conceitos de integração regional, política
e econômica, bem como os de cooperação e organizações internacionais. Bela Belassa e Ernest Haas foram alguns
dos pesquisadores que os definiram e que enriqueceram os estudos regionais com seus trabalhos (Lombarede et all.,
2010: 733).5 No mundo e sobretudo na América Latina, o “novo regionalismo” representa momento de transição por
meio da combinação de política em nível nacional com a reformulação das economias políticas regionais (Tussie,
Riggirozzi, 2012: 17). As rápidas transformações em diferentes regiões incitam a conformação de comunidade regional,
cuja ideia pode-se embasar no conceito de “regionness” (Hettne, Söderbaum, 1999: 30). As duas ondas do regionalismo
contemporâneo, o “regionalismo velho” e o “novo regionalismo”, devem ser analisadas através dos respectivos
momentos históricos; em outras palavras, precisam ser compreendidas concomitantemente à transformação estrutural
do mundo à época, vez que tais mudanças e resultados subsequentes são fatores que as caracterizam. A primeira delas,
denominada “regionalismo velho”, deu início ao regionalismo contemporâneo, principiando-se quando da criação
da Comunidade Econômica Europeia (CEE), em 1958, e com os processos de descolonização contemporâneos que
estimularam a formação de organizações regionais no auxílio de países recém-descolonizados em suas respectivas
regulamentações financeiras e comerciais (Breslin, Higgott, 2000: 334).6
Após a Segunda Guerra Mundial, a onda do regionalismo se embasa na lógica do protecionismo e do estado de
bem-estar (welfare state) assistencialista. Tal onda inicia-se na Europa Ocidental e se dissemina nos demais continentes,
como forma de regulamentação do comércio econômico global (Riggirozzi, 2010: 3). Na América Latina, já em meados
dos anos 1950 apresentam-se projetos de desenvolvimento regional. A Comissão Econômica para a América Latina e
Caribe (CEPAL) exercera forte influência sobre a conformação da integração no continente (Bielschoesky, 2009: 175).
A busca pelo desenvolvimento nacional e as tentativas para a construção de uma autonomia regional desenhavam­
‑se concomitantemente. Esse momento do regionalismo foi caracterizado de “grande design”, em que a integração
regional é redesenhada como um compromisso entre a política de desenvolvimento predominante de industrialização
por substituição de importações e o concomitante novo paradigma de integração na economia mundial (Bouzas,
Knnack, 2009: 29). Como reflexo das mudanças, a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC) é criada
em 1960, objetivando-se implementar modelo de integração comercial entre seus membros, Argentina, Brasil, Chile,
México, Paraguai, Peru e Uruguai. Tal associação expande-se na década de 1970 com a adesão de novos membros
(Bolívia, Colômbia, Equador e Venezuela). Visa a eliminação de todas as barreiras comerciais intrarregionais. Em adição
e em conformidade ao também progressivo desenvolvimento regional europeu, em 1967 é criada a Associação de Livre
Comércio do Caribe (CARIFTA), e em 1969, por sua vez, outros países latinos estabeleceram o denominado Pacto
Andino, cuja ambição era a de criar-se base executiva supranacional. Conformava-se, assim, o denominado “grande
design” de Bouzas e Knnack.
Nos anos 1980, a crise das dívidas externas dos países latino-americanos culmina na redução da importância
relativa de temas como desenvolvimento produtivo e igualdade regional, sendo o debate redirecionado para análises
de estabilidade macroeconômica (Bielschowsky, 2009, p. 177). A situação precária desses países periféricos resultou
na piora financeira deles (Tussie, Riggirozzi, 2012). Com isso, e como parte das inúmeras transformações globais
do período, o denominado regionalismo velho esmaece-se nos primórdios dos anos 1980, sobretudo pelo advento
da globalização e do novo sistema que se conformava (Riggirozzi, 2010). Nessa mesma época, o neofuncionalismo
busca melhor compreender como essa cooperação se dá. Em estudos de caso, consideram-se todas as interações
que desencadeiam a integração regional (Breslin, Higgott, 2000). Outra teoria utilizada para melhor entendimento
do regionalismo foi a intergovernamentalista, cujo maior precursor talvez seja o pesquisador Stanley Hoffmann.
Com foco no argumento da necessidade de coordenação política, tendo-se em vista a maximização dos lucros e a
redução dos custos no processo de integração, nessa óptica é fundamental entender as negociações e as barganhas
que acontecem entre os Estados no processo de coordenação política, vez que são as pressões domésticas e externas

5
A nomenclatura do período denominado de “regionalismo pós-hegemônico” pode ser encontrada na literatura como “regionalismo pós-liberal”
(Riggirozzi, 2010).
6
O “regionalismo velho” é também mencionado por outros autores, como José Antonio Sanahuja (2009), como “regionalismo intervencionista” ou
“regionalismo fechado”. De maneira a não estigmatizar o momento histórico, utilizar-se-á a nomenclatura “regionalismo velho” para determinar o
período do pós-Segunda Guerra Mundial até os primórdios dos anos 1990, quando do início do “new regionalism”.
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que determinam as preferências dos Estados. Quanto mais acordos de integração existirem entre os países, menores
serão os custos das transações. Por este motivo, é mais importante cooperar do que não o fazer, sendo os Estados os
atores racionais e centrais do processo. Nota-se que a integração em si não acarreta mudanças dos interesses, mas sim
o fortalecimento do interesse individual dos Estados (Moravcsik, 2002).
Tais teorias ascenderam as análises regionais para além do entendimento realista das relações entre Estados,
teorizando-se o modo como essas relações formavam-se em nível regional e quais suas implicações para as relações e
a economia política internacionais de uma maneira geral. Com a transição do “velho” para o “novo regionalismo”, a
diferenciação entre ambos os momentos teóricos vai além da dicotomia entre os períodos, porque reflete a mudança
estrutural do mundo.
A segunda onda do regionalismo leva ao ressurgimento do regionalismo nos estudos acadêmicos, sendo
extremamente relevante para as relações internacionais, desde seu aparecimento até a atualidade (Schulz, Söderbaum,
Ojendal, 2010: 430). O novo regionalismo não somente recupera a notoriedade dos estudos do regionalismo, como
também contempla novos fatores que não mais poderiam ser explicados sob a égide do velho regionalismo. Por
essa razão que (nos primórdios dos anos 1990) região, regionalismo e regionalização tornaram-se proeminentes nos
estudos de política internacional de uma maneira inovadora. Hettne e Söderbaum (1999: 3) elencam, como principais
fatores desencadeantes dos estudos regionais, a transformação da estrutura mundial de bipolar para multipolar, a
ascensão dos Estados Unidos como potência única no sistema mundial com o término da Guerra Fria, ainda que
acompanhada do surgimento de inúmeros outros atores com papéis fundamentais no novo sistema internacional que se
formava; a erosão do estado de bem-estar e o crescimento da interdependência e da globalização; e o comportamento
diferenciado dos países em desenvolvimento e pós-comunistas acerca do sistema econômico e político globalizado.
Enquanto o velho regionalismo entre 1950 e meados dos anos 1980 representa formas regionais de regulamentação de
mercados e tarifas elevadas, em meio a regimes ditatoriais, o novo regionalismo emergira diante de novas formações
regionais vinculadas à transnacionalização do comércio e da produção, bem como em face da liberalização progressiva
dos mercados, sobretudo latino-americanos (Hettne, Söderbaum 1999: 7).
Em função de fatores e acontecimentos históricos que propiciam o novo regionalismo e auxiliam em sua
transição desde o velho regionalismo, Ethier aponta três principais diferenças entre ambos os momento: o aumento da
liberalização multilateral do comércio de bens manufaturados em países industrializados; o fato de que dezenas de países
economicamente menos avançados abandonaram políticas econômicas anteriores, aderindo ao sistema de comércio
multilateral; e o aumento da importância do investimento direto. Certamente essas três diferenças fundamentais advêm
como efeito de importantes transformações na economia e nos quadros institucionais e tecnológicos mundiais (Ethier,
1998: 1149). Ethier (idem, p. 1150) mensura seis pontos principais que caracterizaram o novo momento histórico: a
maior proximidade entre países desenvolvidos e em desenvolvimento (integração norte-sul); a autonomia de Estados
menores no estabelecimento de reformas unilaterais; a liberalização econômica efetuada de maneira cautelosa; a
liberalização alcançada principalmente em países pequenos, e não pelos grandes, graças a acordos unilaterais; os
acordos regionais, que geralmente envolvem integração profunda; e o fato de que acordos regionais são geográficos,
no sentido de que os participantes são vizinhos.
A nova percepção da melhor estratégia de desenvolvimento estimula a formalização de acordos bilaterais
de livre comércio entre países latino-americanos, nos moldes das grandes iniciativas de integração ocorrida em
outros lugares do planeta (Serbin, 2011). Frente a este contexto, a teoria do “novo regionalismo” surge, ainda que
prematuramente, enquanto análise mais profunda do que a já decantada pelo neofuncionalismo. Em vista do alto
número de regionalismos que se conformaram à época, a ótica do novo regionalismo impulsiona a emergência das
regiões nas negociações internacionais e nos processos de regionalização (Hettne, Söderbaum, 1999: 5).
Nos anos 1990, a primeira fase do novo regionalismo defende a conformação de integrações regionais, sob o
viés de aberturas comerciais unilaterais dentre os países latino-americanos, bem como com o restante do mundo, de
maneira que o livre mercado fosse melhor viabilizado e, consequentemente, o desenvolvimento alcançado. De maneira
geral, o intuito da integração entre os países à época era o de propor alianças que viabilizem, de maneira mais satisfatória,
os processos comerciais que se apresentam, propiciados pelas condutas políticas e econômicas então disseminadas.
Contudo, a criação de inúmeras iniciativas regionais resultara em fragilidade do sistema no final dos anos 1980, por
não promoverem a autoridade delas em nível regional para a tomada de decisões (Malamud, 2010: 641). Por essa razão
que a institucionalização promovida no início dos anos 1990 sofreria uma reconfiguração. Foi através do Consenso de
Washington, em 1989, que estratégias de cunho liberal, visando melhorar a inserção internacional dos atores estatais
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e não estatais, incluindo-se empresas privadas e multinacionais, foram disseminadas. Tal fato ocorrera em um mundo
multipolar, livre dos delineamentos estratégicos do bipolarismo, e voltado para as três regiões econômicas dominantes
à época: Europa, América do Norte e Ásia Oriental (Boas, Marchand, Shaw, 1999: 897). Os processos de reativação de
parcerias centro-americanas, andinas e caribenhas passam a receber maior atenção por parte dos países do continente,
concomitantemente às novas políticas econômicas, comerciais e sociais adotadas (Sanahuja, 2009: 64).
O contexto de globalização trouxe à tona processos de regionalização que se conectam às mudanças estruturais
do mundo (Boas, Marchand, Shaw, 1999: 898). Nesse âmbito, o regionalismo aberto visa combinar a abertura econômica
com o elemento preferencial dos países membros dos grupos regionais, promovendo-se melhorias na competitividade
e na eficiência econômica. No âmbito político, por sua vez, busca-se fortalecer a capacidade dos estados membros
de cada grupo regional na gestão das interdependências regionais, além de assegurar as governabilidades internas
(Cienfuegos, Sanajuha, 2009: 16). Mas era um regionalismo fragmentado, composto por Estados que em parceria
buscavam maximizar seus benefícios, mas sem desconsiderarem interesses nacionais (Serbin, 2011). Partindo-se dessa
visão macro, em convergência com o que ocorria nos demais continentes, na América Latina cria-se a Associação Latino­
‑Americana de Integração (ALADI), de cunho intergovernamental, que visava contribuir com a promoção da integração
da região latino-americana, garantindo seu desenvolvimento econômico e social. Modifica-se a Comunidade Andina
das Nações (CAN), criada em 1969, e cria-se o Mercosul (ou Mercosur), em 1991, quando da assinatura do Tratado de
Assunção, ainda que negociações bilaterais entre Brasil e Argentina já estivessem em transcurso desde 1986, quando
do programa de Integração e Cooperação econômica (PICE). Tais iniciativas promotoras do desenvolvimento regional
visavam facilitar os impactos do mundo globalizado que se vislumbrava, com a lógica de viabilizar-se a abertura e a
adaptação dos mercados domésticos dos países sul-americanos, de uma forma que gere segurança interna e externa,
refletindo novo formato regional que se propagava pelo mundo (Sanahuja, 2009: 64).
O chamado “regionalismo aberto” visava facilitar os impactos do mundo globalizado que se vislumbrava,
com a lógica de viabilizar-se a abertura e a adaptação dos mercados domésticos dos países sul-americanos, sendo as
organizações regionais meios de promoção desse ideal. Além do Mercosul e ALADI, no continente Latino-Americano
também se instaura o Sistema de Integração Centro-Americana (SICA), entre 1991 e 1993, e se reativa o Pacto Andino
em 1991 para a construção de zona aduaneira. A aproximação entre países resulta em inúmeros trabalhos conjuntos,
gerando-se regras e estabelecendo-se acordos, como também uma dinâmica de interesses recíprocos e percepções
sincronizadas dos desafios externos (Sanahuja, 2009). Para alcançar-se objetivos conjuntos e individuais, a integração
atinha-se também a investimentos externos estrangeiros e empresas transnacionais. Devido ao enfoque liberal, tais
iniciativas, em comunhão com os grupos regionais criados, favorecem o intercâmbio produtivo na região (Braga,
2001: 19). Inclusive, o próprio Mercosul, no Tratado de Assunção, expõe seu grande interesse na integração produtiva
de seus países membros.
A abertura a terceiros não impediria a existência de um componente preferencial regional. Logo, havendo
essa preferência, regras comuns passariam a ser adotadas com relação a origem, serviços, invenções, salvaguardas,
propriedades intelectuais, dentre outras, sendo coordenada por uma política comercial comum (Sanajuha, 2009: 66).
Ainda que estratégias e organizações regionais fossem criadas, a região recebe mais atenção, no que Jan Jinbergen,
economista holandês, chama de integração negativa. Ou seja, foi dada mais relevância às liberalizações comerciais
intragrupos do que às políticas comuns e na construção de instituições (integração positiva) (Sanahuja, 2009: 67).
Ainda que negociações fossem realizadas, algumas barreiras persistiam, tornando as transações comerciais desiguais. O
intergovernamentalismo explica também outro fator que resulta em dificuldades durante o regionalismo aberto. Na época,
na visão dos críticos, a liberalização comercial foi considerada mais importante do que políticas de desenvolvimento.
Por esse motivo, não se explorou o potencial que a integração poderia ter resultado, como nas áreas de infraestrutura,
políticas de ciência e tecnologia, de inovação e desenvolvimento produtivo, política regional e de energia.
Ainda que o objetivo das iniciativas regionais na América Latina, quando do regionalismo aberto, fosse a maior
eficiência produtiva, melhores expectativas dos agentes, maiores possibilidades de investimentos e maior difusão
tecnológica entre os países do bloco econômico, Sanahuja explica que o comércio inter-regional não alcançara, em
sua totalidade, os objetivos pretendidos. Os índices de exportações na região foram baixos de maneira geral, sendo
que a maior parte das exportações regionais se concentrara em produtos primários, com menor valor agregado e, no
comércio inter-regional, a maior parte das exportações fora de manufaturados, com maior valor agregado; gerando­
‑se cadeias produtivas, bem como pequenas e médias empresas (Sanajuha, 2009: 67). A criação do bloco econômico
não impulsiona reformas estruturais no campo social (Cervo, 2000; Castañeda, 1994: 19). Contudo, a conformação
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das iniciativas regionais e o estabelecimento de parcerias comerciais criam elevado número de intercâmbios. Houve
o favorecimento da internacionalização das empresas latino-americanas, seja com capital nacional ou subsidiadas
por empresas estrangeiras (Sanahuja, 2009: 69). Contudo, o regionalismo rápido e caracterizado pelo intergoverna-
mentalismo, prevalecendo muitas vezes a ideia de soberania nacional, em detrimento de delinear competências a órgãos
comuns, acaba por privar aos processos de integração regional adequados mecanismos decisórios, de legitimidade e de
controles. A integração se torna vulnerável (idem: 70).
Quando das sucessivas crises financeiras asiática (1997), brasileira (1998) e argentina (2001), o declínio do
regionalismo aberto torna-se eminente. Por outro lado, houve nos anos 2000 o retorno da vertente desenvolvimentista,
fortalecida pela crise econômica nas economias latino-americanas (Smith, 2005). Teve-se a conformação de um
regionalismo pós-hegemônico cujas agendas oscilam entre temas integracionistas, condutas claramente antiliberais e
coalizões de países ideologicamente afins ( Veiga, Ríos, 2007). Em meados dos anos 2000, o modelo do regionalismo
aberto passa por uma redefinição. As crises ocorridas no final da década de 1990 e no início do novo século resultam
em mudanças contextuais nas integrações regionais, com enfoques distintos dos anos anteriores, que caracterizam
outro momento do novo regionalismo: o denominado “regionalismo pós-hegemônico” (Sanahuja, 2009: 74).
Logo de início, esta nova fase do regionalismo representara o palco de negociações multilaterais no âmbito
comercial, por meio da reconfiguração política que ocorria à quase todos os países da região (Serbin, Martínez,
Ramanzini Júnior, 2012), com politização da agenda regional que impulsiona temas sociais ao lado de interesses
comerciais. Destarte, o regionalismo pós-hegemônico não pode ser entendido da mesma forma que o regionalismo
aberto. Aquele, de fato, representa nova etapa da integração regional. O regionalismo pós-hegemônico considera­
‑se como período de transição, sem um modelo regional claro, mas com alto de grau de politização e agendas
diversificadas. Tal complexidade, na prática, dificultara o processo de negociação e a tomada de decisões consensuais
dos países participantes (Sanahuja, 2009: 76). O novo momento abarca um número elevado de iniciativas e de
processos. O novo modelo de integração, com sua dimensão de reestruturação global e regional, constituída de
diversos atores estatais e não estatais, dava primazia às questões sociais, mas era pluridimensional, pois mesclava,
nas agendas regionais, as dimensões econômica, política, de segurança, de meio-ambiente e, sobretudo, de temas da
sociedade civil (idem: 75).
Os países do Mercosul, longe de abandonarem a disciplina defendida no modelo anterior, continuam
esforços no sentido de delinearem os procedimentos para a transição ao regime de convergência macroeconômica. A
organização dos interesses e da composição dos win-sets dos principais países membros (Argentina e Brasil) ocorre
pelas articulações políticas domésticas, que se refletem regionalmente (Oliveira, 2003). A mudança do regionalismo
aberto ao regionalismo pós-hegemônico implica em nova perspectiva para o conceito de soberania, que agora ultrapassa
o âmbito dos governos nacionais, abrangendo-se novos atores como representantes políticos dos países, organizações
intergovernamentais, sociedade civil e grupos organizados de cidadãos (Legler, 2013: 327). A criação do Fundo de
Convergência Econômico do Mercosul (FOCEM), em 2004, demarca novo momento, no qual infraestrutura, geração
de empregos e integração produtiva passam a vigorar com maior assiduidade nas agendas do bloco. Também com a
criação do Programa de Integração Produtiva do Mercosul (PIP), em 2007 e, mais recentemente, do Plano Estratégico
de Integração Social (PEAS), em 2011, fica demonstrado que o Mercosul, que se configura, tem agora caráter mais
híbrido do que o vislumbrado durante o regionalismo aberto. Nesse tipo de regionalismo, a ação é mais estratégica,
enviesada para os chamados regionalismo social e regionalismo produtivo (Briceño Ruiz, 2013: 25).7
A nova fase do regionalismo representa, portanto, novo palco de negociações multilaterais no âmbito
comercial, por meio da reconfiguração política que ocorrera à quase todos os países da região, havendo uma
politização da agenda regional, de maneira a incitar o surgimento de temas de desenvolvimento, além de interesses
comerciais (Serbin, Martinez; Ramanzini Júnior, 2012). No regionalismo pós-hegemônico, a maior participação da
sociedade civil na integração regional deu-se por mecanismos de consulta instaurados e cúpulas sociais criadas, de
maneira que questões sociais pudessem ser deliberadas. O regionalismo pós-hegemônico emerge como reconstrução
do novo regionalismo de acordo com interesses e motivações dos atores estatais e não estatais envolvidos (Tussie
Riggirozzi, 2012: 2). Na próxima seção, veremos como o Mercosul se transformou frente à essas alternâncias,
tornando-se o que hoje é.

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Sanahuja (2009: 74) listas diversas características que representam a nova proposta regional.
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8 Trajetória do MERCOSUL: do regionalismo aberto ao regionalismo pós-hegemônico

3. O MERCOSUL COMO INSTRUMENTO DE INTEGRAÇÃO REGIONAL

O Mercado Comum do Sul contribuirá para a conformação do regionalismo latino-americano (Briceño Ruiz,
2011: 9). Originalmente criado como um bloco econômico, em meio ao denominado “regionalismo aberto”, cujo
intuito principal era o de promover o livre comércio e a inserção de seus membros na economia mundial, de maneira
que pudessem competir e se alinhar aos demais países no ambiente de abertura de mercados pelo Consenso de
Washington, o Mercosul notabiliza-se, de início, por seu enfoque estratégico. Alternâncias, regionais e mundiais,
conformaram o Mercosul como modelo de integração híbrido, caracterizado por três diferentes regionalismos:
o estratégico, delineado desde o Tratado de Assunção; e regionalismos social e produtivo, estes dois últimos mais
notórios no período do regionalismo pós-hegemônico.
No início dos anos 1990, mudanças iminentes auxiliaram a conformar o cenário de integração regional que
marcou a América do Sul (Hettne, Söderbaum, 1999: 3). Houve grande fomento de cooperações regionais à época
(Ethie, 1998: 1217). Ademais, questões atinentes à democracia, nos planos cultural e social, também se fizeram presentes
nos estudos do regionalismo do continente. O Mercosul nasce como simples organização intergovernamental, sem
instituições supranacionais (Corranza, 2011: 29). A cooperação entre os países envolvidos, galgada ano a ano, fora
relevante para o processo regional, sendo o período entre 1979 e 1991 crucial para o fomento dessas dinâmicas
(Gardini, 2010: 3). Processos de globalização financeira e de reestruturação produtiva que se instauraram no início
dos anos 1980 vieram a complementar as iniciativas neste âmbito (Oliveira, 2003: 54). Da assinatura do Tratado de
Integração, Cooperação e Desenvolvimento pela Argentina e pelo Brasil, em 1988 e ratificado em 1989, 12 protocolos
iniciais foram assinados, e outros 24 que abrangem diferentes temas, tais como bens de capital, trigo, produtos
alimentícios industrializados, indústria automotriz, cooperação nuclear, transporte marítimo e transporte terrestre. O
auge do processo de aproximação foi atingido em julho de 1990, com a assinatura da “Ata de Buenos Aires” visando
uma zona de livre comércio, mediante redução geral, linear e automática das tarifas aduaneiras, para então culminar
na criação de uma união aduaneira (Briceño Ruiz, 2013: 18). Sobre o desenvolvimento do Mercosul, identificam-se
quatro etapas específicas, com enfoques e perfis distintos: i. 1991-1994: iniciativas de desenvolvimento e de transição
com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto no final do período; ii. 1995-1998: reforço e continuidade das metas
estabelecidas no primeiro período; iii. 1999-2003: período de crise do Mercosul, marcado por alternâncias políticas e
oscilações econômicas; e iv. a partir de 2003: o “novo Mercosul”.
Desde seu início, sobretudo na década dos anos 1990, o Mercosul apresenta um perfil estratégico que
o caracterizara como um regionalismo aberto visando promover melhor inserção de seus países no comércio
internacional (Corraza, 2006: 136). Depois veio o regionalismo estratégico, que se oporia ao regionalismo aberto ao
substituir políticas protecionistas pela abertura comercial. Contudo, pode-se pensar que um modelo complemente
o outro (Briceño Ruiz, 2013: 15). Tendo um viés particularmente comercial, cujo objetivo principal é a promoção
da liberalização comercial e a integração à economia mundial, o regionalismo estratégico ainda mantém a ideia de
proteção, mas apenas de setores considerados estratégicos (Gardini, 2010).
Assim, o modelo estratégico combina o fomento dos fluxos comerciais e a expansão das parcerias
internacionais com a defesa estratégica de segmentos das economias integradas (Gardini, 2010: 143). Outra
característica do regionalismo estratégico é a existência de um país líder, que encabeça grande parte das negociações
regionais, promovendo condições favoráveis para a expansão da integração, criando mecanismos favoráveis para
o fomento das atividades das empresas multinacionais. No caso latino-americano, a Argentina e o Brasil, como
principais atores políticos e econômicos sul-americanos, lideraram a integração regional, tendo o Brasil maior
destaque com o passar dos anos.
A primeira fase do Mercosul, a qual abrange o período de 1991 a 1994, teve um perfil majoritariamente
estratégico, ainda que tenha precisado adequar-se, de maneira pouco enfática, às pressões sociais. Para tanto, surgiram
canais de participação de setores não-governamentais no processo de integração regional. De maneira a amenizar a
lacuna existente entre a sociedade civil e os grupos e comitês estatutários do Mercosul, atuou-se por meio da criação
de escopos nos quais temas fossem debatidos. A segunda fase do Mercosul, de 1995 até 1998, reforça de maneira mais
consistente os ideais estabelecidos na primeira etapa, definindo-se como um momento decisivo para a história do
bloco, iniciado a partir do estabelecimento do Protocolo de Ouro Preto. Com iniciativas de conformação institucional e
diplomacia presidencial, liberalização gradual das barreiras tarifárias e instituição de uma Tarifa Externa Comum (TEC)
no Protocolo de Outo Preto, nova fase se inicia abarcada de expectativas, as quais incitaram a reformulação das metas e
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dos prazos estabelecidos em 1991 (Corranza, 2011: 38). Houve também certo dinamismo na atuação do setor privado
no decorrer do período. Associações empresariais e de cooperação setorial foram criadas por diversas categorias,
destacando-se o setor industrial.
No plano interno ao bloco, o período não esteve isento de atritos entre as partes, provocados por pressões de
segmentos que se sentiam lesados pelo ritmo e a intensidade do processo de relaxamento das barreiras tarifárias. Tais
desavenças adquiriram maior intensidade na fase subsequente, de consolidação da união aduaneira, quando barreiras
não-tarifárias se somaram às anteriormente existentes. Tais fatos demonstram que a livre circulação de bens prevista no
Tratado de Assunção, aditadas do elevado número de investimentos externos diretos que o Mercosul atraiu aos seus
países membros, estavam apresentando resultados extremamente positivos (Briceño Ruiz, 2013: 219). Oliveira refere­
‑se ao “discurso”, à retórica, por um lado, e ao projeto posto em prática no escopo do Mercosul (Oliveira, 2003: 72-73).
Como reflexo desse período de transição da primeira para a segunda fase, o Mercosul estabeleceu uma Tarifa
Externa Comum (TEC), a qual o definiu como uma união aduaneira, objetivo este previsto desde sua criação. Contudo,
o número de produtos que não faziam parte da nomenclatura aduaneira comum era elevado, o que tornava o bloco
regional uma união aduaneira imperfeita. Com a TEC estabelecida e objetivos definidos para os próximos anos, a união
aduaneira imperfeita do bloco e os resultados positivos apresentados nos seus primeiros anos, acabaram por conferir
grande notoriedade ao Mercosul, como modelo de integração regional. Aparentemente viáveis, as políticas adotadas
não pressupunham uma das principais características do regionalismo aberto: a interdependência. Ou seja, apesar da
real necessidade de ajustes serem efetuados, a economia nacional e, consequentemente regional, ficava suscetível às
vicissitudes do sistema econômico internacional, além de reforçar a interdependência financeira (Gilpin, 2002). Apesar
de não alcançar os resultados financeiros esperados, pois fora embasada no propósito comercial, acrescido do viés
social, o qual, mesmo que tímido de início, inseriu-se de maneira permanente na pauta do bloco, essa segunda fase do
Mercosul teve perfil mais político. Neste âmbito, destacam-se a assinatura do Protocolo de Ushuaia, em 1998, no qual
o compromisso democrático no Mercosul foi regulamentado; e a expansão da agenda externa comum, ampliando as
negociações internacionais com os demais blocos regionais.
Todos esses acontecimentos auxiliaram na conformação do Mercosul que emergiria anos depois. Retomando
a questão econômica e a estratégia regional na qual o Mercosul era utilizado como um mecanismo para cada país
resolver problemas internos. Faltou a participação mais incisiva dos Estados, da sociedade civil e dos demais setores no
desenvolvimento de projetos de fortalecimento regional, os quais poderiam, inclusive, reduzir a fragilidade dos países
frente às dinâmicas internacionais. O final dessa segunda fase é marcado não pela crise interna do bloco, mas por crises
internacionais que acabaram por afetar à economias da região. A coordenação governamental dos países membros do
Mercosul em prol da integração e cooperação regional, antes já instável, sofreu mais impactos após inúmeras crises
que se desencadearam (Malamud, 2004: 38). Violações da TEC foram promovidas pelo governo argentino de maneira
a fomentar a economia nacional e culminaram na diminuição do comércio intrarregional e no enfraquecimento das
relações políticas do Mercosul (Briceño Ruiz, 2013: 23). Nesses anos de crise do Mercosul, nota-se mudanças no
modelo de regionalismo que resultaram no “novo Mercosul”, como será exposto na próxima seção.

4. O NOVO MERCOSUL

O regionalismo latino-americano a partir dos anos 2000 mostra uma complexidade maior frente ao de
outras regiões. De um modelo estratégico com fortes tendências de liberação comercial e enfoque preponderante
em temas econômicos, neste século emerge com dimensões diversas que se refletiram substancialmente no escopo
do Mercosul ( Vigevani, Mariano, Oliveira, 2001). Tal perfil não se desenvolvera por acaso, mas devido a todas as
influências e alternâncias sofridas pela região ao longo das últimas décadas. Afinal, o regionalismo se transmuta por
meio das integrações econômicas, políticas e sociais que, por conseguinte, definem os tipos de interação e as maneiras
como os processos de regionalização são construídos. Dessa maneira, o Mercosul também se modifica ao longo
dos anos, adotando uma caracterização híbrida, posto que se adequara à nova realidade da América do Sul, quando
da transição do regionalismo aberto ao regionalismo pós-hegêmonico (Tussie, Riggirozzi, 2012: 25). Seu modelo
institucional intergovernamental, tendo os Estados membros, sobretudo os maiores e mais fortes economicamente,
como os principais articuladores nas negociações intra e extrabloco, foi de suma relevância na definição dessa nova
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10 Trajetória do MERCOSUL: do regionalismo aberto ao regionalismo pós-hegemônico

fase do Mercosul. Afinal, a cooperação entre os Estados é fundamental, em vista de realizarem a coordenação política
intrabloco, cujas preferências são determinadas por pressões domésticas e externas (Moravcsik, 2002).
As primeiras fases, com enfoques majoritariamente estratégicos, definiram, concretizaram, desenvolveram
e reforçaram o perfil comercial delineado pelos Estados membros do Mercosul, o qual teve forte influências das
condutas “neoliberais” disseminadas pelo Consenso de Washington. O liberalismo auxiliou, e muito, na conformação
das iniciativas regionais e no estabelecimento de parcerias comerciais, que criaram um elevado número de intercâmbios,
promovendo-se a convergência entre os grupos e o fomento da integração regional (Ethie, 1998). Apesar dos benefícios,
ao final dos anos 1990 a fragilidade do modelo começa a transparecer. Os problemas econômicos, a insatisfação social
e a fragilidade do bloco regional serviriam como incentivo para o novo momento histórico que emergia. Não somente
delinearia a transição do regionalismo aberto ao regionalismo pós-hegemônico latino-americano, como também
impulsionaria a revisão institucional do principal bloco regional sul-americano. Com todas as experiências adquiridas
e no novo contexto global e regional, deu-se a transição, com novos projetos promovidos no escopo do chamado
“novo Mercosul”.
Em 2000, os países do bloco assinam à Declaração do Milênio que derivou nos Objetivos do Desenvolvimento
do Milênio, o qual significou o compromisso conjunto na consecução dos objetivos de crescimento, diretamente
vinculados com aos de inclusão e coesão social, que dão fundamento à preocupação social no âmbito do Mercosul
que se remodelava. Contudo, tal iniciativa não conteve a insatisfação da sociedade civil (Serbin, 2012). O retorno da
vertente desenvolvimentista deu-se por meio da ascensão de representantes políticos de ideologias e de condutas
divergentes das então praticadas.
O período de “anos de crise do Mercosul”, que culminaram na transição do regionalismo aberto ao pós­
‑hegemônico, e no surgimento de um Mercosul com dimensões além da comercial, assiste à tomada de medidas
unilaterais, principalmente por Brasil e Argentina, em vista das crises financeiras internas (Sanahuja, 2012). A
desconfiança entre os países à época, a disputa comercial e política entre os dois principais países do bloco, bem como
a desconfiança da sociedade civil contribuíram fortemente para a vulnerabilidade do Mercosul (Oliveira, 2003: 53). A
fase posterior ao modelo integracionista do regionalismo aberto suscitara uma alteração de paradigma. A integração
regional, fomentada nos anos 1990, mas preterida frente aos fatores da crise, precisou ser reformulada. Com isso, o
período de transição propicia que a América Latina reinvente suas agendas regionais. Da mesma maneira, o modelo
regional altera-se novamente, como ocorrera da transição do regionalismo velho ao novo regionalismo no final dos
anos 1980. Como resultado, tais mudanças em muitos destes países culminam no ressurgimento do nacionalismo
econômico e na conformação de um regionalismo diferenciado, cujas agendas oscilariam entre temas integracionistas,
condutas claramente antiliberais e coalizões de países afins ideologicamente ( Veiga, Ríos, 2007).
Na primeira década dos anos 2000, a nova fase do regionalismo representa o palco de negociações multilaterais
no âmbito comercial, por meio da reconfiguração política que ocorria à quase todos os países da região, havendo o
retorno do Estado forte e de agendas políticas e de desenvolvimento regionais, consequentemente uma politização
da agenda regional, de maneira a estimular-se o surgimento de mais temas políticos e de desenvolvimento regional,
sobrepondo-se a interesses comerciais indissociáveis, ainda que eles ainda estivessem presentes (Serbin, Martínez,
Ramanzini Júnior, 2012). Este contexto histórico resulta em novo ciclo, no qual se dá o embate entre os modelos
antigos e as novas ideias; entre a regressão dos modelos políticos até então vigentes e o fortalecimento da democracia
(Cardoso, 2007), havendo uma maior cautela quanto às liberalizações unilaterais. É nesse cenário que o regionalismo
aberto se adapta às transformações econômicas e políticas ocasionadas pela transição, a princípio ideológica, tornando­
‑se, em comunhão com as vicissitudes atinentes às necessidades sociais e ao embasamento institucional dos países, o
regionalismo pós-hegemônico, posto que as novas lideranças sul-americanas tinham como discurso superar a etapa
“neoliberal”, empregando-se um enfoque anti-hegemônico, consolidando-se a democracia e o estado de direito,
caracterizados como inclusão (Serbin, 2012: 81).
A nova expressão do Mercosul conforma-se a três regionalismos diferentes: o estratégico, explanado na seção
anterior, que consta nos objetivos de criação do bloco no início dos anos 1990; e os regionalismos social e produtivo,
embriões já existentes na década anterior, mas que agora farão parte constante dos discursos dos novos líderes dos
países que compõe o bloco. Com efeito, a partir de 2002 a cooperação regional se fez de suma relevância para o
desenvolvimento unilateral e, em especial, para a melhoria dos países que compõe o Mercosul (Briceño Ruiz, 2013: 10).
No novo momento do regionalismo, o retorno do Estado e a eleição de representes políticos eleitos democraticamente
e, em sua maioria, de cunho esquerdista, conformaram a chamada “agenda de desenvolvimento”, a qual implica em
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maior abertura à participação social. Como reforço a essas mudanças, em 2000 o programa de relançamento do bloco
regional foi anunciado durante a XVII Cúpula do Mercosul (idem: 144). Nesse contexto, consolida-se a dimensão social
do bloco, por meio do novo discurso integracionista, que busca igualar ou até mesmo superar a dimensão comercial.
Com discursos contrários e críticos ao neoliberalismo, reforçara-se a necessidade de se retomar questões sociais e de
se estabelecer uma “agenda de desenvolvimento” comum aos países membros do Mercosul, com participação mais
ativa da sociedade civil. O marco da transição à quarta etapa se deu quando da assinatura, em 2003, do Consenso de
Buenos Aires, que de fato promulgou o surgimento do “novo Mercosul” (idem: 153). Nessa nova fase do regionalismo
no continente, o enfoque social e de desenvolvimento igualitário e conjunto, promulgado por tais representantes
políticos, bem como por demais grupos de pressão, estiveram mais presentes nos discursos do que em resultados
práticos. Os governos, a partir de 2003, fomentaram alianças políticas para o desenvolvimento de projetos sociais e
produtivos de interesse da sociedade organizada, mas sem que os atores desta fizessem parte das negociações e da
instituição Mercosul em si (Serbin, 2012: 81).
Adentrando sua quarta fase de desenvolvimento, o Mercosul assiste à ascensão do regionalismo pós-hegemônico
latino-americano. Novas propostas de revisão do modelo de integração instaurado desde o Tratado de Assunção foram
postas em pauta (Gardini, 2011, p. 72). A terceira e quarta fases de desenvolvimento do Mercosul se finalizam e se
iniciam, respectivamente, com o retorno do Estado e a ascensão de representes políticos eleitos e, em sua maioria, de
cunho esquerdistas nos países membros do Mercosul, tendo como sua principal representação simbólica a assinatura,
em 2003, do Consenso de Buenos Aires. O modelo de aliança estratégica que o referido Consenso representa propôs a
implementação de uma união aduaneira (posto que até aquele momento o modelo econômico do Mercosul ainda era
considerado uma “união aduaneira imperfeita”) e a conformação de um mercado comum. E também o fortalecimento
da coordenação nas negociações internacionais; e a A promoção da cooperação para garantir um espaço de segurança
comum e de vigilância dos ilícitos na região (Bizzozero, 2004: 134, apud Briceño Ruiz, 2007: 195).
A diversificação apresentada nas agendas regionais torna a institucionalização do bloco dificultosa, sendo que
muitas resoluções que fortaleceriam o continente internacionalmente, acabam por serem postergadas, e os mecanismos
de consulta abertos à sociedade civil, atenuados (Lima, 2013). A participação social nas chamadas “Cúpulas Sociais”,
sejam individuais ou por meio de demais organizações de promoção social, como o Somos Mercosul, que viabilizam
aos cidadãos terem acesso ao Mercosul, além de reforçarem essa nova fase do bloco, de abertura social no período
do regionalismo pós-hegemônico, auxilia no processo democrático sul-americano e promove a institucionalização do
bloco regional (Bell, O’Rourke, 2007: 295). Em que pesem os discursos, na prática as ações não apresentaram resultados
significativos. A inclusão de objetivos sociais e produtivos implicou em uma reforma do modelo de regionalismo
estratégico dos anos 1990, contudo sem excluí-lo do bloco. De qualquer maneira, questões sociais e produtivas
moldaram o novo regionalismo latino-americano e estiveram sim presentes no âmbito do Mercosul, por meio de suas
representações políticos e projetos instaurados, provendo ao “novo Mercosul” uma caracterização híbrida. Ainda que
a supranacionalidade seja a solução para o avanço do bloco e a consecução dos projetos elaborados de maneira mais
assertivas (Corranza, 2013: 55), nota-se que mudanças nos discursos e em algumas ações têm ocorrido, mas a função
do Mercosul permanece sendo a mesma, mutável apenas de acordo com os interesses dos países mais relevantes
econômica e comercialmente do bloco, sofrendo por esta dentre outras razões, um forte retrocesso comercial.
Problemas no que tange a emprego, às assimetrias entre setores produtivos de diferentes países e à formação de
cadeias produtivas são apontados como algozes do projeto regional (Serbin, 2012).

5. CONCLUSÃO

De acordo com o conceito de regionalismo estudado e sua relevância nos estudos regionais, os países que
compõe o Mercosul passaram por inúmeras mudanças e influências, internas e externas, as quais incitaram processos
de regionalização que, dadas as características da região, conformaram um regionalismo latino-americano atual de
grande complexidade. Ainda que tal característica infira em uma trajetória futura incerta, parece também haver uma
série de fatores que apontam para uma maior racionalização, consolidação e aprofundamento do regionalismo em
médio e longo prazo. O bloco econômico, buscando o desenvolvimento, atentou-se às transformações do mundo
perante a globalização e transmutação do sistema internacional, bem como aos interesses regionais, adequando-se aos
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12 Trajetória do MERCOSUL: do regionalismo aberto ao regionalismo pós-hegemônico

períodos neste escopo estudado, do regionalismo aberto ao regionalismo pós-hegemônico, na América Latina. Assim,
com as alternâncias políticas na região e o fortalecimento da agenda do desenvolvimento sob a égide da sociedade
civil participativa, dando continuidade ao iniciado no regionalismo aberto, o recente novo Mercosul pode ser definido
como hibrido, porque acopla o regionalismo estratégico, vigente desde sua criação, quando do estabelecimento do
Tratado de Assunção. É justo dizer que a conformação do atual Mercosul é a resultante de um processo de adaptação
do bloco aos três processos de regionalismo supracitados, e também que sua evolução afetou de maneira importante
as demais iniciativas de integração na América do Sul. Em constante desenvolvimento, o objetivo de fomento à
comercialização não deixou de ser alcançado, uma vez que as exportações dos Estados membros entre si, regionalmente,
e internacionalmente, cresceram, ainda que não exponencialmente. A explicação para ausência de crescimento ainda
maior aponta para o predomínio de parcerias unilaterais, como com os mercados asiáticos, em particular a China, que
impulsionaram as suas exportações em vários grupos regionais, sobretudo ao Mercosul e a CAN, afetando as cifras
relativas do comércio intrarregional (Sanahuja, 2009). Logo, do ponto de vista econômico, o Mercosul desenvolveu
o comércio intrarregional de maneira significativa durante ambas as décadas, sendo capaz de elevar a região ao perfil
internacional, atuando como um bloco de referência nas relações internacionais.
No que tange às questões sociais e produtivas, enaltecidas sobretudo após 2003, com a assinatura do Consenso
de Buenos Aires pelos dois principais players do bloco, Argentina e Brasil, além de politicamente consolidarem a
democracia nos seus países membros e enaltecerem a importância da participação de diferentes grupos da sociedade
civil nas tomadas de decisões do bloco, buscaram revisar as possíveis falhas ocorridas durante o regionalismo aberto.
Assim, o novo Mercosul visou promulgar e enaltecer o incremento do acordo e a cooperação política para impulsionar
o projeto regional, a inclusão de uma agenda social, a implementação de uma união aduaneira e conformar o mercado
comum, o fortalecimento da coordenação nas negociações internacionais e a promoção da cooperação para garantir
um espaço de segurança comum e de vigilância dos ilícitos na região (Bizzozero, 2004). Desde o regionalismo aberto,
a liberalização comercial foi considerada mais importante do que as políticas de desenvolvimento.
O presente ensaio objetivou analisar a evolução do regionalismo latino-americano, sobretudo confrontando­
‑se as principais características dos modelos de regionalismos no continente, demonstrando que ambos os
regionalismos demarcam os períodos de criação e desenvolvimento do principal bloco econômico da América do
Sul e como determinaram suas transformações e seu desempenho. Com isso, buscou-se demonstrar que o Mercosul
refletiu as transformações econômicas, políticas e sociais ocorridas ao final do século XX, culminando em sua criação,
e transformando-o substancialmente na primeira década do século XXI. Os processos de regionalização fizeram-se
presentes, tornando o regionalismo sul-americano rico e único nos estudos regionais.

REFERÊNCIAS

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