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Análise de Conjuntura | n.2 | fev. 2010
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O conteúdo dessa seção, aqui apresentado sumariamente, foi desenvolvido na minha tese de
doutoramento em Ciência Política, intitulada “Vitórias na crise: trajetórias das esquerdas latino-
americanas contemporâneas”, defendida recentemente no IUPERJ.
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Em boa parte, a literatura especializada se dedicou a renovar o “clássico” modelo de “partidos de
massas” de Duverger (1970) com base nas transformações partidárias ocorridas mais recentemente na
Europa Ocidental – mas pouco se questionou acerca de sua eficácia para outras experiências partidárias
periféricas. Assim, diagnosticou-se a crescente diluição do “partido de massas”, e o surgimento de
variações a partir dele. Surgiram definições como a do partido “agarra tudo” (o catch-all’s people party
de Kirchheimer, 1966, desde então chamado de catch-all) ou o “profissional-eleitoral” (de Panebianco,
1988). Essas definições apontam para a diluição do caráter classista dos partidos; a valorização
progressiva do momento eleitoral em detrimento de seu papel socializador; a conseqüente
profissionalização das estruturas voltadas para a arena eleitoral e o enfraquecimento do papel dos
membros nesse e em outros campos da atividade partidária; a cartelização do aparato estatal que teria
crescente peso como financiador das atividades partidárias em detrimento da militância; e o surgimento
de novos partidos com caráter empresarial com o objetivo de penetrar nos sistemas partidários
cartelizados.
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mais tradicional do termo, na medida em que todas chegaram ao poder pela via
legal e, de uma forma ou de outra, governam dentro dos limites democráticos e,
por outro, elas não caminham com clareza (até aqui) na direção da superação do
sistema econômico-social capitalista. Nesse sentido, ambos os modelos de
esquerda no continente se traduzem em processos de reforma. Mas alguns
propõem reformas sem questionar e superar em definitivo o neoliberalismo,
enquanto outros propõem reformas articuladas com a meta de refundar o “Estado
em torno da esfera pública, de modo a possibilitar a constituição de um novo bloco
de forças no poder e o avanço na resolução da crise hegemônica na direção pós-
neoliberal” (Sader, 2009, p. 129).
Aqui se localizam as diferenças entre os “governos progressistas”. As
esquerdas aqui denominadas “refundadoras” se diferenciaram das “renovadoras”
quanto à reconstrução da institucionalidade e à reconfiguração das relações de
poder e de seus sistemas partidários. Essas diferenças podem ser consideradas de
“fôlego” (ainda que não necessariamente “estruturais” no sentido clássico do
termo), na medida em que vêm produzindo grandes transformações político-
institucionais nesses países. Além disso, nesse processo essas esquerdas adotam
discursos e por vezes práticas mais “rupturistas”, enquanto as “renovadoras” se
mostram mais “gradualistas”.
Moreira, Raus e Leyton (2008) definem de forma interessante as diferenças
advindas disso. Segundo eles, os governos encabeçados pelas esquerdas que aqui
classifico de “refundadoras” tenderiam em primeiro lugar a enfrentar com maior
decisão práticas, pressupostos ideológicos e instituições legadas pelos governos
neoliberais. Nesse sentido, seriam economicamente mais heterodoxos
(especialmente a Venezuela), sem abandonar o “núcleo duro” referido
anteriormente. Em segundo lugar, valorizariam mais as relações com as
subjetividades coletivas e a interpelação de identidades coletivas (principalmente o
“povo” e a “nação”) que individuais (como o “cidadão”). Em terceiro lugar,
procurariam se basear mais na mobilização de manifestações de apoio popular e
nas relações diretas com a população do que em partidos, e possuiriam clara
vocação “hegemonista” (por vezes mais impositiva que negociadora). Nesse
sentido, a política desses países demoraria a se “normalizar”. Esses governos
efetivamente gerariam uma forte polarização política baseada no apoio ou oposição
a eles, que, no entanto, não se traduziu ainda em novos sistemas partidários
estáveis, especialmente por parte da oposição. Em quarto lugar, seriam mais
“decisionistas”, possuindo uma maior tentação na direção da centralização do poder
– sem que isso signifique “transbordar as formas e os limites da democracia” (p.
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chileno. Pode-se sugerir que na medida em que essas metas foram alcançadas a
coalizão não soube reinventar seu projeto, ir além dele. O governo de Bachelet (e
sua aprovação popular) poderia ser entendido como o ponto máximo ao qual a
aliança pôde chegar, e ao mesmo tempo o princípio de sua dissolução. A ascensão
de Bachelet, até então sem projeção na máquina partidária do PSCh, já havia
sinalizado nesse sentido, na medida em que ela constituiu um fenômeno de
popularidade que, ao fim e ao cabo, os partidos da Concertação tiveram que
aceitar. Chegando ao poder, ela governou prescindindo deles, em meio a um
crescente descontentamento da cidadania em relação à política (Huneeus, 2010).
Finalmente, enquanto os partidos de esquerda e centro se viram imersos em graves
crises e divisões internas e presenciaram o esgotamento do projeto
concertacionista, a direita parece ter conseguindo se “reinventar” ao menos ao
menos parcialmente, afastando-se do legado pinochetista, buscando alianças ao
centro e a modernização de seu discurso, calcado em propostas de “mudança”,
incremento do emprego e eficiência administrativa.
Já na Venezuela, nota-se nos últimos meses uma deterioração da situação
política. Como foi dito, o país foi afetado tardia e fortemente pela crise, e
recentemente parece ter havido um efetivo incremento da instabilidade. Em meio a
manifestações oposicionistas crescentes, Chávez parece estar assumindo um tom
mais violento em seus discursos. Enquanto isso, seu governo parece dar sinais de
falência administrativa e de projeto, com a saída de diversos ministros e a
deterioração de serviços públicos. Nesse país, a crise econômica parece guardar
maior relação com esse princípio de crise política. No entanto, mesmo aqui os
problemas do chavismo são muito maiores e mais complexos. Se a crise econômica
afetou mais fortemente esse país, foi porque o governo de Chávez após uma
década não soube reverter a situação de dependência da economia venezuelana em
relação ao petróleo, principal item de exportação do país e que financia a crescente
importação de quase tudo que se consome. Assim, a incapacidade para enfrentar
esse elemento estrutural do país finalmente está cobrando a fatura mais uma vez,
após a derrocada dos preços das commodities no mercado internacional. A isso
parece se somar a insistência do governo em modificar rumos e projetos a todo o
momento, impedindo a normalização do processo de “refundação” e o
desenvolvimento de políticas públicas progressistas que efetivamente enfrentem os
problemas sociais do país.
Com tudo isso, pode-se concluir que a tendência “progressista” permanece
em cena, mas que ela não se manifesta com a mesma intensidade que em seu
princípio. É possível especular que ela vá conviver nos próximos anos com uma
tendência de centro-direita “modernizada”. Esperando que isso não seja um ato de
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wishful thinking, pode-se notar que vai surgindo uma “nova direita” aggiornada –
que poderia ser simbolizada tanto por Piñera quanto por Martinelli. Da mesma
forma que as “novas esquerdas” não superaram totalmente o legado neoliberal dos
anos 1990, preservando alguns de seus aspectos e combinando-os com elementos
progressistas, pode-se esperar que essa “nova direita” mantenha características da
última “década progressista”. Por exemplo, que ela siga investindo nos amplos
programas sociais, que aceite um maior peso do Estado e das políticas anticíclicas,
e que não abandone totalmente os mais recentes projetos de integração da região.
Em suma, uma direita que não poderia mais ser exatamente (ou tão somente)
neoliberal, e muito menos retornar ao seu majoritário autoritarismo anterior.
Assim, minha sugestão é que nos próximos anos vá se travar uma batalha
entre a “nova esquerda” e uma “nova direita”, que não necessariamente deverá
encontrar um claro vencedor. Ambas podem conviver e se alternar no poder. A
expectativa é que uma terceira corrente não se junte a essas duas. Essa terceira
força seria uma nova versão de autoritarismo latino-americano, que poderia se
manifestar nos países mais instáveis da região. Isso se manifestou em Honduras,
onde em junho de 2009 o presidente Manuel Zelaya, eleito pelo Partido Liberal
(PL), mas convertido posteriormente em aliado de Chávez, foi derrubado pelos
militares com o apoio e participação da maior parte dos políticos locais. A razão
alegada pelos golpistas foi a pretensão do presidente de realizar uma consulta
popular (sem caráter vinculante) acerca da possibilidade de reeleição. Algo parecido
poderia se repetir no Paraguai, que vem enfrentando problemas de governabilidade
crescentes. Às previsíveis dificuldades do governo em gerir um Estado dominado
pelo Partido Colorado (PC) por mais de seis décadas e de controlar uma base
parlamentar heterogênea e por vezes hostil, se somou o escândalo da divulgação
de diversos casos de paternidade, ocorridos quando Lugo ainda era bispo. O
presidente já teve que demitir seguidas vezes os comandantes das Forças
Armadas, em meio a um crescente rumor de golpe militar (Domingues, Silva,
2010). Espera-se que o evento hondurenho tenha sido um caso excepcional, e que
não vá inspirar outros processos semelhantes.
Para concluir, considerando que o “ciclo progressista” não será eterno, pode-
se discutir o legado que ele poderia deixar a longo prazo, em termos de
transformações mais propriamente estruturais em suas sociedades. Para isso,
posso retomar algumas chaves analíticas introduzidas anteriormente. Referi-me à
“crise de hegemonia” manifestada em países como a Venezuela, o Equador e a
Bolívia, que estiveram no centro do surgimento de alternativas “refundadoras”
nesses países, propugnadoras de uma reorganização da política. Alternativamente à
utilização do conceito de “populismo” como chave para analisar essas esquerdas e
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Referências Bibliográficas
CASTAÑEDA, Jorge (2006). “Latin America’s left turn”. Foreign Affairs, maio/junho.
HUNEEUS, Carlos (2010). “Las elecciones del 2009 y el peso del continuismo”.
Mensaje, n. 586.
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Entre os casos considerados mais “moderados”, talvez no chileno fosse possível apontar mais
claramente a presença de elementos do que Gramsci chamou de “transformismo”, no qual setores que
pareciam irreconciliavelmente inimigos vão sendo absorvidos a uma ampla classe dirigente.
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MOREIRA, Carlos, RAUS, Diego, GÓMEZ LEYTON, Juan Carlos (coords.) (2008). La
nueva política en América Latina: rupturas y continuidades. Montevidéu: Flacso
Uruguay, UNLa, Arcis, Trilce.
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