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A fundamentação

teórica do
Bolsonarismo e
do Trumpismo
PUC MINAS PROF. CARLOS
29/11/2021 AURÉLIO P. DE FARIA

Alisson Diego Batista Moraes


PPGCS – SPEDC

Foto: Os presidentes do Brasil, Jair Bolsonaro, e dos EUA, Donald Trump, durante a entrevista coletiva na Casa Branca
- Brendan Smialowski/AFP – 2019.
Bolsonarismo
• O sufixo "ismo" designa algo que ultrapassa o
personagem e abarca uma série de expectativas,
percepções e visões de mundo que não se esgotam em
sua figura. Isso sugere que Bolsonaro se tornou o
principal intérprete e o mais conspícuo mediador, no
campo político, de um movimento recente, no plano
das ideias e práticas, que atraiu significativo e
diversificado contingente de brasileiros.

(Helvio Romero/Estadão Conteúdo)


Conjuntura
1. Ascensão da nova direita
2. Mudanças nas condições sociais da comunicação
política e da própria esfera pública brasileira cada
vez mais digital e digitalizada (ALMADA et al),
3. Aversão crescente ao Partido dos Trabalhadores (PT),
que derivou do esgarçamento do modo de gerir o
presidencialismo de coalizão aliado à prolongada
recessão econômica (CARVALHO, 2018).

Manifestação em 2018. Crédito: O Diário


Necessidade de uma abordagem multidisciplinar para
compreender o fenômeno do Bolsonarismo, assim como o próprio
Trumpismo

Brasil Profundo

Deep America
Brasil profundo

• O Brasil real, vivido e


singular, difere
substancialmente de um
Brasil tido como oficial
pelas instituições
especialmente vinculadas
ao Estado e aos
segmentos dominantes da
sociedade brasileira.

Foto: Augusto Pessoa – exposição Brasil


Profundo
• Marcos Nobre (2020) argumenta que o Bolsonarismo, em última instância, é um projeto
autoritário, empreitada de um grupo político que investe contra a Democracia. Encontra-
se nessa análise ecos da obra Como as Democracia Morrem (LEVITSKY; ZIBLATT, 2018)
que contém argumentação sobre a difusão mundial de grupos políticos de viés
autoritário os quais têm conseguido assumir espaços eleitorais significativos e
lentamente solapado as bases institucionais da democracia liberal, tais como a liberdade
de imprensa, a confiança no conhecimento científico e a credibilidade do sistema
judiciário.
• “Bolsonaro trouxe a ideia de que estava na hora de mudar o grupo dirigente, que
estava na hora de submeter o resto do país ao grupo dos ‘autênticos brasileiros’,
do ‘verdadeiro povo’.” (Nobre, p. 17)

• A abordagem de Nobre converge para a visão de Lilia Schwarcz (2018) a respeito


do autoritarismo enquanto característica da cultura política brasileira. A
antropóloga aponta as raízes dessa característica, buscando desfazer uma visão
de que a cordialidade, no sentido cotidiano, seria um elemento perene das
relações sociais brasileiras. A escravidão, o mandonismo, o coronelismo, o
racismo, a desigualdade de gênero, a corrupção e o patrimonialismo seriam, para
ela, aparições do desapreço nacional à democracia.
• Bruno Paes Manso e Pedro Inoue
(2020) aludem acerca do modo
brasileiro no combate ao crime
por meio de facções também
criminosas – aqui reside um traço
da falsa moral do brasileiro e da
cordialidade autoritária –
expressa no tratamento da
polícia a negros e pobres, no jogo
do bicho e nas milícias.
• Camila Rocha (2016), por meio de
pesquisas de campo sobre a nova
direita brasileira, aponta o quanto
esses novos agrupamentos
políticos constroem laços
identitários e emocionais que
extrapolam simplesmente a política
enquanto luta instrumental pelo
poder:
• A percepção de que a militância de direita seria inautêntica, manipulada por elites políticas mais
importantes e experientes e/ou formada por pessoas histéricas e paranoicas, que vem sendo
contestada por uma nova historiografia, possivelmente guarda alguma relação com um
entendimento implícito de que a posse de recursos materiais abundantes explicaria o sucesso das
direitas em mobilizar parte significativa da sociedade civil em prol de suas causas. Contudo, ainda
que a posse de recursos financeiros e organizacionais de fato ajude a explicar parcialmente o
êxito de movimentos e mobilizações sociais, diversos outros fatores podem determinar seu
sucesso ou fracasso, como a criação de fortes identidades coletivas, dinâmicas emocionais que
surgem a partir de interações e conflitos entre grupos políticos, mudanças nas estruturas de
oportunidades políticas que criam momentos mais propícios para a ação de determinados grupos
e, nos últimos anos, a habilidade no uso (e a própria lógica) das mídias sociais, fatores que
considero terem sido cruciais para o boom das novas direitas no Brasil em meio ao ciclo de
protestos pró-impeachment de Dilma Rousseff (2014-2016). (ROCHA, 2016, p. 49)
Olavismo
• Paulo Guedes para
Olavo de Carvalho:
“Você é o líder da Revolução.”

• Steve Bannon sobre


Olavo de Carvalho:
“A história vai mostrar
que ele é um dos
grandes conservadores e filósofos.”
• Olavo tentou se aproximar das Forças Armadas, em
especial do Exército, por meio de conferências e
palestra ao longo dos anos 1990 e também do começo
dos anos 2000. Nessa mesma época, alimentando-se
das ideias de Olavo de Carvalho sobre Antonio Gramsci,
em especial do livro A nova era e a revolução
cultural (1994), o general Sérgio Augusto Avellar
Coutinho publicou os livros A revolução gramscista no
Ocidente (2002) e Cadernos da liberdade (2003), mais
tarde reeditado pela Biblioteca do Exército em versão
ampliada sob o nome de Cenas da Nova Ordem
Mundial (2010).

General Coutinho (2011)


• Influências permanenecem na contemporaneidade
Esqueça os argumentos, foque na crítica
•“Há pouca verdade na narrativa filosófica de Olavo de Carvalho. Seus
textos, principalmente aqueles dedicados à filosofia, trazem a marca da
superficial erudição do autodidata. Pouco importam, entretanto, as
simplificações e os erros a respeito dos autores criticados. O público-
alvo não é formado por filósofos especialistas e provavelmente sequer
conhece os autores execrados. Para seus leitores, mais importante do
que o texto criticado é a própria crítica, na qual podem encontrar uma
explicação para seus medos. E se essa crítica vier embalada com sinais
de erudição, mais sedutora ela será.”
• “O Bolsonarismo é um fenômeno
do presente que é atravessado
por um mosaico do passado.”
• “A estrutura de oportunidade política (MCADAM; TARROW, 2009) no Brasil foi alterada
significativamente desde pelo menos 2013. Os fatores que propiciaram essa alteração,
segundo levantamento realizado, foram: (a) a crise do petismo e do lulismo enquanto
forças políticas hegemônicas, a partir de 2013; (b) a exaustão do modelo de gestão
econômica introduzido pelo governo federal entre 2008 e 2014 (CARVALHO, 2018; GALA
e RONCAGLIA, 2020); (c) a disseminação social da percepção da incapacidade dos
governos de atuarem na melhoria material da vida dos indivíduos, bem como o (d)
deslocamento do debate público para a esfera da moral, dos comportamentos e das
identidades (BOSCO, 2017). Nesse contexto, o Bolsonarismo, alavancado com a figura
pública de Jair Bolsonaro, organizou repertórios que possibilitaram convergências com
tendências de longa duração do Brasil Profundo, tornando-se o personagem social e
político mais relevante no Brasil desde 2018.”
• É no conflito entre as forças do bem e do mal que está a síntese de seu pensamento
tradicionalista. Só Deus poderia vencer esse conflito, subjugando o Leviatã. Quando a
humanidade recusa o salvador, essa luta culmina inevitavelmente em um confronto
destrutivo. Guerras, revoluções e catástrofes acossariam a humanidade trazendo consigo
a aniquilação e o medo. Uma ameaça desse porte à civilização ocidental necessita de um
sacerdote supremo. Carvalho encontrou em Gramsci a encarnação desse maligno
hierofante. É no início de tudo que ele se encontra, já em A nova era e a revolução
cultural (1994), primeira obra daquela trilogia.
“A análise dessa narrativa escapa portanto à filosofia acadêmica.
Ainda assim é preciso conhecer sua obra para não repetir seu
erro. Os historiadores e sociólogos da cultura terão assim o
desafio de se dedicar aos textos de Carvalho com o mesmo
afinco e rigor com os quais Theodor Adorno se debruçou sobre a
coluna de astrologia do Los Angeles Times para escrever As
estrelas descem à Terra. Isso requer paciência e autocontrole.”

[Alvaro Bianchi é professor livre-docente do Departamento de Ciência Política da Unicamp e autor de O
laboratório de Gramsci: filosofia, história e política (Zouk, 2018)]
Trumpismo
• “um movimento político difuso que
ganhou força a partir de 2008,
simbolizado por indivíduos às margens
do sistema político estabelecido que
ascendem com uma plataforma
antiliberal nacionalista, que mistura
mercantilismo e populismo com um
viés fortemente anti-imigração”.

(Professor e Internacionalista Carlos Gustavo Poggio - prefácio à


edição brasileira do livro Revelando Trump de autoria de Marc Fisher
e Michael Kranish)
Trumpismo
• Ora a eleição de Trump - como antes o brexit - representa uma reação, talvez não muito estruturada, e
com certeza pouco sofisticada, mas apesar de tudo uma reação contra essa decadência, contra a
rendição sem batalha e em nome dos incertos dogmas de duvidosa origem que vieram com o
celebrado "fim da história". É uma reação encabeçada por alguém de quem não se esperaria tal, um
multimilionário de Queens, sem formação política ou ideológica, uma "celebridade" com fortuna
oriunda do imobiliário e da hotelaria. Difícil de engolir para intelectuais e académicos, mesmo de
direita.
• Um mês antes das eleições, escreviam os 130 intelectuais e académicos no manifesto de apoio a
Trump "Scholars and Writers for America":
Given our choices in the presidential election, we believe that Donald Trump is the candidate most
likely to restore the promise of America, and we urge you to support him as we do (Dadas as nossas
escolhas para a eleição presidencial, acreditamos que Donald Trump é o candidato com mais hipóteses
de restaurar a promessa da América e exortamos todos a apoiá-lo tal como nós o iremos fazer).
(Jaime Nogueira Pinto)
• Poggio alerta para a necessidade de se
compreender o trumpismo não como um fato
isolado, mas vinculado a um cenário multifatorial
que ele divide da seguinte maneira: “uma variável
econômica, uma variável sociológica e uma
tecnológica”. As duas primeiras atuariam quase
que conjuntamente e estariam ligadas ao
momento de retração do processo de globalização
marcado pela crise do subprime, em 2008. Para
ele, tal acontecimento deixou evidente as
alterações na estrutura de organização da
economia das nações desenvolvidas, provocando
perdas econômicas em todas as camadas da
sociedade, com especial destaque aos menos
favorecidos.
• O desemprego e a perda de renda, por sua vez, teriam deixado em
evidência as transformações demográficas pelas quais os EUA passou
ao longo dos últimos 40 anos, principalmente nas cidades mais
afastadas dos grandes centros, dado que os fluxos migratórios
transformaram as comunidades rurais, causando maior
estranhamento, afinal, “nesses locais a absorção de grupos que falam
outra língua e têm costumes distintos tende a gerar um sentimento
de deslocamento social e de perda de laços identitários nos grupos
estabelecidos”.
Arlie Russell Hochschild
(Boston, 1940)
• Professora emérita de sociologia na Universidade
da Califórnia, Berkeley. Hochschild há muito se
concentra nas emoções humanas que
fundamentam as crenças morais, práticas e vida
social em geral. 

• 5 anos de estudos

• Há cinco anos, eu já notava uma enorme divisão


nos Estados Unidos entre esquerda e direita. Essa
brecha só fazia crescer, não porque a esquerda
estivesse se movendo para a esquerda, mas
porque a direita se tornava mais direita. 
• Hochschild foi finalista do Prêmio Nacional do Livro de 2016
para Estranhos em Sua Própria Terra: Raiva e Luto pela Direita
Americana e o livro foi um Bestseller do New York Times. O livro
também foi listado pelo New York Times como um dos "6 livros para
ajudar a compreender a vitória de Trump" (9 de novembro de 2016).
• Esse é o conceito básico do livro. Quando
Você descreve perguntamos a alguém: “Quais são as suas
sua viagem de ideias políticas?” É de se esperar que
respondam falando dos seus valores e do
cinco anos como tipo de políticas que gostariam de ver
a busca de uma aplicadas. Mas por baixo disso há algo mais
básico. Eu chamo a isso de deep
narrativa story (narrativa profunda). Todos, sejamos
profunda. A quê de esquerda ou de direita, a temos. É a
narrativa da vida como cada um a sente,
exatamente você desprovida de juízos morais e de fatos. É
se refere? como um sonho, mas que parece real para
uma pessoa.
• A narrativa profunda da direita que
subjaz a tudo o que escutei durante
esses cinco anos é essa: A pessoa está
numa fila, como em uma espécie de
peregrinação; no final dessa fila está o
sonho americano, que essa pessoa
deseja e crê que merece, porque
cumpriu as regras e trabalhou duro a
vida toda; só que a fila não anda, e de
repente as pessoas começam a ver que
outros estão cortando a fila na frente
delas. Isso provoca uma enorme
sensação de injustiça.
• “Creio que chegar a entender a narrativa
profunda de cada um de nós é um passo
Emoção preliminar para respeitar e entender,
fundamentalmente, o que leva as pessoas a
como pensar o que pensam na política. Isso nos abre
componente aos outros. Não é exatamente um fim em si
mesmo, mas é preciso fazê-lo. Do contrário, o
chave na diálogo será inútil e defensivo. Temos que criar
— e me refiro à nação no seu conjunto,
construção esquerda e direita — uma zona de segurança na
qual possamos nos comunicar sobre esses
da ideologia assuntos de forma aberta e produtiva. Isso não
política vai acontecer até que analisemos as bases
emocionais de nossas convicções políticas.”
Steve Bannon
(1953-)
Jeffrey C. Alexander
• “Bannon está engajado numa luta feroz contra as ideias e o espírito da democracia.
Quando faz menção a grandes pensadores – seus simpatizantes o reputam um intelectual
brilhante e leitor voraz –, Bannon acena com admiração para fascistas, fanáticos,
ditadores e teocratas reacionários. Para Charles Maur- ras, por exemplo, o intelectual e
político católico francês, fanático antissemita, fã de Mussolini e Franco, líder dos
“antidreyfusards” − que perseguiram o ca- pitão judeu do exército falsamente acusado de
traição −, ferrenho agitador contrário à Terceira República democrática e secular,
sentenciado à prisão per- pétua após a Segunda Guerra Mundial por colaboração com a
ocupação nazis- ta. Ou para Julius Evola, professor italiano na esquisita, mas
apropriadamente nomeada, “Escola de Misticismo Fascista”.”

• “Alt-right”
• No cerne da ideologia Bannon há uma série de contrastes
extraordinariamente simplificadores entre bom e mau, sagrado e
profano. Essa série semi- ótica cria perigosos outros, cuja existência
contínua ameaça a boa gente que constitui o que Bannon descreve
como a “verdadeira América” (Alexander, 2003, 2011 e 2017).

• A ideologia simplificada opera de maneira binária


• Bannon tece essas categorias binárias tensamente opostas numa
narrativa apocalíptica que faz o bem lutar contra o mal em funesta e
sangrenta batalha até a morte. Narrativas são histórias com começo,
meio e fim. Essas histórias transubstanciam abstratas categorias
morais em personagens de carne e osso, protagonistas e
antagonistas. As histórias tramam a luta entre heróis e vilões que
termina em triunfo glorioso ou em morte aterradora (Alexander, 2012
e 2013).
• “Intitular este ensaio “Vociferando contra o Iluminismo” certamente pode parecer elevar Bannon um
pouco demais. Ele leu Locke, Voltaire, Rousseau e Diderot, consultou a Enciclopédia ou frequentou
Kant e Tocqueville – os grandes pensadores que defendem a ciência e a humanidade, a liberdade e a
igualdade, e os direitos universais do homem? Duvidoso. Ele terá lido Burke, Herder ou De Maistre,
Hegel, Nietzsche ou Oakeshott – os grandes pensadores a quem Isaiah Berlin atribuiu a célebre
alcunha de contrailuministas? Embora isso, também, pareça bastante improvável, é vital perceber
que a ideologia Bannon está pro- fundamente incrustada justamente nessa contranarrativa, na linha
do pensa- mento conservador que desafiou o humanismo emancipatório, no qual se ba- seiam a
política democrática e uma visão esperançosa da modernidade. Bannon é o herdeiro ideológico da
reação intelectual contra a modernidade em curso desde a contrarreforma até os dias que correm.
Ele é o inimigo de ideias, instituições e movimentos que idealizam o universal e marcham com
bandeiras utópicas proclamando verdade, liberdade e igualdade.”
Referências

• https://outraspalavras.net/geopoliticaeguerra/na-america-profunda-explicacao-para-o-fenomeno-tru
mp/
• Alexander, Jeffrey C. OCIFERANDO CONTRA O ILUMINISMO: A IDEOLOGIA DE STEVE BANNON.
SOCIOL. ANTROPOL. | RIO DE JANEIRO, V.08.03: 1009-1023, SET,—DEZ. 2018.

BALDAIA, Fabio Peixoto Bastos, ARAÚJO, Tiago Medeiros e ARAÚJO, Sinval Silva de. O
BOLSONARISMO E O BRASIL PROFUNDO: NOTAS SOBRE UMA PESQUISA. XVII Enecult.
• https://www.brasildefato.com.br/2021/10/04/bolsonarismo-tem-raizes-em-um-brasil-construido-a-
margem-do-estado-afirmam-pesquisadores
• https://revistacult.uol.com.br/home/olavo-de-carvalho-ideologia-do-medo/
• https://bdex.eb.mil.br/jspui/bitstream/123456789/5679/1/5265.pdf

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