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Todos nós sabemos que se a língua portuguesa hoje é falada em diversos países, isso
se deve ao colonialismo/imperialismo de Portugal. Contudo, devido as transformações
sociais e também devido ao fim do colonialismo, atualmente o português passa por um novo
processo de expansão sob espaços mão apenas geográficos, mas sobretudo econômicos: a
globalização. Desse modo, apesar das mudanças, as relações de poder ao redor da língua se
mantém e hoje em dia os países de língua oficial portuguesa elaboram políticas que se
relacionam a um verdadeiro mercado linguístico em pleno crescimento.
Portugal foi o primeiro país a implantar políticas, no início do século XX, para a
difusão do português sem estar relacionada, pelo menos diretamente ao contexto colonial
tradicional. O Brasil, poucos anos depois, também começou a editar políticas linguísticas
com a mesma finalidade. Contudo, foi só a partir do governo Lula (2003-2010) que as
políticas brasileiras se intensificaram, ganharam novas frentes além dos tradicionais
leitorados e centros culturais, graças à ampliação de seu orçamento. Já os demais países de
língua oficial portuguesa ainda engatinham nessas políticas, apesar de o destaque de Angola,
nestes últimos anos.
Neste trabalho, abordamos as medidas para a expansão do português nesta última
década, buscando inseri-las num contexto global. Acreditamos que só assim conseguiremos
deixar de lado os nacionalismos e utilitarismos e refletir sobre que políticas queremos.
O g o v e r n o f r a n c ê s c r i o u o c e r t i f i c a d o d e p r o f i c i ê n c i a e m lí n g u a fr a n c e s a o D E L F / D A L F e m 1 9 8 5 , o it a l i a n o o CELI
em 1987 para língua italiana, o espanhol o DELE em 1988 para língua espanhola, o argentino o CELU em 2004,
também para língua espanhola. O primeiro certificado de proficiência em inglês, foi ESOL Examinations da
Universidade de Cambridge, criado em 1858 (SILVA, 2011).
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A d i p l o m a c i a c u l t u r a l , n o e n t a n t o , é u m a p r e o c u p a ç ã o d a c h a n c e l a r i a b r a s i l e i r a , d e s d e a c r i a ç ã o n a d é c a d a d e 1920
do Instituto Internacional de Cooperação Intelectual, órgão precursor da Unesco, na Sociedade das Nações
(LESSA, 2002, p. 89-97).
Brasileño, o primeiro centro de divulgação da cultura e língua brasileira no exterior, que se
mantém em funcionamento até hoje. Primeiramente foi aberta uma biblioteca brasileira e
pouco tempo depois foram contratados professores de nível superior sob a supervisão de
Antônio Houaiss. Depois dos cursos de português brasileiro e literatura brasileira, foram
criados cursos de historia do Brasil, geografia do Brasil, fonética, cultura brasileira e
tradução. Nesses setenta anos de funcionamento o instituto ensinou língua portuguesa a 60
mil pessoas (ICUB, 2009).
Nesse período inicial, a divulgação da língua portuguesa no exterior ainda era
bastante discreta e apoiada na divulgação da cultura brasileira – principalmente a música e a
literatura – ou da própria cooperação intelectual, através do intercâmbio de professores e
alunos, apoio a artistas e a organização de bibliotecas brasileiras em universidades
estrangeiras.
Além disso, o início da política de difusão da cultura e principalmente da língua pelo
Brasil não pode ser desassociado do contexto político do Estado Novo, marcado pelo
nacionalismo, que no campo da política linguística encontra paralelo na proibição da
utilização da língua materna por imigrantes e descendentes, através do decreto 406 de 4 de
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O Decreto-Lei nº 406, de 4 de maio de 1938, conhecido como “Lei da Nacionalização”, exigiu o ensino em língua
nacional, proíbiu a circulação de revistas e livros em língua estrangeira e decretou o fechamento das escolas
estrangeiras no país. Já, o Decreto nº 1.545, de 15 de agosto de 1939, instruiu os Secretários Estaduais de
Educação para a construção de escolas públicas nas áreas de colonização estrangeira determinando o estímulo do
patriotismo.
Universidade de Toulouse (MRE. DPLP, 2010).
Todavia, o cenário internacional, até então marcado por uma dicotomia entre Brasil e
Portugal se modifica com a Revolução dos Cravos (1974) e a independência das colônias
portuguesas na África (1974-1975). A “escolha” do português como língua oficial dessas
novas nações4, aumentou a presença política da língua portuguesa no mundo e deu ao Brasil
e a Portugal a oportunidade de, ao lado de agora mais cinco países, elaborar políticas
linguísticas de promoção do português a nível multilateral. Afinal, até essa data a política
linguística brasileira de promoção da língua portuguesa pautava-se apenas na expansão
modesta e/ou tentativa de manutenção dos seus Centros de Estudos Brasileiros e rede de
Leitorados, devido ao escasso orçamento.
Desse modo, a década de 1990 foi marcada por duas situações bem distintas para a
diplomacia cultural brasileira. Enquanto o Brasil demonstrava apoio ao multilateralismo para
“a materialização de projetos de promoção e difusão da língua portuguesa”, participando da
criação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) em 1996, nessa mesma
década, os governos de Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique reduziam
investimentos destinados ao Itamaraty para tal propósito e iniciaram a privatização de alguns
Centros de Estudos Brasileiros, que foram incorporados por universidades estrangeiras ou
transformados em Institutos Culturais, de direito privado, sendo, assim, abandonados à
própria sorte (LIMA; MARQUES; PINTO & PAES, 2008).
Os CEB´s remanescentes deram lugar aos Centros Culturais Brasileiros (CCBs),
ligados ao Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores. Tanto os CCBs
quanto os Institutos Culturais têm como missão o ensino sistemático da Língua Portuguesa
falada no Brasil, a difusão da Literatura Brasileira, a distribuição de material informativo
sobre o Brasil, a organização de exposições de artes visuais e espetáculos teatrais, a
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Firmino (2008, p. 3) mostra que essa “escolha” não se deu sem conflitos, já que dividiu abolicionistas e
adaptacionistas. Os primeiros propunham “a exclusão das línguas ex-coloniais, enfatizando considerações culturais, ou
seja, valores essencialistas, como a promoção da africanidade e a eliminação de vestígios coloniais, enquanto que os
segundos “apelam à manutenção das língua ex-coloniais, dão mais peso a considerações práticas, como o
funcionamento das instituições do Estado e a integração no mundo moderno, ou seja, destacam aspectos epocalistas”.
Existe uma ampla literatura sobre a adoção de línguas autóctones europeias como línguas oficiais dos países africanos,
destacamos entre inúmeras: Africa: the politics of independence and unity (Immanuel Wallerstein, 2005 [1961]), The
power of Babel: language and governance in the african experience (Mazrui & Mazrui, 1998), African languages: an
introduction (Heine & Nurse, 2000), Towards a multilingual culture of education (Adama Ouane, 2003).
coedição e distribuição de textos de autores nacionais, a difusão de nossa música erudita e
popular, a divulgação da cinematografia brasileira, além de palestras, seminários e outros. O
que diferencia é que os primeiros são subordinados diretamente ao chefe da missão
diplomática brasileira, enquanto que os segundos são entidades sem fins lucrativos de direito
privado que, embora autônomas, cumprem missão cultural em coordenação com as missões
diplomáticas e consulares da jurisdição em que estão sediadas (MRE, 2010).
Entre as primeiras medidas do Ministro Celso Amorim, escolhido por Lula para
chefiar o Ministério das Relações Exteriores (MRE), foi assinar o Decreto 4759 de 21 junho
de 2003, que criou a Divisão de Promoção da Língua Portuguesa (DPLP), que segundo
Castro & Castro (2009, p. 289) mostrou ser a CPLP uma das prioridades da gestão Celso
Amorim.
Atualmente, o Brasil do governo Dilma Roussef apoia os Núcleos (privados) de
Estudos Brasileiros em algumas universidades estrangeiras e mantém vinte e um Centros
Culturais Brasileiros e planeja implantar outros três. Além de completar o orçamento de sete
Institutos Culturais. De acordo com o diplomata Leonardo Lott (2009), esses centros e
institutos já formaram 120 mil alunos em língua portuguesa brasileira.
Abaixo, apenas para fins de comparação, listamos alguns países que apresentam
instituições para a promoção de suas línguas no exterior, como o Instituto Camões ou o
Departamento Cultural do Itamaraty, bem como o ano de fundação dessas instituições e o
tamanho de sua rede de ensino.
Quando países legitimam seus poderes aos olhos dos outros, eles encontram menos
resistência para as suas vontades. Se a cultura e a ideologia de um país são atrativas,
outros acompanham prontamente. Se um país pode formar regras internacionais que são
compatíveis com seus interesses e valores, suas ações parecerão mais legítimas aos
olhos dos outros. Se suas instituições usam e seguem regras que estimulam outros países
a mudar ou limitar suas atividades no caminho de suas preferências, ele não precisará
despender muitos carrots e sticks (poderes econômico e militar)” (NYE, 2004, p. 10-11)
(tradução nossa).
Esse talvez seja um bom caminho para pensarmos a intensificação das políticas
linguísticas de expansão do português por parte do Estado brasileiro.
Considerações finais
Como vimos, a língua portuguesa, nesta última década retomou ser processo de
expansão, ainda que de maneira modesta se comparada com outros países, inclusive em
desenvolvimento como a China e o seu Instituto Confúcio. Não restam dúvidas para os
políticos brasileiros, portugueses e de demais países de língua oficial portuguesa que o
português pode, ou melhor, deve ser utilizado como um instrumento de ampliação dos
poderes de seus países no mundo globalizado. Quanto maior a presença do português, mais
poder esses países acumularão, e quanto mais poder eles acumularem, maior será a presença
do português. Tal percepção, inclusive, foi a responsável pela diminuição dos atritos entre os
governos de Portugal e Brasil na temática linguística, basta observar a aceitação do Acordo
Ortográfico de 1990 em Portugal, ainda que com algumas resistências.
O que buscamos com este trabalho foi justamente chamar atenção para esse
movimento sócio-político-econômico que nos traz uma nova concepção de língua, que não
apenas surge, numa perspectiva realista das relações internacionais, como um instrumento de
poder de intervenção dos Estados no mundo globalizado, mas também, mas já numa
perspectiva liberal, como um valor capitalizado de mercado, como mostra Zoppi-Fontana
(2009). Essa língua afeta, assim, desde o Estado nacional ao indivíduo impondo uma
concorrência desenfreada na busca de consumidores e lucro, alterando profundamente o
ambiente linguístico. Em tempos de hegemonia capitalista, não defendemos a negação de um
mercado linguístico que se formou, mas sim uma preocupação, que é ou deveria ser
fundamental, com o indivíduo-falante enquanto sujeito.
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