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Português: língua pluricêntrica –


Artigo de Regina Pires de Brito
Publicado em 31 de agosto de 2021

A língua portuguesa é uma construção conjunta de todos aqueles que a falam


— e é assim desde há séculos. A minha língua — aquela de que me sirvo para
escrever —, não se restringe às fronteiras de Angola, de Portugal ou do Brasil. A
minha língua é a soma de todas as suas variantes. É plural e democrática. A sua
imensa riqueza está nessa diversidade e na capacidade de se afeiçoar a
geograIas diversas, na forma como vem namorando outros idiomas, recolhendo
deles palavras e emoções. Aprisionar a língua portuguesa às fronteiras de
Portugal (ou de Angola ou do Brasil) seria mutilá-la, roubar-lhe memória e
destino. (José Eduardo Agualusa) [1]

Neste excerto, retirado de artigo publicado no Jornal Expresso em 10 de junho de


2019, dia em que se comemora o Dia de Portugal, de Camões e das
Comunidades Portuguesas, José Agualusa recorda que a língua portuguesa
é uma “construção conjunta de todos aqueles que a falam”. Diria, décadas antes,
Eduardo Lourenço (2001, p. 123), na mesma direção: “Uma língua não tem outro
sujeito senão aqueles que a falam, nela se falando. Ninguém é seu proprietário,
pois ela não é objeto, mas cada falante é seu guardião.” [2]  

Democraticamente, partilhamos elementos comuns, recriamos outros tantos,


damos-lhe, uns, outros e todos nós, sabores novos, cores novas, jeitos novos. A
língua, prossegue Agualusa, tem sua riqueza “na diversidade” de espaços, no
“afeiçoar-se” aos contextos vários, no “namoro” com outras línguas. Essa
pluralizada língua portuguesa, dizia Lourenço, “é, apesar ou por causa da sua
variedade, aquele espaço ideal onde se comunicam e se reconhecem na sua
particularidade partilhada todos quantos os acasos que a história aproximou” (p.
124).  

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Essa dimensão plural da língua portuguesa, que


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pelo espaço e é arquitetada pelo tempo, mais do que língua “de países” (a
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), é língua dos indivíduos e,
portanto, é língua da interação, que namora outros idiomas, como diz
o angolano Agualusa; é língua das “palavras rongas e algarvias
que ganguissam” em A Fraternidade das Palavras [3] do moçambicano José !
Craveirinha; é também língua que permite “criar confusões de prosódias”,
[4] como canta o brasileiro Caetano Veloso. Justamente, é essa possibilidade de
se fazer presente e de se reinventar em cotidianos diferentes pelo mundo que faz
do português uma língua pluricêntrica.   

Para se ter uma representação dessa presença global – sendo língua


pluricontinental – e também do caráter plurifacetado do português, podemos
tomar os dados populacionais dos países de colonização portuguesa e que,
constitucionalmente, adotam o português como língua o_cial – Angola, Brasil,
Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-
Leste [5] – e acrescentar-lhes números das comunidades da diáspora, totalizando
assim cerca de 260 milhões de usuários – total esse que supõe, certamente,
distintos graus de conhecimento, de pro_ciência e de presença do português nas
interações. [6] São cerca de 30 mil quilômetros de fronteiras [7] com outras
línguas, um dos três únicos idiomas usados em todos os continentes, sendo que
nenhum desses oito países faz fronteira com o outro. Além disso, tem-se
veri_cado, nos últimos anos, o crescimento e a valorização do português no
mundo, acompanhando o valor econômico e o destaque cultural de alguns dos
países de língua o_cial portuguesa. 

Tendo em conta o plano geopolítico-econômico, o português é língua


administrativa e de trabalho de 27 organizações internacionais e língua o_cial em
seis (dos 17) blocos econômicos regionais: MERCOSUL – Mercado Comum do Sul
(Brasil), UE – União Europeia (Portugal), ASEAN – Associação de Nações do
Sudeste Asiático (Timor-Leste), SADC – Comunidade da África Meridional para o
Desenvolvimento (Angola, Moçambique), CEEAC – Comunidade Econômica dos
Estados da África Central (Angola e São Tomé e Príncipe), CEDEAO –
Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cabo Verde e Guiné-
Bissau). Como registrado no Novo Atlas da Língua Portuguesa (2016), o português
é uma das cinco línguas mais faladas no mundo e está também entre as cinco
mais usadas na internet; além de ser a terceira indo-europeia mais falada (depois
do espanhol e do inglês) e de ser a mais falada no hemisfério sul. Dados do
Internet World Stats [8] mostram que o português é o 4º idioma mais utilizado
no Twitter, o 5º em usuários na internet e o 3º no Facebook. Esse panorama, que
situa o português em várias instâncias (dos números do quadro sócio-
geográ_co até dados do contexto “geociber”), possibilita a compreensão de suas

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muitas rotas de “internacionalização”, externas


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Dessa forma, olhar para o espaço de o_cialidade do português permite


caracterizá-lo não apenas pela sua expressiva extensão e pelas relações com
outras nações não-lusófonas (o que exige políticas de internacionalização
externas), mas também por realidades distintas, frequentemente assinaladas
pela dimensão, pela condição socioeconômica, pela conjuntura política, pelo
!
Índice de Desenvolvimento Humano – fazendo do português uma
língua internacional “no interior de nossas fronteiras” (Castro, 2010, p. 67).
Nesse caso, o português como língua do ensino, dos meios de comunicação e da
administração pública funciona como veicular entre indivíduos de línguas
maternas várias. En_m, essa comunidade vive e utiliza, singularmente, uma
língua o_cial comum, especi_camente adjetivada em cada um dos seus
múltiplos contextos, validando uma lusofonia dos que também falam
português (Brito e Martins, 2004; Brito, 2015) e constituindo
o português pluriforme e transnacional. 

 Para ser denominada pluricêntrica, uma língua deve atender a algumas


condições [9], todas elas identi_cáveis no caso do português: 1. ser adotada
por Estados nacionais distintos (o que confere a multiplicidade dos centros); 2.
abranger diferentes variedades (centros normatizadores diferentes: norma do
português europeu, norma do português brasileiro, norma do português
moçambicano, e assim sucessivamente); 3. ter
reconhecimento dos e pelos falantes das outras variedades; 4. localizar-se
por diversos espaços de circulação; 5. dispor de instrumentos e dispositivos
linguísticos regularizadores dessas variedades (dicionários, vocabulários
ortográ_cos, gramáticas descritivas). Do ponto de vista diacrônico,
conforme Oliveira (2016, p.
25-27), o português é língua monocêntrica (Portugal) dos séculos XVI ao
XIX, passando ao estatuto de bicêntrica (Portugal e Brasil) da segunda metade do
século XIX ao século XX, evoluindo no século XXI para língua pluricêntrica. Ao
mesmo tempo, prossegue Oliveira (2016, p. 37), transita de “língua nacional de
dois países para uma língua internacional, de gestão multilateral, tendência, de
resto, de boa parte das grandes línguas de fonias, isto é, compartilhadas por
diversos países” (Oliveira, 2016, p. 37). 

Visualização da imagem

A partir desse olhar da diversidade de usos e da multiplicidade de espaços (o


português a que chamamos adjetivado, como se vê no esquema: português
angolano, português brasileiro, etc.) é que entendemos o pluricentrismo do
português, que se legitima ao reconhecermos os papéis que a língua portuguesa
assume em cada lugar. Além disso, a característica pluricêntrica vai se edi_cando

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também pela evocação de sotaquesTranslate


vários e »
que, por _m, aponta para uma
conceituação de lusofonia livre de desconfortos e traumas que a palavra pode
carregar em discursos anacrônicos, que atribuem, erroneamente, centralidade
à matriz lusitana em relação aos outros países de língua o_cial portuguesa. A
lusofonia que faz sentido – pela qual advogamos e capaz de instaurar diálogos
entre culturas – tem centros em toda a parte, como, de certo modo, apontava o !
_lólogo brasileiro Celso Cunha, na segunda metade do século XX (1964, p. 34 e
38): 

Chega-se assim à evidência de que para a geração atual de brasileiros, de


caboverdianos, angolanos, etc., o português é uma língua tão própria,
exatamente tão própria, como para os portugueses. […] Essa república do
português não tem uma capital demarcada. Não está em Lisboa, nem
em Coimbra; não está em Brasília, nem no Rio de Janeiro. A capital da
língua portuguesa está onde estiver o meridiano da cultura. (grifos
nossos) 

Com efeito, quando se pensa numa lusofonia viável, faz sentido assumir a


percepção da língua construída por todos (como na epígrafe com que abrimos
este texto), simultaneamente pluricêntrica, marcadamente heterogênea,
desvinculada de complexos e de representações estereotipadas – ou seja, um
espaço linguístico plural, o lugar das lusofonias – como propõe Mia Couto
(2010).[10] A riqueza da diversidade sócio-histórico-cultural dos espaços de língua
portuguesa e o reconhecimento das suas variedades (constituídas na inter-
relação com as demais línguas de cada localidade) devem estar na pauta dos
estudos sobre as dimensões do português no contexto atual. Além disso,
impõem rexetir sobre as múltiplas realidades e caminhos de divulgação,
expansão e fortalecimento do português, ensejando, cada vez mais, políticas (não
apenas linguísticas) que contribuam para as dinâmicas de mobilidade humana
nas diferentes formas de materialização da língua portuguesa. Por _m, diante
das possibilidades que o pluricentrismo do português nos traz de positivo, é
preciso a consciência de que “estamos criando um espaço de língua portuguesa
em que todas as partes participam de forma livre, em situação de relativa
igualdade, sem dominados nem dominadores” (Agualusa, 2019). A
realidade pluricêntrica do português depende, no entanto, das vontades reais
das partilhas, do efetivo reconhecimento da multiplicidade de normas e do

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respeito mútuo aos valores culturaisTranslate


que o português,
» sendo muitos, é capaz de
representar. 

Regina Pires de Brito


Universidade Presbiteriana Mackenzie – Brasil !
Museu Virtual da Lusofonia – Universidade do Minho – Portugal 

Referências 

AGUALUSA, J. E. (2019) Para uma irmandade da Língua Portuguesa, Jornal


Expresso, 10 de junho de 2019. Disponível em: https://expresso.pt/opiniao
/2019-06-10-Por-uma-irmandade-da-lingua. Acesso: 20 ago. 2021. 

BRITO, R. P. & Martins, M. de L. (2004). Moçambique e Timor-Leste: onde também


se fala o português. Disponível em: http://repositorium.sdum.uminho.pt/handle
/1822/1005. 

BRITO, R. P. de (2015) “À mistura estão as pessoas”: lusofonia, política linguística e


internacionalização. MARTINS, M. de L. (coord.) Lusofonia e Interculturalidade –
Promessa e Travessia. Famalicão: Húmus/Universidade do Minho, 2015. pp.
295-312.  

CASTRO, I. (2010). As políticas linguísticas do português. Textos seleccionados. XXV


Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística (pp. 65-71). Porto:
APL.  

CLYNE,
M. Pluricentric languages. Differing norms in different nations. Berlin/New
York: Moutonthe Gruyter, 1992.  

CUNHA, C. (1964). Uma política do idioma. Rio de Janeiro: S. José. 

LOURENÇO, E. (2001). A nau de Ícaro. São Paulo: Cia das Letras. 

MIA COUTO (2010). O Estado de São Paulo, de 19 de agosto de 2010. Disponível


em: http://www.pglingua.org/especiais/espaco-brasil/2722-bienal-de-sao-paulo-
discutira-a-lusofonia. Acesso em: 10 jun. 2021). 

MUHR,R. Linguistic dominance and nondominance in pluricentric languages:
a typology. Em: MUHR, R.
(Ed.) Nondominant varieties on pluricentric languages.Getting the pictures. Memory of Mich
Wien: Peter Lang, 2012. 

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OLIVEIRA, G. M. de (2013). Política linguística


Translate e» internacionalização: a língua
portuguesa no mundo globalizado do século XXI. Trabalhos em Linguística
Aplicada, Campinas, n (52.2), jul. /dez. 2013, pp. 409-433. 

OLIVEIRA, G. M. de. (2016). O sistema de normas e a evolução demolinguística da


língua portuguesa. Em: ORTIZ, M.L.A e GONÇALVES, L. (org.) O mundo do
português e o português no mundo afora: especi_cidades, implicações e ações.
!
Campinas: Pontes, pp. 25-43. 

RETO, L. A.; MACHADO, F. L.; ESPERANÇA, J. P. (org.). Novo Atlas da Língua


Portuguesa. Instituto Camões e Ministério dos Negócios Estrangeiros. Lisboa:
Imprensa Nacional, 2016.  

Notas

[1] Para uma irmandade da Língua Portuguesa,Jornal Expresso, 10 de junho de


2019. Disponível em: https://expresso.pt/opiniao/2019-06-10-Por-uma-irmandade-
da-lingua. 

[2] O trecho aquireferido data de 11 de fevereiro de 1992 e foi reunido em Nau de


Ícaro e Imagem e Miragem da Lusofonia, publicado em Portugal, pela Gradiva,
em 1999, e no Brasil, pela Companhia das Letras, em 2001. 

[3] Ganguissarsigni_ca “namorar”, conforme aparece no referido poema de José


Craveirinha, encontrado na antologia disponível em: https://ciberduvidas.iscte-
iul.pt/outros/antologia/a-fraternidade-das-palavras-/617. 

[4] A composição citada é “Língua”, de Caetano Veloso, acessível


em: https://www.letras.com.br/caetano-veloso/lingua. 

[5] Além dos 8 países historicamente ligados, a República da Guiné-Equatorial


passou a integrar a CPLP como membro o_cial a partir de 2014.

[6] Indispensável mencionar nas discussões ogalego e suas relações viscerais com
o português e, portanto, com o espaço da lusofonia. Também outros espaços
devem ser considerados nos estudos lusófonos, como Macau e Goa. 

[7] Conforme Oliveira (2013, p.412): “O português conta com 29 mil quilômetros de
fronteiras com outras línguas o_ciais: o espanhol, o inglês, o francês, o holandês,
o bahasa indonésia, o chinês, o afrikaans, o kiswahili e o guarani, o que permite
interessantes alianças geolinguísticas.” 

[8] Internet WorldStats, disponível em: https://www.internetworldstats.com

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/languages.htm. Acesso em: 15 mar. 2021. 


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[9] ConformeClyne (1992), Muhr (2012) e Oliveira (2016). 

[10] Em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo, de 19 de agosto de 2010,


quando da 21ª Bienal do Livro de São Paulo, ao tratar de Lusofonia, um dos temas
daquela Bienal, Mia Couto a_rma: “Acho importante questionar a ideia da !
lusofonia. E perceber que o conceito é plural: existem lusofonias. A ideia da
comunidade lusófona é uma construção que corresponde a interesses políticos
particulares. Os criadores culturais devem ser capazes de questionar esse modelo
único que nos é proposto.” 

Ouvidoria Transparência SIC

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