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As línguas portuguesas do mundoAuthor(s): Silvia Sollai and Alan Parma

Source: Hispania , Vol. 101, No. 2 (June 2018), pp. 237-248


Published by: American Association of Teachers of Spanish and Portuguese

Stable URL: https://www.jstor.org/stable/10.2307/26585386

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As línguas portuguesas do mundo:
Representações pluricêntricas de
Português Língua Estrangeira (PLE)
numa amostra de material didático

Silvia Sollai
Florida State University

Alan Parma
Florida State University
Resumo: A partir de uma reflexão sobre o pluricentrismo aplicado à língua portuguesa nas diversas modali-
dades de ensino disponíveis hoje, ou seja, em abordagens que incorporam duas ou mais variantes lusófonas
de maneira balanceada, tema em voga devido à grande projeção econômica, social, e acima de tudo, cultural
do mundo lusófono, o presente estudo se propõe a coletar corpus didático do livro de Jouët-Pastré et al.
(2007), na busca de analisar recortes que reflitam a natureza pluricêntrica da língua portuguesa. A amostra
coletada, duma gama restrita de material pedagógico especializado em ensino contemporâneo de língua
portuguesa e cultura lusófona disponível no mercado norte-americano, indica que há uma tentativa inicial
de promoção do caráter pluricêntrico da comunidade de língua portuguesa, mas outras medidas ainda são
necessárias para que o português possa ser tratado como uma língua realmente internacional.

Palavras chave: Lusophone world/mundo lusófono, pluricentrism/pluricentrismo, Ponto de Encontro,


Portuguese/língua portuguesa, variants of Portuguese/variantes de português

Introdução

A
pesar da agilidade no escâmbio de informação com o advento da comunicação digital, o
ensino de Português como Língua Estrangeira (PLE) ainda não balanceia todas as suas
vozes no exterior. O crescimento na demanda de cursos poderia sinalizar a necessidade
de um acesso mais fácil e uma gama de inserção educacional maior nos livros adotados do que
realmente se vê, por exemplo, no mercado editorial dos Estados Unidos (Batoréo 2014; Bateman
2014; Jouët-Pastré 2011).
Em alguns materiais didáticos para PLE e conteúdos culturais do mundo lusófono, é raro
encontrar um balanço na carga informacional entre Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, Cabo
Verde, Timor-Leste, São Tomé e Príncipe, e Guiné Bissau e Guiné Equatorial; além da Região
Administrativa Especial de Macau (RAEM) na China, e do estado de Goa na Índia, as duas
últimas regiões que nem fazem parte da organização internacional Comunidade dos Países da
Língua Portuguesa (CPLP), e portanto, não usufruem dessa plataforma divulgadora (Ferreira
e Gontijo 2011).
No panorama mundial de ensino multilíngue e multicultural, a língua portuguesa
constitui-se uma língua de comunicação internacional (Da Silva 2014; Mendes 2014; Reis 2015;
Soares da Silva 2010). Por isso, este estudo examina a construção da língua portuguesa como
pluricêntrica através da análise daquilo que consideramos como um importante elemento no
processo de ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira: o livro didático1. Para tanto,
selecionamos como objeto central de nosso estudo um dos livros de PLE mais adotados nas
universidades norte-americanas, Ponto de Encontro, o qual, portanto, tem um papel expressivo
nesse processo de promoção e construção do português como língua mundial.

AATSP Copyright © 2018 Hispania 101.2 (2018): pp. 237–48

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Analisamos a forma pela qual o livro defende uma proposta pluricêntrica da língua
portuguesa, isto é, enunciados de uma língua plural com todas as suas variedades igualmente
válidas, e com suas respectivas histórias e funções em cada nação, estado, e/ou região por onde
se faz presente, inseridas no corpus de uma abordagem educacional vanguardista. Afinal, o
estudo contemporâneo de língua portuguesa e cultura lusófona carrega uma agenda política e
ideológica independente de sua denominação ou desdobramento, se fazendo responsável por
balancear todos os seus mundos (Mendes 2014).

Pressupostos teóricos
O termo língua pluricêntrica foi introduzido por sociolinguistas russos e alemães no fim da
década de 1950 como a evolução de uma língua marcada por diferenças de prestígio de acordo
com seus cenários políticos e culturais contingentes (Bartoréo 2014; Soares da Silva 2010). Reis
(2015) sinaliza, no entanto, que o conceito se expandiu à medida em que os centros também
evoluíram para comunidades linguísticas, sem uma necessidade de demarcação territorial.
Ainda assim, o termo língua pluricêntrica, de certa forma, gira em torno da noção dicotômica
de variedade em relação a uma língua padrão (Amon 2005).
A partir de Muhr (2012), uma língua é monocêntrica quando um determinado nome
próprio lhe é dado, e uma única norma linguística a rege. Ainda, a língua é monocêntrica se
essa representa uma nação específica, e vice-versa, com valor simbólico e recurso imensuráveis.
Os falantes de uma língua monocêntrica repudiam qualquer movimento que ponha em risco a
unidade linguística e identitária dessa nação centralista.
Portanto, o português é uma língua pluricêntrica, uma vez que diversos grandes blocos no
mundo têm, na língua portuguesa, suas unidades identitárias, formando consequentemente,
vários consórcios de políticas institucionais entre essas unidades. A própria constituição da
CPLP é uma atividade política que busca sustentar essa ideia de unidade na heterogeneidade.
Não há apenas diferenças linguísticas entre os portugueses dos diferentes países membros
da CPLP. O Brasil, por exemplo, é um país cuja realidade linguística é heterogênea (Moreira e
Silva 2013). Conforme Zoppi-Fontana e Diniz (2008), o processo de gramatização da língua por-
tuguesa do Brasil integra um processo de constituição de uma língua nacional. Esse processo de
construção de imaginário de unidade linguística auxiliou para que se criasse o sentimento
de “união” nacional, uma Nação de uma língua única, a qual seria constitutiva da identidade
brasileira (Moreira e Silva 2013). Existe, porém, dentro do próprio território brasileiro, diversas
variedades dialectais, constituintes da língua portuguesa. Portanto, quando se trata da pluricen-
tralidade da língua portuguesa, deve-se também levar em consideração suas variações internas,
suas diferenças dialectais, oriundas de seus diferentes processos coloniais e das diferentes línguas,
histórias e culturas com às quais cada variedade foi exposta ao longo de sua história.
Muhr (2012) também salienta que o pluricentrismo linguístico desenvolve-se de maneiras
diversas. Há línguas pluricêntricas sem território próprio ou sem reconhecimento oficial em
seus respectivos países. Neste estágio de desenvolvimento, há tanto uma distância linguística
entre as variedades quanto uma forte consciência de identidade nacional e étnica. Há também
línguas pluricêntricas com variedades à espera de reconhecimento e com grandes comunidades
linguísticas que não usufruem nem de status de língua minoritária. Um terceiro caso é a língua
pluricêntrica sem estatuto formal apropriado. Línguas em que o caráter de pluricentricidade
é negado pela variedade dominante formam o quarto grupo de desenvolvimento (Batoréo
2014; Muhr 2012). Há ainda os casos em que as características linguísticas das variedades não-­
dominantes são levadas em consideração no cenário educacional; porém, não chegam a obter
espaço no currículo escolar (Batoréo 2014).
Há línguas cuja pluricentricidade é deliberadamente praticada por falantes de uma varie-
dade nacional com características específicas de pronúncia, léxico, etc. Línguas em que uma
variedade não-dominante é ensinada nas escolas, enquanto as suas outras pluricentralidades

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Sollai & Parma / Representações pluricêntricas de PLE 239

são geralmente ignoradas também são pluricêntricas. A língua portuguesa se encaixa nessas
duas categorias.
Por fim, a pluricentricidade também desenvolve-se com línguas em que o seu status pluri-
cêntrico é reconhecido pela variedade padrão ao ponto de ter as suas características linguísticas
codificadas, dicionarizadas, e reconhecidas em livros de referência (Baxter 1992; Clyne 1992;
Muhr e Marley 2015). O português também se encaixa nesse último grupo, e é considerado
uma recente inclusão.
O ensino de português nos Estados Unidos segue duas vertentes mais fortes que se resumem
a Portugal e Brasil, de acordo com a região norte-americana estudada: apesar da grande infusão
de imigrantes brasileiros nos últimos cinco anos, os estados da Nova Inglaterra (Massachusetts,
Rhode Island, Connecticut), bem como o estado da Califórnia, concentram linhas portuguesa
e açoriana; enquanto que os estados da Flórida e da Geórgia apresentam uma vertente mais
brasileira no ensino de PLE. No mais, o português em África, Macau, e Goa não detém de
representação significativa no mercado editorial ou educacional norte-americano.
Mendes (2014) lista tanto desafios quanto tendências que permeiam o debate sobre a
formação profissional e o material didático para o ensino de PLE e de Português como Segunda
Língua (PL2) em sua análise sobre o valor econômico, cultural e linguístico oriundos do cres-
cimento na demanda da língua portuguesa no contexto de ensino contemporâneo. Segundo
Mendes (2014), há quatro grandes desafios para as instituições em uma agenda pluricêntrica:
informacional, profissional, social e político. O trânsito, a produção e o compartilhamento
de informação multicultural e a popularização do conhecimento, são desafios pertinentes à
instituição de ensino; enquanto que a sustentabilidade, uma abordagem multidisciplinar e o
preparo pragmático encaixam-se nos desafios profissionais, que, na verdade, estão dentro das
instituições como cursos formadores de professores de PLE e PL2. Nos âmbitos social e político,
os desafios também se apresentam como a promoção e o acesso a uma educação acolhedora e
indiscriminada para todos, e com igual representação de destaque com relação a políticas das
línguas inglesa e espanhola, por exemplo.
É justo que as tendências educacionais se atentem para uma memória social através de
técnicas de problematização, sensibilização, e acomodação de novos portugueses do mundo
(Mendes 2014; grifo nosso). A memória social vem de uma comparação entre o grupo ao qual
pertencemos e o grupo dos outros. Toda memória social está em permanente reconstrução, e
segundo Cabecinhas (2015), não usufrui de uma neutralidade porque ela seleciona e é parcial.
A memória social depende de pertencimento—sentimento de identificação que une diversos
indivíduos numa coletividade em que seus membros expressam valores, medos e aspirações
comuns (Koury 2010). Num estudo comparativo sobre manuais de PLE na França, Valdez
(2011) nos alerta para a importância do exercício de desconstrução de estereótipos na sala de
aula. A autora (2011) aponta a memória social de gerações anteriores como fonte responsável
por informações possivelmente conflitantes para o falante de herança, quando esse se depara
com conteúdos linguísticos e culturais divergentes de sua experiência com o mundo lusófono.
Então, na história nacional, a memória social tem elementos de relevância, justificação, e
mobilização que podem estar atribuídos a vários grupos sociais paralelos, ou no mesmo nível
hierárquico, mas não necessariamente em níveis nacional e transnacional. Isto quer dizer que,
mesmo que haja uma mobilização para ação coletiva, pode não haver uma dinâmica aprecia-
tiva. A comemoração de um feriado nacional, por exemplo, tem na sua própria narrativa, que
circula de geração para geração através do compartilhamento, a projeção de uma identidade
social, porém isso não significa reconhecer uma uniformidade dentro dum determinado grupo
(Cabecinhas 2015). As emoções associadas às representações sociais são heterogêneas porque
elas são verbalizadas por pessoas com diferentes repertórios de vida, como demonstra Koury
(2010) em seu estudo sobre pertencimento a um grupo de apoio de jovens.
Santos (2016) aponta que a língua, por melhor ou pior, está associada a uma consciência
nacional e a uma ou mais circunstâncias históricas. No caso do português, sob a perspectiva de

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língua pluricêntrica, se as suas periferias são voláteis e modificáveis, não se pode desprezar o
fato de que uma língua com diversas versões padrões, em que centros espalhados pelo mundo
favorecem uma variedade nacional com, ao menos, uma de suas normas codificadas, as identi-
dades de seus falantes nativos não coincidem.
Faz-se imprescindível comensurar o levantamento literário sobre as deficiências em PLE pelo
mundo para compararmos perspectivas. Diversos autores criticam a falta de representatividade
dos países da língua portuguesa na interação diária, promoção educacional, e numa reflexão
comprometida a compreender o português língua pluricêntrica como uma língua comum
(Goglia e Alfonso 2016; Mendes 2015; Oliveira 2013). Estes autores propõem que se adotem
línguas-culturas em que diferentes matrizes ideológicas, identitárias e culturais representem
uma mesma língua. Tendo esse cenário em mente, propomos analisar uma amostra de material
didático voltada para o mercado americano que salienta pluricentrismo como o legado para
comunidades de falantes tolerantes e acolhedores.

O presente estudo
Considerando que o ensino de uma língua estrangeira/segunda significa ensinar sujeitos a
viverem em outra cultura2, cuja língua é sua dimensão primeira (cf. Mendes 2015), buscamos
analisar como um dos materiais didáticos de PLE/PL2 disponíveis no setor editorial americano e
de maior presença nas universidades norte-americanas trata o tema e aborda a pluricentricidade
da língua portuguesa.
Temos em mente o fato de que a língua portuguesa traz diferentes matrizes ideológicas,
identitárias e culturais, que a configuram como uma mesma língua representada por diferentes
línguas-culturas (Mendes 2015). Dessa forma, buscamos compreender como essa característica
pluricêntrica da língua portuguesa é apreendida e representada numa amostra exclusiva de
material didático, o qual consideramos como grande promotor da língua sendo estudada,
juntamente de sua cultura. Dito material é justamente o local em que as diferentes línguas e
culturas são materializadas, e o deveriam ser de tal maneira que aproximasse os alunos destas,
permitindo-lhes se incluírem nesse âmbito complexo e heterogêneo, capacitando-os a se comu-
nicarem, a estabelecerem um diálogo coeso com o outro, de forma que se situem culturalmente.
Para nosso estudo, analisaremos exemplos retirados do livro para o ensino de PLE/PL2,
Ponto de Encontro (Jouët-Pastré et al. 2007), um livro introdutório à aprendizagem de português,
considerado um best-seller. Este livro se divide em 15 lições ao todo, que cobrem aspectos
gramaticais da língua portuguesa.
Enfocamos nossa análise nos elementos textuais e paratextuais, trabalhando com as secções
que compõem cada unidade, além da estrutura geral do livro. Tratamos da questão das variedades
linguísticas apresentadas pelo livro e do significado de sua inclusão (ou exclusão) do corpo do
texto. Por fim, consideramos cada uma das seções nos capítulos deste material didático, divididos
em: “À primeira vista”, “Estruturas”, “Vamos viajar”, “Encontros”, e “Horizontes”. Há também um
glossário de novos termos ao fim de cada capítulo.
Dado o escopo desta análise, não abordaremos a seção “Estruturas”, por se tratar apenas
de apresentação dos aspectos gramaticais relevantes para cada lição. Discutiremos, porém,
exemplos de atividades referentes às estruturas gramaticais explicadas, por serem também
um local onde a representatividade da língua e da cultura lusófona é explorada. Ao longo de
nossa análise, trazemos exemplos de atividades e temas abordados por cada uma das seções do
livro, a fim de exemplificar aquilo que estamos discutindo. Desse modo, poderemos abordar
a questão da pluricentricidade da língua portuguesa tal qual desenvolvida pelo livro, além de
podermos indicar os caminhos que ainda devem ser seguidos para que o português se estabeleça
definitivamente como uma língua de alcance global.

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Sollai & Parma / Representações pluricêntricas de PLE 241

Análise
Iniciamos nossa análise pelo título do livro Ponto de Encontro: Portuguese as a World
Language. O título em português remete a um lugar utilizado como referência, onde pode
ocorrer o encontro, isto é, algum tipo de reunião. Considerando-se as condições de produção (cf.
Orlandi, 2007) de tal enunciado, entendemos que o título se refere a um local onde as diferentes
discursividades, onde a heterogeneidade da língua portuguesa, pode ser encontrada, estudada
e trabalhada. Dessa forma, o livro se propõe a trazer todas as variedades da língua portuguesa
para um único lugar, de forma que os alunos possam explorá-las e entendê-las em seu contexto
maior, isto é, a posição da língua portuguesa no mundo.
O subtítulo em inglês, “Portuguese as World Language”, também evidencia essa questão
da língua portuguesa como aquela que extrapola os limites geográficos (e imaginários) de seus
territórios, e se insere numa ordem mundial. Em outras palavras, o falante de português não está
cercado pelas fronteiras geopolíticas dos países que têm português como língua oficial, mas tem
acesso a mais possibilidades, de contatos, de experiências ao fazer uso dessa língua.
Como se observa no livro, apesar de promover-se como o local de encontro dos diversos
portugueses, nota-se uma certa preferência por determinadas variedades em oposição às outras.
Esse livro texto é considerado o primeiro a oferecer ao aluno a possibilidade de aprender tanto
a variedade brasileira quanto a portuguesa. O livro apresenta uma série de enunciados, itens
lexicais e estruturas gramaticais que são representativas de ambas as variedades, distinguindo-as
através das bandeiras de Brasil e Portugal respectivamente. Um exemplo é a apresentação do
tempo Presente Progressivo. O quadro que traz esta estrutura tem sob a bandeira do Brasil a
forma “Eles estão cantando numa festa”, e sob a bandeira de Portugal se lê “Eles estão a cantar
numa festa”. Outro exemplo se refere à apresentação de itens lexicais, como bolinhos (B)/ pastéis
(P) de bacalhau; café da manhã (B)/ pequeno almoço (P), em que se diferencia uma variante da
outra pela letra (B) para Brasil e (P) para Portugal.
Como se pode notar, há uma preocupação no livro em representar o português como
uma língua plural, ou “mundial” como o subtítulo do livro indica. Um aspecto positivo desta
dualidade é a possibilidade de explorar diferentes formas de se falar uma mesma coisa, dando
ao aluno mais oportunidades de se incluir no âmbito pluricêntrico da língua portuguesa. O
professor também é beneficiado, uma vez que reconhece a sua variedade no livro, e, ao sentir-se
representado, pode trabalhar de forma mais confortável e profunda com os aspectos culturais
e linguísticos que vão nortear sua aula.
Baseando-se nas ideias de Oliveira (2013), notamos, no entanto, uma limitação no livro:
encontramos neste material uma normatização divergente, a qual opõe as variedades brasileira
e portuguesa, sem que se dê a devida visibilidade às demais variedades como as presente nos
PALOP. O autor afirma que, para que o português se estabeleça como uma língua de projeção
global, é necessário haver uma normatização convergente:

aquela normatização que, em benefício dos falantes, amplia a veicularidade da língua, permite
melhor circulação de um mercado linguístico ampliado, com evidentes vantagens políticas,
e finalmente inclui, ao invés de excluir, os países que até o momento não puderam participar
da gestão de sua própria língua oficial, isto é, os PALOP e Timor-Leste. (Oliveira 2013: 42)

O autor defende a constituição de uma língua portuguesa comum, através de um ato político que
deliberará sobre o espaço de variação necessário para que cada um dos países membros da CPLP
se sintam representados. Contudo, enquanto não houver essa política linguística que normatize
a variedade e aumente a visibilidade de todas as variantes da língua portuguesa, pode-se afirmar
que o livro Ponto de Encontro deu o primeiro passo em busca de uma normatização conver-
gente ao não escolher uma variante sobre a outra, mas apresentar as duas lado a lado. Deve-se

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considerar também o fato de que as variedades africanas da língua portuguesa se assemelham


muito à de Portugal, devido ao diferente processo histórico de colonização e ocupação destes
territórios, bem como suas tardias independências.
Dessa forma, tais variedades podem estar representadas nos mesmos itens lexicais e gra-
maticais apresentados como de Portugal. Porém, ao se normatizar tais variedades chamando-as
apenas de “português de Portugal”, silencia-se a história e a produção de sentidos das variedades
portuguesas da África. Próximas edições deste livro, ou mesmo materiais didáticos futuros,
podem levar em consideração a reflexão proposta por Oliveira (2013) e buscar maneiras de
expandir esse importante processo iniciado pelo Ponto de Encontro de visibilizar as diferentes
variantes da língua portuguesa.
Cada lição do livro se inicia com uma seção intitulada “À primeira vista”. Essa seção oferece
um contexto culturalmente baseado para o aprendizado da língua, usando fotos, desenhos e
documentos autênticos, como um passaporte brasileiro ou uma certidão de identidade portu-
guesa. Lições com temas mais genéricos, como roupas e comida, apenas apresentam o novo
vocabulário por meio de imagens associadas às suas devidas definições. Quando a lição trata de
aspectos mais típicos, como festas e tradições, pequenos textos explicativos são apresentados ao
lado de figuras representativas do tema em questão. No caso de festas e tradições, por exemplo, o
livro não se limita às populares celebrações brasileiras, como o Carnaval e a Festa Junina. Inclui
também rituais como o bócadu, de São Tomé e Príncipe, as Festas do Divino Espírito Santo, nos
Açores, além dos festejos elaborados pelas Tabancas, em Cabo Verde.
Esta ampla diversidade de temas e tópicos, com uma notória busca pela inclusão de múltiplas
variedades e de diversos sentidos alavancados por estas notas culturais reflete o apelo de Mendes
(2015) para que se preparem os alunos para viverem naquilo que a autora chama de outra chave
simbólica. Nesta, estão interligadas língua-cultura. Para a autora, ensinar língua-cultura de
maneira integrada “significa que reconhecemos o português como um fenômeno social e simbó-
lico de construção da realidade que nos cerca, o modo de construirmos os nossos pensamentos
e estruturarmos as nossas ações e experiências e as partilharmos com os outros” (Mendes 2015:
218). Portanto, o fato de que o livro se propõe a ensinar língua através de aspectos culturais
demonstra a sua preocupação em promover a natureza pluricêntrica do português.
Outro aspecto a se destacar são as atividades propostas: há uma série de atividades comu-
nicativas, as quais requerem a troca de informações entre os alunos na sala de aula. Não nos
enfocaremos aqui no mérito da qualidade das atividades diante de abordagens metodológicas
distintas para o ensino de língua estrangeira. Nosso foco será trabalhar com as novas estruturas
da língua incluindo-as e um contexto pluricêntrico em que língua e cultura estejam integradas.
Pode-se afirmar que todas as atividades apresentam uma introdução a um problema que
deve ser solucionado ou a uma situação em que o aluno deve se imaginar como participante. Há
uma preocupação com a contextualização da situação para que os alunos usem o vocabulário e
a gramática pertinentes, previamente apresentados. Nota-se uma busca pelo uso da língua em
situações corriqueiras de um país de língua portuguesa. Nesse sentido, o livro Ponto de Encontro
apresenta atividades que seguem o que sugere Mendes (2014), que afirma que os materiais devem
adotar uma concepção de língua em uso, para que sirvam de ponto de partida de experiências
na e com a língua.
Além disso, diversos exercícios usam como contexto um ou vários dos países que falam
português. Desde médicos trabalhando em um laboratório em Cabo Verde a turistas em Lisboa
planejando uma viagem para São Tomé e Príncipe, as atividades propostas no livro também
buscam abranger a diversidade do mundo lusófono. Tal contextualização não é uma constante no
livro, no qual algumas das atividades são contextualizadas de maneira genérica, dando a entender
que as situações que os alunos estão prestes a “experimentar” se passam em qualquer um dos
países falantes de português. Contudo, é importante ressaltar essa tentativa de representatividade
da grande heterogeneidade que a língua portuguesa permite ao aluno/falante.

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Sollai & Parma / Representações pluricêntricas de PLE 243

Dois exemplos retirados do livro são discutidos a seguir. Na Lição 2, uma das atividades
trabalha com descrições físicas de determinados personagens, os quais são apresentados aos
alunos por meio de desenhos. Os alunos devem fazer perguntas sobre cada um dos personagens,
incluindo o nome destes, uma descrição deles, e o local de origem. O nome e o local de origem de
cada um deles estão indicados abaixo da imagem com a representação física de cada personagem.
Tratam-se de seis personagens diferentes, e cada um deles é oriundo de um país diferente da CLP.
O segundo exemplo é retirado da Lição 11. O aluno é apresentado a um contexto para a
atividade, cuja proposta é um problema de saúde de um amigo durante uma viagem pelo Brasil.
Os alunos devem decidir com qual médico vão se consultar em Salvador, Bahia, baseado nos
sintomas apresentados pelo amigo. Nesta atividade, não apenas um país de língua portuguesa
é usado como o lugar em que os alunos devem se imaginar, como também é notável o objetivo
de fazer os alunos atuarem em situações-problema que podem ser encontradas por eles na vida
real, quando numa situação de uso da língua portuguesa. Ou seja, os alunos são convidados
a agirem, a se tornarem cidadãos pertencentes a esta comunidade, a experimentarem a língua
dentro da cultura à qual ela pertence.
Sob a nossa avaliação proposta, as atividades acima apresentadas são exemplos considerados
eficazes em apresentar a língua portuguesa como pluricêntrica, uma língua com diferentes
matrizes ideológicas, identitárias e culturais, através da inclusão de detalhes tanto lexicais,
tais como nomes próprios das personagens oriundos de países lusófonos, quanto detalhes de
repertório e interdiscursividade com referência geográfica e alusão a personalidades culturais.
Outra seção do livro que queremos destacar é a que se chama “Vamos viajar”. Há duas por
lição, entre as seções que apresentam a estrutura da língua. Tratam-se de pequenas leituras sobre
aspectos culturais dos países de língua portuguesa que se relacionam com o tópico principal da
lição (por exemplo, meios de transporte, ou culinária), seguidas de atividades voltadas para a
discussão da leitura. As atividades têm por objetivo a compreensão da diversidade cultural do
mundo lusófono, além da comparação das experiências e do cotidiano dos alunos americanos
com aquelas apresentadas na leitura. Ao nosso ver, é nessa seção em que localizamos o elo de
identificação proposto por Cabecinhas (2015), e reforçado por Koury (2010), pois o aluno tem
a oportunidade de alternar momentos de distanciamento da cultura a qual identifica como
familiar com momentos de pertencimento à cultura do outro.
Esta seção explora temas como a religião no mundo lusófono, a vida universitária, a família
e a sociedade, os sistemas políticos, entre outros. Nesta, todos os países do mundo lusófono
são representados, havendo um cuidado especial para que um destes países não se sobreponha
ao outro. É importante ressaltar que nem as leituras, nem as atividades exigem que os alunos
produzam juízos de valor acerca dos aspectos culturais ali discutidos. Por exemplo, na Lição 9
(Jouët-Pastré et al. 2007: 353), a seção aborda a relação dos jovens com o trabalho, e traça
uma comparação entre os Estados Unidos e os países de língua portuguesa. Ao fim da leitura,
a atividade propõe que os alunos se organizem em grupos e compilem dados relacionados às
suas próprias experiências como jovens trabalhadores, para que, ao fim, apresentem um breve
levantamento estatístico acerca do tema. Dessa forma, coloca-se em confronto a relação dos
alunos e a dos nativos de países lusófonos com o trabalho, apontando as diferenças sem que
seja esperado uma decisão sobre qual prática seria a melhor. O objetivo desta seção é colocar
o aluno em contato com outra forma de pensar e agir em sociedade, apresentando, portanto, a
rede simbólica, cultural e ideológica que marca e orienta os falantes de português (Mendes 2014).
Por fim, tratamos da seção “Horizontes”. Ela encerra cada uma das lições e tem por objetivo
apresentar a diversidade geográfica, política, econômica e cultural do mundo lusófono, com
um texto introdutório seguido de exercícios de compreensão. Os tópicos estão divididos por
regiões e cidades brasileiras, e continua explorando regiões de Portugal, incluindo uma lição
somente para os territórios da Madeira e dos Açores. Segue-se a isso a abordagem de Angola,
Cabo Verde, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor Leste, Macau e a

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comunidade de língua portuguesa nos Estados Unidos. Além disso, essa seção permite que os
alunos continuem a explorar os temas e regiões abordados, através de uma sub-seção chamada
“Para Navegar”, a qual indica aos alunos possíveis websites e temas a serem desenvolvidos em
mais detalhes fora do ambiente escolar. Além de colocar o aluno em contato com aspectos
inexplorados anteriormente, quando da abordagem cultural dos países lusófonos durante a
lição, a seção “Horizontes” também permite que o aluno descubra toda a diversidade ecológica
e geográfica dos países, complementando aquilo que já fora anteriormente apresentado acerca
daquela determinada região.
Um exemplo seria a seção dedicada a Cabo Verde, na Lição 11 (Jouët-Pastré et al. 2007:
438–39). Nela, a geografia, a história, o clima e a economia de Cabo Verde são apresentados ao
lado de questões linguísticas e culturais, as quais perpassam a música e a literatura, com exemplos
de artistas e livros que podem ser pesquisados pelos alunos. As perguntas de compreensão
requerem que o aluno absorva a informação relacionada a todos esses temas, e o “Para Navegar”
permite que os alunos explorem ainda mais todas as questões abordadas no texto, incluindo
pesquisas acerca de atrações turísticas no país e o planejamento de uma viagem a Cabo Verde.
Deve-se notar, contudo, uma correlação direta entre o número de lições dedicadas a
determinada região e sua posição de privilégio dentro da comunidade de língua portuguesa e
sua maior importância no imaginário do aluno visto como alvo pelo material didático. O Brasil,
por si só, nesta seção, ocupa cinco das quinze lições do livro. Portugal tem três lições, com uma
lição exclusivamente dedicada aos territórios da Madeira e dos Açores. Angola, Cabo Verde
e Moçambique têm uma lição cada. Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe são apresentados
simultaneamente, assim como Timor-Leste e Macau. Essa divisão das lições e do conteúdo é
significativa no que se refere à visibilidade e a relevância dadas a estes países, não apenas pelo
livro em questão, e pelo mercado editorial americano, mas sim pela sua inclusão na CPLP.
É importante ressaltar, porém, que cada uma das seções “Horizontes” no livro Ponto de Encontro
usa a variante linguística do país ali sendo abordado. Trata-se de uma iniciativa de grande valor
para a promoção destas variedades e para a busca pelo pluricentrismo no ensino de português.
Como visto acima, o livro de texto analisado comprova que é possível proporcionar uma
experiência de ensino que não seja seletiva, mas sim inclusiva: com variedades que não neces-
sariamente coincidam entre si, expondo o aluno a alguns portugueses do mundo.

Discussão e implicações futuras


A partir da análise do material didático apresentada acima podemos entender alguns dos
significados que a língua portuguesa e suas variantes assumem no imaginário do mercado
editorial bem como nas práticas de ensino nos Estados Unidos. Um dos primeiros pontos a
ser mencionado, dada a sua relevância, é a percepção de que a língua portuguesa não é uma
língua de um lugar só. Através da apresentação da diversidade linguística e cultural que compõe
a língua portuguesa e os países que a têm como língua oficial, o livro dá um importante passo
no sentido de apresentar e reconhecer essa gama de possibilidades que a língua portuguesa
permite ao aluno.
Contudo, tendências editoriais e comerciais mostram que se Portugal é geograficamente
reconhecido como a origem da variante-mãe, e o Brasil retém ⅓ de seus falantes além de ser
umas das maiores economias do mundo, esses países são automaticamente selecionados como
dois grandes blocos de representações lusófonas pleiteando diversidades linguísticas e culturais.
Essa é a origem da valorização destas duas variedades, assim como dos aspectos culturais destes
dois países, como apresentamos ao longo de nossa análise. Porém, como exposto nos exemplos
acima, vê-se um forte movimento de pluricentrismo e inclusão, principalmente na inserção de
interculturalidade, como tentativa de balanceamento.
Como já foi afirmado anteriormente, entendemos que o livro Ponto de Encontro ainda não
representa o ideal de um material didático totalmente pluricêntrico, que dê espaço a todas a

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variantes da língua portuguesa e que seja representativo de toda a riqueza cultural dos países
lusófonos. A fim de combater essa monoglossia que inviabiliza a popularização da riqueza das
línguas e culturas lusófonas, é necessário que todas as expressões artísticas, culturais, linguís-
ticas e sociais dos países de língua portuguesa tenham o mesmo peso e valor influenciador nas
políticas editoriais e educacionais. Devemos ter em mente, contudo, que talvez um material
didático que dê conta de tudo isso seja inexequível.
Para que se possa mensurar a probabilidade de um material com um projeto de maior
representatividade ser publicado, deve-se considerar a necessidade de coordenação entre:
1) escritores-autores lusófonos; 2) falantes nativos de, ao menos, nove países e variadas regiões;
3) especialistas em diferentes áreas de ensino, língua e cultura; 4) equipe do mercado para
revisão editorial; e por fim, 5) a logística geográfica e temporal. Como pode-se notar, esse tipo
de trabalho torna uma abordagem mais inclusiva impraticável, pois o projeto se torna custoso,
e em pouco tempo, obsoleto. Por isso entendemos a necessidade do mercado editorial em fazer
certas escolhas no desenvolvimento de seu projeto pedagógico, a fim de tornar a publicação do
material didático viável.
Por essa razão, o grande mérito do livro que aqui analisamos é dar o pontapé inicial nesse
caminho, indicando possibilidades e tentando ser o mais inclusivo possível. Nota-se uma neces-
sidade de se preparar o professor para trabalhar com uma língua pluricêntrica em sala de aula,
de modo que abranja essa grande diversidade e explore juntamente aos alunos toda a riqueza do
mundo lusófono. Para esse impasse, a nossa amostra, Ponto de Encontro: Portuguese as a World
Language, talvez traga uma possível alternativa: a inclusão de novos insumos informacionais
para o aluno e para o professor através de seu laboratório digital. Contudo, mesmo dentro dessa
iniciativa, percebe-se uma certa homogeneização linguística, contrária à própria proposta do
livro em questão: em seu laboratório digital, nota-se a valorização da variante brasileira urbana,
não apenas excluindo as demais variedades dos outros países membros do CLP, mas também
reduzindo a grande heterogeneidade linguística presente num mesmo país a um tipo de variedade
considerada padrão.
Como já mencionamos anteriormente, o português apresenta grande variedade dialetal
mesmo dentro de um mesmo território (Moreira e Silva 2013). Uma abordagem estritamente
pluricêntrica para o ensino de língua deve levar esse fato em consideração e buscar abordá-lo em
seu projeto pedagógico, uma dificuldade a mais no desenvolvimento de materiais didáticos. Por
isso o laboratório digital talvez seja a melhor alternativa para a inclusão dessa heterogeneidade
linguística das diversas variantes do português, e futuras revisões deste material poderiam incluir
esse aspecto multilinguístico nessa ferramenta educacional.
Um segundo passo proposto por Almeida Filho (2008), e reiterado por Mendes (2011)
neste artigo, é transformar práticas de ensino em oportunidades para que o aluno e o professor
possam aprender a significar, buscar experiências mobilizadoras para interação em uma língua
que se desestrangeiriza gradativamente, e fazer, de sua experiência, uma língua transcendente de
suas fronteiras físicas. Conforme proposto por Mendes (2014), o ensino de língua estrangeira
deve focar-se na língua em uso, ou seja, na construção de uma rede simbólica e ideológica que
marca e orienta seus falantes, sejam esses nativos ou aprendizes de língua estrangeira. Para a
autora, o material didático é uma fonte possível para esse tipo de ensino, e esse é o papel que o
Ponto de Encontro assume, conforme nossa análise anterior. O livro é o ponto de partida para
que o aluno se insira nesse novo ambiente linguístico-cultural a que ele está sendo apresentado,
com toda diversidade e pluralidade nele existentes.
Outro aspecto relevante do livro é o uso de temas culturais de diversos países, além da
problematização de certos assuntos, como a discussão sobre o sistema de saúde e o educacional
dos países lusófonos. O aluno não é somente exposto a tais sistemas e ambientações, mas também
é convidado a participar deles através de atividades que contextualizam o uso da língua a tais
situações. Além disso, também se espera que o aluno pense criticamente sobre estes, fazendo
comparações com sua própria experiência e com o sistema ao qual foi exposto, buscando

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246 Hispania 101 June 2018

s­ oluções para alguns problemas, e também tentando entender a causa destes. Porém, mais do
que apresentar uma opinião sobre o que é certo ou errado, melhor ou pior, o livro se propõe a
expor o aluno a uma realidade diferente e prepará-lo para agir, interagir e existir nesta. A partir
da comparação entre o grupo social a que os alunos pertencem e o grupo do outro ao qual estão
sendo introduzidos, o livro oferece a oportunidade de se identificar a memória social na qual o
aluno está inserido e, simultaneamente, aproximá-lo à do outro. A partir desta comparação,
o aluno pode se identificar com a cultura do outro e, desse modo, inserir-se nessa (cf. Cabecinhas
2015; Koury 2010).
Considerando o livro didático como uma das instituições responsáveis por promover uma
língua estrangeira, voltamos aos desafios a uma abordagem pluricêntrica propostos por Mendes
(2014): informacional, profissional, social e político. Entendemos que o livro didático tem como
responsabilidade direta os âmbitos informacional e político. Pelo primeiro, como defende a
autora, por sua capacidade de apresentar os alunos a diferentes conteúdos linguísticos e culturais
e, dessa forma, promover a formação de cidadãos aptos a transitar em espaços multiculturais,
fortalecendo, assim, o português como língua-cultura. O segundo, por ser um meio de inclusão
e representatividade das diferentes línguas e culturas portuguesas em interação. Acreditamos
que o Ponto de Encontro consegue dar conta desses dois desafios, mesmo que não de maneira
conclusiva. O livro assume essa função de transmissor de conhecimento multilíngue e plural,
bem como tem um importante papel político para a representação das variedades da língua
portuguesa e seu reconhecimento no mundo acadêmico americano. O que se pede é que esses
papéis sejam expandidos, a fim de dar espaço mais igualitário às diferentes línguas-culturas
presentes no mundo lusófono.
O material didático também pode cobrir o desafio social, tal qual proposto por Mendes
(2014), de levar uma educação plurilinguística a alunos de camadas mais populares da sociedade.
Embora esse não seja o único público-alvo do setor editorial, há a possibilidade de alcançá-lo, o
que por si só já é uma vitória para a abordagem plurilinguística. Quanto à questão profissional,
essa não é o objetivo direto do livro didático, visto que esse é desenvolvido tendo em mente, pri-
mordialmente, o aluno, o público alvo desse tipo de publicação. Porém, uma vez que o professor
que adota um determinado livro didático deve estar apto a trabalhar com esse material, há um
efeito retroativo na capacitação profissional desse educador. Portanto, materiais plurilíngues,
como o Ponto de Encontro, também afetam a formação de professores de PLE/PL2, os quais
devem ser preparados para formar cidadãos plurilíngues e interculturais através de práticas
linguísticas mais igualitárias e menos excludentes.
Uma última consideração que fazemos se refere a um aspecto mais pragmático do ensino de
uma língua pluricêntrica. O diferencial de um ensino de língua hoje é a capacitação profissional,
ou seja, a possibilidade de usar o aprendizado duma língua pluricêntrica para situar o aluno
profissionalmente com conteúdo instrumental e profissionalizante. Estudos futuros devem avaliar
o alinhamento entre essa prontidão para o mundo profissionalizante e PLE/PL2.
Ações colaborativas, tais como o website PPPLE.ORG, apresentam uma linha de pesquisa
futura extremamente promissora, pois podem triplicar seu alcance, tanto de usuários como
de fontes informativas. Como propõem Muhr (2012), Mendes (2015), e Reis (2015), ações
conjuntas devem surtir efeito nos níveis influenciadores informacional, profissional, social e
político. O Quadro de Referência para o Ensino de Português no Estrangeiro (QuaREPE), criado
em 2009 pelo Ministério da Educação e Ciência de Portugal, também é uma ação colaborativa
governamental no âmbito da Política Linguística, com o Instituto da Cooperação e da Língua
(Camões I.P.) do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e objetiva proporcionar aferição dos
níveis de proficiência para docentes e alunos em fichas de organização, gestão e aplicação ao
ensino de PLE/PL2 (Silva 2013). Seus grandes desafios, no entanto, para implicações futuras
são a) fortalecer a divulgação de um planejamento linguístico pluricêntrico, e b) certificar
aprendizagens além de esferas políticas e do Camões I.P.

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Conclusão
Em comparação ao ensino de espanhol, é fato que não há uma gama ampla de material
didático disponível para o ensino de PLE e culturas lusófonas que combinem fontes híbridas
(presencial e remota) para práticas de ensino, textos autênticos para todas as idades, abor-
dagens específicas para todos os tipos de alunado, tais como PLE/PL2, língua de herança, de
acolhimento, de libras, para surdos ou para imigrantes no mercado editorial norteamericano
atualmente. No entanto, também é fato que pluricentricidade não é incluir tudo e todo objetivo
esperado num único material editado ou livro didático (Batoréo e Casadinho, 2009). Pluricen-
tricidade vai muito mais além: constrói uma agenda institucional, profissional, social e política
para que, respectivamente, popularização, instrumentação, sustentabilidade e acesso sejam
indiscriminados (Duarte, 2015; Mendes, 2014).
Concluímos que os resultados coletados e analisados acima servem o propósito específico
de público-alvo, abordagem e modalidade a que se propõem. Como afirmado anteriormente, o
livro Ponto de Encontro é um marco no ensino de PLE/PL2 por oferecer a possiblidade de estudo
de duas variantes em um só livro. Também se nota sua preocupação em incluir temas e assuntos
relevantes a todos os países lusófonos, e não apenas seus maiores promotores mundiais. O livro,
portanto, indica um cuidado no mercado editorial americano com a diversidade da língua e
cultura lusófonas, bem como uma tentativa de aproximar os alunos americanos desta mesma
diversidade que torna a língua portuguesa única e plural.

NOTAS
1
É importante, contudo, que não façamos generalizações relacionadas a materiais didático em língua
portuguesa através da análise de apenas um livro didático encontrado no mercado editorial americano.
Gostaríamos de esclarecer que nosso objetivo com esse artigo não é o de tratar de forma conclusiva
essa questão, como se ela pudesse ser generalizada para todos os livros didáticos disponíveis em língua
portuguesa, mas como a questão do plurilinguismo é abordada no material selecionado para nossa análise.
2
Ressaltamos que nem todos os alunos de língua estrangeira têm intenção de viver no país onde essa
língua é falada. A motivação para se aprender uma língua estrangeira pode ser simplesmente completar
um requisito linguístico imposto pela universidade, o desejo de aprender a língua de sua família, ou por
motivos mais pragmáticos, como a possibilidade de se usar essa língua para negócios. No entanto, aqui nos
referimos à necessidade de se ensinar uma língua estrangeira de modo que permita que o aluno reconheça
a perspectiva cultural trazida por essa língua, como ela constitui e é constituída pela história e cultura
locais, etc. “Viver em outra cultura” não significa necessariamente habitar em outro país, mas ser capaz de
interagir com membros de uma outra cultura.

OBRAS CITADAS
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/wp-content/uploads/2014/10/What-Portuguese-Instructors-Want-in-Textbooks-final1.pdf. Acesso
6 nov. 2016.
Batoréo, Hanna. (2014). “Que gramática(s) temos para estudar o português língua pluricêntrica?” Revista
diadorim, vol. 16, pp. 1–15.
Batoréo, Hanna Jakubowicz, e Margarida Casadinho. (2009). “O português—Uma língua pluricêntrica: O
caso de Timor-Leste”. Revista portuguesa de humanidades, estudos linguísticos, vol. 13, no. 1, pp. 63–79.
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Clyne, Michael, editor. (1992). Pluricentric Languages: Differing Norms in Different Nations. Walter de
Gruyter.

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