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CLIL: Princípios Pedagógicos e Possibilidades ↹ Handout ① 

Leia e reflita sobre estes pressupostos teóricos. 

⓵ Concepção de Língua 

Na  Educação  Bilíngue,  o  processo  de  ensino-aprendizagem  de  Inglês  compartilha  da  concepção 
interacionista  de  linguagem,  o  que  pressupõe  a  existência  de  um  diálogo  constante  e  permanente  no 
qual  o  indivíduo  emprega  linguagem  não  somente  para  expressar  seus  pensamentos  ou  para  transmitir 
conhecimentos, mas, principalmente, para agir, para atuar sobre o outro e o mundo.  

Segundo  os  postulados  de  Bakhtin,  a  língua  concretiza  nossos  enunciados,  sejam  eles  orais  ou 
escritos,  concretos  e  únicos,  que  emanam  dos  integrantes  de  uma  ou  outra  esfera  da atividade humana. 
Nesse  sentido,  o  texto  passa  a  ser  considerado  o  próprio  espaço  de  interação  entre  os  sujeitos  que, 
dialogicamente,  nele  se  constroem  e  são  construídos. Para esclarecer esse conceito bakhtiniano, Fuza et 
al. (2011) afirmam que 

A  língua  se  constitui  em  um  processo  ininterrupto,  realizado  pela  interação  verbal, social, 
entre  interlocutores,  não  sendo  um  sistema  estável  de  formas  normativamente  idênticas. 
Dessa  forma,  os  sujeitos  são  vistos  como  agentes  sociais,  pois  é  por  meio  de  diálogos 
entre  os  indivíduos  que  ocorrem  as  trocas  de  experiências  e  conhecimentos.  Os  modos 
de  dizer de cada sujeito são, ainda, efetivados pelas oportunidades oferecidas pela língua, 
e  só  se  concretizam  por  meio  dos  gêneros  discursivos  orais e escritos, que servem como 
mediadores entre o enunciador e o destinatário. (​FUZA et al​.​, 2011, p. 489.) 

Essa  concepção  contrapõe-se  às  visões  conservadoras  de  língua,  que  a  tem  como  um  objeto 
autônomo,  sem  história  e  sem  interferência  social.  A  linguagem  se  faz,  portanto,  pela  interação 
comunicativa  em  situações  de uso, mediada pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em 
determinados  contextos  sociais  e  ideológicos.  Dessa  forma,  os  interlocutores  são  sujeitos  ativos,  que 
ocupam lugares sociais e que atuam em diversas esferas comunicativas. 

⓶ Inglês Língua Adicional 

Na  Educação  Bilíngue,  inglês  é  uma  língua  adicional.  Em  nosso  contexto,  essa  aprendizagem 
normalmente  envolve  alunos  que  já  tiveram  acesso,  direto  ou  indireto,  à  língua  inglesa  em  diferentes 
esferas  de  comunicação.  Por  exemplo,  um  aluno  que  viaja  para  os  Estados  Unidos  e/ou  aquele  que  usa 
recursos  tecnológicos com facilidade pode ser considerado mais experiente com relação à aprendizagem 
de  Inglês.  No  entanto,  para  que  essa  nova  língua  se  constitua  permanentemente  como  sua  língua 
adicional,  é  preciso  que  o  aluno  a  utilize  com  regularidade,  pois,  para  ser  considerada  adicional,  faz-se 
necessário  ​não  apenas  aprender  o  seu  sistema  linguístico,  é  preciso  usá-la  como  parte  integrante  do 
cotidiano  escolar  e  ampliá-la  para  o  diálogo  em  outras  esferas  de  comunicação,  permitindo  que  o  aluno 
se  transforme  em  um  sujeito  capaz  de  transitar  entre  suas  línguas  para  interagir  no  mundo  e  com  o 
mundo.  


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A  língua  adicional  (Inglês)  considera  a  existência  de, no mínimo, outra língua - em nosso contexto, 


português  -  com  a  qual  o  sujeito  constrói  uma  relação que envolve aspectos sistêmicos, de prática social 
e  de  identidade.  Dessa  forma,  surgem  implicações  pedagógicas  de  ordem  prática, uma vez que nenhum 
desses  aspectos  desenvolve-se  exclusivamente  em  inglês  ou  em  português.  A  língua  adicional  é 
construída  a  partir  do  português, a língua que o aluno domina; o sistema dessa nova língua, incorporando 
principalmente o léxico e a sintaxe, é construído a partir da língua materna. 

Investir  no  que  o  aluno  sabe  em  sua  língua  materna  para  aprender  outra  língua  representa 
introduzir  uma  turbulência  na  sua  zona  de  conforto  com  o  objetivo  de  enriquecer  o  que  ele  conhece  e 
constituir o que ainda precisa ser conhecido. Segundo Leffa e Irala (2014), 

Desestabiliza-se  para  despertar  a  insatisfação  com  as  lacunas  e  fazer  ver  a  necessidade  de 
criar  novas  conexões  com  o  mundo,  reformulando  os  componentes  de  seu  conhecimento 
prévio  de modo que se encaixem com os componentes do currículo da escola e do mundo. O 
aluno  precisa  se  estruturar  internamente  até  dar-se  conta  de  que  está  adquirindo  um 
instrumento  de  prática  social,  muito  além  do  léxico  e  da  sintaxe,  com  a possibilidade real de 
ampliar  seu  raio  de  ação  no  mundo.  O  que  se  sabe  é  importante  não  como  conhecimento 
acabado,  mas como potencialidade para a eclosão de novos conhecimentos. (​LEFFA e IRALA​, 
2014, p. 34.) 

Ao  ensinar  inglês  como  Língua  Adicional,  a  escola/instituição  estará investindo em um modelo de 


bilinguismo  dinâmico,  que  pressupõe  a  interação  de  pelo  menos  duas línguas para a prática de múltiplas 
linguagens em diversos contextos sociais.  

⓷ O Sujeito Bilíngue 

Com  o  desenvolvimento  da  globalização  e  a  crescente  internacionalização  do  mundo acadêmico 


e  corporativo,  surgiram  novas  indagações  sobre  o  que  significa  ser sujeito crítico e atuante nas inúmeras 
esferas  de  comunicação  das  quais  participa.  A  questão  aqui  não  se  restringe  ao  número  de  línguas  que 
esse  sujeito  fala,  tampouco  ao  grau  de  proficiência  apresentado.  Em  vez  disso,  devemos  refletir  sobre 
como  as  línguas  coexistem  e  como  elas  interagem  com  a  língua  materna  para  constituir  a  identidade do 
sujeito  falante.  Ball  e  Freedman  (2004)  salientam  que,  para  Bakhtin,  a  diversidade  de  linguagens 
produzida  por  diferentes  forças  sociais  e  personalidades  individuais, denominada heteroglossia, engloba 
uma  multiplicidade  de  vozes  que  permitem  o  diálogo  entre  línguas  e/ou  dialetos  que  estão 
permanentemente  em  contato.  Com essa perspectiva, Maher (2007) explica que o sujeito bilíngue ​(Figura 
1)​ não apresenta comportamentos idênticos nas duas línguas: 

Ao depender do tópico, da modalidade, do gênero discursivo em questão, a depender das 
necessidades  impostas  por sua história pessoal e pelas exigências de sua comunidade de 
fala,  o  sujeito  bilíngue  é capaz de se desempenhar melhor em uma língua do que na outra 
–  e  até  mesmo  de  se  desempenhar  em  apenas  uma  delas  em  certas  práticas 
comunicativas. (​MAHER​, 2007, p. 73.) 
 


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Dessa  forma,  o  sujeito  bilíngue  é  um  indivíduo  com  um  comportamento  único,  que  funciona  em 
um  universo  discursivo  próprio,  que  não  é  nem  o  do  falante  monolíngue  em  L1  nem  o  do  falante 
monolíngue em L2. Nesse contexto, entendemos que o repertório linguístico do sujeito bilíngue ​(Figura 2) 
é  fluido  e  mutável.  Segundo  Busch  (2015),  o  conceito  de  repertório  linguístico  é  descrito  como  a 
competência  comunicativa-discursiva  demonstrada  pelos  sujeitos-falantes  de  línguas  que  são 
socialmente  móveis  e  comprometidas  com  recursos  comunicativos  concretos  utilizados  por  esses 
indivíduos  em  sua  vida  cotidiana,  que  refletem  sua  história  e  trajetória  de  vida,  representada  em  uma 
diversidade de espaços socioculturais, históricos e políticos reais.  

 
Ao  analisar  a  fluidez  das  línguas  que  compõem  o  repertório  linguístico  do  sujeito  bilíngue  e  dos 
diferentes  graus  de  competência  que  ele  apresenta,  devemos  considerar  os  processos  de  mudança  e 
reestruturação  no  interior  desse  repertório  ao  longo  do  tempo.  É  assim  que  esses  indivíduos  navegam 


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entre  suas  línguas  no  contínuo  da  bilingualidade,​1  de  forma  que  possam  dar  mais  sentido  aos  seus 
mundos bilíngues. 

O  funcionamento  discursivo  único  do  sujeito  bilíngue,  portanto,  prevê  a  utilização  de  estratégias 
próprias  de  seu  repertório  linguístico  que  não  são,  de  maneira  alguma,  aleatórias.  Garcia  (2009) 
denomina  as  práticas  discursivas  do  sujeito  bilíngue  como  “Translanguaging”.  Segundo  a  autora,  a 
competência  comunicativa  do  sujeito bilíngue só pode ser compreendida e avaliada sob a perspectiva do 
falante: 

Translanguaging  é  uma  abordagem  do  bilinguismo  baseada  nas  práticas  discursivas  dos 
sujeitos  bilíngues  que são prontamente observáveis. A escolha de uma língua ou outra, ou 
até  mesmo  das  duas  simultaneamente,  refere-se  não  somente  a  diferentes  valores  e 
atitudes,  mas  também  a  diferentes  possibilidades  e  intenções  comunicativas.  (​GARCIA​, 
2009, p. 43.) 

Portanto,  para  interagir  no  –  e  com  o  –  século  21,  o  sujeito  bilíngue  é  capaz  de  produzir  práticas 
discursivas  que  funcionam  simultaneamente  no  espaço  e  no  tempo.  À  medida  que  as  línguas  se 
expandem,  o  sujeito bilíngue pode escolher novas oportunidades de interação com o mundo globalizado, 
o  que  o  leva  a  atuar  em  diversas  realidades  sociais  que  coexistem  e  que  são  permeadas  por  diferentes 
elementos culturais. 

Referências Bibliográficas  

F​UZA​,  Ângela  F.  et  al.  Concepções  de  linguagem  e  o  ensino  da  leitura  em  língua  materna.  In:  ​Linguagem  &  Ensino.​  
Pelotas, 2011. 

G​ARCIA​, Ofélia. ​Bilingual Education in the 21st​ ​ century​: a global perspective. Wiley-Blackwell. 2009. 

L​EFFA​,  J.  V.;  I​RALA​,  V.  B.  O  ensino  de  outra(s) língua(s) na contemporaneidade: questões conceituais e metodológicas. 


Pelotas: Educat, 2014. 

M​AHER​,  T.  M.  Do  casulo  ao  movimento:  a  suspensão  das  certezas  na  educação  bilíngue  e  intercultural.  In: 
Transculturalidade, linguagem e educação.​ Campinas, 2007.  

1
  A  bilingualidade  é  vista  como  a  expressão  individual  do  bilinguismo.  Com  isso,  cada  indivíduo  possui  um  grau de 
bilingualidade que é mutável e dinâmico de acordo com os contextos bilíngues em que estão inseridos.   
 

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