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A Menina De Quatro Cores (Pocket Julho 2016) Alpha: E é tã o importante assim que o heró i da

histó ria seja uma menina?


SOBRE AS MARCAS DE DIREÇÃ O
Direita e Esquerda estã o definidas de acordo com a Menina: Sim! Eu acho que está na hora da gente
visã o do pú blico! Em amarelo, estã o as marcas de luz. contar uma histó ria de heroína!

CENA 1 (LUZ DE SERVIÇO ou CORREDOR – apaga o palco /


atores descem o corredor cantando e fazendo sons
(Narrador Alpha [aka: Menino que Roubava o do seu “animal primordial”, com dança e festa
tempo – figurino do Anciã o] vem pela esquerda. enquanto formam posiçã o inicial no corredor,
Menina entra pela direita – LUZ GERAL BRANCA) cantando entre si e para o pú blico)

Música (trecho): Asas batendo Música (trecho): Como é que se fala coração
Menina: Hey você distraído! Menina!
Diz pra onde mirar Como é que se fala coraçã o
Tenho asas batendo na tribo de onde você vem?
Nã o sei onde pousar... (2x) Como é que se acha um jeito
(canta para si, mas na repetiçã o vê o narrador de viver sem ser perfeito
Alpha e o encara, faz um cumprimento e diz) e ainda assim tentar ser alguém?
Menina: Sabe... eu nã o consigo entender. Como é que se fala coraçã o
na tribo de onde você vem?
Alpha: O que é que aperta seu coraçã o, Menina? Como é que se diz a histó ria
de quem deixa a sua marca?
Menina: Por que é que todas as histó rias que a Como é que se faz pra ir além?
gente conta só tem heró i menino?
(apaga a luz de serviço ou focã o /acende geral
(congela a cena no palco / apaga o PALCO / do branca)
fundo cantam os atores / LUZ de SERVIÇO NO
CORREDOR ou FOCÃ O) Narrador A: (entra pela direita, anda até
posição central/direita e fica)
Música (trecho): Como é que se fala coração Era uma vez um povo que contava histórias
É de quatro cores! e que morava no lugar onde o sol se põe
Filhos da natureza, os elementos eram seus guias,
(atores permanecem no fundo / VOLTA LUZ no E cantando e dançando sempre a mesma melodia
palco [geral branca]) Eles ensinavam e aprendiam novas lições.
É que toda vez que a gente conta uma história
Alpha: Olha, nã o sei se é bem assim! Quer ver... ela é a mesma e só o que muda é o tom
tem a... e a... espera um pouco que eu estou E o tom dessa história
tentando me lembrar! a gente ainda não sabe.

Menina: Você nã o percebe que as histó rias da Música (trecho): Como é que se fala coração
tribo sã o sempre iguais. Princesas estã o sempre lá , moyo wangu ana rangi nyingi
esperando a vida inteira sem fazer nadinha até que
um grande heró i chega do nada pra resgatá -las? É de quatro cores!

Alpha: Ora, eu acho que nã o é exatamente desse (black out – atores saem no escuro / Menina e
jeito, se você for ver, há outras maneiras de Alpha entram conversando e ocupam posiçã o
interpretar isso que você está falando. central – geral branca)

Menina: Mas, interpretando ou nã o, parece que a CENA 2


funçã o das meninas nas histó rias é só servir de Alpha: O que eu estou tentando explicar é que na
prêmio para os meninos, que sã o os ú nicos heró is. verdade nossas histó rias sã o tradiçõ es muito
antigas, foram contadas sempre assim e fazem
parte da histó ria de nosso povo.
1
Menina: Mas nã o tem outro jeito de pensar nessas CENA 3
tradiçõ es? Eu nã o consigo me conformar que só (Menino vem da lateral do palco e a cumprimenta.
exista essa histó ria de que todo mundo fala. Focã o no Menino e na Menina)

Alpha: O lugar que a gente procura sempre Menino: Oi! Eu vi você por aqui e pensei se eu nã o
aparece... podia ficar aqui por perto com você!

Menina: ...quando a gente para de procurar! Olha, Menina: Vem cá , pode sim! Eu nã o queria dormir
eu já ouvi isso mil vezes e pra mim nã o tem esse tã o cedo... estava olhando pra lá !
“lugar lindo onde o sol se põ e romanticamente”...
sabe... eu simplesmente nã o vejo isso! Menino: Pra lá onde?

Narrador Alpha: Olha só ... Menina: Pra lua lá no longe!


Música: E se eu gostar de cantar? {Cesar Sinicio}
Narrador Alpha: Menininha tá na hora de olhar Menino: O que é que tem de legal no longe?
pra tua vida e sacar que cada um tem um lugar.
E se o mundo te botou aqui na tribo é coisa daqui Menina: É que pra chegar no longe a gente tem
da tribo que a menina vai gostar! que ir embora de onde está ...
Menina: Nã o tenho chance nã o
Alpha/Coro: de sair Menino: Eu nã o gosto dessa histó ria de ir embora
Menina: E nem uma cançã o nã o! Tem tudo que eu preciso aqui na tribo.
Alpha/Coro: pra seguir (silêncio... menina vê que tocou num ponto
Menina: Eu sou que nem balã o, sensível... mas puxa assunto novamente)
mas por ser menina tenho que ter uma
direçã o só . Menina: Mas o que é que você vê na lua?
E se eu gostar de dançar?
Qual é a minha cor? Menino: Ora, a lua, ué!
É da cor que vem o canto,
ou nã o importa aonde eu vou? Menina: Já reparou que ela sempre muda.

(Alpha sai balançando a cabeça depois do primeiro Menino: É ... (sem dar muita atençã o). Eu nã o vejo
refrã o enquanto a menina senta na lateral direita muita graça na lua nã o!
do palco, pensativa, na beira)
Menina: Pois eu vejo uma boca sorrindo! (brinca
(mudança de luz – acrescentar tom de cor ou luz de sonhadora)
outra posiçã o para marcar a mudança)
Menino: Nã o! Se a lua é um sorriso, onde estã o os
Narrador C: (entra pela direita, anda até olhos, o nariz...?
posição central/direita e fica)
Numa tribo bem distante vivia uma Menina Menina: Na sua cabeça! (brincando)
que tinha vontade de saber quem era.
Todo lugar que ela ia Menino (apalpa a cabeça, como quem procura)
olhava pra ela e nada dizia.
Heróis de armadura, Menina: Nã o aqui fora... aí dentro!
meninos que roubavam o tempo
sábios, velhos e reis em castelos, Menino: Você tem ideias demais nessa sua cabeça!
mas nada, nenhuma história mesmo de menina.
A Menina dessa história tinha sede de aventura Menina: Tenho. (dá um tempinho e recomeça
e ela via beleza na lua como se nada tivesse acontecido, como num papo
que brincava de mudar de rosto de bons amigos) O que você acha que vai ser
E achava que devia brilhar além. quando crescer?
Princesas valentes, ela dizia,
Será que elas não salvam o mundo também? Menino: Grande!

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Menina: (com cara de bronca) E o que o menino Menino:
grande vai fazer? (meio de zoaçã o) E a menina abriu caminho na mata e no mito
E brincou de escrever com os pés na terra a história
Menino: Contar histó rias, caçar, amar, sei lá , eu que ela mesma queria buscar
posso ser o que quiser! E você? Rodou cata-vento colorido para visitar os mundos
onde, quem sabe, pudesse estar seu coração.
Menina: Eu nã o sei... Eu quero ser como a lua,
sabe? (menino sai do palco – blackout – do fundo vem
um narrador e a luz vai crescendo junto com a
Menino: Sorridente assim? Ou cheia? Como é que primeira frase)
você quer ser um negó cio que muda o tempo todo?
Narrador Estrela:
Menina: Eu nã o sei explicar. Eu tenho vontade é de Era uma vez uma estrela
descobrir, sabe? que no pretume do céu oscilava intensos brilhos.
Ela sempre parecia parada no mesmo lugar,
Música (trecho): Partida {Cesar Sinicio} mas achava que talvez não fosse bem assim.
Vem cá , vem me explicar Um dia, viu um pontinho de luz refletido na água de
o que eu nã o posso enxergar um rio lá perto da tribo
Por que somente heró is E aproveitou pra descer bem depressa
tem que a princesa salvar, e ver de perto o lugar
trazer a gló ria e a honra pro lar Desprendeu-se do escuro do céu e foi estrela
cadente.
Menino: Os velhos dizem que se a gente ouvir E enquanto cruzava o universo em chamas viu que
histó rias consegue saber quem é. transformava as partículas ao seu redor.
Estrela, reflexo, chuva de meteoro,
Menina: Mas eu ouço as histó rias da tribo e elas tudo isso que brilha do fogo de querer saber quem é,
nã o parecem falar sobre mim. Onde estã o as é a menina.
histó rias que me contam quem eu sou?
CENA 4
Menino: Na sua cabeça! (acendem as luzes de serviço, da plateia e
corredor, do fundo da plateia vem a Moça Fogo
Menina Nã o.. eu nã o consigo encontra-las aqui [ENDY] e um amigo(a) [FOGO] conversando de
dentro... longe e falando alto indo em direçã o ao palco e
pú blico)
Menino: Se suas histó rias nã o estã o aqui na tribo,
como você vai encontra-las? Endy: Bonitas narraçõ es e essa ideia de tribo! Uau!
Mas teatro mesmo é diferente, né?
Menina: É isso que eu preciso descobrir...
Fogo: Teatro é diferente! O que você sugere?
Música (trecho): Partida {Cesar Sinicio}
Sinto que há um segredo Endy: Olha só , a gente pode colocar uns atores no
certo brinquedo meio do pú blico aqui nos corredores e as pessoas
no movimento luar nã o vã o saber exatamente o que está acontecendo
Nessa força flutua e vã o ficar confusas!
faces da lua
fazem sair do lugar Fogo: Mas isso é arriscado! E se elas começarem a
Vou lá , vou caminhar, interagir de verdade e a coisa sair do controle?
calçar as botas em par
Nã o há quem entre nó s Endy: É isso que é teatro! Controle é coisa de
negue o princípio exemplar: condicionamento e dominaçã o! As pessoas tem que
só quem já viveu a histó ria pode a recontar ser tocadas pela arte da peça e é isso que vai fazer
da experiência algo realmente significativo.
(Menina deixa o palco / Menino volta, matreiro,
narrando o início da jornada da Menina) Fogo: É , talvez você tenha razã o!
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(durante a mú sica acontece um exercício de teatro
Endy: Eu sempre tenho razã o! simples do qual a Menina participa)

(Menina vem da coxia para o palco e vai se Endy: Muito bem! (pode fazer observaçõ es
aproximando– GERAL BRANCA) pontuais sobre a performance – aponta para
pessoa do microfone) Talvez a gente precise
Endy: Pega a prancheta ali, pra mim! Vamos encurtar essa mú sica, né? É muita viagem...
organizar esse palco aqui, galera? (rindo!) (vira para a menina) E aí, gostou do
grupo? Acha que tem as histó rias legais que você
Menina: Oi! procura aqui? Quer participar?

Endy: Oi! Você veio pro ensaio do grupo de teatro? Menina: Acho que é um bom começo, mas eu ainda
tenho outras viagens pra fazer.
Menina: Nã o exatamente, eu... eu estou
procurando histó rias onde eu possa... Endy: Pois vá viajar, entã o!

Endy: (interrompendo) A gente provoca as Menina: E o que eu faço pra saber se encontrei?
pessoas pra histó ria da vida delas se transformar!
Endy: Eu tenho aqui pra mim que ‘O caminho é
Menina: É isso mesmo que eu quero! mais importante que a chegada!’ (fala como que
recitando).
Endy: Vamos aquecer entã o, já junta com as
pessoas! (falando mais alto!) Galera! Andando pelo Fogo: Que lindo!
espaço... Sss Fff Chh Pá ! Ocupando o espaço! Galera
da frente peguem os copos! Galera de trá s lembra Endy: Eu que inventei! Anota pra gente usar na
do “peito, estrala, bate, peito, estrala bate” pró xima peça! (tira o acessó rio que está levando)
E... olha aqui! Leva isso (entrega acessó rio) pra
Menina: E eu...? você lembrar de incluir a gente na sua histó ria!

Endy: Peito, estrala, bate, peito, estrala, bate. Menina: Eu vou me lembrar!
(olhando para quem vai começar a mú sica) Você!
Microfone! Puxa o som! Endy: Que minhas palavras te transformem como
o fogo!
Música: Outra viagem {Ana Sinicio}
Tomo um copo de café Menina: Eu agradeço por elas!
Preparo a mala, arreda o pé
É outra viagem, é outra viagem Endy: Vamos dar uma passada naquela cena do
O nã o, o sim musical infantil?
Um sim, um nã o
Um até logo e um coraçã o Música: A menina de quatro cores {Cesar}
é outra viagem, é outra viagem Tem quatro cores, essa menina
Se eu fico aqui, se eu vou pra lá Que é da China, é do Brasil, é d’Africa
Os lá bios coçam pra cantar Ela é moleca, essa menina,
E o grito faz pular portã o E é difícil conhece-la e nã o amar
A asa tira o pé do chã o E ela mal pode esperar pra viajar
É muita coragem Ele é princesa e heroína
É outra viagem E o mundo inteiro, sem fronteira é seu lugar
Nã o era miragem
Testa o sangue, acorda a fé CENA 5
Costura o rasgo, grita é
É outra viagem (MUDANÇA DE LUZ: deixar em um pouco menos
É muita coragem de 100% se possível, criar clima, cor azul se
É outra viagem disponível – monta-se o rio com tecido, na parte da
Nã o era miragem frente do palco durante a narraçã o)
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Narrador Nascente: Lucia: A minha tem a ver com compartilhar os
Era uma vez a nascente, caminhos possíveis com essa pessoa que se
Que surgia num fiozinho de á gua lá perto de onde a aproxima. E a sua, o que você sente que é?
tribo se esconde.
A fonte de á gua seguia sentindo tudo ao redor e lá Menina: Eu nã o sei se sou contadora de histó rias
na frente alargava num ribeirã o. ou a pessoa que precisa ouvir histó rias e que está
A nascente tinha essa vontade enorme de correr esperando ainda pra chegar.
pra longe e ao mesmo tempo um desejo gigante de
querer ficar. Lucia: Seu caminho parece que está ainda mais à
Um dia, virou cachoeira e chamou as pedras pra frente...
dançar sem medo,
depois, virou lagoa nos cercados de terra pra Música: Como um pássaro {Ana Sinicio}
descansar. Lucia: Lá , pra lá
A fonte de á gua até virou oceano, Aonde a gente nã o
Porque raso ou profundo, sempre há movimento Aonde a gente nã o consegue enxergar
nas correntes que percorrem o mundo. A tua alma pede pra voar
A nascente, a cachoeira, a lagoa e o mar, tudo isso E construir um chã o onde possa pisar
que flui na á gua de onde a gente vem, é a Menina Coro: Lá , pra lá
da histó ria. Aonde a gente nã o
Aonde a gente nã o consegue enxergar
(algumas das meninas estarã o no rio com roupas A minha alma pede pra voar
para lavar; Mã e Á gua [LUCIA] entra cantando E construir um chã o onde eu possa pisar
sozinha e na segunda estrofe cantam com ela - Solo: Voa livre como um pá ssaro
coreô zinha) Que acabou de sair do ninho
Voa e pousa aonde for melhor
Música: Aliá {Daniela Coutinho} Aonde for melhor pra você ficar
Sou a guerreira, a princesa, a sacerdotisa,
a guia na lida e no lar. Menina: Eu acho que eu ainda nã o encontrei esse
Sou a menina que é mã e do heró i, chã o pra pisar. Mas eu nã o quero ficar aqui
da heroína e das crias que outras deixar esperando.
Matriarca das manadas
O arrimo que traz o pã o Lucia: Esperar é pra quem fica feliz com isso. Se os
Fonte de vida em á guas claras seus pés querem correr, vai lá conhecer o mundo.
E nas tempestades eu sou o trovã o
Menina: Correr me faz sentir bem!
Menina: Oi... que mú sica linda! Pra quem é que
você tá cantando? Lucia: Entã o é isso que te convém! Leva isso aqui
pra você lembrar de incluir a gente na sua histó ria!
Lucia: Pra pessoa que está para chegar. Eu
agradeço que me ouça. Mú sica é assim: mais Menina: Eu vou me lembrar!
má gica quanto mais ouvidos tem pra escutar.
Lucia: Que minhas palavras te movam como a á gua!
Menina: Ah, mas você está esperando alguém e eu
estou atrapalhando... Menina: Eu agradeço por elas

Lucia: Estou esperando sim, mas ainda leva um CENA 6


tempo pra essa pessoa chegar. Música (trecho): Se essa rua fosse minha
Lucia: Se essa rua, se essa rua fosse minha
Menina: Eu nã o entendo... Eu mandava, eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante
Lucia: Eu sempre quis sentir que através de mim Para o meu, para o meu amor passar
uma outra histó ria vai começar.
Narrador E:
Menina: Eu queria entender a minha histó ria... Se essa rua fosse da menina
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Ela sairia correndo pra ver onde chegar. Assim ele pode ficar do jeito certo, sabe? Do meu jeito...
E colocaria um telescópio, bem grande, digo... do seu jeito... olha, vem cá que vou te mostrar!
para ver as estrelas brilhantes e a lua.
É que o coração da menina tinha sido roubado pela (Velha Terra deixa a pintura dela para verificar as
vontade de ir longe pra viver histórias e fazer canção. outras e a Menina entra em cena e vai olhar de perto. A
Menina entã o mexe no quadro, pintando um pedaço.)
(Menina nã o se identifica com a letra e muda)
Se essa rua, se essa rua fosse minha Ana: Hey! O que você acha que está fazendo?
Eu andava, eu andava a procurar
Vendo a lua, vendo a lua tã o brilhante Menina: Me desculpa... eu... eu senti que podia
Vou achar, vou achar o meu lugar acrescentar algo...

CENA 7 Ana: Nã o! Sem observaçã o e respeito com o que o


(mudança de luz - atores entram com cavaletes e telas, outro planejou nã o é possível acrescentar nada!
posicionam-se de frente para a plateia, incluindo a
Velha Terra, enquanto o narrador fala, alguns dos Menina: Me desculpa... eu nã o sabia disso... eu
movimentos sã o coreografados e simultaneamente sinto muito por ter estragado o seu quadro...
todos os pintores o fazem no desenho)
Ana: Repare nessa pintura, Menina! Nã o é como se
Narrador Raíz: houvesse algo pra acrescentar. Esse quadro foi
Era uma vez a raiz, firme e emaranhada no chão. pensado pra ficar perfeito!
Servia de suporte enquanto a árvore crescia.
Um dia, cansada do ofício, pensou: “Quem fica embaixo Menina: Eu nã o sei se eu entendo... é que eu nã o
da terra nunca vê a lua! Sai daí, Raiz, vai pra rua!” sei o que é esse negó cio de perfeito...
Desprendeu-se ligeira do solo e esticou-se toda pra
chegar ao céu. Forte que era, escalou e subiu a montanha Ana: (respira) Olha, perfeito é fazer algo por completo,
e pôs-se a voar, mas antes que prosseguisse viu que as por inteiro, seguindo um plano que você traçou.
folhas da árvore amarelavam e caiam...
Os galhos, já secos, apontavam para o chão e então... Menina: Eu queria encontrar a minha histó ria...
a raiz cavucou, cavucou tão depressa voltando pra terra Mas eu acho que ela é imperfeita... porque eu nã o
e ficando debaixo da árvore. sei como chegar até o final.
Nesse instante a raiz viu que era mais que um pedaço:
era tronco, era galho, era tudo que havia de vivo no alto Ana: E você ao menos sabe pra onde está indo?
do monte que escondia a tribo. E foi aí que uma folha
bem verdinha desprendeu-se da árvore e voou, voou e Menina: Eu deixo meus pés me guiarem.
sumiu no horizonte prateado da noite.
Raiz, solo, alimento e força, tudo isso que é terra e faz (alunos da professora de pintura vêem o diá logo e
viver é a menina dessa história!
interferem cantando uma mú sica de brincadeira)
(Narrador sai / Velha Terra [ANA] entra, verifica Música: Não vai dar certo
os quadros dos alunos, os alunos [TERRA1] e Alunos: Se você nã o tiver um plano firme
E nã o seguir ele estritamente
[TERRA2] e outros vêm para ver a obra completa)
Nã o vai dar certo!
Ana: Observem aqui nesse quadro a composiçã o, a
(Ana olha para os alunos séria; eles se organizam)
distribuiçã o de cores...
Ana: Algumas vezes é preciso um mapa pra ajudar
(alunos fazem observaçõ es elogiosas, afinal é o a encontrar a direçã o.
quadro da professora e está realmente bonito!
Menina: É ... mas e se ninguém ainda fez o mapa?
Terra1 interrompe)
Terra1: Mas essa raiz nã o está meio fora de proporçã o? Ana: Ninguém disse que o mapa é aquilo que
outros já fizeram. Você pode desenhar seus planos
Ana: Você talvez nã o tenha entendido... essa é uma do jeito que quiser inventar. Aí, seguindo sua rota
perspectiva. É como se alguém estivesse vendo a vai descobrir o quanto estava certa. E se estiver
raiz a partir dela. Esse é o meu jeito de ver. errada você também pode redesenhar o seu mapa.
Terra2: Mas entã o eu posso fazer de qualquer jeito? Menina: Desenho... mapa... quando eu saí de casa
Ana: Nã o! Nã o foi isso que eu disse! É importante você eu ainda nã o tinha um plano! Acho que faz sentido
tenha um planejamento para o quadro fazer sentido. esse jeito também.
6
Ariane: Peraí (e tira um livro de dentro da
Ana: Pra saber se faz sentido você precisa mochila). Eu juro que tem alguma coisa a ver com
experimentar. Leva isso aqui (entrega acessó rio) isso por aqui.
pra você lembrar de incluir a gente na sua histó ria! Menina: Um livro?

Menina: Eu vou me lembrar! Ariane: É onde as pessoas guardam histó rias!


Ana: Que minhas palavras a orientem como a Terra.
Menina: Tem um monte de guardiõ es de histó rias
Menina: Eu agradeço por elas. no lugar de onde eu venho... mas eu sinto que nã o é
assim que deveriam funcionar... a gente deveria
(alunos saem de trá s dos quadros e cantam
viver histó rias, nã o guarda-las.
novamente a mú sica, de forma mais “Broadway”)
Música: Não vai dar certo
Ariane: Uau! Essa ideia é genial, deixa eu anotar
Alunos: Se você nã o tiver um plano firme
aqui!
E nã o seguir ele estritamente
Nã o vai dar certo!
Menina: Mas isso é guardar de novo...
CENA 8
Ariane: Sim... mas tem viagens que a gente faz aqui
(entra o Narrador bosque, a menina sai)
dentro (aponta a cabeça)
Narrador Mata: Era uma vez a mata,
Menina: Eu nã o sei se sei fazer assim.
E andorinhas faziam seus ninhos por ali,
E cantavam alegres todo dia:
Ariane: Ouça: (pega o livro e lê) Sonhos da menina
La la la la
A flor com que a menina sonha
Lavavam as penas nas folhas e olhavam o
está no sonho?
horizonte. Migravam, voavam, brincavam em paz
ou na fronha?
sob um céu de estrelas, e a mata era só transição.
Sonho risonho:
Andorinha que canta que quer voar tranquila, folha,
O vento sozinho
vento, tudo isso que é ar e viaja é a Menina.
no seu carrinho.
Na lua há um ninho
Música: Lugar nenhum {Cesar Sinicio}
de passarinho.
Eu nã o sou de lugar nenhum
A lua com que a menina sonha
Meu peito carrega nã o,
é o linho do sonho
Nenhuma certeza, nã o
ou a lua da fronha?
Nenhuma só direçã o certeira
Foi a menina Cecília Meireles quem guardou essa
Nã o, nã o tenho um só coraçã o
histó ria aqui. E por causa desse registro é que
E as coisas que eu vejo só
agora ela vive em você também.
Parecem tã o pouco, ó ,
Será que tem mais algum ponto ali?
Menina: A menina do sonho sou eu?
(A Menina Ar [ARIANE] vem dançando e elas se
Ariane: Você é a menina que quiser! E poesia serve
trombam no palco):
pra gente inventar de ser outras coisas, pra
Ariane: Me desculpe, eu nem te vi!
experimentar como é. Quer contar uma também?
Menina: Tá tudo bem... eu também me distraí...
Menina: A bailarina
será que você pode me ajudar?
Esta menina
tã o pequenina
Ariane: O que você precisa?
quer ser bailarina.
Nã o conhece nem dó nem ré
Menina: Eu quero saber de histó rias pra poder
mas sabe ficar na ponta do pé.
aprender quem eu sou.
Nã o conhece nem mi nem fá
Mas inclina o corpo para cá e para lá .
Nã o conhece nem lá nem si,
mas fecha os olhos e sorri.
7
Roda, roda, roda, com os bracinhos no ar (Menina palco, entra o Narrador G Focã o/destaque
e nã o fica tonta nem sai do lugar. no Narrador e deslocando para a Menina no Centro
Põ e no cabelo uma estrela e um véu – atençã o à s pessoas que vã o chegar)
e diz que caiu do céu.
Esta menina Narrador G: (entra pela direita, anda até
tã o pequenina posição central/direita e fica)
quer ser bailarina. E aconteceu que a menina então sabia
Mas depois esquece todas as danças, que outras meninas também viviam histórias
e também quer dormir como as E o problema já não era mais acha-las.
outras crianças. O desafio daquela menina é que ela ouvia, mas não
entendia o que é que as histórias diziam pra ela.
(os leitores vã o saindo ao longo da fala) Era como se os caminhos mudassem
Antes que ela tivesse a chance de chegar
Ariane: Mó vibe, né? Como a lua, que não tem jeito fixo,
A estrada aparecia, curvava e sumia
Menina: É ... Sem que ela soubesse direito onde ficar.
Ariane: Olha só ! Leva isso aqui (entrega acessó rio) (Moonlight sonata [primeiro movimento]
pra você lembrar de incluir a gente na sua histó ria! no piano ou playback)
Menina: Eu vou me lembrar! A Menina trilhou quatro cantos,
Foram quatro as histórias ouviu;
Ariane: Que minhas palavras a inspirem como o Encontrou quatro ideias distintas,
ar! quatro jeitos de ser e sentir.
Mas achava, a Menina perdida
Menina: Eu agradeço por elas! Que o era uma vez era raro
Era só um caminho e destino
CENA 9 Uma meta, somente um disparo
(Ariane sai, Menina fica sozinha no palco... olha
para a mochila, observa os elementos que ganhou... Era como se o mundo dissesse
fica entediada, canta – Focã o/destaque na Menina) Que menina tem um lugar só
E tudo que a menina fizesse
Música: Asas batendo Só aumentasse, no peito dela, o nó.
Menina: Hey você distraído!
Diz pra onde mirar (Luz vermelha – pessoas aproximam)
Tenho asas batendo
Nã o sei onde pousar... (2x) Menina: Eu posso transformar e provocar!
Tem um jeito de Estrela Pessoas: Fogo! Queima de força e vontade a
Vermelho de um fogo despeito de tudo! Muda! Faz do que é hoje algo
Que me faz brincar novo nã o importa o que seja. Muda! Mesmo que
E corre a Á gua contra a vontade!
Que nasce e que sente
O azul que me pede: ‘fica’ (Luz amarela – pessoas aproximam)
Terra, monte e raiz
E o que é verde Menina: Eu posso criar e descobrir!
Me indica a essência a buscar Pessoas: Ar! Sopra uma nova ideia no ar, mas nã o
Amarelo no vento segue. Deixa! Cria e recria e nã o cria raiz, nã o se
Que solta as ideias importa. Deixa! Descobre outra coisa, nã o apega,
Qual pipa no Ar vai embora de novo.
É .. qual dessas cores é minha...?
(Luz azul – pessoas aproximam)
(escuro – focã o no narrador G)
Menina: Eu posso perceber e sentir!
CENA 10
8
Pessoas: Á gua! Cuida da tua emoçã o e do outro! Um pedaço da gente quer chegar ao fim
Chora! Protege e segura bem perto de ti! Chora! Outro pedaço quer seguir pra sempre os passos dos
Que a força da lá grima é arma que ao outro personagens que nos encantam.
controla. A Menina quis decidir qual das histórias que ouviu era a
que seguiria e, frustrada, percebeu que nenhuma era boa
(Luz verde – pessoas aproximam) o bastante pra explicar o que ela era.
Mas então a menina olhou no céu e viu despontando
Menina: Eu posso planejar e cumprir! a lua a crescer.
Pessoas: Terra! Enterra essa tua vontade de andar sem E percebeu que o que brilha na lua é a sua
um plano! Foco! Que a vida é bem mais que sonhar, é capacidade de ser uma só, ao mesmo tempo em que
andar sem engano. Foco! Engole esse choro! é tantas outras.
Ali, ainda sozinha, a menina começou a sentir que
(o coro ecoa e a menina vai sozinha para a frente talvez a resposta estivesse sempre diante dela.
do palco como fugindo de um pesadelo) Nem azul, nem vermelha, nem verde, nem amarela.
A Menina, como a lua bela, era maior que um
Narrador I: modelo só.
Mas não havia resposta no fim do caminho
E, sozinha, a menina doía (a menina senta na ponta do palco e olha para os
Dos pés cansados, acessó rios e vai os experimentando e colocando –
Da luta perdida, palco escuro – focã o na menina)
Da vontade gigante que ainda explodia em seu peito.
E no céu a lua era nova e não brilhava. Música: Quinta de tarde
Na noite sem luz ela estava escondida, Pra poder viver
como a resposta da pergunta que a movera até ali. ser amigo daquilo que nã o entende
Pra sobreviver
(narrador sai, todos saem, Menina fica sozinha no caminhar sem lembrar que é diferente
palco e canta) (refrã o) E nã o há ponto final
regra que explique isso tudo
Música: Saudade Vai no ar, salto mortal.
Menina: É ponta de faca, é doida, é doída Asa quebrada no voo inaugural
É determinada... nã o sara a ferida Pra compreender
É noite que estende sem poder dormir ser tranquilo e saber que nã o faz sentido
É forte é pungente, e faz desistir. Pra nã o se perder
Coro: De colo, de casa, do que já passou conversar com a dor como um amigo
De um tempo, de gente que um dia fugiu (refrã o) Deitar os olhos e entã o
E aumenta com o tempo, e tira alegria mais que o final, ver a estrada
E toma seu corpo e vira agonia Sonhar no mundo real
Dó i no osso a saudade que eu sinto Sem manual: só trilhar a jornada
Nã o tem palavra que possa explicar E nã o há ponto final
Nem nos livros de contos de fadas regra que explique isso tudo
Onde exagero é normal de falar Vai no ar, salto mortal.
Ô me ouça, é que hoje eu queria mesmo sem asas um voo magistral.
De uma vez por todas poder entender
Porque é que eu sinto saudade (menina termina de colocar os acessó rios, levanta-
Do que ainda vai acontecer se no centro do palco, conforme a cançã o termina.)

CENA 11 CENA 12
(blackout – escuro por alguns segundos - geral (geral branca aumentando gradativamente)
branca - A menina olha para as coisas que as
quatro meninas entregaram para ela) Menina: Era uma vez uma menina
E ela não sabia quem era ou o que deveria ser
Narrador J: Ou sabia, mas não conseguia ver.
Quando a gente ouve uma história Com o coração de botas,
Nosso desejo se divide em dois: Correu pela floresta e atravessou mundos
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E a cada encontro aprendia, A verdade é que o que a movia, aquela vontade de
mas não sabia ser só o que via. caminhar para descobrir quem era, era a pergunta!
Alguns habitantes da tribo sã o o ponto de partida,
(meninas vem entrando, uma de cada lado da outros o ponto de chegada.
menina equilibrando e dando as mã os) A Menina, lua encantada, era o caminho.

Endy: Só vermelho era pouco, porque às vezes é Menina: E dali por diante ela seguiu confiante
preciso calma. De que sempre haveria histórias de menina pra
contar - das que dançam, das que amam, das que
Lucia: Só azul era pouco, porque às vezes é preciso gostam de caminhar.
força. A Menina virou lua, e seguiu, pro resto da vida,
sendo uma e sendo muitas, e ajudando a
Ariane: Só amarelo era pouco, porque às vezes é transformar
preciso firmeza.
(black out)
Ana: Só verde era pouco, porque às vezes é preciso
abertura. Narrador O:
Se você acha que essa história terminou, você tem
Menina: Mas aí ela viu que existia em cada cor razão.
um pedaço do que ela poderia ser. Mas as histórias que nossa tribo conta,
E pôde ver que, bem de perto, que viram dança, teatro e canção, não tem fim.
ninguém brilhava de uma cor só. O livro da nossa tribo não tem abas, capítulos ou
marca páginas e é feito pra ser lido num gole só.
Meninas: Suas palavras nos ensinam e Toda aventura que vale a pena é assim e, mesmo
agradecemos por isso. quando se repete, ainda é, em alguma instância, a
primeira vez.
Menino: E a jornada que ela trilhou abriu caminhos Se você quer viver a aventura mágica de contar
pra outras meninas e outros meninos. histórias com a gente, pode vir!
Aqui sempre tem uma fogueira acesa, um ouvido
Ancião: Foi assim que a tribo desse povo que conta atento, e a vontade de desvendar histórias juntos.
histórias pôde ver as cores que sempre teve, mas que
ainda não sabia ver. Música (trecho): Como é que se fala coração
É de quatro cores! Menina!
CENA 13 Como é que se fala coraçã o
a tribo de onde você vem?
Narrador L: Como é que se diz a histó ria
Quando a Menina olhou ao redor pô de ver de quem deixa a sua marca?
Que eram muitas as cores que a cercavam Como é que se faz pra ir além?
E que em cada pessoa morava uma combinaçã o de Como é que se fala coraçã o
na tribo de onde você vem?
elementos que as tornavam ú nicas:
Como é que se acha um jeito
Três pitadas de ousadia, duas fatias de solidã o, de viver sem ser perfeito
quatro cores de temperos e um grande coraçã o. e ainda assim tentar ser alguém?
A partir dali, as pessoas da tribo que queriam moyo wangu ana rangi nyingi É de quatro cores!
conhecer o mundo, vinham, antes de partir, (black out)
ouvir as histó rias da Menina.
E sempre que ela parava por ali, AGRADECIMENTOS
quando nã o estava inventando novas aventuras, Música: Quero ser feliz
a Menina contava do quanto é importante ouvir as Quer saber alguma coisa sobre mim?
muitas vozes que nos dizem quem a gente quer ser. Que pena que eu nã o tenho manual.
Tenho pressa e sou um pouco chata sim,
Narrador N: Sorte que eu sou bem alto astral
Numa noite de lua cheia, em que a tribo se reunia Tropecei e descobri um novo jeito
pra contar histó rias, uma Menina voltou, cheia de Dessa vez eu vou fazer direito
orgulho, para dizer quem era. A escada pra felicidade estava interditada e eu tive
E a resposta da Menina, nã o era uma resposta só . que pegar o elevador.
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Eu quero o mundo e sei que posso tudo
Nã o é um absurdo: eu quero ser feliz

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