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GESTÃO SOCIAL

Guilherme Gonçalves
Desenvolvimento
sustentável das áreas
sociais, econômicas
e socioambientais
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Identificar os conceitos de desenvolvimento sustentável das áreas


sociais, econômicas e socioambientais.
 Verificar a aplicabilidade dos conceitos de desenvolvimento sustentável
a partir das áreas sociais, econômicas e socioambientais.
 Analisar as estratégias e políticas de desenvolvimento sustentável das
áreas sociais, econômicas e socioambientais.

Introdução
A preocupação com o desenvolvimento sustentável no Brasil ganhou
impulso somente na década de 1990, em decorrência da evolução da
discussão sobre a preservação do meio ambiente e sobre as condições
sociais e econômicas da sociedade. Essa preocupação e ampliação do
debate gerou algumas mudanças na sociedade, com movimentos simul-
tâneos e interdependentes de reestruturação das bases de regulação
econômica, política e social. Na confluência desses movimentos, percebe-
-se que o conceito de desenvolvimento vem se redefinindo. Deixando
de ser simplesmente sinônimo de crescimento econômico e assumindo
novos significados, com adjetivos que buscam qualificá-lo, e ganhando
noções de sustentabilidade, de ênfase nas localidades e fortalecimento
da participação cidadã. Isso tem influenciado não só as teorias sobre o
tema, mas principalmente a sua prática.
O papel do Estado também evoluiu nesse sentido. Antes, na dé-
cada de 1970, ele cumpria o papel de principal, senão único, indutor do
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desenvolvimento. Após a crise mundial, no final da mesma década, as


dificuldades para os Estados se manterem como indutores principais do
desenvolvimento propiciaram o fortalecimento do modelo neoliberal,
defensor da redução da intervenção estatal na economia, a quem caberia
apenas o ajuste das variáveis macroeconômicas. Já na década de 1990, o
Estado ressurge como ente importante ao processo de desenvolvimento,
embora não mais como agente principal e fundamental, mas como um
dos atores envolvidos, devido à incorporação de novas abordagens, como
é o caso da que trata da gestão social e do desenvolvimento sustentável
nas áreas sociais, econômicas e socioambientais.

A evolução do conceito de desenvolvimento


De modo geral, o conceito de desenvolvimento gira em torno da interpretação
de aumento de riqueza, promoção de crescimento, progresso e caracterizando o
estágio econômico avançado. Os índices de rendimento dos fatores de produção
(capital, trabalho e recursos naturais) são como parâmetros de desenvolvimento
social e político de uma determinada comunidade. Nesse sentido, para entender
a evolução do significado atribuído ao termo desenvolvimento, é importante
que se faça primeiramente uma análise das mudanças sócio-históricas que
influenciaram a sua gênese e a sua legitimação (ANDION, 2009).
Desde a Antiguidade, sobretudo nos escritos de Aristóteles, para quem
o interesse individual deveria estar atrelado a um projeto de bem comum,
o desenvolvimento se baseia na harmonia social. Para os filósofos da Idade
Média, a ideia de uma sociedade harmoniosa supunha, acima de tudo, um bom
funcionamento de suas instituições e a existência de cidadãos virtuosos, ou
seja, corajosos, honestos e voltados para o interesse geral. Esse significado
de harmonia social muda profundamente com o advento do sistema capita-
lista. Com as ideias dos iluministas, o bom cidadão será então colocado em
concorrência com o cidadão comerciante que passa a ser visto como o modelo
de homem na sociedade nascente. Vários filósofos descobrem as virtudes do
comércio como forma de acalmar as paixões e os interesses e promover o
desenvolvimento social. Assim, os interesses pessoais passam a ser o principal
motor da harmonia social. Na busca de realização do interesse individual as
pessoas caminhariam rumo ao interesse coletivo, regulado pela mão invisí-
vel do mercado que trabalharia de maneira mais eficaz para o interesse da
sociedade (ANDION, 2009).
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A visão de que o progresso individual conduziria automaticamente ao


progresso coletivo é o princípio fundamental do sistema capitalista moderno
e serve de base para argumentos que preconizavam o desenvolvimento com
base no crescimento econômico. Segundo essas teorias, o desenvolvimento
se dá através do fortalecimento da esfera produtiva, principal motor da
riqueza coletiva e da regulação social. Nesse contexto, essa teoria se divide
em duas concepções: a liberal, em que o controle principal advém do mer-
cado livre, e a marxista cuja ênfase do controle é colocada na esfera estatal
(ANDION, 2009).
Essas teorias clássicas inspiraram outros estudos, e até a década de 1970
predominou o modelo fordista de desenvolvimento, que possuía dois pilares
essenciais: uma ação centralizadora do Estado, que atuava como promotor e
garantidor dos direitos sociais básicos; e o crescimento econômico, proveniente
de um sistema de mercado livre, gerador e distribuidor de riquezas, com seus
próprios mecanismos internos. Esse modelo, portanto, tinha o trabalho e o
consumo como bases da cidadania e tornou-se um paradigma em termos de
desenvolvimento (ANDION, 2009).
Porém, a crise mundial ocorrida ainda na década de 1970 abalou os prin-
cipais alicerces desse modelo: o consumo, a abundância, a mobilidade social
baseada no trabalho e a própria noção de emprego. Os impactos dessa recessão
econômica que atingiu seu ápice nas décadas posteriores, colocou em xeque
alguns elementos essenciais à regulação do sistema capitalista: as medidas
de proteção ao trabalhador, as modalidades de distribuição de lucro e renda e
os benefícios sociais. A principal consequência disso foi um aumento visível
das desigualdades sociais, tanto entre os países quanto internamente neles
(ANDION, 2009).
Assim, a ideia liberal, baseada no princípio de que o interesse pessoal por si
só produz o bem comum, é então colocada em xeque. Como resposta, surgiram
iniciativas da sociedade civil, na tentativa de articular as esferas econômica
e social e propor novas alternativas de desenvolvimento, promovidas por
cooperativas, ONGs, associações, fundações, organizações de microcrédito,
movimentos sociais, entre outros. Dessa forma, a partir da década de 1980,
o conceito de desenvolvimento se redefine, deixando de ser um processo
conduzido e centralizado pelo Estado, com crescimento econômico seletivo,
e busca na sustentabilidade a noção de desenvolvimento local, a participação
cidadã e a inclusão da sociedade civil como protagonista do processo de
desenvolvimento. Já o desenvolvimento econômico se atrela à proteção de
bens e valores sociais, políticos, culturais e ambientais (ANDION, 2009).
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Aplicabilidade dos conceitos de


desenvolvimento sustentável
Enquanto o enfoque tradicional desenvolvimentista considera que o cresci-
mento econômico é um desejo da maioria das sociedades e que se pode elevar
indefinidamente o nível de riqueza material para alcançá-lo, o enfoque susten-
tável busca um processo de desenvolvimento que tenha como base um cres-
cimento econômico qualitativamente distinto e que possibilite a manutenção
ou aumento, ao longo do tempo, do conjunto de bens econômicos, ecológicos
e socioculturais. Ou seja, é necessário aliar, de forma interdependente ao
crescimento econômico, a justiça social e a conservação dos recursos naturais.
Nesse sentido, ganha relevância, no desenvolvimento sustentável, a melhoria
da qualidade de vida humana dentro dos limites da capacidade de suporte dos
ecossistemas e, ao mesmo tempo, as pessoas são beneficiárias e instrumentos do
processo, e seu envolvimento fundamental para o alcance do sucesso desejado.
Assim, para implementar o desenvolvimento sustentável é necessário visar
à harmonia e à racionalidade, não somente entre o homem e a natureza, mas
principalmente entre os seres humanos. As ações desenvolvimentistas devem
priorizar investimentos e programas que tenham como lastro tecnologias e
projetos comunitários que procurem sempre despertar a solidariedade e a
mobilização por objetivos comuns nos grupos envolvidos.
Por conseguinte, o poder público só terá uma ação incentivadora eficaz se
apoiada em uma análise completa da situação, levando em conta os contextos
econômicos e sociais aos quais essas políticas devem ser inseridas. Assim, a
implementação do desenvolvimento sustentável deve ser construída sob uma
lógica econômica e social que possibilite o desenvolvimento de múltiplas
formas de produção, considerando, inclusive, a possibilidade de reprodução de
diversas formas de organização social, como cooperativas, ONGs, associações,
fundações, organizações de microcrédito, movimentos sociais, entre outros.
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Repensando o desenvolvimento
O conceito de desenvolvimento é objeto de controvérsias, e até recentemente era
sinônimo de crescimento econômico. Sen (2004), prêmio Nobel de Economia em 1998,
apresenta uma nova reflexão sobre desenvolvimento como o processo de ampliação
da capacidade de os indivíduos fazerem escolhas.
Relativizando os fatores materiais e os indicadores econômicos, Sen (2004) insiste
na ampliação do horizonte social e cultural da vida das pessoas. A base material do
processo de desenvolvimento é fundamental, mas deve ser considerada como um
meio e não como um fim em si. Além da capacidade produtiva, ao postular a melhoria
da qualidade de vida em comum, a confiança das pessoas nos outros e no futuro da
sociedade, destaca as possibilidades de as pessoas levarem adiante iniciativas e ino-
vações que lhes permitam concretizar seu potencial criativo e contribuir efetivamente
para a vida coletiva.
Sen (2004) resume suas ideias sobre o desenvolvimento como: possibilidades que
a cooperação e a solidariedade trazem ao transformar o crescimento econômico de
destruidor das relações sociais em processo de formação de capital social ou em
desenvolvimento como liberdade, pois só há desenvolvimento quando os benefícios
servem à ampliação das capacidades humanas. Isso requer que sejam superadas as
principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades
econômicas e destituição total e sistemática, negligência dos serviços públicos e
intolerância ou interferência de Estados repressivos.

Estratégias e políticas de
desenvolvimento sustentável
O paradoxo deste início de século é, de um lado, o crescimento econômico e a
transformação tecnológica sem precedentes; e, de outro, a dramática condição
social de inúmeras pessoas e os problemas ambientais assustadores. Outra
contradição é o desenvolvimento do aparato científico-tecnológico, que é capaz
de resolver grande parte dos principais problemas ecológicos, mas que fica
cada vez mais distante das formas sociais organizadas (VECCHIATTI, 2004).
Uma das conclusões óbvias desse quadro de contrastes é que o crescimento
econômico, por si só, não traz automaticamente o desenvolvimento. Contudo,
se o crescimento econômico é colocado a serviço de objetivos socialmente
desejáveis e repensado de forma a minimizar os impactos ambientais negativos,
ambos caminham em direção aos mesmos objetivos (SACHS, 2001).
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Essa tarefa de conciliação não é fácil, mas com a articulação entre os


recursos do meio ambiente, as relações sociais e a subjetividade humana, essa
proposta sugere que o rumo à sustentabilidade é:

 Incompatível com o jogo sem restrições das forças de mercado;


 Independente de um aparato tecnológico eficiente;
 Independente, em grande parte, das ações geradas a partir de percepções
individuais e culturais da sociedade.

É justamente nesse ponto que reside a importância das políticas públicas.


Somente uma articulação ético-política entre essas dimensões pode direcionar
uma revolução social e cultural, reorientando a produção de bens materiais e
imateriais, reconciliando o crescimento econômico com as formas de desen-
volvimento sustentável (OLIVEIRA, 2006).
A partir do entendimento de que os seres humanos estão intrinsecamente
ligados ao meio em que vivem e dele não podem ser separados, eles se cons-
tituem no centro e na razão do processo de desenvolvimento, isso significa
que o desenvolvimento sustentável deve ser (GUIMARÃES, 2001):

 Acessível no uso dos recursos naturais e na preservação da biodiversidade;


 Socialmente sustentável na redução da pobreza e das desigualdades sociais;
 Promotor da justiça e da equidade;
 Culturalmente sustentável na conservação do sistema de valores, práticas
e símbolos de identidade;
 Politicamente sustentável ao aprofundar a democracia;
 Acessível à participação de todos nas decisões de ordem pública.

Enfim, o desenvolvimento somente poderá ser considerado efetivo se for


constituído de desenvolvimento humano, social e sustentável, pois deve-se
buscar a melhoria da vida das pessoas e da sociedade como um todo (MAR-
TINELLI; JOYAL, 2004). Assim, fazem-se necessárias as seguintes ações
(OLIVEIRA, 2006):

 Aumentar o acesso da população às instâncias decisórias, através da


gestão social;
 Viabilizar seu acesso à riqueza gerada pelo país, através de uma política
de distribuição de renda justa e igualitária;
 Possibilitar o acesso ao conhecimento, através de uma política pública
educacional que possibilite ao cidadão, desde cedo, ter uma visão crítica.
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Contudo, isso só será possível quando a atenção dos governantes não


estiver voltada para índices meramente quantitativos, mas quando levarem
em consideração também os aspectos qualitativos de todo o processo. Dessa
forma, uma sociedade poderá caminhar efetivamente para a promoção de
um desenvolvimento efetivo e extensivo a toda população (MARTINELLI;
JOYAL, 2004).

A Comissão Nacional para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável foi criada pelo


Decreto nº 8.892/2016, com a finalidade de internalizar, difundir e dar transparência ao
processo de implementação da Agenda 2030 no Brasil, que corresponde ao conjunto
de programas, ações e diretrizes que orientarão os trabalhos das Nações Unidas e de
seus países membros rumo ao desenvolvimento sustentável. Ela é paritária, com 32
representantes, entre titulares e suplentes, da sociedade civil e de governos (Figura 1).

Figura 1. Estrutura da Comissão Nacional ODS.


Fonte: Brasil (2016).
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ANDION, C. Contribuições do debate sobre desenvolvimento territorial sustentável


para a efetividade da gestão municipal. Política & Sociedade, Florianópolis, v. 8, n. 14,
p. 181-210, 2009.
BRASIL. Secretaria de Governo da Presidência da República. Objetivos de Desenvol-
vimento Sustentável. Comissão Nacional ODS. Brasília: ODS Brasil, 2016. Disponível
em: <http://www4.planalto.gov.br/ods/menu-de-relevancia/comissao-ods>. Acesso
em: 11 jan. 2018.
GUIMARÃES, R.P. A ética da sustentabilidade e a formulação de políticas de desen-
volvimento. In: DINIZ, N. et al. (Org.). O desafio da sustentabilidade: um debate socio-
ambiental no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2001.
MARTINELLI, D. P.; JOYAL, A. Desenvolvimento local e o papel das pequenas e médias
empresas. Barueri: Manole, 2004.
OLIVEIRA, E. C. de. Crescimento e desenvolvimento econômico: a sustentabilidade como
modelo alternativo. São Paulo: ANAP, 2006.
SACHS, I. Repensando o crescimento econômico e o progresso social: o papel da
política. In: ABRAMOVAY, R. et al. (Org.). Razões e ficções do desenvolvimento. São Paulo:
Unesp, 2001.
SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. 4. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
VECCHIATTI, K. Três fases rumo ao desenvolvimento sustentável: do reducionismo à
valorização da cultura. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 18, n. 3, p. 90-95, jul./
set. 2004.

Leitura recomendada
ASSIS, R. L. de. Desenvolvimento rural sustentável no Brasil: perspectivas a partir
da integração de ações públicas e privadas com base na agroecologia. Economia
Aplicada, Ribeirão Preto, v. 10, n. 1, p. 75-89, jan./mar. 2006.

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