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DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: CONCEITOS,

PRÁTICAS E DESAFIOS1

Gisele Spricigo2
Adriane Vieira Ferrarini3

Resumo
Desenvolvimento econômico é um conceito dinâmico e em permanente expansão e que
segue sendo uma preocupação central de governos, empresas, universidades e da sociedade em
geral. O artigo tem como objetivo apresentar e discutir o conceito de desenvolvimento
econômico. Inicialmente, tratará sobre o ímpeto desenvolvimentista e a compreensão de como
foram se constituindo, no decorrer da modernidade ocidental hoje globalizada, sentidos e
conceitos ligados a uma noção de economia apartada das outras dimensões da vida e alavancada
num esforço permanente de crescimento ilimitado. Por segundo, tratará sobre a gênese a
ampliação do conceito de desenvolvimento econômico. Em terceiro plano, será abordado o
conceito de desenvolvimento sustentável e suas múltiplas dimensões. Por fim, o artigo se
debruçará sobre a provocação dos indicadores, pois conceitos e dimensões necessitam de faróis
para serem operacionalizáveis e operacionalizados. A limitação de indicadores econômicos, a
exemplo do Produto Interno Bruto (PIB) como um índice de mensuração de uma economia,
agora conectada a outras dimensões do desenvolvimento, antecipará a discussão do disruptivo
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), passando pelo inspirador indicador de Felicidade
Interna Bruta (FIB), chegando até aos Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e
seguindo para a discussão da trajetória que os conduziu até os Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS). Exemplos de indicadores, dados e conceitos, são apresentados, a fim de
gerar inspiração para medidas e metas que podem ser consideradas em modelos de análise para
o desenvolvimento econômico nacional, regional ou local.

1
Artigo apresentado como uma das entregas (Cadernos Conceituais) do projeto de pesquisa intitulado
“Avaliação dos impactos do Programa LIDER”, encomendado pelo SEBRAE Nacional ao Instituto de
Pesquisa de Mercado (IPM), da UNISINOS.
2
Professora pesquisadora da Escola de Gestão e Negócios da UNISINOS.
3
Professora pesquisadora da Escola de Humanidades da UNISINOS.

1
Introdução
Desenvolvimento econômico é um termo constante na pauta pública. Muitos tratam como
uma palavra mágica; outros como um bordão. Governos, organizações diversas, universidades,
entes públicos e privados, em qualquer nação do mundo, advogam pelo desenvolvimento
econômico. Políticos, celebridades e jornalistas falam frequentemente sobre o tema. Revistas
científicas nacionais e internacionais são espaços de publicações variadas dentro desse grande
guarda-chuva conceitual, mas ainda assim há uma carência de compreensão conceitual
aprofundada e atualizada do desenvolvimento econômico.
Tal carência se deve, em grande parte, ao dinamismo que envolve o tema ao longo de
quase sete décadas de aplicações em que o desenvolvimento econômico foi fundamentalmente
um receituário dos países do Norte para a realização do grande sonho da modernidade: construir
uma civilização livre e próspera. Entretanto, os diagnósticos atuais mostram que este sonho não
se realizou e revelam um triste cenário de aumento vertiginoso das desigualdades, da pobreza
e da fome no mundo. Milhares de seres humanos pagam diariamente com suas vidas o preço de
um modelo de desenvolvimento como crescimento econômico expansionista e ilimitado. A
maioria dessas vidas são crianças dos países do Sul global. A natureza também convalesce.
Desde suas águas, terras, ar e biodiversidade, a natureza clama por medidas de preservação e
regeneração para seguir provendo a vida.
Este quadro conclama novas reflexões, teorizações e práticas, os quais se plasmam em
torno do conceito de desenvolvimento sustentável e multidimensional, reposicionando o
econômico em articulação com o social e com o ambiental. Daí porque o tema do
desenvolvimento econômico segue sendo necessário, ou talvez, nunca tenha sido tão
necessário. Afinal, está nas mãos dos cidadãos e dos tomadores de decisões a responsabilidade
de trazer o econômico para este novo lugar, como uma alavanca poderosa para a vida.
Entretanto, o desenvolvimento econômico precisa ver a si sob outros olhos e reinventar-se em
caminhos que requerem inovação e solidariedade.
Viabilizar estes caminhos vem, em boa medida, através da compreensão dos conceitos,
dos seus avanços, limites e possibilidades. Significa esforços de construir, desconstruir e
reconstruir conceitos, sentidos e práticas. É o que este artigo pretende. Numa abordagem
sintética e acessível - nem por isso menos profunda – o texto o irá explorar e discutir o conceito
desenvolvimento econômico a partir de sua gênese e sua evolução, considerando os efeitos
práticos na sociedade em escala local e global e os avanços teóricos do campo das ciências
econômicas e sociais, em geral. Apesar de não ser um texto muito longo e denso, ele é profundo
porque entende que os desafios que temos são complexos e requerem “um diagnóstico forte
para uma intervenção forte” (SANTOS, 2005). Há uma necessidade premente de fazer este
diagnóstico chegar aos mais variados públicos que, sob a forma de projetos públicos e privados
e do ativismo cidadão, que são os verdadeiros agentes de transformação social desde a sua
organização, empresa ou coletivo.
Para tanto, a primeira seção tratará sobre o ímpeto desenvolvimentista e a compreensão
de como foram se constituindo, no decorrer da modernidade ocidental hoje globalizada,

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sentidos e conceitos ligados a uma noção de economia apartada das outras dimensões da vida e
alavancada num esforço permanente de crescimento ilimitado. A segunda seção tratará sobre
a gênese a ampliação do conceito de desenvolvimento econômico. A seção irá trilhar o caminho
de volta para casa, não só em sentido metafórico, mas teórico e filosófico, ao revisitar a origem
da economia como oikos (seu nome em latim, que significa casa, lar, gestão das necessidades
domésticas e da reprodução da vida). Esta trilha é seguida por vários economistas
contemporâneos (como Karl Polanyi, Amartya Sen e Ladislau Dowbor, só para citar alguns
dentre tantos de renome nacional e internacional), os quais remontam sentidos da economia
hoje como uma dimensão – imprescindível – do desenvolvimento sustentável, profundamente
amalgamada, com outras dimensões da sustentabilidade.
Na terceira seção será abordado o conceito de desenvolvimento sustentável e suas
múltiplas dimensões. Por fim, a quarta seção se debruçará sobre os indicadores, pois conceitos
e dimensões necessitam de faróis para serem operacionalizáveis e operacionalizados. Dados os
limites do Produto Interno Bruto (PIB) como índice de mensuração de uma economia agora
conectada a outras dimensões do desenvolvimento, o texto abordará desde o disruptivo Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH), passando pelo inspirador indicador de Felicidade Interna
Bruta (FIB) e chegando até aos Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e a trajetória
que os conduziu até os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), coroando o maior
esforço global já feito para a urgente revisão de curso do desenvolvimento a que estamos sendo
conclamados e para a construção de uma vida uma vida digna para toda a humanidade, pois
recursos técnicos e materiais para isso, hoje nós temos.

2. O ímpeto desenvolvimentista e suas raízes


Desenvolver descreve um ato de “desenrolar, permitir a saída ou aparecimento de algo
que estava tolhido”. De modo amplo, desenvolvimento é compreendido como toda ação ou
efeito relacionado com o processo de crescimento, evolução de um objeto, pessoa ou situação
em uma determinada condição. É ainda a passagem gradual (da capacidade ou possibilidade)
de um estágio inferior a um estágio maior, superior e mais aperfeiçoado. Significa ainda:
adiantamento, aumento, crescimento, expansão e progresso (DICIONÁRIO MICHAELIS,
2015).
O conceito de desenvolvimento pode ser aplicado a diferentes temas, objetos e contextos
como referência para a compreensão das evoluções e transformações. Portanto, não tardou para
que o conceito de desenvolvimento fosse utilizado para pensar as sociedades e as organizações,
se tornando uma das mais antigas e poderosas noções que perpassa a vida política e social no
mundo ocidental. Ainda que o pensamento sobre a forma como as comunidades e as sociedades
se constituem e avançam tenha acompanhado a humanidade, a discussão atual em torno do
desenvolvimento nos leva a situá-lo nos últimos séculos, entendidos como período histórico
que demarca a modernidade ocidental. A modernidade, hoje globalizada, é a referência para a
compreensão do mundo tal como o conhecemos e tem suas raízes fincadas no encontro entre
ciência e capitalismo, como formas de legitimar, respectivamente, uma forma de conhecimento

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e de produção. Tratada como um paradigma (MORIN, 1977; SANTOS, 1989. 2000), a
modernidade emergiu sob a égide de uma ciência denominada cartesiana ou positivista4, regida
por princípios de que o conhecimento válido era aquele que podia ser: comprovado
matematicamente; produzido sem a interferência de fatores humanos subjetivos; replicado em
qualquer contexto e, fonte de previsão de fenômenos. O método cartesiano também propõe
dividir em partes cada vez menores para melhor conhecer os fenômenos. As ideias de
racionalidade (só é verdadeiro o que pode ser conhecido e comprovado por este método),
universalidade, estabilidade, neutralidade e objetividade passaram a compor mais do que
princípios de produção de conhecimento, mas a produção da própria realidade social, marcando
a ruptura com a visão religiosa e metafísica que caracterizava o mundo medieval. A partir do
século XVII, a visão teocêntrica vai sendo gradativamente abolida e o ser humano, como ser
racional e autônomo, assume o controle de construção de uma civilização emancipada, livre das
barbáries, das crenças absolutas da Igreja e do poder arbitrário dos monarcas.
Sob a égide da ciência cartesiano-positivista foram desencadeados extraordinários
progressos científicos e tecnológicos, os quais conduziram a uma expansão sem precedentes
das forças produtivas. A propósito, o progresso passou a ser entendido como uma lei que move
a sociedade humana. Grandes filósofos - como Adam Smith e Rousseau - argumentavam que
as reformas necessárias na sociedade eram medidas inerentes à natureza progressiva da
sociedade humana. A ideia de progresso na modernidade foi associada a dois movimentos. O
primeiro surgiu do foco nas partes, conforme referido, dividir para conhecer, o que gerou a
criação de áreas científicas especializadas e independentes. O segundo movimento foi
protagonizado pela filosofia utilitarista de Bentham, a qual ofereceu solução aos problemas
morais de acumulação através da ideia de que "o que é bom para o indivíduo, é bom para a
sociedade". O lucro, antes visto como pecado, passa a ser elemento desejado e força motriz da
produção de riqueza.
A transposição dos princípios cartesianos ao mundo social foi o que possibilitou o
surgimento das ciências econômicas e sociais, concebendo a sociedade tal como a natureza,
como um todo harmônico regido por leis que determinavam os lugares e papéis sociais e que
tendiam a uma evolução. Neste contexto, a economia, como ciência baseada em princípios,
precisou abstrair a dimensão subjetiva e moral da criação e correção de procedimentos técnicos
e instrumentais que mantinham o sistema econômico estável (HEILBRONER, 1988;
FERRARINI, 2008). Para a economia clássica, “os indivíduos, tomados como unidades de
análise e posicionados à base da dinâmica social, agem racionalmente, ponderam meios e fins
em favor de interesses próprios e maximizam suas preferências individuais” (GAIGER e
CORRÊA, 2011: 37). Posteriormente, Lionel Robbins (1945, p. 16), definiu a economia como
"a ciência que estuda o comportamento humano como uma relação entre finalidades e recursos

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Cartesiana foi o nome atribuído à sua emergência nas ciências naturais e extas em alusão à Descartes (Cartesius,
em latim). Positivismo foi a forma que este paradigma científico assume nas ciências sociais, transpondo o modo
de conceber a natureza para a sociedade.

4
escassos com usos alternativos” (CORAGGIO, 2009; RAUD-MATTEDI, 2005;
ABRAMOVAY, 2004).
Como nunca antes na história, a dimensão econômica passa a adquirir importância
central. Adam Smith afirmava a propensão do homem às atividades lucrativas, mas
acrescentava que tal propensão não se tratava de algo individual: visava salvaguardar exigências
sociais expressas pelo prestígio e pelo reconhecimento. Para o economista, as riquezas atraem
a atenção do mundo, existe uma aprovação social e o rico se apaixona ainda mais pela sua
riqueza. Em outras palavras, o sistema econômico é dirigido por motivações sociais. Tal sistema
se mantém estável por um aspecto que não é palpável nem concreto: é o submundo, a mão
invisível, leis do movimento do sistema ou o mecanismo do mercado no sentido de equilíbrio
e estabilidade.
Durante o século XVIII a noção de progresso se consolida como uma ideia que está
relacionada à possibilidade de melhorar as condições de vida humana a partir de incrementos
em tecnologia, do desenvolvimento da ciência e de mudanças no padrão de organização social.
A ideia de progresso se vinculou diretamente à noção de modernização e redundou em um
suposto processo de evolução pelo qual as sociedades precisam passar, saindo de uma condição
tradicional em direção a uma sociedade com alto grau de industrialização, urbanização e avanço
tecnológico (PARSONS, 1964; ROSTOW, 1975). Modernidade, portanto, passou a ser
contrastada com a ideia de “tradição”, sendo o tradicional tido como um empecilho para o
progresso.
Razão, modernidade e progresso foram os pilares do pensamento desenvolvimentista que
começava a ser considerado como ponto de referência para o destino da humanidade e que, no
período pós-guerra, se consolidou como imperativo político (RIST, 2007). O contexto da
Guerra Fria foi, sem dúvida, um dos fatores mais importantes para que a estratégia do
desenvolvimento ganhasse maior ímpeto no cenário político mundial. A rivalidade entre o
mundo ocidental e o bloco comunista contribuiu para que a política do desenvolvimento se
consolidasse de maneira mais efetiva, inicialmente como um plano de reconstrução da Europa
e posteriormente na direção do então chamado “terceiro mundo”. Em ambos os modelos de
desenvolvimento (GUATTARI e ROLNIK, 1986), o motor era a economia - esta entendida
como sinônimo de crescimento econômico. O crescimento se refere ao aumento da produção
ou de renda em uma região ou nação. Crescimento envolve questões puramente quantitativas,
na lógica de acumulação e da produção econômica, sendo historicamente mensurado a partir
do PIB. A proposta era tornar disponíveis os avanços científicos e progresso industrial para a
erradicação da pobreza e para a melhoria e crescimento de áreas consideradas subdesenvolvidas
a partir da premissa utilitarista de que “é preciso fazer o bolo crescer para depois dividi-lo”.
No Brasil, o conceito de desenvolvimento econômico se difundiu na década de 1960 a
partir do pensamento de Celso Furtado, que o definiu como “um processo de mudança social
pelo qual um número crescente de necessidades humanas – preexistentes ou criadas pela própria
mudança – são satisfeitas através de uma diferenciação no sistema produtivo decorrente da
introdução de inovações tecnológicas” (FURTADO, 1964). O milagre econômico, proposto

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pelo governo brasileiro no final da década de 1960, expressava exatamente a ideia de
crescimento do bolo e sua divisão para o desenvolvimento do país.
Os primeiros anos de esforços voltados à promoção do desenvolvimento do “Terceiro
Mundo” já evidenciavam que o crescimento econômico era um instrumento insuficiente.
Apesar do ímpeto desenvolvimentista, os países do Sul global não apresentaram melhorias
esperadas em seus indicadores socioeconômicos; ao contrário, em sua maioria, seguiam em
situação de desvantagem na corrida econômica e tecnológica global. O principal esforço de
compreensão e crítica acerca dos limites do receituário dos países e organizações multilaterais
do Norte para o desenvolvimento dos países do Sul se materializou através dos estudos da
Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), criada em 1948 no âmbito das
Nações Unidas. Os primeiros trabalhos da CEPAL estavam preocupados em diagnosticar os
problemas dos países latino-americanos e caribenhos, buscando identificar os entraves para o
seu desenvolvimento e considerando processos comuns de colonização e extrativismo a que
foram submetidos. Prebisch (apud SOUZA, 1997) lançou um dos primeiros trabalhos sobre a
relação desigual do comércio internacional e seus efeitos sobre os países periféricos, cuja tese
- considerada à época uma doutrina dos economistas da CEPAL - defendia a industrialização
como única forma de desenvolvimento, mas propunha a substituição de importações de
produtos manufaturados e da exportação de alimentos e matérias primas.
Dentre as críticas e alternativas que ganharam destaque no período, vale destacar a
contribuição da teoria da dependência. Enquanto a teoria da modernização entendia o
desenvolvimento e o subdesenvolvimento como uma diferença interna dos países que se
encontram em diferentes estágios no processo de evolução, a teoria da dependência afirmava
esta dicotomia como algo relacional. Os países mais pobres não são apenas versões primitivas
dos países ricos, mas, encontram-se na condição de pobreza devido a características particulares
dos próprios países e a condicionamentos estruturais (CEPAL, 1965). O intercâmbio desigual
gera uma constante extração do excedente produzido pelos países mais pobres – países
periféricos ou semiperiféricos, numa linguagem mais atual – processo que, para estes teóricos,
pode ser entendido como uma espécie de exploração internacional. Uma das alternativas
propostas era de que o modelo de desenvolvimento deveria ser ancorado na ativa participação
do Estado, visando à acumulação de riquezas no interior do país e resistindo às pressões do
capital internacional.
As crises econômicas cíclicas e persistentes em países com fortes desigualdades sociais,
como os latino-americanos, levaram ao questionamento dos modelos de desenvolvimento das
décadas de 1940 e de 1950. Como Seers (1969) advogou, no decorrer da década de 1970, a
evolução de dimensões como a pobreza, a desigualdade ou o desemprego deve ser igualmente
analisada, quando se procura perceber se um país está progredindo numa trajetória de
“desenvolvimento”. O relatório “Redistribution with Growth” (CHENERY, AHLUWALIA,
BELL, DULOY e JOLLY, 1974) foi um exemplo da preocupação com a redução da
desigualdade que começava a transparecer. As teorias da economia do desenvolvimento
começavam a chamar atenção para a importância da dimensão humana, em especial questões
de educação, saúde e instituições. A antropologia do desenvolvimento começava já a questionar

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os méritos dos conceitos de “modernização” e “desenvolvimento” como veículos de imposição
aos países mais pobres de visões hegemónicas de organização política social (FERGUSON,
1997), fossem elas advogadas pelo “Primeiro Mundo” capitalista ou pelo “Segundo Mundo”
comunista (SANTOS, 2019).
Posteriormente, as políticas de “promoção do desenvolvimento” propostas na década de
1980, foram o espelho de uma arrogância ideológica de agentes políticos que pouca atenção
prestaram aos conselhos tanto de algumas vozes da ciência econômica e da antropologia. Sob
os ditames do chamado “consenso de Washington”, as orientações políticas que uniram os
Estados Unidos de Reagan e o Reino Unido de Thatcher, uniram também duas das principais
agências internacionais: o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM). E o
que aconteceu? O bolo cresceu, mas não foi dividido. Ao contrário, a pobreza e as desigualdades
de toda a ordem se ampliaram em âmbito global. Houve melhorias localizadas e temporárias,
mas de modo geral os indicadores sociais passaram a piorar desde o final de década de 1990.
Em contraposição, a riqueza cresce e se concentra cada vez mais. O que a experiência brasileira
e mundial tem a ensinar para a compreensão e ampliação do conceito de desenvolvimento
econômico? E como inspira a construção de alternativas para um desenvolvimento que promova
a vida?

3. Gênese e ampliação do conceito de desenvolvimento econômico


A busca de novos sentidos para as políticas de desenvolvimento começou com a tomada
de consciência de que o indicador utilizado até então, o PIB per capita, omitia e iludia os
desafios do processo de desenvolvimento econômico. Para o economista Ladislau Dowbor
(2009), as limitações do PIB para mensurar a performance econômica de um país podem ser
facilmente identificadas através de exemplos. Por um lado, catástrofes ambientais e guerras
elevam o PIB, como aconteceu no caso do naufrágio do navio petroleiro Exxon Valdez nas
costas do Alaska, o qual requereu a contratação de inúmeras empresas para limpar a região. Por
outro lado,
a Pastoral da Criança desenvolve um amplo programa de saúde preventiva, atingindo
milhões de crianças até seis anos de idade através de uma rede de cerca de 450 mil
voluntárias. São responsáveis, nas regiões onde trabalham, por 50% da redução da
mortalidade infantil, e 80% da redução das hospitalizações (...) O trabalho das 450
mil voluntárias da Pastoral da Criança não é contabilizado como contribuição para o
PIB (DOWBOR, 2009, p. 2)

Como pode a destruição ambiental aumentar o PIB? E como pode a preservação da vida
não contar? Simplesmente porque o PIB calcula o volume produzido pelas atividades
econômicas, e não se avalia se são úteis ou nocivas. O PIB mede o fluxo dos meios, não o
atingimento dos fins. Mais importante ainda é o fato do PIB não levar em conta a redução dos
estoques de bens naturais do planeta.
O essencial é que inúmeras pessoas no mundo, e técnicos de primeira linha nacional
e internacional, estão cansados de ver o comportamento econômico ser calculado sem
levar em conta – ou muito parcialmente – os interesses da população e a

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sustentabilidade ambiental. Como pode-se dizer que a economia vai bem, ainda que o
povo vai mal? (DOWBOR, 2009, p. 4).

Esforços significativos têm sido mobilizados para a superação dessas limitações. O


economistas indiano Amartya Sen (2000) apresenta uma explicação clara para (re)situar o lugar
dos meios e dos fins na economia. Amparado em Immanuel Kant, que sustentou a necessidade
de considerar os seres humanos como fins em si mesmos, e não como meios para outros fins,
Sen propõe que a finalidade do desenvolvimento é a felicidade e a realização das capacidades
e das liberdades humanas. Esta compreensão, entretanto, remonta às próprias origens da
concepção aristotélica de economia como oikos, voltada à reprodução da vida. Compreender a
gênese da economia cria as bases para esta diferenciação entre crescimento e desenvolvimento.
Desenvolvimento é um processo. Não é algo que chega a um fim. Uma sociedade não é
necessariamente “desenvolvida”. Ela tem um nível de desenvolvimento que pode ser mais ou
menos elevado, mas nunca finito. Enquanto processo, o desenvolvimento econômico tem uma
conexão com processos dinâmicos, que representam mudanças das condições econômicas
vigentes. Partindo-se para uma prerrogativa de que vai muito além das questões quantitativas,
afirma-se a necessidade de “mudar o caráter do desenvolvimento, atualmente perseguido pelos
países do terceiro mundo, de mero crescimento da renda, para um novo estilo de
desenvolvimento econômico integral de toda a sociedade” (LEITE, 1983, p. 29). Neste sentido,
desenvolvimento é mais do que econômico; deve ser humano, um processo que alarga a
liberdade e as possibilidades de escolha de cada pessoa, quer através do aumento das suas
capacidades (por meio de melhor saúde e educação), seja pelo alargar das oportunidades de dar
uso a essas capacidades (UNDP, 1990, p. 10-11).
A partir dessas reflexões, a esfera econômica do desenvolvimento passou a representar o
crescimento econômico em conjunto com a melhoria do padrão de vida da população e o
atendimento das necessidades dos seres humanos. Afinal, “nenhum país se estabiliza quando
deixa de lado uma imensa massa de pobres e dilapida os seus recursos” (DOWBOR, 2007).
Desenvolvimento econômico passa a ser definido como a melhora do bem-estar geral da
população, indicado pela elevação dos indicadores quantitativos da economia, tais como o PIB,
mas é também esperado um avanço de indicadores a respeito da qualidade de vida da população.
Para o desenvolvimento ocorrer, existe uma série de caminhos, que vão desde a formação de
redes de conhecimento, capital humano, estrutura produtiva, logística, atração de investimentos,
engajamento da sociedade civil, proposição do setor público e parceira dos setores privados.
A diferenciação entre crescimento e desenvolvimento e as limitações do PIB como
medida para o desenvolvimento de um país são relevantes, mas são a ponta do iceberg – ou a
expressão de um dilema que está na gênese da construção da visão de mundo sobre a qual estes
conceitos se amparam. Esta gênese está no modelo civilizatório criado na modernidade e
abordado no início do texto. Desconstruir sentidos contribui para a reconstrução de novas visões
de mundo. A sociedade não caminhou inexoravelmente para um destino melhor, como a razão
projetiva e determinista do paradigma do progresso e da modernização preconizara. A
consequência prática do deslocamento da reprodução da vida para a reprodução do capital
produziu o que definimos como principal paradoxo da modernidade: temos hoje condições

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técnicas para suprir as necessidades humanas de toda a população do planeta (e ainda mais),
mas assistimos ao aumento abissal das desigualdades, da pobreza e da fome no mundo
(FERRARINI, 2008). Não se trata de um problema de produção, mas de distribuição; não se
trata da falta de recurso tecnológicos ou financeiros, mas moral. Isso nos coloca frente a uma
crise civilizatória e levanta questionamentos sobre a pertinência razão que se propôs
emancipadora das barbáries de outros tempos.
Tais questionamentos não se dão apenas sobre as consequências criadas pela relação
desigual entre capital e trabalho, mas também pelas desigualdades entre Norte e Sul. A
acumulação ampliada da riqueza socialmente produzida (visto que todos os processos são
sociais, desde a educação, infraestrutura, ambientes institucionais, etc.) aconteceu de mãos com
o colonialismo – que expropriou riquezas e invalidou saberes e modo de vida e produção. Tal
processo de acumulação se expandiu ainda mais na atual etapa de capitalismo financeiro, em
que a riqueza se reproduz sem a necessidade do trabalho humano. São crescentes os estudos em
vários campos científicos que evidenciam os males do chamado epistemicídio (SANTOS,
2005), que expressa a deslegitimação de saberes, valores e modos de vida (neste caso, não
europeus), mas foi a questão ambiental o maior denunciador dos limites do paradigma moderno
ocidental como única verdade e da necessidade de resgatar outras referências. Povos originários
habitaram o planeta preservando as condições naturais de modo que elas pudessem abrigar
várias gerações futuras e é justamente esta “nova velha noção” que passa a ser constitutiva de
um novo paradigma de desenvolvimento – o desenvolvimento sustentável.
Antes de entramos na definição de desenvolvimento sustentável, cabe ainda ressaltar que,
ao lado da dimensão ambiental, a social também precisa ser desconstruída e revisitada. A
centralização (ou autonomização) da esfera econômica sobre as demais provocou impactos nas
relações sociais. A ideia dos indivíduos como átomos isolados disputando entre si recursos
escassos levou para o âmbito das relações, da cultura e dos afetos uma dinâmica de competição
e de “instrumentalização” da vida. No fundo, é a relação invertida entre meios e finalidades
sobre a qual já se tratou neste texto – que gerou rupturas em processos de solidariedade social,
tão necessários para a finalidade de reprodução da vida, visto que o ser humano é relacional e
cooperativo por natureza (MATURANA, 1997). A fragilidade do ser humano e sua longa
dependência de cuidados ao nascer revela a imprescindibilidade das redes de apoio e da
colaboração.
O economista, sociólogo, historiador e antropólogo Karl Polany (2012) demonstrou que
o princípio de intercâmbio (que se expressa sob a forma de mercado, na sociedade atual),
sempre esteve presente nas formações societárias que se tem conhecimento, porém nunca foi o
único princípio econômico, tampouco o principal; a economia de mercado é um fato inédito na
história. Nos termos de Polanyi (1980; 2012), a economia sempre foi “enraizada” ou
“imbricada” em relações sociais. No campo da economia ficaram de fora as formas de
integração econômica que não são o mercado e que não envolvem um valor monetário definido
por regras abstratas e racionais de formação de preços, enunciadas especialmente a partir de
pesquisas antropológicas nas Ilhas Trobiand realizadas por Malinowski (apud GAIGER, 2016).
A primeira é a reciprocidade, uma forma de troca simétrica entre amigos, vizinhos e formações

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cooperativas, colaborativas ou solidárias. A segunda é a redistribuição, que consiste em aportes
que uma entidade central faz para os que necessitam. No caso da sociedade moderna, é o Estado
através das políticas sociais. A terceira é a domesticidade, referente à produção para o sustento
familiar (POLANYI, 2012; GAIGER, 2016). Com base na pluralidade de princípios que
compõem a ação econômica, esta se conecta com a social e ambas estão implicadas na geração
de riqueza, prosperidade e qualidade de vida.
Na prática, há alguns exemplos de práticas econômicas que tem origem na integração
entre social e econômico. Ao Norte, o cooperativismo é um exemplo histórico. Ao Sul, há
inúmeras formas de produção coletiva presente em comunidades ancestrais (parte da economia
solidária5 reflete estas práticas). Na América Latina, parte delas hoje compõem o chamado
paradigma do Buen Vivir e foram reconhecidas como formas de desenvolvimento econômico
em constituições do Equador e da Bolívia. No mesmo sentido de integração, observa-se hoje
esforços significativos de empresas mercantis incorporarem as múltiplas dimensões da
sustentabilidade, numa caminhada que vem desde a década de 1990 com os processos de
responsabilidade social e, mais recentemente, através da agenda Environmental, Social and
Governance (ESG). Dentre estes campos de práticas econômicas, há ainda um conjunto
expressivo de iniciativas híbridas, que, sob distintas denominações (negócios de impacto,
empresas sociais, etc.) buscam articular a atividade empreendedora e a lógica empresarial com
missão social.
Explicitar a diversidade existente nas fronteiras entre social e econômico – um dia,
equivocamente apartadas– visa mostrar este momento importante em que a sociedade se
mobiliza, através de suas múltiplas formas de organização, para colocar a vida no centro,
enquanto o planeta ainda suporta a nossa vida nele. No fundo, o caminho que se desvela é o da
superação de uma visão fragmentada e fragmentadora da realidade na direção de uma visão
integrada e sistêmica do mundo e da ciência - bem representada no pensamento do filósofo
Edgar Morin (1977) - capaz de integrar cultura e natureza, economia e sociedade, mente e corpo
para a construção de uma vida digna próspera para todos. E este caminho que o conceito de
desenvolvimento sustentável ilumina.

4. Desenvolvimento sustentável e a multidimensionalidade intrínseca


A evidência de que os recursos naturais da Terra, incluindo os renováveis, são
insuficientes para sustentar um processo de crescimento econômico de todos os países do
mundo que mimetize aquele seguido pelos países industrializados, já era clara na década de

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Economia solidária é um dos fenômenos que tem sido amplamente estudados e que apresentam antecedentes,
tanto ao Norte e ao Sul. No Brasil, a economia solidária adquiriu expressão ao longo da década de 1990 a partir
do surgimento de um conjunto heterogêneo de experiências econômicas fundadas sob os princípios do trabalho
cooperativo, autogestão, sustentabilidade e propriedade coletiva dos meios de produção. Tais experiências
abrangem desde empreendimentos organizados sob a forma de cooperativas, associações e grupos informais até
arranjos mais complexos em torno de cadeias produtivas, comércio justo, comercialização e consumo coletivos,
crédito solidário, trocas solidárias e moeda local (FERRARINI, GAIGER e SCHIOCHET, 2018).

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1970 para o grupo de investigadores do Massachurs Tecnology Institute (MIT) que produziu o
relatório “Os Limites do Crescimento” (Meadows e Club of Rome, 1972). Na década seguinte,
o relatório “O Nosso Futuro Comum” da Comissão Mundial sobre Ambiente e
Desenvolvimento (BRUNDTLAND et al., 1987) marcou a forma como políticas de
desenvolvimento são hoje pensadas e definidas ao inaugurar a utilização do conceito de
sustentabilidade, o qual significa “suprir as necessidades do presente sem comprometer a
capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades”.
Na interface entre desenvolvimento e sustentabilidade se forjou o conceito de
desenvolvimento sustentável, definido como “um processo de transformação no qual a
exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento
tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforça o potencial presente e futuro, a
fim de atender às necessidades e aspirações futuras” (Comissão de Desenvolvimento
Sustentável/ CDS da ONU, 2001). O desenvolvimento sustentável tornou-se uma espécie de
ideal ou novo paradigma para a sociedade. Ao preconizar a conciliação, por longos períodos,
entre crescimento econômico, bem-estar social e conservação dos recursos naturais,
sintonizadas com o ambiente institucional (STOFEL e COLOGNESE, 2015), o
desenvolvimento é entendido como
(...) um processo multidimensional6, abrangendo a reorientação e reorganização
completa dos sistemas econômicos e sociais. Seja qual for o processo de
desenvolvimento, ele deve motivar mudanças fundamentais, nas atividades populares,
e até mesmo nas crenças e nos costumes (LEITE, 1983, p. 27).

O desenvolvimento sustentável abarca três dimensões fundamentais: econômica, social e


ambiental. A dimensão econômica já foi devidamente abordada neste texto. A dimensão
ambiental se refere à “manutenção da capacidade de sustentação dos ecossistemas, o que
implica na capacidade de absorção e recomposição dos ecossistemas, que são constantemente
postos em cheque pela interferência do homem no ambiente (STOFEL e COLOGNESE, 2015,
p. 32). Mais especificamente, esta dimensão propõe considerar, preservar, investir e não
comprometer os recursos naturais ainda existentes. Por outro lado, a esfera ambiental do
desenvolvimento sustentável também é fruto de iniciativas desenvolvidas por organismos
internacionais, supranacionais e não governamentais. Atualmente, com o advento das
premências da necessidade de formas alternativas produção energética, por exemplo, a proteção
dos recursos naturais é básica para a melhoria da qualidade de vida das gerações atuais e futuras.
A sustentabilidade ambiental depende de como a escala de produção de bens e
serviços econômicos é conduzida, ou seja, qual o tamanho ótimo da economia que

6
A multidimensionalidade do desenvolvimento surge na década de 1990 na Conferência Eco-92 (ou Rio-92),
primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. A Conferência teve
desdobramentos importantes do ponto de vista científico, diplomático, político e na área ambiental, além de ceder
espaço a debates e contribuições para o início das discussões de um modelo de desenvolvimento que fosse além
da esfera econômica.

11
não passa a sufocar a capacidade do capital natural na geração dos seus serviços
ambientais para o bem- estar humano (STOFEL e COLOGNESE, 2015, p. 32).

Na dimensão social do desenvolvimento sustentável a maior preocupação volta-se ao


bem-estar humano, à condição de vida humana e aos meios utilizados para manter, melhorar e
até mesmo aumentar essa qualidade de vida. Uma sociedade sustentável supõe que todos os
cidadãos tenham direito ao mínimo necessário para uma vida digna (STOFEL e COLOGNESE,
2015). A dimensão social pode abarcar ao mesmo tempo aspectos educacionais, de saúde, de
segurança pública, entre outros. Ela pode ser vista como um guarda-chuva temático ou tema
transversal a todas as dimensões. Basicamente, a dimensão social se manifesta na equidade do
desenvolvimento e como este beneficia a todos na sociedade, buscando-se sempre a redução
das desigualdades e a eliminação da discriminação (AYLWIN, 1997). De forma ampliada,
consideram-se aspectos como nutrição, educação, acesso à moradia, ao mercado de trabalho, à
fatores que aumentam as capacidades e as oportunidades individuais, como também, a busca
pela inclusão social e o combate aos problemas sociais.
Recentemente, outras dimensões vêm sendo agregadas como forma de dar visibilidade a
processos e estruturas complementares à viabilização do desenvolvimento sustentável, com
destaque às dimensões: institucional, política e cultural. A dimensão institucional, de acordo
com o IBGE (2010), diz respeito à orientação política, capacidade e esforço despendido por
governos e pela sociedade na implementação das mudanças requeridas para o alcance do
desenvolvimento sustentável. Sensibilizar, motivar e mobilizar a participação ativa das pessoas;
favorecer acesso às informações que permitam maior compreensão dos problemas e
oportunidades; superar as práticas e políticas de exclusão e buscar o consenso nas decisões
coletivas são elementos que compõem esta dimensão. A dimensão política relaciona-se à
institucional, chamando atenção para que haja efetivamente a participação dos cidadãos em
tomadas de decisão acerca de múltiplas esferas da vida social, para além de democracia
representativa. Por fim, a dimensão cultural chama atenção para a necessidade de
reconhecimento e fortalecimento de culturas, memória e identidades locais, preservando
costumes, valores e beneficiando as futuras gerações. Como a cultura não é um fator estático,
as mudanças culturais desencadeiam novas iniciativas e passam a exigir remodelagem das
organizações, visando o desenvolvimento como um todo. Assim, a dimensão cultural se
manifesta com as possibilidades de crescimento pessoal e o desenvolvimento das aptidões
físicas, intelectuais e artísticas oferecidas aos indivíduos, ao passo que acadêmicos das mais
diversas áreas vem enfatizando a importância da cultura no processo de desenvolvimento de
uma nação e o intelecto humano como a principal forma para o surgimento de alternativas aos
modelos de desenvolvimento.
Frente à complexidade de fatores requisitados ao desenvolvimento de um país, região ou
cidade, como delimitar e medir o desenvolvimento em sua multidimensionalidade? Objetivar,
traçar metas, esperar resultados e gerar impactos são ações que precisam ser descritas e
implementadas a partir de indicadores que permitem a apreensão das transformações.

12
5. Indicadores: avançando no desenho de medidas multidimensionais
A criação de indicadores para mensurar, quantitativa e qualitativamente, as ações,
programas e políticas em prol do desenvolvimento sustentável, expressa uma trajetória extensa
de esforços e redundou em inúmeros os modelos (LOUETTE, 2015). Não sendo possível referir
a todos, serão destacados alguns marcos. O primeiro é o IDH, uma medida sintética do
progresso a longo prazo em três dimensões básicas do desenvolvimento humano: renda,
educação e saúde. Criado por Mahbub ul Haq com a colaboração do economista indiano
Amartya Sen - ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1998 - o IDH pretende ser uma
medida geral e sintética
Apesar de ampliar a perspectiva sobre o desenvolvimento, sendo o primeiro índice que
mais diretamente fez frente ao exclusivismo do PIB, são duas as principais críticas em torno do
IDH: (1) não abrange nem esgota todos os aspectos de desenvolvimento; (2) não leva em conta
os efeitos colaterais do progresso, como o desemprego, o aumento da criminalidade, novas
necessidades de saúde, poluição ambiental, desagregação familiar, entre outros. Dito isso, foi,
sem dúvida, importante para abrir o caminho, mas hoje já não representa o que há de mais
avançado na mensuração de impactos multidimensionais (LOUETTE, 2015, p. 24).
O segundo conjunto de indicadores que merece destaque é o FIB, que tal como o IDH,
está preocupado com o indivíduo e a multidimensionalidade de seu bem-estar. O FIB foi criado
pelo rei butanês no ano de 1972 e, devido a seus bons resultados, foi incorporado como
indicador da ONU para medir o desenvolvimento de uma nação. O FIB possui nove categorias:
1. Bem-estar psicológico: Mede o otimismo que cada cidadão tem em relação a sua vida.
É feita uma análise da autoestima, nível de stress e espiritualidade.
2. Saúde: Analisa as medidas de saúde implantadas pelo governo, exercícios físicos,
nutrição e autoavaliação da saúde.
3. Uso do tempo: Inclui questões como o tempo que o cidadão perde no trânsito, divisão
das horas entre o trabalho, atividades de lazer e educacionais.
4. Vitalidade comunitária: Entra na questão do relacionamento e das interações entre as
comunidades. Analisa a segurança dentro da comunidade, assim como sensação de
pertencimento e ações de voluntariado.
5. Educação: Sonda itens como participação na educação informal e formal, valores
educacionais, educação no que se refere ao meio ambiente e competências.
6. Cultura: Faz uma análise de tradições culturais locais, festejos tradicionais, ações
culturais, desenvolvimento de capacidades artísticas e discriminação de raça, cor, ou
gênero.
7. Meio ambiente: Relação entre os cidadãos e os meios naturais como solo, ar e água.
Estuda a acessibilidade para áreas verdes, sistemas para coletar o lixo e biodiversidades
da comunidade.

13
8. Governança: Estuda a maneira da relação entre a população e a mídia, poder judiciário,
sistemas de eleições e segurança.
9. Padrão de vida: Análise da renda familiar e individual, seguridade nas finanças, dívidas
e qualidade habitacional.
A principal crítica ao FIB se refere às
limitações inerentes ao uso das métricas subjetivas. A felicidade é um conceito
intuitivo a todos os seres humanos, mas a sua medida é sujeita a distorções, muitas de
caráter psicológico (...) O que devemos fazer com aquelas pessoas muito pobres que
dizem que são as mais felizes do mundo? (COMIM apud LOUETTE, 2015, p. 23).

Michael Pennock (apud LOUETTE, 2015) defende que o FIB é um bom ponto de partida,
mas não necessariamente de chegada. Ele possui vários méritos, que devem ser usados para que
tenhamos uma medida de bem-estar mais justa e equitativa.
No entanto, a iniciativa mais relevante em termos de indicadores se refere à trajetória
iniciada em 2000 com as metas do milênio estabelecidas pela ONU para reduzir a pobreza
extrema e que se configuraram em 2003 como os ODM, com o apoio de 191 nações. Os ODM
tiveram a virtude de congregar as vontades da comunidade internacional em torno de um
conjunto de prioridades claramente identificáveis em uma série de oito objetivos, com um prazo
para alcance em 2015. São os seguintes os objetivos:
1 - Acabar com a fome e a miséria
2 - Oferecer educação básica de qualidade para todos
3 - Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres
4 - Reduzir a mortalidade infantil
5 - Melhorar a saúde das gestantes
6 - Combater a Aids, a malária e outras doenças
7 - Garantir qualidade de vida e respeito ao meio ambiente
8 - Estabelecer parcerias para o desenvolvimento
Os ODM significaram um passo histórico no concerto das nações. Eles foram o primeiro
conjunto global de políticas originadas através da contribuição de múltiplos atores, para além
de especialistas das Nações Unidas. No ano de 2015, a análise da experiência dos ODM revelou
como pontos críticos: (1) incorporação da narrativa de que cabia aos países “desenvolvidos”
promover o processo daqueles que estavam “em desenvolvimento”, como exemplos
idealizados; (2) os países mais ricos e industrializados mantinham os mais pobres numa
categorização de “países subdesenvolvidos” e, mais recentemente de “países em
desenvolvimento”, em contraposição à autoidentificação como “países desenvolvidos”; (3) sua
prioridade focava nos países em desenvolvimento, particularmente os mais pobres.
Apesar das críticas, a análise revelou que os ODM foram um sucesso e deveriam ser
ampliados de modo a abranger uma série de novas questões sociais que necessitavam de mais

14
atenção. Esta reformulação redundou nos ODS, organizados em torno de 17 objetivos, 169
metas (aproximadamente dez metas por objetivo) e 304 indicadores (aproximadamente dois
indicadores por meta), com prazo para alcance para 2030. Os objetivos são os seguintes:
01 – Erradicação da pobreza: acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os
lugares.
02 – Fome zero e agricultura sustentável: acabar com a fome, alcançar a segurança
alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável.
03 – Saúde e bem-estar: assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos,
em todas as idades.
04 – Educação de qualidade: assegurar a educação inclusiva, e equitativa e de qualidade,
e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos.
05 – Igualdade de gênero: alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres
e meninas.
06 – Água limpa e saneamento: garantir disponibilidade e manejo sustentável da água e
saneamento para todos.
07 – Energia limpa e acessível: garantir acesso à energia barata, confiável, sustentável e
renovável para todos.
08 – Trabalho decente e crescimento econômico promover o crescimento econômico
sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para
todos.
09 – Inovação infraestrutura: construir infraestrutura resiliente, promover a
industrialização inclusiva e sustentável, e fomentar a inovação.
10 – Redução das desigualdades: reduzir as desigualdades dentro dos países e entre eles.
11 – Cidades e comunidades sustentáveis: tornar as cidades e os assentamentos humanos
inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis.
12 – Consumo e produção responsáveis: assegurar padrões de produção e de consumo
sustentáveis.
13 – Ação contra a mudança global do clima: tomar medidas urgentes para combater a
mudança climática e seus impactos.
14 – Vida na água: conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares, e dos recursos
marinhos para o desenvolvimento sustentável.
15 – Vida terrestre: proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos ecossistemas
terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, deter e
reverter a degradação da Terra e deter a perda da biodiversidade.

15
16 – Paz, justiça e instituições eficazes: promover sociedades pacíficas e inclusivas par
ao desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir
instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis.
17 – Parcerias e meios de implementação: fortalecer os meios de implementação e
revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável.

Os objetivos são interconectados, ou seja, o sucesso de um ODS envolve outros objetivos.


A definição dos ODS se baseou em processo de consultas abertas e de pesquisa global,
coordenado pela ONU, com a participação de mais de 1,4 milhão de pessoas – governos,
sociedade civil, setor privado, universidade e instituições de pesquisa – que contribuíram
pessoalmente ou por meio da plataforma on-line My world com a nova agenda global de
desenvolvimento. A Agenda 2030, como conhecida, é o plano de ação global que reúne os
ODS e suas metas, sendo resultante do acordo e vontade dos 193 Estados-Membros da ONU,
com aplicação a todos os países. A natureza global dos ODS é, talvez, a maior novidade que
eles acrescentam na forma como o conceito de “desenvolvimento” é concebido e posto em
prática. Pela primeira vez, através dos ODS e do Acordo de Paris sobre as alterações climáticas,
países mais ricos são chamados a comprometer-se com correções dos seus percursos de
desenvolvimento. Os ODS são um apelo global à ação para acabar com a pobreza, proteger o
meio ambiente e o clima e garantir que as pessoas, em todos os lugares, possam desfrutar de
paz e de prosperidade. Eles envolvem um plano de ação para o planeta, as pessoas e a
prosperidade, assegurando direitos humanos, visando o fortalecimento de ações que culminem
com a paz universal e com a erradicação da pobreza, sendo este o maior desafio global e um
requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável.
Reconhecemos que a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões,
incluindo a pobreza extrema, é o maior desafio global e um requisito indispensável
para o desenvolvimento sustentável (...) Todos os países e todas as partes interessadas,
atuando em parceria colaborativa, implementarão este plano. Estamos decididos a
libertar a raça humana da tirania da pobreza e da penúria e a curar e proteger o nosso
planeta. Estamos determinados a tomar as medidas ousadas e transformadoras que são
urgentemente necessárias para direcionar o mundo para um caminho sustentável e
resiliente. Ao embarcarmos nesta jornada coletiva, comprometemo-nos que ninguém
seja deixado para trás (NAÇÕES UNIDAS, 2015).

O exercício a seguir visa destacar as dimensões e possíveis indicadores, incluindo outros


indicadores sociais, seu alinhamento com uma proposta comum de desenvolvimento
econômico, mas que inclua também instituições e atores, seja no nível nacional, regional ou
local. O quadro 1 apresenta um conjunto de tópicos que podem então ser discutidos da
dimensão social, com um breve conceito, alguns tipos e exemplos de indicadores. Trata-se de
um conjunto não exaustivo, mas um esforço propositivo preliminar.

16
Quadro 1 – Tópicos, conceitos, tipos e exemplos de indicadores da dimensão social

Tópico Conceito geral Tipos Exemplos de indicador


Pobreza Falta de recursos Alimentação População abaixo da linha da
básico Infraestrutura pobreza

Desigualdade Ausência de Social Índice de Gini


proporção Renda
Gênero
Saúde Completo bem-estar Física Razão de leitos hospitalares por
Ausência de doença Mental população
Educação Prática social que visa Formal Taxa de frequência à escola
o desenvolvimento do Não formal
ser humano Níveis
Não se restrito à
escola
Moradia Local com condições Familiar Percentual de pessoas
para a garantia da Multifamiliar vivendo em domicílios
sobrevivência
humana
Desenvolvimento Boa combinação de Índice de desenvolvimento
Humano fatores de saúde, humano
educação e renda
Fonte: Elaborado pelas autoras.

O acesso à água limpa e segura – que estaria entre um tópico da dimensão social e
ambiental - é reconhecido como direito humano essencial, conferindo base para o
desenvolvimento econômico e social, promovendo bem-estar social, aumento da expectativa de
vida e da produtividade econômica. No quadro 2 apresenta-se um conjunto de tópicos que
podem então ser discutidos da dimensão ambiental.

Quadro 2 – Tópicos, conceitos, tipos e exemplos de indicadores da dimensão ambiental

Tópico Conceito geral Tipos Exemplos de indicador


Água Direito humano básico Potável Taxa de acesso a água potável
para sobrevivência Encanada
Energia Recursos naturais para Petróleo Percentagem da população com
atividades do dia a dia Hidrelétrica acesso à eletricidade
Renovável
Resíduo Material, substância Resíduos urbanos Percentual de reciclagem de
ou outro resultante de Resíduos industriais resíduos sólidos
atividades humanas Resíduos de
construção civil
Produção limpa Processos mais limpos Reciclagem interna Taxa de substituição de matéria
e com baixo consumo Reciclagem externa prima
de energia
Conservação Preservação contra Uso racional de água Percentual do Território
dano Reserva da fauna Brasileiro Abrangido por
Unidades de Conservação
Proporção da Área Marinha
Brasileira Coberta por Unidades
de Conservação da Natureza
Quantidade de Agrotóxico
Comercializado por Classe de
Periculosidade Ambiental
Fonte: Elaborado pelas autoras.

17
A respeito da produção mais limpa, esta foi uma expressão lançada pela United Nations
Environment Program (UNEP) e pela Division of Technology, Industry and Environment
(DTIE) como sendo a aplicação contínua de uma estratégia integrada de prevenção ambiental
a processos, produtos e serviços, visando o aumento da eficiência da produção e a redução dos
riscos para o homem e o meio ambiente, ao final da década de 1980. No caso do Brasil, o evento
Rio 92 se configura para o momento em que esse conceito passa a estar na esteira das discussões
para o desenvolvimento econômico (WERNER et al, 2019). Por fim, no quadro 3 tem-se um
conjunto de tópicos que podem então ser discutidos da dimensão econômica.

Quadro 3 – Tópicos, conceitos, tipos e exemplos de indicadores da dimensão econômica.

Tópico Conceito geral Exemplos de indicador


Crescimento Produção de bens e serviços Produto Interno Bruno (PIB)
econômico
Renda Remuneração ou trabalho ou outro PIB per capita
Renda per capita
Renda passiva
Renda ativa
Mercado Delimitação de espaço potencial Market share
para oferta e/ou demanda
Produtividade Resultado da capacidade de Indicadores de desempenho
produzir KPIs (Key Performance Indicator),
Indústria Produção de bens para atendimento Emprego na indústria
às necessidades humanas Número de estabelecimentos
Comércio Comercialização/venda de bens ou Taxa de contratação no comércio
serviços para atendimento às Faturamento no comércio
necessidades humanas
Serviços Produção/realização de serviços Nível de educação no setor de serviços
para atendimento às necessidades Disponibilidade de serviços
humanas
Fonte: Elaborado pelas autoras.

A lista de tópicos deve estar em constante revisão de complementariedades e


granularidades conceituais, tipos e exemplos. Como ilustração, podem estar no horizonte do
desenvolvimento econômico indicadores como necessidade humanas básicas, fundamentos do
bem-estar, nutrição, segurança pessoal acesso ao conhecimento básico, direitos individuais,
inclusão e diversidade, entre outros. Alguns destes exemplos de indicadores se enquadram em
mais de uma dimensão, em mais de um espaço de realização no território local, regional ou
nacional. Aqui extrapolam-se outras oportunidades para programas como LIDER. Outros
trabalhos, exploram ainda mais tópicos possíveis para cada dimensão, conforme serão
expressos nos quadros a seguir:

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Ambiental Social

• Qualidade das águas • Esperança de vida ao nascer (anos)


• Volume de águas tratada (1000m3/ano) • Taxa de mortalidade infantil (por 1000 nascidos
• Consumo médio per capita de água vivos)
L/(hab*dia) • Prevalência de desnutrição total • Imunização
• Acesso ao sistema de abastecimento de contra doenças infecciosas infantis (%)
água (%) • Oferta de serviços básicos de saúde
• Acesso a esgotamento sanitário (%) • Taxa de escolarização (%)
• Acesso a serviço de coleta de lixo • Taxa de alfabetizaçao (%)
doméstico (%) • Escolaridade
• Taxa de analfabetismo funcional (%)
• Famílias atendidas por transferência de
benefícios sociais
• Adequação de moradia (%)
• Densidade inadequada de moradores por
dormitório (%)
• Coeficiente de mortalidade por homicídios
• Coeficiente de mortalidade por acidentes de
transporte
Econômica Institucional

• Produto interno bruto per capita • Despesas com Ciência e Tecnologia


• Participação da indústria no Produto • Despesas com educação
Interno Bruto • Despesas com cultura
• Índice de Gine da distribuição do • Despesas com Assistência Social
rendimento Renda per capita • Despesas com desporte e lazer
• Renda proveniente de rendimentos do • Despesas com urbanismo
trabalho (%) • Despesas com habitação urbana
• Renda familiar per capita (%) • Despesas com saneamento urbano
• Balança Comercial (US$) • Despesas com gestão ambiental
• Despesa total com saúde por habitante (R$)
• Acesso a serviços de Telefonia Fixa
• Comparecimento nas eleições
• Número de Conselhos Municipais
• Acesso à justiça
• Transferências intergovernamentais da União

Fonte: Lira e Cândido (2008).

No Brasil, merece destaque ainda a proposição do Indicador de Desenvolvimento


Econômico e Social dos Estados Brasileiros (IDES), publicado pela Fundação Getúlio Vargas
(FGV, 2009), cuja finalidade é inspirar e contribuir para a concretização do desenvolvimento
em perspectiva multidimensional (SIEDENBERG, 2003), conforme figura abaixo:

19
Figura 1 – Componentes do IDES. Fonte: FGV (2009).

6. Reflexões finais
Desenvolvimento econômico é um conceito dinâmico e em permanente expansão e que
segue sendo uma preocupação central de governos, empresas e universidades e da sociedade
em geral. A perspectiva de desenvolvimento como progresso linear a partir de uma lógica do
países do Norte global concebeu o desenvolvimento como sinônimo de crescimento econômico
não logrou conduzir o planeta a um patamar de vida digna para as nações. Ao contrário, o
aumento abissal das desigualdades, pobreza e fome, aliado às ameaças ambientais, jogaram à
economia a tarefa de repensar seu papel como reprodutora da vida, em articulação com as outras
dimensões que compõem uma perspectiva de desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, é
mais prudente encarar o pensamento desenvolvimentista como processo de contínuo
questionamento e de embate entre perspectivas, do que um conjunto rígido de ideias passível
de ser encapsulado dentro de um mesmo paradigma.,
Diante das falhas e insucessos das políticas em prol do desenvolvimento, o trabalho
interdisciplinar tem ganhado mais espaço, fazendo com que a área de desenvolvimento se torne
multidimensional e sistêmica. Este trabalho, acrescido de um pacto social, ambiental e político
em escala mundial e uma nova contabilidade e indicadores, condizente com os nossos desafios
socioambientais e riscos de autodestruição (LOUETTE, 2009), traz esperança. Entretanto, é
notável o tempo necessário para que estas ideias tenham tomado tração e conduzido a um
acordo global sobre políticas promotoras de um desenvolvimento sustentável, e mais notável

20
ainda são as dificuldades para que mostrem resultados efetivos de reversão dos terríveis dando
sociais e ambientais em curso.
Os rumos apontam que não haverá o simples abandono do PIB, e sim a compreensão de
que mede apenas um aspecto, muito limitado, que é o fluxo de uso de meios produtivos. Além
disso, torna-se necessário “um equilíbrio judicioso” entre três instituições fundamentais de
qualquer sociedade: mercado, Estado e comunidade. A deificação do mercado como meio
primordial de gestão das economias pareceu, por vezes, esquecer que também os mercados são
construções sociais, contextualizadas e dependentes das outras instituições na sua operação.
Portanto, cada setor tem um papel fundamental e, em complementaridade, os três têm
contributos virtuosos a dar. Cada um tem, igualmente, limitações e características específicas
que, deixadas sem vigilância, comprometem o bem comum (SANTOS, 2019).
Ainda assim, já não vivemos na era em que a palavra “desenvolvimento” significa
imediatamente algo de bom e temos que nos perguntar sobre os rumos a desenvolver a
humanidade, porque, se nada for alterado, é bem possível que a condição futura seja bem pior
do que a vivida atualmente. Nesse contexto, pergunta-se o que mais interessa entre todas as
preocupações de todas as áreas de estudo, que não o próprio ser humano? Ele, o ser humano, é
o receptor final de todas as ações acerca do desenvolvimento econômico. O ser humano é a
razão, é o meio e é o fim. Ele é o motivo de preocupação do desenvolvimento econômico, é
também o agente do desenvolvimento.

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