Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
2022/2023
Acho bastante interessante a ligação que o autor faz entre património cultural e a
gramática, pois é a temática que vou trabalhar na tese e é dos temas que mais gosto.
Nunca tinha pensado em património cultural desta forma. Ora, a locução património
cultural junta dois elementos linguísticos numa unidade semântica indivisível, um
substantivo (património) e um adjetivo (cultural). A junção de ambos não lhes confere
um sentido preciso ou explícito, pelo contrário, segundo António Rosa Mendes, dá um
sentido um pouco difuso. Por esse motivo, é necessário examinar este nome e este
adjetivo em separado, para que depois sim, se alcance “a significação unitária do
sintagma património cultural” (Mendes, 2012, p. 11).
Como António Mendes refere, os animais possuem natura, mas não possuem
cultura, pois possuem apenas uma herança genética e não cultural. Por esse motivo,
cada um, ao nascer, é como se começasse do zero absoluto, isto é, como se não tivessem
existido outros antes dele. Nós, enquanto humanos, compartilhamos com os animais a
herança genética, contudo, a cultural é exclusividade nossa. Deste modo e combinando
MPHGP
2022/2023
as expressões portuguesa e inglesa, é possível afirmar que todos somos herdeiros e que
o património cultural é a nossa herança cultural.
É certo que o passado já passou, mas não só não deixou de existir, como
continua sendo, uma vez que está presente na herança que as gerações anteriores nos
transmitiram, a qual se traduz simplesmente no mundo em que vivemos atualmente. O
imperativo humano da consciência histórica é coletivo e individual.
Cada pessoa possui uma capacidade que lhe permite continuar a ser a mesma
através das sucessivas fases que a alteram e transformam, capacidade essa que é a
memória, fundamento da identidade. Na sociedade, as funções da memória na pessoa
são desempenhadas pelo património cultural, pois, segundo o autor, este fomenta uma
solidariedade orgânica que se traduz no sentimento de pertença a uma mesma
comunidade. Gosto bastante da forma objetiva como o autor resume o património
cultural e a memória na frase “o património cultural é, para a sociedade, o que a
memória pessoal é para o indivíduo” (2012, p. 17). Na ausência de património cultural
na sociedade e na de memória para o indivíduo, ambos os casos carecem de identidade.
No século XV, sentiu-se uma grande urgência de uma cultura nova que
respondesse às mudanças da sociedade desse tempo. Neste sentido, os intelectuais do
Renascimento foram buscar à cultura greco-romana os elementos inspiradores da
renovação cultural que ambicionavam.
Há cem anos, o poeta Afonso Lopes Vieira respondeu a esta asneira com os
versos “Desgraçado do país que julgar poder viver sem arte, considerando-a como
mania de alguns doidos, ou como luxo de alguns ociosos”. No mesmo sentido, muito
antes, foi Camões que se pronunciou num único verso presente em “Os Lusíadas” –
“Porque quem não sabe arte, não na estima”. Deste modo, com o pretexto de uma
ilusória prosperidade, rompem-se os vínculos das pessoas com o seu meio, decepam-se
as suas raízes e estes indivíduos privados da sua história, memória e identidade tornam-
se presas fáceis para todas as manipulações.
Relativamente ao capítulo “Bens materiais”, pode-se afirmar que bens são meios
capazes de satisfazer as necessidades da pessoa humana. Neste sentido, coloca-se a
questão, um bem cultural material ou um bem cultural imaterial? De acordo com o
autor, esta questão só é relevante porque esta dicotomia serve de base a outra, a qual
coloca em oposição património cultural material e património cultural imaterial.
A Lei n.º 107/2001, de 8 de Setembro dispõe no seu artigo 2.º “que o património
cultural é integrado por bens materiais e por bens imateriais de interesse cultural
relevante” (Mendes, 2012, p. 35). Contudo, os bens imateriais ocupam apenas um único
artigo. Todos os bens culturais são materiais e imateriais. Ou seja, são materiais
enquanto se materializar neles o espiritual que os concebeu e são imateriais enquanto,
para além deles, estiver o espiritual que os gerou.
“O património cultural está ainda muito longe de ver reconhecido o papel que
indeclinavelmente lhe cabe em qualquer estratégia de desenvolvimento económico
sustentado” (Mendes, 2012, p. 39). Esquece-se frequentemente que o património
cultural aumenta as capacidades críticas e as opções dos indivíduos, proporcionando-
lhes autonomia e confiança no futuro.
Os romanos tinham uma divindade, Janus Bifrons, que tinha um rosto só, mas
duas faces – a que se voltava para trás (encarando o passado feito) e a que se virava para
diante (encarando o futuro a fazer-se). “A visão do passado não é um fim em si, é
sempre um meio que se exerce em função do futuro; a visão do passado fornece, no
presente, a inspiração e o estímulo para novas experiências vitais no futuro – o
património cultural.
“Sentir o tempo é estar vivo. Talvez uma certeira definição para a morte
seja a ausência de memória. Para uma pessoa física, não ter memória é estar
morta enquanto pessoa, ainda que as restantes funções vitais se mantenham; para
uma pessoa colectiva, não ter património cultural é morta estar, ainda que na
aparência subsista. Em ambos os casos, carecem de identidade”.
Referência:
Mendes, A., R. (2012). O que é Património Cultural. (1ª ed.). Gente Singular.
http://hdl.handle.net/10400.1/2506