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2022/2023

Ideias chave para a educação histórica: uma busca de (inter)identidades –


Isabel Barca

Sobre a autora:

Isabel Barca licenciou-se em História pela Universidade do Porto, realizou o seu


mestrado em Ensino de Ciências Sociais pela Universidade de Boston e o doutoramento
em Ensino de História na Universidade de Londres. Atualmente, coordena área
científica de Metodologia do Ensino da História e Ciências Sociais, na Universidade do
Minho, onde também é coordenadora do Mestrado em Supervisão Pedagógica em
Ensino da História. Segundo Costa (2003), a historiadora desenvolve atividades de
docência e de investigação na área da cognição histórica, nomeadamente à volta das
conceções de professores e alunos em História e do desenvolvimento de competências
na educação histórica. Isabel Barca é também Presidente da Associação de Professores
de História.

Artigo:

 Pressupostos de investigação em Educação Histórica

A abordagem da investigação em Educação histórica teve origem na preocupação


em contribuir para aquilo que ainda possa faltar no panorama global dos trabalhos em
Ensino da História: ligar a teoria à prática, ou seja, “criar, implementar e analisar
situações de aprendizagem reais, em contextos concretos, e disseminar resultados que
possam ser ajustados a outros ambientes educativos” (Barca, 2012, p. 37). Esta linha de
pesquisa e ação pretende alcançar o desenvolvimento sustentado da literacia histórica de
crianças e jovens visto que a aprendizagem, se for explorada de modo desafiante,
criativo e válido, “apresenta fortes potencialidades como contributo para o
desenvolvimento de competências cognitivas essenciais para a vida numa Sociedade da
Informação e de Desenvolvimento” (Barca, 2012, pp. 37-38). Para que este objetivo se
realize, é imprescindível conhecer o mundo conceptual dos agentes educativos,
principalmente o do aluno. Ainda segundo, Barca (2012, p. 38), os objetivos do ensino
da História, não só podem, como “devem constituir uma ponte gradual, e não um fosso,
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entre o que os alunos aprendem e o que os historiadores e filósofos da História pensam e


produzem”.

A investigação em Educação Histórica é uma área que se constitui na junção de


vários saberes como:

 Princípios educacionais transversais considerados adequados na formação para o


mundo de hoje, influenciado pelo construtivismo na vertente da aprendizagem
situada;
 Reflexão epistemológica atualizada sobre conceitos e metodologias fundamentais
para a construção de um conhecimento histórico genuíno;
 Conhecimento histórico contextualizado, problematizado e aberto a múltiplas
perspetivas;
 Metodologias de análise de dados de natureza qualitativa, intensiva e indutiva.

Uma das linhas mais produtivas desta pesquisa pretende compreender as ideias de
crianças e jovens na perspetiva de que é possível construir ideias históricas
gradualmente mais aprimoradas pelos alunos, no que diz respeito à natureza do
conhecimento histórico.

 A narrativa como face da consciência histórica

Entende-se por narrativa histórica, a forma usual de produção, abrangendo qualquer


escola historiográfica, seja a de tipo descritivo, a marxista com uma visão dialética, a
estruturalista dos Annales, as pós-estruturais e narrativistas.

A narrativa histórica tem tendência a ser construída sob diferentes formas e


enfoques. Através desta, tem sido possível conhecer as conceções dos sujeitos,
incluindo os alunos, sobre:

a) Os significados atribuídos ao mundo no presente e no passado;


b) Os sentidos de mudança (progresso ou declínio, ciclo, permanências ou ruturas);
c) O papel da História na orientação temporal (relações entre passado, presente e
expectativas de futuro) no plano coletivo e no plano individual;
d) Os valores de (inter)culturalidade em situações de diálogo, de tensão ou de
conflito;
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e) As identidades coletivas moldadas em mensagens nucleares convergentes num


dado grupo.

Pelo facto de a teoria ser dinâmica em Educação Histórica, na epistemologia e na


prática investigativa, esta ganha sentido e afasta-se da especulação.

As narrativas produzidas pelos alunos, na investigação, respondem à proposta de


duas ‘questões’: “Conta a História do teu país...” e “... Conta a História do Mundo...” a
alunos do 9º ano de escolaridade, entre 2005 e 2011. As turmas participantes
distribuíram-se por grandes áreas do Brasil (seis turmas em Curitiba, Goiânia e São
Paulo), de Cabo Verde (duas turmas em Praia e Mindelo, de Moçambique (duas turmas
em Maputo) e de Portugal (oito turmas em Braga, Évora, Lisboa e Porto).

“Para além de algumas produções que aparecem estruturadas como simples


comentários atemporais, diversas narrativas tendem a acentuar uma comparação por
“temáticas” (…) entre um passado e um presente contraído num tempo binário” (Barca,
2012, p. 41).

Relativamente aos jovens brasileiros que produziram as suas narrativas, as ideias


principais tendem a interligar a História do seu país com a história mundial, embora
destaquem muito pouco protagonistas individuais. “A ideia de libertação do domínio
colonial nas narrativas brasileiras não adquire a força de tema central para estes jovens,
preocupados com questões de desenvolvimento social e económico e, sobretudo, de
corrupção” (Barca, 2012, p. 44).

No que toca às produções dos alunos de Portugal, por um lado, a maior parte das
suas histórias acerca do próprio país aparece razoavelmente resumida, por outro, a
história mundial é geralmente descrita em escassas linhas.

“Os marcos comuns a quase todas as narrativas nacionais dos jovens


portugueses centram-se no período da ditadura e na conquista da liberdade
em Abril de 1974. Um homogéneo ‘nós’ que venceu os seus problemas (e
agora vive uma crise) é o principal agente nesta narrativa onde quase não
existem heróis individuais (…) mas surge, quase sempre, um vilão no
passado (o ditador Salazar)” (Barca, 2012, p. 45.)
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Ao contrário do que se observa nas produções dos alunos brasileiros, a problemática


de múltiplas identidades não é evidente nas dos alunos portugueses. Nas produções do
Brasil, encontram-se referencias a relações de diálogo, de opressão e conflitos entre
brancos, negros e índios, colonização portuguesa e outros. Observou-se que, em ambos
os grupos (de Portugal e do Brasil), “os marcadores substantivos apontam para
dimensões político, sociais, económicas e científico-tecnológicas” (Barca, 2012, p. 45).
Há ainda uma ideia de desenvolvimento e progresso relativamente ao país e ao mundo,
no entanto, os alunos não deixam de questionar alguns aspetos negativos em relação ao
seu país.

 Desafios para a prática de educação histórica

É importante salientar que a investigação em Educação histórica não deve ser


praticada apenas a um nível ‘meta-científico’, por quem tem estatuto de investigador
experiente. Segundo Barca (2012, p. 46), a construção do perfil de “professor
investigador social”, ou seja, “do docente que procura compreender a progressão
conceptual dos seus alunos com lentes próprias da natureza da História e não apenas em
termos de quantidade de conteúdos”, é fundamental para promover uma intervenção
sustentada e, por isso, mais bem-sucedida.

No início do seu processo de formação, costuma ser explicitado aos alunos


mestrandos que será feita uma exploração e análise das suas ideias prévias situado num
ambiente de aula construtivista:

 Recolha inicial de dados sobre as conceções prévias dos alunos acerca de um


conceito substantivo, selecionado dentro de uma determinada unidade a ser
estudada;
 Análise das ideias prévias dos alunos segundo uma categorização das ideias de
alunos desde ideias incoerentes e alternativas até às relativamente válidas;
 Desenho, planeamento e implementação de uma unidade temática, tendo em
conta um refinamento gradual das ideias históricas dos alunos previamente
diagnosticadas;
 Recolha de dados sobre as ideias dos alunos a posteriori, aplicando o mesmo
modelo de progressão conceptual do momento inicial;
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 Aplicação de um instrumento de metacognição aos alunos para monitorizar o


processo de ensino-aprendizagem.

Este modelo de formação tem como objetivo principal envolver os formandos e/ou
professores na aplicação da teoria à prática, o que, a meu ver, é fundamental. Também é
de grande importância que os formadores destes professores conheçam e partilhem
modelos de aulas em concretos e os seus resultados, assim como perfis conceptuais de
professores, de manuais e ainda de orientações para o ensino da História, em diversos
contextos: formais, informais ou não formais.

Referências:

Barca, I. (2012). Ideias chave para a educação histórica: uma busca de


(inter)identidades. História Revista 17(1), pp. 37-51. 10.5216/hr.v17i1.21683

Barca, I. (2003). Isabel Barca (Universidade do Minho) em entrevista à PÁGINA – “A


História é o estudo da vida”. A página de educação (119). https://www.apagina.pt/?
aba=7&cat=119&doc=9239&mid=2

Ana Laura Romeira, 65696

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