Você está na página 1de 39

Desenvolvimento: entre o mito e a necessidade

A Política de Desenvolvimento Territorial na Bahia é considerada uma


abordagem para o desenvolvimento do estado. Tal premissa requer, portanto, a
problematização do campo teórico sobre desenvolvimento, erigido, por sua vez, no bojo
do capitalismo e de sua leitura científica, notadamente pela Economia e pela Sociologia
Política.
O tema acompanha a própria gênese da Ciência Econômica, desde os clássicos
do século XVIII, visto que os autores buscavam explicar a origem da riqueza das
nações, como elas se formam, se expandem ou crescem. Dos pensadores clássicos
(Adam Smith, David Ricardo, Stuart Mill) até os anos 1950, a ideia perseguida era a do
crescimento econômico. As indagações versavam sobre como as nações se tornavam
ricas; através de análises que se fechavam nos processos históricos das nações centrais
do sistema, tratando de averiguar as etapas e os processos nacionais do crescimento
econômico.
Somente a partir da grande crise dos anos 1930 e do pós-Segunda Guerra
Mundial, o termo desenvolvimento ganha primazia teórica, conjuntura em que a Guerra
Fria impunha às potências um compromisso relativo com o progresso econômico de
suas áreas estratégicas no globo. E, também, por conta do alto e profundo
desenvolvimento ocorrido nos países cêntricos do sistema, na chamada “era de ouro do
capitalismo” (1950 - 1970). A partir desta conjuntura global, a qual incluía, ainda, a
emancipação das colônias asiáticas e africanas e as novas bases de dominação do centro
sobre a periferia do sistema, surge uma reviravolta no pensamento econômico, gerada
dentro do núcleo imperialista, os Estados Unidos da América (EUA) (Fiori, 1998).
Trata-se da chamada revolução keynesiana causada pelas ideias de John Maynard
Keynes (1883 - 1946).
Após a II Guerra Mundial, o núcleo do sistema capitalista buscava articular as
nações ao seu domínio, através de novos mecanismos, combinando apoio econômico e
subordinação política, sem a ostensividade do colonialismo clássico moderno. Neste
contexto, o império buscava garantir as fronteiras capitalistas contra o socialismo
soviético. Esta nova perspectiva rompia com a ideia clássica do liberalismo econômico
de equilíbrio global, desde Ricardo, e adotava a compreensão do sistema capitalista
como um sistema cíclico, de crises e de natureza instável (Fiori, 1998). Esta
possibilidade no campo teórico favoreceu a vontade de se estudar e apresentar propostas
estratégicas de indução ao desenvolvimento econômico, e de se pensar em termos de
políticas públicas anticíclicas. Para Fiori (1998), legitimou-se a preocupação das
diversas nações com os seus próprios desenvolvimentos, visto na época, segundo o
autor, como:
Um processo possível de ser induzido ou acelerado politicamente e, portanto,
diferente, na teoria econômica, da ideia de simples crescimento. É algo que
implicaria transformações de tipo institucional, estrutural e uma aceleração
do processo de crescimento, da acumulação capitalista, além da média
internacional histórica anterior. (FIORI, 1998, p. 69).

Deste caldo conceitual e dessas condições históricas, portanto, se conforma uma


ideologia, que, ao mesmo tempo reconhece a natureza desigual das nações e a legitima
(FIORI, 1998). Em termos mais amplos, o conceito de desenvolvimento pode ser
associado ao impulso orgânico da modernidade de racionalizar o tempo, o espaço e as
ocorrências humanas para a obtenção de progresso material e social; para o domínio das
adversidades e a afirmação do homem sobre a natureza. Representa também uma face
do antropocentrismo iluminista, quando expressa a crença de que o homem pode ter
controle e direção da história, para fazê-la ocorrer de acordo com as suas razões, através
da utilização da inteligência, da tecnologia e da organização política, em uma palavra:
da razão instrumental.
As abordagens teóricas sobre desenvolvimento são tão vastas quanto sua
elasticidade conceitual. Para efeito deste texto, focar-se-á, primeiro, em duas correntes
de entendimento do desenvolvimento, para, então, analisar o conceito de
“desenvolvimento territorial”. As duas correntes conceituais são distanciadas entre si
por visões distintas sobre desenvolvimento, notadamente quanto ao seu sentido, suas
formas e sua composição ideológica, Tal opção metodológica decorre do fato da política
de desenvolvimento territorial da Bahia está inserida na conjuntura histórica de
alternância de um modelo de gestão tipicamente neoliberal para outro que lhe é uma
variável, com significativas distinções, apontando para uma plataforma de cunho mais
social, no Brasil e na Bahia.
A primeira corrente, portanto, é a visão liberal clássica, mais recentemente
transmutada em “neoliberal”, cuja abordagem se define por uma crença no
desenvolvimento enquanto movimento “natural” do capitalismo. Desenvolvimento
tomado como resultado inexorável da marcha da modernidade, a ser potencialmente
atingido em todo o globo, a partir de certas etapas de condições políticas e econômicas,
cujo agente promotor é a economia capitalista, o mercado e as liberdades ou
liberalismos a ele atinentes e necessários.1 A segunda é a visão crítica ao liberalismo,
formulada a partir da negação da “naturalidade” do desenvolvimento e de sua
reprodução, no sentido de replicar na periferia do sistema os modelos do centro. Em
outras palavras, a crítica à ideia de que se pode alcançar os mesmos níveis de
desenvolvimento dos países cêntricos, na periferia do sistema, a partir do movimento de
expansão dessas economias e seus modelos para dentro dos países periféricos, através
de etapas lineares. Esta vertente será tratada a partir da Comissão Econômica para a
América Latina (CEPAL), da Organização das Nações Unidas (ONU), através de dois
dos mais destacados de seus formuladores: Raul Prebisch e Celso Furtado, ambos
posicionados no campo teórico do estruturalismo.
Antes de discorrer sobre as duas correntes conceituais, faz-se uma introdução, a
fim de contextualizar o cenário mais geral do debate teórico sobre o tema, com base nas
referidas linhas de pensamento.
Desde a gênese da teoria econômica e sua consolidação como ciência social, um
conjunto substancial de obras foi escrito para revelar as causas e motivações da
expansão econômica. Vivia-se um momento histórico de transição do modo de
produção, quando o capitalismo industrial iniciava sua consolidação como sistema
econômico. Não por acaso, o pensamento clássico, em sua origem, estava plenamente
de acordo com a ideologia burguesa, servindo-lhe de instrumento cultural/ideológico
para alimentar as transformações políticas necessárias à plena hegemonia do capital e da
burguesia na condução da vida moderna. Segundo Furtado (1961):
A teoria do desenvolvimento econômico trata de explicar, numa perspectiva
macroeconômica, as causas e o mecanismo do aumento persistente da
produtividade do fator trabalho e suas repercussões na organização da
produção e na forma como se distribui e utiliza o produto social (FURTADO,
1961, p. 19).

Este autor considera que a explicativa do desenvolvimento, na Ciência


Econômica, segue dois planos. O primeiro é o campo da análise dos mecanismos
intrínsecos do desenvolvimento, ou seja, abstrações com variáveis estáveis e
quantificáveis. Refere-se à análise, a partir de formulações abstratas, com base em
modelos simplificados dos sistemas econômicos existentes. O segundo é o campo

1
A respeito do etapismo, consultar a obra seminal sobre esta teoria, de W. W. Rostow (1959). Etapas do
desenvolvimento econômico, na qual o autor estabelece cinco etapas distintas do desenvolvimento
econômico dos países, as quais seriam inexoráveis para o alcance do estágio de um país desenvolvido.
histórico, donde se averigua a eficácia da teoria, confrontando-a com uma realidade
histórica dada.
O desenvolvimentismo, de acordo com o seu caráter ideológico dominante,
estabeleceu as bases para o conjunto hegemônico de autores se posicionarem quanto às
possibilidades de evolução positiva das civilizações. Ao longo das últimas sete décadas,
os jargões teóricos se tornaram linguagem popular, conteúdo de currículo escolar e
material para amplos debates teóricos e ideológicos. Assim, expressões como: “países
desenvolvidos e subdesenvolvidos”; “países de primeiro, segundo e terceiro mundo”;
“países ricos e países pobres”, “países em desenvolvimento ou países emergentes”,
tornaram-se corriqueiras e dominaram o ambiente do debate, do discurso político, social
e cultural. Neste contexto conceitual e ideológico se fundamentam a teoria liberal e
neoliberal e a crítica à visão liberal de desenvolvimento.

2.5.1 A teoria neoliberal e o Consenso de Washington

O liberalismo foi a primeira base teórica do sistema capitalista industrial, nasceu


junto com sua fase de industrialização na Inglaterra do século XVIII. Seus autores
clássicos são estudados e citados até os dias atuais porque estabeleceram leituras e leis
universais sobre o processo de surgimento, reprodução e expansão do capital dentro da
dinâmica de mercado livre. Desde Adam Smith, em seu clássico texto “A Riqueza das
Nações”, de 1776, que a teoria econômica liberal considera a economia como um
espaço desvinculado do Estado e este como corpo estranho à sua dinâmica mais pura e
original.
As forças produtivas de uma sociedade – o conjunto de agentes individuais,
movido por seus desejos e interesses particulares de ganho e realização - agem
egoisticamente, dentro de um espaço de competições, no qual as competências e
habilidades individuais determinam quem ganha e quem perde no jogo da acumulação
da riqueza. Mas, para os clássicos, ao final, esta “mão invisível”, que é o mercado,
acabaria por gerar uma riqueza coletiva sempre crescente e dinâmica, resultando em
riqueza social. O Estado, segundo o Liberalismo, deveria cuidar da vida social e política
e atuar pontualmente na regulação jurídica e dos interesses nacionais, quando da
competição com outras nações. Mas a mão “visível” do Estado deveria ser menor do
que a mão “invisível” do mercado.
Ao longo da história moderna estes preceitos foram aplicados com rigor, mas
também relativizados sem parcimônia pela burguesia capitalista, a depender das
conjunturas, pendulando entre o liberalismo e o intervencionismo. Muitas foram as
vezes em que os capitalistas, ou “os mercados”, recorreram a protecionismos e
intervencionismos do Estado para defender seus interesses econômicos. E ainda o faz,
mesmo nas nações mais liberais, como os EUA, sobretudo para garantir os interesses
financistas e industriais contra concorrências estrangeiras e novas reivindicações sociais
que possam ameaçar suas taxas de lucro (FIORI, 1998).
Para efeito de contextualizar o desenvolvimento territorial atual, em análise
neste texto, importa tratar da versão contemporânea do liberalismo, o neoliberalismo,
que se inicia com a crise do petróleo na década de 1970, e se torna hegemônica no
comando das nações poderosas do Ocidente nos anos de 1980. Estas são as bases que
antecedem à implementação das políticas territoriais em nível federal e estadual no
Brasil, e servem como contraponto às premissas conceituais e ideológicas de tais
políticas. Como ofensiva teórica, as ideias neoliberais aparecem ainda durante a
Segunda Guerra, através da obra de Friedrich Hayek, de 1944, intitulada “O Caminho
da Servidão”. Nela, o autor promove uma aberta luta contra as ideias sociais
democráticas, ao igualitarismo e ao papel do Estado como guardião do solidarismo
(ANDERSON, 1996).
Hayek chega a pronunciar em seu livro: “Apesar de suas boas intenções, a
social-democracia inglesa conduz ao mesmo desastre que o nazismo alemão – uma
servidão moderna” (HAYEK, 2010, p. 9). Aquele ano era de eleições na Inglaterra e
este autor promovia uma campanha contra o Partido Trabalhista Inglês e seu programa
social-democrata. Hayek veio a criar um clube de pensadores conservadores e
ultraliberais para formularem e combaterem as teorias keynesianas e sociais democratas,
denominado de “Sociedade de Mont Pélerin” (ANDERSON, 1996). As ofensivas
neoliberais, ao longo de 20 anos não receberam eco da política, uma vez que o sistema
capitalista vivia sua fase de ouro, crescendo à altas taxas, em meio ao Estado de Bem-
Estar Social. Porém, com a crise do Petróleo e das dívidas, no final dos anos 1970, com
a queda global das taxas de lucro, as forças conservadoras foram ganhando espaço e
chegaram ao comando dos principais Estados ocidentais, levando à mudança da agenda
econômica e da ideologia dominante no meio dos capitalistas e dos governos.
As ideias neoliberais foram tratadas de maneira a se tornar um corolário
econômico para as nações capitalistas a partir de 1990, e foram traduzidas pelo
economista John Williamson no chamado Consenso de Washington. Segundo
Williamson (1990 apud SOARES, 2003), as políticas neoliberais se definem por:
[...] um conjunto, abrangente, de regras de condicionalidade aplicadas de
forma cada vez mais padronizadas aos diversos países e regiões do mundo,
para obter o apoio político e econômico dos governos centrais e dos
organismos internacionais. Trata-se também de políticas macroeconômicas
de estabilização acompanhadas de reformas estruturais liberalizantes.
(WILLIAMSON apud SOARES, 2003, p. 19).

O contexto de ascensão do neoliberalismo foi marcado, na década de 1980, pelas


ascensões de Margareth Thatcher e Ronald Reagan ao poder de suas nações,
respectivamente, na Inglaterra e nos Estados Unidos. A partir daí, este corolário passou
a ser aprofundado e imposto às agências financiadoras internacionais, como o Fundo
Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BIRD). As reformas, então
propostas aos países cêntricos e periféricos, notadamente a estes últimos, era para a
promoção de verdadeiros ajustes e reformas, incluindo nas Constituições nacionais, a
fim de atender aos interesses do capital. Para Soares (2003) essas reformas promoviam a
desregulamentação dos mercados, o escancaramento da abertura comercial e financeira,
a privatização do setor público e a redução do Estado. Para esta autora:
O ajuste neoliberal não é apenas de natureza econômica: faz parte de uma
redefinição global do campo político-institucional e das relações sociais.
Passa a existir outro projeto de reintegração social, com parâmetros distintos
com àqueles que entraram em crise a partir do final da década de 1970.
(SOARES, 2003, p. 19).

Como o neoliberalismo se assenta na conjuntura de início da globalização e da


chamada “terceira revolução tecnológica”, há estreita relações entre estas três situações,
mas não se pode dizer que as políticas neoliberais são uma decorrência vinculada das
novas tecnologias, seu desdobramento “natural” e inexorável. Segundo Fiori (2001 apud
SOARES, 2003) houve uma:
[...] transformação social gigantesca, mas que não foi o resultado natural,
muito menos benéfico, das novas tecnologias informacionais. Foi, em grande
medida, o resultado de uma reestruturação política e conservadora do capital,
em resposta à perda de rentabilidade e governabilidade que enfrentou durante
a década de 1970. (FIORI 2001 apud SOARES, 2003, p.20)

Como modelo social de acumulação capitalista, o neoliberalismo advoga, por


definição, a informalidade do trabalho, o desemprego, o subemprego, a desproteção
trabalhista e uma nova pobreza. Portanto, a degradação social de grande parte da
população do mundo não atrapalharia a reprodução do sistema capitalista, nem deveria
ser vista como uma “aberração”, mas como realidade natural de uma luta pela vida, na
qual “o mais forte e mais apto vence e o mais fraco e menos competente sucumbe”
(SOARES, 2003). Em termos de globalização, pode-se afirmar que esta traz consigo, de
maneira hegemônica, os preceitos contidos no neoliberalismo. Ela se configura ao
tempo mesmo que enfraquece os Estados Nacionais, impondo-lhes uma política de
abertura comercial e suspensão dos protecionismos guardadores de seguimentos
estratégicos para o desenvolvimento nacional. Mas os formuladores de tal preceito
acreditam numa utopia universalizante de que a prosperidade e o desenvolvimento virão
para todos os países, desde que se insiram na arena global da competição.
Segundo Carneiro (2012), o Consenso de Washington apresentou 10 pontos
centrais para a agenda econômica dos países: redefinição das despesas públicas (leia-se
redução dos investimentos sociais e enxugamento da máquina estatal); rigor fiscal;
reforma tributária; taxas de juros livres; câmbio competitivo; abertura do mercado
nacional, privatizações, desregulação, garantia do direito de propriedade (leia-se
controle das tecnologias nas mãos das transnacionais), liberalização do Investimento
Direto Estrangeiro (IDE). Para Rivero (2002):
Esta convicção, que contém aspectos utópicos, apresenta a globalização
como um processo irrefreável, fora do alcance da vontade humana, como se
fosse a lei de gravitação universal, de cujo efeito não podem escapar pessoas,
empresas e nações. O que não se diz é que, caso vigorasse esse tipo de
globalização, é pouco provável que tivessem desenvolvido os Estados
Unidos, a Europa e o Japão, que protegeram e promoveram suas indústrias e
copiaram mutuamente suas tecnologias. (RIVERO, 2002, p. 14).

Sobre a dimensão fiscal, o neoliberalismo professava a necessidade de se evitar


um crowding out, o que somente uma disciplina fiscal poderia garantir, com a
eliminação dos déficits públicos. O Consenso não trata explicitamente em cortes de
investimentos sociais, ou do abandono da sustentação do crescimento ou sobre melhoria
da renda, apenas dos déficits (CARNEIRO, 2012). Mas a sua aplicação resultou no
Estado mínimo, no qual as políticas sociais foram restritas às parcelas dos muito pobres,
e de maneira pouco eficiente. A liberalização das taxas de juros e uma taxa competitiva
de câmbio, à maneira como praticada na maioria dos países, resultaram em crises de
balanço de pagamento e financeira (denominadas crises gêmeas). Para Carneiro (2012),
os formuladores das medidas chegaram a reconhecer problemas nestes dois pontos, mas
a questão para a ocorrência das crises foi o fato de tais medidas estarem sendo propostas
aos países periféricos num contexto de globalização, de alta competitividade. Segundo
Carneiro (2012, p. 766), para que os países periféricos: “conseguissem lidar com as
mudanças de padrão e levassem adiante reformas exitosas [...] teria sido necessário um
grau de intervencionismo muito maior do que o admitido (pelo consenso)”.
As medidas de abertura comercial e liberalização do IDE só seriam eficientes, ou
seja, favoreceriam a ampliação da inserção produtiva do Brasil, se fossem comandadas
por uma forte política industrial, o que não ocorreu. Para ampliar a concorrência, o
consenso propunha reduzir o papel do Estado na formação dos preços, através das
privatizações das estatais e da desregulação: redução de barreiras para favorecer a livre
entrada e saída de produtos. E o direito à propriedade, entenda-se a propriedade
intelectual, impunha que as tecnologias avançadas que entravam no país não poderiam
ser copiadas, ou apropriadas pelo capitalismo nacional. Em seu balanço crítico, Carneiro
(2012, p. 767) conclui que “[...] as privatizações significaram, mormente em países de
maior complexidade econômica como o Brasil, a perda de um importante elemento de
coordenação e indução do investimento privado”.
A desregulação, por sua vez, permitiu aumentar a concorrência em alguns
segmentos, juntamente com as privatizações, que forçaram à racionalização e à
modernização de algumas empresas. Porém, não geraram o que se anunciava:
desconcentração e quebra de monopolização da economia, tomada de maneira
abrangente.
As medidas neoliberais para o desenvolvimento dos países periféricos
resultaram, praticamente, em um verdadeiro retrocesso social, com preços humanos
gigantescos (SOARES, 2003). O Brasil ficou menos fortalecido em sua base industrial e
em sua autonomia. A despeito, porém, de se ter colocado um fim na ciranda da inflação
que corroía os salários e promovia uma orgia financeira. Mas as altas taxas de juros, a
ausência de investimento social, o engessamento dos salários, o aumento da dívida
pública, acabou por favorecer a um capitalismo financista especulativo e rentista, no
qual, o trabalho e a produção se submetem aos seus interesses. Esta situação, em toda
América Latina, com fortes crises e a falência de alguns países, como a Argentina,
levou a uma reação geral dos povos latinos americanos contra estes governos aliados ao
Consenso, inclusive no Brasil. Para Carneiro (2012):
Nos anos 2000, na América Latina e no Brasil, assistiu-se à retomada do
crescimento econômico, associado à melhoria da distribuição de renda,
resultantes não só de um contexto internacional benigno, mas de outras
práticas de políticas econômicas progressivamente mais distantes do
neoliberalismo e do Consenso, dando suporte ao ressurgimento do
pensamento desenvolvimentista em alguns países, como o Brasil
(CARNEIRO, 2012, p.767).
2.5.2 A visão dos estruturalistas da CEPAL.

A Comissão Econômica para a América Latina foi criada pela ONU em 25 de


fevereiro de 1948, em meio às disputas políticas da Guerra Fria. A CEPAL cumpriu um
destacado papel na teorização do desenvolvimento no contexto em que a própria ONU
buscava organizar a discussão sobre o mesmo, a partir da estratégia política do centro
imperialista americano.
Segundo Fiori (1998, p. 73), “[...] o desenvolvimento dos anos 50, do ponto de
vista da sua tentativa de teorização e formulação, é originário da potência central e faz
parte do projeto imperial de hegemonia americana nesse período”. A posição teórica
que alimentava a ONU acreditava que os processos vividos pelos países avançados
poderiam ser seguidos pelos países “atrasados”, perseguindo as etapas dos primeiros.
Porém, alguns autores cepalinos acabaram por se distanciar destas premissas e
construíram uma teoria própria para explicar a situação do “atraso” dos países
periféricos. E a partir destas novas bases conceituais, substituíram o termo “atrasado” e
“avançado”, por “subdesenvolvido” e “desenvolvido”, evitando a terminologia anterior,
que imprime uma ideia de desenvolvimento por evolução de etapas. Segundo eles, a
visão etapista era linear, marcada por uma percepção positivista do mundo, a qual
desconsiderava a historicidade dos processos de formação e desenvolvimento das
nações. Premissa indispensável ao entendimento da realidade econômica dos países
subdesenvolvidos, uma vez que estes foram resultados das relações internacionais
instauradas pelo sistema em seu movimento de expansão a partir do centro. Portanto,
criticava-se a visão limitada da teoria etapista clássica desta teoria, que buscava explicar
o desenvolvimento com base apenas nos aspectos internos de cada país, e somente os
países do centro, avançando para análises históricas sobre a composição estrutural dos
países periféricos, daí serem denominados de “estruturalistas”.
Desta maneira, Celso Furtado e Raul Prebisch demonstraram que o
desenvolvimento do sistema capitalista se dava na mesma medida em que se projetava o
subdesenvolvimento. As relações estabelecidas historicamente promoveram a divisão
internacional do trabalho, desde um centro que passou acumular capital, a partir de uma
industrialização com utilização de tecnologias aplicadas à produção e ao comércio, que
resultou no aumento extraordinário da produtividade do trabalho. Esta condição
permitiu a estes países a expansão colonialista, a qual passou a inserir as regiões
periféricas a este centro e a este sistema de mercado capitalista, de maneira subordinada.
Como explica Lisboa (2007, p. 75) sobre a visão destes cepalinos:
“Subdesenvolvimento, como especificidade histórica, era a própria forma tomada na
experiência do capital nos novos países e, se as relações centro-periferia não mudassem,
o subdesenvolvimento se eternizaria”.
As formulações dos autores estruturalistas da CEPAL e o ativismo intelectual e
político dos mesmos se concentraram ente 1949 e 1977. As obras seminais de Prebisch
(1949) e da CEPAL (1949), na qual Prebisch, Furtado e outros colaboradores
apresentam um estudo inovador sobre o desenvolvimento econômico, se constituem
como referência ao tema até os dias atuais, no que pese estes autores terem lançados
outras obras, inclusive atualizando seus pontos de vistas e adicionando novos
elementos. Prebisch (1964) critica a visão liberal clássica tradicional que era adotada
como verdade no meio internacional, a qual afirmava que o desenvolvimento dos países
periféricos ao sistema seria alcançado por meio de vantagens comparativas (Carneiro,
2012). Estas seriam advindas da inserção destes na divisão internacional do trabalho,
imposta pelo sistema capitalista, na qual participavam produzindo e vendendo bens
primários, enquanto os países cêntricos inseriam-se produzindo bens industrializados. O
texto estruturasalista demonstra em vários momentos que a incorporação das diversas
nações à divisão internacional de trabalho se dá em ondas históricas sequenciais, mas
sempre de maneira distinta e assimétrica, nunca criando condições de nivelamento com
as nações cêntricas. Segundo Carneiro (2012):
A desigualdade ou assimetria ocorre porque as economias incorporadas de
maneira retardatária o são de maneira peculiar como periferia. Há um centro
constituído historicamente, do qual se irradia a dinâmica e ao qual são
incorporadas de modo parcial, como fornecedoras de matérias-primas e
alimentos, as diversas economias periféricas. (CARNEIRO, 2012, p.750).

As análises de Prebisch e da CEPAL demonstram que “os ganhos de


produtividade foram substancialmente maiores na indústria ante a atividade primária”
(CARNEIRO, 2012, p. 751). As vantagens comparativas nunca seriam vantagens de
fato. Com efeito, o polo de exportação primária permanecia limitado em sua capacidade
de diversificação de produtos e, por tabela, de mão de obra, além de demandar muito
menos investimento em tecnologia. Enquanto o centro era dinamizado constantemente
pela lógica industrial da concorrência, através de novos produtos e novas tecnologias, o
que implica na qualificação e variação também do mercado de trabalho (FURTADO,
1974). As convicções destes autores sobre a inviabilidade do desenvolvimento por
vantagem comparativa decorria do fato de que, segundo explica Carneiro (2012):
[...] ao contrário do que sugeria a teoria das vantagens comparativas, isso não
se traduziu em uma queda de preços relativos dos bens industriais ante os
agrícolas, indicando um bloqueio na propagação do progresso técnico,
conduzindo à deterioração dos termos de troca entre os dois grupos de países.
Tal deterioração terminava por agudizar, por meio da redução da capacidade
para importar, aquela que seria a maior restrição ao desenvolvimento
periférico: a restrição das divisas ou, mais propriamente, a restrição externa
(CARNEIRO, 2012, p. 751)

Prebisch (1949) tratou da flexibilização/rigidez da força de trabalho nos dois


grupos de países, chamando atenção para o fato de que os preços dos produtos
industrializados tenderiam ser mais constantes, por conta da rigidez salarial. Ou seja, os
salários nos países industrializados do centro tendem a permanecer por conta do menor
estoque de mão de obra, de certas transferências de lucratividade em fases de expansão
e pelo maior nível de organização política dos assalariados. Enquanto o inverso
ocorreria nos países de exportação primária, que apresentavam maior flexibilidade
salarial, sobretudo pelo amplo excedente de mão de obra disponível e do baixo nível de
organização. Para Carneiro (2012), na obra de Prebisch (1949), a tese é a da:
[...] impossibilidade de alcançar o desenvolvimento por meio do padrão hacia
fuera baseado na exportação de bens primários e cuja variável dinâmica é a
demanda externa. A todo momento, contrapõe a ele um outro paradigma, o
dos países centrais, baseado na indústria, no progresso técnico e na
capacidade de ambos de dinamizarem a demanda. (CARNEIRO, 2012, p.
752, grifo do autor).

Em Furtado (1961, 1974), encontra-se o aprofundamento das teorias


estruturalistas, ao demonstrar que, mesmo quando países periféricos do sistema
capitalista alcançam a industrialização, no bojo da divisão internacional do trabalho, ou
seja, quando adentram o estágio do desenvolvimento hacia dentro por meio da
industrialização por substituição, continuam subdesenvolvidos. Furtado (1974)
esclarece sobre o mito do desenvolvimento econômico, pormenorizando os aspectos da
permanência do subdesenvolvimento, através da industrialização por substituição.
Primeiro, Furtado (1974) esclarece as três fases históricas da expansão do
sistema; a primeira, das vantagens comparativas, indica que a produção de um
excedente foi um fato, mas seu desdobramento não significou o desenvolvimento para
os países periféricos. Porque, segundo ele: “O que cria a diferença fundamental e dá
origem à linha divisória entre desenvolvimento e subdesenvolvimento é a orientação
dada à utilização do excedente engendrado pelo incremento de produtividade”
(FURTADO, 1974, p. 24). A segunda fase corresponde à industrialização por
substituição, que foi uma reação intuitiva dos países periféricos, aproveitando-se dos
resultados da crise de 1929 e das limitações externas geradas pela Segunda Guerra, para
produzir eles mesmos os produtos industrializados, por substituição aos importados. A
esta industrialização buscou suprir nacionalmente esta demanda. Para Fiori (1998):
Este projeto nasce e se viabiliza, na América Latina, legitimado por uma
vontade política que permitiu o exercício do protecionismo e o
intervencionismo estatal dos nossos países, porque vivemos entre 1950 e
1980 uma era de desenvolvimento consentido pela potência central. [...] o
Estado tinha margem de liberdade para tratar da renda, da distribuição, de
incentivos à demanda e ao crescimento, mantendo as regras internacionais,
graças à soltura da política monetária norte-americana. (FIORI, 1998, p. 76).

A partir deste momento, para a América Latina, os investimentos seriam


indiretos. “Estava dado o pontapé inicial, e Juscelino [Kubistchek] soube compreender o
espírito da época e remanejou a estratégia. Não teve Plano Marshall, então tem
Volkswagen, Ford etc.” (FIORI, 1998, p. 79). Mas, como o centro está sempre à frente
da periferia, as empresas transnacionais engoliram as nacionais e passaram a ser as
fornecedoras destes produtos, ou desta modernização, que vem do centro, e de maneira
mais barata, pois detêm o controle do conhecimento técnico.
Furtado (1974) discorre sobre a impossibilidade de desenvolvimento ocorrer nos
países periféricos, considerando o fato de estar sempre no centro a dinamização do
sistema, revelando que a cada nível de acumulação e expansão deste, resulta uma
modelação no conjunto, donde a periferia apenas reproduz em miniatura o que ocorre no
centro. Mas registra também que as firmas destes países compõem o conjunto do
sistema e lhe são fundamentais. Estes mercados são fonte de mão de obra barata,
insumos e consumo necessário. Já nesta obra chama a atenção para a perda relativa de
controle das transações das multinacionais pelos Estados, revelando uma fragilidade
destes, o que veio a ser reforçada nos últimos anos, com o neoliberalismo e a
globalização. Porém, registra a necessidade destes mesmos Estados para as garantias
necessárias ao capital: “O crescimento do aparelho estatal é inevitável, e a necessidade
de aperfeiçoamento de seus quadros superiores passa a ser uma exigência das grandes
empresas que investem no país” (FURTADO, 1974, p. 76).
Portanto, a dependência se dá de maneira sistêmica. No processo mesmo de
engendramento do desenvolvimento parcial dos países periféricos vai-se estabelecendo
as condições de manutenção de seu subdesenvolvimento, comparado com os países
cêntricos. Inclusive do ponto de vista da produção e da circulação dos bens, como
esclarece o autor: “As elites locais estiveram, assim, habilitadas para seguir de perto os
padrões de consumo do centro, a ponto de perderem contato com as fontes culturais dos
(seus) respectivos países”. (FURTADO, 1974, p. 80). A este comportamento o autor
denomina “modernização”. Mas ele deve ser entendido como uma contradição, uma vez
que ocorre “sem o correspondente processo de acumulação de capital e progresso nos
métodos produtivos” (FURTADO, 1974, p. 81). Portanto, quanto maior for a
modernização, maior intensidade terá a pressão para aumentar o excedente das
exportações, da taxa de exploração do trabalho e dos meios naturais.
Para Furtado, a importância da modernização para a modelação das economias
dos países periféricos fica evidente no momento em que estes penetram na fase da
industrialização por substituição. Quando deixam de produzir apenas produtos de massa
e passam a produzir para os grupos sociais modernizados. Ressalta-se que as
tecnologias incorporadas às importações não estão relacionadas com o nível de
acumulação de capital presente no país periférico, mas com o tipo da demanda das elites
modernizadas. É, portanto, desta falta de vínculo entre o progresso técnico e o nível de
acumulação anteriormente alcançado que desdobra o subdesenvolvimento na fase de
plena industrialização (FURTADO, 1974). Esta orientação, que impõe métodos
produtivos de alta densidade de capital, fomenta o aumento da taxa de exploração do
trabalho. Desta constatação, Furtado (1974) deduz que:
O comportamento dos grupos que se apropriam dos excedentes, condicionado
que é pela situação de dependência cultural em que se encontram, tendem a
agravar as desigualdades sociais, em função do avanço na acumulação.
Assim, a reprodução das formas sociais, que identificamos com o
subdesenvolvimento está ligada à formas de comportamento condicionadas
pela dependência. (FURTADO, 1974, p. 82).

O diferencial entre esta fase e a fase anterior da vantagem comparativa é que,


nesta, a modernização era financiada pelo excedente do comércio exterior. Agora, após
a industrialização interna destes países, as disparidades ou desigualdades sociais,
portanto assimetrias dos níveis de consumo das minorias modernizadas e das massas,
“deverá(ão) incorporar-se à estrutura do aparelho produtivo” (FURTADO, 1974, p. 87).
E sua continuidade natural levará sempre a manter a relação entre o avanço do processo
de industrialização e o aumento da taxa de exploração, o que em outras palavras se
traduz em concentração de renda.
Portanto, a evolução da modernização dos grupos dominantes dos países
subdesenvolvidos produz constantemente a pressão para obtenção de progresso técnico
sobre a forma de produtos e equipamentos para produzi-los. Assim, as empresas
transnacionais passaram a ser as fornecedoras destes produtos, ou desta modernização,
que vem do centro, e de maneira mais barata, pois detêm o controle do conhecimento
técnico. A aquisição das tecnologias pelas empresas nacionais sairia muito caro e
reduziriam o nível e a intensidade do acesso aos bens de ponta, pelas elites locais.
Assim, os países periféricos passam a solicitar a cooperação destas empresas,
uma vez que, para o seu processo retardado de industrialização e seu desejo de manter-
se em nível técnico similar ao que prevalece nos países cêntricos, essas empresas são
mais adequadas. Elas resistem melhor aos obstáculos típicos deste tipo de economia
subdesenvolvida: pequenez do mercado, falta de economias externas e outros. Assim,
resulta que as empresas internacionais assumem o comando da economia industrial nos
países subdesenvolvidos, pautando o padrão de consumo, e dominando a cultura local
(FURTADO, 1974). Daí, a conclusão de Furtado de que o subdesenvolvimento não é
uma etapa do desenvolvimento, mas uma forma diversa do mesmo capitalismo cêntrico
se engendrar e se desenvolver a partir da inclusão dos espaços da sua periferia. Diz o
autor:
[...] a experiência tem demostrado que os grupos locais (privados ou
públicos) que participam da apropriação do excedente, no quadro de
dependência, dificilmente se afastam da visão do desenvolvimento como
processo mimético de padrões culturais importados. (FURTADO, 1974, p.
90).

Para concluir o pensamento cepalino de Furtado, recorre-se aqui a Carneiro


(2012):
Conforme explicitado em Furtado (1969), tais restrições ao processo de
desenvolvimento agravar-se-iam à medida que a substituição de importações
avançava na internalização da produção de bens de maior valor unitário, os
duráveis, nos quais a demanda já era, de partida, mais restrita. O resultado
seria uma tendência à estagnação das economias com as citadas
características. (CARNEIRO, 2012, p.754).

2.5.3 A atualização do debate teórico sobre desenvolvimento

No que pese a grande contribuição da CEPAL, o pensamento econômico


brasileiro avançou revisando as obras destes autores e recolocando as questões sobre as
causas e condições para o desenvolvimento, a partir da ótica de um país
“subdesenvolvido”. A transição da forma clássica cepalina para outras abordagens
diferenciadas ocorreu, segundo Carneiro (2012), com a obra de Tavares e Serra (1970)2.

2
TAVARES, M. C.; SERRA, J. Além da estagnação. In: TAVARES, M. C. Da substituição de
importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre a economia brasileira. 7. ed. Rio de Janeiro:
Zahar, 1978. p. 159-167.
Estes discordaram da conclusão de Furtado sobre a estagnação como fator inexorável,
indicando que este autor teria confundido uma estagnação cíclica na economia brasileira
e na América Latina, com uma tendência inescapável de estagnação estrutural.
A crise, segundo estes autores, era resultado de um boom de investimentos do
Plano de Metas da era Juscelino Kubistchek, que promovera nos anos 1960 uma
ociosidade expressiva na indústria. Mas a possibilidade dessa ocupação da ociosidade
poderia ser retomada, ampliando o mercado consumidor que, até ali, estivera restrito e
por nova capacidade de investimento, como viria a fazer mais tarde a ditadura militar,
aproveitando-se do grau de desenvolvimento do capitalismo brasileiro e da expansão do
mercado interno. Porém, este foi um processo, não de justiça social, mas uma
reconcentração das rendas pessoal e funcional. A primeira gerou demanda de consumo e
a segunda o autofinanciamento parcial do investimento. Os autores discordam também
sobre o peso da variável tecnologia no processo de crescimento, informando que esta
não é a verdadeira motivação do investimento.
Neste ponto, ressalta-se outra vertente do pensamento sobre o desenvolvimento,
a teoria da dependência. Esta foi formulada, segundo seus críticos, a partir de um
revisionismo superficial dos pensadores marxistas, e aproveitando-se do pensamento
dos estruturalistas da CEPAL. Os marxistas, naquele momento, teorizavam fortemente
sobre o processo imperialista de expansão colonialista no século XIX, e apontavam para
a lógica de um desenvolvimento capitalista que é desigual e combinado. E também da
perspectiva instaurada por Tavares e Serra (1970), que apontavam, diferente de Furtado,
a possibilidade de o capitalismo brasileiro avançar no seu desenvolvimento. Desta linha
de argumentação, destaca-se aqui a obra de Enzo Faletto e Fernando Henrique Cardoso
(1984)3. Estes autores buscam sintetizar toda a discussão cepalina e pós-cepalina, dada
até o momento em que escrevem suas teses, com as teorias marxistas sobre o
imperialismo, e inserem uma visão sociológica sobre o processo de
desenvolvimento/subdesenvolvimento, desde um olhar visto de dentro dos países
periféricos (FIORI, 1998). Advinda, portanto, desse caldo cultural, esta tese, entretanto,
“arranca de uma visão pessimista sobre as possibilidades de desenvolvimento na
periferia capitalista” (FIORI, 1998, p. 77).

3
CARDOSO, F. H.; FALETTO, E. Dependência e desenvolvimento na Ámerica Latina: ensaio de
interpretação sociológica. 7 ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1984. 208p.
A teoria da dependência, da forma que foi teorizada é uma tentativa de se
misturar um conjunto de perspectivas, a partir de um recorte sociológico, o que, para o
autor:
[...] trata-se de uma obra inconsistente e, do ponto de vista político,
inconsequente. Em particular na versão de Cardoso [...] esta contribuição [...]
acabou se misturando de forma eclética com a visão cepalina e produzindo
uma verdadeira geleia teórica repleta de boas intuições (FIORI, 1988, P. 77).

Para Fiori (1998), a teoria da dependência de Cardoso e Faletto contribuiu na


medida em que, do ponto de vista metodológico, situa as implicações sociológicas,
políticas e de classe, de um capitalismo tardio, periférico, e dentro de um campo de
influência imediata de uma potência mundial, os EUA. Estas análises trouxeram
novamente para o centro do debate a questão da teoria sobre a revolução burguesa
brasileira, num contexto de um capitalismo, que os autores caracterizaram como
dependente e associado. Segundo Fiori (1998):
Para eles, a especificidade latino-americana não estava apenas na existência
de uma burguesia anêmica, atrofiada, pouco revolucionária, [...] mas de uma
burguesia cujos interesses de grupos, classes e coalizões de poder derivavam
de uma peculiar forma de inserção num processo de desenvolvimento movido
pela acelerada internacionalização do seu mercado interno (FIORI, 1998, p.
78).

É fato que o modelo brasileiro que se firmou de Juscelino Kubistchek, até os


anos 1980, com variações conjunturais, foi o modelo associado, cuja estratégia se
definiu pelo tripé: associação entre o capital nacional, o internacional e o Estado. Esta
peculiar situação gerou um capitalismo muito específico, sobretudo no Brasil, que veio
a alcançar o nível mais elevado de industrialização na América Latina. Para Fiori
(1998):
De tal maneira que, completado aquele ciclo da industrialização,
aproximadamente 40% do nosso produto industrial já era produzido pelas
grandes corporações multinacionais que lideravam a produção de quase todos
os setores mais dinâmicos da economia brasileira (FIORI, 1998, p.78).

Ademais, a história do país ensina que o projeto de desenvolvimento, para as


suas elites políticas e econômicas, nunca passou por uma concepção de potência
nacional, mas sempre de aproveitamento das condições hierarquicamente impostas pelo
centro do sistema. A teoria da dependência de Cardoso aponta para esta realidade: o
Brasil não tem, portanto, outra maneira de assegurar seu desenvolvimento capitalista, a
não ser pela associação com capital central do sistema. A aplicação do neoliberalismo
durante seus dois governos, na década de 1990, no Brasil, não se distanciou, portanto,
dos seus escritos anteriores. Cardoso veio, outrossim, radicalizar o efeito,
negligenciando o aspecto nacional, abrindo o país, sem reservas, para os interesses do
centro. (FIORI, 1998).
Para Sallum Jr. (2013), a transição que o Brasil percorreu da saída da ditadura
militar, até a chegada de Fernando Henrique Cardoso foi marcada por disputas
ideológicas e políticas em torno do papel do Estado e sua relação com a sociedade e a
economia, uma vez que a Constituição de 1988, apesar de grandes avanços
democráticos, não possibilitou uma estabilidade ao país. Para este sociólogo, tal
estabilidade só veio se firmar a partir de 1994, com o Governo Fernando Henrique
Cardoso e, sobretudo, com o Governo do PT, que assumiu plenamente a pauta liberal
daquele, promovendo, entretanto, o alargamento das políticas sociais e a distribuição de
renda. Para Sallum Jr (2013) o que predominava no país era um nacional-
desenvolvimentismo, advindo desde o tempo do populismo varguista, passando pela
Ditadura Militar e chegando fragilizado na conjuntura dos anos 1980, por conta da crise
da dívida e da recessão econômica. Para ele, nesta conjuntura:
O velho nacional-desenvolvimentismo não encontrou, de fato, defensores no
plano político. As forças políticas de esquerda (PT, PD do B, PCB etc.) e
uma parte da centro-esquerda nacionalista (existente no PMDB e PDT)
propugnavam, não por sua continuidade, mas por sua renovação com inflexão
à esquerda [...] podia significar a “desprivatização do Estado”, com o
rompimento das articulações “espúrias” entre empresas estatais e empresas
privadas; e/ou reorientação das políticas de Estado para a distribuição de
renda. [,,,] De qualquer forma, mantinha-se a ênfase no crescimento baseado
no mercado interno. Este ideário se pode denominar “desenvolvimentismo
estatista e distributivo” (SALLUM Jr., 2013, p. 62).

Na oposição a tal modelo, posicionavam-se os liberais, que no contexto da


ascensão do neoliberalismo, alinhava-se a este corolário, que priorizava o combate a
inflação, através de políticas monetaristas e de um conjunto de medidas, anteriormente
apresentadas, que propugnavam a supremacia do mercado sobre o Estado. SALLUM
JR., (2013) indica outra corrente política no contexto, que também disputava os rumos
da política brasileira, e defendia uma inserção do país no mercado internacional de
maneira menos passivado que os neoliberais, a qual chamavam de “integração
competitiva”. Esta tendência tem em comum com o neoliberalismo a redução da função
empresarial do Estado e a abertura do mercado nacional para o capital externo, porém,
diferentemente, de maneira cautelosa, através da reestruturação do sistema produtivo
brasileiro, tendo em vista “tornar a indústria brasileira competitiva no plano
internacional” (SALLUM JR., 2013, p.64), a mesma é conhecida pela alcunha de
neodesenvolvimentista ou liberal-desenvolvimentista, SALLUM JR., (2013).
Alguns autores desta linha consideram-se neokeynesianos, aproximando-se dos
autores internacionais com visões similares, como K. Polanyi e J. Stiglitz. Um dos
maiores expoentes atuais desta visão é Luiz Carlos Bresser Pereira, para o qual
desenvolvimentismo não pode ser confundido com populismo, como fazem, segundo
ele, os ortodoxos neoliberais. E defende que no Brasil houve sim um projeto
desenvolvimentista, e que este se desdobrou entre 1930 e 1980: “Um período de enorme
crescimento e transformação da economia brasileira” (BRESSER-PEREIRA, 2004, p.
1).
Buscando estabelecer as diferenças entre o antigo e o novo desenvolvimentismo
e entre este e a “ortodoxia convencional”, Bresser-Pereira (2004) aponta um conjunto de
pontos divergentes, reconhecendo que, a despeito do acerto do primeiro
desenvolvimentismo, o país precisaria de um novo, para acompanhar a nova realidade
contemporânea da situação global e nacional do estágio capitalista.
O antigo desenvolvimentismo estava baseado, como vimos acima, na
substituição de importações, o que decorria na proteção da conta comercial do país,
além de apresentar uma forte intervenção do Estado na composição do quadro da
indústria nacional, notadamente no setor mais estratégico e da indústria pesada, como a
petroquímica e a siderúrgica. (BRESSER-PEREIRA, 2004). O novo-
desenvolvimentismo defende abrir a conta comercial do país, porém sem subserviência,
de maneira negociada, e a garantir suas exportações. Entende, ainda, que, hoje, o Brasil
já tem um parque industrial instalado com uma infraestrutura econômica razoável, não
teria mais necessidade de o Estado ser dono de grandes indústrias, este deve, porém,
cuidar da estabilidade macroeconômica, sobretudo por causa da realidade globalizada
de intensos fluxos de capitais. Hoje, com um Estado e um setor privado mais robustos, a
preocupação seria com o favorecimento da competição das empresas nacionais no
mercado globalizado, portanto, a adoção de planejamento mais oportunista (BRESSER-
PEREIRA, 2004).
Em síntese, a avaliação de Bresser-Pereira é a de que a lógica de
desenvolvimento da ortodoxia pela via da poupança externa é errada, uma vez que
promove déficit crônico na conta corrente, que gera, por sua vez, fragilidade financeira
internacional e crises constantes na balança de pagamento. Os resultados disso é um
câmbio apreciado, que desdobra em aumento artificial dos salários, que gera aumento
do consumo, que leva à queda da poupança interna. O autor conclui: “A partir dessa
crítica, o novo-desenvolvimentismo afirma que o desenvolvimento se financia com os
próprios recursos de cada nação. O capital se faz em casa”. (BRESSER-PEREIRA,
2004 p. 4).
Neste contexto de crítica ao velho nacional-desenvolvimentismo e ao
neoliberalismo, outra corrente de pensadores, notadamente ligados ao Instituto de
Economia da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, tem posições mais
críticas, aproximando da linha dos pensadores, apontada por Sallum Jr., do
desenvolvimentismo estatista e distributivo, também denominados de
desenvolvimentistas críticos. O corpo de pensadores desta linha se destaca no cenário
nacional, com nomes como Maria da Conceição Tavares, Wilson Cano, Luiz Gonzaga
Belluzo, Carlos Brandão, Luciano Coutinho, J. M. Cardozo de Mello, entre outros.
Pode-se dizer que esta escola é a principal herdeira da CEPAL, porém, apresenta
críticas às suas “limitações” e ensejam uma aproximação maior com o marxismo.
Tais autores focam a análise nas “forças produtivas capitalistas” e perseguem as
causas e condições que permitem tais forças alcançarem o que chamam de
“industrialização pesada”, a etapa superior do sistema de produção capitalista, de acordo
com a fase monopolista atual. Este conceito envolve, não apenas a indústria de base, e
geradora de meios de produção, mas todo salto tecnológico e engendrante de novos
encadeamentos de produção e circulação, novas escalas de consumo e capacidade de
autodeterminação e independência do fator externo. O foco, portanto, das análises
destes autores são as condicionantes históricas que permitem alcançá-lo ou não.
Ao longo das três últimas décadas este grupo de intelectuais vem promovendo
um forte debate a respeito das políticas macroeconômicas do Brasil, abrindo uma crítica
sistemática ao chamado modelo neoliberal e ao Consenso de Washington. Assim,
escreve Cano (2012):
O neoliberalismo causou uma forte imobilidade da política de
desenvolvimento, e isso, infelizmente, tem tido larga aceitação passiva [...] da
burocracia e da classe política, ao deleite das elites, majoritariamente
convertidas em rentiers da dívida pública. (CANO, 2012, p. 25, grifo do
autor).

O desenvolvimento, como resultado de um capitalismo amadurecido, capaz de


instituir um forte mercado interno e se tornar autônomo em sua condução estratégica
nacional, como projetado pela escola da UNICAMP, segundo seus autores, está longe
de ser atingido no Brasil, sobretudo a partir dos anos 1990. Segundo explica Carneiro
(2012), a partir da posição de Maria da Conceição Tavares (1985)4, a industrialização
pesada garantiria ao país autodeterminação do desenvolvimento, “o que teria como
contraparte a autonomia completa ante a demanda do exterior e, inclusive, a superação
da restrição externa, entendida como o limite ao crescimento imposto pela limitação na
capacidade para importar” (CARNEIRO, 2012, p. 756). Para atingir tal ponto, o país
precisaria implementar um vigoroso setor produtor de meios de produção e o
investimento autônomo deveria se tornar o principal elemento dinamizador do
crescimento.
O que teria ocorrido no Brasil e na América Latina é que o capitalismo “pesado”
não se instituiu a partir do desdobramento do conjunto instalado da indústria local, mas
através de investimentos estrangeiros e da intervenção maciça do Estado. O
empresariado nacional permaneceu nas esferas da economia de menor investimento e de
maior lucratividade, de baixa tecnologia, ficando e setor “pesado” com o capital externo
ou com o Estado. E a forma de implementação de tais estruturas “pesadas” se deu de
forma descontínua e concentrada.
A questão que se destaca é o fato das tecnologias – e seu processo contínuo de
renovação e abertura de novas demandas e escalas de produção, ficarem sob o controle
das multinacionais que, hierarquicamente, estão no topo do sistema, remetendo,
inclusive, boa parte dos lucros para suas matrizes e controlando a dinâmica interna do
capital produtivo local. O Instituto de Economia da UNICAMP vem, portanto,
perseguindo as razões de (sub)desenvolvimento aplicado ao caso do Brasil,
acompanhando as mudanças conjunturais, sem perder de vista as bases estruturais da
dependência.
As ocorrências mais recentes, notadamente com a hegemonização do
neoliberalismo, aprofundaram os óbices ao desenvolvimento nacional, na medida em
que as políticas de ajuste e reestruturação propostas pelo chamado Consenso de
Washington reduziram ainda mais a autonomia do capital nacional, fragilizou a
produção em detrimento do empoderamento financista, abriu os mercados e retirou-se
as proteções setoriais, privatizou empresas estatais e aprofundou a dependência do
controle tecnológico nas mãos das empresas transnacionais. Wilson Cano, no prefácio
do livro de Brandão (2012), esclarece:

4
TAVARES, M.C.A. Acumulação de capital e industrialização no Brasil. Campinas: Editora da
Unicamp, 1985.
Na década de 1980 sofríamos a dura crise da dívida externa, que iniciou o
debilitamento fiscal e financeiro do Estado, bem como destruiu sua base para
gestão de política e planejamento econômico, que foram rapidamente
substituídos pelo conjunturalismo. O resultado do decênio foi um medíocre
crescimento do PIB, piora das condições sociais de todo o país e uma perda
de prioridade da questão regional na Agenda do Estado. (CANO, 2012, p.24).

Na sequência desta conjuntura de “década perdida” dos anos 1980, seguiu-se o


mergulho do Estado e da economia brasileira no neoliberalismo, sobretudo a partir do
Governo do presidente Fernando Collor, 1990. E com Fernando Henrique Cardoso, o
país realizou a rigor a agenda do Consenso de Washington. A partir daqui, os
economistas teóricos do desenvolvimento brasileiro passa a formular críticas
sistemáticas a esta agenda da economia política, apontando a mesma como um grave
erro para os interesses nacionais. Para Cano (2012):
[...] o cerne da política econômica foi a manutenção da elevada taxa de juros,
restrição interna ao crédito, constrangimento orçamentário para preservar o
pagamento de juros da dívida pública, e reformas que dilapidaram o
patrimônio público, escancararam nossas defesas econômicas e retiraram
direitos dos trabalhadores. Ainda mais: a debilidade fiscal do governo federal
atingiu também os entes subnacionais – regionais, estaduais e municipais -,
constrangendo, nos três entes, o gasto público e principalmente o
investimento público [...]. (CANO, 2012, p. 25).

Não por acaso, o Banco Mundial, já em 1991, apresentava documento às nações


periféricas apoiadas por suas iniciativas, trazendo as recomendações neoliberais,
criticando as intervenções dos Estados em suas economias, através de protecionismos.
Para Carneiro (2012, p. 765): “A principal objeção do documento é a estratégia do
desenvolvimento [...] com proteção à indústria nascente e financiada por taxação,
implícita ou explícita, do setor primário”. A ideia era de fomentar a livre concorrência
dos capitais e dos mercados, condição para se atingir o que se defendia como bom
funcionamento do sistema de preços. O BIRD não descartava ali a intervenção do
Estado, mas apenas como complementar ao mercado, como garantidor dos mercados
livres.
O aprofundamento da crise social, a estagnação produtiva industrial, a crise
fiscal, crescimento exponencial da dívida pública revelaram que o modelo neoliberal era
incapaz de garantir processos de desenvolvimento duradouros, levando ao desgaste
político dos grupos de colisão que o sustentavam, e a uma reação generalizada nos
países da América Latina, inclusive no Brasil. A partir do ano 2000, inicia-se a ascensão
política de partidos com agendas críticas ao modelo então hegemônico, e a eleição de
presidentes de maior vínculo com as populações mais carentes. Neste contexto, após
duas décadas de “pensamento único” neoliberal, as ideias desenvolvimentistas voltam a
versar no continente.

No Brasil, a partir dos Governos do presidente Lula (2003-2006/2007-2010),


implementou-se uma linha desenvolvimentista, reconhecida por “estatista-
distributivista”. Apesar de fazer oposição ao neoliberalismo num contexto mais amplo,
manteve as bases macroeconômicas neoliberais, garantindo o rentismo, os juros altos e
os compromissos com os credores internacionais, associados com políticas de
distribuição de renda e fomento à formação de um amplo mercado consumidor interno.
O Brasil manteve-se institucionalmente ainda limitado para assegurar um
republicanismo liberal mais avançado. Para SALLUM JR. (2011):
Não se avançou, porém, no plano institucional; praticamente foi
estancado o processo de privatização e pouco se fez na superação de
gargalos conhecidos, como o previdenciário e o tributário. Embora no
período Lula se acentuasse a retórica desenvolvimentista e, no seu
segundo governo, tenha crescido exponencialmente o apoio do BNDES
ao setor produtivo, a ênfase foi distributiva. Ênfase, é claro, na medida em
que o permitiu a política macroeconômica ortodoxa, de inspiração liberal.
(SALLUM JR, 2011, p. 6)

O desenvolvimento do país, segundo este autor, ainda ficou fragilizado, pois,


apesar do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, lançado pelo Governo Lula,
o mesmo não foi suficiente para promover a competitividade do capital e da indústria
nacionais, apesar de melhorar a performance dos mesmos. Ocorre que a política de juros
altos e o cambio sistematicamente valorizado jogavam contra aos resultados do PAC e
dos investimentos do BNDES no setor privado.
Ora, em relação ao PIB, o investimento público ficou um pouco acima de 2%
em 2009 e 2010, o que coloca o Brasil em 123º lugar entre 128 países (dados
FMI). Apenas para dimensionar um pouco melhor o que isso significa, o
investimento público em 26 países de perfil semelhante ao brasileiro
(incluindo China, Índia, México, África do Sul, Rússia etc.) foi 6,2% em
relação ao PIB entre 2000 e 2010. Quer dizer, cerca de 3 vezes maior que os
do Estado brasileiro. (SALLUM JR., 2016, p. 6)

Porém, o período foi compensado pela alta das commodities no mercado


internacional, sobretudo pelo crescimento exponencial da economia chinesa, permitindo
ao Brasil manter suas exportações em alta. A linha de favorecimento ao consumo de
massa, pela redução do IPI de produtos industrializados, como eletrodomésticos e
carros, favoreceu também o crescimento da economia. Não por acaso, pois para esta
linha de desenvolvimentismo estatal distributivo, também denominado por alguns
autores de social desenvolvimentismo, a estratégia de crescimento econômico estaria
centrada na ampliação e generalização do consumo de massa.
Assim, no contexto das discussões em curso e das políticas sociais
implementadas pelos sucessivos governos do PT, no comando do poder executivo
federal brasileiro, pode-se sintetizar os seguintes pontos básicos da política social-
desenvolvimentista em curso no Brasil de hoje (CARNEIRO, 2012): avanço na
melhoria da distribuição de renda; ampliação da infraestrutura econômica e social;
reindustrialização (relativa) via adensamento de cadeias; expansão do setor baseado em
recursos naturais. Consta, porém, que tal estratégia mantém sensível a restrição externa
do Brasil. As realizações deste modelo, até aqui, não sofreram maiores impactos
externos devido à simultânea elevação dos preços das commodities. Mormente, ainda é
preciso alcançar aquilo que a Escola da UNICAMP, os novo-desenvolvimentistas e os
social-desenvolvimentistas entendem como imprescindível para a autonomia e
constância do desenvolvimento brasileiro: a transição do atual modelo para sua
sustentação prioritária no investimento autônomo.
Afere-se, portanto, que a concepção de autores de países periféricos do sistema
capitalista sobre desenvolvimento, segundo a literatura econômica em acordo com uma
ética universal humana e crítica ao fundamentalismo liberal, parece concordar em
alguns pontos básicos. Esta concordância tem como ponto de partida o entendimento de
desenvolvimento como algo maior do que crescimento econômico. Desenvolvimento
enquanto a elevação das condições garantidoras da qualidade de vida para o conjunto da
sociedade e soberania nacional.
Para Carneiro (2012), para isso, deve-se considerar, primeiro, um forte
posicionamento nacionalista, com a presença consciente do Estado na coordenação da
economia política, subordinando o mercado ao social; segundo, a industrialização
madura (endogenamente constituída, com largo lastro tecnológico e capacidade de
inovação constante) como ponto focal do crescimento e autonomia econômicos;
terceiro, formação e ampliação do mercado consumidor interno, com a inclusão das
massas e superação das extremas heterogeneidades sociais; quarto, competitividade
internacional, com formação de rede de empresas nacionais em escala mundial; quinto,
intensificação do setor com base em recursos naturais; sexto, taxas de juro em níveis
baixos; sétimo, controle das finanças e dos fluxos de capitais de acordo com os
interesses produtivos do país; oitavo, investimento em educação e ciência e tecnologia.
E nono, como pano de fundo para todos os outros, a ampla garantia das liberdades
individuais e coletivas, para a sustentação das oportunidades geradoras de
desenvolvimento. (CARNEIRO, 2012)
Resta refletir sobre o sentido das políticas desenvolvimentistas num país como o
Brasil. A manutenção das bases do Plano Real, desde 1995, beneficia o capital dinheiro
e rentista, mas também favorece as maiorias trabalhadoras. Por outro lado, a política
distributivista tende a ser um capital eleitoral de votos de uma massa de pobres, que
ainda não se organizaram socialmente. (SALLUM, 2013). A inclusão pelo consumo
favorece milhões de famílias, mas vai gerando no país, da forma como vem sendo feita,
uma cultura despolitizada, baixo nível de cidadania e uma alienação crescente,
reforçada pelos mass media. O que favorece a lógica partidária do país, de transformar
as estratégias desenvolvimentistas em novos fisiologismos e clientelismos. Para
SALLUM Jr. (2016):
Em suma, políticas desenvolvimentistas são mais complicadas de sustentar
politicamente. As correntes desenvolvimentistas não conseguira desde o final
dos anos 1980, fazer da expansão do investimento produtivo, da
competitividade e do crescimento econômico acelerado valores centrais para
a política econômica. Centrais no sentido de que a efetivação desses valores
fosse considerada alavanca para a distribuição e para a estabilidade a longo
prazo. (SALLUM JR., 2016, p. 9).

A abordagem territorial, por sua vez, se exprime como uma ideia de


desenvolvimento centrada no aprofundamento da democracia, em seu sentido amplo,
exatamente na direção oposta do fisiologismo Tal modelo prescinde de um capital social
caracterizado por gozar de liberdades e possuir direitos garantidos, com um amplo grau
de confiança mútua, na qual os poderes públicos participam com papel central de
favorecer as condições para a articulação territorial do desenvolvimento, contribuindo
com aspectos disciplinares e institucionais sólidos. Este é um traço característico das
teorias institucionalistas que, em boa parte, propugna pela abordagem territorial para o
desenvolvimento, mas que não podem ser tratadas sem se relacionar com o campo mais
amplo acima apresentado.

2.5.4 Desenvolvimento Territorial

A dimensão espacial do desenvolvimento sempre esteve presente nas


formulações dos autores que se dedicaram a explicar as causas e os motivos do
crescimento econômico e do desenvolvimento social. Crescimento econômico e
desenvolvimento se distinguem na literatura especializada, sendo o primeiro termo
anterior ao segundo, ora tomado como o processo de acumulação quantitativa das
economias nacionais ou regionais; ora como sinônimo de desenvolvimento.
Modernamente, a formulação em torno da ideia de desenvolvimento, por sua vez,
implica incluir os aspectos quantitativos e os qualitativos de um avanço civilizatório de
uma nação ou região, tendo como horizonte a melhoria da qualidade de vida da
população como um todo. Neste sentido, o crescimento econômico é uma parte do
processo, pensada como indispensável ao desenvolvimento, mas não seu fator
exclusivo.
Foi, sobretudo, a partir do final dos anos 1970 que as pesquisas e as teorizações
referentes à endogenia do desenvolvimento passaram a ganhar destaque no contexto
mundial. Isso decorreu por conta da crise do modo de produção fordista – de produção
em larga escala, com estoques grandes e padronização dos produtos. Este fator foi
acompanhado de outros dois: a nova base tecnológica advinda pela informática, que
revolucionou os meios de processamento, fabricação, logística, gerência, transporte e
comunicação e crescente globalização dos mercados. Junto a tudo isto, uma nova ordem
econômica promoveu a abertura dos mercados nacionais e desregulamentou o
protecionismo tradicional, favorecendo uma maior circulação de bens e capitais e dando
força exponencial à concorrência dos mercados (FILHO, 2001).
Este processo possibilitou a crise e o declínio de territórios industriais e a
emergência de outros, que sobressaíram com base em novas institucionalidades e
formas de organização, que permitiram o desenvolvimento destes territórios e sua
inserção competitiva no mercado global. Trata-se da denominada reestruturação
produtiva, com flexibilização e descentralização nos processos produtivos e
organizacionais, dentro e fora das empresas e da globalização, com a abertura dos
mercados, perda relativa de poder por parte dos Estados Nacionais e aceleração dos
ritmos e das trocas comerciais e financeiras. Se, por um lado, a exteriorização das
empresas e nações ocorreu, por outro, fez com que forças políticas e econômicas de
variados territórios subnacionais ganhassem espaço econômico. (FILHO, 2001). A
produção de estudos e teorias sobre este fenômeno condensou a literatura sobre as
condições e motivos do desenvolvimento local, regional ou territorial, envolvendo
diversas disciplinas das ciências sociais, com destaque para a geografia e a economia
(SAQUET, 2010).
Importante destacar que este debate varia quanto aos espaços em análise, que
podem ser continentes, nações, regiões, territórios e/ou locais específicos. Dentro do
escopo dos estudos sobre desenvolvimento, assumido como fenômeno recortado em um
dado espaço; três categorias são utilizadas pela literatura especializada: local, regional e
territorial. Para efeito desta dissertação, adota-se, naturalmente, a dimensão territorial,
de acordo com o objeto estudado.
Dito isso, ressalta-se que muitas vezes estas categorias se imbricam;
notadamente as de local e territorial. Dallabrida (2011) chama atenção para as nuances
de suas diferenças, tomando a dimensão local do desenvolvimento, a partir de Buarque
(2006), como “um processo endógeno registrado em pequenas unidades territoriais e
assentamentos humanos capaz de promover o dinamismo econômico e a melhoria da
qualidade de vida da população”. (DALLABRIDA, 2011, p. 111).
Já a dimensão territorial é apresentada pelo mesmo autor como sendo um
processo engendrado por uma determinada sociedade, organizada territorialmente,
visando uma mudança estrutural localizada, implicando dinamização econômica e
qualidade de vida da sua população. (DALLABRIDA, 2011). O localismo seria, assim,
abordagens focadas em aspectos de arranjos produtivos locais, distritos industriais, com
escalas espaciais menores, e centradas nas capacidades sociais para a inserção
competitiva do local específico no contexto globalizado dos mercados.
A abordagem territorial, por sua vez, centra-se em escalas variadas,
conformando um conjunto de municípios, até um conjunto de espaços interestaduais,
passando por dimensões bem menores ou subjetivas, em composição contínua ou
reticular, dentro de uma perspectiva mais abrangente das dimensões humanas para o
desenvolvimento, tomando a sociedade como um todo, e focando, além dos aspectos
institucionais, também os históricos, culturais, políticos e da participação cidadã em
espaços de governança e concertação sociais para o desenvolvimento. Em perspectiva, a
dimensão territorial engloba dimensões locais ou regionais de solução e condução de
estratégias de superação aos entraves do subdesenvolvimento. Em certa medida, pode-
se entender o conceito territorial como local e vice-versa, a depender do aceitamento da
escala definida como uma ou outra. Segundo Dallabrida (2011):
Existem elementos comuns aos três conceitos: (1) refere-se a um processo de
mudança estrutural localizado; (2) remete a uma responsabilidade
fundamental à sociedade regional; (3) inclui a dinamização socioeconômica
associada à melhoria da qualidade de vida de sua população.
(DALLABRIDA, 2011, p.111).

Ainda segundo Dallabrida (2011), quatro são as principais vertentes teóricas que
articulam o pensamento sobre o desenvolvimento a partir de uma dimensão espacial
local, regional ou territorial: a que trabalha com a ideia de distrito industrial
marshalliano; a abordagem regulacionista; a de influência neoschumpeteriana de
evolucionismo por etapa e as institucionalistas. Todas as quatro vertentes enquadram-se,
por sua vez, no campo da “Nova Ortodoxia” ou do “Novo Regionalismo”, conformado
a partir dos anos 1980 nas Ciências Econômicas. E têm em comum o fato de levarem
em conta como premissas as formulações sobre a acumulação flexível5. Dessas, a linha
que tem hegemonizado o debate conceitual sobre o desenvolvimento territorial, é a
última, a institucionalista.
Na abordagem institucionalista, é evidente a dimensão política, a qual não pode
ser separada do recorte teórico territorial. Tal desenvolvimento seria, pois, um processo
integrado do movimento do real, no qual se busca superar a abordagem setorial por
outra que tome a dinâmica geral espacial presente, a qual conforma uma territorialidade,
envolvendo diversos aspectos e atores. Nas diversas correntes de pensamento sobre o
tema, é possível identificar elementos comuns a todas elas: envolve participação social;
vai além de uma abordagem econômica, implica aspectos sociais, ambientais, culturais e
institucionais e tem como objetivo um bem-estar social geral, e a preservação ambiental
(DALLABRIDA, 2011). Portanto, trata-se também de desenvolvimento sustentável:

A abordagem territorial do processo de desenvolvimento ganha ímpeto a


partir do início dos anos 1980 com base na literatura neo-marshalliana que
soube identificar nos laços diretos entre atores sociais uma das razões para a
formação de sistemas produtivos localizados, tão importantes para a
industrialização difusa. (ABRAMOVAY, 2000, p. 1).

Para Abramovay (2000), por exemplo, referindo-se sobre os resultados das


pesquisas dedicadas a estudar os motivos pelos quais certos territórios rurais são
dinâmicos e outros permanecem em declínio, os resultados das mesmas são incertos,
mas parecem convergir para alguns aspectos importantes: os territórios dinâmicos
“caracterizam-se por uma densa rede de relações entre serviços e organizações públicas,
iniciativas empresariais urbanas e rurais, agrícolas e não agrícolas” (ABROMOVAY,
2000, p. 1). Estas constatações estão presentes em diversas pesquisas e nos documentos
das principais agências internacionais de financiamento do desenvolvimento rural
(FAVARETO, 2007), ao considerarem aspectos institucionais, culturais, simbólicos e
endógenos como definidores do desenvolvimento. Para Abromovay (2000), por este

5
Vide a obra referencial sobre acumulação flexível, de M. Piore e C. Sabel, intitulada La Segunda
Ruptura Industrial (1993).
olhar, as vantagens comparativas: setoriais ou de localização, seriam menos importante
do que:
[...] o fenômeno da proximidade social que permite uma forma de
coordenação entre os atores capaz de valorizar o conjunto do ambiente em
que atuam e, portanto, de convertê-lo em base para empreendimentos
inovadores. (ABROMOVAY, 2000, p. 1).

Esta perspectiva, necessariamente, remete aos aspectos sociais do lugar em que


se promove, ou não, o desenvolvimento, aos atributos da coletividade e de suas
características relacionais, tanto do ponto de vista econômico, quanto cultural. A
vertente teórica que se debruça a evidenciar tais aspectos endógenos do
desenvolvimento varia quanto às correntes paradigmáticas que utilizam para suas
conclusões, mas em todas elas, há uma crença de que os elementos históricos da
formação dos laços sociais de determinado território, quando resultam em relações de
confiança e cooperação, através de instituições e práticas colaborativas, ocorre o
desenvolvimento. Dentro deste espectro conceitual se firma a concepção de capital
social. Este aspecto das habilidades sociais em promover o desenvolvimento
local/territorial vem sendo tratado amplamente, notadamente a partir dos anos 1970,
quando estudiosos italianos formularam explicações para o desenvolvimento alcançado
pela chamada terceira Itália, região centro-norte daquele país, que apresenta
características específicas de cooperação, pactuação, visão estratégica e competição
colaborativa entre as empresas, destacando entre estas a participação das pequenas e
médias firmas6.
Neste viés, mais tarde, a obra de Robert Putnam, de 1993, “Comunidade e
Democracia – A experiência da Itália Moderna” ganhou ampla aceitação e vem
sofrendo também críticas importantes. O autor se refere aos aspectos conformativos do
tipo de sociedade presente na experiência italiana e busca universalizar, a partir dela,
uma teoria institucionalista sobre as condições para o desenvolvimento.
Atualmente a abordagem territorial do desenvolvimento tem sido utilizada em
diversos países como base para a aplicação de programas e políticas públicas para o
desenvolvimento (ABRAMOVAY, 2006). As virtudes desta estratégia são reconhecidas
e debatidas em produções intelectuais. Sinteticamente, enumera-se as seguintes virtudes,
com base em Abramovay (2006): i) abandono do enfoque meramente setorial, por outro
integrado, baseado em redes de relações e interações do rural e urbano; esta perspectiva

6
A respeito encontram-se as obras de A. Bagnasco (1977) e G. Becatinni (2009), precursores dos estudos
territoriais sobre a Terceira Itália.
se prende às formas de relações sociais estabelecidas; ii) percepção de crescimento
econômico diferente de desenvolvimento – para aferir causas e identificar fatores de
óbices do e ao desenvolvimento, não se restringe apenas aos aspectos econômicos e de
mercado, toma-se os elementos institucionais e históricos que estão por trás de
realidades deprimidas social e economicamente; iii) o estudo territorial passa a entender
os atores e suas organizações, empiricamente e as políticas públicas promovem a
organização e cooperação dos atores; iv) relação entre sistemas sociais e ecológicos;
territórios são relações sociais e, dentro delas, ocorrem as relações de produção, que
envolvem, por sua vez, relações com os sistemas naturais que apoiam sua reprodução.
Assim, a produção e a produtividade não são elementos isolados de um amplo
contexto social, definido historicamente e conformado por uma cultura resultante das
interações sociais e ambientais humanas. A abordagem territorial do desenvolvimento é
a versão mais atualizada das iniciativas voltadas para a promoção do desenvolvimento
rural em nível mundial, denominada nos meios acadêmicos e financiadores de “nova
visão. (FAVARETO, 2007). É a partir das formulações geradas no âmbito das ciências,
das agências internacionais de fomento e das esferas de governo que se consubstancia as
tendências hegemônicas que orientam o desenvolvimento. Neste âmbito ocorre a
legitimação de conceitos, leituras, estratégias e políticas públicas. Assim tem sido desde
o pós-Segunda Guerra, variando no tempo os modelos hegemônicos adotados.
(FAVARETO, 2007).
Dado o arco de elementos implicados no desenvolvimento e a inclusão dos
aspectos sociais e políticos, tem-se que a “nova visão” de abordagem territorial é
tomada como uma vertente institucionalista. Os aspectos definidores do
desenvolvimento estariam dados a partir da capacidade institucional das sociedades em
articularem os atores, as iniciativas, as oportunidades e os recursos disponíveis para
gerar as condições necessárias ao desenvolvimento. Entende-se que a abordagem
institucionalista requer um grau de complexidade grande, e a superação de modelos
calcados em localismos restringentes de ações tópicas e seletivas, focos setoriais. Ou
seja, requer superar os modelos até então vigentes em países como o Brasil.
No que pese toda uma produção científica e institucional, por parte de agências
como o Banco Mundial (BIRD), o Banco Interamericano para o Desenvolvimento
(BID), a Organização das Nações Unidas (ONU) através de sua Organização para
Alimentação e Agricultura (FAO) e da Comissão Econômica para a América Latina
(CEPAL), o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), o Instituto
Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), apontando para a dimensão
territorial, tem-se que a passagem da “nova visão” à ação continua sofrendo grandes
óbices. (FAVARETO, 2007). Isto porque:
Embora o discurso sobre desenvolvimento territorial tenha entrado
definitivamente para o discurso acadêmico e governamental na presente
década (2000), até o momento trata-se de uma incorporação “por adição” dos
novos temas, sem a devida mudança institucional capaz de sustentar a
inovação que ela deveria significar. (FAVARETO, 2007, p. 162).

Para este autor, os corolários das grandes agências e a produção acadêmica têm
determinado um conjunto de políticas públicas territoriais para o desenvolvimento rural
na América Latina, mas, apesar de um discurso coerente com a nova abordagem, as
estratégias propostas ainda são fortemente setorizadas, com focos restritivos,
notadamente no combate à pobreza rural. Esta situação corrobora para a manutenção de
uma partitura de ações viciadas em práticas muito setorizadas, sustentadas, por sua vez,
por uma mentalidade tradicional, que resiste à mudanças, absorvendo a estratégia
territorial de maneira superficial, “por adição”, ao conjunto hegemônico de práticas
conservadoras.
A abordagem territorial requer, portanto, a superação de instituições e práticas
restritivas, e uma intervenção articulada e coordenada territorialmente, abarcando a
diversidade das instituições e suas ações. Para Favareto (2007) e Abromovay (2006), a
produção acadêmica sobre o tema deve ir além de meras normatizações, a partir de
objetos específicos estudados, e aprofundar a investigação sobre a diversidade do real,
notadamente ao que tange à origem e comportamento das instituições presentes nos
territórios. Além disso, Favareto (2007) chama atenção para o fato de as políticas
públicas implementadas estarem ainda vinculadas a uma concepção do rural como locus
específico do agrário, lugar de pobreza e atraso tecnológico. Na medida em que se
promove políticas de combate à pobreza e de apoio à agricultura familiar, sem uma
perspectiva territorial, ou seja, sem uma ampla articulação de outras frentes, inclusive
urbanas, tender-se-ia para manter o isolamento do rural e sua acepção como lugar
apenas de atividade agropecuária. Sobre isso, Favareto (2007) observa:
Num aparente paradoxo, é curioso observar como várias vertentes das teorias
institucionalistas estão presentes na formulação da “nova visão” do desenvolvimento
rural pelos organismos internacionais. E, no entanto, a principal falha na
implementação da “nova visão”, via políticas e programas governamentais, esbarra,
justamente, na dificuldade da mudança institucional (FAVARETO, 2007, p. 162)
Dadas tais premissas sobre as condições institucionais e a formação de um
capital social, como base para o desenvolvimento territorial, infere-se a seguir sobre
outro aspecto imprescindível à abordagem territorial, qual seja o processo de
descentralização do Estado. Este ocorreu, no Brasil, durante a retomada da democracia,
após a ditadura militar e teve como cenário privilegiado a formulação da Constituição
de 1988. Discorre-se a seguir sobre tal processo, a fim de demonstrar algumas das
condições históricas recentes que estão na base das dificuldades institucionais para a
implementação efetiva da abordagem territorial do desenvolvimento.
A dinâmica geral da sociedade que promoveu o fim da Ditadura trazia em seu
bojo fortes anseios por uma descentralização, tomada como parte do processo de
redemocratização do país. Assim, tanto forças empresariais, vinculadas às elites
políticas, quanto o movimento social geral que reivindicava o aprofundamento da
justiça social, a distribuição da renda e ampliação dos direitos, defendiam maior
descentralização do arranjo federativo brasileiro. Segundo Fonseca et al. (2013), os
movimentos pró-inovação institucional buscavam um novo pacto federativo que
fortalecessem os municípios. E esta bandeira era tanto de partidos de direita quanto de
esquerda, com argumentos diferenciados e objetivos distintos.
Ao se referir a um período de demarcação mais clara e em que a linguagem
dicotômica de classificação “direita” e “esquerda” era comum e hegemonicamente
aceitável, Fonseca et al. (2013) mantém tal categoria, a qual se reproduz aqui para
melhor entendimento. A direita enfatizava os aspectos liberais, focando a dimensão
econômica, tomando os municípios como localizações capazes de empreenderem suas
alavancagens econômicas. Ou seja, os municípios deveriam deixar de ser meramente
executores e se tornarem empreendedores de suas gestões. Isso, de acordo com os
interesses dos mercados, quando os municípios poderiam se tornar mais “livres” para
comporem com os objetivos dos capitais de investimento. Como avalia Fonseca et al.
(2013):
Nesse caso, a emergência do município, do local, como uma escala apta a dar
conta da globalização competitiva diante de um estado “moribundo”, era
fundamental, mesmo sabendo da possibilidade da geração de localismos
verticalizados, predatórios e fragmentadores, que ampliam as desigualdades
sociais e espaciais (FONSECA et al., 2013, p. 167).

Na visão da esquerda, a descentralização ganhava o sentido da democratização,


pois possibilitaria a maior participação social nos processos de elaboração e execução
de políticas públicas, com maior controle social sobre os governos locais. Esses
partidários associavam a participação política às reivindicações de políticas mais
inclusivas e descentralizadas (FONSECA et al., 2013). Esta visão estava de acordo com
uma ideia mais geral de uma federação solidária, convergente para a sua elevação a uma
nação desenvolvida e mais justa. O desdobramento: “dessa ‘aliança esquerda-direita’ no
Brasil foi uma virada descentralizadora a favor do município a partir de 1988 e um
processo gradativo de reformulação a partir dos anos 1990” (FONSECA et al., 2013, p.
167).
Fonseca et al. (2013) trabalha com a ideia de descentralização presente e
descentralização ausente. As inovações institucionais, resultantes da junção de
interesses da direita e da esquerda partidárias no processo constituinte de 1988,
resultaram em uma maior autonomia dos municípios, que, por sua vez, passaram a ter
mais responsabilidades e atribuições federativas. Esta situação é o que se trata por
descentralização presente. Ao que se refere, porém, à cooperação e articulação,
financiamento e colaboração federativa para instalação de políticas públicas e, também:
“[...] à ampliação da frágil base econômica da maior parte dos municípios e à instalação
de infraestrutura técnica, geraram uma descentralização ausente” (FONSECA et al.,
2013, p. 167).
Destaca-se, em conformidade com Fonseca et al. (2013), que o processo de
descentralização ocorrido no Brasil, a partir dos anos 1980, veio a fundir-se com uma
tradição local, municipalista, de oligarquias fisiologistas e clientelistas, e por relações
político-partidárias de domínio e troca de favores. Esta situação permanece, resultando
em unidades municipais precárias, tanto econômica quanto politicamente, com níveis
ainda frágeis de organização social. Isso, a despeito, inclusive, dos instrumentos de
participação e controle social legados pela Constituição de 1988, como os conselhos
temáticos.
Assim, a dimensão de territórios rurais, de cidadania ou de identidade, ou
mesmo a composição de consórcios públicos municipais que estão se difundindo pelo
país, dentro dos estados federados, são alternativas ou estratégias federativas de coesão
para o desenvolvimento, diante da fragilidade dos municípios enquanto unidades
administrativas. Mas, apesar de uma real e importante inovação, tais estruturas são
permeadas, ainda e em parte, por posturas e práticas políticas, tanto de municípios,
quanto de Estados, e também de seguimentos sociais, conservadoras.
[...] fatores como: [...] o municipalismo paroquial, baixa capacidade de
arrecadação fiscal, falta de qualificação profissional dos servidores e falta de
estruturas administrativas mais eficientes, não só interferem diretamente no
processo de descentralização no Brasil, como também no conteúdo dos
localismos, cooperativos ou fragmentadores. (FONSECA et al., 2013, p.
168).

A partir do final dos anos 1980, no bojo do neoliberalismo, seguiu-se uma


tendência fomentada pela globalização capitalista - de abandono das políticas de
integração e construção nacionais, com o local sendo acionado diretamente pelo global,
sem a intermediação de outra escala, a nacional (BRANDÃO, 2012). Como o Estado
deveria ser “mínimo”, o mercado é quem deveria definir, por seus caprichos e
interesses, a disposição de suas estruturas produtivas, buscando escolher os locais que
melhor lhe oferecessem condições de vantagem para a instalação de suas plantas
produtivas ou de serviços. Em países que adotaram o corolário neoliberal de maneira
ampla, como o Brasil e, em geral, a América Latina como um todo, o resultado foi o de
um desmonte do projeto de desenvolvimento nacional, diluído em uma “guerra fiscal,
que passou a patrocinar verdadeiros leilões de localização de investimentos,
subsidiando, escandalosamente, o capital, e aceitando passivamente a piora das
condições sociais da nação e suas várias regiões”. (CANO, 2012, p. 24).
A questão é que o poder não é dividido e disseminado e em sua organização
política, ele estabelece coesões orgânicas extralocalizadas (BRANDÃO, 2012), que não
se afeta, necessariamente, pelos arranjos locais de poder. A visão da “endogenia
exagerada” estaria cega a estes pressupostos, e tende a depositar “na vontade dos atores
sociais de um determinado recorte territorial, todos os requisitos de superação do
desenvolvimento” (BRANDÃO, 2012, p. 50). Estas abordagens neoliberais, portanto,
tenderia, a desconsiderar a diversidade de um país como o Brasil, com desigualdades
sociais e regionais gritantes, níveis específicos de expressão cultural e organizacional,
com enormes diferenças entre regiões e estados.
Para autores críticos ao neoliberalismo, fica claro que o recorte epistemológico
para a análise da dimensão espacial do desenvolvimento deva ser dado a partir da
divisão internacional do trabalho, “posto que permeia todos seus processos, em todas as
escalas” (BRANDÃO, 2012, p. 69). Ou seja, não se pode tratar dos aspectos de
desenvolvimento territorial, sem se considerar que a reprodução do capital se faz dentro
de uma lógica historicamente construída pelo sistema, na qual, a constituição de novos
territórios ou a inserção de novas áreas, países ou regiões no bojo das relações
capitalistas de produção se dão por processos de reprodução de suas bases estruturantes
e que seguem padrões de exploração e domínio que lhe são inerentes. Esta vertente
teórica entende que a expansão do sistema se dá de maneira diferente e combinada, em
que o centro produz sua reprodução econômica em novos espaços periféricos, a partir de
relações de dependência e dominação. Isto está posto, tanto para uma escala
internacional, quanto para outra, territorial, dentro de um mesmo país.
Note-se, pois, que a construção do desenvolvimento territorial é a assimilação do
jogo de poder numa espacialidade dada, que não pode ser ignorado, mas, ao contrário, é
o insumo indispensável do território e, portanto, de sua presença política no bojo da
estratégia do desenvolvimento pretendido. A abordagem institucionalista parte de tal
compreensão, incorporando a dinâmica viva da vida social na conformação do espaço,
implicando uma territorialidade, ou territorialidades, assumindo as diferentes escalas de
relação presentes, os fluxos verticais e horizontais, os elementos fixos, os sujeitos
públicos e privados. O desenvolvimento territorial requer uma coordenação territorial
das ações, capaz de convergir os movimentos de uma coletividade para um propósito
estratégico, buscando sinergias e cooperações. Para isso, os espaços de governança e
concertação são tidos como imprescindíveis para as pactuações necessárias dos diversos
interesses em jogo.
CAPÍTULO III

3.1 A Abordagem Territorial do Desenvolvimento no MDA e na SEPLAN

A abordagem territorial do desenvolvimento, contida nas estratégias do


Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA e do Governo da Bahia está colocada
historicamente, a partir do que foi descrito anteriormente. São políticas públicas de
descentralização e integração, ao mesmo tempo, e estão de acordo com a conjuntura de
arrefecimento do neoliberalismo na América Latina e, notadamente do Brasil. A criação
da Secretaria de Desenvolvimento Territorial - SDT, do MDA, em 2004, representou
uma mudança de perspectiva das políticas de desenvolvimento local, instituindo, por
seu curso, uma abordagem diferenciada, com foco no conceito de território. Como se
trata de uma estrutura para o desenvolvimento rural, a SDT tem como finalidade
promover o desenvolvimento de regiões onde predominam agricultores familiares e
beneficiários de reforma e ordenamento agrários.
As iniciativas da SDT buscam incentivar as capacidades humanas e da
autogestão dos territórios rurais, contribuindo, desse modo, para a redução
das desigualdades regionais e sociais, além da integração dos territórios
rurais ao processo de desenvolvimento nacional. (BRASIL, 2015, p. 1).
Portanto, a abordagem territorial da SDT faz parte de uma política de
desenvolvimento nacional, articulada com outras iniciativas, em outros órgãos. A
abordagem territorial, por sua vez, implica um modelo de gestão participativo e esta é a
marca mais distintiva da SDT. Encontra-se neste caso um diferencial importante em
relação às políticas tipicamente neoliberais, pois se trata de uma política inserida em um
contexto mais amplo de desenvolvimento, que tem diretriz nacional e uma abordagem
integrativa das políticas públicas, além de participação social como um elemento
indispensável. Para Perico (2009), esta é uma opção política, que parte, inclusive, da
constatação de que o país mudou e as sociedades rurais não são mais as mesmas. São,
agora, mais cientes de si, mais integradas à modernidade e com maior nível de
organização e consumo. Suas tensões em torno de maior independência e autonomia são
renovadas por novas categorias sociais, com maior:
[...] capacidade de discernir, participar, pressionar, reivindicar. Evidencia-se
que essas tensões não são exclusivas, como antes, e do interesse de poucos
(os grandes proprietários rurais, caracterizados por visões e propostas
políticas retrógadas e defensoras de privilégios). Emergem e ganham espaço
os interesses das comunidades, dos pequenos proprietários e das sociedades
locais e rurais com discursos progressistas e democratizantes. (PERICO,
2009, p. 27).

A abordagem territorial para o fomento ao desenvolvimento, segundo a SDT, se


articula em quatro aspectos: 1) o rural é mais do que somente a sua dimensão
econômica – agropecuária e ocupa espaços de menor densidade e de maior importância
em recursos naturais; 2) o município restringe-se numa escala muito pequena para o
planejamento e a organização das iniciativas para o desenvolvimento; 3) a escala
estadual, por sua vez, é muito ampla para dar conta das especificidades e
heterogeneidades; 4) o território é a dimensão na qual mais se evidencia os laços de
proximidade entre pessoas e grupos sociais, instituições e entes federados, que podem
ser mobilizados para a condução de uma agenda voltada ao desenvolvimento (PERICO,
2009).
Trata-se de uma estratégia para articular políticas públicas em um espaço que
seja possível o planejamento de uma ação pública capaz de integrar atores, recursos,
oportunidades, conhecimento, poderes e processos coletivos de decisão. Para isso, a
SDT definiu os territórios rurais do Brasil, a partir de tipologias estabelecidas por
estudos de indicadores diversos, e levando em conta a historicidade de tais espaços.
Além da aplicação de uma metodologia estatística, com base em dados secundários
disponíveis nos órgãos afins, e de outros levantados por estudos promovidos pela
própria SDT e pelas universidades e centros de pesquisa.
Com isso, o Ministério vem tipificando territórios no Brasil e definindo políticas
públicas de acordo com as realidades objetivas desses espaços. Esta maior precisão, por
sua vez, é reforçada através da rede de atores mobilizados dos colegiados territoriais,
que é ouvida em parte dos processos de implementação e gestão de suas políticas
públicas.
Portanto, a definição de território rural adotada pela SDT “[...] foi concebida
como uma estratégia de gestão pública de programas de desenvolvimento rural
sustentável” (OLIVEIRA, 2009, p.15). Trata-se de uma abordagem inovadora, que
insere em sua operação a participação social, a partir de um recorte multifacetado –
físico, cultural, econômico, social, histórico e dinâmico. Esta dimensão diversa do
objeto é o que caracteriza o território, e se constitui nas premissas indispensáveis para o
planejamento do desenvolvimento. O território se estabelece, pois, como uma escala
mais adequada para a conjunção dos elementos que devem ser levados em consideração
no plano do desenvolvimento. Assim, o MDA:
Reconhece ainda o acentuado movimento de descentralização das políticas
públicas e assume o território na condição de unidade mais adequada para
criar e desenvolver os laços de aproximação entre as pessoas, os grupos
sociais e as instituições. (PERICO, 2009, p. 75).

Portanto, esta abordagem estaria de acordo com uma visão de desenvolvimento


em termos de horizontalidades e o local, aqui tomado como território, assume uma
perspectiva diferenciada do tipo daquela neoliberal, definida por Brandão (2012) como
“endogenia exagerada”. Estaria também mais relacionada com a ideia de liberdade e
garantia de direitos, em que o progresso material resultaria das condições culturais e
políticas garantidoras de oportunidades para os cidadãos progredirem e fazerem a
economia desdobrar em crescimento e qualidade de vida (SEN, 2010).
Para o Governo da Bahia, a perspectiva do desenvolvimento parece se assentar
nas mesmas bases. A instituição dos territórios de identidade veio a atender uma
demanda social já colocada no seio de seguimentos sociais ligados às lutas pela terra e
da agricultura familiar, envolvidas na discussão e implementação do desenvolvimento
territorial junto ao MDA, no estado, desde 2004. E também às próprias premissas
políticas já apresentadas no Plano de Governo nas eleições de 2006. Afirma-se em
publicação da SEPLAN, onde se registram as duas experiências dos Planos Plurianuais
Participativos (PPA-P):
O governo Wagner, durante a transição, definiu algumas questões essenciais
ao planejamento estratégico da Bahia. Entendeu que ele tinha que ser
sistêmico e, portanto, transetorial, sustentável, integrando o social com o
econômico e com o ecológico. Definiu também que o processo tinha de ser
participativo e, para isso, nos primeiros 60 dias da gestão, definiu os
Territórios de Identidade como regionalização adequada para territorializar o
planejamento e a gestão estratégica da Bahia. (BAHIA, 2012, p. 12).

A abordagem territorial foi concebida no processo mesmo de construção do


Plano Plurianual – PPA 2008-2011, e a escuta social para o mesmo já se deu em termos
territoriais. Na perspectiva do planejamento, os programas de governo foram, em parte,
elaborados em acordo com a territorialidade estabelecida. Do ponto de vista da
concepção, a territorialização da gestão pública estadual estaria, portanto, de acordo
com concepções políticas, vinculadas às tendências democratizantes de participação e
controle social. Em sintonia com a ideia de desenvolvimento “de baixo para cima”:
Em 2007, o PPA Participativo foi o primeiro passo do Governo da Bahia em
direção à abertura de canais efetivos de diálogo com a sociedade, princípio
fundamental para a construção da democracia cidadã. A realização das
plenárias nos 26 territórios de Identidade – espaços privilegiados para a
discussão das políticas públicas em nosso estado, com a presença de diversos
seguimentos da sociedade. (BAHIA, 2015, p. 1).

O desenvolvimento concebido como processo de emancipação social e


compromisso com uma ética universal, na qual o crescimento econômico só tem sentido
se estiver integrado com a qualidade de vida do conjunto da sociedade (SEN, 2010), é o
que se pode ter como uma visão em oposição àquela tipicamente liberal. Sobretudo se
comprometido com a melhoria da vida dos mais excluídos e a partir das liberdades
fundamentais garantidas. “Quatro principais gramáticas definem as relações Estado
versus sociedade no Brasil: clientelismo, corporativismo, insulamento burocrático e
universalismo de procedimentos” (NUNES, 2003, p. 21). Uma política de
desenvolvimento territorial, levando-se à cabo seus princípios democráticos tenderia a
desfavorecer a herança histórica fisiológica e clientelista da tradição política brasileira,
contribuindo, assim, para a consolidação de uma cultura democrática.
O desenvolvimento nestes termos é a soma de um conjunto de aspectos, desde os
burocráticos, como a necessidade de se instituir novas institucionalidades, passando
pelas peças formais de operação do Governo e do Estado, como os planos plurianuais,
até aspectos sociais e políticos, como a criação e sustentação de espaços de governança
e concertação, e os de formação e organização dos territórios e dos sujeitos atuantes em
torno das políticas públicas. Assim, admite o governo da Bahia quanto a importância
das duas experiências de plano plurianual participativo:
Com efeito, o Plano Plurianual Participativo privilegiou, por um lado, a
participação de camadas excluídas do processo de decisões políticas e da
definição da alocação de parte dos recursos orçamentários disponíveis, e, por
outro, criou novos mecanismos de prestação de contas e de controle social
sobre os governos e seus aparatos burocráticos. (BAHIA, 2012, p. 57).

O governo da Bahia, em 2009, lançou o projeto “Pensar a Bahia 2023,


construindo o futuro”. Tratou-se de um conjunto de seminários envolvendo gestores
públicos, empresários, academia e movimentos sociais para pensar os grandes desafios
colocados à Bahia para o desenvolvimento, com vistas a chegar em 2023 como um
estado mais desenvolvido e justo.
As diversas mesas dos seminários debateram os principais temas envolvidos
com o desenvolvimento, desde educação, saúde e segurança, passando por tecnologias,
logística, indústria e comércio, incluindo ainda agricultura, turismo, serviços,
desenvolvimento municipal e territórios.7 A ideia era a de gerar o ponto de partida para
a construção de um plano estratégico de longo prazo. Todas as temáticas foram
abordadas de maneira sistêmica, pensando-se nos entraves e nas soluções possíveis aos
mesmos.
O Pensar a Bahia constitui parte do esforço de retomada, pelo Governo, do
exercício do planejamento de longo prazo no âmbito do Estado, iniciativa
com a qual se pretende incorporar diversas visões e enfoques dos
palestrantes, bem como dos debates que tiveram lugar ao longo dos
seminários. (BAHIA, 2010a, p. 9).

A ideia era, dando sequência ao modelo de participação já instituído no PPA


2008-2011, estabelecer um plano de longo prazo também com escuta social. Um Grupo
de Trabalho fora instituído pelas Portarias nº 180/2009 e 181/2009 da SEPLAN, para
dar conta de transformar o projeto Pensar a Bahia 2023 num plano efetivo. Projetava-se
em termos de longo, médio e curto prazos, articulando estas dimensões dentro de um
plano de ações encadeadas pelos três PPA sequenciados entre 2012 e 2023.
[...] no planejamento estratégico [...] estão contidos a visão de futuro, os
macro-objetivos, os eixos de desenvolvimento e as diretrizes estratégicas.
Estas últimas fazem a interface entre o plano de longo prazo e os de médio
prazo, que é o Plano Plurianual (PPA) no qual se trabalha no horizonte de
quatro anos. As diretrizes estratégicas incluem, também, os programas e
ações. São as ações que fazem a interface entre o planejamento de médio
prazo e de curto prazo, representado pelo Orçamento Anual. (BAHIA, 2010a,
p. 12).

7
O evento ocorreu entre dezembro de 2009 a março de 2010 em Salvador, Bahia, realizando-se em quatro
módulos, abordando todos os temas tomados como estratégicos para o desenvolvimento do estado.
Buscava-se um plano integrado, que fosse capaz de pensar o conjunto do estado
e de cada território e macrorregião, a fim de promover as iniciativas de maneira
adequada às particularidades de cada um e, ao mesmo tempo, integrá-los a partir da
logística, do aproveitamento das particularidades e de suas articulações produtivas,
comerciais, de circulação e mobilidade. O Governo defendia ali a construção da
Ferrovia Oeste-Leste como ação de desconcentração regional e integração de territórios
de identidade. Vê-se aqui que a concepção da SEPLAN era a de fomentar a abordagem
territorial, mas sem perder de vista a visão de conjunto, de uma dimensão estadual, no
sentido de que o Estado da Bahia, do ponto de vista do planejamento, é mais do que a
soma dos territórios de identidade. Visão, como a do MDA, que leva em consideração o
local, mas também sua integração de um plano macro do planejamento.
Pode-se observar também a questão ambiental no projeto Pensar a Bahia 2023.
O governo associa o desenvolvimento à sustentabilidade nos seus documentos
referentes. Afirma-se que, para atender uma condição com desenvolvimento sustentável,
é importante ter as questões ambiental e social como prioridades (BAHIA, 2010a).
Reconhece, ainda, a necessidade de se conhecer o contexto histórico das experiências
construídas nos territórios de identidade, a fim de inseri-las na estratégia de
desenvolvimento da agricultura familiar. Ou seja, a concepção de planejamento do
desenvolvimento projetada pela SEPLAN não se distancia do modelo daquela aplicada
na SDT/MDA, guardadas suas particularidades e escalas. E se apresenta teoricamente,
como algo em sintonia com as tendências de descentralização e integração.
A territorialidade seria, neste modelo, a dimensão de uma dada realidade social,
econômica e cultural, expressa em termos de situações que precisam ser consideradas
pelas políticas públicas de fomento ao desenvolvimento, desde os entraves ao
crescimento econômico, passando pelas dificuldades de organização de cadeias
produtivas e do escoamento de seus produtos, até a baixa capacidade de intervenção
política da população local e do seu grau de associação para superação de dificuldades
ao desenvolvimento.

MARCELO ROCHA

Você também pode gostar