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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA

DEPARTAMENTO DE ECONOMIA RURAL


ERU-380 Desenvolvimento Socioeconômico
Professor: Marcelo L eles Romarco de Oliveira

Marcelo Leles Romarco de Oliveira1

“Em nenhum momento da nossa história foi tão grande a distância entre o que somos e o que esperávamos ser”
(Celso Furtado, O longo amanhecer (2006).

Texto Debate 07 - Desenvolvimento um breve debate histórico brasileiro2

Apresentação

Nesta nota de aula procuraremos discutir sobre a questão do Desenvolvimento tendo como foco
central o Brasil. Para isso o texto terá como fio condutor as reflexões produzidas pelo economista
brasileiro Celso Furtado, nascido no estado da Paraíba, foi um dos maiores pensadores brasileiros
que se dedicou a temas como o processo de formação da economia brasileira, Desenvolvimento e
Subdesenvolvimento. Nas diversas obras produzidas por ele, tinha como preocupação interpretar a
economia internacional buscando contrapor, principalmente, ao pensamento clássico europeu e
trazendo ricas contribuições sobre a situação da América Latina e principalmente o Brasil.

Além dessas contribuições acadêmicas Furtado exerceu forte influência nas análises não só do Brasil,
mas também, da América Latina, sendo, portanto, um dos fundadores da CEPAL - Comissão
Econômica para América Latina, entidade essa ligada a Organizações Unidades (ONU). A CEPAL foi
criada com o importante papel em discutir as questões teóricas e históricas do Desenvolvimento para
região, principalmente através de um olhar estruturalista, no qual buscava entender e contribuir para
que os países da região transpusessem as barreiras existentes para a dita “modernidade”. Sobre a
modernidade é importante contextualizar que esta pode ser compreendida dentro do campo dos
avanços tecnológicos, industriais, consumo, urbanização, padronização cultural, e de uma outra
racionalidade econômica, dentre outros.

Uma das principais obras de Furtado que procura compreender o Brasil é Formação Econômica do
Brasil nesta obra o autor procura fazer uma viagem no tempo, enumerando as diversas fases
econômicas do Brasil (ciclo do açúcar, ciclo do outro, ciclo do café e processo de industrialização),
ou seja, passando pela colonização até o tempo que a obra foi concluída em meados do século XX.
Didático, atencioso e provocador, assim o autor olhando o retrovisor do passado e os horizontes do

1
Doutor em Ciências Sociais com ênfase em Desenvolvimento e Sociedade e agricultura. Professor de Extensão Rural do
Departamento de Economia Rural da Universidade Federal de Viçosa.
2
Nota de aula elaborado no segundo semestre de 2020, para a disciplina ERU-380 da Universidade Federal de Viçosa-
UFV

1
presente tenta interpretar os rumos do futuro. Portanto, para entender o caso brasileiro sobre
Desenvolvimento é imprescindível revisitar Celso Furtado.

Assim em uma das suas obras denominadas Introdução ao desenvolvimento: Enfoque histórico-
estrutural Furtado (2000) aponta que na sociedade contemporânea a ideia de Desenvolvimento
estaria no centro do debate mundial numa perspectiva que o homem seria o agente das
transformações do mundo, num processo que interagem com o meio focando suas potencialidades,
nas palavras dele: “Na base da reflexão sobre esse tema existe implicitamente uma teoria geral do
homem, uma antropologia filosófica. A insuficiência dessa teoria responde pelo deslizamento
frequente para o reducionismo econômico e sociológico” (FURTADO, 2000, p. 07). Essa perspectiva
sobre o Desenvolvimento, pode levar pensar o Desenvolvimento como algo positivo. Ou seja, “As
sociedades são consideradas desenvolvidas à medida que nelas o homem logra satisfazer suas
necessidades e renovar suas aspirações” (FURTADO, 2000, p. 07).

Desta maneira Furtado (2000), através de um olhar histórico, procura analisar o conceito de
Desenvolvimento associado a um sistema social de produção cujo objetivo seria o grau de satisfação
das necessidades humanas. Como ponto de partida, o autor procura trazer a ideia de Progresso, que
é apresentado como algo positivo ou otimista dos processos históricos numa visão europeia. Para
isso Furtado vai beber no pensamento europeu, principalmente, a partir do século XVIII através das
bases do movimento Iluminista para uma passagem progressista para o capital, das expansões
geográficas europeias e da acumulação de riquezas. Esses três pilares vão servir como um olhar
atento para entender essa ideia “evolutiva” e hegemônica3 da maneira de viver do europeu para o
resto do mundo.

Procurando compreender essa trajetória Furtado vai buscar em importantes fontes filosóficas de
pensadores como Kant, Hegel, Keynes, Marx e Adam Smith para entender essa lógica otimista que
levaria em direção ao progresso e nas liberdades individuais como o caminho para o bem-estar
comum. Para ele, no entanto, “O progresso, portanto, não surge necessariamente da ‘lógica da
história’, mas está inscrito no horizonte de possibilidades do homem e o caminho para alcançá-lo é
perceptível pelo sentido comum” (FURTADO, 2000, p. 10).

Para Furtado (2000) essas mudanças vieram acompanhadas da organização da produção e nas
transações mercantis, na divisão social do trabalho, na especialização dele, e na mudança do
capitalismo comercial para o industrial, bem como nas transformações dos espaços geográficos com
deslocamento de populações das áreas rurais para os centros urbanos ou até mesmo para outros
continentes.

Destas variáveis, é importante destacar a questão do progresso técnico como fundamental numa
logica que possibilita a produção de métodos produtivos mais eficazes, procurando favorecer a

3 Procurando definir Hegemonia a partir de teóricos como Boaventura Santos entendemos que Hegemonia é a
condição dominante na forma de abordar e direcionas questões que podem ser econômicas, políticas, moral,
intelectual, tecnológicas e sociais.

2
acumulação capitalista. Para Furtado o “progresso técnico enfileiram-se complexas modificações
sociais, cuja lógica devemos tentar compreender como passo preliminar em todo estudo de
desenvolvimento” (FURTADO, 2000. p.15).

Desenvolvimento e Subdesenvolvimento

Trazendo à luz do debate a questão do Desenvolvimento na visão de Furtado (2000) podemos


compreender que o autor aponta que é preciso considerar os processos evolutivos do sistema social
de produção e o grau de satisfação das necessidades humanas. Essa perspectiva levaria a três
dimensões, ou seja:

[...] 1) a do incremento da eficácia do sistema social de produção, 2) a da satisfação


de necessidades elementares da população e a 3) da consecução de objetivos a
quem almejam grupos dominantes de uma sociedade e que competem na utilização
de recursos escassos. A terceira dimensão é, certamente, a mais ambígua, pois
aquilo a que aspira um grupo social pode parecer para outros simples desperdício
de recursos. (FURTADO, 2000, p. 22)

Para Furtado (2000) a última dimensão carregaria um viés ideológico. Ainda na busca de elementos
históricos ele nos mostra que o conceito como vimos em outras aulas, toma corpo dentro de uma
perspectiva econômica e política a partir do fim da Segunda Guerra Mundial que estavam na pauta
as transformações mundiais ocorridas com o fim do conflito. Nesse período, as nações estão
discutindo que o atraso econômico que os países da periferia viviam em relação aos países centrais,
eram um entrave para o avanço global. Essa nova ordem mundial a partir de 1945 é capitaneada
pelos Estados Unidos da América, que teria ficado responsável pelo “projeto de estruturação de um
sistema econômico mundial, a partir de um centro nacional dominante, ensaiado um século antes
pela Inglaterra” (FURTADO, 2000, p.26). Neste momento também, criam-se estruturas internacionais
para orientar os países a seguirem essas direções. Entre as instituições criadas estão o Fundo
monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.

Outra crítica sobre o Desenvolvimento que Furtado trás e faz coro com outros pensadores, estaria
associada a mensuração do aumento do sistema produtivo como elemento principal do
Desenvolvimento como no caso do PIB. Associar o crescimento econômico e a produção da riqueza
de um país às melhores condições de vida de sua população é equivocado. Pois, para ele assim
como outros autores essa variável (PIB) não seria suficiente para avaliar, por exemplo, a satisfação
das necessidades fundamentais humanas, bem como refletir sobre a relação da degradação da vida
de uma parte da população ou até mesmo na distribuição da renda. Assim, Furtado nos lembra que:
“Não é demais assinalar que a ação produtiva do homem tem cada vez mais como contrapartida
processos naturais irreversíveis, tais como a degradação de energia, tendeste a aumentar a entropia
do universo” (FURTADO, 2000, p 22).

Essa nova estruturação mundial capitaneada pelos países centrais para o resto do mundo, vão
remodelar o desenvolvimento capitalista responsável por empregar novas forças produtivas

3
ampliando as desigualdades e excluindo grande parte da população desse “Desenvolvimento”
(SINGER, 2004).

Essa realidade do Desenvolvimento traz à tona outra moeda, ou seja, o Subdesenvolvimento, que
para ele apesar de serem “histórias distintas são derivadas de um mesmo impulso” (FURTADO,
2000.p.27). Desta forma ele procura apontar que é preciso considerar o Subdesenvolvimento “como
parte que é de um todo em movimento, como expressão da dinâmica do sistema econômico mundial
engendrado pelo capitalismo industrial” (FURTADO, 2000, p.28).

Assim, a partir desse olhar crítico e estruturalista influenciado pela CEPAL, Furtado procura entender
essa relação de Desenvolvimento e Subdesenvolvimento de países da América Latina, como o Brasil.
Para ele a região tinha uma diversidade produtiva muito baixa, voltada principalmente para a
produção de bens primários, principalmente commodities e com baixos investimentos em tecnologia,
além da questão da industrialização que se torna um grande problema, fazendo necessário a ação
do Estado para auxiliar nessas transformações4.

Desta forma no caso brasileiro podemos perceber que apesar dos parcos avanços ocorridos ao longo
do século XX e início do atual século, ainda, por exemplo, o empresariado brasileiro, no geral, tem
pouca vocação para o progresso técnico e baixo investimento em tecnologia, a persistência dos
subempregos, o problema da distribuição de renda e da pobreza. A questão da concentração da terra
é outro problema apontado, não só por Furtado, mas também por diversos autores que demonstram
preocupações com essa realidade fundiária que é contribuinte do atraso e elevaria as desigualdades
no país.

Outra questão é o desequilíbrio estrutural da balança comercial, ou seja, em momentos críticos do


ponto de vista econômico, no qual temos baixa demanda de nossos produtos (bens primários) e por
outro lado, somos extremamente demandantes de produtos industrializados, levam a desequilíbrios
difíceis de mitigar.

Pensando nessa realidade do país o quadro 01, a seguir, procura trazer um apanhado dos dez
principais produtos na pauta de exportação e importação da balança comercial brasileira no período
compreendido entre 2010 a 2019.

Quadro 01 Série histórica de Exportações e Importações brasileiras no período de 2010 a 2019


Exportações Importações
1. Soja 1. Petróleo
2. Minério de ferro e seus concentrados, não 2. Veículos automóveis para transporte de
aglomerado pessoas;
3. Óleos de petróleo ou de minerais
betuminosos; 3. Outros (manufaturados diversos)
4. Açúcar de cana, em bruto 4. Cloreto de potássio

4 Cabe destacar que existe todo um debate teórico sobre a Teoria do Desenvolvimento (continuum evolutivo) que não
teria dado conta de interpretar essa situação latino-americana surgindo como contraponto a Teoria da Dependência
surgida no início da década de 1960 cujo objetivo era compreender essa realidade de aprofundamento das relações
de dependência no sistema capitalista da periferia. No entanto, esse debate não é foco dessa nota de aula.

4
5. Antissoros e vacinas para medicina humana e
5. Bagaços e outros resíduos sólidos (....) veterinária
6. Pastas químicas de madeira, ao bissulfito, 6. Aparelhos e equipamentos eletrônicos e de
exceto pastas para dissolução, não-coníferas telecomunicações
7. Café não torrado, não descafeinado 7. Peças diversas
8. Veículos automóveis 8. Medicamentos
9. Milho (exceto milho doce), não moído,
Outros; 9. Gás natural, na forma gasosa
10. Cortes de aves ou outros despojos, 10. Veículos automóveis para transporte de
congelados mercadorias, n.e.p.
Fonte: Informações elaborados pelo autor a partir de dados do site do Ministério da Indústria Comércio Exterior e
Serviços

No quadro anterior observamos que mesmo depois de processos desenvolvimentista5, o Brasil ainda
hoje é um grande exportador de comodities e um importador de tecnologias. O que nos deixa muito
vulneráveis a oscilações do mercado, bem como cria-se uma forte dependência da produção de
commodities. O quadro também, nos mostra que grande parte do que importamos são produtos
processados e com grande valor de tecnologia agregada.

Portanto, a constatação desse quadro de exportação e importação, nos permite aferir a partir das
leituras de Furtado que mesmo que, timidamente, um modelo de Desenvolvimento brasileiro teria
acontecido, sobretudo, da manutenção de suas bases na exploração de nossos recursos, o que em
certa medida reforçou o Subdesenvolvimento brasileiro contribuindo para perpetuar e a aumentar as
desigualdades econômicas e sociais, ou seja, mesmo com o aumento do PIB o Brasil continuou
desigual e a manutenção do poder das elites permanecem quase que inalterados. Esse olhar nos
ajuda a entender que as desigualdades históricas brasileira e/ou o Subdesenvolvimento, para Furtado
estariam associados à nossa formação histórica de poder, dominação, dependência e renda.

No que se refere ao poder este estaria nas mãos de uma elite que tem lutado para a manutenção do
seu status quo de poder e da concentração de renda o que tem levado e ampliado ao aumento das
desigualdades e consequentemente de Subdesenvolvimento.

Nesse contexto, dados recentes da PNUD de 2019 compilados pelo G1 mostraram que no Brasil 1%
tem em suas mãos cerca de 28,3% da renda o Brasil ficando com a desonrosa segunda colocação
em desigualdade de distribuição de renda no mundo. No quadro 02 a seguir é possível verificar um
ranking de concentração renda no mundo.

5
Não confundir desenvolvimentismo com desenvolvimento.

5
Quadro 02. Ranking de Concentração de Renda nos 10 países mais desiguais referente a 2019

Países Concentração de renda total 1%


mais rico
1. Catar 29%
2. Brasil 28,3%
3. Chile 23,7%
4. Turquia 23,4%
5. Líbano 23,4%
6. Emirados Árabes 22,8%
7. Iraque 22%
8. Índia 21,3%
9. Colômbia 20,5%
10. Estados Unidos 20,2%
Fonte: elaborado pelo autor a partir do infográfico do Portal G1.

No que ser refere ao índice de Desenvolvimento Humano o Brasil em 2018 ocupava o septuagésimo
nono lugar em todos os países do mundo o que nos deixa numa posição muito inferior se comparado
a outros países que possuem economias semelhantes as brasileiras. Desta forma podemos entender
ou supor que as desigualdades brasileiras são fruto do modelo Desenvolvimento implementados pelo
Brasil ao longo de sua história. Neste caso como visto é fundamental entender esses momentos
histórico-políticos da formação brasileira.

Considerações Finais

A sociedade capitalista marcada pelo progresso e acumulação de riqueza contribuiu para gerar
desigualdades e caos social, segundo a visão pessimista dos economistas da primeira metade do
século XIX: “urbanização caótica, desorganização da vida comunitária, desemprego em massa,
redução do homem, inclusive de menores, a simples força de trabalho” (FURTADO, 2000, p.12). Tal
apontamento pode ser utilizado para se pensar a sociedade capitalista que continua a vivenciar os
mesmos problemas desde o surgimento desse modelo econômico. Como vimos que um dos
principais problemas de regiões como América Latina, principalmente Brasil, estão relacionadas, por
exemplo, a elementos histórico estrutural de sua fundação ou até mesmo da dependência dos países
centrais ou do posicionamento de elites avidas pelo poder, o que tem contribuído para a concentração
de renda e poder, o que acirra o aumento das desigualdades e eleva as condições de deterioração
da renda do trabalhador.

6
Atividade para desenvolver em dupla no formulário próprio disponível no PVANET e
entregue na próxima aula via e-mail profmromarcoufv@gmail.com

A partir do diálogo da leitura da nota e dos apontamentos apresentados nos dois vídeos a seguir
sobre o processo histórico da economia brasileira, discorra sobre a seguinte questão: O Brasil estaria
condenado ao Subdesenvolvimento? Ou vocês acreditam que seja possível trilhar um outro caminho?
Para ajudar a refletir assistir o seguinte vídeo: Subdesenvolvimento e dependência econômica.
Disponível: https://www.youtube.com/watch?v=Ky3TXZy43gk&t=313s

Referências
Brasil tem 2ª maior concentração de renda do mundo, diz relatório da ONU. Portal G1, Rio de Janeiro,
09 de dezembro de 2019. Seção Mundo. Disponível
https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/12/09/brasil-tem-segunda-maior-concentracao-de-renda-
do-mundo-diz-relatorio-da-onu.ghtml. Acessado em 23 de agosto de 2020.
FURTADO, Celso; Introdução ao Desenvolvimento: Enfoque Histórico-estrutural. Editora: paz e
terra, Ano: 2000. Pp 7-31.
Ministério da Indústria Comércio Exterior e Serviços. Exportação e Importação Geral. Período de
2010 a 2019. Disponível em: http://comexstat.mdic.gov.br/pt/geral. Acessado em 23 de agosto de
2020.
O Longo Amanhecer - Cinebiografia de Celso Furtado. Direção de José Mariani. Rio de Janeiro. 2006.
Duração 73 min.
ONU-PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano 2019 Além do rendimento, além das
médias, além do presente: As desigualdades no desenvolvimento humano no século XXI.
Disponível em: http://hdr.undp.org/en/2019-report/download. Acessado em 24 de agosto de 2020.
SANTOS, Boaventura de Souza; AVRITZER, Leonardo. Para ampliar o cânone democrático. In:
SANTOS, Boaventura de Souza (Org.). Democratizar a Democracia: os caminhos da democracia
participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
SINGER, Paul. Desenvolvimento Capitalista e desenvolvimento solidário. Estudos avançados
18 (51), 2004.

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