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Meios e fins do desenvolvimento para Celso Furtado

FABIO ANTONIO DE CAMPOS*

Resumo:
O objetivo desse artigo é expor o conceito de desenvolvimento para Celso
Furtado. Para tanto, nos interessa apresentar o desenvolvimento nacional como
um fim em sua abordagem sobre a formação social brasileira Para atingir tal
estágio, os meios para o autor seriam assegurados por um típico
desenvolvimento capitalista. Dentro dessa problemática, mostraremos também
o alcance e os limites dessa concepção para o caráter dependente e 79
subdesenvolvido do capitalismo brasileiro.
Palavras-chave: Celso Furtado; desenvolvimento; dependência e
subdesenvolvimento.

Abstract:
The objective of this article is to expose the concept of development for Celso
Furtado. To do so, we will present the national development as an end in his
approach about the Brazilian social formation. To reach this stage, the means to
author be secured by a typical capitalist development. In this issue, we also
show the scope and limits of this concept to understand the dependent and
underdeveloped character of Brazilian capitalism.
Key words: Celso Furtado; development; dependency and underdevelopment.

*
FABIO ANTONIO DE CAMPOS é professor do Instituto de Economia da Unicamp.
Agradeço os excelentes comentários de Fernando Henrique Lemos Rodrigues (UFRRJ), eximindo-o de
qualquer responsabilidade sobre nossas conclusões.
estruturais que porventura anulem a sua
individualidade. A transformação das
estruturas depende da ação humana, que
pode ser aproveitada em sua maior
eficácia pela busca do melhor propósito
para a vida.
O humanismo proposto por nosso autor
faz com que ele recorra à teoria social
em suas diversas vertentes para expor,
em sua vasta obra, os meios e os fins do
desenvolvimento. A influência
weberiana faz com que Furtado defina o
conceito de desenvolvimento a partir de
fins que dizem respeito a valores
modernos inscritos numa “racionalidade
substantiva”, podendo esta ser garantida
Um pensador pode ser considerado por determinados meios materiais,
clássico quando sua abordagem lança científicos e culturais, prenhes de uma
questões sobre problemáticas universais “racionalidade instrumental”. A
que se manifestam em diferentes problemática do desenvolvimento então
momentos históricos. Concebido como seria subordinar a acumulação
a reprodução material, social e cultural, capitalista e a incorporação do
progresso técnico aos desígnios 80
em níveis civilizacionais cada vez mais
elevados, o conceito de civilizacionais da maior parte da
desenvolvimento da sociedade é o que sociedade. Excluída a voluntariedade de
singulariza a contribuição de Celso agentes econômicos privados que se
Furtado. Para tanto, acreditava ele ser apropriam da renda para valorizar as
possível utilizar do dinamismo forças produtivas, o desenvolvimento
capitalista, principalmente no que diz tem seu caráter crucial nas decisões
respeito ao impulso da acumulação e do coletivas corporificadas no poder estatal
crescente progresso técnico, para elevar que pode interferir politicamente no
a produtividade social. Tal processo.
acontecimento não seria reflexo da Dotado de controle político suficiente
espontaneidade da livre iniciativa para uma coletividade socializar os
privada, mas sim do resultado racional frutos do progresso técnico, e com isso
de políticas que interviessem para garantir a sua emancipação social,
ultimar o desenvolvimento. chegamos dessa forma ao conceito de
Desenvolvimento é entendido assim por desenvolvimento nacional de Furtado.
Furtado como um processo de difusão O desenvolvimento capitalista, por sua
da criatividade humana canalizada por vez, pode ser um meio para alcançar tal
uma sociedade que consegue se objetivo diante de determinadas
organizar por princípios civilizacionais. contingências históricas, mas que não
Nesse sentido, o homem pode utilizar assegura a priori o desenvolvimento
de sua máxima potencialidade para nacional. Já o desenvolvimentismo
transformar o mundo ao interagir com constitui a ideologia que emula do
seu meio, superando as dificuldades desenvolvimento capitalista em seus
diversos estilos, criados, a cada importações, depois, a própria
governo, período ou quadra histórica. industrialização seria implantada sem se
Em suas múltiplas dimensões, tal desvencilhar de tal sentido. O que
processo pode ou não encaminhar um viabiliza a realização do consumo
desenvolvimento nacional como o conspícuo dessas elites é a apropriação
destino de um país, visto que depende da maioria do excedente, aliás, se
da correlação de forças de diferentes utilizando do controle político para
blocos sociais que se organizam entre subjugar as necessidades de toda
economia e sociedade. sociedade nacional ao seu
cosmopolitismo. O resultado de tal
Ao transpor esse pressuposto do perversão se traduz por uma grave
desenvolvimento nacional para as heterogeneidade social, que repõe
particularidades do espaço periférico secularmente o subdesenvolvimento
capitalista, Furtado historiciza suas brasileiro.
categorias teóricas ao fixar a questão da
formação social brasileira como a difícil Como Furtado conceberia então a
transição da colônia. Aqui, o desafio superação dessas heranças históricas
político para perseguir o que bloqueiam o desenvolvimento
desenvolvimento nacional exige uma nacional?
incessante luta pela ruptura do passado A resposta para o autor só poderia estar
colonial, de matriz escravista, que na própria compreensão de nossa
insiste a manter o atraso civilizacional. história. Conduzidos pelo poder estatal,
Desse modo, o subdesenvolvimento não o início da industrialização nos anos
é uma etapa para atingir o 1930 e a implantação das forças
desenvolvimento nacional, mas o 81
produtivas nos anos 1950, que
próprio resultado histórico do robusteceram o mercado interno, se
desenvolvimento capitalista que países apresentariam como os meios
de origem colonial como o Brasil capitalistas para superar o
apresentam. Em síntese, o impulso subdesenvolvimento. Balizado por
modernizante que regiões periféricas diferentes desenvolvimentismos tais
como a brasileira assimilaram das como os de Vargas e Kubitschek, o
economias centrais, longe de servirem desenvolvimento capitalista brasileiro
como meio para avançar na estaria criando na visão de Furtado as
emancipação social, perpetuaram suas condições para atingir o fim do
debilidades estruturais. A inserção desenvolvimento nacional, mesmo que
periférica de economias como a esse carecesse ainda de maior
brasileira no sistema capitalista definiu conscientização política como afirmou
sua especificidade dependente e em A Pré-Revolução brasileira de 1962.
subdesenvolvida.
O Golpe de 1964, por seu turno,
O capitalismo brasileiro é dependente, deslocou o eixo analítico do autor,
segundo o autor, porque sua elite impõe, inclusive por razões pessoais, visto que
a qualquer custo, os modos de vida dos Furtado foi vítima direta do assalto à
países centrais. Um mimetismo cultural democracia por participar intensamente
que reproduz modernos padrões de do Governo Goulart. Fica claro já nas
consumo à custa da perpetuação de obras do final da década de 1960, e em
formas arcaicas de exploração do especial, partir dos anos 1970, em livros
trabalho. Se num primeiro momento como O Mito do desenvolvimento
isso foi alcançado por meio das econômico (1974), que mesmo
ampliando os meios que viabilizavam o capitalista brasileiro avançava. Porém,
avanço no desenvolvimento capitalista quando a crise econômica internacional
brasileiro – emoldurado reforçou as próprias restrições internas
ideologicamente pelo do desenvolvimento capitalista
desenvolvimentismo da ditadura –, os brasileiro, a ideologia
fins já tinham sido abandonados. desenvolvimentista perdeu sua base de
sustentação.
Em razão de seu exílio, a vivência
intelectual no exterior forçou Furtado a Para Furtado a crise da dívida externa
trazer uma abordagem nova, que que acometeria a América Latina no
redimensionou a tragédia limiar dos anos 1980, em especial o
desenvolvimentista diante das mutações Brasil, não se constituiu como uma
da economia internacional. A integração simples crise do financiamento da
de diferentes mercados nacionais num industrialização, mas a atrofia tanto dos
primeiro momento pela meios quanto dos fins para alcançar o
internacionalização produtiva de desenvolvimento nacional, cujos limites
empresas transnacionais, e, do desenvolvimento capitalista
posteriormente, pela expansão de um brasileiro descortinavam seu contínuo
sistema financeiro internacional caráter dependente e subdesenvolvido.
associado às estas, criaram uma Mais do que um bloqueio passageiro,
integração comercial, financeira e que poderia ser suplantado a qualquer
tecnológica que colocaram em xeque momento pelo mero crescimento
tanto os sistemas econômicos nacionais econômico, instaurou-se nesse contexto
constituídos, quanto aqueles em uma relação inconciliável entre
construção. Abriu-se, então, uma crise dependência e desenvolvimento como 82
do desenvolvimento nacional em escala Furtado expôs em A Nova dependência
planetária, cujo surgimento de uma de 1982. As implicações desse marco
nova fase de acumulação capitalista, no histórico se apresentariam como um
entender do autor, se definia pela problema civilizacional, que na sua
transnacionalização do capital. essência se mostravam como uma
“construção interrompida” da formação
O período de desenvolvimento social brasileira (Brasil: a construção
capitalista da ditadura se combinava a interrompida, 1992). A gravidade dessa
esse processo global, uma vez que afirmação não restringiu, contudo, a
garantia maior liberdade para necessidade que o autor teve em
mobilidade do capital transacional na repensar novas condições de regulação
economia brasileira, especificamente na dos sistemas econômicos, mesmo agora
junção de interesses das filiais transnacionalizados. Com isso, ele
estrangeiras com o sistema financeiro insinuava formas de coordenação estatal
internacional, bem como na entre regiões periféricas, plurinacionais,
cristalização de uma sociedade de que permitissem um mínimo de
consumo elitista à custa do aumento da planejamento para se defenderem dos
desigualdade social. Enquanto a efeitos nocivos da integração econômica
industrialização constituía o dínamo que das grandes corporações.
alavancava as aspirações de uma elite –
submetida sistematicamente à Será nessa senda analítica que, embora
transnacionalização para defender a a obra de Furtado nos ofereça
rentabilidade de seus negócios e de seus importantes subsídios para entender os
padrões de vida – o desenvolvimento limites do desenvolvimento capitalista
brasileiro ante a continuidade das ser coerente com sua trajetória
contradições internas encarnadas por intelectual e política ele se manteve
transformações mundiais do preso às armadilhas do reformismo, e
capitalismo, também surgem os limites com isso equivocou-se ao projetar um
de sua interpretação. Um dos principais, certo capitalismo de inspiração social-
em nosso modo de ver, é que a democrata europeia em espaços
constituição do desenvolvimento periféricos e de origem colonial como o
capitalista brasileiro pressupunha não brasileiro. No entanto, mesmo que entre
apenas a criação de uma racionalidade a racionalidade instrumental e
instrumental que à medida que substantiva de Furtado não pudessem
avançasse poderia ser controlada por antever a racionalidade imperialista para
uma determinada racionalidade compreender os dilemas de nossa
substantiva. A forma com que a formação em sua totalidade, sua
racionalidade instrumental assumiu na contribuição toca em questões-chave do
história econômica brasileira se desenvolvimento, trazendo elementos
substanciou no papel do capital universais em sua obra que merecem
internacional na fase de implantação da tanto nossa investigação, quanto a
indústria brasileira, quando mesmo superação, se quisermos de fato lutar
criando os meios do desenvolvimento, por um mundo melhor.
os fins se subordinaram a sua
necessidade de valorização externa. A
dominação nasceu da própria Referências
articulação interna entre as classes FURTADO, C. M. A Pré-Revolução brasileira.
dominantes e o capital internacional, de Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1962.
modo a ensejar uma parceria sólida que 83
___________A Nova dependência: dívida
garantisse não apenas o padrão de vida externa e monetarismo. Rio de Janeiro: Paz e
similar ao centro, mas a realização de Terra, 1982.
lucrativos negócios, em que o Estado ___________Brasil: a construção interrompida.
brasileiro seria importante instrumento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

Ademais, o desenvolvimento capitalista ___________O Mito do desenvolvimento


econômico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1974.
brasileiro se comportou sempre
dependente das decisões do centro do
sistema e estratégico ao imperialismo Recebido em 2014-04-29
no contexto da Guerra Fria, sendo essa Publicado em 2014-11-
uma formulação estranha a Furtado. Ao

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