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Programa de Pós Graduação em Geografia

Disciplina: Espaço e Economia


Larissa Freitas dos Santos e Isabel Barroso de Souza

Resumo

O modo de produção capitalista gera diferenciações espaciais, á análise de tais


diferenciações no remete a discussão sobre o Desenvolvimento Geográfico Desigual,
iniciada com o marxismo e restabelecidas por importantes autores como Smith e
Harvey, servindo de respaldo para compreensão das dinâmicas geográficas em
diferentes esferas. Nesse sentido, o presente trabalho busca realizar uma sucinta
discussão a cerca do Desenvolvimento Geográfico Desigual, através das contribuições
de Smith (1984), Harvey (2004); e analisar a acumulação e espoliação presentes na
instalação do Complexo Portuário do Açu.

Introdução

O reconhecimento das desigualdades espaciais resultante das ações do sistema


capitalista ganhou volume nas produções teóricas nos últimos anos. É senso dentre tais
produções, a responsabilidade do capitalismo na transformação do espaço, que por
seguir uma lógica de acúmulo, é responsável por transformar lugares, integrando-os ou
excluindo em sua lógica mercantil, dessa forma, espaços que ora não oferecia vantagens
ao mercado, são transformados em verdadeiros centros econômicos, outros que estavam
inseridos no circuito produtivo nacional ou global, tornam-se obsoletos. Nesse sentido,
a burguesia, em sua lógica de expansão de mercado e do consumo, torna o espaço
desigual. Tal desigualdade não significa, apenas, uma conseqüência do sistema, mas
uma ferramenta que engrena sua própria reprodução.
Nos esforços para compreender a dinâmica do sistema e seu modo de
reprodução espacial, as concepções de Desenvolvimento Econômico Desigual são
tomadas e aprofundas. Segundo Theis (2009), foi com Lênin que essa leitura
consolidou-se, através de uma perspectiva econômica. Mais tarde, com Trotsky tais
interpretações adentram uma dimensão política, tornando-se a Lei do Desenvolvimento
Desigual e Combinado, e que na atualidade embasa diferentes análises sobre as formas
de produção capitalista e suas conseqüências no espaço. De acordo com o Theis (2009,
p.245), ressalta-se recentemente o papel do geógrafo na construção “teórica-
metodológica que busca captar a espacialidade do desenvolvimento desigual”.
Para Smith (1984), as contribuições geográficas não descartam outros aspectos
do processo, muito menos outras interpretações. Todavia a análise espacial do sistema
capitalista é reconhecida como fundamental, fazendo parte de um todo, o
desenvolvimento contraditório do capitalismo.
Para Havey (2004), os esforços de compreensão da produção desigual do espaço
externalizada é errônea, sendo necessário à análise do espaço como fruto de processos
sociais, que cria estruturas desiguais. Portanto o espaço é construído de forma relacional
e relativa, ao invés de um conjunto absoluto da ação social.
Partindo de tais pressupostos, a presente produção possui, além dessa
introdução, mais duas sessões. A primeira, busca realizar uma sucinta discussão a cerca
do Desenvolvimento Geográfico Desigual, através das contribuições de Smith (1984),
Harvey (2004), e também utilizar como exemplo de análise, as discussões apresentadas
por Leonici (2020), a cerca das diferenciações espaciais ocorridas pelas redes de
mercado do ramo atacadista. O segundo ponto de análise, configurado na segunda
sessão, busca analisar a acumulação e espoliação em diferentes esferas, que provocam o
desenvolvimento desigual, exemplificado através dos reflexos do megaempreendimento
do Porto do Açu, São João da Barra, Rio de Janeiro. Por fim, essa produção se encerra
com uma breve consideração final.

O Desenvolvimento Geográfico Desigual

Ao buscar compreensões sobre o Desenvolvimento Geográfico Desigual, os


trabalhos de Neil Smith e David Havey aparecem como alicerces. A discussão sobre o
Desenvolvimento Desigual, de ambos os autores, são presentes em distintas produções
dos mesmos, como também sendo respaldo teórico para outros inúmeros trabalhos que
buscam compreender as diferenças no espaço através da dinâmica sistêmica do modo de
produção capitalista em diferentes períodos. Em Smith (1984) e em Harvey (2004), as
reflexões a cerca do Desenvolvimento Desigual sobre uma perspectiva geográfica nos
mostra a necessidade de “Desnaturalizar”, no sentindo de ser reflexivo e perspicaz com
as concepções já construídas sobre as diferenças espaciais que se desenham no
território, resultando em desigualdades sociais. Essa leitura se evidência na discussão
apresentada por Smith (1984), a cerca da ultrapassagem da Geografia Comercial e
Regional e na discussão sobre as diferentes escalas geográficas realizada por Harvey
(2004).
Smith (1984), faz uma discussão sobre como inicialmente as diferenciações
espaciais foram atreladas a fatores naturais, que também estava relacionada á divisão do
trabalho. Contudo, o autor alerta que no sistema capitalista essa compreensão acidental
não contempla a explicação das diferenças espaciais dos últimos tempos, segundo Smith
(1984, p. 152) “em economias mais desenvolvidas a apropriação das vantagens naturais
deixa de ser acidental”. Ou seja, com a complexidade da atual fase do capitalismo, as
reflexões sobre as diferenças espaciais se justificam por distintas dinâmicas do sistema,
como o consumo produtivo do produto excedente e o progressivo desenvolvimento das
forças produtivas (SMITH, 1984).
Em Harvey (2004), as discussões sobre as produções de escalas ocorre pelas
ações sociais através da história e do tempo no espaço. O autor assim como Smith, não
nega a influencia das questões naturais, biológicas e ecossistêmicas em produção de
escalas. Contudo, é através das interações dinâmicas escalares dos processos naturais,
que a humanidade constrói as escalas. Como podemos observar em Harvey (2004, p.
108).
“Por interações dinâmica com aquilo que poderíamos chamar de planos
escalares de “processos naturais” que os seres humanos produzem e
concretizam suas próprias escalas para buscar a realização de suas metas e
organizar seus comportamentos coletivos” (HARVEY, 2004, p. 108).

Para o autor, as diferentes escalas revelam claramente uma série de efeitos e


processos que resultam em diferenças geográficas que abarcam distintas esferas da
realidade humana, como a utilização dos recursos naturais, nas formas políticas ou
culturais. Tal dinâmica forma um grande mosaico, composto de diferentes camadas de
processos históricos sobrepostos uns sobre os outros.
Segundo Harvey (2204), as escalas revelam a luta de classes configurada pela
divisão do trabalho, mesmo o capital tendendo a homogeneizar os processos sociais e
políticos, que podem aparecer, por exemplo, nas grandes instituições e organismos em
uma tendência globalizada.
Harvey (2004), ainda orienta que para a construção de uma análise das
diferenças geográficas é necessário uma leitura em distintas escalas, mesmo sendo essa
uma tarefa profunda e problemática. Essa necessidade ocorre devido ao caráter volátil e
dinâmico dos processos capitalistas dos últimos tempos, cuja capacidade de transformar
economias, política e culturas locais em global de forma dinâmica.
Para exemplificar o papel do capital nas diferenciações espaciais, citaremos um
exemplo, fruto das reflexões feitas por Leonici (2020). Nessa reflexão, podemos
compreender como o capital traz diferentes espacialidades que justificam a desigualdade
geográfica.
Começaremos pelo exemplo da produção de borracha e café (século XIX). A
borracha extraída na região Amazônica utilizou a força de trabalho incorporada ao
sistema capitalista de aviamento, ou seja, por um sistema de adiantamento de materiais
e crédito. As compras eram realizadas nos barracões. A movimentação de pessoas
ocorria através de pequenas embarcações pelos dos rios. A circulação monetária era
baixa, assim como a manufatura. Dessa forma, como podemos observar a exploração da
borracha não resultou no desenvolvimento de infra-estrutura ou atividades adjacentes.
Já a produção de café que também ocorreu dentro da dinâmica capitalista teve como
uma das formas de trabalho o colonato, que permitia aos trabalhadores produzirem
roças de subsidências, e a comercialização dos excedentes. Além do beneficiamento de
alguns produtos, como o arroz. A produção de café exigiu o desenvolvimento de uma
estrutura e de outras atividades, além do comércio, por fim também esteve ligada a
futura industrialização no sudeste (LEONICI, 2020)
Ao analisarmos tais economias desenvolvidas no Brasil, podemos observar que o
capital, nesse caso, expressado pela produção de commodities no mesmo século e país,
resultou em diferenciações espaciais pelas forças produtivas, como no caso, a diferença
no sistema de trabalho.

Acumulação e espoliação através do Complexo Portuário do Açu/ São João da


Barra, Rio de Janeiro.
Harvey (2006), une quatro condicionantes distintas para concretizar a teoria do
desenvolvimento geográfico desigual sob a dinâmica sistêmica do capitalismo. Tais
condicionantes convergem para integração entre as dimensões teóricas regionais, teorias
sociais temporais e teorias sociais espaciais, são elas: a) a inserção material do processo
de acumulação do capital na ‘teia da vida’ sócio-ecológica; b) acumulação do capital no
espaço e no tempo; c) a acumulação via espoliação e; d) conflitos nas diferentes escalas
geográficas. Esses elementos devem ser considerados, juntos, para o desenvolvimento
de uma teoria sobre o desenvolvimento geográfico desigual no capitalismo
(SANTIAGO; CARVALHO, 2015).
Dentre as condicionantes aqui supracitadas, o presente trabalho busca refletir
sobre a acumulação via espoliação, usando como exemplo o caso da implementação do
Complexo Portuário do Açu/ São João da Barra.
Harvey (2005), retoma a Marx referindo-se a acumulação primitiva, em que
Marx analisa as diferentes espoliações que o capitalismo realiza em conjunto com o
Estado, como, por exemplo, terras coletivas retiradas dos camponeses, a escravidão e as
taxações, inerentes ao período em que Marx analisou. Haverd (2005), atualiza tais
reflexões, compreendo as ações dos tempos atuais, como a magnitude do mercado
financeiro, que realiza espoliações; a continuação da escravidão, principalmente a
sexual; os diferentes casos de desapropriação; e também a mercantilização de bens antes
coletivos. Nesse sentido, Harvey (2005), compreende as complexas formas de
espoliação que servem como plano de fundo para análise da ação do capital sobre o
espaço geográfico.
O Complexo Portuário do Açu se enquadra nas vertentes à lógica de acumulação
por espoliação referida por Harvey (2005). Vamos aqui fragmentá-la a fim de
compreender os diferentes processos que corroboraram para as espoliações.
Primeiramente, o empreendimento foi implantado em conjunto, o setor privado e o
público se articularam nas esferas, federal, estadual e municipal para obter a legalidade
para sua execução, mesmo sobre descontentamentos e protestos das famílias de
agricultores e pescadores da região (LATINI, 2016).
Outro ponto refere-se à remoção, muitas vezes de forma arbitraria e violenta, das
famílias que ocupavam há décadas áreas que, pelo empreendimento, passariam a fazer
parte de toda logística portuária. Nesse processo, diferentes argumentos foram tomados
para justificar tais remoções, como terras improdutivas, vazios demográficos ou
impactos ambientais mínimos, todos questionáveis. O intuito era viabilizar as ações de
corporações conseguindo o controle do território, que inseriu as terras desapossadas em
sua lógica produtiva, servindo de especulação fundiária no aluguel para outras
empresas. Assim, ocorre o domínio da terra, dos recursos e do modo de reprodução dos
agricultores e pescadores.
Ainda utilizando o exemplo do Porto do Açu, podemos também citar a
acumulação por espoliação, através do domínio do empreendimento por um fundo
privado internacional, que hoje controla o empreendimento através da Prumo Logística
Global, tornando-se um empreendimento multinacional.

Considerações Finais

Com as discussões aqui realizadas foi possível identificar padrões complexos na


atuação do sistema capitalista, que alcançou na busca por acúmulo de capital e
expansão de mercado, uma configuração jamais ocorrida. Nesse cenário, as
desigualdades geográficas não são somente resultado do capitalismo, é também a forma
que o mesmo opera. Tal realidade é observada não somente em nosso tempo a exemplo
do caso do Complexo Portuário do Açu, mas é característica do capitalismo,
relembrando o exemplo da produção da borracha e do café no Brasil no século XIX.

Referencias
HARVEY, David. Espaços de Esperança. Trad. de Adail Ubirajara Sobral e Maria
Stela Gonçalves São Paulo: Edições Loyola, 2004.
HARVEY, David. O novo imperialismo. São Paulo: Ed. Loyola, 2ª edição, 2005
(tradução: Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves).
LATINI, J.R. A avaliação de impacto ambiental (AIA) enquanto instrumento
participativo e preventivo no contexto do neodesenvolvimentismo: o caso do
Complexo Logístico Industrial do Porto do Açu (CLIPA). 2016. 141 f. Dissertação
(Mestrado em Ecologia e Recursos Naturais) – Centro de Biociências e Biotecnologia,
Universidade Estadual do Norte Fluminense, Campos dos Goytacazes, 2016.
SMITH, Neil. Desenvolvimento desigual: natureza, capital e a produção de espaço.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, [1984] 1988.
THEIS, Ivo. Do desenvolvimento desigual e combinado ao desenvolvimento geográfico
desigual. Novos Cadernos. Blumenau, v. 12, n. 2, p. 241-252, dez. 2009. Disponível
em<
https://www.professor.ufrgs.br/sites/default/files/dagnino/files/theis_2009_desenvolvim
ento_desigual_combinado.pdf> Acesso em 28 de agosto de 2021.

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