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RESENHA: SMITH, Neil.

Desenvolvimento desigual: natureza, capital e a produção de espaço,


Trad. Eduardo de Almeida Navarro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, p. 109 – 217, 1988.

Neil Smith (1954-2012), foi geógrafo e professor de Antropologia e Geografia do


centro de pós-graduação da City University of New York (CUNY-EUA). Geógrafo marxista, é
considerado como um dos maiores geógrafos, pois suas contribuições acadêmicas têm se
expandido para além das fronteiras científicas da Geografia, alcançando áreas como a
Sociologia Urbana. Trabalhando como geógrafo, sua docência e produção científica abrangem
temas como Desenvolvimento Desigual, Natureza, Espaço, Capitalismo, Gentrificação,
Globalização e Escala. A produção geográfica de Neil Smith explorou principalmente a relação
entre a produção do espaço e a espacialização da economia capitalista.

No presente trabalho apresentaremos uma breve discussão sobre o capítulo Quatro


– Para uma Teoria do Desenvolvimento Desigual I: A Dialética da Diferenciação e da
Equalização Geográficas, pertencente ao livro “Desenvolvimento Desigual: Natureza,
Capital e Produção do Espaço” do autor Neil Smith, destacando os principais pontos neste
capítulo.

Para o autor, existem duas razões que explicam a emergência do desenvolvimento


desigual: a primeira, é através do ressurgimento do interesse geral pelo marxismo e; a segunda
através da nitidez dos contornos do processo em todas as escalas espaciais. Focando
principalmente no processo e no padrão de desenvolvimento desigual especificamente
capitalista, dotando o capitalismo de uma geografia própria e distintas dos demais processos
pré-capitalistas, destacando duas tendências opostas, para a diferenciação e para a equalização.
Tratando-se de um desenvolvimento desigual, como uma lei universal da história humana, é a
essência da contradição.

A tendência para a diferenciação trata-se dos níveis e as condições de


desenvolvimento se distinguem como função histórica da divisão do trabalho na sociedade,
assim, o autor afirma a relação existente entre a divisão espacial ou territorial do trabalho e o
conceito de divisão do trabalho. Retratando a própria divisão do trabalho como uma dinâmica
social (o consumo produtivo do produto excedente e o progressivo desenvolvimento das forças
produtivas) sendo possível explicar a mais profunda divisão do trabalho – entre agricultura e
indústria – e as subdivisões internas desses setores. Na agricultura, o autor ressalta a
inexistência de uma naturalidade principalmente promovida pela divisão social do trabalho, faz
com que haja diferenciação inerente à natureza, havendo consequentemente uma diferenciação
natural determinante da localização das determinadas atividades, ou seja, dividindo em
diferentes setores agrícolas.

Trazendo para a discussão, a geografia tradicional, aparecendo a crença


convencional das condições geográficas como ordenadoras, em diferentes graus, da localização
das atividades humanas. Em seguida, no princípio da vantagem natural, adotado pelas correntes
comerciais e regionais da geografia, ressalta-se os princípios relativos ao modo pelo qual as
vantagens naturais ditavam a divisão territorial do trabalho, deste modo, Smith considera
incapaz de explicar corretamente a quantidade ou a qualidade do desenvolvimento subsequente
de um desenvolvimento inicial, o que torna a ideia em uma mera meia-verdade. O autor
desconsidera as explicações para a localização geográfica oriundas simplesmente da lógica das
vantagens naturais a partir do momento em que observa o efetivo desenvolvimento das forças
produtivas sob o capitalismo, o encurtamento das distâncias – com o aprimoramento dos meios
de transporte – e a facilidade de acesso às matérias-primas. Tratava-se mais de uma questão de
logística.

O autor defende que a centralização e concentração do capital é proveniente em


ambientes socialmente construídos e em função dos processos de acumulação do capital.
Trazendo consequências fundamentais como o nivelamento das diferenças naturais, tornam-se
um fator insignificante na localização das atividades econômicas, que de certa forma, a divisão
territorial radicada nos processos de diferenciações naturais subsiste, mas como um fato. Em
que sua manutenção se dá apenas pelos processos relacionados à acumulação de capital. Como
ressalta o autor que a geografia espacial é socialmente produzida, e não mais um padrão natural
recebido.

Assim, Smith incorpora em sua análise a sistematização que Marx fez em relação a
divisão social do trabalho, desde suas raízes naturais até a divisão fundamentada o que ampara
o capitalismo. Destacando então, três escalas separadas nas quais ocorreu a divisão do trabalho:
Divisão Geral do Trabalho (a divisão entre atividades principais, tais como a indústria e a
agricultura); a Divisão do Trabalho Particular (as várias subdivisões entre diferentes setores das
divisões gerais) e; a Divisão Específica do Trabalho (que ocorre na fábrica entre diferentes
processos específicos de trabalhos). O autor ressalta também que Marx considera como fator
de diferenciação social a divisão do capital, assim, divide a economia em dois setores: um
dedicado à produção de meios de produção e; à produção de meios de subsistência. Juntando a
teorização de Marx sobre a distinção entre capitais individuais, possibilitou a Smith a realização
de uma divisão da economia em três escalas, no intuito de explicar parte da relação existente
entre a divisão do capital e a divisão do trabalho, sendo elas: em departamentos (os quais se
diferenciam uns dos outros em razão do valor de uso dos seus produtos no processo de
reprodução do capital), em setores (diferenciados pelo valor de uso imediato de seus produtos)
e em unidades individuais ( a qual não se relaciona, em medida alguma, com a divisão do
trabalho, ainda que seja imposta historicamente sobre a acumulação do capital).

Em consequência, surgem quatro escalas onde ocorrem a diferenciação social, em


função do aparecimento conjunto da divisão do trabalho e da divisão do capital. Que se
destacam na determinação da diferenciação da geografia espacial: a divisão social geral do
trabalho (e do capital) em diferentes departamentos, a divisão do trabalho (e do capital) em
diferentes setores particulares, a divisão do capital social entre diferentes capitais individuais e
a divisão específica de trabalho no interior da fábrica. Em suma, a divisão específica do trabalho
tem pouca relação com a diferenciação social, sendo predominante uma questão de escala
espacial, pois a divisão geral do trabalho, como a anterior, não determina diretamente o padrão
de diferenciação espacial. Nesta escala, o capitalismo esta historicamente baseado na
diferenciação entre indústria e agricultura, na separação da cidade do campo. Enquanto às duas
escalas restantes, cabe ressaltar que são as mais relevantes, visto que na escala da divisão pelos
capitais individuais, o processo de diferenciação é de forma direta, o que leva a concentração e
centralização do capital em lugares específicos; já na escala da divisão particular do trabalho,
mesmo que de forma indireta em relação à anterior, há o movimento do capital que assume
dimensões espaciais específicas, na medida da atração de montante de capital por localidades
particulares.

Desta forma, Neil Smith considera importante e necessário entender de forma


profunda a afirmação de que o espaço global é produzido como espaço relativo. A visão de
Marx em relação a esta constatação, é sob a ótica do processo de circulação do capital,
destacando a circulação de forma contínua no espaço e no tempo, e juntamente a visão de
Engels, verifica-se a necessidade que o capital tem de se expandir de forma constante, por meio
do mercado dos produtos, fazendo com que a burguesia se dissemine por todas as localidades,
vinculando-se em toda parte. Smith, recorda que Marx pondera sobre a função selecionadora
de capital, ressaltando a exigência de que cada esfera de produção deve ser igualmente dotada
de condições semelhantes de exploração do trabalho.
Então, para Smith, a produção global do espaço relativo, é de fato a existência de
uma tendência que igualiza as condições de produção e do nível de desenvolvimento das forças
produtivas. Consequentemente emerge, a aniquilação do espaço pelo tempo. A tendência para
a igualização é um fator realmente concreto na determinação do desenvolvimento desigual,
principalmente quando considerada em conjunto com a contradição resultante da dinâmica
existente entre as duas tendências.

Em seguida, o autor destaca a importância do sentido atribuído ao capital fixo, dada


a dependência da acumulação de capital na produção e no reinvestimento dos valores
excedentes. O desenvolvimento e o aperfeiçoamento de novas tecnologias, que são fator de
expansão do capital e impulsionador do desenvolvimento. Para Marx, o desenvolvimento pleno
do capital ocorre na medida em que o processo de produção é desvinculado da habilidade inata
ao trabalhador e passa a ser aplicação tecnológica da ciência, ou seja, quando há a substituição
do trabalhador pela máquina, o que vem a transformando a própria ciência se torna um negócio,
investindo em seu aprimoramento para que cada vez mais possa ser possível essa substituição.
A consequência final, neste caso, é que a relatividade da localização geográfica, à medida que
o capital fixo atinge a esfera central de produção, é cada vez mais determinada pelos
comportamentos de investimento fixo.

Smith conclui com a afirmação que ambas as tendências, diferenciação e


equalização, são inerentes à dinâmica social do capital – sendo a relação entre elas um fator
determinante para a produção de uma geografia global específica. No entanto, há uma
diferenciação entre elas, já que, a tendência para a igualização é diretamente ligada ao mercado
mundial a ao processo de circulação, podendo haver a anulação do espaço pelo tempo, e na qual
existe a criação de uma equivalência social. No que tange às particularidades, a circulação é
fruto da produção capitalista dotado de uma igualização das condições de trabalho, sendo este
um fator universal tanto do trabalho abstrato quanto da própria tendência para a diferenciação.

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