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INTRODUÇÃO
O século XX foi marcado por intensas transformações nas relações sociais, econômicas,
políticas e culturais. No livro “A era dos extremos”, de Eric Hobsbawn, o século XX foi
marcado por diversos eventos que alteraram o percurso da história da civilização; as
indústrias modificaram seus processos de produção, duas guerras mundiais mataram
milhares de pessoas (além da guerra ideológica, como a Guerra Fria), regimes políticos
foram instaurados, destruídos e substituídos, países cresceram economicamente e
sofreram crises devastaram não somente sua estabilidade financeira como provocou
prejuízos em outras nações. As nações desenvolvidas sofreram com os impactos das
crises financeiras e com as devastações resultantes das guerras, e os reflexos dessas
mudanças alcançaram os países subdesenvolvidos. O Brasil, a partir do século XX
passou a desenvolver mais intensamente as atividades industriais (SANTOS e
SILVEIRA, 2001, p. 56) fato este que desencadeou uma série de alterações nos padrões
urbanos, sociais, culturais, e econômicos. Atualmente, o país já conquistou alguns
setores da economia mundial, porém, mesmo que os avanços na economia, nas
atividades industriais e de serviços sejam expressivos, não se pode esquecer que o
mesmo ainda é marcado pelas desigualdades sociais e estas não podem ser
simplesmente ignoradas.
Diante a estas mudanças, é possível afirmar que o espaço foi o protagonista destas
inúmeras transformações, abrigando mais pessoas, residências, empresas, pontos de
lazer, ruas, avenidas, bancos, hospitais, escolas. Em pouco tempo e foi destruído,
construído, modificado e permanece em constante construção. Com base nestas
mudanças nos padrões espaciais e sociais que Milton Santos trabalhou com os conceitos
de fixos e fluxos, de modo que estes termos explicariam as formas espaciais existentes
na sociedade globalizada, além de se tratar de um exercício epistemológico, no qual o
autor buscaria compreender esta nova realidade, baseando-se nas raízes da história, da
filosofia e, claro, da própria Geografia. Não obstante da abordagem e exemplificação do
conceito de fixos e fluxos, este trabalho se propõe a entender como estes dois conceitos
se aplicam na dinâmica dos circuitos inferiores e circuitos superiores da economia, no
qual o mesmo autor busca, a partir da teoria dos circuitos, compreender como as
atividades econômicas se estabelecem e se fortalecem nos diferentes espaços e como
cada um destes circuitos utilizam e se beneficiam com os fixos e fluxos disponíveis.
Trata-se, portanto, de um exercício metodológico e teórico.
Milton Santos apresenta, em diversas de suas obras (“A natureza do espaço”, “Técnica,
Espaço, Tempo – Globalização e Meio Técnico Científico Informacional”, “O espaço
do Cidadão”, e “O espaço dividido”, “Metamorfoses do Espaço Habitado”), o conceito
de fixos e fluxos para compreender de que maneira estes elementos podem ser agentes
transformadores do espaço, e de que forma refletem os “avanços” e “retrocessos” das
técnicas ao longo do tempo. Entendem-se como fixos, de acordo com Santos (1994), os
objetos materiais, isto é, aquilo que é concreto, material, que sofreu um processo de
transformação ou criação humana e passou a adquirir uma função, um sentido. Por
exemplo, a madeira em si é apenas um recurso presente na natureza, porém, ao ser
transformado pelo homem, por meio da técnica, passa a adquirir um sentido, torna-se
um objeto que desempenha determinada função. De tal maneira, o espaço é construído
por estes fixos, que são as casas, portos, armazéns, plantações, fábricas, dentre outros
(SANTOS, 2007, pág. 82). Além disso, Santos (2007, p.142) faz outras considerações a
cerca dos fixos, principalmente no que se trata dos fixos públicos e privados dentro do
espaço urbano, no qual o autor afirma que
“Os fixos são econômicos, sociais, culturais, religiosos, etc. Eles são, entre
outros, pontos de serviço, pontos produtivos, casas de negócios, hospitais,
casas de saúde, ambulatórios, escolas, estádios, piscinas, e outros lugares de
lazer. Mas se queremos entender a cidade não apenas como um grande objeto,
mas como um modo de vida, há que distinguir entre os fixos públicos e os fixos
privados. Estes são localizados segundo a lei da oferta e da procura, que regula
também os preços a cobrar. Já os fixos públicos se instalam segundo os
princípios sociais, e funcionam independentemente das exigências do lucro”.
Com base nesta reflexão, entende-se que os fixos estão presentes nas esferas sociais e
econômicas e em suas mais variadas formas. O conceito de fluxo também está
relacionado a ações, ao movimento, a prática e que é entendido como uma força que dá
dinâmica aos fixos. Santos (2008, p.62) admite que “Os fluxos são um resultado direto
ou indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos, modificando a sua
significação e o seu valor, ao mesmo tempo em que, também, se modifica”. Fora isso,
não se pode esquecer que “Os fluxos não tem a mesma rapidez. A velocidade de uma
carta não é a de um telegrama, um telex, um fax. Os homens não percorrem as mesmas
distâncias no tempo, dependendo dos meios com que contam.” (SANTOS, 2008, p.104).
Ou seja, os fluxos podem ser entendidos como uma ação que permite o desempenho das
funções dos fixos.
Estudar fixos e fluxos separadamente é uma tarefa extremamente difícil, pois ambos
estão interligados e atuam em completa sinergia. É possível notar, portanto, que fixos e
fluxos estão interligados, apesar de cumprir papéis diferentes e de dependerem da ação
de fatores históricos e sociais. Neste contexto, pode-se entender como fluxos aquilo que
dá movimento aos fixos, que não é propriamente concreto, mas que depende deste para
existir; está presente no campo das comunicações, das ações que fazem com que os
fixos se comuniquem com outros fixos, e também estabeleça relações com outros
fluxos. Santos (2006, p.121) admite que “Os fixos e fluxos, interagindo, expressam a
realidade geográfica e é desse modo que conjuntamente aparecem como um objeto
possível para a Geografia”. Ou seja, os fixos e fluxos retratarão a realidade, acentuando
as singularidades e semelhanças dos lugares na análise geográfica.
A teoria dos dois circuitos da economia abordada nesta obra é, portanto, uma
contribuição do autor para a discussão do processo de transformação radical e intensa
do espaço, em especial nos países em desenvolvimento, pois segundo ele, as raízes dos
problemas espaciais e sociais estão centradas no processo de subdesenvolvimento,
causado pela ânsia (e talvez por necessidade) de se inserir no mercado mundial. No caso
brasileiro, as mudanças sócio-espaciais no século XX tornam-se evidentes também pela
chegada de grandes grupos empresariais, responsáveis por promover tanto o
crescimento econômico e inserção do país no mercado mundial quanto por resultar na
geração de mão de obra excedente, principalmente nos centros urbanos, que busca os
mais diversos meios para sobreviver. De tal forma, Santos (2008) explica que
Com base nestas mudanças econômicas que atingiram a estrutura espacial do Brasil, as
disparidades sociais tornam-se ainda mais visíveis; com isso, despertou-se a vontade de
entender como as esferas da sociedade buscam meios para se organizar e se sustentar
que Santos constrói a teoria dos circuitos, que também se propunha a ampliar a
discussão do planejamento urbano e regional.Antes de partir para a classificação dos
dois circuitos, torna-se necessário salientar que cada circuito se define por seus
conjuntos de atividades realizadas em determinados contextos econômicos, sociais e
históricos, além das classes sociais que se ligam a eles essencialmente pela atividade
produtiva, status social e consumo.
O circuito inferior, por sua vez, pode ser entendido como o contraste do circuito que foi
descrito anteriormente; é, portanto, a expressão da população que, por não contar com
os serviços que o Estado deveria, por lei, assegurar a todos, buscar meios e alternativas
para garantir sua sobrevivência, principalmente diante da realidade de um país marcado
pela desigualdade social. É notória a presença de fixos e fluxos bem distintos daqueles
presentes no circuito superior. Os instrumentos de produção são pouco modernos, além
de serem relativamente baratos e o volume produzido atende apenas uma pequena
demanda e sua clientela está restrita a uma escala local.
É por isso que a busca por dinheiro líquido neste circuito é tão forte e intenso. Mesmo
com a popularização das máquinas de cartão de crédito, ainda é muito presente a
demanda por esta forma de capital. Este torna-se necessário para a circulação do capital
e manutenção dos estabelecimentos. Outra característica marcante deste circuito é a
prática do “fiado”, isto é, o cliente compra para pagar quinzenalmente ou mensalmente.
O comerciante ou fabricante anota o que e quando o cliente comprou como se fosse uma
espécie de crediário informal. Muitos estabelecimentos conseguem conviver bem com
esta prática, entretanto, pela falta de informações pessoais e de recursos efetivos de
cobrança, muitos proprietários acabam se afundando em dívida devido à inadimplência
de seus clientes, decretando estado de falência.
E por falar sobre população, uma observação precisa ser feita referente aos dois
circuitos: a classe média se abastece tanto dos serviços e produtos que se enquadra no
circuito superior da economia, como depende (e em alguns casos prefere) contar com os
serviços realizados pelas atividades do circuito inferior da economia. A título de
exemplo, um indivíduo de classe média comprará roupas em lojas de grife, porém, na
hora de comprar alimentos, o mesmo poderá buscar os supermercados que apresentarem
promoções. Com isso, pode-se afirmar que a classe média está presente nos dois
circuitos da economia. Percebe-se, a partir dos fatores aqui apresentados, que no
circuito inferior os fixos são dinâmicos, criativos e mais humanos, e revelam muitas
vezes as condições de socioeconômicas da população. São os fixos que apontam o
descaso do Estado para com esta parcela da população, a falta de posicionamento
político da sociedade, os meios alternativos de subsistência e ao mesmo tempo de
resistência criados por este público. Neste circuito, os fluxos comerciais ainda são muito
mais pessoais do que informatizados, e apesar da chegada de “novas moedas”, como é o
caso do cartão de crédito as trocas monetárias ainda se concentram na circulação da
moeda. Da mesma maneira que os fixos e fluxos são diferentes entre si e que tornam-se
mais singulares ainda de lugar para lugar, estes tornam-se os principais agentes
responsáveis pela caracterização destes dois circuitos que comandam a economia dos
países subdesenvolvidos. São os fixos e fluxos que constroem estes cenários
econômicos tão diversos, complexos e dinâmicos, que se excluem e se unem, que
calcados em um processo histórico, constroem e consolidam estes circuitos.
Diante dos temas aqui expostos, seria injusto se apresentasse uma conclusão, pois este
assunto não está, nem de longe, pronto para ser finalizado. De antemão já deixo claro a
necessidade mais que latente que, nós geógrafos, temos que nos dedicar sempre que
possível às discussões e reflexões teóricas, pois são estas que nos norteiam durante o
contato com a realidade, com um mundo que muitas vezes está distante de nós (ou será
que nós é que estamos cada vez mais distante dele?). Relacionar fixos e fluxos e a teoria
dos circuitos é uma das formas de se identificar a formação de diferentes espaços, como
estes se comunicam e como a população se expressa e se relaciona com os espaços, que
podem ser o bairro, a rua, a cidade, o país. Sendo assim, alguns questionamentos
surgiram no término deste artigo, e que apontarei aqui como parte das minhas
considerações:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
SANTOS, Milton. A natureza do Espaço: Tempo e Técnica, Razão e Emoção. São
Paulo: Edusp, 2006.
SANTOS, Milton. O espaço dividido: Os dois circuitos da economia urbana dos
países subdesenvolvidos. São Paulo: Edusp, 2008.
SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. São Paulo: Edusp, 2007.SANTOS, Milton.
Técnica, Espaço, Tempo: Globalização e Meio técnico-científico informacional. São
Paulo: Editora Hucitec, 1994.
SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: Território e sociedade no
início do século XXI. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001.
Fusão entre Sadia e Perdigão cria gigante do setor de alimentos. Exame. Disponível em:
http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/fusao-de-sadia-e-perdigao-cria-gigante-do-
setor-de-alimentos-2?page=1. Acesso em 17 de fevereiro de 2014