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A REPRESENTAÇÃO DOS FIXOS E FLUXOS NO CIRCUITO SUPERIOR E

CIRCUITO INFERIOR NA ECONOMIA BRASILEIRA

Jessica Oliveira Barbosa


Universidade Federal de Uberlândia – Campus Pontal – Curso de Geografia
Email: jessica_oliveirabarbosa09@yahoo.com.br

INTRODUÇÃO

O século XX foi marcado por intensas transformações nas relações sociais, econômicas,
políticas e culturais. No livro “A era dos extremos”, de Eric Hobsbawn, o século XX foi
marcado por diversos eventos que alteraram o percurso da história da civilização; as
indústrias modificaram seus processos de produção, duas guerras mundiais mataram
milhares de pessoas (além da guerra ideológica, como a Guerra Fria), regimes políticos
foram instaurados, destruídos e substituídos, países cresceram economicamente e
sofreram crises devastaram não somente sua estabilidade financeira como provocou
prejuízos em outras nações. As nações desenvolvidas sofreram com os impactos das
crises financeiras e com as devastações resultantes das guerras, e os reflexos dessas
mudanças alcançaram os países subdesenvolvidos. O Brasil, a partir do século XX
passou a desenvolver mais intensamente as atividades industriais (SANTOS e
SILVEIRA, 2001, p. 56) fato este que desencadeou uma série de alterações nos padrões
urbanos, sociais, culturais, e econômicos. Atualmente, o país já conquistou alguns
setores da economia mundial, porém, mesmo que os avanços na economia, nas
atividades industriais e de serviços sejam expressivos, não se pode esquecer que o
mesmo ainda é marcado pelas desigualdades sociais e estas não podem ser
simplesmente ignoradas.

Diante a estas mudanças, é possível afirmar que o espaço foi o protagonista destas
inúmeras transformações, abrigando mais pessoas, residências, empresas, pontos de
lazer, ruas, avenidas, bancos, hospitais, escolas. Em pouco tempo e foi destruído,
construído, modificado e permanece em constante construção. Com base nestas
mudanças nos padrões espaciais e sociais que Milton Santos trabalhou com os conceitos
de fixos e fluxos, de modo que estes termos explicariam as formas espaciais existentes
na sociedade globalizada, além de se tratar de um exercício epistemológico, no qual o
autor buscaria compreender esta nova realidade, baseando-se nas raízes da história, da
filosofia e, claro, da própria Geografia. Não obstante da abordagem e exemplificação do
conceito de fixos e fluxos, este trabalho se propõe a entender como estes dois conceitos
se aplicam na dinâmica dos circuitos inferiores e circuitos superiores da economia, no
qual o mesmo autor busca, a partir da teoria dos circuitos, compreender como as
atividades econômicas se estabelecem e se fortalecem nos diferentes espaços e como
cada um destes circuitos utilizam e se beneficiam com os fixos e fluxos disponíveis.
Trata-se, portanto, de um exercício metodológico e teórico.

CONCEITO DE FIXOS E FLUXOS

Milton Santos apresenta, em diversas de suas obras (“A natureza do espaço”, “Técnica,
Espaço, Tempo – Globalização e Meio Técnico Científico Informacional”, “O espaço
do Cidadão”, e “O espaço dividido”, “Metamorfoses do Espaço Habitado”), o conceito
de fixos e fluxos para compreender de que maneira estes elementos podem ser agentes
transformadores do espaço, e de que forma refletem os “avanços” e “retrocessos” das
técnicas ao longo do tempo. Entendem-se como fixos, de acordo com Santos (1994), os
objetos materiais, isto é, aquilo que é concreto, material, que sofreu um processo de
transformação ou criação humana e passou a adquirir uma função, um sentido. Por
exemplo, a madeira em si é apenas um recurso presente na natureza, porém, ao ser
transformado pelo homem, por meio da técnica, passa a adquirir um sentido, torna-se
um objeto que desempenha determinada função. De tal maneira, o espaço é construído
por estes fixos, que são as casas, portos, armazéns, plantações, fábricas, dentre outros
(SANTOS, 2007, pág. 82). Além disso, Santos (2007, p.142) faz outras considerações a
cerca dos fixos, principalmente no que se trata dos fixos públicos e privados dentro do
espaço urbano, no qual o autor afirma que

“Os fixos são econômicos, sociais, culturais, religiosos, etc. Eles são, entre
outros, pontos de serviço, pontos produtivos, casas de negócios, hospitais,
casas de saúde, ambulatórios, escolas, estádios, piscinas, e outros lugares de
lazer. Mas se queremos entender a cidade não apenas como um grande objeto,
mas como um modo de vida, há que distinguir entre os fixos públicos e os fixos
privados. Estes são localizados segundo a lei da oferta e da procura, que regula
também os preços a cobrar. Já os fixos públicos se instalam segundo os
princípios sociais, e funcionam independentemente das exigências do lucro”.

Com base nesta reflexão, entende-se que os fixos estão presentes nas esferas sociais e
econômicas e em suas mais variadas formas. O conceito de fluxo também está
relacionado a ações, ao movimento, a prática e que é entendido como uma força que dá
dinâmica aos fixos. Santos (2008, p.62) admite que “Os fluxos são um resultado direto
ou indireto das ações e atravessam ou se instalam nos fixos, modificando a sua
significação e o seu valor, ao mesmo tempo em que, também, se modifica”. Fora isso,
não se pode esquecer que “Os fluxos não tem a mesma rapidez. A velocidade de uma
carta não é a de um telegrama, um telex, um fax. Os homens não percorrem as mesmas
distâncias no tempo, dependendo dos meios com que contam.” (SANTOS, 2008, p.104).
Ou seja, os fluxos podem ser entendidos como uma ação que permite o desempenho das
funções dos fixos.

Estudar fixos e fluxos separadamente é uma tarefa extremamente difícil, pois ambos
estão interligados e atuam em completa sinergia. É possível notar, portanto, que fixos e
fluxos estão interligados, apesar de cumprir papéis diferentes e de dependerem da ação
de fatores históricos e sociais. Neste contexto, pode-se entender como fluxos aquilo que
dá movimento aos fixos, que não é propriamente concreto, mas que depende deste para
existir; está presente no campo das comunicações, das ações que fazem com que os
fixos se comuniquem com outros fixos, e também estabeleça relações com outros
fluxos. Santos (2006, p.121) admite que “Os fixos e fluxos, interagindo, expressam a
realidade geográfica e é desse modo que conjuntamente aparecem como um objeto
possível para a Geografia”. Ou seja, os fixos e fluxos retratarão a realidade, acentuando
as singularidades e semelhanças dos lugares na análise geográfica.

OS FIXOS E FLUXOS E SUA ATUAÇÃO NO CIRCUITO SUPERIOR E


CIRCUITO INFERIOR DA ECONOMIA.
Como já foram abordados os conceitos de fixos e fluxos, evidentemente de forma breve,
tendo em vista que as discussões a cerca destes conceitos já foram trabalhados ao longo
da trajetória acadêmica de Milton Santos e também em diversos trabalhos de outras
autorias, optou-se por relacionar as características da teoria dos dois circuitos da
economia com as abordagens sobre fixos e fluxos. Em seu livro “O espaço dividido”,
escrito em 1970, Santos apresenta uma análise sobre os reflexos do processo de
modernização tecnológica que assolaram os países em desenvolvimento, destacando os
papéis políticos e econômicos responsáveis pelo processo de urbanização destacando os
processos que acentuaram as disparidades sociais e as relações de dependência
financeira e tecnológica destes países em detrimento das nações desenvolvidas.

A teoria dos dois circuitos da economia abordada nesta obra é, portanto, uma
contribuição do autor para a discussão do processo de transformação radical e intensa
do espaço, em especial nos países em desenvolvimento, pois segundo ele, as raízes dos
problemas espaciais e sociais estão centradas no processo de subdesenvolvimento,
causado pela ânsia (e talvez por necessidade) de se inserir no mercado mundial. No caso
brasileiro, as mudanças sócio-espaciais no século XX tornam-se evidentes também pela
chegada de grandes grupos empresariais, responsáveis por promover tanto o
crescimento econômico e inserção do país no mercado mundial quanto por resultar na
geração de mão de obra excedente, principalmente nos centros urbanos, que busca os
mais diversos meios para sobreviver. De tal forma, Santos (2008) explica que

“A existência de uma massa de pessoas com salários muito baixos ou


vivendo de atividades ocasionais, ao lado de uma minoria com rendas
muito elevadas cria na sociedade urbana uma divisão entre aqueles que
podem ter acesso de maneira permanente aos bens e serviços oferecidos
e aqueles que, tendo as mesmas necessidades, não tem condições de
satisfazê-las. Isso cria ao mesmo tempo diferenças quantitativas e
qualitativas no consumo. Essas diferenças são a causa e efeito da
existência, ou seja, da criação ou da manutenção, nessas cidades, de
dois circuitos de produção, distribuição e consumo dos bens e serviços.”
(p.37)

Com base nestas mudanças econômicas que atingiram a estrutura espacial do Brasil, as
disparidades sociais tornam-se ainda mais visíveis; com isso, despertou-se a vontade de
entender como as esferas da sociedade buscam meios para se organizar e se sustentar
que Santos constrói a teoria dos circuitos, que também se propunha a ampliar a
discussão do planejamento urbano e regional.Antes de partir para a classificação dos
dois circuitos, torna-se necessário salientar que cada circuito se define por seus
conjuntos de atividades realizadas em determinados contextos econômicos, sociais e
históricos, além das classes sociais que se ligam a eles essencialmente pela atividade
produtiva, status social e consumo.

O Circuito Superior é notoriamente marcado pelas relações impessoais no processo


produtivo e de vendas, pois não há laços de familiaridade ou de proximidade entre o
empregado e o objeto, entre o vendedor e a mercadoria. Uma das justificativas são os
próprios volumes de produtos fabricados que, dependendo da empresa, ultrapassa o
limite dos milhões de unidades de produtos fabricados por dia ou por mês. Os
empregados e vendedores não veem sua produção como um processo criativo próprio, e
sim como mercadorias que irão abastecer os mais diversos e desconhecidos mercados
consumidores. O capital, neste caso, circula cada vez mais rápido, possibilitando novos
investimentos e maior produção. Santos (2008) aborda o papel das instituições
financeiras na consolidação das atividades deste circuito; segundo ele “O banco cobre o
conjunto das atividades do circuito superior que controla direta ou indiretamente em seu
próprio nome ou como representante de instituições de créditos no país ou no exterior.”
(p.106).

O banco está relacionado com o crescimento e desenvolvimento dos grupos


empresariais. Para os grandes investidores, o banco oferece linhas de crédito,
empréstimos e financiamentos, principalmente para aqueles que estão ligados à
atividade comercial e industrial, além das atividades agrícolas, salvo aquelas voltadas
para a exportação. O Estado é outro agente responsável pelo fortalecimento do circuito
superior; este atua como um empreendedor e contribui de diversas maneiras para o
crescimento e desenvolvimento deste circuito, uma vez que canaliza muitos de seus
investimentos em infraestrutura para facilitar o processo de produção e escoamento de
mercadorias. O processo produtivo que se enquadra neste circuito é caracterizado pela
forte utilização e mesmo dependência de recursos tecnológicos, tais como máquinas,
robôs, sistemas computadorizados, dentre outros. É justamente este aparato técnico que
permitirá que a empresa produza em maiores quantidades, menor tempo e a menores
preços.

O investimento em tecnologias possibilita a redução no quadro de funcionários, uma


vez que são as máquinas que desempenham as principais funções, enquanto o
funcionário fica responsável apenas por comandar ou fiscalizá-la. Como consequência
destes avanços tecnológicos, os grandes grupos foram obrigados a mudarem seus
padrões de contratação; com isso, os candidatos que disputam por vagas em cargos altos
dentro da empresa precisam apresentar especializações em determinadas áreas,
preparados para enfrentarem desafios e serem flexíveis diante das crises. O resultado é a
contratação de funcionários mais aptos profissionalmente que recebem maiores salários
e não são facilmente substituíveis, enquanto aqueles que não possuem grau de
escolaridade ou especialização profissional acabam ocupando cargos mais braçais
recebem menores salários e, em períodos de instabilidade financeira, são os primeiros a
serem demitidos.

Ressalta-se ainda o papel das universidades e institutos tecnológicos em conjunto com


as empresas; há casos em que os próprios grupos empresariais estabelecem parcerias
com as universidades no intuito de contar exclusivamente com uma equipe que busca,
diariamente, novas formas de aprimorar o processo produtivo por meio de novas
tecnologias. Além desta situação, as próprias instituições de ensino superior promovem
o incentivo a pesquisa como forma de trazer para a sociedade novas descobertas,
fórmulas, produtos, ideias e conceitos. Não podemos nos esquecer das fusões entre as
empresas, no qual grandes grupos se unem por meio de fusões, com o objetivo de
reduzir a concorrência e criar grandes monopólios. No ano de 2009 ocorreu a fusão
entre as empresas alimentícias Perdigão e Sadia que neste período, segundo os dados da
revista exame.com, dominavam “57% do mercado brasileiro de carne, 69% dos
congelados de carne, 82% das massas prontas e 78% de pizzas congeladas”.
Relacionando este exemplo com a discussão sobre o circuito superior, nota-se a atuação
significativa dos grandes grupos na economia do país, a criação de monopólios em
determinados segmentos e a quantidade de capital investida nestas negociações.

O marketing é um dos instrumentos muito utilizados neste circuito para atrair


consumidores e já se consolidou como uma estratégia de vendas adotada pelos grandes
grupos empresariais. A popularização da internet fez com que as propagandas
ganhassem espaço nas inúmeras páginas de sites, blogs, redes sociais e emails. É tanto
que diversos produtos vêm com anúncios como “conheça nossa página no facebook”,
“não deixe de comentar em nossa página do twitter” ou “visite o nosso site”. Neste
circuito, portanto, os fixos dependem, basicamente, do capital e são marcados pela
tecnologia; além disso, os fixos tornam-se símbolos de poder e status, destacando mais
as desigualdades sociais. As informações que circulam nas redes (fluxos) ganharam
mais espaços no cotidiano das pessoas; as notícias circulam, por meio da internet, numa
velocidade impressionante graças ao número de dispositivos conectados em rede. Os
espaços são pensados a atender as necessidades destes grupos que compõe este circuito;
as cidades o reflexo da reprodução do capital por meio da produção e consumo,
resultando em sérios problemas urbanos e sociais.

O circuito inferior, por sua vez, pode ser entendido como o contraste do circuito que foi
descrito anteriormente; é, portanto, a expressão da população que, por não contar com
os serviços que o Estado deveria, por lei, assegurar a todos, buscar meios e alternativas
para garantir sua sobrevivência, principalmente diante da realidade de um país marcado
pela desigualdade social. É notória a presença de fixos e fluxos bem distintos daqueles
presentes no circuito superior. Os instrumentos de produção são pouco modernos, além
de serem relativamente baratos e o volume produzido atende apenas uma pequena
demanda e sua clientela está restrita a uma escala local.

A produção neste circuito ainda apresenta traços muito característicos da atividade


artesanal; o número de pessoas empregadas é relativamente pequeno, dependendo da
atividade realizada. Geralmente, no momento da contratação, o proprietário do
estabelecimento comercial ou fabril dá preferência às pessoas da família, amigos,
vizinhos, ou pessoas indicadas por estes grupos. Em geral, os funcionários são
contratados para desempenhar múltiplas funções, pois o empregador não tem condições
de dispor e pagar o salário de uma grande equipe de trabalhadores, pois isso implicaria
em menores valores de lucros. Neste caso, uma funcionária que trabalha como caixa de
uma pequena padaria pode ser, por exemplo, responsável pela compra dos materiais,
contabiliza os gastos, realiza o pagamento dos demais funcionários e ajuda na
organização do ambiente.

A questão salarial dos trabalhadores deste circuito ainda é problemática. Primeiro,


porque os salários geralmente tem como base o salário mínimo, e é incontável o número
de empregados que trabalham muito para receberem apenas um salário; a rotatividade
de contratação é alta, pois o trabalhador está sempre em busca um emprego ou salário
melhor, sem se falar dos empregados temporários que, após concluírem seu contrato,
podem ficar meses desempregados. Esta mão de obra excedente, sem estudo e/ou
qualificação profissional acaba por aceitar qualquer tipo de emprego em troca de um
salário. Na verdade, para este grupo, ao que parece, o trabalho é mais importante do que
o próprio dinheiro. Portanto, por mais que as condições do circuito inferior não sejam
nem as melhores e muito menos as mais adequadas para os cidadãos de classe baixa
possam sobreviver adequadamente, é neste meio que esta parcela da sociedade se
ampara e que busca, das formas mais improvisadas possíveis, uma possibilidade de
sobrevivência, como é o caso de alguns profissionais, tais como bordadeiras, artesãs,
manicures, pedreiros, vendedores ambulantes, sapateiros, dentre outros, são ofícios que
caracterizam este circuito.

Mesmo que as dimensões destas unidades de produção e de comércio sejam menores,


não podemos ignorar sua importância, pois as micro e pequenas empresas
desempenham papéis relevantes para a economia, uma vez que são fonte de renda para
milhares de pessoas da classe “C” e “D. Além destes fatores, neste circuito os
empreendimentos não apresentam muita preocupação em atrair clientes a partir do
ambiente da loja ou em proporcionar conforto ao consumidor: o objetivo é conquistar
clientes a partir de preços baixos. Um exemplo bastante ilustrativo são as lojas de
utilidades básicas que geralmente amontoam seus produtos nas prateleiras, e não se
preocupam com a circulação dos clientes ou com a organização dos produtos, pois o que
interessa é o dinheiro do cliente. Por mais que haja concorrentes, estes pequenos
estabelecimentos conseguem, no geral, manter-se no mercado devido aos preços baixos
dos produtos.

As estratégias de marketing baseiam-se muito na informalidade: dificilmente os


pequenos empresários utilizam propagandas televisivas ou sites para divulgar seus
produtos ou liquidações. A divulgação é feita entre os próprios consumidores, o famoso
“boca a boca”, que fazem a avaliação do produto ou serviço consumido. Em casos de
promoção, dependendo do estabelecimento e do capital disponível, o pequeno
empresário opta por meios mais simples de divulgação, tais como os panfletos ou
anúncios em carros de som, mas isso não é recorrente e nem acontece de forma
homogênea em todos os estabelecimentos. Ao contrário das grandes empresas, que
contam com os serviços de contabilidade, setores de recursos financeiros realizando alto
controle dos lucros e despesas, no circuito inferior, estes cuidados se dão de forma
diferente. Os microempresários não se preocupam muito com o controle de gastos e
lucros, pois o dinheiro que entra é quase que imediatamente gasto para pagar dívidas
pessoais, comprar alimentos para a família, pagar os custos da própria atividade e, se
houver, o pagamento do salário dos funcionários. O excedente geralmente é gasto com
as parcas opções de lazer, ou mesmo na aquisição de produtos que estão na moda, como
celulares, roupas, calçados e utensílios domésticos, por exemplo, na tentativa de obter
ou expressar sua inserção em uma classe social melhor.

É por isso que a busca por dinheiro líquido neste circuito é tão forte e intenso. Mesmo
com a popularização das máquinas de cartão de crédito, ainda é muito presente a
demanda por esta forma de capital. Este torna-se necessário para a circulação do capital
e manutenção dos estabelecimentos. Outra característica marcante deste circuito é a
prática do “fiado”, isto é, o cliente compra para pagar quinzenalmente ou mensalmente.
O comerciante ou fabricante anota o que e quando o cliente comprou como se fosse uma
espécie de crediário informal. Muitos estabelecimentos conseguem conviver bem com
esta prática, entretanto, pela falta de informações pessoais e de recursos efetivos de
cobrança, muitos proprietários acabam se afundando em dívida devido à inadimplência
de seus clientes, decretando estado de falência.

E por falar sobre população, uma observação precisa ser feita referente aos dois
circuitos: a classe média se abastece tanto dos serviços e produtos que se enquadra no
circuito superior da economia, como depende (e em alguns casos prefere) contar com os
serviços realizados pelas atividades do circuito inferior da economia. A título de
exemplo, um indivíduo de classe média comprará roupas em lojas de grife, porém, na
hora de comprar alimentos, o mesmo poderá buscar os supermercados que apresentarem
promoções. Com isso, pode-se afirmar que a classe média está presente nos dois
circuitos da economia. Percebe-se, a partir dos fatores aqui apresentados, que no
circuito inferior os fixos são dinâmicos, criativos e mais humanos, e revelam muitas
vezes as condições de socioeconômicas da população. São os fixos que apontam o
descaso do Estado para com esta parcela da população, a falta de posicionamento
político da sociedade, os meios alternativos de subsistência e ao mesmo tempo de
resistência criados por este público. Neste circuito, os fluxos comerciais ainda são muito
mais pessoais do que informatizados, e apesar da chegada de “novas moedas”, como é o
caso do cartão de crédito as trocas monetárias ainda se concentram na circulação da
moeda. Da mesma maneira que os fixos e fluxos são diferentes entre si e que tornam-se
mais singulares ainda de lugar para lugar, estes tornam-se os principais agentes
responsáveis pela caracterização destes dois circuitos que comandam a economia dos
países subdesenvolvidos. São os fixos e fluxos que constroem estes cenários
econômicos tão diversos, complexos e dinâmicos, que se excluem e se unem, que
calcados em um processo histórico, constroem e consolidam estes circuitos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: PARA CONTINUAR COM A DISCUSSÃO..

Diante dos temas aqui expostos, seria injusto se apresentasse uma conclusão, pois este
assunto não está, nem de longe, pronto para ser finalizado. De antemão já deixo claro a
necessidade mais que latente que, nós geógrafos, temos que nos dedicar sempre que
possível às discussões e reflexões teóricas, pois são estas que nos norteiam durante o
contato com a realidade, com um mundo que muitas vezes está distante de nós (ou será
que nós é que estamos cada vez mais distante dele?). Relacionar fixos e fluxos e a teoria
dos circuitos é uma das formas de se identificar a formação de diferentes espaços, como
estes se comunicam e como a população se expressa e se relaciona com os espaços, que
podem ser o bairro, a rua, a cidade, o país. Sendo assim, alguns questionamentos
surgiram no término deste artigo, e que apontarei aqui como parte das minhas
considerações:

Se em muitos casos o circuito inferior representa a possibilidade da manutenção da vida


para uma parcela da população que não consegue trabalhar nos ofícios do circuito
superior, de que forma que o Estado pode atuar para melhorar as condições de vida
desta parcela da sociedade? Aliás, esta atuação é possível diante de uma estrutura social
que valoriza muito mais os interesses econômicos dos grandes agentes econômicos em
detrimento da igualdade social? É possível afirmar que as crises financeiras fortalecem
o circuito inferior, no sentido que o aumento da população desempregada aumenta e
esta busca medidas alternativas para sobreviver? Existe um universo de discussões que
podem ser promovidas a partir da teoria dos circuitos, das discussões sobre fixos e
fluxos e, seria muito interessante se pudéssemos realizar as análises destes conceitos
mesclados com discussões nas áreas de geografia física na tentativa de entender, por
exemplo, de que forma os fixos e fluxos refletem mudanças no espaço físico, ou quais
são os impactos ambientais dos dois circuitos na economia. São inúmeras as abordagens
a serem feitas e é dever de nós, geógrafos, desbravarmos estas possibilidades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HOBSBAWM, Eric J. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
SANTOS, Milton. A natureza do Espaço: Tempo e Técnica, Razão e Emoção. São
Paulo: Edusp, 2006.
SANTOS, Milton. O espaço dividido: Os dois circuitos da economia urbana dos
países subdesenvolvidos. São Paulo: Edusp, 2008.
SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. São Paulo: Edusp, 2007.SANTOS, Milton.
Técnica, Espaço, Tempo: Globalização e Meio técnico-científico informacional. São
Paulo: Editora Hucitec, 1994.
SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil: Território e sociedade no
início do século XXI. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001.
Fusão entre Sadia e Perdigão cria gigante do setor de alimentos. Exame. Disponível em:
http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/fusao-de-sadia-e-perdigao-cria-gigante-do-
setor-de-alimentos-2?page=1. Acesso em 17 de fevereiro de 2014

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