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5380/raega
Curitiba, v.47, n.1. p. 6 -20, Jul/2020 eISSN:2177-2738
RESUMO
A teoria geossistêmica não integra uma corrente de pensamento delineada por conceitos padronizados na ciência
geográfica. Contrariamente, pelo menos duas escolas com diferentes abordagens filosófico-metodológicas aparecem
com propostas conceituais e interpretativas do conceito: a russa-soviética e a francesa. Estas escolas apreenderam
por ângulos diferentes a dimensão antrópica, espacial e escalar do geossistema. O objetivo do trabalho é expor a
gênese da escola Russo-soviética e da escola Francesa de geossistemas e apresentar, em termos sucintos, o que
distingue suas maneiras de tratar os problemas ambientais e sociais. Em seguida, será feita uma comparação sobre
suas raízes históricas, influências teóricas, com especial atenção à atitude de cada uma frente a duas questões que
são fundamentais no estudo dos geossistemas: 1) como cada escola interpreta a questão escalar em suas análises; 2)
como cada escola explica a relação entre homem e natureza. Interpreta-se a gênese das escolas precursoras no
desenvolvimento do conceito, com enfoque nas diferenças atribuídas ao componente ambiental e problemas de
ordem antrogênica. Levando em consideração que as duas escolas de pensamento tenham se desenvolvido de modo
independente, busca-se a partir das explanações do texto, sugerir que sejam intensificados os intercâmbios entre as
duas escolas de pensamento, de modo a contribuir para um melhor entendimento das principais questões que
permeiam o paradigma dos geossistemas na Geografia.
Palavras chave: geossistemas; estudos da paisagem; homem e natureza.
ABSTRACT
Geosystemic theory does not integrate a stream of thought outlined by standardized concepts in geographical
science. Conversely, at least two schools with different philosophical-methodological approaches appear with
conceptual and interpretive proposals of the concept: the Russian-Soviet and the French. These schools seized by
different angles the anthropic, spatial and scalar dimensions of the geosystem. The purpose of this study is to expose
the genesis of the Russian-Soviet school and the French school of geosystems and show, in succinct terms, what
distinguishes their ways of dealing with environmental and social problems. Next, a comparison will be made on their
historical roots, theoretical influences, with particular attention to the attitude of each one to two questions that are
fundamental in the study of geosystems: 1) how each school interprets the scalar question in its analyzes; 2) how
each school explains the relationship between man and nature. The genesis of the precursor schools in the concept
development is interpreted, focusing on the differences attributed to the environmental component and
anthropogenic problems. Considering that the two schools of thought have developed independently, we seek from
the explanations of the text to suggest that the exchanges between the two schools of thought be intensified, in order
to contribute to a better understanding of the main issues. that permeate the paradigm of geosystems in geography.
Keywords: geosystems; landscape studies; man and nature.
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Nesta seção do texto busca-se realizar Nesse contexto histórico, as viagens de exploração
uma contextualização histórica, contemplando os desses naturalistas foram motivadas pelo
fatores e descobertas no âmbito científico geral e crescente interesse nos estudos dos fenômenos
específico da Geografia que subsidiaram o naturais e pesquisas sobre flora, fauna e geologia.
desenvolvimento da teoria e que dão suporte O reflexo historiográfico dessas viagens foi a
teórico para as pesquisas na atualidade. Através intensificação das pesquisas e acúmulo de
de uma análise histórica, busca-se entender qual materiais cartográficos e descritivos da paisagem
foi a gênese do conceito na Rússia e na França; (SNYTKO, 2014).
explicar as suas características distintivas, As primeiras manifestações geográficas
relacionando-as não só às tradições científicas que científicas originadas na Rússia datam do final do
são autóctones destes países, mas também do século XIX, principalmente sob influência das
cenário científico europeu. escolas geográficas de Anoutchine e de
Dokoutchaev (FROLOVA, 2007). Segundo Claval
2.1.Desenvolvimento do pensamento (2006), é com Dokoutchaev que a abordagem
global no estudo das paisagens assume sua forma
geossistêmico na Rússia
mais original. Em seus estudos, o russo fica
Na literatura geográfica russa, o conceito impressionado com a uniformidade, com a escala
de geossistemas ocupa lugar central no âmbito do país e das paisagens vegetais e com as formas
das discussões vinculadas aos estudos da de agricultura com as quais estão ligadas. Acentua
geografia física, principalmente aqueles que o caráter integral das associações entre os solos,
versam mais especificamente da paisagem. O vegetação e as condições climáticas, e que foi o
desenvolvimento da teoria dos geossistemas de mote para sua proposição acerca dos fatores de
Sochava foi fundamental na construção da formação do solo, forjando na crônica científica
geografia física moderna, não só na Rússia como uma Pedologia fortemente apoiada na ciência da
em outros países. paisagem.
Na Rússia, sua importância está atrelada Ainda no plano teórico, Dokuchaev no
a fundação do Instituto de Geografia da Sibéria e final do século XIX publica um conjunto de artigos
do Extremo Oriente e da Divisão Siberiana da nos quais formaliza uma perspectiva teórica
Academia de Ciências da URSS (atualmente antiga, relacionada à compreensão do espaço
Instituto de Geografia V.B. Sochava e Academia de terrestre a partir da configuração geográfica
Ciências da Rússia). Em decorrência do derivada das interações entre a natureza viva e
desenvolvimento do conhecimento nesses não viva. O conjunto destes artigos recebeu o
institutos (cobertura regional dos postos de nome de Teoria das Zonas Naturais e refletia a
monitoramento, previsão e predição das análises preocupação em explicar padrões geográficos
e duração das investigações), eles se tornaram resultantes do controle latitudinal (zonas
centros científicos de referência das escolas de horizontais) e altitudinal (zonas verticais) sobre os
geomorfologia, geoquímica da paisagem, climas, formas de relevo, drenagem, solos e seres
hidrologia paisagística, geografia do vivos, determinando assim potenciais de uso da
desenvolvimento econômico, geografia terra (CAVALCANTI, 2013).
populacional, Geografia médica e cartografia Com base nas tradições de V.V.
(RAGULINA, 2016; SEMENOV; SNYTKO, 2013). Dokuchaev e de seu discípulo L.S. Berg, uma nova
escola da morfologia da paisagem chefiada por
2.2. Raízes Histórico-Geográficas do Conceito Solncev foi desenvolvida em Moscou. Esta
abordagem, concentrando-se principalmente no
O movimento de construção do
mapeamento em grande escala de unidades
pensamento geográfico russo tem suas raízes mais
tipológicas de paisagem e numa taxonomia
profundas vinculadas aos trabalhos de
rigorosa dessas unidades, tornou-se um conceito
naturalistas e viajantes datados da Idade Média.
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geossistemas, em oposição aos estudos centrais de reflexão – Teoria Geral dos Sistemas e
descritivos e mapeamentos tradicionais materialismo histórico-dialético. Essa última linha
(ROOSAARE, 1994). Nessa perspectiva, assumem de pensamento coincide substancialmente não
destaque os avanços nos estudos geográficos apenas com os trabalhos de Sochava, mas
realizados pela Universidade de Moscou que também com os de uma série de autores russos.
foram publicados em uma série de produtos A geografia soviética foi apoiada
cartográficos e atlas integrados onde constam filosoficamente pelo materialismo dialético em
informações da regionalização físico-geográfica da uma visão marxista que poderia ser considerada
URSS com mapas e textos descritivos (SNYTKO, como clássica (RODRIGUEZ; SILVA, 2010). Na
2014). perspectiva materialista toda a realidade é
Ao longo desse período diversas fontes reduzida à matéria, embora o próprio conceito de
bibliográficas, cartográficas e descritivas da matéria possa variar bastante. De modo geral,
paisagem foram produzidas associadas à evolução portanto, o materialismo nega a existência da
das práticas, do saber-fazer e dos saberes alma ou da substância pensante cartesiana, bem
geográficos desenvolvidos por grupos como a realidade de um mundo espiritual ou
interdisciplinares de estudo da paisagem. É a divino cuja existência seria independente do
partir desse acúmulo de materiais e da mundo material. O próprio pensamento teria uma
incorporação teórico-metodológica da análise origem material, como um produto dos processos
sistêmica que Sochava ultrapassa o campo de de funcionamento do cérebro (ABBAGNANO,
origem nos estudos da paisagem ao suprimir 2000).
deficiências teóricas de interpretação. Diante disso, Marx formula um método a
Assim, estendendo a teoria sistêmica de partir da ideia de dialética. Como o
Bertalanffy aos domínios da Geografia Física, “reflexo das formas universais do ser e
Sochava em 1963 introduz o vocábulo das relações que se manifestam no
geossistema nos estudos geográficos designando mundo material e no conhecimento, as
uma categoria de sistemas abertos, categorias e as leis da dialética
hierarquicamente organizados e que estabelecem permitem a formulação dos
conexões com a esfera socioeconômica imperativos, aos quais devem submeter
(CHRISTOFOLETTI, 1999). A importância a atividade do pensamento e a
fundamental da doutrina dos geossistemas é o atividade prática” (CHAPITULIN, 1982,
estabelecimento de uma base teórica e p.2).
metodológica para abordar as questões Constituindo-se como princípios do
relacionadas com a avaliação e previsão do estado pensamento dialético, do método dialético do
do meio ambiente. conhecimento e da transformação criativa da
Notavelmente, os esforços do autor vão realidade, o conhecimento desses princípios eleva
em direção a uma tendência inaugurada com a o nível do pensamento, alarga suas possibilidades
Teoria Geral dos Sistemas que buscava inverter a criativas (CHAPITULIN, 1982). No decorrer desse
lógica da fragmentação e especialização nos processo Marx reitera a necessidade de
campos científicos, embora na Rússia os estudos considerar a realidade socioeconômica de
da paisagem já sinalizassem para abordagens determinada época como um todo articulado,
integrativas como nos trabalhos de Dokuchaev no atravessado por contradições específicas, entre as
final do século XIX (proposta de classificação dos quais a da luta de classes. Em consequência dessas
solos) e Vernadsky com a publicação “The ideias, mas graças, sobretudo, à contribuição de
Biosphere” em 1926 na Rússia (VERNADSKY, Engels, a dialética se converte no método do
1997). materialismo e no processo do movimento
Os textos produzidos por Sochava (1963) histórico que considera a Natureza:
indicam que sua obra se originou de duas linhas
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geógrafos de grande influência, toca de forma segundo diferentes ordens de grandeza (TRICART,
mais direta a alçada da presente reflexão a figura 1965). Doravante, a publicação da obra “A Terra,
de Georges Bertrand, geógrafo e geomorfólogo de planeta vivo” em 1972 consolida a transgressão
origem formado pela Université Toulouse – Le holística na Geografia Francesa, nevralgicamente
Mirail/France (REIS JUNIOR, 2012). É nesse abordando as estreitas interdependências entre
contexto mais amplo que a reflexão as manifestações da vida e os diversos elementos
epistemológica sobre a obra de Bertrand deve ser do meio físico-geográfico (TRICART, 1981).
entendida. O cenário histórico do pensamento
A noção de paisagem na Geografia geográfico no qual Bertrand traz a lume sua
Francesa apresenta uma veia culturalista histórica, proposta se temporaliza, portanto, à consolidação
já firmada na concepção de ‘gênero de vida’ da abordagem sistêmica na Geografia Física em
propugnada por Vidal de La Blache, que o sistema de Tricart (1965) figurou como
estabelecendo-se uma lógica de diferenciação de referência fundamental na sua construção
áreas baseada em um princípio de unidade, pelo metodológica. O distinto geógrafo defendia que o
qual os horizontes culturais que habitam geossistema consistia em uma unidade situada
determinada região seriam determinantes para a entre a 4ª e 5ª grandeza têmporo-espacial,
consubstanciação de sua integridade. Nesse ordenamento estabelecido a partir da lógica
sentido, o conceito de paisagem se aproximou do proposta por Jean Tricart. O critério que se impõe
conceito de região entre os geógrafos franceses da em sua abordagem, portanto, é o de compreender
primeira metade do século vinte (ROGERIE e o geossistema em uma ordem escalar hierárquica
BEROUTCHACHVILI, 1991; LEITE, 2006). Vidal estabelecida. No contexto histórico em que foi
defendia que o estudo da Terra deveria partir de publicado este artigo, o autor compreendia o
leis gerais e aplica-las em diversos ambientes a fim geossistema como uma “unidade dimensional
de apreender a fisionomia das diferentes regiões: circunscrita entre alguns quilômetros quadrados e
“cada região é a expressão de uma série particular algumas centenas de quilômetros quadrados”
de causas e efeitos” (HAEBSTERT, et al. 2012, p. (BERTRAND, 1971, p.18).
81). A partir da década de 80 as obras de
A emergência da reflexão de Georges Bertrand assinalaram uma transição importante: o
Bertrand se temporaliza na segunda metade da autor propõe o sistema tripolar GTP (Geossistema
década de setenta, contemporaneamente à (fonte), Território (recurso) e Paisagem
profusão da Teoria Geral dos Sistemas no corpo (identidade)). Nesse sistema, seu principal
teórico e metodológico da Geografia, a começar interesse é reaproximar estes três conceitos para
pela Ecologia da Paisagem alemã, preconizada por analisar como funciona um meio ambiente pelos
Carl Troll em 1939, e o próprio advento do olhares peculiares da Geografia na sua globalidade
conceito de geossistema concebido na antiga (BERTRAND; BERTRAND, 2002). Em suma,
União Soviética. Na França, Jean Tricart avançava apreender as interações entre elementos
por horizontes interpretativos e metodológicos constitutivos referentes ao geossistema (G), ao
que consolidavam um distanciamento cada vez território (T) e à paisagem (P).
maior com a didática de Willian Morris Davis A tríade Geossistema/Território/
calcada na Teoria do Ciclo Geográfico (DAVIS, Paisagem (GTP) é uma tentativa teórica de
1899) em demanda a uma geomorfologia menos compreender a “complexidade-diversidade” do
exclusivista e mais integrativa, pautada na noção ambiente através de uma base policonceitual
de sistemas abertos. Nessa virada epistemológica, (REIS JUNIOR, 2007). Para Bertrand, o GTP é um o
o autor propõe uma nova ordenação têmporo- sistema flexível cujas entradas (caminhos)
espacial dos fatos geomorfológicos terrestres a permitem a análise da totalidade sob três pontos
partir de um princípio taxonômico de organização de vista diferentes. Para o autor, nesse conjunto
da informação que ordenava os fatos geomórficos tripolar, podem ser visualizados três grandes tipos
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de diversidade: uma que está mais ligada aos sua interatividade. Dessa forma, o sistema GTP
fenômenos naturais (geossistema), uma associada (geossistema, território, paisagem) define três
aos fenômenos inerentes à esfera política e campos conceituais, semânticos e metodológicos
econômica e a outra concernente aos aspectos (figura 1). Cada palavra, cada conceito, cada
culturais. objeto é situado em um sistema de coordenadas
Do ponto de vista substantivo, a proposta tripolares e pode ser definido em relação à
teórica GTP é uma concepção de tipo sistêmico distância que os separa dos três conceitos
que se propõe a demonstrar a complexidade do fundadores.
meio ambiente considerando a sua diversidade e
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Figure 2 - I – Modelo geossistêmico proposto por Bertrand (ação antrópica com a mesma dimensão na
organização do geossistema). II – Modelo geossistêmico proposto por Sochava (atividades humanas
influenciam a estrutura do geossistema, ou seja, os fatores econômicos estabelecem conexão com o
geossistema, sobretudo no que se refere as paisagens transformadas pelo homem. Organizado pelos
autores. (Adaptado de Bertrand, 1971; Huggett, 2003).
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lado, para o geógrafo francês, a base de ótica da paisagem. Numa perspectiva dialética
mapeamento e individuação de unidades entre as leis físicas e sociais. Para esse autor,
homogêneas é o relevo. A escolha do critério devido ao seu conteúdo social e subjetivo, a
adotado por cada pesquisador está paisagem é uma leitura sociocultural do
intrinsecamente associada às características geossistema (BERTRAND; BERTRAND, 2007).
físico-geográficas de cada um dos países. No plano Por outro lado, para Sochava, o estudo
metodológico e operacional, concernente à dos geossistemas tem relação direta com o
própria cartografia dos geossistemas, é inegável interesse da sociedade nos impactos das
que o sistema russo-soviético apresenta soluções atividades antrópicas, na utilização racional dos
mais resolutas estabelecidas nos chamados mapas recursos naturais e preservação, conservação de
regionais-tipológicos (ABALAKOV; SEYKH, 2010; paisagens naturais e culturais. O autor destaca
KUZMENKO, 2011; KUZNETSOVA et al. 2011), que que além da classificação e avaliação dos
representam, em um mesmo documento geossistemas, atenção especial deve ser dada à
cartográfico e pelo princípio da hierarquização, as noção de geossistemas a serviço da colaboração
integridades homogêneas (geômeros) e do homem com a natureza (SOCHAVA, 1977). Em
heterogêneas (geócoros). outras palavras, o geógrafo deve entender a
As implicações epistemológicas das manifestação dos fatores antropogênicos nos
diferentes concepções geossistêmicas vão além complexos naturais, buscando o melhor
do mapeamento e individuação de unidades, pois planejamento territorial para que as atividades
cada nível escalar corresponde a uma abordagem humanas não desencadeiem crises ecológicas e
específica (inerente ao problema estudado), conflitos de uso da terra.
coerente com sua extensão espacial, duração do
fenômeno analisado, e metodologias e técnicas 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
utilizadas. Essas várias diferenças conceituais e Buscou-se com esse trabalho traçar em
metodológicas influenciam na individualização linhas gerais a genealogia da Escola Russo-
das unidades de mapeamento e na interpretação soviética e da Escola Francesa de geossistemas a
dos tipos e intensidade de interações que se partir de seus personagens protagonistas
formam em uma determinada área. (Sochava e Bertrand), bem como discutir
Contudo, no decurso de suas trajetórias dialogicamente a natureza de ambas as
teóricas, embora tenham divergido bastante concepções.
quanto a suas proposições (escola russa e escola Do ponto de vista conceitual/teórico
francesa), os diálogos estabelecidos entre observa-se:
Bertrand e Beruchachvili favorecem debates 1) Escola francesa: a ênfase no estudo
enriquecidos pelas trocas de experiências entre os dos geossistemas foi nas relações
dois países. O fato é que a proposta de Bertrand entre potencial ecológico +
foi consideravelmente modificada com o passar exploração biológica + ação
dos anos, fruto do seu amadurecimento teórico. antrópica, com destaque para o
Por exemplo, na Escola Russa-soviética, embora o homem como elemento
conceito de geossistema considere a influência da organizador do geossistema, em
ação antrópica (para alguns autores de forma outras palavras o homem é
secundária), nos estudos realizados pelo geógrafo englobado na abstração teórica.
francês o homem é considerado como princípio Dessa forma, na proposta do autor
organizador do geossistema. Todavia sua a relação sociedade/natureza, vista
contribuição teórica reverberou no Brasil pela lente geossitêmica deveria
principalmente através do Sistema GTP. Nesse ressaltar o papel dominante
sistema os aspectos subjetivos, simbólico, cultural exercido pelas atividades humanas
e a dimensão histórica são compreendidos pela
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