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Biogeografia

Material Teórico
Fundamentação Conceitual

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Dra. Adriana Furlan

Revisão Textual:
Profa. Ms. Alessandra Fabiana Cavalcanti
Fundamentação Conceitual

• Introdução – Histórico da Biogeografia


• Natureza, paisagem e ecossistema

OBJETIVO DE APRENDIZADO
· Introduzir os conceitos básicos da disciplina, os quais permearão as
demais unidades de conteúdo.

ORIENTAÇÕES
Nesta Unidade, vamos aprender sobre o histórico da Biogeografia e os
conceitos básicos relacionados a esta área do conhecimento.

Então, procure ler, com atenção, o conteúdo disponibilizado e o material


complementar. Não esqueça! A leitura é um momento oportuno para
registrar suas dúvidas; por isso, não deixe de registrá-las e transmiti-las ao
professor-tutor.

Além disso, para que a sua aprendizagem ocorra num ambiente mais
interativo possível, na pasta de atividades, você também encontrará as
atividades de Avaliação, uma Atividade Reflexiva e a videoaula. Cada material
disponibilizado é mais um elemento para seu aprendizado, por favor, estude
todos com atenção
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Contextualização
Observe a figura abaixo, a seguir.

Figura 1 – Rugendas: retrato da Serra da Mantiqueira (estados de SP e MG) há cerca de 200 anos
Fonte: Wikimedia Commmons

Na Figura 1 encontramos uma das pinturas de Johann Moritz Rugendas (1802-


1858), denominada Mantiqueira. Rugendas chegou ao Brasil na época colonial,
em 1821, e foi designado artista oficial da expedição do barão Von Langsdorff,
que percorreu diversos trechos dos estados de São Paulo e de Minas Gerais (entre
outros), sendo que na imagem apresentada está um retrato da serra da Mantiqueira.
Nesta expedição, ele elaborou diversos retratos da natureza e dos nascentes centros
urbanos brasileiros. Tais obras apresentam a visão do europeu sobre o Brasil, uma
narrativa que leva em conta os aspectos do habitat natural até os costumes de 200
anos atrás. (Marco Antonio Barbosa)

Em muitos dos lugares em que vivemos não encontramos mais a natureza na


condição retratada por Rugendas. Vários são os fatores que levaram a transformação
da natureza tanto no campo quanto das áreas urbanas do Brasil e do mundo.

O que restou da natureza retratada por Rugendas são áreas de preservação,


onde a condição natural está presente e protegida por uma legislação.

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Em grande parte do nosso país (e do mundo) as matas nativas deram lugar
a enormes áreas de atividade agrícola e pecuária ou a aglomerados urbanos.
Nestas áreas, além da retirada da vegetação nativa, foram adicionados elementos
que contribuem para a degradação do que restou, como o desaparecimento de
nascentes por conta do desmatamento.

Como consequência da retirada da vegetação ocorre a exposição do solo à


erosão e a extinção de espécies animais.

Observe a Figura 2, a seguir.

Figura 2 – Fotos de satélite mostram a devastação ocorrida na região de Marabá (PA) de 1984 a 2006
Fonte: Landsat - Inpe/Divulgação

Na Figura 2, podemos perceber que em 22 anos (de 1984 a 2006) uma área
extensa foi desmatada na região de Marabá para desenvolvimento de ativida-
des agropecuárias.

Durante quase 500 anos, nossas florestas foram dizimadas por conta de diversos
interesses econômicos (desde a cana de açúcar plantada na época do Brasil colonial
até a expansão dos centros urbanos nos séculos XX e XXI).

Para entendermos todo esse processo precisamos, em princípio, compreender a


concepção de natureza, de paisagem e de ecossistema que permeou as sociedades
ao longo do período que se estende das ocupações indígenas às áreas urbanas em
que muitos de nós vivemos hoje.

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Introdução – Histórico da Biogeografia


Muitos dos naturalistas que acompanhavam expedições (desde a época das
grandes navegações) de reconhecimento de novos territórios recém-descobertos
pelos europeus retratavam, em forma de gravuras e pinturas as paisagens por
onde passavam. A estes pioneiros pode ser atribuída a origem da Biogeografia,
não como área do conhecimento sistematizada, mas na qual a fauna e a flora
eram catalogadas e classificadas de acordo com o conhecimento que se tinha na
época. Enormes inventários dos elementos naturais (e também culturais dos povos
nativos) eram realizados e serviram de base para os estudos que se seguiram ao
longo dos séculos.

A Biogeografia, como uma área do conhecimento sistematizada tem suas


formulações originais desenvolvidas no final do século XIX por Friedrich Ratzel
(1844-1904).

Segundo Carvalho (2005), podemos enumerar alguns fatos que indicam a


importância das formulações de Ratzel na renovação dos fundamentos da biogeografia.

O primeiro fato é que o próprio Ratzel foi quem pela primeira vez criou a
denominação desta disciplina, em 1880.

O segundo fato é que a apropriação cognitiva da dimensão biológica pela


geografia pretendia não só ampliar, mas até certo ponto, romper com as abordagens
tradicionais que se limitavam às antigas denominações, como “geografia das
plantas”, “geografia da história natural”, entre outras.

O terceiro fato, que coincide com esforços atuais no mesmo sentido, é incluir
a ação humana entre os principais elementos a ser considerados nas análises das
paisagens naturais e dos ecossistemas.

O legado de Ratzel está no fato de ele considerar o potencial da biogeografia,


considerando-se os vínculos indissociáveis existentes entre as dimensões biofísicas e
as antropogeográficas (em seus desdobramentos econômicos, políticos e culturais),
para a configuração da realidade dos ambientes terrestres.

Conforme Carvalho (2005), devemos sempre considerar que para o mundo de


hoje, submetido aos imperativos de uma ordem econômica e social que se pretende
global e em que nem mesmo os últimos redutos de concentração da biodiversidade
(diversidade de vida animal e vegetal) terrestre podem ser observados e estudados
fora dessa condição.

Desta forma, para compreendermos porque determinadas áreas sofrem grande


processo de devastação, enquanto outras são foco de preservação e o destino de
tudo que ali existe (todas as formas de vida, incluindo a humana), é necessário que

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consideremos quais as principais características econômicas, políticas e culturais (e
ideológicas) que permeiam a nossa sociedade urbana industrial.

A biogeografia de Ratzel deve se constituir em um campo do conhecimento


que não seja limitado à descrição e à classificação dos aspectos da flora
(fitogeografia) e da fauna (zoogeografia), mas que seja mais abrangente,
estabelecendo as conexões existentes entre tais aspectos e, destes, com a
geografia das populações humanas, ou seja, para Ratzel o processo de evolução
é o resultado das interações entre as dinâmicas da flora, da fauna e da vida
humana, observadas em determinada escala espacial.

Trocando ideias...Importante!
Quando nos deparamos com a biogeografia no nosso cotidiano e nos livros didáticos,
geralmente, encontramos um inventário dos diferentes tipos de ecossistemas (que se
tornaram, erroneamente, sinônimo de bioma) com algumas características da flora e da
fauna de determinada porção do espaço terrestre e sua denominação em função desta
classificação, relacionando-as com determinados aspectos físicos (clima e relevo), como
por exemplo, Floresta Equatorial, Floresta Boreal, Savana, entre tantos outros.
Para os estudos de geografia esta classificação é suficiente? Podemos perceber nesta
forma de abordagem da biogeografia algum traço dos ensinamentos de Ratzel?
Como mudar essa forma de trabalhar com a biogeografia?

Embora Ratzel tenha nos deixado um importante legado, fruto de sua preocupação
com os estudos geográficos, não é da forma que ele nos ensinou que percebemos
que se desenvolvem os estudos de biogeografia na atualidade.

Temos ainda uma concepção de Biogeografia que se aproxima muito mais da


Biologia do que da Geografia e, como geógrafos, precisamos questionar a validade
deste tipo de abordagem para nosso conhecimento da realidade, a partir do ponto
de vista da Geografia.

Vamos entender um pouco melhor como, embora tivéssemos um caminho a


seguir, escolhemos outro. Assim, a concepção de biogeografia que escolhermos
será aquela que direcionará nosso olhar e forma de estudar as paisagens naturais,
ecossistemas e a natureza em sua relação com a(s) sociedade(s) ou não.

Ratzel tinha sua proposta, mas nem todos que praticam ou estudam a Geografia,
e especificamente a Biogeografia, seguiram.

Zunino e Zuliini (2003) realizaram uma abordagem em relação à biogeografia,


considerando que o seu objeto de estudo é a distribuição espacial dos seres vivos,
tanto em sua dimensão atual, quanto em seu processo histórico.

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Para estes autores, o elemento básico de toda investigação ou estudo bioge-


ográfico é a “área de distribuição” dos organismos, sendo estas áreas represen-
tadas em mapas, com suas fronteiras e sua estrutura, e podem ser estudadas de
acordo com enfoques diferentes.

Vejamos de que forma estes autores concebem a biogeografia por meio dos
enfoques propostos por eles.

1. Enfoque sistemático-descritivo: o qual se utiliza de dados sobre as áreas de


distribuição dos organismos vivos para atender a diversas finalidades. Neste
caso, é criada uma série de categorias (regiões, províncias, entre outras) que
são organizadas hierarquicamente, com o intuito de classificar a superfície
da Terra. A corologia se encarrega do reconhecimento de categorias (ou
de corótipos), baseadas na coincidência de áreas de distribuição dos táxons
(unidade taxonômica associada a um sistema de classificação).

Assim, a sistemática se dá em função de uma classificação advinda da Biologia e


cabe à geografia, somente, verificar a distribuição dos seres vivos em função desta
classificação (através de mapeamentos).

Após a classificação, passa-se a descrição destas áreas para fins de


comparação com outras áreas, como por exemplo, se determinado gênero se
repete em mais de uma área.

2. Enfoque causal: o qual tem por objetivo interpretar os fatores que influen-
ciam na distribuição geográfica dos seres vivos. Neste enfoque, há duas pers-
pectivas de análise: a ecológica e a histórica.

A perspectiva ecológica se baseia na comparação entre duas áreas de


distribuição e os parâmetros abióticos (configuração geográfica, climática etc.) e
bióticos (composição e estrutura das comunidades de seres vivos) que interferem
no território considerado para tal finalidade. A perspectiva histórica se propõe
a reconstruir os acontecimentos das distribuições dos seres vivos em termos de
causas remotas, por meio da comparação entre as áreas de distribuição atuais e
as relações filéticas (de Filos), de seus ocupantes e a história evolutiva, em sentido
geográfico, geológico e climático, dos territórios em questão.

Vamos nos deter um momento para analisarmos a proposta de biogeografia


destes autores.

O que podemos perceber é uma forte influência da Biologia nesta concepção.


Na continuidade de seus estudos estes autores se dedicam a compreender como
determinados seres vivos estão presentes em tal lugar (e não em outros) e de que
forma a evolução destes ocorreu, considerando para tanto os chamados fatores
físicos (ou ambientais), tais como clima, relevo e geologia, por exemplo.

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Não identificamos a dimensão humana nesta concepção, diferente da
proposta de Ratzel.

Para os estudos de caráter geográfico, esta abordagem fundamentada em


princípios e bases teóricas e metodológicas da Biologia (ou das Ciências Biológicas)
é suficiente? Para nós, que buscamos compreender a organização espacial em
função da distribuição espacial dos fenômenos em sua interface humana e física,
um sistema de classificação hierárquica dos seres vivos e o mapeamento de sua
distribuição na superfície terrestre é o bastante?

Por muito tempo o que percebemos é que esta forma de tratar a biogeografia foi
prioritária (ou até mesmo a única) para os estudos geográficos.

Exemplo disso são os livros didáticos de Ensinos Fundamental e Médio (e até


mesmo indicações bibliográficas em nível Superior) que apresentam a biogeografia
como um inventário de florestas ou de formações vegetais delimitadas no espaço
com características estanques. No máximo, encontrávamos alguma referência a
respeito da transformação destas formações vegetais, colocando o homem como
o “destruidor da natureza”.

Os professores de Geografia, genericamente falando, tendem a realizar seus


planejamentos seguindo as orientações de seu material didático, entre eles o livro
de apoio (que se torna, em muitos casos, a principal ferramenta de trabalho do
professor). Desta forma, o ano letivo é planejado em função dos capítulos do livro
a ser utilizado (ou das apostilas) e estes, por muito tempo e até atualmente, dividem
os estudos de geografia em três grandes temas: a parte física (estudos sobre a
natureza, como clima, relevo, vegetação, hidrografia, geologia), a parte relativa à
população (uma série de índices, taxas, números e fórmulas) e a parte econômica
(mais índices, taxas e números).

Em um estudo realizado, sobre o livro didático no Ensino Médio, TEIXEIRA


et al. (s/d) observa-se, de acordo com Kaercher (2003), que os temas como
clima, relevo, hidrografia, vegetação, geologia são estudados isoladamente e sem
a presença do homem, como se este não produzisse alterações significativas no
espaço geográfico. No caso dos estudos sobre a população, o homem é estudado
como parte de um conjunto de dados numéricos (taxas, índices, números, tais como
densidade demográfica, índice de desenvolvimento humano, taxas de natalidade de
mortalidade entre outros); o que transforma as aulas de Geografia em aulas de
matemática, em virtude da quantidade de números e fórmulas. Nas abordagens
sobre as questões econômicas são tratadas as diversas taxas, índices e números
relativos à produção e ao consumo, por exemplo, tais como quantidade de um
determinado produto que determinada região ou país produz.

Observe a Figura 3, a seguir, que ilustra a discussão anterior.

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SUMÁRIO

1. O LUGAR ONDE VIVO

LOCALIZANDO ALAGOAS ....................................................................... 10


COMO ME ORIENTAR NO LUGAR ONDE VIVO? ........................................... 20
A IMPORTÂNCIA DOS MAPAS ................................................................. 38

2. AS PAISAGENS NATURAIS DE ALAGOAS

O CLIMA ............................................................................................. 43
O RELEVO ........................................................................................... 49
A VEGETAÇÃO ...................................................................................... 56
OS RIOS E AS LAGUNAS ......................................................................... 62

3. SOCIEDADE, CAMPO E CIDADE EM ALAGOAS

FORMAÇÃO DO POVO ALAGOANO ........................................................... 77


CAMPO E CIDADE ................................................................................. 83
MANIFESTAÇÕES FOLCLÓRICAS .............................................................. 91

4. AS ATIVIDADES ECONÔMICAS E O MEIO AMBIENTE

ALAGOAS E SUA ECONOMIA ................................................................... 97


O MEU AMBIENTE E SUA IMPORTÂNCIA ..................................................110

GLOSSÁRIO ....................................................................................................121
SÍMBOLOS DO ESTADO ....................................................................................123
REFERÊNCIAS ................................................................................................126

As palavras pontilhadas ao longo das unidades estão reunidas no glssário no final do livro
Figura 3 – Sumário de livro didático de Geografia. Observe a compartimentação
em três partes: física, população e economia.
Fonte: editoragrafset.com.br

Percebe-se, conforme constatam os autores, uma enorme fragmentação na


abordagem dos conteúdos de Geografia, o que, tratado desta forma, não contempla
a relação homem e natureza.
Em relação, especificamente a biogeografia, que é contemplada na primeira
temática tratada pelos livros didáticos (a parte física), a abordagem é fragmentada
e descritiva-classificatória, o que perpetua a forma de compreensão da realidade
“em partes” sem que haja um momento onde a junção destas partes ocorra. Qual
a consequência disso? Dificilmente o estudante terá a percepção de uma realidade
com diversos elementos interligados, em uma dinâmica que apresenta constantes
transformações.

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Como resolver esta questão tão importante para a Geografia? Devemos partir
de um ponto de vista que o homem não é somente o “destruidor da natureza”,
mas que tudo que observamos, atualmente, em termos da distribuição dos seres
vivos pela Terra, não ocorre de forma “natural” e que desde milhares de anos
atrás vem ocorrendo uma influência mútua entre as sociedades humanas e os
demais seres vivos que aqui já viveram ou vivem, sendo que uns influenciam os
outros constantemente.

Observamos que esta discussão avançou nos últimos anos e a Biogeografia


vem sendo tratada, de forma localizada ainda, de uma forma que se aproxima
da proposta de Ratzel, ou seja, a fragmentação está dando lugar a análises mais
aprofundadas que levam ao entendimento da relação entre a(s) sociedade(s),
a natureza e o desdobramento desta última que reflete na organização espacial
(considerando-se os fatores econômicos, políticos e culturais).

Trocando ideias...Importante!
As propostas de Zunino e Zullini diferem da proposta de Raztel (elaborada muito
tempo antes). Qual destas formas de abordagem da biogeografia atende melhor os
objetivos da Geografia?

Natureza, paisagem e ecossistema


Vamos estudar agora estes três conceitos básicos para os estudos de Biogeografia.

A natureza
Assim como as diferentes abordagens e compreensões do que é Biogeografia e a
forma que devemos tratá-la dentro da Geografia, há também distintas concepções
do que seja natureza, paisagem e ecossistema (para nos determos em três conceitos
básicos presentes na Biogeografia).

Vamos partir de um princípio: as palavras e os conceitos foram criados pelos


seres humanos ao longo de sua trajetória neste planeta. Desde os tempos dos
povos primitivos (há milhares de anos) até hoje, a humanidade inventou palavras
e objetos e os nomeou, bem como deu a estes significados, os quais podem ser
chamados por definições, conceitos, palavras entre tantos outros.

Sendo assim, a partir deste princípio, todos os conceitos criados pelo homem
em tempos históricos diferentes são passíveis de sofrer transformação, porque as
sociedades mudam e desta forma mudam as ideias que as pessoas têm e fazem das
coisas. As verdades não são absolutas, mas sim relativas. Referem-se à determinada
época histórica e sociedade; e sempre passíveis de questionamentos e mudanças.

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UNIDADE Fundamentação Conceitual

Se considerarmos este princípio como verdadeiro, entenderemos com mais


clareza as diferentes concepções de natureza, de ecossistema e de paisagem
encontrada ao longo do tempo. Até os conceitos e as palavras têm suas histórias,
sempre sendo estas as histórias contadas.

Vejamos como a concepção de natureza já foi retratada!

Conforme Carvalho (2003), a natureza para os primitivos e outros povos e


sociedades que habitaram este planeta, ao longo do tempo, não é a mesma. Para
os primitivos que davam explicações para os fenômenos “naturais” observados
(chuva, raio, trovão etc.) com base em deuses e seres sobrenaturais, aos quais
tinham adoração e realizavam rituais de acordo com suas necessidades. Está é a
natureza mítica, mágica.

Na Idade Média, sobre domínio do Cristianismo e os dogmas e ensinamentos


da igreja católica, a natureza é obra de Deus e todos os fenômenos “naturais”
observados têm sua origem e explicação na criação divina. Está é a natureza divina,
criação de Deus e perfeita.

Na Idade Moderna, com o surgimento da ciência, a partir de René Descartes


(1596-1650), a natureza passa a ser vista como uma máquina perfeita, já que a
partir do conhecimento de seu funcionamento é possível controlá-la e fazer uso
dela em benefício da humanidade. A partir deste momento as crenças míticas
e religiosas começam a ser colocadas em discussão, mas levará ainda bastante
tempo para que esse paradigma de sociedade e de natureza seja modificado. A
contribuição de Descartes foi a “matematização” da natureza, através da explicação
de equações matemáticas por meio de seus estudos sobre metafísica (verdades
absolutas e inquestionáveis – base da chamada ciência moderna). Assim, ocorre
a separação entre a fé e a razão; às ciências cabe usar a razão na explicação dos
fenômenos. Esta é a natureza máquina, que funciona perfeitamente e pode ser
apreendida e explicada pela razão.

Isso ocorrerá, em sua totalidade, somente no século XIX, com Charles Darwin
(entre outros que o sucederam), pois através do desenvolvimento de pesquisas e
da elaboração de novas teorias sobre os seres vivos e sua evolução, modificou-se a
forma como a natureza era vista, discutida e interpretada. A maior contribuição de
Charles Darwin foi sua explicação de que os seres vivos evoluem em função de um
processo de seleção natural, através do qual somente os mais aptos sobrevivem,
pois em função de conseguir se adaptar às modificações impostas pelo ambiente,
são selecionados para perpetuar a espécie.

Estas formulações de Darwin estão em seus principais livros: “A Origem


das Espécies” e “A Descendência do Homem”. Estas obras revolucionaram o
conhecimento científico a respeito da origem e da evolução dos seres vivos no planeta,
contrariando as explicações religiosas. Com o passar do tempo e das transformações
da sociedade, as ideia de Darwin foram sendo aceitas no mundo científico.

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Segundo as explicações de Charles Darwin, o motivo de existir pequenas diferenças
na descendência, entre os animais e as plantas, faz com que determinadas espécies
possam viver mais tempo do que outras. As espécies que vivem mais podem gerar
um número maior de descendentes, fato que permite o aparecimento de novos
tipos de variações. Ao contrário, tanto as características não necessárias para a
sobrevivência da espécie, quanto os seres mais fracos, tendem a desaparecer. Essa
é a natureza evolutiva.

As ideias de Darwin foram adaptadas e aplicadas às sociedades humanas,


originando o chamado “Darwinismo Social”. Os conceitos de luta pela existência e
pela sobrevivência dos mais aptos foram adaptados para justificar a sobrevivência
daqueles que lutam para se manter no sistema capitalista, ficando para os que
não se adaptam ao fracasso e à “morte” social. Esse conceito acabou sendo
muito utilizado para explicar a competição entre os indivíduos (especialmente no
Capitalismo Laissez-faire - símbolo do liberalismo econômico, em que o mercado
deve funcionar livremente, sem interferência) o que motivou, de forma semelhante,
as ideias de eugenia, de imperialismo, de fascismo, de nazismo e da luta entre
grupos e etnias nacionais.

Eugenia - processo de criação de uma “nova” espécie humana, a partir da seleção das
Explor

melhores características a serem transmitidas para a futura geração. Ciência que desenvolve
um intenso processo de pesquisa e de aprimoramento genético da espécie humana.
Determinismo geográfico - ideia de que o ambiente em que vivemos influencia
diretamente na diversidade cultural existente e nas atividades desenvolvidas, levando a
um desenvolvimento ou subdesenvolvimento econômico, político e cultural das diversas
sociedades. As ideias de Ratzel, as quais foram utilizadas no momento em que ocorria o
processo de reunificação alemã e também para justificar o processo neocolonialista na
África, traziam em sua essência a questão de sermos o que somos em função do ambiente
em que vivemos. Como exemplo, podemos citar o atraso do continente africano em relação
ao europeu, pois o clima quente faz com que as pessoas (africanas) sejam menos propensas
a trabalhar, o que explica o subdesenvolvimento deste continente em detrimento do
desenvolvimento do continente europeu onde, por conta do clima mais frio, as pessoas são
motivadas a trabalhar. Essa forma de explicação justificou, também, o domínio dos povos
americanos (Américas Central e do Sul), África e Ásia, pelos europeus.

Muito das ideias de subdesenvolvimento e do determinismo geográfico estão


associadas a esta forma de explicar o desenvolvimento (ou não) das sociedades.

Na atualidade, após a afirmação do Capitalismo como sistema socioeconômico


hegemônico, tudo que existe na natureza se torna recurso a ser disponibilizado
para a perpetuação e desenvolvimento deste sistema. Assim, tudo passa a ser
recurso, inclusive o homem (recurso humano); e a utilização ou não de tais recursos
(naturais e humanos) vai depender da demanda da produção industrial. Essa é a
natureza, fonte de matéria prima.

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A paisagem
Várias são as conceituações de paisagem, mas temos no imaginário (de nossa
sociedade moderna) uma ideia semelhante de paisagem. Faça a você e a outros a
seguinte pergunta e anote as respostas: O que vem em sua mente quando ouve a
palavra paisagem? Qual a imagem que se forma? Em que você pensa?

Já tendo feito estes questionamentos a diversas pessoas, a resposta obtida, na


maioria dos casos, está relacionada à ideia de “paisagem natural”, com elementos
como praia, campos, matas, riachos, pássaros e outros elementos da “natureza”.

Por que quando pensamos em paisagem pensamos em natureza?

Uma explicação possível é que as pinturas do passado procuravam retratar a


paisagem e como naquela época não havia grandes centros urbanos e o ambiente
mais propício para o artista buscar inspiração eram as áreas rurais ou de matas
acabou por gerar nas nossas mentes esta associação entre paisagem e natureza.

Segundo Ferreira (2010), as pinturas rupestres seriam as primeiras


representações espontâneas da paisagem e (citando Alves, 2001), afirma que o
termo paisagem teria sido utilizado pela primeira vez por Jean Molinet, em 1493:
“quadro representando uma região”, ou seja, quando pintando uma paisagem de
uma região francesa. Desde então, o conceito foi sendo modificado, especialmente,
por meio da inclusão de novos aspectos, ora objetivos, ora subjetivos, de ordem
estética ou afetiva.

Como categoria de análise geográfica a paisagem foi sendo conceituada levando-


se em conta os avanços e os objetivos pertinentes à Geografia.

Desta forma, temos algumas conceituações de paisagem definidas por geógrafos,


ao longo do tempo, e que são utilizadas na análise da realidade e do espaço geográfico.

Vamos verificar agora algumas destas conceituações, considerando que não


há a mais certa ou a mais errada, sendo todas, dentro de suas perspectivas,
aplicáveis em certa situação em função do olhar que se tem sobre a realidade a
ser desvendada e explicada.

Para Jean Tricart (1981), a paisagem em termos científicos se difere daquela


do senso comum. Tricart fez algumas adaptações na formulação original de J. P.
Deffontaines e conceituou paisagem como “uma porção perceptível a um observador
onde se inscreve uma combinação de fatos visíveis e invisíveis e interações as quais,
num dado momento, não percebemos senão o resultado global”. Por analogia,
para Tricart, a paisagem pode ser comparada a um iceberg, sendo que a parte
visível seria a parte emersa (a ponta do iceberg) e a parte invisível (e a maior) o que
está por baixo da água. Como exemplo, podemos observar uma paisagem urbana,
onde temos uma favela ao lado de um condomínio luxuoso.

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Figura 4 – Bairro do Morumbi em São Paulo-SP. Favela de Paraisópolis ao lado de
condomínio de alto padrão. Observe as piscinas nas sacadas dos apartamentos
em contradição às construções precárias da comunidade de Paraisópolis.
Fonte: www.tucavieira.com.br

O que vemos é o contraste entre os tipos de construção (a parte visível) e as


condições de vida de cada morador. O que não vemos, mas que é responsável
pela existência de tal paisagem, é a parte invisível (oculta) da paisagem. Nesta
parte invisível estão todos os fatores que combinados e em interação produzem
tal paisagem. Dentre estes, podemos citar as contradições do sistema capitalista
que gera os dominantes e os dominados, os ricos e os pobres, os patrões e os
empregados, o que é a base da desigualdade social. Todos esses são fatores que não
vemos, mas que são os responsáveis pelo resultado (paisagem) que observamos.
Portanto, para compreendermos tal paisagem, precisamos buscar a essência de sua
existência e não ficarmos somente na aparência, ou seja, devemos ir além do visível
(as formas), buscando o invisível (o conteúdo), senão corremos o risco de oferecer
sempre explicações superficiais e de senso comum ao analisarmos as paisagens.

Outra forma de conceituar paisagem, podemos encontrar em Santos (2008).


Para Milton Santos, a paisagem é um conjunto de formas que, num dado momento,
exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre
homem e natureza. Ainda para este autor, as paisagens são somente as formas
que observamos, as quais podem ser atuais ou passadas, constituindo um sistema
material e imutável, sendo que estas formas são criadas em momentos históricos
diferentes, porém coexistindo no momento atual. Pensemos em um centro histórico
de uma cidade qualquer. Encontraremos diversos tipos de construção que nos
remetem a diferentes momentos históricos (como por exemplo, a igreja construída
há muitos anos, casarões antigos e casas com padrão moderno). Para Santos, esse
conjunto de formas construídas em momentos diferentes são somente formas e
estão todas juntas no momento atual. E a dinâmica da sociedade, a vida? Como
Santos entende isso?

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UNIDADE Fundamentação Conceitual

Santos criou a concepção de espaço como o conjunto das formas mais a vida
que os anima. Diferente de Tricart que não separa as formas (construções) do
conteúdo (a vida), Santos faz esta distinção; e as formas (construções) são somente
formas (sem vida) e o que anima esta vida não faz parte de sua ideia de paisagem,
mas sim de espaço (um outro conceito). Portanto, até o momento, temos dois
conceitos diferentes de paisagem.

Vamos a um terceiro conceito, baseado em Aziz Ab´Saber (2003). Para este autor,
a ideia fundamental é a de que a paisagem é sempre uma herança. Esta herança diz
respeito aos processos fisiográficos e biológicos, sendo a paisagem um patrimônio
coletivo dos povos que historicamente as herdaram como território de atuação de
suas comunidades. Aziz propõe dois níveis de abordagem, quando tratamos de
determinada paisagem: 1) devemos considerar que a paisagem é uma herança de
processos de atuação antiga, remodelados e modificados por processos de atuação
recente. Toda a transformação do clima e do relevo, por exemplo, ocorridas há
milhões de anos estão sendo remodelados pelos agrupamentos humanos que nelas
se instalaram; 2) as nações herdaram fatias – maiores ou menores – daqueles mesmos
conjuntos paisagísticos de longa e complicada elaboração fisiográfica e ecológica.
Estes povos herdeiros (todos que já estiveram e os que estão vivendo na Terra) são
responsáveis (ou deveriam ser) pelo que herdaram, devendo assim, contribuir para
sua preservação. Desde os mais altos escalões do governo e da administração até o
mais simples cidadão, todos têm uma parcela de responsabilidade permanente, no
sentido da utilização não predatória dessa herança única que é a paisagem terrestre.

Como consequência de sua conceituação de paisagem, Aziz privilegia, sempre,


em suas análises de que forma se dá a relação entre a(s) sociedade(s) e a natureza,
pois desde os primórdios a forma como esta relação ocorre é que define a paisagem,
a qual, um grupo humano, após o outro, herdou.

A abordagem biogeográfica com base na definição de paisagem de Aziz é a que


tem sido mais utilizada entre os geógrafos brasileiros, pois considera os aspectos
físicos em sua interpelação com os aspectos humanos e de que forma isso se
define na organização do espaço (contemplando, também, a dimensão econômica,
política e cultural).

Podemos, após o discutido sobre a paisagem, perceber que há distintas formas de


conceituá-la e dependendo da opção que fizermos, seguiremos por um determinado
caminho e obteremos resultados diferentes em nossas análises.

O ecossistema
Originário da Biologia e aplicados a estudos desta disciplina, o conceito de
Ecossistema, por muito tempo foi utilizado pelos geógrafos em suas análises
biogeográficas. Com o passar do tempo, em função dos avanços teórico-
metodológicos da Geografia, o conceito advindo da Biologia não correspondia
mais às necessidades dos geógrafos em suas análises espaciais.

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Desta forma, buscou-se uma forma de abordagem dos ecossistemas que se
adaptasse às necessidades dos geógrafos, chagando-se assim à aplicação da Teoria
dos Geossistemas, na qual os seres vivos e sua distribuição são analisados na sua
interação com as sociedades humanas e de que forma as sociedades interferem e
influenciam na distribuição destes seres vivos no planeta.

Embora tenhamos encontrado um caminho que melhor se encaixa nas necessi-


dades de uma análise de caráter geográfico, ainda encontramos, com muita frequên-
cia, a aplicação do conceito de Ecossistema baseado nas concepções das Ciências
Biológicas. Aplicado desta forma, à Geografia, o conceito de Ecossistema nos leva
a uma abordagem que se aproxima dos objetivos da Biologia e não da Geografia.

Qual o conceito de Ecossistema que permeia, tradicionalmente, os estudos


de Biogeografia?

Tricart (1981) define Ecossistema como “um conjunto constituído por um grupo
de seres vivos de diversas espécies, e por seu meio natural, conjunto estruturado
pelas interações que esses seres vivos exercem uns sobre os outros e que existe
entre eles e o meio”.

Esta noção de ecossistema apresenta uma ausência de um caráter concreto,


essencial para uma análise geográfica: a espacialização e a influência e interferência
humana nos ecossistemas; interferência essa não somente negativa (“o homem
destruidor da natureza”), mas também positivo (diversas plantas existentes hoje
são resultantes de inúmeros cruzamentos e transformações realizadas pelos
agrupamentos humanos ao longo do tempo).

Assim, cabe aos geógrafos a tarefa de aplicar o conceito de Ecossistema em suas


análises espaciais, considerando a dimensão econômica, política e cultural que nele
tem atuado ao longo do tempo.

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UNIDADE Fundamentação Conceitual

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Vídeos
Conceitos em Geografia
Prof. João, que trata dos conceitos fundamentais para a Geografia. Atente como a Paisagem é conceituada
ao longo da apresentação e no depoimento de Aziz Ab´Saber.
https://youtu.be/focuvpq3VOw

Economia Verde.
Observe de que forma nossa sociedade está lidando com a escassez de recursos naturais e quais são as
opções para a utilização destes recursos.
https://youtu.be/Myk6eHD8ikY

 Leitura
O livro Pensar a natureza – problemas e respostas na Idade Média (séculos IX-XIV)
Discute outras concepções de natureza além das apontadas nesta Unidade. Leitura interessante e de
aprofundamento sobre o tema.
https://goo.gl/p5LiIl
Leia o artigo (Relatório síntese do PNUMA): Economia verde – valorização da natureza.
Este artigo nos leva a uma reflexão sobre o valor que a fauna e a flora, e demais recursos naturais,
adquirem em nossa sociedade.
http://goo.gl/sf6pvJ

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Referências
AB´SABER, A. N. Os domínios de natureza no Brasil – potencialidades
paisagísticas. 2 ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003.

CARVALHO, M. B. de. Novos fundamentos para a biogeografia: a revolução


biotecnológica e a cartografia dos mananciais de biossociodiversidade. In: Olhares
Geográficos – meio ambiente e saúde. RIBEIRO, H. (Org.). São Paulo: Editora
Senac, 2005. (15-30)

________. O que é natureza. 2 ed. São Paulo: Brasiliense, 2003.

FERREIRA, V. de O. A abordagem da paisagem no âmbito dos estudos


ambientais integrados. GeoTextos, vol. 6, n. 2, dez. 2010. (187-208).

KAERCHER, N. A. Desafios e Utopias no ensino da geografia. 3. ed. Santa


Cruz do Sul: EDUNISC, 2003.

SANTOS, M. A natureza do espaço. 4 ed. São Paulo: Edusp, 2008.

TEIXEIRA, F. G. et al. Reflexões sobre o ensino de biogeografia a partir


da avaliação de livros didáticos de ensino médio. Disponível em: http://
docplayer.com.br/13820420-Reflexoes-sobre-o-ensino-de-biogeografia-a-partir-
da-avaliacao-de-livros-didaticos-de-ensino-medio-1.html

TRICART, J. I. Paisagem e Ecologia. São Paulo: IGEO/USP, 1981.

ZUNINO, M.; ZULLINI, A. Biogeografía: la dimensión espacial de la evolución.


Ciudad de México: FCE, 2003. Disponível em https://www.researchgate.net/
publication/264435473_Biogeografia_La_dimension_espacial_de_la_evolucion

Sites consultados
<http://www2.uol.com.br/historiaviva/noticias/paisagens_do_brasil_do_seculo_
xix.html>

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