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GEOUSP Espaço e Tempo, São Paulo, N~ 13, p. 9-20, 2003

GEOMORFOLOGIA E PEDOLOGIA

José Pereira de Queiroz Neto*

RESUMO
Este trabalho procura discutir questões que, a princípio, parecem obvias como o que é
geomorfologia e pedologia, mas que quando do trato acadêmico revelam sua complexidade
e discussão sobre seu entendimento e ação. Para isso um breve recuperar histórico de seu
entendimento e sua utilização se fez necessário bem como as relações que se estabelecem
entre Geomorfologia e Pedologia.
PALAVRAS CHAVE
Geomorfologia, Pedologia, ciência, solos

ABSTRACT
This paper intends to discuss subjects that seems obvious at first, as what is
Geomorphology and Pedology, but when, in academic work, they reveal their complexity
and discussion about their understanding and action. For that, a brief historical recover
of their understanding and their utilization have become necessary as well as the relations
established between geomorphology and Pedology.
KEY-W ORDS
Geomorphology, Pedology, science, soil.

A lg u m a s q u e s tõ e s s u rg e m tão Em p r im e ir o lu g a rf vam os
lo g o o u v im o s o u le m o s e s s a s d u a s v e r o q u e s ã o e s s e d o is ra m o s d o
p a la v ra s : c o n h e c im e n to .

• O que são? P e d o lo g ia ( do grego e latim ped


• Para que servem? ou pedon = terra onde se pisa, logos
• Como surgiram? = estudo) é um termo erudito, criado
• Como se relacionam? para designar o ramo do conhecimento
das Ciências da Natureza que estuda

* Prof. Titular, Departamento de Geografia FFLCH/ USP


e-mail: flg@ usp.br
12 GEOUSP - Espaço e Tem po, São Paulo, N~ 13, 2003 Queiroz, J. P.

os solos: é interessante verificar que a sobre a qualidade dos solos e como


importância do relevo para estes acha- reconhecê-los.
se explicitada na própria definição dos No Renascimento, além das
fatores responsáveis pela sua gênese. navegações que alargaram as fronteiras
O termo G e o m o r fo lo g ia (do latim do mundo até atingir o que é hoje, a
geo = terra, morfo = forma, logos = busca pelos princípios da vida colocavam
estudo) também é erudito e recente, o solo em situação privilegiada. Acusava-
designando o ramo do conhecimento se o ar, a água, o fogo e flogística como
das Ciências da Natureza que estuda os grandes responsáveis pela vida no
as formas dos relevos. Ao contrário da nosso planeta: a participação da terra, do
Pedologia, que situa o relevo na sua solo, ora tinha tanto destaque como os
conceituação de solo, a importância ou outros, ora era negligenciada.
o papel que este desempenharia para os O final do século XVIII e início
relevos não foram nunca colocados de do XIX terá enorme importância para
modo explícito pela Geomorfologia. o reconhecimento da importância dos
A seguir, vamos tentar responder elementos químicos na nutrição das
por partes às outras questões: de início, as plantas. Duas correntes se enfrentam,
suas histórias = como e quando e surgiram de uma lado o francês BOUSSINGAULT,
como ramos do conhecimento das Ciências afirmando que as matérias orgânicas
da Terra. A seguir, como se relacionam, seriam essenciais para o desenvolvimento
começando pelo seu reconhecimento vegetal, de outro alemão LIEBIG, que
recíproco, porém independente dentro demonstra a importância da nutrição
de cada conhecimento. Terminaríamos dita mineral, envolvendo os elementos
comentando como deveriam se químicos presentes nos solos. Este último
relacionar (e o verbo está no condicional, ganhou a parada, e de tal forma que
porque nem sempre pedólogos e até hoje as adubações que se praticam
geomorfólogos conseguem se entender nas diferentes culturas baseiam-se
adequadamente). em princípios por ele estabelecido. No
entanto, de uns tempos para cá começou-
Pequenas Histórias se a perceber que BOUSSINGAULT não
estaria totalmente errado, pois para
A preocupação com o conhecimento manter um solo saudável e produtivo, é
dos solos acha-se registrada desde os imperioso manter equilibradas as relações
tempos históricos e isso é fácil de se entre suas partes mineral e orgânica.
entender: a partir do momento em que Em 1883, aparece o livro
os homens passaram a cultivar plantas, C h e rn o z e m (do russo Tcherno =
logo procuraram reconhecer as melhores negro e zem = solo) de DOKUTCHAEV,
terras para seus cultivos. Mas próximos que constituiu a certidão e batismo da
a nós vamos encontrar verdadeiros moderna Ciência dos Solos: ele fora
tratados escritos na Roma dos Cesares contratado pelo governo russo para
sobre agricultura, incluindo informações estudar as causas do fracasso da colheita
de trigo nas terras negras na Ucrânia.
Geom orfoloqia e Pedoloqia, pp.9-20 13

Logo depois, ele estuda outro solo em que para as excursões terrestres e
região mais ao norte, o podzol, cujo o ocupação dos territórios era importante
nome deriva do aspecto de seu horizonte o conhecimento dos cursos d'água e sua
subsupercial (pod = sob, zol = cinza dinâmicas, dos ventos e do gelo.
da queima da madeira). A importância O final do século XVIII e início do
desses trabalhos do cientista russo, é século XIX foram efetuadas observações
que pela primeira vez foi reconhecida sistemáticas sobre a ação das correntes
a sucessão de horizontes A, B e C dos alpinas, na região de Chanonix na França,
solos, suas características químicas e e sobre processos e mecanismos da erosão
físicas, e procurou-se relacionar com a nas Montanhas Rochosas, na região de
origem e evolução dos solos. Salt Lake City nos Estados Unidos. É
É curioso observar que também importante lembra que as Geografia e
antes do final do século XIX, HILLGARD Geologia modernas também estavam
nos Estados Unidos chega a percepções nascendo, e iriam determinar dois
bastante próximas, organizando o caminhos diferentes, a serem trilhados
reconhecimento e o mapeamento de pela Geomorfologia: nos Estados Unidos,
solos, sobretudo das frentes pioneiras, a a denominada Geografia Física torna-
partir de suas qualidades e características se um ramo das Ciências Geológicas,
(textura, cor, análises de solos/ enquanto na Europa, sobretudo na
nutrientes). França, a Geografia como um todo passa
Percebe-se, assim, que o estudo dos a integrar as Ciências Fiumanas.
solos teve sempre um caráter utilitarista, No final do século XIX as observações
e seu reconhecimento e as definições de sistemáticas das formas do relevo
suas propriedades foram sempre feitos permitiram a DAVIS o estabelecimento
com rigor analítico. Esses dois aspectos das bases da moderna Geomorfologia.
irão marcar todo o desenvolvimento da Esta nasce inclusive, com um método
Pedologia, até hoje, diferenciando-o do de trabalho e um modelo teórico de
da Geomorfologia. interpretação da gênese e evolução das
Certos aspectos da superfície da formas de relevo, a teoria dos ciclos de
terra chamaram desde cedo a atenção erosão. O método de trabalho inicial
dos homens, principalmente o trabalho da Geomorfologia fora a descrição das
das águas correntes (rios, erosão). formas do relevo, o que levaria à criação
Ressalte-se, nessa época, os escritos do de modelos teóricos razoavelmente
gênio eclético LEONARDO DA VINCl, que abstratos e analógicos.
publicou escritos sobre erosão. Se o estudo de certos aspectos
No Renascimento estava-se da Geomorfologia teve, pelo menos
descobrindo que a Terra é redonda, parcialmente, um caráter utilitarista
permitindo as navegações que quando, por exemplo, procurava
"descobriram " novos continentes, conhecer a dinâmica e funcionamento das
inclusive as de circunavegação. Para águas correntes, a explicação da gênese
isso, o conhecim ento dos oceanos era e evolução das formas dos relevos seria
importantíssimo, da mesma forma feita através de um modelo teórico,
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numa abordagem sintética, diversa e composição e estrutura do planeta; a


sem o rigor da abordagem analítica da Terra seria formada por 7 envelopes
Pedologia. sucessivos:
Os desenvolvimentos dos
• o interior, tridimensional, com material
conhecimentos na Geomorfologia e na
ígneo, alta pressão e temperatura,
Pedologia sempre estiveram relacionados
conferindo grande mobilidade às
a problemas surgidos no uso das terras.
moléculas (grão e núcleo = NIFE; manto
Percebia-se que sem o conhecimento das
características e qualidades dos solos, = SIMA);
seu uso não poderia ser adequado para • a litosfera, tridimensional e contínua,
obter melhores produções agropecuárias, crosta rígida, com muito baixa mobilidade
além de poder tornar-se danoso para o das moléculas (SIAL);
ambiente: a ocupação do espaço perderia • a pedosfera, tridimensional e
o rumo. Para a Geomorfologia, dava-se descontínua, ocorre apenas na parte
importância somente ao reconhecimento emersa da crosta, apresenta mobilidade
de certos processos, como por exemplo de moléculas superior à da litosfera;
os fluviais que determinam inundações, • a hidorsfera, tridimensional e
erosões marginais, deposição de descontínua por entre espaços deixados
sedimentos. pela pedosfera, apresenta moléculas em
Assim, o rigor analítico empregado movimento;
no conhecimento dos solos e de seus • a cirosfera, tridimensional e
materiais constituintes sempre fez parte descontínua, ocorrendo apenas nos pólos
do desenvolvimento da Pedologia: apenas e altas montanhas, constituída por água
como lembrança, hoje empregam-se em estado sólido, portanto com pouca
equipamentos com enorme poder de mobilidade das moléculas;
aumento, que permitem enxergar a • a atmosfera, tridimensional e
superfície de partículas de argila (que descontínua, em estado gasoso com
são menores que 0,002 mm). Esse rigor grande mobilidade das moléculas;
nunca fez parte do desenvolvimento da • enfim, a superfície, seria uma espécie
Geomorfologia, que foi dominado por de envelope apenas bidimensional e
técnicas de descrição e qualificação contínuo, sem moléculas (sem matéria),
das formas de relevo, cujas escalas de correspondendo às formas de relevo
observação evidentemente não são as tanto sobre os continentes quanto no
mesmas das empregadas no estudo dos fundo dos oceanos.
solos: são no máximo escalas 1:1, isto
Faltaria nessa sucessão de
é, da dimensão registrada pela visão
envelopes a biosfera,, que é tridimensional
humana.
e descontínua, em estado sólido no
exterior e líquido e gasoso no interior,
Que Relações elas mantém entre si?
situa-se na interface da pedosfera e da
atmosfera.
/
BÜDELL (1968) propôs uma E curioso observar que as formas
interpretação astuciosa para definir a dos relevos tem debaixo de si os solos,
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Geomorfologia e Pedologia deveriam o reconhecimento dessa organização


manter estreitas relações, assim como juntam ente com o conhecimento de suas
as que ambas mantém com a Geologia, características analíticas.
que está debaixo. No entanto, como já A simples observação da superfície,
havíamos mencionado, historicamente, de acordo com a definição de BÜDELL,
não foi isso que ocorreu, pois o estudo seria suficiente para se identificar o
dos solos e dos relevos desenvolveu- relevo. A partir do modelo proposto por
se de modo interessante e autônomo DAVIS, interpretando a gênese e evolução
e por caminhos raramente paralelos: dos relevos, as observações efetuadas
os procedimentos empregados, desde em regiões muito diversas fez surgir a
o início, no reconhecimentos de seus idéia de que cada clima seria responsável
objetivos de estudo eram muito diferentes por um modelo de relevo (glacial,
e as linguagens muito específicas. A bem desértico, úmido, temperado e tropical,
dizer, só a partir da 2a metade do século etc.). As teorias iniciais empregadas
XX foram estabelecidas relações íntimas para reconhecer as diferentes formas
entre esses dois ramos do conhecimento: dos relevos eram apenas descritivas
um dos problemas a superar diz respeito - para conhecer o relevo, bastava
às diferenças entre procedimentos de descrevê-lo: esse reconhecimento
abordagem e o outro, conseqüência poderia ser acompanhado de medidas
do primeiro, é a questão da escala de que procuravam qualificá-lo, como
abordagem no estudo dos respectivos comprimento das vertentes, profundidade
objetos de estudo. As diferenças dos vales, largura das planícies aluviais,
dos procedimentos empregados na etc.
abordagem do estudo dos solos e dos Nos anos 30 do século XX, a
relevos são facilmente compreensíveis. Pedologia começaria a perceber a
Em primeiro lugar, as raízes das existência de relações de dependência
plantas cultivadas exploram terra: é entre a história dos solos e a posição
preciso conhecer suas características ocupada nos relevos onde se encontram.
e propriedades, sobretudo analisá-la, Inicialmente, a posição topográfica
conhecer o nível dos nutrientes através determinaria uma ação diferenciada
das análises de laboratório. Além da água sobre características dos
disso, a descoberta de DOKUTCHAEV solos. Seguir-se-ia a percepção de
foi fundamental: os solos apresentam que, mantidas as mesmas condições,
camadas sucessivas, mais ou menos essa ação da água determinaria uma
paralelas à superfície (de onde o nome dostribuição constante dos solos nas
horizontes) e só o conhecimento dessa encostas; dessa época data a proposta do
organização permite avaliar o potencial termo catena por MILNE que, trabalhando
de fertilidade (água e nutrientes) de um com mapeamento de solos em território
solo. Dessa forma, só se conhece o solo africano, observara que nuna dada região
se abrirmos um "buraco" de profundidade as encostas apresentariam um sucessão
adequada, para observar a totalidade repetitiva de solos nas encostas; esse
de sua organização: seria necessário termo seria empregado a seguir também
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pelos geomorfólogos. Posteriormente, rígido com moléculas de baixa mobilidade,


percebe a relação entre tipos de solos a evolução é muito lenta, deixando
e formas de relevo, distinguindo que registros que podem atingir até o bilhão
solos mais "jovens" ocorrem sobre de anos.
relevos de evolução recente. Finalmente,
P e d o s fe r a - moléculas com alguma
a partir das duas últimas décadas do
mobilidade e evolução menos lenta,
século XX, alguns pedólogos começam a
deixando registros de sua evolução que
perceber que a alteração das rochas pelo
podem atingir os milhares ou centenas de
intemperismo e a formação dos solos
milhares de anos.
são poderosos agentes na formação de
formas do relevo. B io s fe r a - moléculas de maior
Por seu lado, somente na segundo mobilidade, deixam registros de sua
metade do século XX, a Geomorfologia presença e evolução de até centenas de
passou a perceber a importância anos.
do conhecimento dos produtos do
S u p e r fíc ie - depende das outras esferas:
intemperismo (solos, alteritas, formações
não tenho moléculas próprias, pode
superficiais) como testemunhos de
apresentar grande mobilidade (mudança
processos de gênese e evolução das
de forma por erosão, por exemplo) ou
formas de relevo. No entanto, o passo
menor (manutenção da forma juntamente
seguinte dado pela Pedologia, no
com os solos), deixando registros desde
reconhecimento de que a gênese de
contemporâneos até da ordem do milhar
solos é um poderoso instrumento de
ou da centena de milhar de anos.
gênese de relevos, raramente foi dado
por geomorfólogos: ainda perdura a idéia A tm o s fe r a - moléculas de grande
que a gênese dos relevos é conseqüência mobilidade, apresentam natureza
apenas de processos erosivos, e que a essencialmente contemporânea,
dos solos apenas fornece materiais para praticamente não deixando registros
serem erodidos. diretos de sua evolução.
Seria preciso acrescentara influência
Escalas e Classificações do homem em todos os fenômenos de
superfície, que poderia ser entendida
Osegundo problema a superar, como constituindo uma antroposfera,
como mencionado, é a questão das que acarretaria grande aceleração dos
escalas temporais e espaciais no estudo processos, portanto maior mobilidade
de seus objetos. das moléculas, deixando registros de até
O estudo dos solos e dos relevos alguns milhares de anos.
encontram-se no ponto de encontro Dessa Forma, o estudo dos
de vários ramos do conhecimento, que solos relevos deve levar em conta
apresentam escalas temporais muito a compatibilização dessas escalas
diversas: temporais.
O problema das escalas espaciais
L it o s fe r a - como é o envelope mais está diretamente relacionado ao das
Geom orfoloqia e Pedologia, pp.9-20
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classificações. Por exemplo a Pedologia cada vez mais precisos, porém com
tradicionalm ente classifica seu objeto perda da visão do conjunto: um exemplo
de estudo como um corpo natural bem significativo, no sudeste brasileiro, é o da
definido, tridimensional, que corresponde cuesta de Botucatu, que vai dos confins
ao menor tamanho contendo todas as do SSW de Minas Gerais até penetrar
características morfológicas: sucessão pelo NNE do Paraná. Em escalas maiores,
vertical de horizontes, extensão lateral é possível caracterizar trechos dessa
que abarque as variações de espessura; cuesta, mas a representação do todo só
em geral isso corresponde às dimensões será possível em escala muito pequena.
de uma trincheira com dois a três metros As legendas das cartas
de comprimento e largura e pelo menos geomorfológicas, de modo geral,
dois metros de profundidade. De um lado, contém esboços de classificações dos
a observação e a definição desse objeto fatos observados. Cabe a TRICART
podem ser feitas em qualquer escala, (1965) a unica proposta de classificação
desde 1:1 até escalas muito pequenas. taxonômica dos fatos geomorfológicos,
De outro lado, a classificação dos solos aliás muito astuciosa pois procura
se faz através de uma hierarquização de compatibilizar as escalas temporais e
categorias, reunido cada nível categórico espaciais, hierarquizando-as desde o nível
solos com características afins, indo das mais geral, dos continentes, até o mais
características específicas, na base, às particular das figuras microscópicas; essa
mais gerais, no topo da classificação, de proposta de taxonomia foi utilizada por
modo similar às das taxonomias botânicas BERTRAND, na sua tentativa de definição
e zoológica. Assim, a representação geossistêmica de paisagem. No entanto
cartográfica da distribuição dos solos se essa taxonomia compreende os fatos
numa região dependerá da escala geológico-estruturais e morfológicos
da carta; por exemplo, uma carta de hierarquizados, não contempla as
solos na escala 1:100.000 só poderá alteritas, as formações superficiais ou os
representar uma determinada associação solos.
ou agrupamento de solos correspondendo Pelo exposto, percebe-se que o
à um determinado nível de hierárquico e estabelecimento de relações espaço-
não mais aos perfis individuais. temporais diretas entre os objetos
Para a Geomorfologia, o objeto de solo e formas do relevo_ não é tarefa
estudo não é passível de ser definido fácil. Esse tipo de abordagem permite,
dimensionalmente. Um exemplo quando muito, estabelecer relações de
interessante é o de uma escarpa de coincidência de aparecimento, isto é,
cuesta: ela só pode ser definida como perceber que determinada categoria de
tal a partir da observação à uma certa solo pode aparecer simultaneamente
distância, que permite enxergá-la no à um tipo de relevo. Essas relações de
seu todo - isso corresponde à uma coincidência independem das escalas de
determinada escala de observação, observação e representação: no entanto,
menor que 1:1. A observação cada vez por si só elas não conseguem explicar
mais próxima, permite enxergar detalhes as causas do aparecimento conjunto
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de determinado solo com determinada permitem mostrar que ao clima de


forma de relevo. savana correspondem formas de relevo
tipo chapadas e solos do tipo latossólico.
Busca do Entendim ento • Quanto maior a escala de observação/
representação de um fenômeno, mais
Na procura da compreensão rápidas são suas transformações, mais
das relações entre os solos e os fácil é a compreensão dos processos
relevos é preciso superar certas idéias que lhes dão origem e que permitem
preconcebidas, a principal delas que diz explicar as eventuais coincidências de
haver uma oposição entre os processo posição. Exemplos significativos podem
de pedogênese (alteração das rochas, ser encontrados nas pesquisas sobre
formação dos solos) e de morfogênese os caminhos da água nas vertentes,
(erosão, esculturação/esculpimento das tanto internamente aos solos (alteração
formas de relevo): ambos podem ser das rochas, transporte de matéria como
simultâneos e, mais que isso, podem agir partículas). Essas pesquisas mostram o
concomitantemente. importante papel das ações químicas.
Na realidade, a busca do Físicas e físico-quím icas da água, e
entendimento das relações entre os biológicas dos organismos vivos, na
dois objetos, solo e relevo, passa pela alteração das rochas/formação dos solos,
compreensão dos processos dinâmicos com a liberação de elementos, permitem
(intemperismo) que agem na parte explicar as eventuais coincidências de
superficial da crosta, responsáveis pela posição. Exemplos siginificativos podem
elaboração dos relevos e gênese dos solos, ser encontrados nas pesquisas sobre
isto é, morfogênese (entendida como os caminhos da água nas vertentes,
processos erosivos) e da pedogênese tanto internamente aos solos (alteração
(entendida como processos bioquímicos das rochas, transporte de matéria sob
relacionados à alteração das rochas). forma iônica), quanto externamente pela
P a ra ta n to , é p r e c is o te r em m e n te superfície (erosão, transporte de matéria
que: como partículas). Essas pesquisas
mostram o importante papel das ações
• Quanto menor a escala espacial químicas, físicas e físico-químicas da
de observação/representação de um água, e biológicas dos organismos vivos,
fenomeno contínuo, mais lenta é sua na alteração das rochas/formação dos
transformação (dinâmica), mais fácil é o solos, com a liberação de elementos,
conhecimento de relações de coinscidência com as transform ações mineralógicas e
de posição. Um exemplo interessante é o com a evacuação de grande parte deles:
de grupamentos de solos e de famílias essas ações dão lugar a abatimentos
de relevo que acompanham as relações superficiais localizados e podem originar
regidas pela zonalidade: entram aqui formas de relevo sem a intervenção dos
apenas características e propriedades processos erosivos superficiais.
Como idéia final, pode-se afirmar
de elevado grau de generalização, que
que a escala de abordagem para a
Geom orfoloqia e Pedoloqia, pp.9-20 19

compreensão das relações entre os solos LEONARDO DA VINCI (1452 1519)


e os relevos deve ser compatível com a - engenheiro militar, arquiteto, escultor
magnitude do fenômeno a ser estudado, e pintor italiano, mais conhecido pelo
que no caso é a vertente. quadro da "Mona Lisa"do que por suas
observações sobre hidraúlica e geologia.
Autores citados por ordem de
DAVIS, Willam Morris (1850-1854)
aparecim ento no texto
geógrafo e geólogo americano,
controvertido autor de Geografia Física,
BOUSSINGAULT, Jean Baptise (1801- propôs (1889—> The rivers valleys of
1887) - químico francês, estudo a ação Pennsylvania) os conceitos de "ciclo de
dos fertilizantes de origem orgânica na erosão"e de "peneplano"
nutrição das plantas, estabelecendo
polêmica com o alemão Justus von BÜDELL, Julius (19 ?) -geomorfólogo
LIEBIG, que introduziu a Química mineral alemão, notalizou-se por ter
como principal fator de alimentação das proposto o princípio das "regiões
plantas. morfogenéticas"(1944), que levou
mais à conceituação da "Geomorfologia
LIEBIG, Justus von (1803-1873) climática"(1963); propôs também
- químico alemão, estebelcendo em 1840 (1957) a teoria da "dupla superfície
a denominada "lei do mínimo", segundo a geomorfológica" = echplanação.
qual o fator limitante do crescimento dos MILNE, G. (19 ? ) - pedológo britânico
vegetais é o elemento nutritivo essencial realizando mapeamento de solos na
que aparece com a menor concentração África Equatorial na década de 1930,
percebeu que os perfis de solo aparecem
relativa. nas encostas numa sucessão constante,
DOKUTCHAEV, Vassili Vassilievitch presos entre si por fatores genéticos
(1843-1903) - geógrafo e naturalista, como os elos de uma corrente, daí o
criador da moderna Ciência do Solo nome catena, que sugeriu para designar
(1883 —> Os Chermozems). com seus tais sucessões (1935 —>Some suggested
trabalhos, propôs a disposição zonal units of classifícation and mapping,
dos solos e a análise sintética do meio particularly for East African Soils.
geográfico. TRICART, Jean (1920) - geógrafo e
HITNEY, Milton (18 ?- 19 ?) 0 geólogo geomorfólogo contemporâneo francês
americano, dedicou-se ao mapeamento introduziu a análise dos depósitos
dos solos em diferentes escalas, criando sedimentares no estudo das formas
a divisão de Solos no Departamento do relevo, enfatizando também a
de Agricultura daquele país, tendo ação do clima (1977—> Terra: planeta
preparado para a exposição Internacional vivo); foi assessor do Projeto Radam,
de Chicago (1893) uma coleção de 1.500 posteriormente RADAMBRASIL.
exemplos de solos (1893^ The Soils of BERTRAND, G. (19 ?) - geógrafo
Maryland). contemporâneo francês principal
20 GEOUSP Espaço e Tempo, São Paulo, N~ 13, 2003 Queiroz, J. P.

responsável pela introdução do conceito (1968 -^Paysage et géographie phisique


de geossistema na Europa Ocidental globale, traduzido por Olga Cruz -
1971).

Texto aceito em fevereiro de 2003

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