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Copyright © de Rodrigo Simas Aguiar, 2013.

Capa e Projeto Gráfico: Rodrigo Dias Pereira


Revisão: Dacio Luiz Osti

Garapuvu (Schizolobium parahyba), árvore de 20 a 30 metros de altura,


60 a 80 centímetros de diâmetro na altura do peito. Flores grandes,
vistosas, amarelas. Tronco elegante, majestoso, reto, alto e cilíndrico,
casca quase lisa, de cor cinzenta muito característica. Floresce durante
os meses de outubro, novembro e dezembro. Ocorre na zona da mata
atlântica, desde o extremo norte do Estado até Criciúma, principalmente
ao longo das encostas do litoral. Madeira de uso múltiplo, inclusive na
construção de canoas por nossos pescadores nativos. O garapuvu é a
árvore símbolo da cidade de Florianópolis, instituído por lei municipal (Lei
no 3771/92, sancionada em 25 de maio de 1992).

A282a Aguiar, Rodrigo Simas


Arqueologia e História indígena no litoral de Santa
Catarina/Rodrigo Simas Aguiar. Florianópolis : Editora
Garapuvu, 2013.
192p.

ISBN - 978-85-86966-78-1

1. Arqueologia 2. História - Brasil 3. História de Santa


Catarina 4. História indígena 5. Rodrigo Simas Aguiar I. Título

CDD - 981

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qualquer meio ou processo, sem a permisssão por escrito do proprietário dos
direitos autorais. A violação dos direitos autorais é punível como crime, previsto
no Código Penal e na Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610, de 19.02.1998).
Impresso no Brasil.

EDITORA

www.editoragarapuvu.com.br
e-mail: contato@editoragarapuvu.com.br
Índice

Introdução: sobre arqueólogos e antropólogos ............................... 5

Parte 1 – Temas em arqueologia .................................................... 27


O litoral de Santa Catarina e sua arqueologia ......................... 28
Os caçadores e coletores e o povoamento do litoral ................ 36
Os Itararés e o surgimento da cerâmica no litoral
catarinense ................................................................................ 54
A tradição arqueológica tupiguarani e a introdução
da agricultura ............................................................................ 67
Os petróglifos do litoral meridional de Santa Catarina........... 78

Parte 2 – Temas em história indígena ........................................... 101


Apontamentos para uma etno-história da Ilha
de Santa Catarina ................................................................... 102
Cultura material e identidade étnica Guarani ........................ 135
O contexto colonial e a formação das representações
e do imaginário acerca dos povos indígenas ........................... 159

Anotações finais: as fronteiras interétnicas e as perspectivas


para o futuro da história indígena ................................................. 173

Bibliografia ..................................................................................... 176


ANOTAÇÕES FINAIS: AS FRONTEIRAS INTERÉTNICAS E O FUTURO DA HISTÓRIA INDÍGENA

INTRODUÇÃO
INTRODUÇÃO
Sobre
arqueólogos e
antropólogos

Ilha do Arvoredo.

5
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Sobre
arqueólogos e
antropólogos

E
Existe um grupo de cientistas que se dedica a
estudar a humanidade como um todo, desde suas
longínquas raízes e as transformações sofridas ao
longo do tempo, até suas manifestações culturais
mais contemporâneas, como música, comidas típi-
cas e formas religiosas. Estes estudiosos da huma-
nidade são os antropólogos, que se apoiam em di-
Petróglifos -
versos métodos e técnicas para desenvolver suas Ilha das Aranhas.

6
INTRODUÇÃO

pesquisas. É importante ressaltar que a história da


antropologia, apesar de relativamente recente se
comparada com outras disciplinas científicas, é
muito dinâmica e propiciou a formação de muitas
correntes metodológicas. Porém, a imagem que
sempre vem à cabeça das pessoas é a do antropólo-
go desenvolvendo trabalho de campo, seja entre tri-
bos indígenas ou junto a subgrupos urbanos. Essa
imagem não está de todo equivocada, pois o traba-
lho de campo é o princípio de tudo na antropolo-
gia, mas o trabalho do antropólogo vai muito mais
longe.
Para entender melhor a antropologia é preciso
recorrer à etimologia: a palavra “Antropologia” vem
do grego – Anthropos = Homem e Logia =
estudo. Assim, a Antropologia é, literalmente, o
estudo do homem. Contudo, muitas disciplinas
estudam o homem, então qual a diferença principal
da antropologia? A resposta é simples: a antropologia
se propõe a estudar o homem como um todo e em
“caráter global comparativo”, enquanto outras
disciplinas, como a história ou a psicologia, estudam
aspectos específicos da humanidade. Claro que é
impossível existir um cientista com conhecimento
suficiente para estudar a humanidade como um todo.
Assim sendo, foi necessário estabelecer divisões para
facilitar o trabalho antropológico. O antropólogo
estadunidense Marvin Harris propôs uma divisão da
antropologia que veio a se tornar a mais conhecida
pelos estudantes universitários:

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ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Antropologia Física

Arqueologia
Antropologia
Linguística Antropológica

Antropologia Cultural

Cada campo se dedica a um aspecto específico


nesta enorme tarefa de entender a humanidade
como um todo:

Antropologia Física – Estuda a estrutura física do homem: sua


origem animal e evolução genética. Ou seja, Estuda o homem
enquanto entidade biológica.

Arqueologia – Estuda o passado do homem pelos restos


materiais.

Linguística Antropológica – Estuda a grande diversidade de


línguas faladas pelos seres humanos.

Antropologia Cultural – Ocupa-se da análise e descrição das


culturas. Levy Strauss divide-a em três estágios:
Etnografia – descrição sistemática das culturas. A primeira fase
do estudo antropológico – o trabalho de campo;
Etnologia – primeiro passo em direção à síntese. Os dados
levantados em trabalhos de campo são analisados e cruzados.
No Brasil é associada ao estudo das etnias indígenas.
Antropologia – último estágio, passo final em direção à síntese
com base nas conclusões obtidas pela Etnografia e pela
Etnologia.

8
INTRODUÇÃO

O presente livro se ocupa principalmente do


campo da arqueologia combinada com uma pers-
pectiva histórico antropológica. Com base nos es-
tudos arqueológicos ocupei-me em traçar um pa-
norama da ocupação humana no litoral de Santa
Catarina, desde os mais remotos tempos da pré-his-
tória (ou história pré-colonial como muitos prefe-
rem) até períodos históricos mais recentes. Para
tanto, pesquisei acervos de museus, documentos
históricos, investigações de campo e dados publi-
cados no meio acadêmico. Num trabalho clássico
de antropologia cultural, os dados arqueológicos,
etno-históricos (e as vezes etnográficos) foram cru-
zados e interpolados a fim de se atingir um conhe-
cimento mais holístico a respeito das populações
que habitavam o litoral catarinense antes da colo-
nização europeia. Ou seja, como resultado se tem
um panorama geral da história indígena no litoral
de Santa Catarina.
Petroglifo
encontrado
na Ilha do
Campeche.

9
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Para que o leitor possa ter uma plena com-


preensão do conteúdo deste livro, resolvi elaborar
uma breve introdução sobre a arqueologia e de como
o arqueólogo desenvolve seu trabalho. A arqueolo-
gia é hoje uma ciência mais e mais conhecida do
público em geral, que se deixa fascinar pelas des-
cobertas dos especialistas. Se antes muitos achavam
que o arqueólogo era aquele pesquisador que de-
senterrava dinossauros – uma confusão recorrente
com o campo da paleontologia – atualmente mais
pessoas sabem que a arqueologia se dedica ao estu-
do do passado humano. Na verdade, esta é a derra-
deira missão da arqueologia, facilmente compreen-
dida a partir da origem grega da palavra: arkaios
(antigo) + logos (estudo).
O arqueólogo Peter Drewett, em sua obra
“Field Archaeology – an introduction” ressalta que
para o público em geral a arqueologia envolveria Representação
três elementos cruciais: passado, restos materiais e vetorial de
inscrição
escavação. Talvez esta figuração não seja tão equi- rupestre,
vocada, mas o problema central reside em definir Ilha do
Campeche.
exatamente “o que é passado?”. Aplicaríamos aí
duas variáveis para tentar entender melhor o con-
ceito de “passado”: o passado distante e o passado
recente. Qual destas modalidades seria o objeto da
arqueologia? Ambas. Existem, por exemplo, cam-
pos da arqueologia que se dedicam a estudar a soci-
edade contemporânea (como a análise de hábitos
de consumo) por meio de observação e classifica-
ção do lixo que produzimos.
Assim, a definição encontrada no livro
“Antropologia Cultural”, de Marvin Harris, parece

10
INTRODUÇÃO

caminhar para uma visão mais adequada aos


tempos modernos: arqueologia como o estudo do
passado humano através dos restos materiais; onde
o conceito de passado assume uma dimensão bem
mais flexível.
Mas, para fazer arqueologia, independente-
mente da escala de tempo trabalhada, o mais im-
portante é a capacidade do arqueólogo em recom-
por o estilo de vida das populações. Para tanto, é
necessário empregar o que Julian Thomas, na sua
obra “Time, Culture and Identity: an interpretive
archaeology” (Tempo, Cultura e Identidade: uma
arqueologia interpretativa) define como “imagina-
ção arqueológica”. Ao observarmos uma sala de aula
vazia após o encerramento das atividades letivas,
podemos identificar elementos que confirmam os
eventos anteriormente vivenciados: a lousa com
escritos, carteiras desarrumadas, restos de papéis e
de giz; enfim, múltiplas evidências dos aconteci-
mentos protagonizados naquele espaço humano. A
imaginação arqueológica nos propicia estabelecer
um quadro possível e plausível do que ali se pas-
sou. Mas, mesmo assim, a constituição deste qua-
dro se limita aos elementos materiais que encon-
tramos.
Seriam então os arqueólogos viajantes do
tempo? A resposta é não. Segundo Drewett, os
arqueólogos não reconstroem o passado, pois o
passado se foi, está perdido para sempre. O que o
arqueólogo faz é criar uma série de histórias, ou
interpretações, de como algo poderia ter sido ou
ocorrido no passado. Para tanto, coleta o máximo

11
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

possível de informações, submetendo-as a métodos


que garantirão mais ou menos precisão sobre o
evento estudado. Ainda no exemplo de Drewett, um
pote de cerâmica é um fato: podemos dizer como
foi feito, qual o material utilizado, talvez onde e
quando foi feito e, quem sabe, situá-lo dentro de
uma história contextual, de como a vida era naquele
período se, por exemplo, este vaso pertencer ao
neolítico.
Clive Gamble, em “Archaeology: the basics”,
destaca que o arqueólogo rotineiramente escava,
cataloga, mede, descreve e analisa objetos e monu-
mentos do passado. Entretanto, o mais importante
é que o arqueólogo também desenvolveu um modo
de pensar, modo este assistido pelos métodos aci-
ma descritos. Assim, o grande entusiasmo da ar-
queologia residiria não somente na descoberta de
um túmulo intocado, mas na possibilidade de ex-
plorar nossa capacidade de raciocinar para além das
experiências diárias, incorporando ao tempo pre-
sente atividades e artefatos que um dia fizeram parte
da vida de outras pessoas.
A Arqueologia teve sua origem nos gabinetes
de curiosidades e nas coleções particulares. Aristo-
cratas, na ânsia de incrementar suas coleções priva-
das com objetos exóticos, financiavam expedições das
mais diversas naturezas. Neste período, as escava-
ções se davam sem método ou rigor científico, acar-
retando a mutilação de importantes sítios arqueoló-
gicos. Eram mais que tudo caçadores de tesouros que
agiam sem ética ou respeito pelos solos sagrados dos
povos ancestrais. Este tipo de atividade foi respon-

12
INTRODUÇÃO

sável pela perda irremediável de valiosas informa-


ções sobre incontáveis sociedades do passado huma-
no. Somente quando esta condição de amadorismo
foi superada é que a humanidade passou a entender
melhor sua origem, reconhecendo a importância de
estudar os povos do passado. A arqueologia, assim,
se constituiu como disciplina científica, passando a
incorporar técnicas e métodos que foram gradativa-
mente aprimorados.
O dinamarquês Christian Thomsen foi o pio-
neiro no estudo da cultura material dentro de uma
perspectiva que hoje classificamos como arqueoló-
gica. Em 1819, Thomsen elaborou um estudo da
coleção do Museu de Antiguidades Nacionais de
Copenhague, classificando-a em um modelo crono-
lógico de três eras, que veio se tornar referência em
arqueologia pré-histórica. Basicamente, a tecnolo-
gia forneceu a chave de sua classificação, onde os
objetos foram inseridos em eras: Idade da Pedra,
Idade do Bronze e Idade do Ferro. Isso porque pela
lógica histórica da tecnologia humana, artefatos de
pedra deveriam ser mais antigos do que os de bron-
ze e estes, por sua vez, mais antigos que os de ferro.

Adereços fusiformes, coletados na Ilha do


Campeche, Município de Florianópolis.

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ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

O arqueólogo dinamarquês Klavs Randsborg


destaca que Thomsen foi um profissional inovador
e, além de sua chave classificatória, desenvolveu
algumas atividades experimentais. Em um destes
experimentos, fez uso de machados fabricados nos
moldes dos encontrados em sítios arqueológicos
pré-históricos para cortar árvores e montar casas,
verificando assim a efetividade destes instrumen-
tos. Thomsen também trocou muitas correspondên-
cias com Peter Lund, que observando o modo de
vida de tribos indígenas no Brasil mandava-lhe ano-
tações por correspondência, numa perspectiva mui-
to similar aquela apontada por Lewis Binford em
sua teoria de médio alcance, surgida quase um sé-
culo depois.
Como já vimos, a Arqueologia, em uma pri-
meira instância, seria o estudo do passado da hu-
manidade. Mas qual seria então a diferença da ar-
queologia para a história, que também estuda o pas-
sado do homem? Partindo-se para os conceitos vei-
culados em dicionários e enciclopédias, chegamos
a definições um pouco mais específicas: arqueolo-
gia como o estudo da antiguidade humana, especi-
almente da pré-história e normalmente por meio
de escavação; o estudo científico de populações ex-
tintas; ou o estudo de períodos do passado humano
por meio de vestígios ósseos ou objetos decorren-
tes da atividade humana encontrados em meio a
camadas de terra.
Para o escritor C. W. Ceram, que popularizou
a arqueologia em suas obras “Deuses, túmulos e
sábios” e “O mundo da arqueologia”, ao comentar

14
INTRODUÇÃO

o conceito de arqueologia da Enciclopédia Britâni-


ca de que a “arqueologia é, ao mesmo tempo, uma
ciência e uma arte”, acrescenta que a arqueologia é
também “aventura, aventura de espírito e de ação”.
São muitos os feitos fantásticos da Arqueologia.
Certamente, um dos arqueólogos mais conhecidos
e citados pela bibliografia é o britânico Howard
Carter, responsável pela descoberta do túmulo do
faraó egípcio Tutancâmon, no Vale dos Reis, em
1922.
Muitos teóricos apontam os trabalhos em
Pompeia e Herculano como sendo o início da ar-
queologia enquanto ciência. No começo, os traba-
lhos nestes sítios arqueológicos, situados na região
do monte Vesúvio (Itália), se davam por explosivos
e picaretas, uma ação encomendada por Carlos de
Bourbon (Rei das duas Sicílias) em 1738 para satis-
fazer o pedido de sua esposa, Maria Amália Cristina,
interessada nas obras de arte que surgiram casual-
mente e que decoravam os jardins napolitanos. Pri-
meiro resgatou-se três fragmentos de cavalos de
bronze (tamanho maior que o natural). Na medida
em que a equipe progredia com golpes de picareta,
resgatavam-se mais peças, até que se expôs uma
inscrição: “Theatrum Herculanense”, indicando a
descoberta de uma cidade perdida, soterrada em
vinte metros de lava. Mais de três décadas depois
descobriu-se também a cidade de Pompeia. A asso-
ciação do nascimento da arqueologia com Pompeia
e Herculano não está propriamente nas primeiras
escavações encomendadas pelo Rei, que pouco se
diferenciavam de uma caça ao tesouro, mas pela sis-

15
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

tematização e publicação dos achados, obra do prof.


Johann Joachim Winckelmann, o primeiro pesqui-
sador a estudar sistematicamente a arte antiga e a
inferir deduções sobre a história e os antecedentes
sociais do mundo antigo a partir de artefatos.
A partir destes trabalhos pioneiros desenvol-
veu-se um padrão para a pesquisa arqueológica, onde
os quatro conceitos principais da arqueologia – es-
tilo, seriação, popularidade e estratigrafia –
inseridos em contexto de espaço e tempo, serviram
de base para um modelo que permanece em uso nos
dias de hoje, passados mais de um século e meio
desde sua concepção inicial:

Estilo: reconhecimento de semelhanças visuais entre objetos,


que são classificados em tipos porque são estilisticamente
similares.
Seriação: Técnica de ordenar unidades estilísticas em
sequências cronológicas. Está baseada na hipótese de que
estilos culturais (moda) mudam e que a popularidade de um estilo
ou decoração em particular pode estar associada a certo período.
Popularidade: De tempos em tempos a popularidade pode
mudar e os arqueólogos podem registrar isso porque os estilos
aparecem e desaparecem. Alterações na popularidade podem
ser interpretadas de diferentes maneiras, por exemplo: a
movimentação espacial de pessoas com suas culturas; as
transformações de uma sociedade; a difusão de ideias e
tecnologias.
Estratigrafia: ideia de que os objetos que aparecem mais abaixo
nas camadas arqueológicas foram lá colocados antes dos que
aparecem nos extratos superiores e, por sua vez, são mais
antigos.

16
INTRODUÇÃO

No Brasil, a arqueologia tem sido praticada


por profissionais qualificados, muito bem avaliados
no cenário mundial. Esta trajetória de sucesso só
foi possível graças a uma origem sólida, construída
por arqueólogos brilhantes que lutavam contra as
adversidades. Muitos destes profissionais notórios
Representação se foram, deixando obras fundamentais que
vetorial de arte
rupestre. lançaram os alicerces da arqueologia brasileira.
Entretanto, outros cá estão em uma luta pela
consolidação da arqueologia no Brasil. Estes
últimos, apesar do intenso merecimento, gozam de
um reconhecimento acanhado face ao hercúleo
trabalho empreendido.
Se por um lado contamos com representantes
de excelente nível, de outro a ciência arqueológica
carece de mais apoio em nosso país. A grande maio-
ria dos trabalhos decorre da modalidade conhecida
por “arqueologia de contrato”. São trabalhos que
garantem a boa gestão do patrimônio arqueológico
brasileiro por meio do cumprimento dos dispositi-
vos legais previstos na constituição brasileira e em
outras instruções normativas. Para obterem a licen-
ça de instalação, os empreendimentos de grande en-
vergadura, como hidrelétricas, rodovias, indústrias
e outros de natureza similar, devem antes assegurar
a elaboração de um estudo cujo objetivo principal é
minimizar o impacto sobre o patrimônio arqueoló-
gico brasileiro. Ou seja, muito dos trabalhos arqueo-
lógicos só foram desenvolvidos porque as
empreiteiras são obrigadas por lei a financiar estu-
dos arqueológicos nas áreas que serão afetadas por
suas obras.

17
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Por outro lado, os estudos acadêmicos são li-


mitados tendo em vista que os recursos públicos
voltados para a arqueologia também são escassos
no Brasil. Para piorar, a arqueologia é uma ciência
cara, que depende de técnicas de última geração e
da interação com outros campos do saber. Um
exemplo disso é o processo de datação. Os
espectrômetros de aceleração de massa (AMS),
equipamentos utilizados para a datação radiocar-
bônica (carbono quatorze - C14), só existem fora do
Brasil. Assim, as amostras provenientes das pesqui-
sas arqueológicas em território nacional precisam
ser enviadas para outros países. Cada datação tem
um custo de centenas de reais, sendo que um bom
estudo arqueológico deve contar com pelo menos
algumas dezenas de datações.

A escavação arqueológica

A escavação arqueológica é um procedimento


metodológico que permite ao cientista estudar
minuciosamente um determinado sítio arqueológico,
resgatando de seus extratos as evidências do povo
que no passado ocupou aquele lugar. O controle dos
processos de escavação é primordial, pois na medida
em que o arqueólogo escava um sítio arqueológico
ao mesmo tempo o está destruído. Na analogia mais
recorrente, os níveis são comparados às páginas de
um livro que o arqueólogo deve ser eficiente na
leitura, pois cada página virada é automaticamente
destruída.

18
INTRODUÇÃO

Existem duas maneiras de se escavar um sítio


arqueológico: a prospecção por decapagem e a
prospecção por níveis artificiais. Na decapagem, o
arqueólogo segue os extratos naturais decorrentes
de diferentes momentos de ocupação de um sítio
arqueológico. Já na prospecção por níveis artificiais,
o processo é desenvolvido em quadriculas pré-
definidas que são escavadas em níveis de 10 cm.

Figura 1 – ilustração do processo de quadriculação de um sítio arqueológico. A


quadrícula em destaque é a D4, código utilizado para classificar o material
arqueológico extraído, num procedimento que se assemelha muito ao jogo de ‘batalha
naval’.

19
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

O método mais empregado em nosso país é o


da prospecção por níveis artificiais. Ao escolher este
método, todo o sítio é recoberto por uma malha,
com quadrículas idênticas, classificadas por núme-
ros e letras. Esta “malha” estará orientada de acor-
do com os pontos cardeais. Essa orientação se ob-
tém a partir de um datum, ponto mestre com regis-
tro de latitude, longitude e altitude, que servirá de
guia para toda a escavação. Estas quadrículas têm
uma medida pré-determinada, como 1 x 1m ou 2 x
2m, por exemplo. Isso facilita o procedimento pos-
terior de classificação das informações recolhidas.
Cada quadrícula será escavada individualmente e
para tanto o arqueólogo emprega apenas pazinhas
metálicas (similares àquelas utilizadas por pedrei-
ros) e pincéis.
Assim, se você estivesse escavando a quadrí-
cula da figura 1 e encontrasse material arqueológi-
co em 36 cm de profundidade, você registraria os
dados do achado da seguinte forma: quadrícula D4,
nível 4. Isso porque as quadrículas seguem o seguin-
te pressuposto:

0-10cm = nível 1
10-20cm = nível 2
20-30cm = nível 3
30-40cm = nível 4
e assim por diante....

A boa escavação se reconhece por muitos


elementos, e dentre estes está o nivelamento. O

20
INTRODUÇÃO

alinhamento das paredes da quadrícula e o


nivelamento da base de cada extrato artificial são
quesitos essenciais para o controle dos materiais
arqueológicos recolhidos. Para tanto, se utiliza um
nível de bolha, preso a uma linha que por sua vez
está atada ao ponto definido – como o datum. As
medidas do nível devem ser tomadas tanto no centro
da quadrícula quanto nas suas extremidades.
Como se pode observar acima, uma escavação
implica o manejo de milhares de informações. Essas
informações só podem ser classificadas mediante o
uso de fichas de campo. Uma ficha é utilizada para
registrar informações de determinado nível em certa
quadrícula. Assim, uma quadrícula com 12 níveis
terá, por sua vez, pelo menos 12 fichas, podendo
ainda haver mais, caso necessário.

Informações básicas contidas em uma ficha de campo:


• Escavador, sítio, data, quadrícula e nível;
• Coloração do solo (que pode ser registrado de acordo com
uma escala, como a Munsell);
• Tipo de matéria orgânica encontrada, caso exista;
• Tipo do material arqueológico e profundidade no nível em que
foi encontrado;
• Desenho e medidas das ocorrências arqueológicas em um
plano milimetrado (registro espacial).

São informações básicas e fundamentais para


entender o sítio arqueológico em estudo, mas as
fichas de campo podem ser ampliadas para se
extrair o maior número de informações possíveis.

21
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Tudo depende do sítio em questão. Além das fichas,


o arqueólogo conta com os registros fotográficos,
em vídeo e em caderno de campo. Na era digital,
estas ferramentas estão mais diversificadas, com
notebooks e câmeras digitais. Com isso, muitos
dados podem ser submetidos a uma catalogação
prévia ainda em campo e enviados facilmente para
um laboratório situado num museu ou universidade
por meio de internet. Escavação em um
sítio arqueológico
na Ilha de Santa
Catarina.

Ao finalizar a escavação de uma quadrícula o


material arqueológico deve ser devidamente reco-
lhido e acomodado para transporte, sendo o labo-
ratório seu destino final. Um dos meios mais usa-
dos para isso é colocar o material em sacos plásti-

22
INTRODUÇÃO

cos, acompanhados de etiqueta de identificação que


indicará as informações básicas: sítio, data, quadrí-
cula e nível.
Existem duas situações em que um registro
mais denso deve ser executado: quando da ocorrên-
cia de sepulturas ou de estruturas (como habitação,
cozinha, etc.). Nestes casos, além da ficha padrão,
deve-se preencher uma ficha específica. Cada uma
destas estruturas deve ser numerada, sendo que o
controle desta numeração se dá por esta ficha adi-
cional.
Há muitos tipos de material arqueológico en-
contrados em sítios arqueológicos. Especificamente
em sítios pré-históricos existem instrumentações fei-
tas em pedra, ossos, cerâmica, fibras e tecelagem (es-
tas duas últimas muito raras de encontrar). Além das
instrumentações, o arqueólogo encontra as estrutu-
ras de habitação e os restos alimentares daquele gru-
po estudado. Assim, é imprescindível que o arqueó-
logo tenha um conhecimento geral de antropologia
física, de geologia e de zooarqueologia. Todavia, mes-
mo com um conhecimento genérico destes campos,
uma boa equipe arqueológica deve ter entre seus
componentes geólogos, biólogos, paleontólogos, an-
tropólogos, entre outros. Ou seja, é uma ciência mul-
tidisciplinar e o arqueólogo tem que saber trabalhar
em equipe.
Na arqueologia moderna, métodos de verifi-
cação não intrusiva (sem escavação de poço teste)
estão sendo utilizados para delimitação mais preci-
sa de sítios arqueológicos. Trata-se de um campo
conhecido por geofísica. O método geofísico mais

23
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

usado está apoiado, basicamente, na resistividade


dos materiais. Quando eletrodos são introduzidos
no solo, a corrente que é transmitida entre eles en-
contra diferentes obstáculos, cada qual com distin-
tos graus de resistividade. Assim, é possível elabo-
rar um “mapa” daquilo que se encontra debaixo da
terra.
O esquema do processo para a formação do
conhecimento arqueológico é o seguinte:

- Trabalho de campo
- Primeiras interpretações
- Trabalho de laboratório
- Revisão das primeiras considerações
- Proposições

Seguindo procedimentos metodológicos


rigorosos e dando sequência ao esquema supracitado
o arqueólogo chega às informações que encontramos
nas revistas e livros, interpretando o passado da
humanidade.

A cerâmica

A análise cerâmica é um excelente indicador


no estudo de tradições culturais. Sabemos que a
popularidade das coisas vai e vêm e que esta
popularidade reflete muitos aspectos culturais,
como relações de comércio, organização social, etc.
A cerâmica, por sua vez, pode ajudar o arqueólogo
a compreender melhor estes processos.

24
INTRODUÇÃO

Os atributos tecnológicos são os primeiros


elementos a serem analisados e estão relacionados
com a manufatura dos recipientes. Decisões
tomadas durante a confecção dos vasos cerâmicos
relacionadas à seleção da argila, preparação da
massa e queima, estão refletidas nos atributos
tecnológicos. O tempero (antiplástico) é um
ingrediente essencial, pois evita que a cerâmica se
parta no processo de queima. Consiste de elementos
propositadamente agregados à massa - como grãos
de quartzo, ossos triturados, fragmentos de conchas
- cuja função é distribuir o calor sobre a superfície
de queima, evitando rachaduras.
Muitos atributos morfológicos podem ser
detectados em uma mesma tradição cerâmica. Além
da variação das formas e tamanhos, existem
diferenças entre os tipos de bordas, de bojo, de base,
pescoço, alças, etc. Tão variadas quanto os atributos
morfológicos são as decorações cerâmicas. Podem
ser classificadas em duas categorias: as decorações
pintadas e as decorações plásticas.
As decorações pintadas são obtidas pelo
emprego de pigmentos sobre a superfície do
recipiente cerâmico. Normalmente, o recipiente
recebe um banho (engobe), que pode ser branco ou
vermelho, que serve de fundo para as linhas que
serão desenhadas.
Já as decorações plásticas são resultantes do
emprego de objetos e de incisões na superfície ce-
râmica. Estas marcas são classificadas dentro da
tecnologia empregada. As decorações são funda-
mentais no processo de classificação da cerâmica e

25
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

são resultantes de elementos de organização social


e política, ou de indicadores étnicos.
No Brasil, há muitas tradições cerâmicas, que
variam de região para região. A mais abrangente
das tradições cerâmicas talvez seja a Tupiguarani.
Encontrada em diversos pontos da América do Sul,
a tradição arqueológica Tupiguarani caracteriza-se
pela manufatura de recipientes variados, tanto nos
usos como na morfologia. Característicos desta tra-
dição cerâmica são os grandes recipientes, conhe-
cidos como “igaçabas”, que além do uso na estoca-
gem de líquido eram também empregados em
enterramentos na forma de urnas funerárias.
Feita esta introdução sobre arqueologia e co-
nhecendo melhor o trabalho do arqueólogo, passa-
remos então a tratar do processo de povoamento
do litoral de Santa Catarina e do modo de vida dos
índios da pré-história.

26
INTRODUÇÃO

PARTE 1
ARTE

Temas em
arqueologia

Antropomorfo
picoteamento - Praia
do Pantano do Sul.

27
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

O litoral de Santa
Catarina e sua
arqueologia
A A região costeira do Estado de Santa Catarina,
sul do Brasil, caracteriza-se por um litoral
relativamente extenso (562 km), com características
que os geólogos e oceanógrafos identificam como
típicas de zonas de transgressão e regressão
marinha. São praias arenosas em forma elíptica, de
curta e média extensão, separadas por costões
rochosos. Sucessivas reocupações humanas nestas
regiões geraram um legado arqueológico variado.
Ao longo da história humana, a faixa litorânea
do Estado de Santa Catarina foi ocupada por
indivíduos de diferentes matrizes culturais. Os
primeiros assentamentos humanos do litoral foram
datados pela arqueologia em 6 mil anos. Naquela
época, eram hordas de caçadores e coletores que
migravam território afora em busca de nichos
ecológicos mais propícios para subsistência. Na Ilha
de Santa Catarina, mais precisamente, a ocupação
humana teve início há aproximadamente 5 mil anos,
conforme os registros arqueológicos de pesquisas
feitas nos sítios arqueológicos do Pântano do Sul
(escavado por João Alfredo Rohr) do Porto do Rio
Vermelho (escavado por Marco Aurélio Nadal De
Masi) e de Ponta das Almas da Lagoa da Conceição
(escavado por Anamaria Beck).

28
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

Fauna marinha e terrestre extremamente exu-


berante constituía o ecossistema, quando da che-
gada dos primeiros homens ao litoral. Este ecossis-
tema oferecia uma abundante fonte de alimentação,
favorecendo o estabelecimento dos assentamentos
humanos. O arqueólogo e padre jesuíta João Alfredo
Rohr, mentor de importantes pesquisas na região,
disse que os primeiros homens do litoral viviam nas
planícies sedimentares, junto a lagoas e desembo-
caduras de rios, a fim de sacar proveito da abun-
dante fauna marinha presente nestes ambientes.
Artefatos ligados à pesca, como anzóis e pesos de
rede, somados à grande quantidade de ossadas de
João Alfredo Rohr. peixes presentes nos assentamentos arqueológicos
são importantes indicadores que corroboram com
a hipótese de que a pesca seria a principal atividade
de subsistência dos povos caçadores e coletores do
litoral catarinense e por isso também são chama-
dos de povos caçadores e pescadores.
Além de peixes, mamíferos aquáticos, ma-
míferos terrestres de pequeno e médio porte, os
primeiros habitantes do litoral catarinense podi-
am contar com a coleta de moluscos, sendo que
estes últimos logo passaram a fazer parte da die-
ta básica. Complementando a nutrição, coletavam
frutas, raízes e palmitos. A acumulação dos de-
tritos alimentares em um local específico deu ori-
gem aos monumentos denominados sambaquis.
Os sambaquis do litoral de Santa Catarina são in-
ternacionalmente conhecidos como os maiores do
mundo, chegando alguns a atingir mais de 30
metros de altura.

29
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Esta riqueza em fontes alimentares resultou na


relativa sedentariedade daqueles povos de caçadores
e coletores. O sedentarismo do homem do sambaqui
catarinense contraria a característica básica da
economia caçadora e coletora de outras regiões do
mundo: o nomadismo. Sem a necessidade de mudar-
se por escassez de recursos alimentícios, os caçadores
e coletores do litoral de Santa Catarina podiam
permanecer um mesmo assentamento por centenas
ou, até mesmo, por milhares de anos.
Quase quatro mil anos depois da chegada dos
primeiros caçadores e coletores, aparecem no litoral
indivíduos pertencentes à tradição Itararé, derivada
do grupo Jê. A arqueologia classifica os Itararé como
originários do planalto e que migraram ao litoral
em busca de novos locais de assentamento e
subsistência. A cerâmica típica Itararé é uma das
evidências que subsidiam esta relação com os povos
Jê do planalto. Os vasilhames cerâmicos desta
tradição são de caráter exclusivamente utilitário,
empregados no preparo e consumo de alimentos. São
recipientes de pequena dimensão, com coloração que
varia do pardacento-escuro ao negro.
Os Jê do planalto eram horticultores que
exploravam paralelamente a caça e a coleta de
sementes, frutos e raízes. Uma das principais fontes
de alimentação destes ceramistas do planalto era o
pinhão – semente da araucária. O rigoroso inverno
das terras altas catarinenses não raramente
apresenta temperaturas abaixo de zero, exigindo
desses agrupamentos humanos soluções para
combater o frio. Nas estruturas de residência, o Jê

30
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

do planalto desenvolveu um tipo de habitação


subterrânea, que consiste de covas – normalmente
circulares – escavadas no solo com profundidade
variável de 1,5 a 2,5 metros, recebendo por
acabamento cobertura de palha ou de pele de animais.
Já no litoral, onde o clima era mais ameno, este tipo
de habitação ocorre muito raramente, preferindo o
Itararé edificar suas habitações ao nível do solo.
Relativo à tecnologia, os utensílios Jê no litoral
em muito se assemelhavam aos confeccionados pelos
caçadores, pescadores e coletores. A maior parte dos
instrumentos tem por matéria-prima a pedra. Entre
os mais especiais estão as pontas de flecha foliformes,
muito bem talhadas e de grande beleza. Entretanto,
os Itararés do litoral substituíram estas pontas de
flecha em pedra pelas executadas em osso, com
formas e tamanhos variados. Tal diferenciação na
forma e matéria prima dos projéteis pode ser
decorrente de uma adaptação ao tipo de caça presente
no litoral, cujas espécies apreciadas provavelmente
em muito diferenciavam daquelas selecionadas no
planalto.
Se, por um lado, entre os caçadores e coletores
do litoral a pesca e a coleta de moluscos constituíram
a base da alimentação, para os Itararés estes
recursos parecem ter sido bem menos aproveitados.
Em contraste com os sambaquis, os assentamentos
Itararé são muito mais terrosos em virtude de uma
menor concentração de conchas.
Outra significativa diferenciação entre os Jê do
planalto e os Itararés do litoral está na horticultura.
Se o cultivo era uma fonte extra de alimentação para

31
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

os habitantes do planalto, no litoral a horticultura


parece não ter sido praticada. Tal conclusão se dá
com base na análise da arcada dentária dos
esqueletos Itararés, que apresentam muito poucas
cáries. O arqueólogo Sérgio Baptista da Silva
interpreta este fato como evidência de uma dieta
pobre em carboidrato, ou seja, um caso típico de
populações que não se dedicam ao cultivo.
O último grupo humano pré-colonial a ocupar
o litoral catarinense foi o Tupiguarani. Sua presença
data de aproximadamente 1.000 A.P, época esta em
que ainda havia indivíduos do grupo Itararé presentes
na região, demonstrando contemporaneidade entre
as duas culturas. Evidências sugerem relações bélicas
entre os grupos pré-coloniais do litoral catarinense.
Esqueletos da tradição Itararé expostos no Museu
Arqueológico do Homem do Sambaqui “Pe. João
Alfredo Rohr” (Colégio Catarinense) apresentam
pontas de projéteis dispersas pela caixa torácica,
provavelmente causadoras dos ferimentos que
conduziram aqueles indivíduos a óbito. Talvez a mais
impressionante evidência de conflito seja uma ponta
de flecha cravada em uma vértebra da coluna cervical
de um indivíduo da tradição Itararé. Estes conflitos
explicariam o desaparecimento da tradição Itararé dos
registros arqueológicos. Detentores de outras
tecnologias e quiçá numericamente superiores, os
guarani acabaram por subjugar os indivíduos da
tradição Itararé.

32
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

Vértebra humana perfurada por flecha, procedente da Tapera – Ilha de Santa Catarina. Acervo
do Museu Arqueológico do Homem do Sambaqui “Padre João Alfredo Rohr, S.J.”.
Material Promocional do Museu - Foto: Geyson Serafin.

O assentamento Tupiguarani mais


antigo já datado no litoral é proveniente do
Representação
vetorial de arte
sítio arqueológico do Porto do Rio Verme-
rupestre - Ilha do lho, escavado e estudado pelo arqueólogo
Campeche.
Marco Aurélio Nadal De Masi. As pesqui-
sas de De Masi atribuíram uma datação em
carbono quatorze de quase mil anos de ida-
de para este assentamento Tupiguarani.
Esta datação foi de grande relevância para
a arqueologia, pois até então o meio cientí-
fico tendia a sustentar que a chegada dos
primeiros indivíduos desta tradição havia
acontecido pouco antes da conquista
europeia.

33
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Conhecidos na Ilha de Santa Catarina por


Carijó, foram os índios que vieram a ter contato com
o europeu colonizador. Ceramistas e horticultores,
aproveitavam paralelamente a caça, pesca e coleta.
Sua cerâmica apresenta uma variada ornamentação,
que vai da plástica à pintada, e era utilizada tanto
no preparo e estocagem de alimentos, como em
rituais. O mais famoso dos rituais envolvendo a
cerâmica é o enterramento em urnas funerárias,
chamadas de igaçabas.
Uma ampla caracterização do guarani de
Santa Catarina requer, além da avaliação dos dados
arqueológicos regionais, um balanço das fontes
etno-históricas, como as crônicas dos viajantes.
Mas, antes de tudo, faz-se necessário ilustrar a
origem do proto tronco tupiguarani e as posteriores
levas migratórias que conduziram à ocupação do
território sul-americano.
A conquista da América mudou drasticamen-
te a configuração dos povos indígenas, levando a
um novo mapa de distribuição de tribos e aldeias.
Na Ilha de Santa Catarina os antigos Carijós foram
exterminados. Em tempos históricos mais recentes
o litoral catarinense teve uma reocupação do terri-
tório Tupiguarani original por populações Guarani
contemporâneas, como é o caso dos Mbya Guarani,
que na atualidade vivem em aldeias como as de
Massiambu e Morro dos Cavalos, no município de
Palhoça.
Deste longo período de ocupação pré-histó-
rica e histórica, resultou um rico patrimônio cultu-
ral, materializado nas diversas modalidades de síti-

34
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

os arqueológicos ou no artesanato típico dos povos


contemporâneos. Na parte arqueológica, somados
aos sambaquis, aparecem os sítios rasos, paradei-
ros indígenas, oficinas líticas e a arte rupestre. An-
tropólogos e arqueólogos se utilizam destas evidên-
cias físicas, chamadas também de cultura material,
como fonte primária para seus estudos científicos,
possibilitando interpretar e compreender o passa-
do distante e recente dos povos indígenas.
Nas páginas que seguem cada uma destas po-
pulações do passado será discutida de forma mais
completa e individualizada, apresentando suas ca-
racterísticas arqueológicas atreladas a possíveis in-
terpretações antropológicas, garantindo assim uma
visão mais completa destes povos indígenas do pas-
sado, desde a pré-história até os períodos históri-
cos mais recentes.

Representação
vetorial de arte rupestre.

35
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Os caçadores e
coletores e o
povoamento do
litoral

I Imagine um passado muito distante, quando


o litoral era bem diferente daquele que hoje habita-
mos. Tempestades constantes em um clima muito
frio impossibilitavam o estabelecimento de assen-
tamentos humanos nas margens litorâneas. Este
clima ainda estava ligado a um período pós-glacial,
que lentamente foi se transformando e mudando o
panorama terrestre. Entre 8 e 6 mil anos atrás se
processou um fenômeno chamado “ótimo climáti-
co”, quando o clima estabilizou-se gradativamente
até chegar ao quadro atual. Somente depois do iní-
cio do ótimo climático é que os primeiros grupos
humanos puderam estabelecer ocupações ao longo
do litoral.
Os caçadores e coletores foram os primeiros
humanos a habitarem o litoral de Santa Catarina, o
que aconteceu por volta dos 6 mil anos antes do
presente. Aqui encontraram uma região com um
entorno ecológico exuberante e rico em recursos
alimentares. Tinham a sua disposição praias
piscosas e animais silvestres, o que passaram a ex-
plorar juntamente com a coleta de frutos silvestres,
raízes e moluscos. Porém, a pesca nestas áreas era

36
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

tão abundante que logo passou a ser a base da dieta


alimentar. Desta forma, os povos caçadores e cole-
tores passaram a ser também nominados de pesca-
dores. Toneladas de ossadas de peixes, mamíferos
aquáticos, além de cascas de moluscos foram en-
contradas nos muitos locais de habitação destes
habitantes da pré-história
Aos caçadores, coletores e pescadores do lito-
ral é atribuída a construção dos sambaquis, mon-
tes conchíferos artificiais de formato cônico, gigan-
tescos testemunhos da atividade humana. A pala-
vra sambaqui vem do tupi-guarani: tambá- concha
e qui- monte, elevação. Os sambaquis eram locais
de habitação estabelecidos nas planícies das praias
e em sua estrutura constituem-se de conchas e resí-
duos alimentares, resultantes da intensa atividade
de caça, pesca e coleta. O acúmulo destes detritos
em um lugar específico tinha por finalidade consti-
tuir um local seco e alto nas areias das praias e mar-
gens de rios, onde fixavam morada. Em um local
seco eles podiam residir, valendo-se da altura para
avistar cardumes de peixes e vigiar a aproximação
de qualquer coisa que oferecesse risco àquela co-
munidade.
Desta forma, entende-se que para construir
seus assentamentos, os caçadores, pescadores e co-
letores consumiam moluscos e peixes, amontoavam
as cascas e resíduos e moravam sobre elas, consti-
tuindo dessa forma um local seco na planície úmi-
Representação
vetorial de arte da das praias. Geração após geração e, muitas ve-
rupestre. zes, povo após povo, ocupando o mesmo monte de
conchas durante milênios, dava-lhe alturas fantás-

37
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

ticas de dez, vinte e mais metros de altura, com cen-


tenas de metros de comprimento.
Em meio aos estratos arqueológicos dos sam-
baquis, encontra-se como resultado da atividade
humana a cultura material: instrumentos, restos
de cozinha, evidência de fogueiras e sepultamen-
tos. Trata-se da estrutura básica familiar, que por
meio de escavações o arqueólogo acessa aquele
espaço onde antes as famílias se reuniam ao redor
do fogo para compartilhar as refeições, reforçar os
laços familiares e de amizade, construir suas resi-
dências e enterrar os seus mortos. Com habilida-
de e atrelado aos métodos científicos, a partir dos
vestígios coletados o arqueólogo acessa aquele
ambiente familiar que desapareceu há milênios e
começa a juntar as peças para poder apresentar
uma versão de como estes antigos homens do lito-
ral viviam e se relacionavam como o meio ambi-
ente circundante.
Para sobreviver, era necessário que o homem
da pré-história desenvolvesse instrumentos que o
tronassem capaz de extrair sua subsistência daque-
le ambiente em que estava inserido. Seus utensíli-
os eram feitos a partir de osso, pedra ou conchas e
compostos basicamente de lâminas de machados,
anzóis, pontas de projéteis, furadores, batedores,
facas e agulhas. Esta ampla instrumentação era in-
dispensável nas atividades de caça e pesca. Mas os
primeiros caçadores, pescadores e coletores do Li-
toral de Santa Catarina também desenvolveram
adereços e objetos ritualísticos que traziam signi-
ficado para sua vida no dia a dia.

38
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

Todos os objetos manufaturados, após esco-


lhida a matéria prima, recebiam algum tipo de aca-
bamento, seja para aumentar a efetividade dos uten-
sílios ou para conferir-lhes qualidade estética. Este
processo de produção na verdade era muito sim-
ples e consistia basicamente em lascamentos e po-
limentos. Vamos utilizar os machados de pedra
como exemplo: primeiramente um bloco de pedra
era lascado até que lentamente exibisse uma forma
próxima da desejada pelo artífice; depois este pré-
machado recebia polimento por meio do atrito do
objeto contra uma pedra (do costão, por exemplo);
por fim, o gume era polido a ponto de fio. Termina-
do este processo, o machado era amarrado ao seu
cabo e estava pronto para o uso.

Utensílios: lâmina de machado com gume polido, coletado no Pântano do Sul e


“micrólito” com gume polido, coletado na Ilha do Campeche. Hoje integram o acervo
do Museu Arqueológico do Homem do Sambaqui “Pe. João Alfredo Rohr, S.J.”.

39
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

O sistema de polimento era elementar, mas


demandava bastante esforço e horas de trabalho. O
polimento se dava por meio de movimentos circu-
lares exercendo pressão do objeto contra as pedras
do costão, o que gerava nas rochas de suporte uma
abrasão em formato de prato raso. Areia e água eram
adicionadas ao processo para aumentar o atrito.
Depois, em movimentos retilíneos, o machado era
atritado até que o gume ficasse afiado o suficiente;
neste processo, marcas em forma de sulcos profun-
dos eram originadas sobre as pedras dos costões.
As pedras que apresentam marcas decorrentes desta
atividade de manufatura de instrumentos são clas-
sificadas pela arqueologia como oficinas líticas, ver-
dadeiros testemunhos a céu aberto da atividade pré-
histórica de produção de utensílios. A praia dos In-
gleses, em Florianópolis, possui aquela que talvez
seja a maior oficina lítica do Estado de Santa Cata-
rina, com inúmeros polidores e afiadores dispostos
ao longo de seu costão sul.

Oficina lítica da
Praia dos
Ingleses, costão
sul – Ilha de Santa
Catarina.

40
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

Existem alguns instrumentos que chamam a


atenção pelo extraordinário acabamento, como os
pesos de rede. Para esta função, um pedaço de pe-
dra mais ou menos adaptada executaria o traba-
lho sem maiores problemas, mas muitos dos pe-
sos de rede apresentam um acabamento impecá-
vel: um círculo perfeito, aberto no centro para
amarra na rede. Porém, existem instrumentos que
receberam acabamentos muito insipientes, prati-
camente o restrito para conferir ao objeto alguma
funcionalidade. Algumas lâminas de machado se-
quer receberam acabamento por polimento, ape-
nas o lascamento necessário para que a pedra se
convertesse em utensílio.
Esta diferença tecnológica encontrada entre os
inúmeros sambaquis, associada às variantes
morfológicas dos montes e suas respectivas dimen-
sões, são elementos que demonstram distinções cul-
turais existentes nos diversos assentamentos de ca-
çadores, coletores e pescadores dispostos por todo o
litoral catarinense. Ou seja, quando tratamos dos
primeiros agrupamentos pré-ceramistas não estamos
falando de uma unidade cultural, mas de diversos
povos classificados baixo uma mesma nomenclatu-
ra em decorrência de compartilharem similares sis-
temas produtivos. Alguns destes povos desenvolve-
ram técnicas de aperfeiçoamento no sistema de po-
limento, dando início à produção de estatuetas de
pedra e outros objetos perfeitamente polidos.
Voltando à temática dos locais de habitação –
os sambaquis – estes se distinguem por três moda-
lidades: aqueles em forma de trincheiras, pouco al-

41
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

tos e muito extensos; os de encostas de morros; e


os grandes montes cônicos que se tornaram famo-
sos pela literatura. Santa Catarina contou com os
maiores sambaquis do mundo, onde a própria di-
mensão do sambaqui pode ser encarada como evi-
dência do relativo sedentarismo destes grupos – o
Sambaqui da Carniça, em Laguna, tinha mais de 30
metros de altura. A indústria de cal, que explorava
as conchas dos sambaquis como matéria prima, foi
a maior responsável pela ampla destruição de mui-
tos destes sítios arqueológicos. A ação predatória
da indústria calcária foi sentida por todo o litoral
catarinense. As conchas dos sambaquis foram uti-
lizadas durante muito tempo para diversas finali-
dades, como a pavimentação de estradas e a cons-
trução de casas, prática existente desde o período
colonial. Existe uma enorme quantidade de sam-
baquis que foram totalmente arrasados, destruídos
pela ação humana indiscriminada.
Apesar dos sambaquis terem sido obra de ca-
çadores e coletores, nem todos os assentamentos
de grupos humanos que adotaram este modo eco-
nômico apresentam a forma de sambaqui. Algumas
comunidades, mesmo detentoras de similar cultu-
ra material, não fizeram do molusco um dos ele-
mentos básicos de sua alimentação, o que conferiu
aos seus paradeiros uma aparência mais “terrosa”.
Esta outra modalidade de assentamento normal-
mente possui uma camada arqueológica bem mais
fina, com espessura entre um e dois metros, mas Representação
de arte rupestre -
apresenta similar conteúdo material: sepultamen- Ilha do
tos, fogueiras, restos de cozinha e objetos diversos. Campeche.

42
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

Os povos caçadores, pescadores e coletores


não praticavam a agricultura. Tampouco detinham
tecnologia de produção de cerâmica, motivo pelo
qual são chamados também de povos pré-
ceramistas. Além do mais, os esqueletos descober-
tos nos sítios arqueológicos e classificados como
pertencentes a estes povos apresentam poucas cá-
ries, evidência de uma dieta pobre em hidratos de
carbono, elemento mais abundante na alimentação
dos grupos humanos que praticam alguma forma
de cultivo.
Apesar de serem pré-ceramistas, alguns
agrupamentos de caçadores e coletores, de maneira
engenhosa, faziam uso de recipientes de argila não
cozida para estocagem de alimentos. Buracos feitos
no solo eram revestidos com argila, o que se mostrou
eficaz como método de estocagem e conservação de
alimentos e líquidos.

Rituais funerários entre os caçadores,


pescadores e coletores

Variada pauta funerária foi registrada pelos


arqueólogos nos sítios arqueológicos associados aos
povos caçadores, pescadores e coletores do litoral
catarinense. Alguns indivíduos eram enterrados de
forma estendida enquanto outros em posição semi-
fetal. Também era variado o mobiliário funerário,
o tipo de cova e o material de revestimento. Resíduos
de tinta existentes em ossos de sepultamentos
constituem a primeira evidência substancial da

43
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

presença de um ritual funerário. Estes pigmentos


vermelhos, impregnados nos ossos de esqueletos,
indicam o uso ritual da pintura corporal na
preparação do morto para seu enterramento. A
preparação de um corpo com pintura corporal
poderia ser um indicativo de diferenciação social,
ou seja, um sinal de posição de prestígio e status,
ou ainda da tribo de origem.
Não se deve descartar a possibilidade desta
pintura, em alguns poucos casos, ser decorrente de
uma segunda inumação. Ou seja, entre alguns gru-
pos o morto sofre dois enterramentos: no primeiro
o morto era enrolado em uma esteira de palha e
enterrado em terra úmida a fim de que seu corpo
passe pelo processo de decomposição; quando em
estágio avançado de putrefação, a carcaça era de-
senterrada, os ossos limpos de resíduos, pintados e
novamente enterrados. Porém, a perfeita articula-
ção de muitos dos esqueletos descobertos apontam
para uma maior probabilidade de pintura corporal
pós-falecimento em modalidade de enterramento
único.
Conforme mencionado há diferenças na po-
sição dos esqueletos nos enterramentos, que varia
entre estendidos, fletidos e semi-fletidos. Geralmen-
te estão agrupados, sugerindo a existência de cemi-
térios familiares. A exemplo de muitas culturas in-
dígenas brasileiras, sepultamentos poderiam ter
sido feitos no chão do próprio local de residência.
Ao serem enterrados no chão da própria habitação,
ainda que mortos continuariam a fazer parte da fa-
mília, usufruindo o fogo doméstico mesmo após a

44
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

morte. A fogueira doméstica em muitas sociedades


tinha uma importância que transcendia o caráter
prático, adquirindo significação simbólica, como o
fogo que aquece e serve de fonte para a vida.
A expressão artística na ritualística funerária
parece um aspecto eminente para o homem do
sambaqui. Muitos dos enterramentos estão acom-
panhados de variado mobiliário funerário: macha-
dos, pontas de flechas e adornos diversos, como
Sepultamento de
criança. Acervo colares e tembetás1. Em casos mais raros, estes se-
do Museu do pultamentos foram cobertos com pedras, omopla-
Homem do
Sambaqui “Padre tas ou costelas de baleias, exercendo uma função
João Alfredo específica – talvez a de garantir a permanência do
Rohr, S.J.”
morto em sua sepultura, evitando que este
retornasse para perturbar os vivos. Certamente, a
presença destes cuidados nos enterramentos refle-
te a crença em uma vida após a morte, onde a pin-
tura corporal o identificaria como pessoa, e os ade-
reços e utensílios servem como complementos que
poderiam vir a ser úteis em sua jornada ao plano
espiritual.
Em sepultamentos do sambaqui da Praia
Grande (na região do Rio Vermelho que atualmen-
te é conhecida por Praia do Moçambique), Ilha de
Santa Catarina, uma fina camada de areia branca
foi depositada sob o morto, como uma espécie de
envoltório, evitando que o corpo tocasse as conchas.
Esta característica de envoltório se repete no sítio
arqueológico da praia da Armação do Sul, Ilha de
1
Adorno labial de forma alongada, pontiagudo em uma extremidade
e com terminação em “T” na outra, que transpassava o lábio inferior.
Permanece em uso em algumas tribos atuais.

45
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Santa Catarina, onde alguns sepultamentos daque-


le sítio foram envolvidos em ocre vermelho.
O fato de esqueletos apresentarem alguma
modalidade de involutório, além de intrigante, des-
perta nossa imaginação na tentativa de atribuir fun-
ção a esta prática. Talvez estes envoltórios tenham
uma finalidade semelhante àquela exercida pelas
urnas funerárias para as culturas ceramistas: isolar
o corpo do morto da influência de maus espíritos e
evitar o mau cheiro. Entretanto, como os envoltórios
foram aplicados somente em parte dos sepultamen-
tos, poderiam ser, outrossim, indicadores da posi-
ção de destaque que estes indivíduos teriam ocupa-
do dentro de sua sociedade. Um exemplo desta
modalidade de enterramento está presente em um
sepultamento proveniente do Município de Lagu-
na e que integra o acervo do Museu de Antropolo-
gia da Universidade Federal de Santa Catarina:
recoberto por uma espessa camada de barro alisa-
do e adornado com linhas pintadas na superfície nas
cores vermelho e preto, que se intercalam vertical e
horizontalmente.
Estas expressões gráficas nas práticas mortu-
árias são portadoras de uma conotação estética com
um código subliminar específico, voltado para o ri-
tual, cujos significantes nos são desconhecidos.
Decifrar estes códigos seria o mesmo que desven-
dar um mistério de proporções agigantadas. Ainda
que uma tarefa quase impossível, caso o códice de
enterramento fosse decifrado, nos permitiria com-
preender bem melhor esta intrigante parte que se
refere à passagem da vida para a morte entre os

46
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

povos caçadores, pescadores e coletores do litoral


de Santa Catarina.

Os objetos artísticos e adereços

A escavação arqueológica em hipótese nenhu-


ma é uma radiografia dos povos que habitaram de-
terminado local. O que o arqueólogo recupera du-
rante as prospecções em um sítio arqueológico é
apenas uma parcela da cultura material, que resis-
tiu a ação do tempo. Os objetos fabricados a partir
de matérias-primas mais perecíveis, como tecidos,
cestarias, madeira ou plumas raramente resistem à
implacável ação dos milênios.
De fato há uma enorme variação de solos,
cada qual com suas características físico-quími-
cas. Nos sítios arqueológicos localizados em re-
giões de solos mais ácidos o mais comum é se
encontrar somente objetos líticos – aqueles fei-
tos em pedra – e pouca cerâmica. Solos interme-
diários permitem que além dos líticos os materi-
ais ósseos, cerâmicos e conchíferos também se
preservem. Mas há ainda aquelas situações mui-
to especiais, quanto o substrato apresenta pouca
oxigenação – como pântanos e geleiras – em que
o material orgânico se preserva por milênios. Isso
acontece porque em ambientes com pouca
oxigenação as bactérias que agem na decomposi-
ção têm dificuldade de atuar e se proliferar, per-
manecendo em um estado de relativa letargia. No
planalto catarinense o arqueólogo João Alfredo

47
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Rohr encontrou objetos feitos em palha e madei-


ra com milênios de idade.
Desta forma, fica claro que quando nos pro-
pomos a estudar objetos pré-históricos, estamos na
verdade lidando apenas com uma parcela do que
aquela sociedade produziu. No caso dos caçadores,
pescadores e coletores do litoral catarinense, o que
temos para pesquisar são os objetos esculpidos em
pedra, talhados em ossos ou feitos a partir de con-
chas e dentes – como os de mamíferos ou tubarões.
Como visto anteriormente, sabemos que estes po-
vos praticavam pinturas corporais, ou seja, que
grafismos diversos integravam o universo simbóli-
co destas sociedades, mas estas manifestações difi-
cilmente sobreviveram até chegar aos nossos dias.
As composições gráficas que se conhece foram gra-
vadas em placas de ossos de baleia, material prove-
niente de sambaquis e que resistiu ao tempo. São
gravações de figuras geométricas abstratas, compos-
tas por linhas paralelas em ziguezague ou em ângu-
lo. Composições gráficas executadas em pedra
mobiliária não foram encontradas. A arte rupestre
pode ser um caminho para o estudo destas mani-
festações simbólicas, mas como veremos em capí-
tulo específico é difícil estabelecer uma associação
entre a arte rupestre litorânea e os povos de sua
autoria.
Adereços também foram muito empregados
pelos primeiros povoadores. Todos aqueles feitos
em ossos e conchas permaneceram preservados em
muitos sítios arqueológicos do litoral. Os mais re-

48
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

correntes são os colares de vértebras e pingentes


em forma de placas de osso. Pequenas perfurações
no centro das vértebras ou nas extremidades das
placas serviam para atravessar a corda do colar. As
placas em osso eram moldadas por percussão e
abrasão: na medida em que o artífice ia desgastan-
do o osso, a peça assumia a forma desejada.

Colar de vértebras.
Acervo do Museu do
Homem do Sambaqui
“Padre João Alfredo
Rohr, S.J.”

49
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Dentes de tubarões e mamíferos também eram


trabalhados para compor os adornos dos colares ou
decorar o jazigo de seus mortos. Os dentes poderiam
ser perfurados na base para passar a corda de um
colar, ou ainda moldados, a exemplo das placas de
osso, modificando assim sua forma original2. Além
das vértebras e dentes, os colares também poderiam
ser adornados com diversos tipos de conchas, que
eram perfuradas no centro ou tinham a forma
totalmente modificada por abrasão.
Entretanto, o objeto artístico mais excepcio-
nal feito pelos povos caçadores e coletores do lito-
ral é, sem dúvida alguma, o zoólito. Como o pró-
prio nome já diz (zoo-animal e litos-pedra) são es-
culturas de animais feitas a partir de blocos de pe-
dra, com refinado acabamento e superfície perfei-
tamente polida. Algumas raras esculturas de ani-
mais foram trabalhadas a partir de ossos, mas a
grande maioria (quase que a totalidade) foi na ver-
dade executada a partir de matéria prima rochosa,
como o diabásio (espécie de rocha vulcânica). Os
zoólitos representavam variadas espécies da fauna,
como aves, peixes e alguns mamíferos. Poderiam
estar relacionados com entidades totêmicas, que
supostamente ocupariam um importante espaço
dentro da crença dos caçadores, coletores e pesca-
dores. Quase todas as esculturas apresentam em
uma das seções (geralmente a ventral) uma espécie

2
Como exemplo da aplicação desta técnica há o dente de elefante
marinho transformado em tembetá, descoberto pelo arqueólogo João
Alfredo Rohr na praia das Laranjeiras, Balneário Camboriú.

50
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

de concavidade rasa, um rebaixamento bem defini-


do (como um pequeno pires) cuja finalidade per-
manece desconhecida.
Poderia esta espécie de rebaixamento servir
de recipiente para uso de tinta em rituais que en-
volviam pintura corporal? É rara presença de pig-
mento ou qualquer outro tipo de matéria orgânica
no interior destas depressões. Entretanto, isso não
descarta a hipótese de emprego destas peças em ri-
tuais de pintura corporal ou na preparação de re-
médios e psicotrópicos. Muitos fatores poderiam
conduzir à ausência de pigmentos ou qualquer ou-
tro tipo de matéria orgânica na superfície dos
zoólitos. Algumas tintas feitas a partir de pigmen-
tos naturais eram de composição mais pastosa, ou
seja, possuíam pouca fixação e se desgastavam fa-
cilmente.

Zoólito. Acervo do Museu do Homem do


Sambaqui “Padre João Alfredo Rohr, S.J.”.

51
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

O arqueólogo André Prous, observando a exis-


tência de zoólitos em sepulturas específicas, sugere
que estas peças possam estar ligadas a indivíduos e
não propriamente a uma coletividade. Ou seja, po-
deriam ser de uso exclusivo de curandeiros ou che-
fes. Caso assim o seja, o objeto, além de amuleto
mágico, seria indicador da posição de um indiví-
duo dentro de sua sociedade. Após a morte, o obje-
to deveria ser enterrado com seu portador ou
destruído, explicando a existência de peças frag-
mentadas em sítios arqueológicos.

Zoólito, procedente de sambaqui do litoral de Santa Catarina (ave ?). Acervo do


Museu do Homem do Sambaqui “Padre João Alfredo Rohr, S.J.”.

52
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

Outro adereço que aparece com relativa


frequência é o fusiforme. Há quem sustente que se
trate de uma espécie de tembetá, ou seja, um ador-
no utilizado nos lábios inferiores por meio de per-
furação (uma espécie de piercing da pré-história).
Feito normalmente a partir de material lítico, o
fusiforme passou por um longo processo de poli-
mento até atingir a sua forma característica: roliça
e alongada. Porém, ainda não é consenso que os
fusiformes sejam realmente adornos labiais, pois
não possuem a forma em “T” dos tembetás tradici-
onais – como os dos Tupiguarani.
Como se pode perceber, o estudo arqueológi-
co não é uma recomposição precisa do passado.
Trata-se mais de inferências feitas a partir das evi-
dências materiais a fim de propor uma versão
factível de um passado há muito perdido. Neste pro-
cesso há certo grau de imprecisão, motivo pelo qual
a arqueologia é uma disciplina científica em cons-
tante renovação. Desta forma, os estudos até hoje
desenvolvidos não são conclusivos em todos os seus
aspectos. Muito pelo contrário, estamos somente no
inicio da caminhada para o conhecimento do modo
de vida destas populações, carecendo de mais pes-
quisas, escavações, análises e diferentes visões so-
bre o tema. É preciso incentivar as novas gerações
de arqueólogos, antropólogos e historiadores a de-
senvolver atividades relacionadas a tão vasto cam-
po de estudo, ainda cheio de lacunas por preencher.

53
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Os Itararés e o
surgimento da
cerâmica no
litoral catarinense
V Vimos quão intrigante é o estudo dos povos
caçadores, pescadores e coletores do litoral de San-
ta Catarina. Com muita engenhosidade utilizaram-
se da argila não cosida para compor recipientes e
esculpiram as pedras para fazer estatuetas. Contu-
do, eram povos pré-ceramistas, ou seja, não conhe-
ciam a cerâmica propriamente dita. Os primeiros
vestígios de cerâmica registrados pela arqueologia
foram associados às populações Itararés, indivídu-
os pertencentes ao tronco Jê.
Migrantes oriundos do planalto catarinense,
estes ceramistas provavelmente estavam em busca
de uma nova terra a fim de explorar outros recur-
sos ecológicos. Sua chegada ao litoral pode ter ocor-
rido por volta de dois mil anos atrás, porém, o bai-
xo número de datações associadas aos assentamen-
tos desta tradição arqueológica é indicativo de que
ainda há muito por descobrir, o que torna impossí-
vel compor um preciso panorama de ocupação dos
povos Itararés.
Há uma grande discussão em torno da possi-
bilidade dos Itararés terem sido horticultores, de-
vido à existência de cerâmica nos assentamentos

54
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

deste grupo. Isso ocorre porque há uma corrente


da arqueologia que associa a existência de cerâmi-
ca com o surgimento da agricultura. Porém, o estu-
do do arqueólogo Sérgio Baptista da Silva sobre os
assentamentos dos Itararés levantou evidências que
contrapõem esta visão tradicional da Arqueologia.
A análise da arcada dentária dos esqueletos de in-
divíduos provenientes do assentamento da Tapera,
Ilha de Santa Catarina, demonstrou haver uma bai-
xa incidência de cáries, novamente um indicativo
de consumo restrito de hidratos de carbono na die-
ta alimentar. Desta forma, apesar de produzir cerâ-
mica, os Itararés possivelmente não praticavam a
agricultura.
A alimentação dos Itararés no litoral esteve
então associada à pesca. A abundância de pescado
nos ambientes marinhos e lacustres torna a pesca a
primeira opção para os índios da pré-história. Além
da pesca, a caça de mamíferos e a coleta de frutas
silvestres e raízes moldavam a dieta alimentar dos
Itararés. Apesar da economia de subsistência dos
Itararés ser em muito similar àquela praticada pe-
los caçadores, pescadores e coletores, a coleta de
moluscos neste caso estava em segundo plano, o que
deu aos sítios arqueológicos da tradição Itararé uma
aparência terrosa.
Quanto ao domínio tecnológico, faziam ins-
trumentos em pedra, ossos e conchas, como ma-
chados, ponta de flechas, tembetás e adereços
fusiformes. A técnica de confecção, a exemplo dos
seus predecessores, era a fragmentação associada
ao desgaste por polimento.

55
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

As flechas eram elaboradas de duas formas.


Na primeira, que constitui a classe das pontas du-
plas, a flecha era feita a partir de um osso fendido
longitudinalmente, que posteriormente era
desgastado para moldar as pontas nos dois lados
da peça (imagine um osso de ave partido pela me-
tade). Na segunda forma, que compõe a classe dos
projéteis triangulares, as pontas eram moldadas a
partir de ossos inteiros, apresentando base para
amarra e ponta no formato de um triângulo.
A técnica de confecção de instrumentos em
ossos é padrão para as três tradições arqueológicas
que habitaram o litoral catarinense. Eram selecio-
nados os ossos que posteriormente viriam a ser
modelados por meio de um percutor de pedra. Al-
guns tipos de ossos apresentavam alto grau de du-
reza, devendo ser lançados ao fogo antes do pro-
cesso de fragmentação. Evidentemente, as flechas
de ponta triangular davam mais trabalho na manu-
fatura, o que demandava um processo de produção
mais longo. O polimento dos ossos poderia ser feito
tanto com polidores de mão como nas oficinas
líticas, comumente encontradas nos costões das
praias.
As flechas feitas em osso são praticamente
imperantes, aparecendo pouquíssimos exemplares
feitos em pedra. Isso provavelmente se dá por dois
motivos: primeiro porque a flecha em osso é de
feitura muito menos trabalhosa; mas também por-
que a caça, que no litoral compreende espécies di-
ferentes das do planalto, não demandava o empre-
go de pontas pesadas, com alto grau de dureza.

56
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

Pontas de flechas em osso, pertencentes à tradição Itararé do litoral. Material


arqueológico proveniente do sítio da Tapera, Ilha de Santa Catarina. Acervo do Museu
Arqueológico do Homem do Sambaqui “Padre João Alfredo Rohr, SJ”.

A pedra como matéria prima era empregada


em outras classes de instrumentação, como
machados, batedores, lâminas, moedores, furadores
e adereços fusiformes. Apesar de conhecerem e
utilizarem bem o polimento, algumas vezes também
faziam uso de utensílios resultantes de grosso
acabamento lascado.

O domínio artístico

Formas artísticas mais elaboradas, como os


zoólitos dos caçadores, pescadores e coletores, não
são encontradas entre os Itararés. O domínio artís-
tico poderia expressar-se em outras matrizes mais

57
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

perecíveis, que se deterioraram com o tempo. Nes-


te caso, o que conhecemos da arte dos Itararés vai
estar mais ligado à produção de adereços e ador-
nos. Entre os ornamentos mais comuns entre os
indivíduos da tradição Itararé estão os adornos la-
biais, os colares e os fusiformes. Os adornos labiais,
tembetás no molde tradicional, possuíam a extre-
midade inferior pontiaguda e superior com termi-
nação em “T”, podendo ser confeccionados em osso
ou pedra polida. Os fusiformes também eram mui-
to similares àqueles anteriormente descritos: peças
de pedra cuidadosa e intensamente polidas, com
formato roliço e alongado. A ocorrência de tembetás
típicos nos sítios arqueológicos da tradição Itararé
indica a possibilidade de outro tipo de emprego para
os fusiformes – talvez adereços de colares.

Adereços fusiformes, coletados na Ilha do Campeche, Município de Florianópolis.


Hoje integram a coleção do Museu Arqueológico do Homem do Sambaqui “Pe. João
Alfredo Rohr, S.J.”.

58
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

Os colares Itararés eram montados sobre um


cordão e adornados com vértebras de animais, den-
tes de mamíferos, dentes de tubarões, ou ainda com
contas de conchas em estado bruto ou trabalhadas
por abrasão. As peças de adorno eram perfuradas
para dar passagem à corda do colar, o que deman-
dava o emprego de técnicas específicas haja vista
que algumas destas peças, como os dentes de tuba-
rões, possuem alto grau de dureza.
Ainda há uma variante que possui suas impli-
cações no domínio artístico, como as gravações fei-
tas nos rochedos, chamadas de petróglifos. Ainda
que não seja possível identificar com clareza quem
são os autores da arte rupestre do litoral catarinen-
se, muitos petróglifos aparecem próximos a locais
ocupados exclusivamente pelos Itararés, o que su-
gere que estes possam ter sido, senão autores da
maioria deles, pelo menos de algumas destas mani-
festações. Lugares como a Ilha dos Corais e Ilha do
Campeche possuem assentamentos exclusivamen-
te Itararés e são detentores de abundantes concen-
trações de arte rupestre. Todavia, o tema da arte
rupestre será abordado em capítulo próprio.

A cerâmica Itararé

O artefato mais tradicional que auxilia o ar-


queólogo na pronta identificação de um assenta-
mento Itararé é a inconfundível cerâmica desta tra-
dição. Numa coloração que varia do pardo escuro
ao preto, esta cerâmica geralmente não apresenta

59
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

qualquer forma de decoração plástica ou pintada,


(salvo algumas exceções). A produção se centrava
em recipientes de pequeno e médio porte, utiliza-
dos única e exclusivamente no preparo e consumo
de alimentos. As paredes dos recipientes eram de
pouca espessura, o que dificulta a descoberta de
exemplares inteiros.

Fragmentos de cerâmica Itararé procedentes da Tapera, Ilha de Santa Catarina.


Decoração por incisão. Acervo do Museu do Homem do Sambaqui “Padre João
Alfredo Rohr, S.J.”.

Para a confecção dos vasilhames era empre-


gada a técnica do acordelamento, que consiste em
sobrepor roletes de pasta, de comprimento variá-
vel e em sentido circular, de forma a construir as
paredes do vaso cerâmico. Nos raros exemplares que
apresentavam decoração, os motivos eram feitos por
meio de incisões no barro obtidas por fino instru-
mento (como, por exemplo, lâminas de bambu).
Como antiplástico – tempero agregado à massa para

60
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

evitar que esta se parta durante a queima – utiliza-


vam normalmente grãos de quartzo, o que se fazia
simplesmente adicionando areia no preparo da
massa. Mais raramente aparecem pedaços de ossos
triturados em meio ao tempero.

Aldeias, habitações, enterramentos

Os Itararés geralmente escolhiam as planíci-


es das praias para montar suas aldeias. Apesar de
muitos sítios serem exclusivos da tradição não era
raro, em alguns casos, reocuparem os sambaquis
deixados por grupos caçadores e coletores. As al-
deias Itararés são geralmente pequenas, entre uma
e duas centenas de metros quadrados, montadas em
locais muitos próximos ao mar. A pequena dimen-
são as aldeias é evidência de que se trata de grupos
diminutos, compostos de algumas dezenas de ha-
bitantes. Tal situação reforça a hipótese dos Itararés
não serem horticultores, pois as roças possibilitam
a formação de aldeias maiores, com mais não de
obra para o cultivo.
A proximidade das aldeias com o mar – que
em alguns casos distam não mais que 10 ou 20
metros – aponta para uma relação constante com o
meio marinho. Talvez, no caso dos Itararés, a pesca
seja praticada diariamente e a proximidade entre
aldeia e mar facilitaria o deslocamento das canoas.
Com efeito, percebe-se que o consumo do molusco
era secundário quando comparamos os substratos
dos acampamentos Itararés com os dos sambaquis.

61
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

O aproveitamento de grandes dentes de tubarão –


possivelmente tigre ou branco – para confecção de
adereços indica quão exímios canoeiros eram os
Itararés, haja vista que espécimes de grande porte
de tubarão tigre ou branco raramente se aproximam
das enseadas no litoral catarinense. Estratégias de
cerco e captura destas espécies de tubarão envolve-
ria a habilidade de um grupo ordenado e se pode
ter uma ideia dos perigos associados à pesca destes
poderosos predadores dos mares.

Colar de dentes de tubarão.


Acervo do Museu do Homem do
Sambaqui “Padre João Alfredo
Rohr, S.J.”

62
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

Estes exímios pescadores viviam em cabanas


montadas sobre a superfície de suas pequenas al-
deias. Escavações arqueológicas revelaram alguns
buracos de estaca em assentamentos, desvendan-
do em parte como poderia ser o processo de mon-
tagem destas estruturas de habitação. Nas áreas de
aldeamento não foram encontradas casas subter-
râneas, mostrando que o modelo adotado nas ter-
Representação ras altas do planalto não foi seguido no litoral. Com
vetorial de arte efeito, as únicas estruturas de habitação subterrâ-
rupestre.
neas registradas no litoral foram as descobertas por
João Alfredo Rohr no morro principal da praia do
Pântano do Sul. Como são ocorrências anômalas é
muito provável que se trate de um acampamento
sazonal.
Os sepultamentos praticados pelos Itararés
geralmente se dão dentro de um modelo de cemité-
rio domiciliar. As covas se apresentam em sua mai-
oria dispostas em semicírculos ou segmentos de cír-
culos, sendo registrados vários sepultamentos em
uma mesma área. Assim, além do fato das habita-
ções serem edificadas sobre a planície da aldeia com
uso de estacas, estas estruturas habitacionais ti-
nham formato circular, erguidas de modo bastante
elementar: estacas, partindo de uma viga central
firmemente enterrada no solo, davam sustentação
a uma cobertura feita de fibras vegetais ou de couro
de animais. Eram pequenas em dimensão, com cer-
ca de 4 a 6 metros de diâmetro. Estas habitações na
verdade eram excelentes abrigos diante dos ventos
cortantes que atingiam as planícies das praias no
inverno.

63
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

A presença de pigmento vermelho em alguns


dos sepultamentos indica que a pintura corporal tam-
bém fazia parte da ritualística mortuária dos Itararés.
Os enterramentos da tradição Itararé com frequência
estão acompanhados de algum tipo de mobiliário
funerário. O morto deveria ser sepultado acompa-
nhado de seus pertences mais significativos, como Sepultamento de
utensílios e adornos. Os adereços mais frequentes nas criança, com colar de
conchas e dentes de
sepulturas eram os tembetás, os fusiformes e os co- tubarão, procedente
lares de vértebras, dentes e conchas. da Tapera – Ilha de
Santa Catarina.
O acompanhamento de mobiliário funerário Acervo do Museu do
aponta para a antiga crença humana na existência Homem do
Sambaqui “Padre
de um mundo pós-morte, sendo a função dos obje- João Alfredo Rohr,
tos que o acompanham na cova de servir e identifi- S.J.”
car o morto no plano espiritual.
Também não pode ser descarta-
da a possibilidade de que o mo-
biliário funerário servia para
manter o morto no plano espi-
ritual, pois o seu espírito, ao
constatar a presença de objetos
que lhe são familiares, se senti-
ria reconfortado e permaneceria
no mundo dos mortos, evitando
sua influência negativa entre os
vivos. De todas as formas, trata-
se apenas de histórias montadas
com base nos hábitos de outras
culturas e que foram usadas para
interpretar versões do passado
a partir do material arqueológi-
co.

64
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

Percebemos certa uniformidade no modo de


vida, produção tecnológica e aproveitamento eco-
lógico em meio às culturas litorâneas catarinenses,
principalmente entre os Itararés e os caçadores,
pescadores e coletores. Porém, o terceiro grupo a
habitar as terras litorâneas, pertencente à tradição
Tupiguarani, mesmo apresentando muitas seme-
lhanças na cultura material, foi portador de uma
importante inovação, que é a introdução da agri-
cultura. Deste grupo nos ocuparemos no próximo
capítulo, mas antes é importante abortar a questão
do contato entre os Itararés e os ceramistas
Tupiguaranis.

Os possíveis conflitos

Em Santa Catarina, os povos ligados à tradi-


ção Tupiguarani concorreram pelo território e pelo
acesso aos recursos naturais com outras tradições
arqueológicas que ocupavam estes espaços. Na fai-
xa litorânea houve um dos casos mais clássicos, aon-
de os agricultores Tupiguaranis vieram a se estabe-
lecer em áreas próximas as já ocupadas pelos
ceramistas Itararés. O conflito pela hegemonia do
acesso aos recursos naturais foi inevitável e apare-
ce nos registros arqueológicos, como os sepultamen-
tos da tradição Itararé da coleção do Museu do Ho-
mem e do Sambaqui “Pe. João Alfredo Rohr. S.J.”
(Colégio Catarinense). Evidências demonstram que
alguns dos indivíduos Itararés tiveram como causa
da morte perfurações por pontas de flecha, corro-
borando a hipótese de conflito.

65
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Ao final, o Guarani acaba conquistando o li-


toral de Santa Catarina, seja por deter um maior
contingente populacional ou ainda pelas inovações
que trouxe, permanecendo o soberano destas ter-
ras até a chegada do europeu colonizador. Porém,
além das consequências dos conflitos, o que pode-
ria ter gerado o desaparecimento da tradição Itararé
dos registros arqueológicos no litoral seria a assi-
milação. Conforme se pode constatar nos relatos do
período colonial, os casamentos exogâmicos (com
membros de outras tribos e etnias) eram pratica-
dos pelos Carijós. Os possíveis casamentos entre
Itararés e Tupiguaranis poderiam ser a causa de
uma assimilação definitiva dos primeiros. Entretan-
to, somente a partir de estudos genéticos aprofun-
dados nos esqueletos das duas tradições arqueoló-
gicas será possível traçar um esquema definitivo
sobre o tema da assimilação cultural.

66
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

A tradição
arqueológica
tupiguarani e a
introdução da
agricultura

Q Quando os primeiros europeus iniciaram o


processo de exploração das terras situadas mais ao
sul se depararam com uma cultura nativa originá-
ria do tronco linguístico Tupi-guarani e que nas
terras de Santa Catarina recebeu o nome Carijó.
Como os Tupiguarani ocuparam boa parcela do
continente sul-americano existe farto material bi-
bliográfico que se ocupa da descrição destes indí-
genas, especialmente nas crônicas dos viajantes.
Porém, uma caracterização etno-histórica será fei-
ta mais adiante, sendo este capítulo dedicado aos
aspectos arqueológicos que abarcam a trajetória
destes povos, desde suas antigas raízes que são es-
tudadas pela arqueologia sob a classificação de tra-
dição Tupiguarani. Percebemos uma diferença nas
nomenclaturas, especialmente quando falamos de
tradição arqueológica ou de tronco linguístico. Os
pesquisadores convencionaram a chamar de Tupi-
guarani o tronco linguístico (mais ligado aos estu-
dos etno-históricos) e Tupiguarani a tradição arque-
ológica estudada nas escavações e nas coleções de

67
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

museus. O tronco linguístico, empregado também


como gentilício, não leva “s” mesmo quando no plu-
ral (ex.: os Guarani).
Os dados relativos à origem dos ceramistas
Tupiguaranis ainda são muito contraditórios e im-
precisos. A combinação dos estudos arqueológicos
com as projeções glotocronológicas (campo da
linguística) aponta que os diversos grupos que se
originaram do mesmo tronco linguístico Proto-Tupi
são resultado de uma intensa onda migratória, que
teve seu ponto de origem entre afluentes do Rio
Amazonas há quase cinco mil anos. Do tronco Proto-
tupi desprendeu-se o Tupiguarani, que mais tarde
viria a desmembrar-se nos muitos grupos tupi e
guarani espalhados pelo continente sul-americano.
Aproveitando a mobilidade oferecida pelos re-
cursos hidrográficos, deslocaram-se para o sul. Gran-
des rios, como o Paraná e o Uruguai e muitos de seus
afluentes, eram perfeitas hidrovias, possibilitando
um rápido deslocamento por meio de canoas. Estes
rios encontram-se repletos de sítios arqueológicos da
tradição Tupiguarani, grande parte ainda sem estu-
do. Esta expansão se deu também no sentido longi-
tudinal, em direção ao Atlântico e o ponto de entra-
da dos ceramistas Tupiguaranis no litoral Sul do Bra-
sil pode ter sido a Ilha de Santa Catarina, que até
agora sustenta uma das datas mais antigas da região.
Mesmo assim, a falta de mais estudos arqueológicos
impede uma precisa projeção da ocupação desta tra-
dição ceramista nas zonas litorâneas.
Existem muitas hipóteses do porque estes gru-
pos ligados ao tronco linguístico Tupi-guarani es-

68
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

tabeleceram tão amplas migrações. Há muitos pes-


quisadores que sustentam haver uma relação entre
as migrações e aspectos religiosos, como a busca do
paraíso terreno, tema que hoje está presente entre
os remanescentes ligados às etnias Guarani.
Acreditou-se, por muito tempo, que os
ceramistas Tupiguaranis teriam chegado ao litoral
pouco tempo antes do europeu colonizador aportar
na costa brasileira. Mas novas pesquisas arqueológi-
cas estão mudando este quadro. Com base em estu-
dos pioneiros, como do arqueólogo Marco Aurélio
Nadal De Masi, algumas importantes contribuições
foram estabelecidas, comprovando por meio de car-
bono 14 que o Tupiguarani já estava no litoral de San-
ta Catarina há quase 1000 anos. Esta antiguidade im-
pele novas perspectivas ao estudo da etnia, compro-
vando contemporaneidade entre os Tupiguaranis e os
Itararés. Desta forma também percebemos que os
Carijós, que estavam no litoral de Santa Catarina quan-
do da chegada do europeu, seriam uma continuidade
dos ceramistas Tupiguaranis.
Os Carijós cultivavam a terra e extraiam dela
grande variedade de produtos, como a mandioca, o
milho, o aipim e a batata. Paralelamente à agricul-
tura, aproveitavam a caça de animais selvagens,
como o porco do mato, veado e onça. Pescavam uti-
lizando redes de fibra vegetal ou arpões e anzóis fei-
tos em osso. Ou seja, o meio ambiente oferecia abun-
dante fonte alimentar, propiciando excelente qua-
lidade de vida para os grupos que ocupavam esta
parcela do litoral. Alguns dos produtos cultivados,
como o milho, eram também empregados na ela-

69
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

boração de bebida fermentada, consumida em fes-


tividades ou rituais. Esta bebida, chamada de cauim,
era feita pelas mulheres, que mascavam o milho e
cuspiam a massa em um recipiente. A pasta úmida
ficava reservada enquanto a saliva se encarregava
de acelerar o processo de fermentação. Após a fer-
mentação o conteúdo era então fervido, concluin-
do assim o processo de fabricação do cauim.

Cultura material: artefatos e objetos

Sabe-se por meio dos textos históricos que os


artefatos produzidos pelos Carijós tinham por ma-
téria-prima madeira, ossos, dentes, conchas, fibras
vegetais e pedra. Contudo, os sítios arqueológicos
desta tradição apresentam o mesmo problema dos
casos anteriores: apenas os artefatos mais resisten-
tes à ação do tempo persistiram. A grande vanta-
gem em relação às outras tradições arqueológicas
mais antigas é que no estudo dos Tupiguaranis, além
das evidências arqueológicas o pesquisador conta
também com os textos históricos para interpretar
como estes indígenas pré-coloniais viviam. Desta
forma, é possível relatar muito mais informações
sobre a vida dos ceramistas Tupiguaranis, indo além
das evidências materiais.
Ceramistas, horticultores, caçadores, coleto-
res e pescadores, os Tupiguaranis tiveram que de-
senvolver uma instrumentação mais diversificada
que seus antecessores para dar conta de seus mo-
dos produtivos. Como viviam em aldeamentos com-

70
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

postos de cabanas de pau-a-pique com teto de pa-


lha, dominavam como poucos o uso da machadinha
de pedra, com a qual derrubavam as árvores. A par-
tir de ossos e dentes, além de lâminas e pontas de
flecha, confeccionavam adereços, como colares e
tembetás. Com fibras vegetais faziam cestos, balaios,
redes e cordas, artigos muito empregados na faina
diária. Como a pesca também ocupava lugar de im-
portância no modo de subsistência, confeccionavam
com habilidade anzóis e arpões em osso.
Os instrumentos musicais sempre ocuparam
um espaço privilegiado dentro dos diversos grupos
de origem Tupiguarani. Chocalhos eram obtidos por
meio de cabaças preenchidas com grãos. Flautas
eram feitas em bambu ou ossos humanos de inimi-
gos vencidos em batalhas. Havia também os instru-
mentos de percussão, como tambores e bastões de
ritmo.
Porém, entre todos os objetos, a cerâmica veio
a constituir a marca registrada dos povos da tradi-
ção Tupiguarani. Os recipientes cerâmicos eram
produzidos para auxiliar as múltiplas atividades
diárias como cozinhar, estocar e transportar alimen-
tos. Mas a cerâmica também tinha seu papel de des-
taque no campo ritualístico, empregada no consu-
mo de bebidas em cerimônias ou como urna nos
enterramentos.
A técnica de fabricação da cerâmica na tradi-
ção Tupiguarani obedece a um padrão uniforme,
partindo sempre do acordelamento. Roletes de ar-
gila são cuidadosamente sobrepostos e quando o
recipiente chega a sua dimensão final uma pedra

71
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

molhada é esfregada nas paredes interna e externa,


cobrindo as emendas dos rolos. Por fim, a cerâmica
recebe o acabamento decorativo. As decorações
possuem padrões variados, indo da ornamentação
plástica à pintura de motivos geométricos. As de-
corações plásticas são classificadas, basicamente,
como:

a) Corrugado complicado - decoração em que os roletes são


ligados por meio de pressões, mais ou menos regulares e
espaçadas, feitas com o dedo polegar em sentido
perpendicular ou transversal à boca do vasilhame.

b) Corrugado espatulado - Nesta decoração, as corrugações


são executadas com auxílio de espátula.

c) Corrugado imbricado - Decoração em que as corrugações


se assemelham a escamas de peixe.

d) Corrugado simples - A decoração é resultante do


rejuntamento externo dos roletes pela sobreposição da parte
inferior de um sobre a parte superior de outro.

e) Digitado - Consiste em imprimir a ponta dos dedos na


superfície externa do recipiente.

f) Escovado - A superfície do recipiente é esfregada com um


instrumento com pontas múltiplas (como uma escova).
g) Inciso - quando a decoração é obtida pela aplicação de
instrumento pontiagudo na superfície cerâmica.

h) Marcado com corda - são impressas marcas com cordas


na superfície do recipiente.

i) Marcado com malha - as marcas, nesta categoria de


decoração, são impressas com auxílio de uma malha.

72
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

j) Ungulado - a decoração é consequência, unicamente, da


impressão de marcas feitas com a ponta das unhas.

Existem outras especificações de decoração


plástica, mas o objetivo aqui foi situar o leitor dentro
do contexto encontrado no litoral de Santa Catarina,
motivo pelo qual foram selecionadas as mais
recorrentes.

Fragmentos de cerâmica corrugada e pintada, coletados na Praia de Naufragados – Ilha de Santa


Catarina.

No que diz respeito à decoração pintada, tam-


bém há relativa variedade no processo de acaba-
mento. Muitos dos vasilhames contam com um fun-
do (engobio) branco ou vermelho. Sobre a superfí-
cie, linhas em vermelho e (ou) preto foram firme-
mente traçadas com finas lâminas de bambu. Os
motivos são os mais variados: linhas em zigueza-
gue, linhas paralelas onduladas, linhas que se cru-

73
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

zam diagonalmente, aspirais, triângulos, entre ou-


tros.
Os grandes jarros de cerâmica são, sem dúvi-
da nenhuma, o elemento oleiro mais conhecido.
Chamados de igaçabas estes jarrões serviam de
contêiner para o armazenamento de líquidos. Mas
quando havia falecimento nas aldeias, as igaçabas
eram remanejadas para servir de urna funerária.
Algumas destas igaçabas possuem decorações refi-
nadas, talvez por terem sido feitas unicamente para
servir ao sepultamento de indivíduos de destacada
posição social.
Os enterramentos nas igaçabas podiam ser de
cunho primário ou secundário. Nos enterramentos
primários o morto era diretamente depositado nos
recipientes cerâmicos em posição fetal, normalmen-
te acompanhado de algum mobiliário funerário. Este
tipo de enterramento era o mais praticado pelos

Igaçaba Carijó, procedente do sítio arqueológico do Rio Tavares – Ilha de Santa


Catarina. Acervo do Museu “Oswaldo Rodrigues Cabral” da Universidade Federal de
Santa Catarina.

74
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

Carijós da Ilha de Santa Catarina. As urnas utiliza-


das nos enterramentos primários possuíam grande
dimensão, podendo alcançar mais de um metro de
altura e capacidade para 150 litros.
Já na modalidade de enterramento secundá-
rio, era necessário empregar uma técnica de trata-
mento do defunto até que os restos mortais estives-
sem no estado considerado adequado para seguir
rumo a sua destinação final, ou seja, livre da carne.
A técnica mais comum consistia em enrolar o mor-
to em uma esteira ou tecido e enterrá-lo até que o
processo de decomposição se apresentasse em uma
fase adiantada. Os restos mortais eram então de-
senterrados, os ossos limpos de todos os resíduos
de carne e novamente enterrados dentro de uma
urna de cerâmica. Muitas vezes os ossos recebiam
pintura e eram cuidadosamente organizados den-
tro do recipiente funerário.
A grande variação nos padrões decorativos
levou o arqueólogo Pedro Ignácio Schmitz a defen-
der que a decoração pintada era utilizada para fins
mais nobres, como rituais. Trata-se de uma obser-
vação relevante e acompanhada por outros profis-
sionais da arqueologia. Porém, algumas exceções
abrem espaço para discussões mais localizadas.
Nacionalmente, em alguns sítios arqueológicos li-
gados à tradição Tupiguarani a cerâmica pintada
parece igualar em produção com a corrugada, como
nos sítios de Naufragados (Ilha de Santa Catarina)
e de Porto Kaiowá (Navirai, Estado de Mato Grosso
do Sul). A ocorrência equilibrada das duas modali-
dades de produção cerâmica leva a refletir que o tra-

75
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

dicional modelo de sub-tradição pintada na área


entre São Paulo e Nordeste e sub-tradição
corrugada do Parapanema para o Sul, de grande
importância para a arqueologia brasileira, deve ser
encarado com certa flexibilidade para se entender
estas variações não como anomalias, mas como re-
sultado de diversidade cultural. Contudo, é impor-
tante frisar que estudos sistemáticos não foram con-
duzidos nos dois locais acima apontados e as consi-
derações foram elaboradas com base em impressões
decorrentes da disposição do conteúdo arqueológi-
co em superfície.
As descrições feitas pelo cronista alemão Hans
Staden, que passou pela Ilha de Santa Catarina e foi
prisioneiro dos Tupinambás no litoral paulista, per-
mitem que os arqueólogos entendam mais sobre
como se dava a fabricação dos recipientes cerâmicos.
A produção cerâmica era atividade exclusivamente
feminina e a queima dos recipientes feita apoiando-
os sobre pedras e recobrindo-os com cortiça seca, que
por fim era incendiada. No processo de queima
aeróbica, a cerâmica fica translúcida e o resultado é
um recipiente de cor pardacenta, com variações de
tons entre claro e escuro. Neste tipo de queima é in-
dispensável que a massa receba material antiplástico,
evitando que a cerâmica se parta durante o
cozimento. Como antiplástico eram empregados
grãos de quartzo, ossos ou conchas triturados ou ain-
da cariapé (matéria vegetal).
Existe toda uma gama de artefatos produzi-
dos pelos Carijós, remanescentes dos Tupiguaranis
pré-coloniais e que provavelmente tinham seus si-

76
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

milares na tradição arqueológica. Ao invés de esta-


belecer um longo inventário sobre estes objetos,
optei por limitar as observações deste capítulo pri-
oritariamente à cultura material proveniente dos
sítios arqueológicos. Outros aspectos serão narra-
dos nos capítulos seguintes, onde será apresentada
uma síntese etno-histórica e se abordará a cultura
material como elemento de identidade étnica. Des-
ta forma, fica estabelecida uma conexão entre as
tradições arqueológicas e históricas com as etnias
da atualidade, num esforço de traçar uma verda-
deira síntese da história indígena no litoral do Es-
tado de Santa Catarina. Porém, antes de passar para
os temas históricos, farei uma abordagem do últi-
mo elemento arqueológico a ser discutido neste li-
vro: a arte rupestre.

77
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Os petróglifos do
litoral meridional
de Santa Catarina

Q Quando se trabalha com arte rupestre, o prin-


cipal problema a ser enfrentado é a subjetividade
dos dados, tendo em vista que o objeto de estudo é
nada mais que um bloco ou paredão rochoso, pin-
tado ou gravado. Surge então na mente do observa-
dor as duas primeiras interrogações: quem foram
os autores dos grafismos e que mensagem está sen-
do transmitida?
Desvendar estas duas perguntas essenciais
está longe de ser uma tarefa fácil. A busca por res-
postas exige a aplicação de várias técnicas de pes-
quisa, sendo que nem sempre o pesquisador conse-
gue elucidar os questionamentos levantados. O im-
portante é que os estudos em arte rupestre não se
limitem a tomadas fotográficas, mas sim priorizem
a aplicação de método científico, que neste campo
do conhecimento é mais conhecido por “Arqueolo-
gia Rupestre”.
Por arte rupestre entende-se toda forma de
manifestação gráfica que se utiliza de suporte ro-
choso para sua execução. A arte rupestre se mani-
festa de duas formas: por meio de gravações ou de
pinturas elaboradas sobre uma rocha suporte. Os
estilos variam desde os mais naturalistas até ema-
ranhados de linhas abstratas. Diversas técnicas,

78
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

combinadas e desenvolvidas pelos autores dos si-


nais rupestres, resultaram em uma série de classifi-
cações que deve ser seguida para identificar um sí-
tio de arte rupestre a ser estudado. Estas informa-
ções deverão ser observadas com atenção pelo pes-
quisador, que elaborará exaustivas anotações a fim
de compor um completo banco de dados. A forma-
ção deste banco de dados é essencial para o estudo
aprofundado e científico da arte rupestre.
Nos últimos 20 anos, desenvolveram-se téc-
nicas de pesquisa visando aplicar método ao es-
tudo desta área até então repleta de subjetivida-
de. Basicamente, ao investigar um complexo
rupestre, o pesquisador deve voltar sua atenção
para técnicas de registro e documentação, bem
como para o contexto histórico da área a ser es-
tudada. Os arqueólogos italianos Andrea Arca e
Angelo Fossati asseveram que dentro desta nova
tendência metodológica no estudo da arte rupestre
surgiu em 1982, em Valcamonica (Itália), o termo
“arqueologia rupestre”.
A identificação e o registro do sinal rupestre
têm início pela técnica de elaboração, que é dividi-
da da seguinte forma:

Os pictoglifos: São as pinturas rupestres, feitas


a partir do preparo de pigmentos extraídos de
matéria prima natural, como no caso das sementes
de urucum ou do óxido ferroso. A partir do número
de cores que compõem o desenho, os pictoglifos
podem ser classificados em monocrômicos (uso de
uma única cor para compor o grafismo) ou

79
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

policrômicos (onde foram utilizadas duas ou mais


cores). As tonalidades comumente empregadas são
o vermelho, o amarelo, o branco e o preto.
Um elemento rupestre pode ser pintado
utilizando diferentes técnicas:

1 - por meio de linhas traçadas com auxílio de “pincéis” - ou algo


que faça este papel, como dedos humanos, lâminas de madeira
ou de pedra, etc;
2 - pelo uso de estampa, onde a tinta é aplicada a partir da
superfície previamente preparada de um objeto, a modo de
carimbo;
3 - através de aspersão, quando a tinta é aplicada mediante
pulverização. Alguns arqueólogos acreditam que para obter a
aspersão, o homem pré-histórico colocava o pigmento na boca
e o expelia através de curtas cuspidas, abrindo apenas uma
pequena brecha entre os lábios para a saída da tinta – um spray
da pré-história.

Quanto à qualidade e densidade da tinta, va-


ria de fina à granulada. Na tinta fina a técnica de
preparação prevê como resultado uma solução lí-
quida, que resultará num desenho de contornos
precisos e profunda penetração da tinta na rocha
suporte. Já a tinta granulada é resultado da prepa-
ração de uma pasta, tendo como resultado desenhos
de contornos imprecisos, com superficial penetra-
ção na rocha.

80
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

Exemplo de pintura
rupestre. Parque
Nacional da Serra da Os petróglifos: são grafismos executados sobre
Capivara – Piauí. uma rocha suporte com auxílio de um instrumento
em movimentos de percussão ou abrasão. Quando
a conformação do desenho segue o traçado linear,
as linhas são resultantes das depressões causadas
pela ação do instrumento sobre a rocha, sendo es-
tas linhas chamadas de sulcos. No Brasil, os instru-
mentos empregados na confecção de petróglifos
eram feitos de pedra. Já na Europa, além da pedra,
aquelas gravações feitas na idade dos metais eram
obtidas, também, por instrumentos de ferro. Quanto
à técnica de confecção, os petróglifos podem ser
divididos em duas modalidades básicas:

81
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

a) Picoteamento: técnica de tratamento por


meio de percussão de um artefato sobre a rocha
suporte. As batidas do instrumento arrancam pe-
quenas lascas e, aos poucos, o motivo vai assumin-
do sua forma. A aparência dos sulcos, grosso modo,
é a de uma série de pequenos pontos aglutinados,
tendo por resultado uma superfície rugosa.
b) Polimento: técnica de tratamento abrasivo,
resultante do atrito de um instrumento contra a
rocha suporte. A aparência dos sulcos é de uma
seção interna lisa, com formato de “U”.

Exemplos de gravuras rupestres. Esquerda: figura antropomórfica feita por


picoteamento, Praia do Santinho. Direita: grafismo obtido por polimento, Ilha
do Campeche.

É muito comum ainda a associação das duas


técnicas na composição de um petróglifo. Quando
isso ocorre, o motivo é previamente esboçado por
picoteamento para receber o acabamento final atra-
vés do polimento.

82
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

Somente depois da coleta e análise dos dados


técnicos e do reconhecimento do contexto históri-
co que envolve o complexo rupestre é que a pesqui-
sa poderá partir para a outra fase, onde se estabele-
cem inferências e comparações culturais. No Bra-
sil, a enorme diversidade cultural presente desde a
pré-história torna todo o estudo da arte rupestre
muito complexo e de difícil interpretação.

A ocupação humana dentro de um


complexo rupestre

Entender os povos que habitaram uma deter-


minada área com arte rupestre é indispensável para
elaborar a contextualização geral do objeto de estu-
do. Este pano de fundo dará importantes subsídios
para um levantamento de arte rupestre.
Quando a região que se pretende estudar foi
ocupada por uma única cultura, encontra-se uma
relativa facilidade em manusear os dados e inferir
aspectos socioculturais e interpretativos. Mas o que
geralmente ocorre são sucessivas ocupações por
distintas culturas, levando o pesquisador a buscar
diversos meios que auxiliem no estabelecimento de
diferenciações estilísticas seguidas de uma propos-
ta de sequência cronológica, a única maneira de re-
lacionar estilos e tradições rupestres às sociedades
que ali habitaram.
Não existe um método totalmente eficaz para
datação de arte rupestre. Alguns métodos de
datação direta (parecido com o processo do carbo-

83
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

no quatorze) foram propostos por estudiosos do


tema, mas ainda são muito imprecisos e controver-
sos. A forma mais usada para se chegar a uma pos-
sível datação de um complexo de arte rupestre é a
associação direta com tradições arqueológicas, num
processo denominado cronologia relativa. Este
método se utiliza da análise da estratigrafia rupestre
(avaliação das sobreposições de grafismos), que
poderá fornecer os elementos necessários para se
estabelecer, juntamente com a análise estilística e
frequencial dos símbolos rupestres, a base necessá-
ria para encontrar o diacronismo buscado. A com-
paração com elementos gráficos da cultura materi-
al dos povos, como escudos, vasos cerâmicos e arte
mobiliária, complementaria os dados para estabe-
lecer a cronologia relativa. O registro das sobrepo-
sições e o estudo da estratigrafia rupestre obede-
cem ao mesmo princípio básico empregado nas es-
cavações arqueológicas, sendo os motivos sobrepos-
tos mais recentes que aqueles outros que estão por
baixo.

Sobre as manifestações rupestres do litoral


de Santa Catarina

Como visto nos capítulos anteriores, o litoral


de Santa Catarina foi ocupado por três povos dis-
tintos: Os caçadores e coletores, os Itararés e os
Tupiguaranis. A abordagem dos capítulos anterio-
res é de grande relevância para a compreensão do
contexto em que a arte rupestre está inserida, haja

84
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

vista que um destes grupos (ou mais de um) foi res-


ponsável pela autoria dos grafismos.
A arte rupestre do litoral de Santa Catarina se
manifesta exclusivamente na forma de petróglifos,
não havendo qualquer evidência de pintura rupestre
que tenha sido comprovada pela arqueologia. Se-
guindo o modelo tradicional, as gravuras rupestres
desta região foram executadas por meio de polimen-
to ou picoteamento, aparecendo em alguns casos a
combinação das duas técnicas.
De acordo com os sítios catalogados, a arte
rupestre no litoral de Santa Catarina aparece nos
seguintes municípios: Porto Belo, Florianópolis,
Palhoça, Garopaba, Imbituba e Laguna. Certamen-
te, com o aumento das pesquisas sistemáticas, mui-
tos outros sítios serão descobertos e registrados,
ampliando o quadro ora conhecido.
A rocha suporte da arte rupestre nos locais
acima citados sofre um processo natural de
descascamento, chamado de esfoliação, que pode
levar um símbolo a seu total desaparecimento. Para
agravar a situação, os petróglifos sofrem constan-
tes agressões pela ação do homem. Os vandalismos
vão do caminhar por sobre as inscrições, passando
pelos rabiscos com pedras ou pichações com tinta
industrial. A mais destruidora e assombrosa das
agressões registradas decorreu num passado recen-
te, quando caçadores de tesouros explodiram
paredões cobertos de petróglifos na crença ignoran-
te de que os símbolos gravados pelos índios da pré-
história seriam indicações de preciosidades escon-
didas por jesuítas ou piratas.

85
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Petroglifo vandalizado
com tinta industrial. Ilha
do Campeche.

O crescimento constante e desordenado da


atual população litorânea catarinense também ofe-
rece risco à integridade do patrimônio arqueológi-
co. Todo esse conturbado contexto social ressalta a
importância dos levantamentos, que preveem o ar-
mazenamento do maior número de dados possíveis.
Quando um petróglifo é parcial ou completamente
destruído, resta somente o material registrado pelo
pesquisador para preservar a memória pré-coloni-
al e auxiliar futuras pesquisas.
A desinformação é o principal veículo propa-
gador das agressões sofridas pelos petróglifos. Cam-
panhas de preservação, exposições fotográficas e
conferências auxiliariam a construir um caminho
viável para a solução dos problemas ligados à pre-
servação da arte rupestre.
Desenvolver um turismo cultural sustentável
é uma excelente maneira de divulgar os sítios ar-
queológicos e a importância da preservação. Para
tanto, seria necessária a criação de parques que ex-
plorassem tanto as escavações arqueológicas como
os sítios de arte rupestre.

86
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

Os dados sobre os sítios de arte rupestre


registrados na Ilha de Santa Catarina

Na década de 1990 – precisamente entre 1993


e 1997 – desenvolvi um levantamento da Arte
Rupestre na Ilha de Santa Catarina e Ilhas Adjacen-
tes que resultou na catalogação de 564 gravações
agrupadas em 32 sítios arqueológicos dispostos em
14 localidades. Seguindo uma sequência de norte a
sul, estas localidades seriam: Ilha do Arvoredo, Pon-
ta das Canas, Ingleses, Santinho, Ilha das Aranhas,
Praínha, Galheta, Caminho dos Reis, Mole, Joaqui-
na (extinto), Ilha do Campeche, Armação (extinto),
Pântano do Sul, Solidão, Naufragados e Ilha dos
Corais.
Destas 564 gravações, uma está no Museu do
Homem do Sambaqui (proveniente da Praia da Ar-
mação do Sul) e outra na posse ilegal de proprietá-
rio particular (originária da Praia da Joaquina). As
três localidades que apresentam o maior número
de gravações são: a Ilha do Campeche, com 167 sím-
bolos; a Ilha dos corais, com 132 figuras; e a Praia
do Santinho, com 110 gravações.

Petroglifo
procedente do
sítio extinto da
Praia da
Joaquina.

87
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Para catalogar a arte rupestre foram utiliza-


das fotografias, cópias em folhas plásticas no tama-
nho natural, croquis e registro em fichas de campo.
A partir desse material foi possível extrair dados
quantitativos. Quanto à técnica de confecção, 522
símbolos foram feitos por polimento, totalizando
92,7% das inscrições. Em quantidade muito inferi-
or aparecem aqueles petróglifos confeccionados por
picoteamento: 36 gravuras, num total de 6,2%. Em
seis símbolos rupestres (1,1%) os autores emprega-
ram ambas as técnicas.
O aparecimento de petróglifos que apresen-
tam a combinação das duas técnicas de confecção é
muito importante, pois indica que, em muitos ca-
sos, o petróglifo foi preparado previamente por
picoteamento para receber o acabamento final por
meio de polimento. Mas isso não quer dizer que o
objetivo final de todo desenho picoteado tenha sido
o polimento. Em alguns casos, a intenção final era
mesmo o efeito picoteado no grafismo.
Não há um padrão de distribuição para as gra-
vuras, podendo estar tanto em blocos horizontais
como em verticais, sem qualquer relação aparente
com a orientação geográfica ou pontos cardeais. O
único padrão identificado demonstra que todos os
sítios encontram-se na faixa litorânea externa, com
exceção do sítio do Caminho dos Reis, uma trilha
que liga a Praia da Galheta à comunidade da Barra
da Lagoa. A região da Baía, de frente para o conti-
nente, não apresenta sítios de arte rupestre.
Curiosamente, percebeu-se que as inscrições
com sulcos mais finos (na faixa de 1 a 1,8 cm)

88
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

apresentavam um maior desgaste e uma maior con-


centração de pátina do que as de sulcos mais grossos
(acima de 2 cm). A maior profundidade de sulco re-
gistrada no levantamento foi de 8 mm. Entretanto, a
grande maioria das gravações está na faixa de 1 mm.
A área gravada ocupada pelos grafismos varia
de petróglifos isolados com 10x10 cm, à painéis
recobertos de símbolos com mais de 5m metros de
comprimento. Podem estar tanto no chão de abri-
gos sob rocha, como em platôs a mais de 8m do solo.
O elemento predominante é o círculo, com um
total de 218 gravações; em seguida, vem as variações
de linhas onduladas e zigue-zagues, com 62 grava-
ções; e, na sequência, as variações em ângulos obtu-
sos, com 41 gravações. Aparecem ainda as séries de
triângulos e representações antropomórficas como
figuras menos frequentes, porém, repetidas em dife-
rentes sítios.
Em uma primeira análise, pertencem todos ao
mesmo estilo (geométrico abstrato), com exceção dos
petróglifos do segundo sítio da Praia da Galheta, com-
postos por linhas irregulares em formação livre.
A percepção estilística aplicada nos petróglifos
varia desde motivos picoteados simples, sem maio-
res caprichos, até outros com refinado acabamen-
to, onde dois planos de polimento dão o intencio-
nal contraste de cores.

89
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Petróglifos da Praia do Santinho


(esquerda) e Ilha do Campeche (direita),
onde os autores conseguiram obter
contraste somente por diferentes níveis
de polimento.

Houve um momento na arqueologia em que


os estudiosos acreditavam que no litoral catarinen-
se existia arte rupestre somente nas Ilhas, como a
Ilha de Santa Catarina e suas ilhas adjacentes. Es-
tudos posteriores vieram comprovar a existência de
sítios arqueológicos com arte rupestre também na
zona costeira continental, como nas praias da
Pinheira e da Guarda, Município de Palhoça. Mais
recentemente foram catalogados petróglifos tam-
bém nos municípios de Laguna e Garopaba.
Para poder estabelecer uma classificação des-
ta arte rupestre e buscar posteriores associações
com as populações pré-históricas que possivelmente
as executaram, antes é necessário voltar-se para
uma prévia avaliação dos estilos que regem os
grafismos. No caso do litoral catarinense, fica bem
mais difícil identificar diferenças estilísticas, pois a

90
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

maioria dos petróglifos obedece a um padrão mui-


to similar. Mesmo assim, algumas variações sutis
são perceptíveis, o que já representa um passo ini-
cial para separar os petróglifos em categorias mais
amplas.
Desta forma, alguns complexos rupestres ex-
pressam certas particularidades. A Ilha do Arvore-
do (adjacente à Ilha de Santa Catarina) e a Ilha João
Cunha (Porto Belo) parecem apresentar algumas
semelhanças no estilo dos motivos, ainda abstra-
tos, porém, com emaranhados de linhas se cruzan-
do em determinados perímetros de uma mesma
gravação.

É possível interpretar os grafismos


rupestres?

A arte rupestre é um fascinante campo de es-


tudo da arqueologia. Sempre nos vemos intrigados
pelos belos símbolos gravados, tentando imaginar
que mensagens estariam nos transmitindo. Nas
palestras que ministrei sobre o tema, sempre bus-
quei explicar que os petróglifos não são somente
arte, pois suas funções iam muito além da estética.
Apesar de muito belos, os grafismos rupestres têm
a função também de transmitir mensagens, sendo
quase uma forma de escrita. Outra possível função
dos petróglifos estaria associada a práticas mágico-
religiosas. Diante destas informações surge sempre
a mesma pergunta: é possível “traduzir” a mensa-
gem que estes símbolos estão transmitindo?

91
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

De imediato há uma frustração nos ouvin-


tes quando respondo que uma “tradução” dos pe-
tróglifos é impossível, pois para tanto seria ne-
cessário conhecer com precisão os códigos que re-
gem a composição destes símbolos. Ou seja, na
medida em que lemos um texto (como o desse li-
vro, por exemplo) o que o nosso cérebro faz é tra-
duzir em uma fração de segundos os inúmeros
símbolos ali expressos, associando os ícones grá-
ficos com seus códigos – ou seja, é assim que sa-
bemos que determinado símbolo corresponde a
letra “A”, por exemplo. Representação
No caso da arte rupestre temos o desenho, ou vetorial de arte
rupestre, Ilha do
seja, o ícone gráfico, mas desconhecemos os códi- Arvoredo.
gos simbólicos usados pelos autores para lhe atri-
buir significado. Por outro lado, isso não quer dizer
que não seja possível obter pistas da função que es-
tes símbolos tinham para aquelas populações pré-
históricas. Se uma “tradução” é praticamente im-
possível, o que o arqueólogo faz é chegar a uma pro-
posta de quais funções teriam estes grafismos, ob-
tendo um sistema mais genérico de interpretação
da arte rupestre.
Diante disso, entende-se a arte rupestre da
Ilha de Santa Catarina como o registro físico da es-
fera simbólica e ritualística daquelas populações que
ocuparam o litoral catarinense há milênios. Não
temos sua tradução, mas sabemos que se trata de
um campo simbólico porque são desenhos que re-
presentam ideias e valores daquelas sociedades,
podendo ocupar papel também nos rituais – como
de iniciação ou de culto.

92
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

Para buscar linhas de interpretação o arqueó-


logo deve estudar o ambiente local e pensar como
se dava a relação dos homens da pré-histórica com
esse entorno. Isso porque, conforme já nos alerta o
antropólogo britânico Evans-Pritchard, a ecologia
apresenta profundas relações com a economia e com
o modo de vida dos grupos humanos. Neste traba-
lho, o arqueólogo deve partir do levantamento da
arte rupestre e, em segunda instância, da análise
dos vestígios arqueológicos levantados em escava-
ções tradicionais em paralelo com a avaliação das
formas de apropriação do entorno ecológico.
Há muito a arqueologia discute a possibilida-
de de que a arte rupestre tenha um valor religioso,
mágico. Os símbolos rupestres poderiam ser uma
espécie de magia simpática relacionada com caça –
onde o caçador primeiro captura a essência do ani-
mal cobiçado por meio de sua representação nas
paredes de pedra, o que traria êxito na caçada. Em
outros casos, os desenhos rupestres estariam asso-
ciados a formas de culto estelar.
Com base na análise dos elementos e suas repe-
tições, o arqueólogo francês André Leroi-Gourhan
verificou que certos povos que ocuparam determina-
da região da Europa no paleolítico projetaram um
pensamento estruturado nas paredes das grutas, onde
os símbolos estariam agrupados em setores obedecen-
do a regras de associações. O trabalho de Gourhan
demonstrou que, a partir do estudo da arte rupestre, é
possível determinar aspectos da cultura não material
dos povos da pré-história, o que seria impossível ape-
nas com a tradicional escavação arqueológica.

93
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Desta forma, o primeiro passo para estabele-


cer proposições interpretativas sobre os petróglifos
da Ilha de Santa Catarina foi entender a ecologia
local e as possíveis apropriações antrópicas do en-
torno. É na natureza que encontramos os elemen-
tos motivadores que conduziram à elaboração dos
símbolos que ali se encontram gravados. Obedecen-
do a este raciocínio, temos que destacar que os ha-
bitantes pré-coloniais do litoral catarinense eram
pescadores tradicionais e que o mar era a principal
fonte de alimentação. A importância do ambiente
marinho para a manutenção do modo de vida aca-
ba por ser materializada nos grafismos rupestres,
seja por motivações religiosas ou pela necessidade
de imortalizar fatos expressivos que aconteceram
nas vidas daqueles habitantes. Desta forma, é natu-
ral que muitos dos símbolos da arte rupestre do li-
toral de Santa Catarina estejam ligados à atividade
pesqueira.
Observadas as características do entorno e
pensadas as possíveis apropriações antrópicas, o
passo seguinte é classificar a arte rupestre em cha-
ves tipológicas. No caso dos petróglifos do litoral, a
tipologia rediforme foi fundamental para dar início
às primeiras propostas interpretativas. As represen-
tações de redes de pesca estão presentes em muitos
sítios de arte rupestre da costa catarinense. Na Ilha
do Campeche existe uma figura que deu sustenta-
ção a toda uma linha de raciocínio: trata-se de uma
representação rediforme com círculos e pontos gra-
vados no interior de suas malhas. Dessa maneira,
entende-se que o referido ideograma representa o

94
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

ato da pesca, o exato momento da captura do pes-


cado. Os peixes, neste painel, estariam reproduzi-
dos por círculos e pontos. A imensa quantidade de
círculos e pontos que se repetem em todos os com-
plexos rupestres da Ilha de Santa Catarina e ilhas
adjacentes vêm confirmar a abundância alimentar
da região em tempos pré-históricos, reiterando a
relação da arte rupestre com a atividade pesqueira.

Elemento rediforme da Ilha do Campeche. Círculos e pontos


no interior das malhas representam o pescado.

95
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

A partir do momento em que se convenciona


reconhecer círculos e pontos como peixes, outras
cenas ganham significado. Um dos painéis da Ilha
dos Corais, que apresenta figuras antropomórficas
em meio a muitos círculos e triângulos, pode ser
um indicador de símbolo clânico, demarcando uma
região de reconhecida qualidade como ponto de
pesca. O pescado pode haver sido representado em
várias categorias: círculos, pontos, triângulos e he-
licóides; cada qual ilustrando um tipo ou uma qua-
lidade de pescado.

Painel da Ilha dos corais. Figuras antropomórficas associadas a


círculos e triângulos. Esquerda: Fotografia mostra detalhe do painel.
Direita: vetorização a partir do relevo de contato que apresenta o
painel por completo.

96
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

Ainda na Ilha dos Corais, foram identificados


outros símbolos onde a pesca e o mar estão inter-
relacionados: uma série de círculos pairando sobre
linhas onduladas, representados logo abaixo de uma
formação rediforme, sugere simular o momento em
que o pescador lança a rede sobre a presa. Na Ilha
dos Corais há somente um sítio de ocupação que
pertencente à tradição Itararé, o que reforça a hi-
pótese de associação deste estilo com a referida tra-
dição arqueológica. Situação similar de ocupação
humana ocorre na Ilha do Campeche.

Elemento rediforme sobre círculos e linhas onduladas pode estar representando o


exato momento em que o pescador lança a rede sobre as presas.

Entende-se, dessa forma, que linhas ondula-


das paralelas são a representação gráfica do mar.
Partindo desse princípio, outro elemento da Ilha dos
Corais mostra-se sujeito a interpretação: a figura
helicoidal de fase dupla. Este símbolo, que em um

97
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

petróglifo aparece na vertical, sobre linhas ondula-


das, e em outro na horizontal (neste segundo caso
abaixo das linhas onduladas), parece ser mais uma
forma de representação de espécies marinhas. Nes-
tes dois casos, onde o pescado agora é representan-
do pela figura helicoidal de fase dupla, há o registro
de momentos comuns no universo da pesca maríti-
ma: em um o peixe nadando sob a água e noutro
saltando entre as ondulações do mar, ou seja, são
cenas corriqueiras no dia a dia do pescador.

Figura helicoidal de fase dupla em dois petróglifos distintos, ora na vertical sobre
linhas onduladas, ora na horizontal, abaixo de linhas onduladas.

Conforme mencionado, Leroi-Gourhan reco-


nheceu na arte rupestre paleolítica uma série de
códigos que expressavam o universo simbólico dos
homens da pré-história, abrindo caminho para uma
corrente interpretativa na arte rupestre. Os princí-
pios interpretativos também poderiam ser aplica-

98
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

dos no caso do litoral de Santa Catarina. Se por acaso


pensarmos a arte rupestre como símbolos relacio-
nados à magia simpática, na costa catarinense a
prática mágica teria como essência a principal eco-
nomia dos povos pesqueiros, sendo as formas de
apropriação do entorno o elemento motivador. Os
petróglifos, neste caso, não são somente o veículo
de uma magia simpática aplicada à atividade pes-
queira, mas também um memorial que garante o
registro perene da história vivenciada por seus pro-
tagonistas.

Círculos e triângulos,
Ilha do Campeche.

Tomando por base os argumentos apresenta-


dos ao longo do capítulo é possível constatar que o
entorno e suas apropriações antrópicas assumem
um papel fundamental nas construções simbólicas

99
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

coletivas, conduzindo a uma constante representa-


ção nos muitos painéis dispostos pelas zonas costei-
ras de Santa Catarina. Mesmo ciente da crítica que
os modelos interpretativos sofrem da arqueologia
processual, não se pode negar o potencial que a arte
rupestre oferece para adentrar no universo simbóli-
co de populações que normalmente só conhecemos
a cultural material. Dentro da arqueologia antropo-
lógica entende-se que para fazer arqueologia, inde-
pendentemente da escala de tempo trabalhada, o
mais importante é a capacidade do arqueólogo em
recompor o estilo de vida das populações, fazendo
uso, como vimos, do que Julian Thomas define como
“imaginação arqueológica”.

Vetorial obtido a partir do relevo de contato do


Painel do Letreiro - Ilha do Arvoredo. Nesta cena
disposta em um enorme painel de quase cinco
metros, inúmeros círculos e pontos associados a
figuras antropomórficas e outros motivos ilustram
a importância da atividade pesqueira para os
primeiros habitantes do litoral catarinense.

100
TEMAS EM ARQUEOLOGIA

PARTE 2
ARTE

Temas em
História Indígena

Acampamento
Tupinambá. Obra de
Theodor De Bry,
Americae, de 1592.

101
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Apontamentos
para uma etno-
para
história da Ilha de
Santa Ca tarina
Catarina

A As narrativas que versam sobre as populações


de origem tupi e guarani são relativamente abun-
dantes, tendo em conta que agrupamentos perten-
centes a estes troncos linguísticos se multiplicavam
pela quase totalidade do litoral atlântico da Améri-
ca do Sul. Em território brasileiro, os contatos com
os conquistadores nem sempre tiveram a tônica
belicosa e hostil, mas ao contrário, mostraram-se
amistosos e simbióticos, o que possibilitou que os
primeiros navegadores recebessem farta ajuda des-
tas populações autóctones que habitavam o litoral.
Especificamente na Ilha de Santa Catarina, os
índios Carijós auxiliavam os viajantes que ali para-
vam no descanso do contingente e no abastecimento
das naus. Era comum os viajantes também recor-
rerem ao auxílio indígena para o conserto das em-
barcações. Ao que tudo indica, a transformação nas
relações entre europeus e autóctones ocorreu quan-
do alguns navegadores deram início à captura de
indígenas para venda como mão de obra escrava.
Para estudar este passado indígena, que re-
cua até os primeiros momentos da colonização, o

102
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

pesquisador recorre às crônicas, documentos ela-


borados por toda uma sorte de viajantes que tran-
sitavam pelo continente americano, como navega-
dores, emissários reais, missionários e comercian-
tes. As crônicas, apesar do incontestável valor como
fonte de pesquisa para a história indígena, devem
ser analisadas com base em aguçado senso crítico,
pois além de refletir os pensamentos vigentes da
época da conquista, foram elaboradas por atores
sociais capitaneados por interesses e paixões. Tam-
bém há que se considerar que as crônicas não fo-
ram abundantes em todas as regiões do Brasil, o
que exige do investigador certa habilidade para di-
alogar com dados de textos cujas narrativas versam
sobre indígenas que viviam em regiões diferentes
daquela que é objeto de pesquisa. Claro que para
tanto o pesquisador deve estar ciente das dificulda-
des teóricas implicadas neste tipo de manobra. En-
quanto as narrativas sobre os habitantes das regi-
ões nordeste e sudeste são mais abundantes, os re-
latos que tratam das terras de Santa Catarina são
bem mais restritos e menos precisos. Geralmente,
essas narrativas sobre as terras e a gente do litoral
catarinense estavam mais ligadas ao intenso tráfe-
go de embarcações que aportavam nas águas das
baías da Ilha de Santa Catarina quando rumo ao
Rio da Prata.
O cruzamento de elementos reportados por di-
ferentes cronistas possibilita ao pesquisador tecer o
pano de fundo necessário para maximizar a compre-
ensão dos hábitos e costumes praticados pelos indí-
genas Tupi -guarani que habitavam o litoral brasilei-

103
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

ro no período da conquista. Este pano de fundo pode


revelar informações de grande relevância para uma
história indígena, permitindo que elementos culturais
descritos por crônicas de uma região possam ser leva-
dos em conta para contextualizar variáveis históricas
presentes em outra região, desde que se trate de gru-
pos indígenas análogos. Como mencionado, esta prá-
tica deve ser observada com especial cuidado devido
às deficiências teóricas implicadas. Por outro lado, as
crônicas são fontes de pesquisa fundamentais para a
etno-história. O antropólogo espanhol Angel Espina
Barrio ressalta o valor das crônicas para o estudo his-
tórico-antropológico das populações indígenas, pois
muitas vezes os cronistas foram capazes de realizar
descrições detalhadas sobre populações que, no mí-
nimo, iriam sofrer drásticas transformações.
De fato, muitos aspectos relatados nos textos
da conquista possibilitam levantar parâmetros de
comparação que permitem uma análise tanto de
processos de longa duração como os de transfor-
mações culturais. As complexas relações de
territorialidade e as adaptações subsequentes à con-
quista podem ser avaliadas a partir do estudo das
narrativas coloniais. Inegavelmente, o descobri-
mento de um novo continente em plena era renas-
centista desencadeou transformações de âmbito
global e em proporções gigantescas, tanto em nível
geográfico e econômico, como cultural e ideológi-
co. Novas questões alimentavam a produção inte-
lectual humanista daquele período, o qual ficou co-
nhecido por História Moderna e que iniciara há não
mais que quatro décadas.

104
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

Este panorama mundial que recém iniciara


gerou os mais variados tipos de relatos sobre as
populações autóctones, que vão desde o “bruto fe-
dorento” do cartógrafo espanhol Felix Azara até
densas discussões sobre os direitos humanos uni-
versais tendo por idealistas os também espanhóis
Bartolomé de Las Casas e Francisco de Vitória,
ambos da ordem dos dominicanos. Fica evidente
que as crônicas são a pedra fundamental que sus-
tenta a construção de uma história indígena, caben-
do ao pesquisador estabelecer um diálogo com os
cronistas a fim de entender os vícios destes docu-
mentos e de reconhecer sua importância histórica.

O Brasil colonial

O modus operandi que regia a economia


europeia na aurora do renascimento estava embasado
na exploração de territórios tomados por colônias. Este
modelo econômico era de base puramente mercanti-
lista, com forte ênfase no metalismo. O modo mais
efetivo de maximizar os ganhos e de agilizar a explo-
ração dos recursos minerais quando da conquista de
um território era a partir da dominação das popula-
ções nativas. Tão logo se estabelecia uma colônia, os
nativos eram fatalmente engajados no trabalho com-
pulsório. A escravidão não só representava mão de
obra barata para os processos produtivos, mas tam-
bém alimentava um mercado escravagista do qual
dependiam os muitos donos de fazendas para o êxito
de seus empreendimentos agrícolas.

105
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

A chegada de Colombo à América conferiu


novo fôlego à economia colonial. O estabelecimen-
to de colônias no Novo Mundo renovou as perspec-
tivas econômicas das metrópoles europeias, espe-
cialmente Espanha e Portugal. A experiência que
estas potências haviam adquirido pouco tempo an-
tes em território africano veio constatar que a eco-
nomia mercantilista de base escravocrata era extre-
mamente vantajosa. Assim, a colonização do terri-
tório americano não teve outro destino senão a to-
mada das terras pela força e pela escravidão.
Sustenta-se que, em princípio, Colombo acre-
ditou haver chegado nas Índias, fato que legou aos
autóctones americanos a denominação de “índios”.
Mesmo depois de constatado o equívoco, o termo
indígena acompanhou os nativos do Novo Mundo
por toda sua história. Com o tempo, as Américas
passaram a ser chamadas também de Índias Oci-
dentais.
No processo de tomada de território, o sim-
ples “descobrimento” quase nunca era suficiente
para estabelecer a possessão de uma nova colônia.
A intensa mobilidade de expedições europeias de
distintas bandeiras, especialmente aquelas ligadas
a atividades de conquista, desencadeava a necessi-
dade de legitimar a conquista do território incor-
porado. Ou seja, era indispensável assegurar que o
novo território não fosse tomado por outra nação e
a melhor solução para isso era a fixação de colonos.
Imersos neste contexto socioeconômico, inú-
meros conquistadores, comerciantes, aventureiros
e enviados das coroas passaram por terras ameri-

106
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

canas. Suas crônicas, narrativas daquele exótico


novo mundo, fizeram com que a América passasse
a figurar nos anais da história ocidental. É nas crô-
nicas do período colonial que os pensadores dos
séculos posteriores e os antropólogos da atualida-
de encontram combustível para suas construções
teóricas.
O primeiro relato que se elaborou do indíge-
na brasileiro está registrado na carta de Pero Vaz
de Caminha, escrivão da esquadra de Pedro Álva-
res Cabral, português que descobriu o Brasil em 22
de abril de 1500. O primeiro contato da esquadra
com os nativos se deu no dia seguinte ao descobri-
mento e, na ocasião, Caminha elaborou a descrição
que viria a se infiltrar no imaginário português,
constituindo o modelo do índio brasileiro:

A feição dêles é serem pardos, um tanto avermelhados,


de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus,
sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de
encobrir ou deixar de encobrir suas vergonhas do que
de mostrar a cara. Acêrca disso são de grande
inocência. Ambos traziam o beiço de baixo furado e
metido nêle um ôsso verdadeiro, de comprimento de
uma mão travessa, e da grossura de um fuso de
algodão, agudo na ponta como um furador. Metem-nos
pela parte de dentro do beiço; e a parte que lhes fica
entre o beiço e os dentes é feita a modo de roque de
xadrez. E trazem-nos ali encaixado de sorte que não
os magoa, nem lhes põe estôrvo no falar, nem no comer
e beber.

Os cabelos deles são corredios. E andavam tosquiados,


de tosquia alta antes do que sôbre-pente, de boa

107
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

grandeza, rapados todavia por cima das orelhas. E um


dêles trazia por baixo da solapa, de fonte a fonte, na
parte detrás, uma espécie de cabeleira, de penas de
ave amarela, que seria do comprimento de um côto,
muito basta e mui cerrada, que lhe cobria o toutiço e as
orelhas. E andava pegada aos cabelos, pena por pena,
com uma confeição branda como cêra (mas não era
cêra), de maneira tal que a cabeleira era mui redonda
e mui basta, e mui igual, e não fazia míngua mais
lavagem para a levantar.

Sob a ótica do europeu, os indígenas eram se-


res estranhos, de grande particularidade e sem pre-
cedentes para a então sociedade ocidental. Trata-
va-se do “outro”, do diferente, por vezes do incon-
cebível. Algo que o português do renascimento, ain-
da muito influenciado por conceitos medievais, se-
quer tinha noção. De súbito, lá estavam os súditos
de uma realeza europeia diante de novos povos,
novos sistemas sociais, encontros que causaram
certa instabilidade nas bases ideológicas vigentes e
conduziram à pergunta capital: “poderiam estes
indígenas, tão diferentes e indecorosos, de feição
tão distinta e economia tão rudimentar, serem fi-
lhos do mesmo Deus?”.
Talvez tenha sido já nos primeiros contatos
que se lançou o elemento legitimador da conquista,
fundamentado ora na não humanidade do índio, ora
na infantilidade que o tornava incapaz de gerir seus
próprios territórios – hipóteses absurdas, mas que
encontraram eco devido aos interesses escusos.
Caberia assim ao conquistador a missão evangeli-
zadora, salvando as almas do novo mundo que se
encontravam em tamanho estado de perdição. Foi

108
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

na conquista espiritual que os europeus encontram


a justificativa para a tomada do território. No caso
específico do Brasil, ficou acertado que a Terra de
Vera Cruz era uma legítima colônia portuguesa e
todos os seus habitantes e riquezas pertenciam ago-
ra à coroa. A aliança entre coroa e igreja possibili-
taria a “salvação” dos indígenas e a gestão “racio-
nal” dos recursos disponíveis na nova colônia.
Aos ameríndios não restou outra opção além
do papel de dominado. Ainda que alguns tenham
revidado as ações de dominação com maior ou me-
nor intensidade, o final era previsível: o espolio dos
territórios tradicionalmente ocupados, relegando às
muitas nações indígenas a condição de “servos da
coroa”. O trabalho compulsório, as pestes, os abu-
sos cometidos contra os indígenas, são fatores que
embalaram o drama vivenciado pelas populações
autóctones durante a conquista da América. Os li-
vros positivistas de História do Brasil, escritos em
alguns casos há menos de meio século, haviam re-
legado aos nativos um papel secundário, rebaixan-
do-os a condição de “preguiçosos beberrões”, um
engano histórico perpetuado por séculos. Igualmen-
te, percebe-se que esta imagem distorcida persiste,
arraigada no imaginário da sociedade brasileira, o
que contribui para a manutenção de uma represen-
tação pejorativa acerca das populações indígenas.

109
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

As navegações na Ilha de Santa Catarina e


os relatos dos viajantes

Após a descoberta do Brasil, a expansão colo-


nial se processou primeiramente para as terras do
litoral nordeste, haja vista que foi este o ponto de
descobrimento. Na sequência, deu-se a ocupação
das terras do litoral sudeste. Entretanto, o litoral
sul do Brasil pouca atenção despertou da coroa por-
tuguesa, talvez pela falta de riquezas que apresen-
tassem um imediato potencial de exploração.
Contudo, o território sulino demonstrou sua
importância estratégica ainda nos primeiros anos
da colonização. Conforme destaca a historiadora
Maria de Fátima Piazza, a Ilha de Santa Catarina
era o melhor ponto de parada e abastecimento para
as naus que seguiam viagem rumo ao Rio da Prata.
Tal atributo fez com que durante todo o século XVI
a Ilha de Santa Catarina fosse predominantemente
frequentada por expedições espanholas. Foi nesse
momento que o Carijó passou a ser conhecido pelo
europeu como um indígena pacífico que farta aju-
da oferecia aos navegadores.
A Ilha de Santa Catarina era conhecida pelo
Carijó como “Jurure-mirim”, que significa “boca
pequena”. O nome guarani pode ter sido dado em
razão de um estreitamento que divide as baías nor-
te e sul. As características geomorfológicas da Ilha
de Santa Catarina conferiram-na grande vantagem
em relação a outros pontos de parada mais ao sul,
pois ali poderiam abrigar-se nas águas de suas duas

110
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

baías várias embarcações de grande porte ao mes-


mo tempo. Ao adentrar em uma das baías, as em-
barcações estavam protegidas de possíveis tormen-
tas ao passo que o farto ambiente natural oferecia
abundância de víveres. Assim, a Ilha de Santa Cata-
rina se converteu em parada obrigatória para os vi-
ajantes com destino ao Rio da Prata.
Conforme mencionado, durante o primeiro
século da conquista a presença espanhola em águas
catarinenses foi constante e em número muito mai-
or que a portuguesa. Entre os muitos navegadores
que passaram pela Ilha ainda no século XVI estão:
Juan Díaz de Solís [1516], Sebastián Caboto [1526],
Diogo García [1527], Gonzalo de Mendoza [1535],
Ruy Moschero [1536], Alvar Nuñes Cabeza de Vaca
[1541] y Juan Ortiz de Zarate [1572].
Ainda é questão pendente aquela que diz res-
peito ao descobridor da Ilha de Santa Catarina. Al-
guns historiadores, como Virgílio Várzea, atribuem
o feito ao navegador espanhol Juan Díaz de Solís.
Porém, há outros que, como Oswaldo Cabral, de-
fendam a possibilidade de que a expedição portu-
guesa sob o comando de Dom Nuno Manuel e Cris-
tóvão de Haro tenha sido a responsável pelo desco-
brimento.
Em face da importância estratégica do litoral
catarinense, os espanhóis chegaram a tentar algu-
mas ações de povoamento no Estado, mas sem con-
seguir que os pontos de abastecimento se conver-
tessem em assentamentos permanentes, em boa
parte por causa da pressão exercida pelos paulistas
sobre os aliados indígenas. A partir dos primeiros

111
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

contatos os Carijós passaram a ser tidos como úteis


para os navegadores europeus em muitas maneiras.
As crônicas decorrentes dessas interações aca-
baram por revelar aspectos muito particulares sobre
o modo de vida dos ameríndios, convertendo-se em
importante ferramenta na complementação dos es-
tudos antropológicos, etno-históricos e arqueológi-
cos. Sabe-se que as evidências arqueológicas são ca-
pazes de revelar aspectos ligados à economia e tec-
nologia de povos do passado por meio da cultura
material. Já os elementos etno-históricos são essen-
ciais para a reconstituição do universo não material.
As crônicas são quase o único meio para ter acesso a
elementos da cultura simbólica das populações indí-
genas coloniais a fim de estabelecer paralelos com as
sociedades ágrafas pré-coloniais, dilatando as possi-
bilidades de diálogos trans-disciplinares.
Evidentemente, as fontes etno-históricas, as-
sim como toda fonte escrita, devem ser avaliadas
com cautela, já que as mesmas refletem os valores
vigentes no período em que viveram seus protago-
nistas. Em qualquer tempo, relatos são regidos por
conceitos e interpretações relacionados à carga cul-
tural dos narradores. Como exemplo, têm-se as crô-
nicas de Felix Azara, emissário real responsável
pelos temas de fronteira, que passou seus vinte anos
na América solicitando retorno à Espanha. Este
contexto de extrema insatisfação levou Azara a ela-
borar relatos extremamente pejorativos a respeito
dos povos indígenas que contatou. O fragmento
abaixo ilustra o desprezo que Azara nutria pelos
povos nativos:

112
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

Se tiene en Europa ideas falsas de los caciques,


creyendo que son indios de distinción y soberanos que
dictan leyes, pero nada de esto hay porque el cacique
nada manda, ni es obedecido, ni obsequiado, ni servido,
ni considerado para más que para permitirle que tome
algún pescado o comida, y esto no siempre. Es un bruto
hediondo como todos, y si no es valiente o anciano
ninguna cuenta tienen con él.

Sabe-se com absoluta certeza que os caciques


eram detentores de elevado prestígio na sociedade
Guarani. Portavam vestimentas diferenciadas e
eram enterrados com distinção. O etnoarqueólogo
André Soares sustenta que numa situação de con-
flito um cacique podia em pouco tempo reunir mi-
lhares guerreiros. Ou seja, o real papel exercido pe-
los caciques em muito difere da imagem descrita
por Felix Azara.
A primeira descrição do guarani do litoral de
Santa Catarina foi elaborada pelo navegador fran-
cês Binot Paulmier de Gonneville, considerado o
primeiro europeu a navegar em águas catarinenses.
Gonneville não chegou à Ilha de Santa Catarina, pois
sua expedição se limitou às terras situadas mais ao
norte, onde hoje está a cidade de São Francisco do
Sul. O cronista francês descreve os habitantes e as
características ecológicas daquela região da seguinte
forma:

(...) de grande fertilidade, sendo numerosos os animais


e as árvores, abundantes os peixes e as aves, habitadas
por selvagens que viviam da caça e da pesca, dos frutos
da terra e de sua rudimentar agricultura (...) Andavam
seminus, sendo suas vestes rudimentares, de

113
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

trançados, pelos e penas, atados à cintura, mais longas


nas mulheres, ataviando-se estas, ainda, com colares
e braceletes, feitos de ossos e conchas. (...) Como
armas, usavam o arco e a flecha e as suas habitações,
reunidas em número de 30 a 80, eram de pau a pique,
com espaços calafetados com folhas, que também
serviam para a cobertura, havendo ao alto um orifício
para dar saída à fumaça. As portas eram feitas de paus
firmemente ligados, servidas de taramelas da madeira.
Seus utensílios eram de madeira, mesmo os de ir ao
fogo revestidos estes de argila, com a espessura de
um dedo, a fim de impedir a combustão. Os leitos eram
de folhas e plumas e as cobertas de peles e penas.

Se a expedição de Dom Nuno Manoel e Cristó-


vão de Haro, de 1514, foi a primeira a passar pela
Ilha de Santa Catarina, a esta é creditada o nome “Ilha
dos Patos”. O nome “Ilha de Santa Catarina” foi dado
posteriormente por Sebastián Caboto, em sua expe-
dição de 1526. Caboto cometeu uma série de abusos
contra os nativos. Mesmo depois disso é possível
identificar nas crônicas que certas relações de reci-
procidade estabelecidas entre indígenas e navega-
dores se mantiveram por mais algum tempo.
O conquistador europeu que estabeleceu con-
tato mais tolerante com os ameríndios foi, sem dú-
vida, Álvar Nuñes Cabeza de Vaca. Os sucessos de-
correntes de seu naufrágio na região de “La Flori-
da”, em 1527, lhe conferiram uma visão diferencia-
da acerca dos povos autóctones. Após fugir dos na-
tivos Ananarivos, que o mantinham cativo, Cabeza
de Vaca vagou por oito anos (nu e descalço segun-
do reza a lenda), ao lado de outros três náufragos
por mais de 18 mil quilômetros, na região que hoje

114
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

compreende o Texas, até chegar ao Novo México


(Estados Unidos da América). A jornada dos náu-
fragos se converteu em evento mítico entre alguns
grupos indígenas, que passaram a difundir contos
de milagres e curandeirismo atribuídos ao navega-
dor espanhol. Como resultado, uma procissão de
indígenas passou a seguir os náufragos, todos cren-
tes que Cabeza de Vaca era uma pessoa divina.
Após os eventos de La Florida, Cabeza de Vaca
foi resgatado e voltou à Espanha, sendo posterior-
mente designado para assumir o Governo do Rio
da Prata. Em sua viagem para Assunção, no ano de
1541, desembarcou na Ilha de Santa Catarina, onde
permaneceu por seis meses, estabelecendo boa re-
lação com os Carijós. Provendo sua expedição com
mantimentos, parte à pé rumo à Assunção fazendo
uso de guias nativos, conforme narrou seu escrivão:

(...) los naturales de la isla dijeron que era más segura


y cercana la entrada para llegar a la tierra poblada por
un río arriba, que se dice Itabucu, que está en la punta
de la isla, a dieciocho o veinte leguas del puerto. (...) y
a los indios naturales de la isla, antes que de ella
partiese les dio muchas cosas porque quedasen
contentos, y de su voluntad se ofrecieron cierta cantidad
de ellos a ir en compañía del governador y su gente,
así para enseñar el camino como para otras cosas
necesarias, en que aprovechó harto su ayuda(...).

A viagem foi empreendida fazendo uso das


trilhas indígenas. É possível que as trilhas usadas
por Cabeza de Vaca estejam relacionadas com os
“caminhos de peabirú”, antigas vias que conectavam
vários pontos da América do Sul com o Império

115
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Inca. A rede de comunicação que os nativos Guarani


mantinham entre aldeamentos distantes possibili-
tou o êxito da jornada. A vivência adquirida por
Cabeza de Vaca junto aos nativos da América do
Norte propiciou uma transformação na figuração
pré-concebida do “outro”. Ele passou a compreen-
der que os habitantes daqueles povoados do Novo
Mundo eram seres humanos, e como tais deveriam
ser livres, vivendo dentro de seus próprios costu-
mes. Este conceito entrou em choque com os ideais
de muitos conquistadores, o que acabou lhe custan-
do a destituição do cargo e o exílio.
Em se tratando especificamente dos carijós da
Ilha de Santa Catarina, as narrativas de Hans Staden
oferecem alguns subsídios para compreender o modo
de produção e as relações de reciprocidade levadas a
cabo pelos nativos. Staden passou pelo litoral catari-
nense em 1550, ocupando o posto de arcabuzeiro na
expedição do almirante Sanabria. Os episódios
vivenciados na Ilha de Santa Catarina se deram an-
tes de Hans Staden cair cativo dos tupinambás no
litoral de São Paulo. Durante o tempo em que sua
expedição permaneceu em águas catarinenses, cons-
tantes foram as recorridas aos nativos da aldeia
“Cutia” para fornecimento de víveres:

Aí ficamos à espera dos outros navios que havíamos


perdido durante a tempestade e que ainda deviam
chegar. A aldeia chamava-se Cutia; o homem, que
tínhamos encontrado, era João Fernandes, um basco
da cidade de Bilbao, e os selvagens denominavam-se
carijós. Eles nos trouxeram muita caça e peixe. Em troca
lhes demos anzóis.

116
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

Ainda que os integrantes da expedição de


Sanabria demonstrassem certa desconfiança em
relação aos nativos, uma das naus da expedição foi
a pique, forçando uma permanência na Ilha por dois
anos.

Durante dous anos ficamos em paragens ermas e


passamos muitos perigos. Padecemos grande fome,
tivemos que comer lagarto e ratos silvestres e outros
animais assim estranhos, que podíamos apanhar, e
também crustáceos, que se prendiam às pedras na água,
e outros alimentos igualmente desconhecidos. No
começo os selvagens nos trouxeram víveres suficientes,
enquanto receberam de nós bastante mercadoria em
troca. Depois seguiu a maioria para outras regiões. Não
devíamos também confiar muito nêles.

Hans Staden mantinha uma ideia absurda de


que os nativos deveriam alimentar todos os mem-
bros da expedição durante os dois anos de perma-
nência, o que naturalmente não aconteceu. Toda-
via, é relevante destacar que quando o cronista re-
trata que “depois seguiu a maioria para outras regi-
ões”, talvez estivesse, na verdade, presenciando uma
troca de aldeamento por parte dos indígenas carijós.
Estas trocas eram comuns, pois os povos Tupiguarani
empregavam o método de cultivo por corte e quei-
mada. Quando o assentamento completava uma
média de cinco anos a terra se tornava menos pro-
dutiva, forçando o abandono da aldeia.
Estes dois anos de permanência na Ilha de
Santa Catarina geraram tão somente algumas pou-
cas páginas no livro de Hans Staden. Com a expedi-

117
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

ção reorganizada, uma parte do contingente seguiu


por terra à Assunção na companhia de guias
Guarani e a outra partiu por mar rumo ao norte,
estando Staden nesta segunda. Um naufrágio pró-
ximo à Capitania de São Vicente, somado a uma
série de sucessos, fez Staden cair cativo dos
tupinambás. Em seu cativeiro, o cronista elaborou
retratos, algumas vezes caricaturais, outras de ex-
tremo valor etnológico, que servem de subsídio para
o estudo de grupos pertencentes ao tronco
Tupiguarani. Alguns trechos de sua obra podem até
mesmo ser comparados a um registro em diário de
campo etnográfico. Muito do universo cultural do
Tupiguarani colonial é passível de levantamento
graças à obra de Staden.
Percebe-se de imediato estreita semelhança
entre as pautas culturais dos Tupinambás com as
de outros grupos Tupiguarani, fato que possibilita
estabelecer algumas relações entre as descrições
de Staden e aspectos do modo de vida dos Carijós.
Estas afinidades são válidas, por exemplo, para en-
tender o preparo da bebida ritual, a produção da
cerâmica tradicional e os cultivos do milho e da
mandioca.
A antropofagia é um aspecto que equivocada-
mente se atribuiu a todos os nativos do litoral, e foi
a crônica de Staden que, em parte, contribuiu para
isso. O texto do cronista retrata os pormenores de
um festim antropofágico Tupinambá, desde o tra-
tamento do cativo, o abate, o preparo e o consumo
da carne. Abaixo segue a descrição de como devo-
ravam os prisioneiros:

118
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

Depois de esfolado, toma-o um homem e corta-lhe as


pernas, acima dos joelhos, e os braços junto ao corpo.
Vêm então as quatro mulheres, apanham os quatro
pedaços, correm com êles em torno das cabanas,
fazendo grande alarido, em sinal de alegria. Separam
após as costas, com as nádegas, da parte dianteira.
Repartem isto entre si. As vísceras são dadas às
mulheres. Feverm-nas e com o caldo fazem uma papa
rala, que se chama mingáu, que elas e as crianças
sorvem. Comem essas víceras, assim como a carne
da cabeça. O miolo do crânio, a língua e tudo o que
podem aproveitar comem as crianças. Quando o todo
foi partilhado, voltam para casa, levando cada um o
seu quinhão.

Quem matou o prisioneiro recebe ainda uma alcunha,


e o principal da choça arranha-lhe os braços, em cima,
com o dente de um animal selvagem. Quando esta
arranhadura sara, vêm-se as cicatrizes, que valem por
ornato honroso. Durante êsse dia, deve o carrasco
permanecer numa rêde, em repouso. Dão-lhe um
pequeno arco, com uma flecha, com que deve passar
o tempo, atirando num alvo de cera. Assim procedem
para que seus braços não percam a pontaria, com a
impressão da matança.

Reitera-se que a antropofagia não era hábito


inerente a todos os tupiguarani, mas se limitava a
grupos em específico, como os tupinambás, os tu-
piniquins e os maracajás. Ou seja, associar a antro-
pofagia a todas as tribos guarani é um erro históri-
co. No que diz respeito aos carijós da Ilha de Santa
Catarina, não há relatos relacionados à antropofa-
gia. Ademais, os carijós eram extremamente pacífi-
cos, característica que contribuiu para o rápido ex-
termínio do grupo.

119
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Você alguma vez imaginou que o mingau que


servimos às crianças teria origem na pasta de
vísceras humanas preparada pelos Tupinambás?
Como vemos, o estudo da história indígena nos re-
vela aspectos curiosos, que estão presentes no dia a
dia, mas que raramente nos damos conta da ori-
gem. Isso se repete nas toponímias (nomes dos lu-
gares), nos nomes das frutas que consumimos, ou
ainda em pratos típicos (como a pamonha). Enten-
der a história indígena é também entender parte
importante da nossa identidade.

A Sobre a língua guarani no período


colonial

A língua guarani ocupou papel de destacada


relevância no processo de colonização do território
brasileiro. Foi empregada como língua franca, tanto
pelos conquistadores que necessitavam se deslocar
território adentro, como por indígenas não guaranis
em assembleias intertribais. Sabe-se que o guarani
foi a língua dominante na São Paulo do século XVII,
recebendo as denominações de “língua geral” ou “lín-
gua brasílica”, superada pelo português somente no
século seguinte. A ampla difusão da língua guarani
pode estar relacionada com a constante interação que
estes indígenas mantinham com outros grupos.
Fica evidente quão grande era a população de
falantes guarani em tempos coloniais, dispersa por
um vasto território. Estima-se que provavelmente
havia de 600 a 800 mil falantes de guarani na Amé-

120
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

rica do Sul no período colonial, sendo o grupo


linguístico Tupi-guarani o com maior número de
falantes por toda a costa. Os primeiros falantes
bilíngues foram espanhóis náufragos ou desertores
de expedições ao Rio da Prata, que se associavam
aos indígenas e tomavam mulheres das aldeias por
esposas. Gradativamente, o conhecimento da lín-
gua guarani se tornou vital, tanto para os conquis-
tadores em seus deslocamentos territoriais, como
para os jesuítas nas missões evangelizadoras. Fo-
ram os jesuítas os primeiros a elaborar gramáticas,
destacando-se entre elas: “Arte y Bocabulario de la
Lengua Guaraní” do padre Antonio Ruíz de
Montoya e “Arte de gramática da língua mais usada
na costa do Brasil” do padre José de Anchieta.
Os sermões executados na língua nativa e as
orações traduzidas captaram a atenção do indíge-
na. A língua e os costumes dos Guarani foram tão
difundidos que há quem acredite que suas influên-
cias possam ser observadas em terras mais distan-
tes, como Porto Rico e Haiti. O certo é que a influ-
ência do Tupi-guarani na América do Sul foi vulto-
sa, incorporando-se às culturas nacionais por meio
de toponímias e outros empregos linguísticos.

Agricultura e alimentação

Tanto a arqueologia como a etno-história ca-


racterizam o Guarani como ceramista agricultor.
Exploravam habilmente o entorno ecológico e deti-
nham grande conhecimento das propriedades dos

121
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

elementos botânicos e zoológicos. Através de plan-


tas domesticadas, passaram a desenvolver sua agri-
cultura tradicional de corte e queimada. Entre os
principais cultivos estavam a mandioca, o milho, a
batata e o feijão.
O trabalho de corte e queimada era desenvol-
vido na forma de mutirão em uma área previamen-
te escolhida, de onde se cortavam as árvores e ar-
bustos, deixando os restos expostos para secar,
quando finalmente se ateava fogo. Para semeadu-
ra, empregavam bastões e enxadas. Passados cinco
ou seis anos a terra apresentava sinais de esgota-
mento, acarretando o abandono da aldeia e das áre-
as cultivadas.
Nas aldeias Guarani do período colonial, tanto
a preparação da terra como a semeadura eram ativi-
dades exclusivas das mulheres. A complementação
do quadro alimentar se dava pela caça e pela pesca,
bem como pela coleta de frutos e raízes. Tanto para a
caça, como para a pesca, a arma mais distinta foi sem
dúvida o arco e flecha. Para a pesca, contavam ainda
com redes e armadilhas confeccionadas em fibras,
junto com arpões e anzóis de osso, conforme evidên-
cias arqueológicas. Os Guarani também domestica-
ram animais, como diversos tipos de aves.
A bebida mais apreciada, como já foi mencio-
nado em outro capítulo, era o “cauim”, líquido fer-
mentado obtido a partir de milho, mandioca ou mel
e preparado em grandes vasilhas de cerâmica. Esta
bebida fermentada continua sendo utilizada em ri-
tuais por alguns grupos contemporâneos e seu modo
de fabricação permanece o mesmo.

122
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

Organização social

As aldeias eram organizadas dentro da tradi-


cional estrutura de cacicado. O cacique era quem
detinha maior prestígio, seguido dos pajés e conse-
lheiros. A maior parte das aldeias estava estruturada
dentro do sistema de famílias extensas reunidas em
torno de uma liderança. O principal fator agregador
era o prestígio do líder político, mais que os laços
sanguíneos propriamente. O líder deveria deter ha-
bilidade para organizar os grupos guerreiros e a for-
ça de trabalho. As redes comerciais e de reciproci-
dade possibilitaram a sobrevivência e a expansão
Guarani. Os excedentes eram comercializados por
meio do escambo dentro destas redes sociais.
As uniões matrimoniais eram de base poligâ-
mica, entretanto, a poligamia era mais comum en-
tre os indivíduos de maior prestígio. Houve casos
de caciques altamente destacados que mantinham
cerca de trinta mulheres. As uniões na sociedade
Guarani pré-colonial e colonial eram de base
exogâmica (casamento com os de fora da tribo ou
etnia), uma estratégia para reforçar as relações de
parentesco por meio de laços de afinidade.
Os aldeamentos guarani estavam estruturados
dentro de dois modelos básicos. Um primeiro con-
tava com habitações multifamiliares de grandes
proporções, com formato elíptico e alongado, onde
o perímetro da aldeia poderia ainda receber uma
paliçada como forma de proteção. No segundo mo-
delo de aldeamento, as casas eram pequenas,
unifamiliares, feitas de pau-a-pique e recobertas

123
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

com folhas de palmeira. Em ambos os assentamen-


tos, as casas normalmente eram edificadas próximas
umas das outras, guardando ao centro um pátio para
celebração de assembleias, festas e cerimônias.

As missões evangelizadoras e o guarani


reduzido

Com a chegada dos jesuítas ao Brasil em me-


ados do século XVI, Portugal estabelece uma legis-
lação especial aplicada aos índios, justificando que
estes não eram iguais ao resto da população em vir-
tude da sua “inferioridade mental” – uma visão
preconceituosa sustentada por muitos séculos. Lan-
ça-se aí outro elemento de “legitimação” da conquis-
ta, dando subsídio a um projeto de integração do
indígena ao sistema colonial que pretendia reunir
os índios em povoados sob o argumento de que os
que viviam afastados da “civilização” não podiam
ser considerados humanos e muito menos cristãos.
Um dos mecanismos escolhidos para cumprir
a meta civilizadora foi a introdução do castelhano
nos territórios da coroa espanhola, medida que na
visão do europeu objetivava reduzir a “rusticidade”
inerente ao indígena. Ação similar também foi em-
pregada em terras brasileiras, no intuito de coibir o
uso do guarani e de estabelecer o português como
único idioma.
Em meio a um conturbado processo de colo-
nização, uma das funções das reduções jesuíticas
era a de evidenciar a delimitação das fronteiras en-

124
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

tre Portugal e Espanha. Tal missão exigiu especial


esforço dos missionários, que se viram obrigados a
desenvolver mecanismos mais eficazes de trabalho.
As primeiras reduções foram estabelecidas no con-
tinente americano em 1619, entretanto, as primei-
ras atividades missioneiras se deram mais de meio
século antes. Os primeiros jesuítas chegaram a
Salvador em 1549, liderados pelo padre Manuel da
Nóbrega. Na década de 1550 já circulavam pela Ilha
de Santa Catarina religiosos imbuídos da missão de
catequizar o Carijó.
Não se pode negar que as reduções foram pal-
co de valiosos registros sobre os Guarani, especial-
mente no que se refere ao conhecimento da língua.
Mesmo aqueles indígenas que falavam o idioma do
conquistador, preferiam ouvir os sermões na lín-
gua materna, exigindo dos jesuítas uma especial
dedicação ao estudo do guarani. Os missionários
não tardaram a tecer elogios quanto à beleza e ver-
satilidade da língua indígena.
Portugal e Espanha davam distinta ênfase em
suas frentes expansionistas no processo de coloni-
zação. A frente portuguesa estava centrada nas gran-
des “plantations”, ao passo que a frente espanhola
enfatizava o trabalho missioneiro, o que acarretou
grande número de reduções em território hispâni-
co. Todavia, a relativa proximidade entre as redu-
ções e os centros de expansão agrícola, como São
Paulo e Rio de Janeiro, as convertia em alvo fácil
para a ação dos bandeirantes, que buscavam a cap-
tura de escravos. Os bandeirantes, muitas vezes
exaltados pela história brasileira como ilustres des-

125
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

bravadores, foram também mercenários sanguiná-


rios, tendo na figura de Raposo Tavares um dos mais
cruéis no ofício. A ruína das reduções se deve, em
boa parte, à ação dos bandeirantes.
As reduções despertavam o interesse dos co-
merciantes de escravos por agregar em um mesmo
local uma grande quantidade de indígenas. Havia
reduções, como a “Jesus Maria”, que chegavam a
abrigar cerca de seis mil pessoas. Assim, o interesse
dos comerciantes de escravos pelos índios reduzidos
era eminente, mesmo porque estes já haviam sido
iniciados nas técnicas agrícolas, sedentarizados, e
batizados, o que facilitava a integração ao sistema
colonial. Ou seja, o Guarani reduzido havia se con-
vertido em uma mão de obra especializada, que mui-
tas vezes gerava nos espaços reducionais uma pro-
dutividade maior e de mais qualidade que aquelas
das encomiendas.
A mais famosa das reduções estabelecidas em
território brasileiro talvez tenha sido a de São
Miguel, na região do atual estado do Rio Grande do
Sul. São Miguel pertencia originalmente à Espanha,
entretanto, posteriormente veio a integrar os “Sete
Povos das Missões”. A partir de um panorama da
vida nas reduções, elaborado pelo arqueólogo Pedro
Ignácio Schmitz em seu texto “Migrantes da Ama-
zônia: a tradição Tupi-guarani” (de 1991, página
320), tem-se uma ideia das transformações sofri-
das no modo de vida dos indígenas:

As instáveis aldeias do mato, uniformes e colocadas


no meio de suas roças, foram reunidas em duradouras

126
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

cidades com início de especialização, nas coxilhas dos


campos, muitas vezes longe dos seus locais de cultivo,
criação ou exploração. As casas de alvenaria eram
rigorosamente alinhadas com relação à praça central
encabeçada por um suntuoso templo barroco de
arquiteto italiano. A administração dessas cidades já
não é mais o concelho de famílias com o cacique, mas
a estrutura das comunas espanholas com seu cabildo
e seu alcaide. As duas lideranças antigas são
transformadas e reforçadas: o cacique tem agora muito
mais poder como executor geral e o missionário assume
a função cultural, médica e espiritual do antigo pajé. A
criatividade e liberdade antiga é substituída pela
disciplina e a obediência a seus prepostos civis e
religiosos. A religião, que no período indígena parece
ter sido da maior importância, passa a ser a primeira
atividade do dia, e é responsável por grande parte de
sua realização, só que seu conteúdo é completamente
diferente.
No setor de produção, a velha tecnologia foi toda
substituída por uma tecnologia europeia, com arados,
animais de tração, adubo animal, rotação de campos e
principalmente criação de gado para suprir as proteínas
necessárias. (...) Certos artigos são produzidos com
objetivos de exportação, como a erva mate, da qual as
reduções detinham o segredo de cultivo.
Ao lado do artesanato familiar, introduziram-se
manufaturas para a produção em série dos artigos mais
necessários para a cidade, como a cerâmica e a
tecelagem.

Há quem sustente que as missões refletiam a


imagem de uma Europa que discutia conceitos de
utopia social e experimentava a aplicação do “co-
munismo” real em terras americanas. Porém, o his-
toriador Maxime Haubert se opõe radicalmente a
esta ideia, atestando que a Companhia nunca pre-
tendeu implantar qualquer forma de comunismo e

127
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

que se haviam semelhanças, era algo totalmente


ocasional, pois os missioneiros aplicavam rigoro-
samente a legislação colonial. Os missioneiros vá-
rias vezes se depararam com revoltas de índios que
se recusavam aceitar a imposição de um modo de
vida tão diferente daquele herdado dos ancestrais.
Muitos destes movimentos motivavam a prática de
um contra-batismo como símbolo da libertação da
conversão cristã.
Instabilidades fronteiriças fizeram com que
parte do território das missões oscilasse entre por-
tugueses e espanhóis. Na tentativa de solucionar os
problemas de fronteira, se firmou o Tratado de
Madri de 1750. Do tratado surge a união entre Por-
tugal e Espanha para expulsar os Guarani das mis-
sões. Porém, a resistência Guarani foi marcante,
desencadeando as “guerras guaraníticas”, entre 1751
e 1756. Na primeira grande investida, em 1754, as
tropas portuguesas partiram do Rio Grande e as
espanholas de Buenos Aires, terminando com a vi-
tória da resistência indígena. Na segunda investida,
as tropas espanholas e portuguesas se unem e avan-
çam juntas, obtendo em 10 de fevereiro de 1756, na
batalha “Caaibaté”, a completa vitória sobre os in-
dígenas.
Em 1776, Portugal recupera o território de São
Pedro do Rio Grande, fato este que, somado ao es-
tabelecimento da colônia portuguesa de Sacramento
em território espanhol, eleva o clima de hostilidade
entre as nações. Mediante as circunstâncias, a co-
roa espanhola ordena Pedro Cevallos a ocupar a Ilha
de Santa Catarina em 1777. A esquadra de Cevallos

128
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

contava com um contingente de 20.000 pessoas e


120 embarcações. Face o poderio da esquadra es-
panhola, durante a tomada da Ilha de Santa Catari-
na as defesas portuguesas não ofereceram qualquer
resistência. Tanto a colônia de Sacramento como a
Ilha de Santa Catarina foram restituídas a seus res-
pectivos países de direito um ano depois, pelo Tra-
tado de Santo Idelfonso.
Em meio a estes acontecimentos, as reduções
entraram gradualmente em declínio. Uma sequên-
cia de eventos marca a queda final do sistema
reducional: em 1801, com a guerra entre Portugal e
Espanha, os portugueses ocupam os Sete Povos; em
1802 o governador de Missiones, Bernardo de
Velascos, ocupa os outros povos; com a luta de To-
más Rocamora pela independência, a Assembleia
Argentina aprova, em 1813, a repartição dos Trinta
Povos – 13 para o Paraguai, 10 para a Argentina e 7
para o Brasil; finalmente, entre 1816 e 1818, se con-
suma o fim das reduções.

O povoamento da Ilha de Santa Catarina


e a aniquilação do Carijó

Os primeiros núcleos populacionais estabele-


cidos na antiga Desterro, nome que se dava à vila
formada na Ilha de Santa Catarina antes da Revo-
lução Federalista, eram não mais que precários aglo-
merados, reflexo da ação colonizadora portuguesa,
ainda desinteressada pelas terras situadas mais ao
sul. De acordo com a descrição do navegador fran-

129
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

cês Frezier, que passou pela Ilha de Santa Catarina


no ano de 1712, a Desterro daquela data contava com
um pequeno grupo de europeus auxiliados por es-
cravos:

É uma floresta contínua de árvores verdes o ano inteiro,


não encontrando nela outros sítios praticáveis a não
ser os desbravados em torno das habitações, isto é,
12 ou 15 sítios dispersos aqui e acolá a beira mar nas
pequenas enseadas fronteiras à terra firme; os
moradores que os ocupam são portugueses, uma parte
de europeus fugitivos e alguns negros; vê-se também
índios, alguns servindo voluntariamente aos
portugueses, outros que são aprisionados em guerra.

A ocupação de Desterro se dava de maneira


incipiente e desordenada. A póvoa se apresentava
totalmente desconexa do restante do Brasil, haja
vista que o interesse português pelas terras do sul
era mínimo. Os cronistas que navegaram pelas
águas catarinenses foram unânimes ao descrever as
potencialidades da Ilha de Santa Catarina, esboçan-
do fartos elogios à terra fértil e aos recursos natu-
rais. Entretanto, a coroa impedia que Desterro pra-
ticasse comércio externo de qualquer natureza, li-
mitando os modos produtivos à subsistência dos
seus habitantes, fato que prejudicou significativa-
mente o desenvolvimento daquela região. Eviden-
temente, este fenômeno não passava despercebido
pelos viajantes que por lá aportavam. Krusenstern,
que passou pela Ilha de Santa Catarina em 1803,
escreveu duras críticas à negligência da adminis-
tração imperial para com estas terras do sul.

130
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

Ainda que registrada a existência de europeus


residindo na Ilha de Santa Catarina desde o século
XVI, a primeira leva de imigrantes enviados com a
finalidade plena de povoamento data de 1739. Foi
quando o Brigadeiro Silva Paes recebeu a incum-
bência de edificar fortificações na Ilha de Santa Ca-
tarina, ação esta decorrente do crescente clima de
hostilidade entre Portugal e Espanha. Silva Paes
trouxe consigo algumas famílias de açorianos para
auxiliar o processo de colonização. Nos anos que se
seguiram, outras levas de imigrantes açorianos fo-
ram enviadas a Desterro, fator que contribuiu para
a configuração da cultura de base açoriana típica
da região. Entre 1748 e 1756, desembarcaram na
Ilha de Santa Catarina aproximadamente 6.500
açorianos.
O período colonial desencadeou enorme pres-
são sobre os grupos indígenas que habitavam todo
o litoral do Brasil. Aos Guarani restou duas opções:
partir em busca de novas terras, mais afastadas do
contato com os colonos; ou se engajar em missões
religiosas, abandonando seus costumes tradicio-
nais. As constantes incursões dos paulistas em bus-
ca de escravos é outro elemento que consolidou a
aniquilação do carijó.
Após a conquista europeia, a busca pela “ter-
ra sem males”, ou “yvy marae’y”, se intensificou
entre as populações guarani. Em seus movimentos
migratórios, diziam estar em busca de uma espécie
de paraíso terreno, um local de delícias onde a morte
não existia, as plantas brotavam espontaneamente
e o mel corria em abundância.

131
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

As duras penas impostas pelos conquistado-


res abalaram a estrutura das comunidades autóc-
tones. Muitos indígenas estabeleciam alianças com
europeus na esperança de escapar do cruel destino
que se apresentava, enquanto outros partiam em
busca de terras mais e mais distantes. Vitimados
pelas enfermidades ou engajados no trabalho com-
pulsório, os Carijós da Ilha de Santa Catarina fo-
ram gradualmente dizimados.

Reflexões acerca do capítulo

Os documentos escritos são as fontes primá-


rias por excelência dos historiadores, possibilitan-
do não somente uma reconstituição factual do pas-
sado, mas a interpretação de como os atores sociais
envolvidos entendiam o mundo que os circundava,
capitaneados pelas representações e ideologias tí-
picas de seu tempo. Desta forma, as crônicas das
índias ocidentais, registros textuais da conquista
americana, tornam-se valiosas fontes de pesquisa,
não só para a história, mas também para a antro-
pologia e para a arqueologia. A combinação inter-
disciplinar destes campos das humanidades torna
possível a sustentação de uma etno-história crítica,
que se recria a partir da compreensão dos fenôme-
nos históricos dentro de uma perspectiva interpre-
tativa. Afinal, textos não devem ser somente lidos,
mas interpretados.
Utilizando-se do auxílio da antropologia e da
arqueologia, o pesquisador da etno-história pode

132
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

levantar objetos de pesquisa relacionados a processos


de longa duração e a transformações socioculturais,
contribuindo para uma melhor compreensão dos po-
vos indígenas estudados. No caso da Ilha de Santa
Catarina, os processos de territorialidade foram radi-
calmente transmutados, seja em decorrência da ação
dos bandeirantes ou ainda pela expansão das frentes
econômicas. Com base nisso, fronteiras étnicas se
edificam para fins de segregação, bem como os terri-
tórios tradicionais se transformam e se dissolvem após
a tomada violenta e ilegítima das terras indígenas por
meio de estratagemas dos conquistadores.
A erradicação das sociedades autóctones pos-
sivelmente integrava os projetos de colonização das
metrópoles ibéricas, e de fato tal ação atingiu pleno
êxito em diferentes pontos da América, resultando
no extermínio completo de muitos grupos indíge-
nas. Na Ilha de Santa Catarina os Carijós foram vi-
timas da ação desleal e desenfreada dos bandeiran-
tes e de outros conquistadores, que se aproveita-
ram do caráter pacífico do grupo. Os que não fo-
ram assassinados ou redirecionados para os cen-
tros de distribuição de escravos, migraram para as
terras interioranas a vim de evitar o contato. A atu-
ação destes conquistadores foi legitimada pelas co-
roas por meio de discussões filosóficas que apre-
sentavam ora a condição de não humanidade, ora a
necessidade de salvação das almas como instrumen-
tos de justificativa para as operações de submissão
dos ameríndios.
Surge o primeiro grande drama americano,
consolidado pelas reações em cadeia que se disse-

133
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

minaram a partir da colisão de dois mundos radi-


calmente opostos. Este episódio sangrento paira
pelas páginas da história indígena, a fim de lem-
brar a dívida histórica que a sociedade nacional
guarda para com as populações ameríndias. Mes-
mo assim, resíduos caricaturais persistem na cons-
trução das representações que a sociedade brasilei-
ra tem acerca dos índios. Trata-se de uma cegueira
convenientemente mantida por setores da política
nacional, distorção que traz a tona o papel de com-
promisso que a etno-história assume dentro da pre-
missa de restaurar o devido lugar das populações
tradicionais na biografia da sociedade brasileira.

134
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

Cultura material e
identidade étnica
Guarani
Com a contribuição de Aline Müller

E Este capítulo tem por objetivo trazer ao leitor


uma reflexão acerca da cultura material dos povos
de língua Guarani, demonstrando como esta é tam-
bém uma forma de expressão da identidade. Nos-
sos objetos materiais, como utensílios, colares e
vestimentas, dizem muito sobre como somos, pois
expressam nossos sentimentos de pertencimento a
um determinado grupo ou subgrupo social – roquei-
ros, emos, desportistas etc. No caso dos povos indí-
genas ocorre o mesmo: os objetos materiais, além
da função prática voltada ao seu uso, comunicam
um sentimento de pertencimento, que os antropó-
logos vão chamar de elementos diacríticos. Para
entender esta esfera simbólica acerca da cultura
material precisamos antes retomar o processo his-
tórico que conduziu nosso objeto de estudo ao lon-
go do tempo.
Como já mencionado, a expansão das frentes
econômicas e as políticas de intolerância pratica-
das em detrimento das sociedades autóctones ge-
raram uma série de transformações no interior dos
grupos indígenas. Ao mesmo tempo em que a cul-
tura material sofria significativas mudanças, reações

135
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

de cunho simbólico também foram processadas no


interior dos grupos de falantes Guarani como res-
posta às novas realidades que se apresentavam.
Entre muitos grupos Guarani se intensificou uma
política de não violência, onde os indígenas busca-
vam o isolamento, retirando-se pacificamente dos
locais tradicionalmente ocupados quando os con-
flitos eram eminentes.
Alguns processos recentes de choque cultural
geraram reações ainda mais dramáticas, como aque-
las apresentadas pelos Kaiowá de Dourados, Mato
Grosso do Sul. A construção de uma rodovia que
cortava a aldeia gerou grande instabilidade. Os pro-
blemas internos se elevaram a partir do momento
em que surgiu a necessidade dos indígenas daquela
região em se incorporar à massa trabalhadora das
fazendas. A ampliação do contato com a sociedade
não indígena e as condições de trabalho nas lavou-
ras acarretou a desestruturação do modo tradicio-
nal, gerando uma onda de suicídios concentrados
entre adolescentes e jovens de 12 a 17 anos. Essen-
cialmente, três veículos são apontados como res-
ponsáveis pela prática dos suicídios: a violência se-
xual, o alcoolismo e a separação familiar.
Esse efeito devastador das frentes de expan-
são econômica é sentido em todos os grupos indí-
genas e tem sua origem no antigo drama america-
no da ocupação do território, gerando reações em
cadeia que se disseminaram a partir da colisão des-
tes mundos radicalmente opostos: o dos indígenas
e o da sociedade não indígena. Mas os séculos de
opressão e de contato não foram suficientes para

136
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

destituir a cultura simbólica de sua posição de rele-


vância social nas etnias Guarani.
Todavia, se por um lado o contato com a soci-
edade não indígena gerou transformações menos
significativas na organização social e no repertório
simbólico, as transformações na cultura material
Guarani foram bem maiores. Os elementos indus-
trializados, de fácil acesso e rápida reposição, vie-
ram responder expectativas no interior dos grupos
indígenas. Recipientes para preparo, estocagem e
consumo de alimentos aparecem entre os que mais
foram substituídos pelos novos produtos industri-
ais. A cerâmica, que dependia de acesso à matéria
prima de qualidade e demandava um lento proces-
so de manufatura, foi destituída dos processos pro-
dutivos, sendo utilizada somente para produção de
raros artefatos de grande inserção religiosa e sim-
bólica, como os cachimbos.
A proposta de estabelecer uma análise da cul-
tura material Guarani enquanto instrumento de
etnicidade que responde às muitas expectativas ge-
radas pelas representações constituídas acerca des-
tes indígenas, exige antes uma descrição da cultura
material pré e pós-contato colonial. Para tanto, é
preciso recorrer especialmente à arqueologia (que
já vimos em boa parte num capítulo específico) e
aos textos e crônicas do período colonial.

137
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Estabelecendo conexões identitárias a


partir dos dados arqueológicos e etno-
históricos

Os capítulos anteriores ilustraram inúmeros


aspectos arqueológicos e etno-históricos que nos
ajudam a situar a etnia Guarani ao longo da histó-
ria. Dentre eles vimos a cerâmica, que tinha uma
dupla função social, ora ritualística pelo emprego
nos rituais religiosos e nos enterramentos, ora prá-
tica no preparo e estocagem de líquidos e alimen-
tos. As grandes urnas de estocagem, muitas vezes
reordenadas para fins funerários, recebiam a deno-
minação de igaçabas. A produção cerâmica, desta
forma, foi um dos elementos que mais se transfor-
mou ao longo do tempo, indo de atividade primor-
dial dos povos do passado e que se mostra funda-
mental para os arqueólogos na identificação dos sí-
tios arqueológicos Tupiguaranis, a um elemento
secundário, de pouco uso nas aldeias atuais. Porém,
isso não implica propriamente no desaparecimen-
to das funções simbólicas exercidas pela cerâmica,
pois em muitos casos o papel ritualístico pode ter
sido simplesmente transferido a outros elementos
materiais.
Apoiando-se nas narrativas e crônicas se iden-
tifica outro objeto de grande valor simbólico e
identitário: o Mbaraká (chocalho). Os rezadores
possuíam seus mbarakás de uso exclusivo, pois es-
tes eram um dos mais importantes instrumentos
religiosos. Os indígenas rendiam culto aos
mbarakás e os guardavam em local específico. Es-

138
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

tes cuidados eram essenciais, pois os espíritos se


materializavam neste instrumento. Quando o pajé,
em transe, tocava o mbaraká, o ruído produzido
pelos grãos contidos no seu interior manifestava as
vozes dos espíritos. Este instrumento continua exer-
cendo sua importante função ritual nos dias atuais.
Os conflitos de interesses que se estabeleciam
entre indígenas e autoridades coloniais dos setores
religioso e político levaram os europeus a associar
os mbarakas a instrumentos de práticas demonía-
cas. Isso porque os europeus pretendiam
descontruir a autoridade dos líderes indígenas. O
capítulo seguinte tratará desta temática com mais
detalhes.
Os povos Tupiguarani também são reconhe-
cidos como exímios canoeiros. Já discutimos que a
partir de sua origem amazônica, os povos oriundos
do Proto-tupi se deslocaram em ondas migratórias
aproveitando a mobilidade que os rios ofereciam,
chegando ao rio Paraguai e posteriormente ao lito-
ral. Desta forma, fica evidente a forte ligação que
estes povos nutriam com a navegação, primeiro flu-
vial e depois marítima. Entre os Carijós da Ilha de
Santa Catarina, as canoas eram entalhadas a partir
de um único tronco de árvore, sendo que para tan-
to a espécie arbórea mais utilizada era o garapuvu.
A tradição indígena de produzir canoas de um úni-
co tronco de árvore foi posteriormente incorpora-
da pelos imigrantes açorianos que chegaram à re-
gião a partir do século XVIII. Observando hoje os
últimos mestres canoeiros vivos é possível enten-
der como os indígenas do passado produziam as

139
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

embarcações, manuseando habilmente talhadeiras


e enxós (originalmente de pedra) na árdua tarefa
de escavar o tronco. Linhas feitas pelo uso de cor-
dões embebidos em tinta demarcavam os limites da
canoa. Terminado o serviço, a canoa ainda tinha que
permanecer algum tempo submersa por completo
na água do mar antes de ser colocada em uso.
A imagem que segue ilustra a chegada da ex-
pedição de Sanabria à Ilha de Santa Catarina. Nela
se observa tipos similares às canoas de garapuvu
empregadas pelos Carijós, menores se comparadas
com as fluviais e manejadas sempre em grupos pe-
quenos de em média cinco indígenas por canoa.
Apesar de pequenas no tamanho, eram utilizadas
para cobrir grandes distâncias entre as ilhas do li-
toral meridional de Santa Catarina, tal qual ainda o
é feito pelos pescadores artesanais que utilizam este
tipo de embarcação.

Chegada da expedição de Sanabria à Ilha de Santa Catarina. Obra de Theodor De


Bry, Americae, de 1592.

140
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

As aldeias do período colonial eram assenta-


mentos mais ou menos estáveis, onde se praticava
a combinação da agricultura de coivara com os pro-
dutos disponíveis no meio circundante, adquiridos
por caça, pesca ou coleta. Muitas imagens de cro-
nistas replicam o clássico modelo de aldeias circu-
lares para os grupos Tupiguarani. As casas eram
dispostas ao redor de um pátio central que servia
também de espaço para a celebração de rituais. Ao
redor das casas, uma paliçada em forma de círculo
Aldeia Tupinambá.
Obra de Theodor
era edificada a fim de propiciar segurança contra
De Bry, Americae, os ataques de grupos rivais.
de 1592.

141
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Os acampamentos sazonais ou temporários


(de passagem) também eram essenciais para a ob-
tenção de recursos específicos, como pescado ou
frutos. Os acampamentos eram quase uma exten-
são da vida produtiva da aldeia e podiam ser mon-
tados e desmontados com rapidez. As redes atadas
às árvores e próximas do fogo garantiam comodi-
dade, livrando do contato com os animais rastei-
ros, como podemos ver na imagem a seguir.

Acampamento Tupinambá. Obra de Theodor De Bry, Americae, de 1592.

142
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

Cultura material e identidade étnica entre


os povos Guarani da contemporaneidade

Conforme mencionado, a cultura material se


mostrou mais suscetível a influências externas, so-
frendo significativas transformações. Isso, por ou-
tro lado, não indica ausência de identidade proje-
tada na cultura material, muito pelo contrário. A
cultura material mudou, mas é possível identificar
expressões de afirmação étnica na produção de ar-
tefatos e objetos entre os Guarani da contempora-
neidade. Alguns artefatos são versões renovadas e
adaptadas a partir de matrizes antigas. Outros, ain-
da, preservam sua essência básica milenar. O mais
importante é ter claro que a cultura é dinâmica e se
adapta constantemente às situações vivenciadas
pelo grupo. A cultura material, nesta condição de
suscetibilidade, acaba por ser um registro físico des-
ta dinâmica cultural decorrente de processos de lon-
ga duração, que se estendem por décadas ou sécu-
los ao largo da histórica.
Objetos, artefatos e instrumentos acabam ten-
do seus usos rearranjados dentro das novas reali-
dades que afetam a coletividade. Tomando por
exemplo o arco e flecha, antes majestoso instrumen-
to indígena por excelência, hoje pouco uso e práti-
ca encerra dentro das aldeias. Aparece mais na con-
dição de artesanato e de brinquedo entre as crian-
ças e adolescentes, quase como um mecanismo de
acesso a uma memória coletiva das práticas de caça
e guerra ancestrais, ou seja, um elemento que têm
por função rememorar a origem indígena. Desta

143
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

forma, a transformação nos usos não diminuiu pro-


priamente a importância que o arco tem para a so-
ciedade guarani.
Para o consumidor do artesanato, normal-
mente turista, arcos e flechas respondem a uma ex-
pectativa constituída com base nas representações
acerca dos indígenas americanos, fazendo com que
sua comercialização atenda a uma demanda sim-
bólica de consumo. Entre os Mbya, mesmo sendo
os arcos e flechas utilizados somente para venda na
forma de artesanato, existe certa preocupação em
obter matéria-prima a partir do que há disponível
no entorno, incluindo as fibras das cordas. O único
elemento usado na confecção destes objetos que não
se encontra disponível no meio natural é o pigmen-
to, empregado para tingir penas e detalhes. Esta
prática vem integrar um discurso que atribui origi-
nalidade ao objeto, ou seja, é original porque usa
matéria prima extraída da natureza. Isso agrega
valor de mercado ao artesanato.
Se os arcos e flechas não são mais os objetos
por excelência do caçador, a caça em aldeias próxi-
mas a ambientes de floresta se dá pelo emprego de
variados tipos de armadilhas, depositadas nas “car-
reiras” dos animais. Estas armadilhas aparecem em
gravuras que ilustram as crônicas da conquista e
influenciaram outros segmentos culturais do Bra-
sil, instrumentalizados por caboclos e colonos ao
longo de muitas regiões do território nacional. A
mais popular das armadilhas Guarani é o “mundéu”,
presente inclusive em narrativas mitológicas. As
armadilhas são distribuídas dentro de um períme-

144
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

tro de caça cuidadosamente levantado com base nas


rotas de deslocamento das espécies mais aprecia-
das. No caso do “mundéu”, quando o animal segue
pela trilha e cruza a armadilha acaba por acionar
uma espécie de gatilho mecânico que libera um pe-
sado tronco sobre a presa, esmagando-a. Os animais
capturados com mais frequência nas armadilhas são
o tatu, o coati, o gambá e a paca. A caçaria também
é praticada com armas de fogo. Por outro lado, a
caça nas proximidades das aldeias está se tornando
uma atividade cada vez menos frequente devido às
proibições legais, aos desentendimentos com os vi-
zinhos não indígenas e à distância de algumas al-
deias das zonas florestadas.
As vestimentas tradicionais, como o “xiripá”
e o “tipoy”, obtidas pelas técnicas artesanais de te-
celagem, caíram em desuso, sendo substituídas pe-
las roupas comercializadas pela indústria têxtil. A
tecelagem tradicional parece ter sido rapidamente
substituída não somente entre os Guarani, mas em
muitos outros grupos étnicos. Poucos indígenas ain-
da dominam a técnica tradicional de tecelagem,
entre os quais estão os Ashanika do Acre. Obser-
vando o trabalho do tecelão se tem uma noção de
como era o modo de produção de tecidos entre in-
dígenas do passado. O xiripá era uma espécie de
tanga portada pelos homens e o tipoy uma saia lon-
ga que cobria os quadris, da cintura até o joelho.
Estas vestimentas não eram pensadas isoladas, mas
para uso em harmonia com os adornos. Sabe-se que
os invernos são rigorosos em muitos pontos do Bra-
sil, o que remete ao uso pelos índios do passado de

145
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

uma indumentária própria para os dias frios, mas


que pouco dela se conhece. Provavelmente era com-
posta por mantas de pele de animais usadas junta-
mente com batas de tecido (como as dos Ashanika).

Bata Ashanika, acervo do Museu da Borracha, Estado do Acre.

146
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

Os adornos tradicionais de pena, como o


diadema, aparecem ressurgidos entre os Guarani.
São utilizados especialmente em cerimônias e
assembleias, acompanhados de outros adereços,
como colares e brincos. Ao paramentar-se, além de
portar o mbaraká o rezador faz uso de muitos ador-
nos cuja significação simbólica foi recalibrada no
interior da sociedade. Os adereços, desta forma,
incorporaram o protocolo indumentário dos
rezadores nas assembleias e outros atos coletivos,
expressando afirmação étnica, status e sentimento
de pertencimento.
Como a religiosidade se apresenta como pivô
fundamental da cultura Guarani, a música guarda
espaço de destaque devido sua estreita relação com
a liturgia. O canto é acompanhado de instrumentos
musicais que marcam o ritmo das rezas cantadas,
sendo os principais o mbaraká (chocalho) e o
takuapu (bastão de ritmo). Ao início de cada ceri-
mônia religiosa, a música surge como elemento
principal, junto com a dança e enquanto o líder re-
ligioso toca seu mbaraká os demais músicos o
acompanham tocando outros instrumentos musi-
cais. Entre os Kaiowá os rezadores também prati-
cam uma espécie de reza uníssona, ritmada somente
pelo mbaraká, manejado em movimentos circula-
res pelo líder religioso. O rezador Kaiowá, além do
mbaraká possui um apito que o coloca em contato
com o plano espiritual.

147
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Rezadores Kaiowá.

Outro objeto indispensável e amplamente


empregado nos rituais diários de reza é o petyguã
(cachimbo). Na crença Guarani a fumaça exalada
pelos cachimbos tem a propriedade de afastar estes
maus espíritos. A cúpula do cachimbo é feita em
cerâmica ou nó de árvore e a fumaça tragada por
um fino cano de taquara. Entre os Mbya, o uso dos
cachimbos transcende os rituais religiosos, pois é
tido como uma forte proteção contra os espíritos.
Todos os dias, especialmente ao final de tarde, o
cachimbo é fumado para espantar os maus espíri-

148
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

tos e preparar o ambiente para as rezas. Também é


pitado em casa no intuito de que os espíritos ruins
não exerçam sua influência malévola sobre a famí-
lia. A posição do petyguã no repertório simbólico
parece ser de elevado destaque, pois é muito difícil
adquirir um cachimbo entre os artesanatos comer-
cializados.
O tendá, assento tradicional de forma
zoomórfica, é um mobiliário muito raro. Na aldeia
de Imarui (Santa Catarina), um ancião ainda pro-
duz as banquetas tradicionais, muito apreciadas no
comércio de artesanato. A partir de um toco com-
pacto de árvore, o artesão esculpe a forma animal
desejada. Após longo processo de entalhamento, a
banqueta é finalmente lixada e está pronta para o
uso. As que são comercializadas apresentam dese-
nhos ornamentais obtidos por processo de queima,
mas as de uso ordinário nas aldeias normalmente
não possuem ornamentação, apenas a silueta ani-
mal.
Entre os adornos mais utilizados, estão os co-
lares coloridos, fiados com contas. Os colares com
sementes pintadas de branco e preto, em grupos
intercalados, têm conotação religiosa, um tributo a
Nhanderú. Outros, que intercalam pequenos tubos
coloridos de madeira com sementes, são objetos de
afirmação étnica, ou seja, segundo eles quem usa o
faz porque é Guarani. Alguns pais fazem questão
de que as crianças ainda recém nascidas usem ador-
nos desta natureza, amarrando as sementes no pul-
so ou no tornozelo dos bebês.

149
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Colar de kapiá - Artesanato


Mbya Guarani.

As habitações nas aldeias são normalmente de


uso unifamiliar. Em Santa Catarina, a maioria das
casas é edificada em madeira seguindo o padrão
comum a todo o Brasil. Já em algumas aldeias do
Mato Grosso do Sul o material predileto é o tijolo
cerâmico. Entretanto, em ambos os casos, em al-
deias mais afastadas existe muito apreço pelas ca-
sas construídas no modo tradicional, em taipa.
Para edificar uma casa em taipa, montam um
“esqueleto” de toras e taquaras. Com a estrutura
pronta, dá-se início à produção do barro, que pre-
encherá os espaços da parede: o barro é pisoteado
por várias horas até se obter a textura mais apro-
priada; logo após é recolhido e arremessado contra

150
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

a malha de taquara, formando a parede. Para a co-


bertura, usam folhas de palmeiras. As casas tradi-
cionais podem ser de duas classes: a Oo, moradia
familiar; e a Opy, a casa de reza. Os que optam por
residir nas Oo fazem uso de pouca ou quase nenhu-
ma mobília. Quando possuem alguma cadeira, esta
fica fora da casa, pois dentro, devido à pouca altu-
ra, sentam em banquetas. Também no interior da
casa montam alguma espécie de mesa de madeira
para apoiar seus objetos e guardar comida.

Oo - a casa tradicional. Aldeia de Massiambu, Estado de Santa Catarina.

151
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Nas aldeias de Massiambu, Morro dos Cava-


los e Imaruí (todas em Santa Catarina), a iniciação
ao artesanato acontece muito cedo, mesmo porque
este é um dos principais meios de subsistência. Para
produção de seus objetos, os artesãos empregam
principalmente a madeira e a taquara. Da madeira
esculpem estatuetas de animais e com a laminação
da taquara trançam suas cestarias.
O artesanato exerce dupla função nas aldeias
Mbya de Santa Catarina: a econômica e a cultural.
Na economia, a produção do artesanato é tida como
a principal fonte de renda das aldeias, possibilitan-
do que as famílias comprem roupas, comida, cons-
truam casas e façam manutenção de suas habita-
ções. Em uma segunda dimensão, o artesanato é
tido como exercício da etnicidade e manifestação
da tradição. Os artesãos afirmam que determina-
dos padrões decorativos de cestarias e entalhes em
madeira são exclusivos do guarani.
Os animais da fauna, que também abundam
o repertório mitológico, são recriados a partir de
pequenas esculturas entalhadas em madeira. No
passado, serviam de brinquedo para as crianças e
de “cartilha” de aprendizagem. Os mais velhos uti-
lizavam os animaizinhos em madeira para ensinar
as crianças sobre os ciclos da vida, ou ainda sobre
calendários produtivos e festivos.
As esculturas são feitas a partir de pedaços
maciços de madeira. Utilizando unicamente uma
faca, o artesão esculpe a forma animal por ele idea-
lizada. Terminada a escultura, a madeira crua sofre
um processo de queima (similar à pirografia) para

152
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

delinear os detalhes do animal, resultando em uma


peça de contraste bicolor. As partes negras são de-
senhadas com faca ou arame aquecidos ao fogo. O
metal aquecido, quando no estado translúcido, é
aplicado sobre a peça, seja para os pequenos deta-
lhes, como unhas, boca, olhos, ou para cobrir toda
uma área, como o dorso do animal.

Artesanato Mbya - animais esculpidos em madeira.

A cestaria constitui um dos artesanatos mais


populares entre as aldeias, popularidade esta pro-
vavelmente decorrente da boa aceitação comercial.
Lâminas de taquara, cortadas com eximia precisão,
são entrelaçadas à mão, uma a uma, com uma téc-
nica para cada formato de cesto. O uso de corantes
artificiais possibilita a formação de desenhos geo-
métricos, tendo no azul, no verde, no amarelo e no
vermelho as colorações mais recorrentes.

153
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Cestaria Mbya Guarani.

Aos objetos de artesanato são agregados ele-


mentos decorativos, sendo o mais comum um
chumaço de penas coloridas em cores vivas, como
amarelo, vermelho e azul. Estes adornos de penas
são aplicados nas extremidades dos arcos e das has-
tes das flechas, bem como nos cabos dos chocalhos
e de outros instrumentos de empunhadura. Outra
opção de decoração se dá pelo emprego de padrões
geométricos obtidos a partir do trançado das pa-
lhas. Estes trançados normalmente são coloridos,
mas em ocasiões menos frequentes podem ser ob-

154
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

tidos a partir de um contraste bicolor intercalando


palha crua e queimada.
Os motivos mais comuns abordados nas
cestarias e outros trançados são linhas em zigue-
zague paralelas, losangos e enlaces simétricos que
intercalam cor (ou queima) com palha crua. Um
jovem artesão Mbya, quando questionado sobre o
significado dos motivos, contestou que são moti-
vos herdados dos ancestrais e que assim o são por-
que é próprio do Guarani, mas que o significado era
atualmente desconhecido.

Artesanato Mbya Guarani: zarabatana (esquerda) e martelo (direita).

155
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

Reflexões a cerca do capítulo

Mesmo estando de acordo que a cultura ma-


terial se mostrou mais suscetível àquelas influênci-
as externas que acarretaram mudanças, isso não
implica necessariamente um decréscimo na relação
da cultura material com a etnicidade do grupo. As
transformações na cultura material não indicam
uma perda de valor simbólico, mas simplesmente
que este valor foi recalibrado de forma a se adaptar
às novas realidades vivenciadas. As relações sim-
bólicas continuam a existir, como no caso dos ador-
nos que complementam a paramenta do rezador nos
atos coletivos.
Novas funções da cultura material ou as dife-
renças observadas na sua produção são resultantes
de incorporações assumidas pela coletividade em
sua constante busca de sentido para o mundo em
que vivem. Ou seja, as transformações sofridas pela
cultura material são importantes registros dos pro-
cessos de longa duração a que estes grupos são sub-
metidos. Pois a cultura é justamente este mecanis-
mo cuja função é conferir sentido ao mundo dos
atores sociais envolvidos.
Ciente da crítica estabelecida a um modelo
ultrapassado que situa muitas etnias linguistica-
mente assemelhadas baixo uma unidade Guarani,
não se pode negar por outro lado que semelhanças
linguísticas, simbólicas e até mesmo materiais são
observadas entre estes grupos, indicando elos que
os conectam de alguma forma. Com efeito, ainda
que cada um destes grupos atuais classificados como

156
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

guaranis (Mbya, Kaiowa e Nhandeva) se apresen-


te como grupo étnico específico, constatei junta-
mente com o colega antropólogo Levi Marques Pe-
reira que as etnografias revelam importantes con-
tinuidades no plano do discurso cosmológico e das
narrativas míticas.
A proposta é que se faça um caminho inverso
daquele usualmente seguido por alguns arqueólo-
gos. Ao invés de buscar continuidades a partir dos
vestígios arqueológicos para justificar uma
sequência cultural ininterrupta e invariável dos po-
vos Guarani, a proposta na verdade é investigar o
passado tendo por suporte os dados etnográficos
contemporâneos. A lógica aplicada pela arqueolo-
gia é partir das evidências materiais para as
inferências simbólicas, porém, o ciclo oposto pode
ser muito produtivo, partindo das referências sim-
bólicas de rituais, toponímias e narrativas mitoló-
gicas, somando-se ao levantamento de dados etno-
históricos, para se identificar elos de conexão cul-
tural com o passado arqueológico.
Ao centrar-se no abandono da produção ce-
râmica como evidencia de descontinuidade, o pes-
quisador pode ser ludibriado por uma avaliação
muito simplista que erroneamente subestima os
arrolamentos entre cultura material e relações so-
ciais. Os recipientes cerâmicos para os povos Tupi
e Guarani do período proto-colonial e colonial as-
sumiam dimensões simbólicas, como explicado no
caso das igaçabas. O cauim era preparado e arma-
zenado nos recipientes cerâmicos, sendo a cerâmi-
ca o meio e não a função propriamente dita – subs-

157
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

titui-se o meio e se mantém a função. O cauim ain-


da é feito entre os Guarani – para os Mbya recebe o
nome de Kaguijy – somente a cerâmica cedeu lu-
gar a outros utensílios. As significações diacrônicas
são constituídas por elos culturais, que neste caso
exemplificado não era a cerâmica como muitos rei-
vindicam, mas os usos e desusos que esta encerra-
va – como a produção da bebida fermentada.
As regras de produção da cultura material são
as mais flexíveis e adaptáveis. O comércio de arte-
sanato passou a ser uma forte motivação para a pro-
dução, pois acarreta a entrada de capital indispen-
sável para a subsistência. A produção, por sua vez,
vem responder uma demanda de consumo que está
fortemente influenciada por uma expectativa sim-
bólica calcada nas representações que o consumi-
dor tem acerca do indígena. Estas variáveis vão di-
tar as normas de manufatura, o que não implica
propriamente uma perda de etnicidade vinculada à
cultura material, mas um rearranjo destes valores
simbólicos no interior da sociedade Guarani.

158
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

O contexto colonial
e a formação das
Representações e
do imaginário
acerca dos povos
indígenas

A A história dos índios do Brasil é um tema que


ganha nova dimensão e forma, demandando esfor-
ços por parte dos etno-historiadores no sentido de
publicar material de referência para subsidiar o
ensino da cultura indígena. Nas últimas décadas a
representação do indígena teve drástica metamor-
fose, passando da condição de oprimido em vias de
aniquilação para ator social com intensa participa-
ção política. Esta reconstrução da imagem do indí-
gena provém dos novos estudos antropológicos e
da ação do movimento indigenista que passou a
encabeçar as demandas apresentadas ao estado
nacional.
A sociedade nacional construiu uma visão
distorcida e caricatural do indígena, representação
há muito perpetuada nas bancadas escolares. A
aprovação da lei 11.460/08, que estabelece a obri-
gatoriedade do ensino da história indígena nos cur-
rículos escolares, juntamente com a ação das co-

159
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

munidades indígenas em busca da consolidação de


suas reinvidicações e o desenvolvimento do campo
da etnologia indígena no cenário antropológico na-
cional, são elementos que garantem a consolidação
de um novo papel das populações indígenas na
construção da história do Brasil, muito mais próxi-
mo do mérito que lhes é devido.
Toda uma série de enganos históricos e de re-
presentações, ora provenientes do imaginário de
uma Europa renascentista, ora resultantes de es-
tratagemas e interesses políticos e econômicos, aca-
baram se tornando tão populares que fortes resquí-
cios dessa “pintura” caricatural e retorcida sobrevi-
veram ao largo dos séculos e ainda persistem, in-
cluso no meio escolar.
A construção do imaginário acerca dos indí-
genas brasileiros iniciou-se ainda nos primeiros
momentos do contato e formaram o substrato polí-
tico da conquista. Havia uma competição entre as
coroas portuguesa e espanhola para estabelecer
possessões em terras americanas e explorá-las a fim
de alimentar os cofres reais. O modelo de econo-
mia mercantilista de base metalista seguido pelas
coroas ibéricas só poderia ser mantido mediante
exploração de múltiplos territórios. Há dois aspec-
tos importantes a se destacar no modelo econômi-
co da época: enquanto mercantilista, dependia da
busca de novos produtos em seus domínios coloni-
ais para inserir nas rotas internacionais de comér-
cio, e efetivamente foi o que aconteceu com o Ciclo
do Pau Brasil ainda nos primeiros tempos de nos-
sa história; na dependência de um sistema metalista,

160
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

as metrópoles sulcavam os territórios de suas colô-


nias em frentes exploratórias no afã de localizar ja-
zidas minerais que pudessem sustentar toda a má-
quina administrativa monárquica.
Porém, diante disso tudo, havia um proble-
ma que as duas potências coloniais deveriam driblar
antes de iniciar a exploração dos territórios ameri-
canos: as terras já estavam ocupadas e seus donos
gozavam do direito natural de posse destes territó-
rios. A solução encontrada, como já vimos, foi
desqualificar a imagem do indígena até que todos
se convencessem que estes não passavam de ani-
mais sem qualquer qualidade humana. O renasci-
mento foi marcado pela forte relação entre igreja e
estado, herança de muitos séculos de dominação
moura e do sentimento cristão de reconquista e de
supressão dos “infiéis”. Caso os indígenas tivessem
sua humanidade e ligação com o Criador reconhe-
cidas pelas coroas, a conquista seria dificultada, pois
a regra básica do cristianismo seria rompida. A so-
lução que se apresentou inicialmente foi caracteri-
zar o indígena como não-humano e, nesta condi-
ção, desprovido de alma. Assim, a conquista pode-
ria ser feita por meio da força, pois a morte de um
nativo seria comparável a de uma das feras da flo-
resta. Deste estratagema nasceram muitas represen-
tações cheias de ficção e de exageros.
Em algumas ilustrações ainda dos primeiros
tempos da conquista os ameríndios eram represen-
tados com os corpos cobertos de pelos, com faces
ameaçadoras e movidos por ações grotescas. A re-
presentação dos índio cobertos de pelos seria um

161
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

dos signos que os aproximaria da condição de não-


humanos, meras bestas que habitavam as muitas
matas e florestas do Novo Mundo. A tal figuração
somava-se as muitas estórias sobre os hábitos gro-
tescos que cultivavam, entre eles a ingestão de car-
ne humana. Na condição de não-humanos, a não
existência de alma entre estes seres passou a ser a
tônica das discussões teológicas, sendo lançado as-
sim o primeiro elemento legitimador da conquista.
O assassínio dos “silvícolas” seria justificado, pois
na visão do conquistador estes seriam não mais que
bestas desprovidas de alma, o que tornava legítima
a matança e a tomada do território.
Esta concepção da não humanidade dos nati-
vos americanos não tardou a ser contestada por
muitos cléricos. Assim sendo, uma nova conceitua-
ção a respeito dos naturais do Novo Mundo foi len-
tamente alinhavada: haviam na América muitas
nações que viviam em completa perdição; suas al-
mas deveriam ser salvas, o que requisitava da San-
ta Igreja ação imediata visando a conversão e sal-
vação das almas que viviam em completo pecado.
Esta segunda versão gerou novas representações,
cada vez mais elaboradas e exageradas, pois agora
haviam dois interesses: o das coroas na conquista
dos novos territórios e o dos religiosos em enviar
missionários para evangelização. Em ambos os ca-
sos, desqualificar os autóctones mostrava-se neces-
sário. Quanto mais abomináveis parecessem os na-
tivos nos relatos e cartas, mais justificativas seriam
agregadas às empreitadas colonizadoras e
evangelizadoras e para tanto se acessou um farto

162
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

conteúdo no imaginário europeu constituído nos


contos medievais de cavalaria a respeito do
silvaticus, ser humano – ou humanoide – “primiti-
vo” que vivia apartado da civilização e dos ideais
cristãos.
Paralelamente à catequese e às missões
jesuíticas – empreendimentos com objetivo de “sal-
var” as almas dos indígenas – se desenvolvem as
atividades econômicas das metrópoles em territó-
rio colonial. Nesta disputa entre as coroas ibéricas,
a simples descoberta do território nem sempre era
suficiente para transformá-lo em possessão coloni-
al. Havia a necessidade de legitimar a conquista e o
melhor meio para isso era a fixação de colonos nos
novos territórios. Ao se estabelecer a exploração
econômica de um território, fixando populações em
assentamentos definitivos, garantiam-se mecanis-
mos que inibiam a ação de emissários de coroas
concorrentes. Afinal, havia uma intensa mobilida-
de de expedições europeias de distintas nacionali-
dades neste processo de conquista e tomada de ter-
ritórios coloniais, o que gerou numerosos conflitos
no Brasil. São muitos os exemplos: franceses no Rio
de Janeiro, holandeses no nordeste, além das usu-
ais contendas entre Espanha e Portugal, originadas
ainda quando do estabelecimento do Tratado de
Tordesilhas. Para compreender a dinâmica deste
processo de reivindicação e tomada de territórios
coloniais, basta observar o traçado original de
Tordesilhas e a atual configuração do mapa do Bra-
sil. Era a luta entre duas coroas que do alto de sua
pretensa superioridade em relação aos outros po-

163
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

vos dividiu o mundo em duas partes, onde cada qual


ficaria com seu quinhão – é exatamente isso que
representava Tordesilhas.
Contudo, haviam outros agravantes. Além
dos interesses políticos das metrópoles, da ação
missioneira e da necessidade de depreciar a ima-
gem do indígena, aparecem os conflitos entre in-
dígenas e colonos em decorrência da expansão das
frentes econômicas. Ademais da busca por rique-
zas minerais, deu-se início a formação de um novo
ciclo econômico, alicerçado na expansão das ati-
vidades agrícolas. Além do próspero comércio
movimentado pela expansão dos ciclos econômi-
cos ligados a produção agrária – especialmente a
cana de açúcar – nasce um outro comércio, este
mais desumano: o comércio escravagista. Cativos,
tanto indígenas como africanos, eram negociados
nos grandes centros de distribuição de escravos.
Os dois principais centros de negociação de mão
de obra escrava eram São Paulo e Rio de Janeiro,
onde homens, mulheres e crianças eram converti-
dos em produtos, com leilões em praça pública para
arrematar desde indivíduos a lotes inteiros de es-
cravos. Os bandeirantes, como vimos, eram os prin-
cipais responsáveis por alimentar este comércio es-
cravocrata.
As coroas passaram a buscar uma integração
dos nativos ao sistema colonial como forma de “so-
lucionar” os conflitos. Essa integração nada mais
era que uma estratégia para desmantelar o modo
tradicional de vida dos nativos, a fim de aniquilar
os possíveis focos de resistência e consolidar a

164
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

hegemonia da Metrópole sobre o território coloni-


al. Neste sentido, a ação dos missionários, em um
primeiro momento, veio de encontro aos projetos
das potências ibéricas. Além da evangelização, es-
tabeleceu-se a obrigatoriedade do abandono das lín-
guas nativas, substituídas no Brasil pelo português
e no restante da América pelo espanhol.
Agora havia duas categorias de indígenas: os
reduzidos, integrados ao sistema colonial, ou seja,
os tidos pelos europeus como civilizados; e aqueles
que ofereciam resistência aos processos de integra-
ção ou se evadiam, adentrando mais e mais os es-
paços distantes dos colonizadores a fim de evitar o
contato e de preservar sua cultura tradicional. Es-
tes segundos logo passaram a integrar narrativas
extremamente preconceituosas e fantasiosas, num
esforço político em degradar a imagem daqueles
indígenas que representavam uma ameaça aos in-
teresses coloniais.
O poder político dos indígenas estava nas
mãos dos caciques e pajés, que logo passaram a ser
o principal foco das críticas dos conquistadores e
missioneiros. A fim de minar o poder e a influênci-
as que estes líderes tinham sobre as aldeias e tri-
bos, logo passaram a ser caracterizados como emis-
sários do demônio. Nas narrativas aparecem cons-
tantemente como os responsáveis por fazer cum-
prir os desejos de lúcifer, conduzindo todos os ou-
tros indígenas à perdição.
Outra representação que povoou o imaginá-
rio europeu foi a do índio canibal. Existiam alguns
grupos étnicos que efetivamente praticavam a an-

165
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

tropofagia – canibalismo ritual. O cronista alemão


Hans Staden, durante o período em que ficou prisi-
oneiro dos tupinambá registrou em detalhes dessa
prática. Certamente, os relatos de Staden foram res-
ponsáveis por parte da fama de canibalismo credi-
tado injustamente a muitas etnias. A antropofagia
passou a ser associada a muitos outros grupos indí-
genas como forma de alimentar este imaginário.
Representações dos indígenas compartilhari-
am os mesmos espaços que os monstros na carto-
grafia e nas ilustrações de obras literárias. Os
acéfalos, figuras humanoides sem cabeça que culti-
vavam hábitos canibais, eram representadas na car-
tografia que retratava o oriente. Na América a car-
tografia vai reproduzir os mesmos seres fantásticos
imaginados na África e Ásia, misturando-se com um
imaginário acerca dos nativos americanos. Esta re-
presentação de seres mitológicos asiáticos projeta-
dos para o Novo Mundo fica bem evidente em um
dos mapas de Colombo, abaixo reproduzido:

Detalhe de uma das


reproduções
cartográficas
atribuídas a Colombo,
onde cuba aparece
como uma península.
Um acéfalo no Novo
Mundo é representado
próximo da região de
Khambalik. Acervo do
Museu de Tordesilhas,
na cidade homônima,
Espanha.

166
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

A imagem do acéfalo é recorrente na


iconografia europeia dos séculos XIII e XIV e não é
de se estranhar sua aparição nas primeiras imagens
relacionadas ao Novo Mundo. As nações asiáticas
mitológicas dominadas pelos acéfalos Gog e Nagog,
integrava o imaginário europeu acerca dos povos ti-
dos por “bárbaros” e a transposição destas figuras
para a América levanta desde a iconografia a ques-
tão da natureza do americano.
Os festins antropofágicos, descritos em contos
fantásticos, eram ingredientes tão buscados por pes-
soas poderosas na Europa para falsamente atribuir
aos indígenas uma condição de não humanidade.
Assim seria possível legitimar a apropriação do ter-
ritório e das riquezas por parte das coroas ibéricas.

Antropofagia como um dos temas prediletos na iconografia e nas crônicas


europeias sobre a conquista. Americae, Theodor de Bry, 1592. Acervo da
Biblioteca Histórica da Universidade de Salamanca.

167
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha


coloca que a antropofagia é a instituição por exce-
lência dos Tupinambás. Além de integrar as nor-
mas destes indígenas do litoral paulista, era prati-
cada também por outros grupos escassos, extrema-
mente belicosos, que ocupavam algumas partes es-
pecíficas do Brasil. Porém, o que de fato veio a ocor-
rer é que esta pauta, restrita a algumas etnias, foi
em muitos casos atribuída aos ameríndios de for-
ma indistinta e generalizada, o que veio a compor
um dos grandes enganos históricos da conquista.
Os gravados do editor Theodor De Bry causa-
ram grande alvoroço na Europa dos séculos XVI e
XVII. Na edição de História da América, com tex-
tos de cronistas muito conhecidos, como Hans
Staden e Schmidel, De Bry ora representa o indíge-
na em sua condição mais bestial materializada pela
antropofagia, ora como um habitante de um jardim
idílico. Em outros momentos De Bry destaca a cru-
eldade dos europeus para com os habitantes do
Novo Mundo.
Ilustração de De Bry do relato de
Hans Staden sobre os
Tupinambás, quando fala do
consumo por mulheres e
crianças de uma pasta de
vísceras chamada “mingau”. A
participação das crianças nos
banquetes antropofágicos passa
a ideia de que o barbarismo
indígena seria uma condição da
natureza destes povos. Americae
III Pars, Francofurti: Venales
reperiuntur in officina Theodori
de Bry, 1592. Acervo da
Biblioteca Histórica da
Universidade de Salamanca.

168
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

Contracapa do Volume 4
de Americae, de
Theodor De Bry.
Indígenas são retratados
em postura de idolatria
ao Demônio.

Analisando as imagens da obra de De Bry en-


tende-se que a barbarização da imagem do indíge-
na constituía uma estratégia na busca de elemen-
tos legitimadores para uma conquista violenta.
Igualmente, era essencial minar a imagem das lide-
ranças indígenas, e outro estratagema utilizado para
isso foi a difusão de imagens de pajés rezadores em
postura de idolatria a entidades demoníacas. A cons-
trução de um imaginário dos rezadores como re-
presentantes das vontades do demônio na terra foi
útil não somente para os representantes políticos,
mas também para os evangelizadores, pois tal re-
presentação lhes conferia um destaque ainda mai-
or na salvação das almas dos ameríndios.
A imagem apresentada na sequência
(contracapa de Americae Parst VII), evidencia as

169
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

duas características de maior ênfase nas crônicas e


representações: o indígena em postura de idolatria
ao mal (aqui representado pelo Mbaraká) e em prá-
tica de canibalismo. No Mbaraká percebe-se uma
figura em meia-lua. Lembrando ser este um símbolo
mouro e que a reconquista ficou arraigada na men-
talidade europeia como a guerra santa dos cristãos
contra os infiéis muçulmanos, a meia-lua neste caso
pode intencionar uma projeção sobre os ameríndios
do sentimento de repulsa que os ibéricos nutriam
para com os mouros. No renascimento, a meia lua
era a marca procurada pelos inquisidores nos cor-
pos das mulheres como evidência de que estariam
a serviço do demônio, na condição de bruxas.

Contracapa do
Volume 7 de
Americae, de
Theodor De Bry.
Indígenas retratados
em duas das
representações que
mais povoou o
imaginário europeu:
em postura de
idolatria, onde o
mbaraká é
evidentemente
associado aos
espectros do
inframundo; e, mais
abaixo, em prática
antropofágica.

170
TEMAS EM HISTÓRIA INDÍGENA

O conflito de interesses decorrente do choque


entre o mundo “civilizado” e o mundo dos “bárba-
ros” acarretou a importação de muitos elementos
europeus, dentre os quais as doenças parecem ter
sido as maiores responsáveis pela aniquilação de
grande contingente indígena. As doenças sexual-
mente transmissíveis, como a sífilis, foram intro-
duzidas na América pelos europeus e se prolifera-
ram rapidamente, fazendo grande número de mor-
tos entre os nativos.
Com efeito, dos aproximadamente dois mi-
lhões de indígenas que habitavam o Brasil em 1500,
apenas em torno de 10% sobreviveu às pestes e às
duras penas a que foram submetidos. Ao caracteri-
zar os ameríndios como idólatras do demônio e ca-
nibais, os estratagemas dos conquistadores foram
postos em ação com o objetivo de conquistar e des-
mantelar as sociedades indígenas e incorporar os
territórios americanos como novas colônias. Além
das representações acerca dos indígenas que se con-
figuraram no imaginário popular, acrescenta-se o
problema epidêmico que quase se aproximou de
uma guerra bacteriológica. O que mais assombra é
que muitas das representações constituídas no tem-
po da conquista apresentam reminiscências nos dias
atuais. A respeito das representações constituídas
acerca de muitas etnias indígenas o que persiste são
fortes resíduos de uma pintura caricatural e
distorcida, colaborando para a manutenção de ele-
mentos preconceituosos e pouco fiéis aos fatos e
evidências. Alguns dos discursos originados durante
a colonização são novamente reproduzidos por se-

171
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

tores da sociedade para fins políticos, no intuito de


configurar uma imagem pejorativa dos povos indí-
genas, tendo nos veículos de difusão de massa o
principal instrumento de suas ações ilegítimas. O
mais imperdoável é que este contexto atual tem a
mesma raiz que motivou a ação dos conquistado-
res do período colonial: o espolio das terras tradici-
onais dos diversos povos indígenas que habitam o
território brasileiro.

172
ANOTAÇÕES FINAIS: AS FRONTEIRAS INTERÉTNICAS E O FUTURO DA HISTÓRIA INDÍGENA

Anotações finais:
as fronteiras
interétnicas e o
futuro da história
indígena

O Os marcos divisórios das fronteiras étnicas


constituídas entre indígenas e não indígenas no li-
toral de Santa Catarina são cunhados com base nas
já discutidas representações, formadas por meio de
códices elencados no interior de suas respectivas so-
ciedades. Estas representações na verdade são nada
mais que figurações mentais criadas com o intuito
de interpretar o universo circundante, porém, este
processo de interpretação se dá com base nos con-
ceitos e “pré-conceitos” de cada grupo, e não propri-
amente a partir de uma pretensa “realidade”. Quan-
do as representações são elaboradas em ideias pre-
conceituosas, consequentemente inúmeras violênci-
as (psicológicas, sociais e até físicas) são praticadas.
Este processo de constante gerenciamento e
renovação do universo cultural, que tem que levar
em consideração a relação entre indígenas e não
indígenas, propicia a consolidação de fronteiras cuja
função principal seria garantir a autonomia da
vivência social, mas que na prática também assu-

173
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

me outras facetas, as vezes pouco nobres. As frontei-


ras, na perspectiva cultural, não se limitam às divi-
sões geofísicas, mas englobam as divisões sociais.
Assim, segundo o antropólogo Angel Espina Barrio,
o objetivo pretendido pelos estudiosos do tema é o
de investigar os efeitos socioculturais destas divisões.
Sem dúvida, uma fronteira étnica como mecanismo
de segregação foi edificada desde o tempo da con-
quista e persiste, separando o mundo dos indígenas
dos não indígenas, uma barreira fundamentada no
preconceito e na invisibilidade que atribuiu aos ín-
dios o papel de exóticos brasileiros que não gozam
das mesmas prerrogativas dos “cidadãos”.
Por outro lado, os indígenas se apresentam
munidos de traços diacríticos que são exibidos a fim
de evidenciar a identidade étnica. Os signos que
compõem este repertório simbólico são moldados
no interior de uma dada cultura e atingem a finali-
dade para a qual foram projetados junto àqueles que
compreendem o idioma cultural em questão. Ou
seja, para estabelecer uma análise desta teia de
significantes e significados, o antropólogo precisa
conhecer o idioma cultural do grupo estudado, es-
tado de conhecimento que o mesmo atingirá por
meio da etnografia – estudo antropológico basea-
do na observação de campo.
No Brasil, o indígena representa um modelo
uníssono nas mentalidades de muitos segmentos da
sociedade, representações constituídas com base em
conceitos e “pré-conceitos”. A enorme diversidade
de povos indígenas ainda não é bem compreendida
pela sociedade nacional, negando a muitas etnias o

174
ANOTAÇÕES FINAIS: AS FRONTEIRAS INTERÉTNICAS E O FUTURO DA HISTÓRIA INDÍGENA

reconhecimento de suas identidades particulares.


Esta situação auxilia na manutenção daquela fron-
teira étnica edificada para fins de segregação. A obri-
gatoriedade do ensino da história indígena nos co-
légios é um importante passo para a dissolução des-
tes instrumentos de preconceito e negação social.
Conhecer o universo indígena passa a ser im-
prescindível para que se atinja uma política de tole-
rância e de diálogo interétnico. Daí a importância
dos estudos antropológicos e do incentivo à forma-
ção de mais profissionais ligados ao campo da an-
tropologia. O problema é que o trabalho de cone-
xão entre as pesquisas no meio acadêmico e socie-
dade nacional é ainda muito precário. Carecemos
de material paradidático e de divulgação científica,
situação que em outros países vem sendo revertida
com relativo êxito. É preciso depositar esforços na
tarefa de edificar uma ponte entre as universidades
e os colégios, permitindo que as novas descobertas
sejam rapidamente assimiladas pela sociedade.
Somente diante de ações críticas que ecoem em
diferentes níveis da educação, e por sua vez difundin-
do-se socialmente, será possível desconstruir estas
configurações preconceituosas acerca dos povos in-
dígenas que há séculos se renovam no imaginário da
sociedade nacional. É preciso garantir a devida posi-
ção ao ensino da história indígena nas bancadas esco-
lares, primando por um diálogo permanente entre
arqueologia, antropologia e etno-história, áreas ain-
da muito desconhecidas dos jovens estudantes dos
ensinos fundamental e médio. Espero honestamente
que este livro represente um passo nesta direção.

175
ARQUEOLOGIA E HISTÓRIA INDÍGENA NO LITORAL DE SANTA CATARINA

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