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Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 48
Bem-vindos à 48ª aula de nossa Escola Tomista. Estamos no Tratado dos
Transcendentais III. Três e último. Hoje terminam os transcendentais, se Deus
quiser, mas sobretudo não posso deixar de comemorar a gravação desta que
constitui a aula do primeiro aniversário, do primeiro ano da Escola Tomista. Não
posso deixar de comemorar e não posso deixar de agradecer a Deus. Por quê?
Porque, com efeito, Ele me permitiu, apesar dos percalços normais da vida, das
enfermidades, das tristezas, das atribulações, da falta de dinheiro, permitiu-me,
ajudou-me ele a até hoje nunca falhar em nenhuma das aulas. Sempre elas
estiveram na data, nas quintas-feiras, sempre foram lá em todas as quintas-feiras
e, mais que isso, nessas 48 aulas venho cumprindo estritamente, estritamente o
programa. Vocês hão de ver, hão de estar vendo, hão de vir vendo que não se
trata de um curso aleatório, não se trata de um curso caprichoso, não se trata de
um curso arbitrário, senão que é um curso com uma ordem estrita de ensino,
uma ordem estrita pedagógica fundada na ordem efetiva, na ordem de
sustentação das mesmas disciplinas segundo a circularidade que é requerida no
estudo da sabedoria pelas debilidades de nosso intelecto, pelas limitações de
nosso intelecto. Nosso intelecto força-nos a que, força-nos a que não
consigamos conhecer a realidade senão mediante uma circularidade
permanente entre as diversas disciplinas. Pois bem, agradeço a Deus, agradeço
a vocês por me terem acompanhado até esta aula e prossigamos, prossigamos
sempre, com a ajuda de Deus, sempre com a atenção que me prestam e sempre
esforçando-me para manter a coerência interna programática de nossa Escola
Tomista que, sei que alguns não gostam, mas pode dizer-se é, em certo sentido,
uma efetiva universidade, é uma efetiva universidade.
Pois bem, repitamos o transcendental uno (com licença). Pois bem, em seu
sentido genérico, em seu sentido mais geral, uno quer dizer ente indiviso. Algo
uno, que tenha unidade, é um ente indiviso. E como se diz uno? De muitos
modos, de muitas maneiras. A primeira delas é o uno por continuidade. Com
efeito, como a unidade nos aparece de modo explícito com a quantidade, na
quantidade, aquilo que é mais notoriamente para nós uno é a unidade por
indivisão da quantidade contínua. É nesse sentido que dizemos que um maço
de trigo é uno ou que os membros do animal são unos.
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Pois bem, digressão à parte, disse também, então, uno segundo o gênero
e disse isso quando consideramos mais a unidade da essência ou quididade do
que a unidade das partes materiais, como é o caso do corpo do animal. Segundo
isto podemos dizer que a árvore, o cisne, o homem, o elefante são algo uno, ou
seja, porque pertencem igualmente, univocamente ao mesmo gênero dos
viventes, mas mais uno que eles, neste sentido, são o cisne, o homem, o elefante
enquanto pertencem ao gênero animal que é o gênero próximo. Quanto mais
próximo o gênero, mais se diz, se dizem unos suas espécies quanto mais
próximo for o gênero; quanto mais distantes, menos unos serão essas espécies.
Mas disse uno também segundo a definição, mas que, no caso anterior,
unos são todos aqueles que têm a mesma quididade ou essência que é expressa
por quê? Pela nossa já conhecida definição e, se é assim, eles são indivíduos
dessa espécie, não se distinguirão por diferenças específicas ou essenciais. E,
assim, Pedro e Maria são algo uno enquanto são igualmente, univocamente
animal racional.
Algumas coisas, porém, são unas segundo a definição, mas não simpliciter,
não absolutamente, só secundum quid, ou seja, por certo aspecto como
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acontece de modo geral com os acidentes. Pode dizer-se que o branco desta
parede ou o branco da neve ou o branco do urso polar são “uno”; este branco é
uno, mas nesse sentido, ou seja, só segundo certo aspecto, secundum quid, não
simpliciter ou absolutamente como é todo o relativo aos acidentes.
Pois bem, ainda uma última maneira de dizer uno que é segundo a
simplicidade. O que seria maximamente e perfeitamente uno é aquilo que tivesse
quididade ou essência simples. A questão da simplicidade não é simples, é
complexa – isto é uma seta e entender-se-á muito melhor, começar-se-á a
entender bem na Metafísica e a coisa ainda melhorará quando atingirmos a
Teologia Sagrada.
mas com grande dificuldade eu mal iniciava nesta mesma via, neste mesmo
caminho que a Escola Tomista lhes abre e iniciava sozinho, sem mestre, perdido,
autodidata completo, perdido, então, conquanto me encantasse, não entendi
bem. Depois comecei a conhecer Aristóteles, Santo Tomás e ative demasiado
as debilidades de Platão. Ainda estava sem mestre, ainda era um autodidata,
ainda padecia os defeitos do autodidatismo. Depois conheci o mestre e este
mestre me ordenou a cabeça, ele fez comigo o que agora tento fazer com vocês.
Pois bem, é então que revalorizo e começo a compreender mais perfeitamente
a importância de Platão.
Pois bem, o que é mais importante com respeito a algo é que, tal como o
transcendental res ou coisa, algo não pode dizer-se de Deus. Há, portanto, uma
restrição. Tanto o transcendental coisa como o transcendental algo são
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transcendentais com uma limitação, ou seja, excluído Deus. E por que não se
pode dizer que Deus é algo outro que outra coisa? Porque Deus é o único que
não tem limites em seu ser. Assim como – tudo isso se entenderá na Metafísica
cabalmente – assim como Deus não tem relação às criaturas, senão que as
criaturas é que têm relação de dependência no ser a Deus, assim também Deus
não é algo, porque, não tendo Deus limites em seu ser, ele não pode dividir-se
de outro algo. Isto é magnífico, mas reconheço que seu entendimento perfeito,
completo, cabal não pode dar-se senão na nossa tão ansiada, na nossa tão
sonhada Metafísica. Não sei se já disse aqui, mas com certeza escrevo-o no
meu livro Da Arte do Belo, se não fora as debilidades de nosso intelecto, nós não
deveríamos começar pela Gramática, da Gramática vai-se para a Lógica, da
Lógica se vai para as outras partes potenciais da Lógica, daí se vai à Física, da
Física se vai à ético-política, para, enfim, alcançar a Metafísica. Se não fosse
débil nosso intelecto, se não fossem as debilidades próprias de nosso intelecto,
deveríamos começar por cima, pela Metafísica que vai lançando luzes sobre
todas as ciências que lhe são subalternadas ou subordinadas e mais débeis que
ela, porque, como dito já, não sei se já disse no curso, provavelmente já, mas
digo no livro Da arte do belo, ciência em sentido estrito só há uma: é a Metafísica.
Todas as outras são ciências de maneira atenuada, o que, uma vez mais, não
se entenderá perfeitamente senão quando alcançarmos, ao final desta via em
que depois se dará o salto para a Teologia Sagrada, quando alcançarmos a
mesma rainha das ciências ou Metafísica.
Mas pode dizer-se verdadeiro também com respeito ao intelecto. Pois bem,
diz-se que o intelecto é verdadeiro, que um conceito, que um conceito é
verdadeiro quando se adequa às coisas. É por isso que se diz que o intelecto é
verdadeiro, o intelecto é verdadeiro quando, por exemplo, concebe animal
racional, quando concebe que é um animal racional àquilo que os sentidos nos
mostram dos homens. Os sentidos nos mostram os homens e nos mostram
coisas dos homens, e então concebemos verdadeiramente animal racional como
a essência (desculpem-me) como a essência disto que nos dão os sentidos.
A proposição oral, estas que estou dando aqui, ou escritas como as que
ponho em meu livro são verdadeiras na medida em que signifiquem uma
proposição mental que seja verdadeira.
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Pois bem, mas tudo o que é natural, todas as coisas naturais se comparam
ao intelecto divino – vejam, agora estamos lá no intelecto divino – assim como
as coisas artificiais se comparam ao intelecto prático humano, porque, com
efeito, todas as coisas que são naturais e às quais nosso intelecto especulativo
tem de adequar-se ou conformar-se, estão para o intelecto de Deus que é
especulativo e prático ao mesmo tempo, assim como as obras de nossa arte
estão para o nosso intelecto prático. Pois bem, com respeito a Deus, então, uma
coisa se diz verdadeira enquanto tem sua forma própria, sua forma substancial
própria. E por quê? Porque, enquanto tem esta forma, enquanto tem sua forma
substancial própria que as coisas naturais imitam a arte divina, conformam-se à
arte divina, adequam-se à arte divina. E isto é assim até com o ouropel. Vejam,
o ouro falso é verdadeiramente o ouropel, ou seja, ele tem a forma de ouropel e,
portanto, é verdadeiro porque se adequa à arte com que Deus o fez ouropel e
não ouro. Vejam que beleza de diferença, vejam que grande excursão ou
incursão na Metafísica já fazemos aqui na altura da nossa Lógica.
Pois bem, como tudo o que é ou existe na natureza é capaz de imitar a arte
divina segundo sua forma natural, sua forma substancial, e é por esta mesma
razão, como veremos mais adiante, que Aristóteles chama a forma substancial
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das coisas como algo divino, chama-as algo divino, lembra exatamente que ente
e verdadeiro se convertem entre si. A mútua conversão entre ente e verdadeiro
se dá perfeitamente na medida em que as coisas, segundo sua forma substancial
ou natural se adequam, se conformam à arte divina, a arte do artista sumo que
é Deus mesmo.
Bom, a noção de bom tem em seu significado mais comum dois aspectos
e estes dois aspectos são, até certo ponto, conflitivos entre si. Por quê? Porque,
por um lado, o bom significa, ou bondade, ou bem, significa certa perfeição que
a coisa boa tem em si. Com efeito, é bom o que é perfeito, o que está acabado
segundo sua natureza e segundo sua essência. É bom aquilo que é completo e
íntegro. Mas, por outro lado, bom significa algo relativo ao nosso apetite. O bom,
o bem é amável; o bom, o bem é apetecível. Estes dois aspectos se encontram
na descrição ou definição clássica de bem ou do bom. Bom é aquilo que todas
as coisas apetecem, que todas as coisas desejam. No verbo “apetece”
naturalmente está referência ao apetite, ao desejo, enquanto em todas as coisas
está a ideia – todas – do absoluto que o bem encerra. Todas as coisas apetecem.
E há, por fim, o bem útil. O bem útil é aquele que nos permite alcançar o
bem honesto ou o bem deleitável. É antes um meio, um instrumento.
Pois bem, é algo análogo, é por algo análogo que se pode resolver a
questão do belo ou beleza. Já, desde há muito tempo, os tomistas se digladiam
entre si em torno da questão de se o belo é ou não é um transcendental. Santo
Tomás nunca o pôs em nenhuma relação de transcendentais, nem no De
veritate, nas questões disputadas De veritate, como há vimos na primeira aula
deste nosso Tratado dos Transcendentais, nem em nenhuma outra parte incluiu
ela nessa relação e, no entanto, em várias partes de sua vastíssima obra parece
dar a entender que sim, o belo é um transcendental, sobretudo quando trata da
beleza divina e sua irradiação para as coisas. Pois bem, não quero cansá-los
com questões altamente complexas em torno do belo. Desculpem-me e
desculpem-me ainda a autorreferência, ainda a referência ao meu livro Da arte
do belo em cujo penúltimo capítulo trato extensamente esta coisa. Pois bem,
assim como no livro vou considerar-me aqui, com respeito ao belo, no campo do
dialético. Que quero dizer? Lembrem-se que a dialética é a arte de fazer alcançar
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a opinião mais provável, ao passo que a Lógica é a arte que permite alcançar a
ciência. Pois bem, vou manter-me aqui, como no livro, no âmbito do dialético, do
tópico, da dialética, da opinião mais provável.
Creio que, com esta minha incursão no dialético quanto ao belo, resolve,
pelo menos para mim, por ora, tudo de quanto necessito com respeito ao belo e
sobretudo vi-me diante desta necessidade, pude escrever o livro Da arte do belo.
Pois bem, esta foi uma aula menor. Espero que lhes tenha sido, lhes seja
de grande utilidade, mas com ela, e comemorando nosso primeiro ano de Escola
Tomista, encerro o tratado tão belo dos transcendentais.
Muito obrigado pela atenção e até a nossa 49ª aula, ou seja, a primeira aula
do segundo ano de nossa Escola Tomista. Muito obrigado uma vez mais pela
atenção.