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Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 1

Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 36
Pois bem, hoje vamos tratar e esgotar a categoria substância, mas, antes
de fazê-lo, e como o início deste Tratado não foi exatamente fácil, gostaria de
recapitular coisas sobre os predicamentos ou categorias em geral. Permitam-me
fazê-lo.

Pois bem, relembrem-se antes de tudo as dez categorias ou predicamentos


descobertos por Aristóteles. São coisas que se dizem sem complexidade –
lembremos que estamos no âmbito da primeira operação do intelecto que se
chama não só simples apreensão, mas inteligência, ou seja, entendimento,
intelecção dos incomplexos. Pois bem, das coisas que se dizem sem
complexidade alguma, cada uma delas significa ou substância, ou quantidade
(2), ou qualidade (3), ou relação (4) – relação também se chama ad aliquid (ad
a-d aliquid – a algo –, (5) ubi em latim ou ubiquação (é o que muitos chamam
lugar; é preferível chama-lo, pelas razões que direi, quando o tratarmos, quando
tratarmos este predicamento, prefiro ubiquação com q-u-a, ubiquação), ou
quando, quando, ou situação ou posição, ou ter, ou fazer, ou padecer. Fazer
também se diz ação e padecer se diz paixão. Pois bem, então substância (eu,
cada um de vocês, o cão de nossa casa, a mangueira, etc. e tal – mangueira
árvore) substâncias; quantidade (dois metros de altura, sessenta quilos);
qualidade (negro, branco); ad aliquid – relação (pai, filho); ubiquação (em casa,
na escola); quando – que muitos chamam tempo, é preferível chama-lo quando
– (ontem, anteontem, no século passado); situs ou situação (sentado, deitado);
ter ou habitus, habitus em latim, habitus – claro que não tem acento, latim não
leva acento – habitus (vai calçado, vai armado); ação ou fazer (queimar, serrar);
paixão ou padecer (ser queimado, ser serrado). Molhar – ação –, ser molhado –
paixão.

Pois bem, relembrado isso, diga-se que o único acesso que temos ao ser
das coisas, o único acesso que temos ao ser das coisas se dá mediante a
abstração, ou seja, primeira operação do intelecto e pela divisão, composição ou
divisão, ou seja, segunda operação do intelecto. Os predicamentos ou categorias
que se dão no âmbito da primeira operação do intelecto, surgem como respostas
às perguntas mais gerais que se podem fazer com respeito às coisas. Repita-se:
os predicamentos aparecem como respostas às perguntas mais gerais que se
podem fazer acerca, com respeito às coisas.

Um ente não é um gênero, conquanto as categorias ou predicamentos


dividam o ente. Atenção: o ente estudar-se-á detidamente, então se entenderá
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por que não é um gênero, quando estudarmos os análogos supremos ou


transcendentais, já que o ente é o transcendental por excelência. Então, os dez
predicamentos ou categorias ou modos de ser é como se divide o ente, digamos
assim antes de esclarecê-lo mais perfeitamente. E o ente pode dizer-se, antes
disso, per se, per se s-e, per se ou per accidens, accidens (a-c-c-i-d-e-n-s). Per
se ou per accidens. Per se é pouco mais ou menos por essência, enquanto per
accidens é acidentalmente, por acidente. O ente por acidente é, no entanto,
diferentemente do ente per se, não tem ratio, ou seja, r-a-t-i-o, ou seja, razão, ou
seja, noção, ou seja, quididade única. Então repita-se: o ente per... é... o ente
per accidens, contrariamente ao que se dá com o ente per se, não tem ratio ou
quididade única. Por exemplo: homem amarelo. São duas quididades: homem e
amarelo. Este é um ente per accidens.

Pois bem, já o ente per se pode dar-se tanto na realidade fora da alma
(extra animam) – hoje não temos documento – extra, extra, animam (a-n-i-m-a-
m), animam, extra animam, fora da alma. Pode dar-se, então, na realidade –
estou falando do ente per se – ele pode dar-se na realidade, ou seja, extra
animam, fora animam, fora da alma, ou pode dar-se só segundo a nossa mesma
razão. É o caso de cegueira, é o caso de cego. É que a nossa razão considera
as negações ou as privações e, com efeito, cego, cegueira são privações de
quê? De visão, mas a razão considera as privações ou as negações como se
fossem entes, mas obviamente a cegueira só é um ente em nossa razão, só é
um ente aí. Não é extra animam, mas dentro da alma, só na própria alma. Isso
se entenderá perfeitamente quando tratarmos a questão “do mal”, ou seja, mais
precisamente se o mal é algo.

Pois bem, além disso, às vezes se diz entes, se chama ente, aquilo que
está a caminho de sê-lo, em vias de sê-lo sem sê-lo ainda, sem sê-lo ainda.
Então, às vezes se diz ente o que está em via, a caminho de sê-lo sem sê-lo
ainda. É o ente em potência, não em ato. E o ente em potência é o ente em
movimento porque, se você está em vias de ser algo sem ser ainda, é porque
você está em movimento para algo. E, neste ente em movimento, há mescla, há
mistura de ato e de potência, porque ele já é algo, mas está em potência, em
movimento para ser outro algo e o ente em potência se distingue do ente que é
atualmente, que é em ato. Isto tudo, se se fala de ente em movimento, fala-se
de ente móvel. Logo isto só se entenderá perfeitamente quando estudarmos a
Física Geral, mas fique como importantíssima seta até porque tem implicação
aqui nas categorias ou predicamentos neste nosso Tratado, ou seja, só nos
interessa aqui o ente em ato, não o ente em potência. Então, o que tratamos no
Tratado das Categorias ou Predicamentos é o ente per se, ou seja, por essência
– não o ente per accidens – mesmo quando é acidente é tratado como se não o
fora, mas o que mais interessa aqui é o ente per se extra animam (fora da alma)
e em ato. Per se, fora da alma e em ato.
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Pois bem, Santo Tomás justifica a divisão aristotélica dos dez... dos
predicamentos em dez. Ele o fez por Aristóteles. Aristóteles não chegou e
justificá-lo. E como o faz o nosso Santo Tomás? Assinalando que há três
maneiras de predicar. Então, para justificar a divisão dos predicamentos em dez
(coisa que, infelizmente, Aristóteles não fez), Santo Tomás observa que há três
modos de predicar – vejam que estamos falando de predicamentos. Pois bem,
qual é o primeiro destes três modos?

O primeiro modo é quando se diz aquilo que é um sujeito, isto é, sua


essência. Esse modo é o que fundamenta, como veremos, o predicamento
substância. Os dois outros modos dividem a predicação acidental que é sempre
denominativa. Já vimos o que é ser denominativo. Se for preciso voltem nas
apostilas ou nos vídeos ao ponto em que tratei o denominativo. Pois bem, este
é o primeiro.

O segundo modo quando se predica do sujeito algo que não pertence à sua
essência, mas que, no entanto, é ou se dá no sujeito. Então repita-se: o segundo
modo é quando se predica do sujeito algo que não pertence à sua essência, mas
que, porém, é ou se dá no sujeito. Este é o modo de predicação por denominação
ab intrinseco (ab a-b, intrinseco igual ao português sem o acento), ab intrinseco.

Este modo, ou seja, por predicação... este modo de predicação por


denominação ab intrínseco divide-se, por sua vez, em três classes, em três
categorias. A primeira é... a primeira, na verdade, se divide em duas, sendo que
a primeira se divide em duas também, daí que sejam três. Quando aquilo que se
toma, de que se toma a denominação pertence per se e absolutamente ao
sujeito, ou seja, quando pertence essencial e absolutamente ao sujeito primeiro
como consequência da matéria, temos então a categoria “quantidade”. Como
consequência da forma, temos, então, a categoria “qualidade”. Então repita-se:
quando aquilo que se, de que se toma a denominação pertence per se e
absolutamente ao sujeito primeiro como consequência da matéria e temos,
então, o acidente quantidade; (2) como consequência da forma, temos então, o
acidente qualidade.

E o terceiro é quando não pertence absolutamente ao sujeito, mas com


respeito a algo (ad aliquid). Temos, então, a categoria da “relação”. Repita-se
este terceiro: quando não pertence absolutamente, ainda que per se, mas não
absolutamente ao sujeito, senão que só lhe pertence, mas com respeito ad
aliquid, a algo, ou seja, temos então a categoria relação.

Essas são divisões, esta é a tripla divisão do segundo modo que gera três
categorias: a quantidade, a qualidade e a relação. Repita-se que a quantidade é
consequência da matéria, a qualidade é consequência da forma e a relação
pertence per se ao sujeito, mas não absolutamente. Por quê? Por que não
absolutamente? Porque lhe pertence, mas com relação, relativamente a algo (ad
aliquid) e esta é a categoria relação.
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O terceiro modo... já vimos, então, substância, quantidade, qualidade,


relação. O terceiro modo quando se predica do sujeito algo que o denomina ad
(a-d) extrinseco, ab, ab, perdão, ab ab extrínseco, extrinseco, ab extrinseco é
extrínseco em português sem o acento.

A denominação extrínseca pode ser, porém, dupla, cada uma das quais,
cada uma das duas dividindo-se por sua vez. Então repita-se: a denominação
extrínseca, que corresponde a este terceiro modo, pode ser de todo, totalmente
extrínseca. Primeiro: não como medida. Temos, então, o habitus, o ter, o possuir.
Ir calçado, ir armado. E como medida. Da parte do tempo temos, então, o
quando. A categoria quando é da parte do tempo e mede, é uma medida. O
tempo, como veremos ainda neste Tratado, é a medida do tempo segundo um
antes e um depois. O tempo é a medida do movimento – perdão, errei – o tempo
é a... – corrija, nem precisa pôr o antes na transcrição – o tempo é a medida do
movimento segundo um antes e um depois. Já o veremos quando tratarmos a
categoria “quando” e o aprofundaremos grandemente quando tratarmos a
cosmologia.

Pois bem, então repita-se que, de todo extrínseca é a denominação não


como medida e tem-se, então, a categoria do habitus ou da posse ou do ter.
como medida que, por sua vez, se subdivide em duas: da parte do tempo temos,
então, a categoria quando. Da parte do lugar, se não consideramos a ordem das
partes no lugar, temos, então, o ubi ou ubiquação. Isso se entenderá
perfeitamente quando tratarmos essas categorias. Se não consideramos a
ordem das partes no lugar temos, então, a ubiquação ou ubi. Se consideramos,
porém, a ordem das partes no lugar, temos, então, o situs ou situação (estar
deitado, estar sentado). Mas também essa denominação pode ser segundo algo
extrínseca, segundo o princípio como agir. Temos, então, a ação. E segundo o
termo como padecer temos, então, a paixão. Repita-se este terceiro modo que
é algo mais complexo que os anteriores. Quando, do sujeito, se predica algo que
o denomina ab extrínseco a denominação extrínseca pode ser ou de todo
extrínseca (não como medida) e temos, então, o habitus; como medida e temos,
então: (1) da parte do tempo, o quando; da parte do lugar (2), que, por sua vez,
também se subdivide, se não consideramos a ordem das partes no lugar, temos
o ubi ou a ubiquação; se, no entanto, consideramos a ordem das partes no lugar,
temos o situs ou situação. Se, no entanto, não é de todo extrínseca, mas só é
extrínseca segundo algo, temos outra dupla divisão, uma subdivisão em dois:
segundo o princípio como agir temos, então, a categoria da ação; segundo o
termo, o fim, o término como, ou seja, como termo que é alcançado pela ação,
temos, então, o padecer, ou seja, a categoria da paixão.

Pois bem, vamos, então, ao predicamento substância.

Penso eu em dar cada predicamento em uma aula. Ainda estou pensando.


Porque, com efeito, para que haja uma concentração absoluta e um
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entendimento perfeito de cada um dos predicamentos ou categorias, é preciso


uma concentração maior e não uma dispersão. Pois bem, farei um teste,
digamos assim, com a categoria substância. Tratá-la-ei somente a ela nesta
aula. Não tratarei a segunda categoria que é a quantidade que já víamos, decorre
da matéria. Vejamos. Depois eu medirei pela quantidade de perguntas se foi
profícuo que eu limitasse a aula em torno de uma só categoria. Se não houve
dúvidas, se não houver dúvidas quanto a isso, eu vou arriscar dar duas
categorias na próxima aula. Se houver dúvidas, eu ficarei com uma só. Então, é
porque meu sentimento, meu senso de que o melhor é concentrar – o senso
atual, o sentimento atual – de que o melhor é concentrar em cada aula uma só
categoria é o que rende mais frutos. Vamos ver. Estou hesitante como quer que
seja. Nesta aula só tratarei o predicamento ou categoria substância, ainda que a
aula seja menor que o corrente. Vocês hão de entender que, como vocês
observam, a Escola Tomista, o nosso curso, a nossa universidade de cinco anos,
ela é toda pré-programada. Nela está tudo. Se vocês compararem com as trinta
e cinco aulas que já tiveram, incluindo esta, com o nosso programa, com a nossa
ementa, verão que não me afastei dela um milímetro. Ou seja, toda a Escola
Tomista é programada, é pré-programada. Mas o fato é que, quanto à
metodologia propriamente dita, com respeito a cada ponto da nossa
universidade, está um pouco sujeito a variações, a certas oscilações e até a
certas hesitações do professor com respeito a propiciar-lhes um entendimento
melhor, mais cabal, mais completo da matéria dada, ensinada. Pois bem, vamos
tentar, vamos testar o método de usar, tão somente, de tratar tão somente em
cada aula um dos predicamentos ou categorias. Pois bem, vou, no final, reunir
algo que eu penso, reunir numa só aula a ação e a paixão, mas alguns
predicamentos realmente requerem uma maior exposição, como a quantidade,
como o lugar, como quando – como o lugar não, perdão – como ubiquação, como
quando, não são de fácil assimilação. É preciso que o professor se detenha
sobre eles explicando cada um dos pormenores que eles envolvem.

Pois bem, o predicamento substância. Antes de tudo a palavra. Em grego


como diz substância o nosso Aristóteles? Ousía, ou seja, o-u-s-í com acento - a.
Ousía, se pronuncia ussia. OU se pronuncia U e o S não tem o som de Z nem o
S intervocálico, senão que tem o som de S. Daí que se diga OUZIA com S e
acento no I, se diga USSIA.

Pois bem, na verdade ousía vem de ón. Ón, ON com acento agudo no O
que quer dizer ente. Ón foi traduzido ao Latim por ente. Mas, curiosamente, ousía
não foi traduzido ao latim pelo derivativo, pelo derivado, pelo denominativo de
ente que seria essência, mas sim por substância. Alguns pensadores modernos,
querendo ver contradição entre Aristóteles e Santo Tomás, ou melhor, entre
Aristóteles e a Escolástica, insistem que substância (é o caso de Alain de Libera,
por exemplo – Alain de Libera, sem acento em francês, Alain de Libera). Pois
bem, diz ele que se deve traduzir ousía por essência. Outros radicalizam como
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o tradutor das categorias para a Editora Gredos, radicaliza e põe para traduzir
ousía entidade. Aí é um absurdo total. Aí realmente a coisa fica difícil. Não é
conveniente e, no entanto, insisto em que a tradução de ousía por substância,
aparentemente infiel, é, na verdade, a mais propícia. É melhor a palavra
substância que a própria ousía de Aristóteles como veremos, embora nenhuma
das duas seja absolutamente perfeita. Por isso é que Aristóteles falará, como já
veremos, em ousía primeira e ousía segunda, ou seja, essência primeira e
essência segunda, sendo que propriamente essência é a segunda, enquanto em
latim se dirá substantia (substantia com T, substantia sem acento com T) se dirá
substância primeira e substância segunda, sendo que, mais propriamente,
substância é a primeira. Vejam, Aristóteles chama ousía primeira ou essência
primeira e ousía segunda ou essência segunda, quando, em verdade, essência
é propriamente a segunda. Em latim se diz substantia primeira e substantia
segunda, quando, na verdade, mais propriamente falando, a substância é a
primeira.

Mas, por que é melhor, disse eu, a substância que ousía? Porque o próprio
Aristóteles vai dizer que ousía é, antes de tudo, a primeira. Na verdade, o termo
substância, como já voltaremos a ver, é muito mais conveniente, adequado, que
ousía mesma de Aristóteles.

Pois bem, pode dizer-se de quatro maneiras substância. Substância tem,


pois, quatro sentidos. Vamos entendê-lo.

A primeira maneira de dizer substância é quando dizemos substância das


coisas concretas, das coisas concretas. Em grego se diz tóde tí. Tóde, t-o-d-e
com acento agudo no O, é bom pôr, tí, t-i com acento agudo no I. Tóde ti. Em
latim isso foi vertido precisamente por hoc aliquid, ou seja, h-o-c – hoc, “roc” –
aliquid que vocês já sabem escrever. Ou seja, tóde tí ou hoc aliquid quer dizer
“este algo”, este algo completo, concreto: eu, você, esta pedra, este ferro, aquela
água somos algo concreto e esta é a primeira maneira de dizer ousía ou
substância. Ou seja, tóde tí é aquilo que é algo particular ou singularmente e
individualmente. Eu sou um indivíduo, você é um indivíduo, este cão é um
indivíduo, aquele gato é um indivíduo, aquela árvore é um indivíduo, aquela
pedra é um indivíduo, aquela minhoca é um indivíduo... são coisas singulares,
particulares, ou melhor, singulares e individuais. Tais coisas não estão no sujeito.
Como já o veremos, elas são o sujeito. Uma minhoca não pode estar em outro
lugar – veja, claro que a minhoca está no lugar – mas ela não pode estar em um
sujeito, senão que ela mesma é um sujeito de acidentes. Já vimos isso. Daí a
importância do nosso início de curso, quando demos as primeiras noções
filosóficas. Sujeito é a substância que é suporte de acidentes, está sob acidentes,
os acidentes estão no sujeito, na substância. Então, tais coisas, ou seja, este
ferro, aquela água, eu, você, aquele gato, Pedro, aquela árvore, não são em um
sujeito, nem se dizem de um sujeito. Daí certa inutilidade do chamado princípio
de identidade – já o voltaremos a ver. Dizer que eu sou eu, que aquele gato é
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aquele gato é de uma inutilidade, digamos, algébrica: a=a. Voltaremos a ver isso
no Tratado da Demonstração, ou seja, o último tratado da Lógica em sentido
estrito (vejam lá na ementa do curso). Então a primeira maneira de dizer
substância é quando a dizemos de coisas simples, de corpos simples como esta
água, aquele ferro, ou seja, do tóde tí, este algo, este algo concreto: eu, você, a
pedra, etc. etc. Cada uma dessas coisas, destes algos concretos são algo
individualmente e singularmente e não se dizem, não estão, não são em um
sujeito, nem se dizem de um sujeito a não ser segundo o modo algébrico da
identidade. Aquele gato é aquele gato – o que é uma maneira algo pomposa de
não dizer absolutamente nada.

Pois bem, o segundo modo como se diz substância, diz-se substância


daquilo de que algo, alguma coisa é feita. Nesse sentido dizemos que o trigo é
a substância de que é feito o pão, enquanto o mármore é a substância de que é
feito a estátua Moisés de Michelangelo. Então esta é a segunda maneira.
Dizemos substância aquilo de que algo é feito, assim como o trigo é aquilo de
que é feito o pão e assim como o mármore é a substância de que é feito o
estupendo Moisés de Michelangelo. Pois bem, este segundo modo de dizer
substância se diz também matéria. Qual é a matéria do Moisés de Michelangelo?
O mármore. Qual é a matéria do pão? O trigo. Predica-se denominativamente.
Voltem à questão do denominativo.

Terceiro modo. Também chamamos ou dizemos substância àquilo que faz


que uma coisa seja aquilo mesmo que ela é, à maneira, ao modo de um princípio
intrínseco. Agora, com os exemplos, vocês entenderão. A substância do homem,
nesta terceira maneira, é sua alma. Por quê? É a alma humana o que faz que o
homem seja homem: animal racional, que ele seja racional. E neste sentido
também a substância do Moisés de Michelangelo agora não é o mármore, mas
é a própria forma ou figura da estátua. Vejam que interessante! Na segunda
maneira a substância do Moisés de Michelangelo era o mármore, agora a
substância do mármore, da estátua é a forma ou figura exterior que se imprimiu
pelo artista nesse mármore. Então, substância, nesse modo, nesse terceiro
modo, é sinônimo de forma. A alma humana é a forma do homem. A alma do
cão é a forma do cão. A forma da pedra é o que a faz ser pedra. E a forma do
Moisés de Michelangelo é o que faz ser esta estátua. A substância da estátua é
sua forma ou figura exterior. Isso se dá nos artefatos, ou seja, nos produtos da
arte. Então forma – aliás, estudaremos o sentido de forma e figura mais adiante
no próprio tratado das categorias. Predica-se também denominativamente.
Como a segunda maneira, também esta terceira se predica denominativamente.

E, por fim, o quarto modo. Dizemos substância àquilo que a coisa é.


Lembremos nossas primeiras aulas da Escola Tomista. O que é aquilo que a
coisa é? O que responde à pergunta quid est ou quid sit, isto é, a quididade ou
essência da coisa. E já vimos que a quididade ou essência da coisa é significada
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pela definição da coisa. Qual é a quididade ou essência do homem? Animal


racional. E o que é animal racional? A definição de homem.

Muito bem, neste quarto modo a substância não é, não se dá num sujeito,
mas pode dizer-se de um sujeito. Lembrem-se agora dos predicáveis.

Pois bem, estes quatro, essas quatro maneiras reduzem-se, em verdade,


a duas. A segunda maneira – repita-se, a substância é aquilo de que algo é feito:
trigo, o mármore – o trigo no caso do pão, o mármore no caso da estátua Moisés
de Michelangelo – inclui-se na primeira maneira, no tóde tí, no este algo, nesta
coisa concreta, singular, individual. E a terceira maneira, ou seja, a forma, aquela
que é sinônimo de forma – tanto a alma humana, como a alma do cão ou a figura
exterior da estátua de Michelangelo – é... reduz-se ao quarto modo, ou seja,
aquele que é sinônimo de quididade ou essência. Pois bem, se a segunda
maneira se reduz à primeira e a terceira se reduz à quarta, temos, então, a
substância primeira, ou seja, tóde tí – este algo – e a substância segunda, ou
seja, essência ou quididade. Qual é a diferença central entre eles? É que a
substância primeira é particular, ou melhor, singular, ou melhor, individual ou
concreta, enquanto a segunda essência (quididade) é universal. Lembremos,
então, o que é universal, o que se disse extensamente no Tratado dos
Predicáveis.

Pois bem, uma nota importante: esses dois modos principais de substância
se dizem com respeito a nós, quanto a nós, mas, segundo a natureza das coisas,
os dois modos principais são a substância entendida como supósito – supósito
é o sujeito de acidentes – e a substância entendida como natureza ou essência.
Veja uma coisa – isso se entenderá mais perfeitamente bem adiante – conquanto
essência e quididade sejam a mesma coisa, a essência como quididade é com
respeito a nós. Por quê? Porque responde à nossa pergunta quid sit, quid est (o
que é?), enquanto a quididade com respeito às coisas mesmas, segundo a
natureza, segundo as próprias coisas tal como se dão fora da mente, ela se diz
antenatureza. Tá certo? Então a substância quanto a nós se diz antes quididade,
mas também essência, mas, quanto às próprias coisas, se dizem essência ou
natureza. Aí já não se diz quididade. Repita-se isso. Esse é um ponto importante
conquanto não se resolva completamente aqui. Na Física se resolverá, na Física
Geral se resolverá perfeitamente.

Esses dois modos que acabamos de ver são com respeito a nós. Com
respeito à natureza, primeiro os dois modos principais da substância são:
primeiro quando a entendemos, entendida como supósito, como suporte – já o
vimos – e o segundo é a substância entendida já não como quididade ou
essência, mas sim como natureza ou essência. Por isso é que quididade é o
nome perfeito com respeito a nós, enquanto essência ou natureza é o nome, são
nomes perfeitos com respeito às coisas mesmas, ou seja, segundo a natureza.
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Esta distinção é uma baita seta, é uma senhora seta. Ela primeiro se voltará
a estudar na Física Geral, mas só se completará quando adentrarmos a
Metafísica. Então peço-lhes paciência, mas fique registrado já essa distinção
com respeito a nós segundo a natureza, essa distinção no Tratado nosso dos
Predicamentos.

Pois bem, insista-se ainda que o conceito de substância primeira se predica


de Pedro ou de Maria ou deste gato, mas sob certa confusão. Então, vamos lá?

O conceito de substância primeira se predica de Pedro, de Maria, deste


cão, daquele gato é sim, mas sob debaixo de certa confusão. Isso quer dizer o
seguinte: que ele não se predica univocamente, mas analogamente. Certo?
Analogamente. Porque, como veremos na Metafísica, univocamente falando
uma coisa sou eu ou você, outra coisa é o gato, outra coisa é a pedra. Só a
substância segunda é que é conceito unívoco. Animal racional. A essência de
homem é conceito unívoco. Por que é unívoco? Porque se diz univocamente,
igualmente, absolutamente, igualmente tanto de mim, como de você, como de
Maria, como de José, como de Joaquim, como de Pedro. Por outro lado, insista-
se, que os acidentes concretos, concretos, tais como se dão em mim, em você,
no gato, na pedra, na laranjeira se predicam denominativamente. Os acidentes
concretos! Têm de ser concretos. Já se entenderá melhor isso.

Pois bem, o que é próprio, propriíssimo? Qual é a propriedade do primeiro


predicamento dos dez, ou seja, da substância, considerado tanto a substância
primeira como a substância segunda, ou seja, considerada a substância em
comum? Sem que distingamos entre primeira e segunda, qual é o propriíssimo
da substância? Já o disse desde o início do curso. É subsistir e subestar, sub
estar sem hífen, sem nada. Subestar. Sub estar, mas se escreve junto: subestar.
Então, esta é a dupla propriedade, é o propriíssimo da substância, seja tanto da
primeira como da segunda, é subsistir e subestar. Por isso é que eu digo que o
nome “substância” é melhor que ousía. Vejam que estão na mesma família
etimológica substância, subsistir e subestar. Vejam que todas começam por
“sub”.

Pois bem, mas a substância singular, concreta, individual é dita primeira


por quê? Embora ambas as substâncias, ou seja, a primeira e a segunda, sejam
sujeito dos acidentes, supósito dos acidentes, a substância singular, ou primeira,
ou individual é, além disso, sujeito de predicação universal. Claro, eu sou
homem, eu sou animal racional, você é animal racional. Então, esta é uma
predicação universal e só eu não posso predicar uma predicação universal da
substância segunda porque ela é a própria coisa que se predica universalmente
da substância primeira.

Pois bem, quantas propriedades, falando propriamente, tem a substância?


São seis propriedades. A primeira é não ser em um sujeito. E já o vimos. E esta
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substância, repita-se e repita-se é comum tanto à substância primeira como à


substância segunda.

A segunda propriedade é predicar-se univocamente, predicar-se


univocamente. Mas aqui é preciso entender bem a coisa. Somente o indivíduo,
ou seja, a substância primeira e a espécie podem ser sujeitos de predicação
substancial. O gênero só pode ser sujeito de predicação substancial não
enquanto gênero, mas enquanto a espécie de um gênero superior. Assim,
viventes é um gênero de quê? De animal e vegetal. Mas, por sua vez, é espécie,
junto com não vivente, do gênero substância. Mas o gênero não pode por si
receber predicação substancial, ou seja, unívoca. Somente análoga.

Quanto à diferença específica, que é o quarto, que é um dos predicáveis, a


diferença, já o vimos – quarto não, a diferença é o terceiro – a diferença, ela não
pode ser sujeito senão que só pode qualificar o gênero como definição de uma
espécie.

Pois bem, somente as substâncias segundas e as diferenças podem ser


predicadas e não as primeiras, não as substâncias primeiras. É aquilo da
inutilidade algébrica do princípio de identidade. As substâncias primeiras não se
dizem formalmente com respeito a nada e, portanto, é nula a predicação. Eu
dizer “eu sou eu” é uma predicação nula, porque não é formal. Pode, sim,
predicar-se no intelecto, intelectualmente, segundo a razão, concebidas a
matéria de forma (“eu sou eu”), mas não tem nenhum fundamento na natureza
da coisa.

A predicação unívoca pode entender-se de tripla maneira: materialmente


se se atenta tão somente para o que o nome significa e não para o modo de
atribui-lo, ou seja, se atribui essencialmente ou denominativamente. Então,
repita-se: a predicação... – desculpem-me, perdi meu ponto. A predicação
unívoca pode entender-se de três maneiras: a primeira maneira: se atendemos,
se atentamos apenas para aquilo que o nome significa e não para o modo de
atribuí-lo, ou seja, se esse modo é essencial ou denominativo, predicação
unívoca equivale absolutamente a universal, pura e simplesmente a universal e,
neste sentido, todos os predicáveis se predicam univocamente.

A segunda maneira – a primeira é materialmente – a segunda maneira é


formalmente quando a razão ou noção atribuída se predica essencialmente, o
que pode ocorrer de duplo modo, daí que haja três maneiras de entender a
predicação unívoca. O primeiro modo, nessa subdivisão, é absolutamente
quando se trata da substância, ou segundo algo, secundum quid quando se
predica aquilo que é o acidente. Assim, cor se predica univocamente de azul e
de amarelo, mas não absolutamente, não simpliciter, mas só secundum quid,
porque o acidente não pode ser simpliciter e sim secundum quid, segundo algo.
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A terceira propriedade da substância é significar este algo (tóde tí). Com


efeito as substâncias primeiras são inequivocamente, verdadeiramente,
indubitavelmente este algo (hoc aliquid), porque significam algo individual e
numericamente uno.

As substâncias segundas só aparentemente, só em aparência podem


significar este algo (hoc aliquid). Por quê? Não significam hoc, não significam
este, algo numericamente um, pois se dizem de muitos sujeitos. A essência, ou
natureza, quididade se diz de muitos sujeitos, logo não significam hoc, este algo,
este algo numericamente um. Significam antes, em vez de hoc aliquid, quale,
quale (q-u-a-l-e), quale – já vimos isto – aliquid. Por quê? Porque qualificam as
substâncias primeiras em tal ou tal gênero ou espécie. Mas se diz aqui quale
segundo algo, não como última determinação, mas como primeira determinação
de um sujeito indeterminado.

A outra propriedade, a propriedade seguinte é não ter contrário. É uma


propriedade, é um próprio da substância não ter contrário. Os contrários são uma
espécie do gênero dos opostos, juntamente com quê? Com aquilo que já vimos:
a negação e a privação. Oposto é aquilo que se contrapõe a outro de tal maneira
que, posto um, elimina-se o outro. Essa propriedade, ou seja, não ter contrário,
não é exclusiva da substância, porque tampouco a quantidade não tem contrário.
Eu não posso dizer que o contrário de vinte quilos são trinta e cinco quilos. Isso
não é contrário! Nada se opõe a cinquenta metros, nada se opõe a dois metros
de largura, três metros de comprimento. Nada se opõe a isso! Então não é só a
substância que não tem contrário. Também a quantidade não pode ter contrário.

A outra propriedade da substância é não ser capaz de receber mais e


menos. Uma substância não pode ser mais ou menos esta substância. Isto é
impossível! Esta propriedade tampouco é exclusiva da substância. Mas entenda-
se bem isto: isso não significa que substância não se diga com mais ou menos
de um ou de outro e isso seria falso. Com efeito, as substâncias primeiras são
mais que as substâncias segundas, porque são o que existe na realidade. E as
espécies são mais que o gênero, porque as espécies existem mais na realidade
que o gênero. Assim as substâncias primeiras ou indivíduos são mais que as
substâncias segundas, ou essências, ou naturezas ou, quididades, enquanto as
espécies são mais que os gêneros. Quanto mais nos aproximamos do tóde tí, do
indivíduo pode dizer-se que são mais que aquilo que está mais afastado do tóde
tí.

Pois bem, o que quer dizer tal propriedade, ou seja, não ser capaz de
receber mais e menos, é que a substância, tanto as primeiras como homem,
vaca, árvore não se dizem mais ou menos aquilo mesmo que ela é, ou seja, não
pode haver uma árvore que seja mais ou menos árvore. Toda árvore é árvore.
Não pode haver... toda laranjeira é laranjeira e não pode ser mais ou menos
laranjeira. Todo homem, cada homem não pode dizer-se mais ou menos homem.
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 12

Isto não existe! Então é nesse sentido que se dá a propriedade da substância de


não receber mais nem menos. Não é mais ou menos nem em tempos diferentes,
nem com respeito a outro. Por exemplo: Maria, José não é menos homem antes
do que é agora, ainda que fosse menos sábio. Vejam, Joaquim há três anos,
antes de começar a estudar o tomismo, não era menos homem do que é hoje,
ainda que fosse menos sábio, porque ainda não havia começado a estudar o
tomismo, mas tampouco Pedro, Joaquim é menos homem que Maria – no
sentido de espécie humana – ainda que Pedro possa ser mais ativo, mais
contemplativo, mais estudioso, mais calmo que Maria, ou vice-versa.

Pois bem, essas são as propriedades da substância, de nossa primeira


categoria essencial.

Ah não, desculpem-me! Apaguem isto, esta última frase. Ser susceptível


de receber contrários. Vejam, ela mesma não é, não tem opostos, etc., ou seja,
mas ela é capaz de receber contrários. Acabamos de ver. Pedro pode ter coisas
contrárias em si.

Bom, agora sim podemos terminar a aula.

Farei o seguinte. Bom, além de que estou aqui para quaisquer perguntas.
É importantíssimo que se entenda perfeitamente a substância. Podem escrever-
me sobre qualquer dúvida com respeito a esta aula. Mas, na próxima aula,
quando darei o acidente quantidade, recapitularei minimamente, obviamente, a
categoria ou predicamento substância, porque se não se entende perfeitamente
a substância, não se entendem as demais categorias ou predicamentos que são
acidentes. Lembrem-se que a substância é per se (por si), os acidentes são por
outro, em outro. Onde? Na substância. Razão porque se não se entende
exatamente o que é substância, não se entenderá exatamente o que são os
acidentes. Então, além de estar, repita-se, aberto a quaisquer perguntas com
respeito a esta aula, digo que, na próxima aula, recapitularei substancialmente –
perdoem-me a redundância – a categoria ou predicamento substância.

Muito obrigado pela atenção.

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