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Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 36
Pois bem, hoje vamos tratar e esgotar a categoria substância, mas, antes
de fazê-lo, e como o início deste Tratado não foi exatamente fácil, gostaria de
recapitular coisas sobre os predicamentos ou categorias em geral. Permitam-me
fazê-lo.
Pois bem, relembrado isso, diga-se que o único acesso que temos ao ser
das coisas, o único acesso que temos ao ser das coisas se dá mediante a
abstração, ou seja, primeira operação do intelecto e pela divisão, composição ou
divisão, ou seja, segunda operação do intelecto. Os predicamentos ou categorias
que se dão no âmbito da primeira operação do intelecto, surgem como respostas
às perguntas mais gerais que se podem fazer com respeito às coisas. Repita-se:
os predicamentos aparecem como respostas às perguntas mais gerais que se
podem fazer acerca, com respeito às coisas.
Pois bem, já o ente per se pode dar-se tanto na realidade fora da alma
(extra animam) – hoje não temos documento – extra, extra, animam (a-n-i-m-a-
m), animam, extra animam, fora da alma. Pode dar-se, então, na realidade –
estou falando do ente per se – ele pode dar-se na realidade, ou seja, extra
animam, fora animam, fora da alma, ou pode dar-se só segundo a nossa mesma
razão. É o caso de cegueira, é o caso de cego. É que a nossa razão considera
as negações ou as privações e, com efeito, cego, cegueira são privações de
quê? De visão, mas a razão considera as privações ou as negações como se
fossem entes, mas obviamente a cegueira só é um ente em nossa razão, só é
um ente aí. Não é extra animam, mas dentro da alma, só na própria alma. Isso
se entenderá perfeitamente quando tratarmos a questão “do mal”, ou seja, mais
precisamente se o mal é algo.
Pois bem, além disso, às vezes se diz entes, se chama ente, aquilo que
está a caminho de sê-lo, em vias de sê-lo sem sê-lo ainda, sem sê-lo ainda.
Então, às vezes se diz ente o que está em via, a caminho de sê-lo sem sê-lo
ainda. É o ente em potência, não em ato. E o ente em potência é o ente em
movimento porque, se você está em vias de ser algo sem ser ainda, é porque
você está em movimento para algo. E, neste ente em movimento, há mescla, há
mistura de ato e de potência, porque ele já é algo, mas está em potência, em
movimento para ser outro algo e o ente em potência se distingue do ente que é
atualmente, que é em ato. Isto tudo, se se fala de ente em movimento, fala-se
de ente móvel. Logo isto só se entenderá perfeitamente quando estudarmos a
Física Geral, mas fique como importantíssima seta até porque tem implicação
aqui nas categorias ou predicamentos neste nosso Tratado, ou seja, só nos
interessa aqui o ente em ato, não o ente em potência. Então, o que tratamos no
Tratado das Categorias ou Predicamentos é o ente per se, ou seja, por essência
– não o ente per accidens – mesmo quando é acidente é tratado como se não o
fora, mas o que mais interessa aqui é o ente per se extra animam (fora da alma)
e em ato. Per se, fora da alma e em ato.
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Pois bem, Santo Tomás justifica a divisão aristotélica dos dez... dos
predicamentos em dez. Ele o fez por Aristóteles. Aristóteles não chegou e
justificá-lo. E como o faz o nosso Santo Tomás? Assinalando que há três
maneiras de predicar. Então, para justificar a divisão dos predicamentos em dez
(coisa que, infelizmente, Aristóteles não fez), Santo Tomás observa que há três
modos de predicar – vejam que estamos falando de predicamentos. Pois bem,
qual é o primeiro destes três modos?
O segundo modo quando se predica do sujeito algo que não pertence à sua
essência, mas que, no entanto, é ou se dá no sujeito. Então repita-se: o segundo
modo é quando se predica do sujeito algo que não pertence à sua essência, mas
que, porém, é ou se dá no sujeito. Este é o modo de predicação por denominação
ab intrinseco (ab a-b, intrinseco igual ao português sem o acento), ab intrinseco.
Essas são divisões, esta é a tripla divisão do segundo modo que gera três
categorias: a quantidade, a qualidade e a relação. Repita-se que a quantidade é
consequência da matéria, a qualidade é consequência da forma e a relação
pertence per se ao sujeito, mas não absolutamente. Por quê? Por que não
absolutamente? Porque lhe pertence, mas com relação, relativamente a algo (ad
aliquid) e esta é a categoria relação.
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A denominação extrínseca pode ser, porém, dupla, cada uma das quais,
cada uma das duas dividindo-se por sua vez. Então repita-se: a denominação
extrínseca, que corresponde a este terceiro modo, pode ser de todo, totalmente
extrínseca. Primeiro: não como medida. Temos, então, o habitus, o ter, o possuir.
Ir calçado, ir armado. E como medida. Da parte do tempo temos, então, o
quando. A categoria quando é da parte do tempo e mede, é uma medida. O
tempo, como veremos ainda neste Tratado, é a medida do tempo segundo um
antes e um depois. O tempo é a medida do movimento – perdão, errei – o tempo
é a... – corrija, nem precisa pôr o antes na transcrição – o tempo é a medida do
movimento segundo um antes e um depois. Já o veremos quando tratarmos a
categoria “quando” e o aprofundaremos grandemente quando tratarmos a
cosmologia.
Pois bem, na verdade ousía vem de ón. Ón, ON com acento agudo no O
que quer dizer ente. Ón foi traduzido ao Latim por ente. Mas, curiosamente, ousía
não foi traduzido ao latim pelo derivativo, pelo derivado, pelo denominativo de
ente que seria essência, mas sim por substância. Alguns pensadores modernos,
querendo ver contradição entre Aristóteles e Santo Tomás, ou melhor, entre
Aristóteles e a Escolástica, insistem que substância (é o caso de Alain de Libera,
por exemplo – Alain de Libera, sem acento em francês, Alain de Libera). Pois
bem, diz ele que se deve traduzir ousía por essência. Outros radicalizam como
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o tradutor das categorias para a Editora Gredos, radicaliza e põe para traduzir
ousía entidade. Aí é um absurdo total. Aí realmente a coisa fica difícil. Não é
conveniente e, no entanto, insisto em que a tradução de ousía por substância,
aparentemente infiel, é, na verdade, a mais propícia. É melhor a palavra
substância que a própria ousía de Aristóteles como veremos, embora nenhuma
das duas seja absolutamente perfeita. Por isso é que Aristóteles falará, como já
veremos, em ousía primeira e ousía segunda, ou seja, essência primeira e
essência segunda, sendo que propriamente essência é a segunda, enquanto em
latim se dirá substantia (substantia com T, substantia sem acento com T) se dirá
substância primeira e substância segunda, sendo que, mais propriamente,
substância é a primeira. Vejam, Aristóteles chama ousía primeira ou essência
primeira e ousía segunda ou essência segunda, quando, em verdade, essência
é propriamente a segunda. Em latim se diz substantia primeira e substantia
segunda, quando, na verdade, mais propriamente falando, a substância é a
primeira.
Mas, por que é melhor, disse eu, a substância que ousía? Porque o próprio
Aristóteles vai dizer que ousía é, antes de tudo, a primeira. Na verdade, o termo
substância, como já voltaremos a ver, é muito mais conveniente, adequado, que
ousía mesma de Aristóteles.
aquele gato é de uma inutilidade, digamos, algébrica: a=a. Voltaremos a ver isso
no Tratado da Demonstração, ou seja, o último tratado da Lógica em sentido
estrito (vejam lá na ementa do curso). Então a primeira maneira de dizer
substância é quando a dizemos de coisas simples, de corpos simples como esta
água, aquele ferro, ou seja, do tóde tí, este algo, este algo concreto: eu, você, a
pedra, etc. etc. Cada uma dessas coisas, destes algos concretos são algo
individualmente e singularmente e não se dizem, não estão, não são em um
sujeito, nem se dizem de um sujeito a não ser segundo o modo algébrico da
identidade. Aquele gato é aquele gato – o que é uma maneira algo pomposa de
não dizer absolutamente nada.
Muito bem, neste quarto modo a substância não é, não se dá num sujeito,
mas pode dizer-se de um sujeito. Lembrem-se agora dos predicáveis.
Pois bem, uma nota importante: esses dois modos principais de substância
se dizem com respeito a nós, quanto a nós, mas, segundo a natureza das coisas,
os dois modos principais são a substância entendida como supósito – supósito
é o sujeito de acidentes – e a substância entendida como natureza ou essência.
Veja uma coisa – isso se entenderá mais perfeitamente bem adiante – conquanto
essência e quididade sejam a mesma coisa, a essência como quididade é com
respeito a nós. Por quê? Porque responde à nossa pergunta quid sit, quid est (o
que é?), enquanto a quididade com respeito às coisas mesmas, segundo a
natureza, segundo as próprias coisas tal como se dão fora da mente, ela se diz
antenatureza. Tá certo? Então a substância quanto a nós se diz antes quididade,
mas também essência, mas, quanto às próprias coisas, se dizem essência ou
natureza. Aí já não se diz quididade. Repita-se isso. Esse é um ponto importante
conquanto não se resolva completamente aqui. Na Física se resolverá, na Física
Geral se resolverá perfeitamente.
Esses dois modos que acabamos de ver são com respeito a nós. Com
respeito à natureza, primeiro os dois modos principais da substância são:
primeiro quando a entendemos, entendida como supósito, como suporte – já o
vimos – e o segundo é a substância entendida já não como quididade ou
essência, mas sim como natureza ou essência. Por isso é que quididade é o
nome perfeito com respeito a nós, enquanto essência ou natureza é o nome, são
nomes perfeitos com respeito às coisas mesmas, ou seja, segundo a natureza.
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Esta distinção é uma baita seta, é uma senhora seta. Ela primeiro se voltará
a estudar na Física Geral, mas só se completará quando adentrarmos a
Metafísica. Então peço-lhes paciência, mas fique registrado já essa distinção
com respeito a nós segundo a natureza, essa distinção no Tratado nosso dos
Predicamentos.
Pois bem, o que quer dizer tal propriedade, ou seja, não ser capaz de
receber mais e menos, é que a substância, tanto as primeiras como homem,
vaca, árvore não se dizem mais ou menos aquilo mesmo que ela é, ou seja, não
pode haver uma árvore que seja mais ou menos árvore. Toda árvore é árvore.
Não pode haver... toda laranjeira é laranjeira e não pode ser mais ou menos
laranjeira. Todo homem, cada homem não pode dizer-se mais ou menos homem.
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Farei o seguinte. Bom, além de que estou aqui para quaisquer perguntas.
É importantíssimo que se entenda perfeitamente a substância. Podem escrever-
me sobre qualquer dúvida com respeito a esta aula. Mas, na próxima aula,
quando darei o acidente quantidade, recapitularei minimamente, obviamente, a
categoria ou predicamento substância, porque se não se entende perfeitamente
a substância, não se entendem as demais categorias ou predicamentos que são
acidentes. Lembrem-se que a substância é per se (por si), os acidentes são por
outro, em outro. Onde? Na substância. Razão porque se não se entende
exatamente o que é substância, não se entenderá exatamente o que são os
acidentes. Então, além de estar, repita-se, aberto a quaisquer perguntas com
respeito a esta aula, digo que, na próxima aula, recapitularei substancialmente –
perdoem-me a redundância – a categoria ou predicamento substância.