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Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 37
Bem vindos à 37ª aula da Escola Tomista, ou seja, aquela em que vamos
tratar, continuar a tratar o Tratado dos Predicamentos ou Categorias IV. Muito
bem.
Pois bem, vimos que substância pode dizer-se de quatro maneiras, quatro.
Relembre-se. A primeira maneira é quando chamamos substância a esta coisa
concreta, este algo, hoc aliquid ou tóde tí em grego. Este cão, esta pedra, este
tomate, esta minhoca, etc. e tal, e isto, esta é a primeira maneira como dizemos
substância, ou seja, chamamos substância às coisas concretas, a este algo, este
algo concreto. E estas coisas que são algo concreto, que são este algo, não
estão em sujeito algum, nem se dizem de sujeito algum. Ao contrário, como
veremos, elas mesmas é que são sujeitos.
Muito bem, se só temos essas duas maneiras então temos que a primeira
maneira é o que se chama substância primeira. É ela que subsiste por si e é
suporte de acidentes: este algo. E, depois, temos o que se chama substância
segunda.
Como vimos na aula passada, em grego a palavra era ousía, ousía – OUZIA
com acento agudo, S – ousía. Não há o som de Z aqui em grego. Ousía vem de
toon, ou seja, de ente em grego. Então por isso é que literalmente ousía quer
dizer essência. Mas substância acaba por traduzir, pelas razões aduzidas na
aula passada, ainda expressa ainda melhor a ideia que a mesma ousía
aristotélica, que a mesma ousía aristotélica.
Bom, o que quer dizer, então, esta propriedade? Ela significa que esta ou
aquela substância como homem, leão, laranjeira não se diz mais ou menos
aquilo que ela mesma é. Não é mais ou menos nenhuma delas em tempo
diferente nem com respeito a outro no mesmo tempo. Então o homem, o leão, a
laranjeira não são mais ou menos em diferente tempo nem com respeito a outro
ao mesmo tempo. Maria, José não era menos homem antes que agora o é, ainda
que fosse menos sábio. Veja, ele era menos sábio, agora é mais sábio, mas
continua a ser o mesmo homem que era. Pedro não é menos homem que João
ao mesmo tempo, conquanto mais, seja mais sábio, mais, mais ativo, mais
responsável que ele. Então repita-se isso: a substância não é mais ou menos ela
mesma em diferente tempo nem mais ou menos com respeito a outro ao mesmo
tempo. Joaquim não era menos homem do que é agora, ainda que pudesse ser
menos prudente. Pedro não é menos homem que Maria, conquanto seja mais
trabalhador que ela, ou se entregue mais à oração que ela.
Pois bem, a cor pode ser branca ou amarela, mas deixa de ser ela mesma,
deixa de ser a mesma. Uma coisa é a cor branca, outra coisa é a cor amarela.
A ação, por seu lado, que é uma das categorias, pode ser má ou boa, mas
não deixa de ser ela mesma ação e assim com todas as demais categorias.
Pois bem, as dez categorias do ente ou do ser, como preferirem, não são
uma invenção de Aristóteles, foram descobertas por Aristóteles e estas dez
categorias, as quais não se pode acrescentar nenhuma outra e das quais não se
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pode tirar nenhuma, como visto se dividem em dois blocos: o primeiro bloco é de
uma só categoria que é a principal, é a categoria da substância – já vimos dividir-
se em primeira e em segunda, em este algo e em essência (quididade). Todos
os demais predicamentos ou categorias são gêneros de acidentes. Cada um
desses gêneros, como se verá, terão suas espécies, subgêneros, subespécies
alguns, outros não. Aristóteles não os tratou por igual. Alguns deixou-os só
referidos e alguns só os tratou inicialmente, deixando de tratá-los finalmente. A
razão de o ter feito no seu opúsculo magnífico As Categorias não se sabe ao
certo. O que importa é que para alguns, os mais importantes – digamos assim –
ele deu especial atenção. Como quer que seja, procurarei sanar algumas
lacunas, não todas. Se o fosse fazer, repito, não terminaríamos a Escola
Tomista. Aliás, podem ter certeza que estou com controle – absoluto não existe
– mas grandíssimo do tempo de nossa escola. A insistência na Lógica se deve
a que nós, nós todos, vocês assim como eu não tivemos o devido preparo lógico
para adentrar a ciência. Já vimos que a Lógica é a arte que permite alcançar a
ciência com facilidade, com ordem e sem erro. Portanto, se não a temos muito
entranhada no intelecto, dificilmente penetraremos a ciência de maneira mais
perfeita e, acabada a Lógica, incluindo suas partes potenciais – dialética, retórica
e poética – já entraremos na ciência, mergulharemos de chofre na física geral
que – é bom dar novamente esse quadro – terá grande importância em nosso
curso, tem grande importância. Obviamente eu também ministrarei as partes
subjetivas da Física Geral, a saber, a Cosmologia, Química, Biologia e
Psicologia, mas me deterei mais na Psicologia, depois na Biologia e depois na
Cosmologia. Na Cosmologia arrostarei de maneira não muito extensa, mas
arrostarei, por exemplo, a Teoria da Relatividade. Na Biologia necessariamente
arrostarei o Darwinismo ou Evolucionismo, enquanto na Psicologia arrostarei
necessariamente o Freudismo e todas as suas ramificações, fundado, porém,
sempre em Aristóteles e Santo Tomás. Depois, conhecida a alma humana – a
Psicologia também se pode chamar Antropologia – conhecido o homem,
conhecida a alma humana, teremos, então, as importantes Ética econômica e
política. O peso aí recairá na Ética e na Política, conquanto também não deixarei
de aprofundar a econômica. Depois, então, teremos a Metafísica antes de ter a
História da Filosofia e depois a Teologia Sagrada.
Vejam que a Escola Tomista visa a dar-lhes a vocês uma autonomia tal
que, terminada a escola, vocês possam ler toda e qualquer Tratado de
Aristóteles, de Platão, de Santo Tomás, dos grandes. Mesmo os modernos e
terríveis como Kant, Hegel, etc., graças à nossa História da Filosofia que, claro,
será algo veloz, não pode ser de outra maneira, vocês já terão condições de lê-
la. Darei com relação a cada filósofo uma espécie de sinopse de sua doutrina o
que lhes permitirá lê-los a eles mesmos, conquanto seja de bom senso que antes
devemos ler os principais (Platão, Aristóteles, sobretudo Aristóteles e Santo
Tomás de Aquino, mas também depois Platão, Santo Agostinho) antes de querer
abarcar os menores. Nossa vida é curta, nossa vida é curta. Pois bem, então,
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a substância, depois, como algo intermediário, como um elo, como uma ligação
a quantidade e, em seguida, os demais acidentes a começar pela qualidade.
Pois bem, passemos ao próximo ponto e diga-se que a quantidade tem dois
modos fundamentais, dois modos fundamentais. O primeiro desses modos é a
multidão. Multidão vem de muito, muitos, e significa pluralidade de unidades. O
que é uma multidão? É uma unidade, mais uma unidade, mais uma unidade,
mais uma unidade. Então, multidão é... significa pluralidade, multiplicidade de
unidades. E contra o que é o nosso uso mais comum no português do Brasil, ao
menos, diz-se multidão se se trata de três homens. Dois homens já não, mas
três, quatro homens já são multidão. Por quê? Três, quatro já são multiplicidades
de unidades. Se se fala de oito palavras também é multidão. De três livros é
multidão também. De quinze carros: multidão. Mas, curiosamente, também se
chama multidão, se diz multidão coisas que certamente, indubitavelmente não
têm quantidade, como se fala da multidão de anjos diante do trono de Deus ou
da multidão que são as três pessoas da Santíssima Trindade. Vejam que
também se falam de multidão quando se trata de coisas que não têm quantidade,
porque coisas espirituais não têm quantidade. As três pessoas da Santíssima
Trindade são multidão, mas não têm quantidade, não implicam quantidade,
assim como os anjos tampouco implicam quantidade ou como os demônios
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também não implicam quantidade, porque tudo isso, como diria Platão, é
metassensível, está para além do físico, é metafísico, é espiritual.
Pois bem, esses dois modos, ou seja, a multidão e a magnitude têm uma
coisa em comum entre si: é a razão ou noção de medida. Exatamente esta
medida se dá pela comparação com certa, com determinada unidade. Por isso
é que a razão de medida convém primeiramente e essencialmente à unidade e
é, com efeito, da unidade que deriva a multidão enquanto numerada, ao passo
que da multidão deriva a magnitude. Por conseguinte, o que manifesta, o que
põe de manifesta quantidade enquanto tal é a razão de medida e o princípio pelo
qual se conhece de maneira certa, inequívoca a medida é a unidade. Não há
medida sem unidade.
Pois bem, a noção mais ampla e, exatamente por ser a mais ampla,
necessariamente análoga e não unívoca, que assinala de modo como que
genérico, determinável, o que a quantidade tem de mais próprio é a divisibilidade.
A quantidade é sempre divisível de algum modo. Esta noção de divisibilidade é
o que assinala de um modo como que genérico o que a quantidade tem de mais
próprio.
E, finalmente, o corpo que este, o meu corpo, por exemplo, qualquer corpo
é divisível, incluindo o corpo da pedra, é divisível segundo as três dimensões:
comprimento, largura e profundidade. Então repita-se: por um bloco a
quantidade contínua inclui a linha que se divide segundo só o comprimento, mas
não segundo a largura e a profundidade; a superfície que se divide segundo
largura e comprimento, mas não segundo profundidade; e o corpo, qualquer
corpo que se divide segundo as três dimensões: comprimento, largura e
profundidade.
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Mas, por outro lado, a quantidade contínua também inclui o lugar – que
estudaremos em seu devido momento e pelas razões que estudaremos então –
e o tempo. O tempo já se pode dar sua definição: o tempo, como diz Aristóteles
– tudo isso se aprofundará, é uma seta – o tempo é a medida do movimento
segundo um antes e um depois. Atenção: o tempo é o número do movimento
segundo um antes e um depois.
Outra consideração é que, por acidente, per accidens, per accidens, per
accidens, a quantidade se estende a certas coisas às quais ela não pertence
pelo que essas coisas são em si (per se), mas em razão de outra coisa em que
são ou com que se relacionam de alguma maneira, sempre per accidens.
Pois bem, algo pode dizer-se quantum per accidens de duas maneiras: em
razão – vejam, não per se, não essencialmente, mas per accidens,
acidentalmente – de duas maneiras algo pode dizer-se quantum, mas não per
se e sim per accidens: primeiro em razão do sujeito. Assim como a qualidade
pode ser quantidade per accidens – já o vimos: a fé, por exemplo – assim
também outras qualidades: por exemplo, o branco se diz extenso em razão da
superfície em que se dá, ou seja, o branco em si mesmo não é extenso, o branco
não tem extensão, o branco em si não tem quantidade, ele tem quantidade só
per accidens. Por quê? Graças ao sujeito em que se dá. Tecnicamente... em que
se dá. Não, deixa o tecnicamente de lado. Graças ao sujeito em que se dá. Que
sujeito é esse? A superfície branca. O branco por si mesmo, per se, não tem
extensão, mas é pelo sujeito em que se dá, ou seja, a superfície, ele tem, se diz
também extenso per accidens. Mas também se diz per accidens não em razão
do sujeito, mas enquanto alcança divisibilidade por relação com alguma
quantidade. Por isso, desse modo, diz-se quantidade per accidens o movimento,
o próprio movimento. É divisível, o movimento é divisível não per se, mas em
razão da magnitude na qual o móvel se move. Então, se eu me movo daqui pra
cá, o movimento, este movimento meu daqui pra cá... eu sou um móvel, móvel,
com “é”, móvel. Eu sou um móvel e me movimento daqui para cá. Muito bem,
diz-se que este movimento é uma quantidade porque ele se divide em razão da
magnitude a extensão no qual o móvel se move. Não pelo movimento em si, mas
pelo, digamos para simplificar, o espaço em que se move, a magnitude em que
se move.
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Diga-se como uma seta que, conquanto ele chegue a ter razão de medida
própria – nós contamos o tempo – é o lógico que o considera quantidade per se.
Quando chegarmos à Física veremos que a consideração é per accidens.
Pois bem, para terminar esta aula podemos, então, falar agora, por sua vez,
das propriedades da quantidade. Assim como vimos as propriedades da
substância, as propriedades da quantidade, mas creio que repetirei isto último
que disse que é um pouquinho mais complexo. Repita-se que algo pode dizer-
se quantum per accidens de dupla maneira, de dois modos: primeiro em razão
do sujeito. Assim a qualidade pode ser quantidade per accidens – já o vimos –
assim como o branco se diz extenso em razão não de si mesmo, não per se,
mas em razão da superfície em que se dá. O outro modo é não em razão do
sujeito, mas enquanto alcança divisibilidade, divisibilidade por relação com
alguma quantidade. Assim é quantidade per accidens o movimento que é
divisível em razão da magnitude na qual o móvel se move, o tempo que é
divisível em razão do movimento, embora o tempo chegue a ter razão de medida
própria, razão porque o lógico o considera quantidade per se e não per accidens.
O físico, o cosmólogo é que o considerará quantidade per accidens.
Pois bem, creio que posso terminar esta nossa aula anunciando-lhes que
a próxima, na próxima tratarei o mais, para mim, o mais difícil, não é o mais difícil,
mas o mais difícil de ensinar, pelo menos, dos acidentes que é o acidente
qualidade.
Muito obrigado uma vez mais pela atenção de vocês e até a nossa próxima
aula.