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Ente e essência, capítulo II, comentários de Andrea Porcarelli, filósofo italiano.

As substâncias compostas se dizem tais porque tem uma ‘matéria’ e uma ‘forma’, e ambas são
elementos constitutivos de sua essência. Que somente a matéria não possa constituir a essência
das substâncias compostas é evidente (visto que o motivo pelo qual se inscreve uma substância
a uma determinada espécie é a sua forma e não a sua matéria), mas nem mesmo somente a
forma coincide com a essência: de fato – se diz – a essência é aquilo que vem indicado mediante
a definição da realidade de qual estamos falando e a definição das substâncias naturais não
contém somente a forma, mas também a matéria, caso contrário as definições físicas e aquelas
matemáticas não se diferenciaria entre elas.

Depois de haver excluído que a matéria entre na definição das substâncias naturais ‘ em ajunta’
à essência (isto é próprio dos acidentes), Tomás conclui: “Resta, pois, que o nome de essência
nas substâncias compostas significa aquilo que é composto de matéria e forma”, citando a favor
de tal conclusão também as posições de Severino Boécio, Avicena e Averroé, para depois
repreender e precisar o discurso, dizendo que “concorda com isto também a razão, porque o ser
de uma substância composta não é somente da forma, nem somente da matéria, mas do
composto. Ora o ser é aquilo segundo se diz o que uma coisa é. Por isto precisa que a essência,
pela qual uma coisa é denominada ente, não seja somente forma, nem somente matéria, mas
uma e outra. Neste ponto , porém, se põe o problema de conciliar três elementos:

1. A universalidade da essência daquilo que existe (todos os homens são iguais enquanto
homens, como todos os cavalos são iguais enquanto cavalos, isto é, têm a mesma
essência);
2. O fato que na essência das substâncias compostas são incluídas seja a matéria que a
forma;
3. O fato que o princípio de individuação dependa da matéria (se dois cavalos são iguais
enquanto cavalos, se distinguem porque um é este cavalo e não aquele).

Tomás desata este nó precisando em que sentido a matéria vai considerada princípio de
individuação: não em absoluto (o fato que Fulano tenha um corpo “humano”, com carne e osso,
faz parte da sua essência de homem), mas enquanto “signata quantitate” (isto é “matéria
assinalada pela quantidade”, no sentido que um indivíduo é tal não porque tem carne e osso,
mas porque se trata desta carne e deste osso). Um posterior aprofundamento de tais ideias passa
através do estudo das relações entre gênero, espécie e diferença específica, procurando destacar
alguns equívocos derivantes das especulações dos que confundiram ente real com o ente lógico.

Se estamos falando do ente real, de fato, a relação entre gênero e espécie não vai concebida
entendendo o primeiro como um tipo de realidade fechada em si mesma, em que as perfeições
próprias da espécie em que se distingue se ajuntariam em modo quase ‘estranho’, enquanto as
diversas diferenças específicas são contidas de modo implícito na noção de gênero.

De consequência – escreve Tomás – “se animal significasse somente uma realidade que possui
uma perfeição tal que possa sentir e mover-se mediante um princípio existente neste, com
exclusão de uma outra perfeição, então qualquer outra perfeição posterior que sobreviesse
estaria em relação à animal a modo de parte, e não como contida implicitamente no conceito de
animal: e assim animal não seria gênero; ao contrário animal é gênero enquanto significa uma
realidade de cuja forma podem provir os sentidos e o movimento, qualquer que seja aquela
forma, seja esta uma alma somente sensível, ou ao mesmo tempo sensível e racional. Assim o
gênero indica o modo indeterminado tudo aquilo que é na espécie, já que não significa somente
a matéria. Ao mesmo modo a diferença significa o tudo e não somente a forma”.

Em outros termos poderíamos dizer que a essência do ente real inclui em si o gênero, a
diferença específica e a mesma matéria de que as substâncias compostas não podem prescindir,
ainda que cada uma se remeta a essência de modo diverso:

O gênero (ex: animal) designa a substância no seu complexo, sem indicar a determinação da
forma que lhe é própria, pelo qual este vem – em qualquer modo – recoligado à matéria, ainda
que não deva ser confundido com esta (o termo animal, dito do homem, não indica
simplesmente a sua parte material, mas a substância daquele homem enquanto capaz de
sensação e movimento, prescindindo da forma racional que lhe é própria). A diferença
específica (ex: racional, no caso do homem) vem tirado diretamente da forma, prescindindo em
primeira estância do referimento a uma matéria determinada. A definição, ou seja, a espécie
(animal racional) compreende ambas, com um referimento à matéria, designada pelo gênero, e à
forma, designada pela diferença específica.

O gênero, a diferença específica e a espécie se reportam – respectivamente – à matéria, à forma


e ao composto (sínolo), mas não vão identificados com eles, porque cada um deles na realidade
designa o tudo ( a substância) sob um determinado aspecto. Por isto dizemos que o homem é
animal racional e não que consta de animalidade e racionalidade, da forma que dizemos que
consta de alma e corpo, pelo que estão corretas todas as três seguintes afirmações: o homem é
um animal, o homem é racional, o homem é animal racional; enquanto não é correta nenhuma
das duas: o homem é corpo, o homem é alma.

Finalmente, Tomás considera a relação entre a espécie e indivíduo, examina a diferença entre
essência do indivíduo e a essência da espécie. Se falamos do ente real existe um certo
paralelismo entre a relação que descrevemos entre o gênero e a espécie e a relação entre espécie
e indivíduo: como a natureza do gênero é indeterminada em relação à espécie, assim a natureza
da espécie é indeterminada em relação aos indivíduos e como o gênero contém indistintamente
o princípio formal das diversas diferenças específicas das espécies que ele representa, assim a
espécie contém em si indistintamente o princípio material da individualidade. È desta maneira
que o termo homem indica a essência da espécie e se pode predicá-lo de todo o indivíduo:
Fulano é homem, no sentido que não exclui a designação da matéria (pela qual Fulano é
diferente de Sicrano), mas a contém de modo indistinto. Se, pelo contrário, nos referimos ao
ente de razão, pelo qual entendemos aludir à essência do homem entendido como espécie, então
usamos o termo humanidade, que não se pode predicar dos indivíduos (não se pode dizer
“Fulano é humanidade) porque exclui o princípio de individuação e é este o motivo pelo qual
dos indivíduos não se pode dar uma definição.

Ente e essência, capítulo II, comentários de Sofia Vanni Rovighi, filósofa italiana

A essência de uma substância composta não é somente a forma e nem somente a matéria, mas a
síntese dos dois; a essência do homem, segundo o mesmo exemplo de Tomás, não é a alma
somente (forma) mas juntamente a alma e o corpo. Mas aqui surge uma dificuldade: os
aristotélicos dizem que a matéria é princípio de individuação; pareceria logo, se a essência das
substâncias corpóreas é o composto de matéria e forma, que não se possa definir senão o
indivíduo, não por exemplo o homem em quanto tal.
A teoria do princípio de individuação tem uma longa história e é, na minha visão, um resíduo de
platonismo, ousaria dizer um pseudo-problema de origem platônica, também em Aristóteles, e
tanto mais em Avicena e Averroé fortemente influenciados pelo neoplatonismo, porque supõe
que a verdadeira realidade seja aquela dos universais e por isto, se deva perguntar como o
universal se particulariza.

Tomás responde que o princípio de individuação é, não a matéria em gênero, mas a matéria
assinalada. Na definição de um universal – por exemplo do homem enquanto homem – é
compreendida a matéria, mas não a matéria assinalada. Na definição de homem, de fato, não
estão compreendidas este osso e esta carne, mas carne e osso em geral, que é a matéria não
assinalada do homem. A essência de Fulano e a essência de homem se diferenciam somente por
ser uma determinada até a individualidade e a outra não determinada. Assim como a essência da
espécie (por exemplo homem) não é outro que a essência do gênero (animal) ulteriormente
determinada; só que a diferença que determina a espécie em relação ao gênero vem da forma,
enquanto aquela que determina a espécie até a individualidade vem da matéria assinalada.

Esta observação dá modo a Tomás de falar das relações entre gênero e espécie, espécie e
indivíduo, e do seu discurso resulta claramente que ele não concebe o gênero como uma parte
do ente concreto, como uma realidade distinta da diferença específica, nem a espécie como uma
realidade distinta das características individuantes: o indivíduo não é concebido como o vértice
de uma pirâmide constituída por essências que vão das mais universais (gênero) às mais
diferenciadas, quase que na massa da realidade os indivíduos fossem retalhados através
sucessivos golpes de tesoura (as diferenças), mas é concebido como a única verdadeira
realidade que somente a inadequação do nosso intelecto nos faz conhecer, primeiro mais
indeterminadamente e que depois buscamos estreitar mais de perto mediante ajuntas de uma
noção a outra.

Gênero e espécie não é nada mais, nada menos que o indivíduo conhecido indeterminadamente.
O Gênero é dito matéria em relação à forma não porque seja uma parte constitutiva do ente
concreto, mas por analogia que tem com a matéria pela sua indeterminação; uma
indeterminação, porém, aquela do gênero, que é somente do nosso conhecimento, de fato “se
também se diz que o homem é constituído em certo modo de ‘animal’ e de ‘racional’, isto não
quer dizer que o homem seja uma terceira realidade constituída por duas realidades
distintas,mas que é uma terceira noção constituída de duas outras noções” (EE c.2).

E como o gênero (animal) quando se predica da espécie (homem) implica indistintamente no


seu significado tudo aquilo que determinadamente é na espécie, assim a espécie (homem)
quando se predica do indivíduo (fulano) significa tudo aquilo que se encontra essencialmente no
indivíduo, seja mesmo em modo indistinto (EE c.2).

A conclusão lógica deste discurso deveria ser que, como o gênero não é uma realidade distinta
da espécie, mas é somente a espécie concebida confusamente, assim também a espécie não é
uma realidade distinta do indivíduo, mas é somente o indivíduo concebido confusamente, de
modo que não deveria ser necessário perguntar-se qual é o princípio de individuação, porque
nada pode existir que não seja o indivíduo.

Ente e essência, capítulo II, comentário de Pasquale Porro, filósofo italiano.

Nas substâncias compostas, logo, a essência não coincide nem somente com a forma, nem
somente com a matéria, nem com o ligame que conecte uma a outra, bem sim com o composto
mesmo: a essência é a união mesma de matéria e forma (e logo, a mesma substância no seu
complexo). A essência, de fato, exprime a definição de cada coisa: mas cada definição, se é
realmente completa, não contém não somente a forma e nem somente a matéria, mas uma e
outra juntas.

A esta conclusão aparentemente pouco problemática parece opor-se o fato que a matéria
constitua, na tradição aristotélica, o princípio de individuação das substâncias: todos os entes
pertencentes a uma mesma espécie são, de fato, acomunados [tem um denominador comum]
pelo fato de possuir a mesma forma, que é a sua unidade específica, mas se distinguem entre
eles em base à matéria. Se, logo, a matéria é sempre parte da essência, toda a essência (e logo,
toda definição) deveria por isto ser individual: e assim os termos universais, propriamente por
serem universais, não poderiam ter uma definição.

Mas aqui Tomás – sempre sobre a estrada de Avicena – aporta uma precisação fundamental à
doutrina aristotélica: a servir de princípio de individuação não é a matéria enquanto matéria,
mas somente a matéria quantitativamente determinada, isto é, considerada sob determinadas
dimensões (matéria assinalada). Nas definições, ao contrário, se põe somente a matéria em
sentido geral: na definição de homem, por exemplo, a matéria é representada pelo osso e pela
carne em geral, mas quando se fala de Fulano (Pedro, por exemplo), se faz, invés, referimento a
esta determinada carne e a este determinado osso que constituem a sua matéria designada
(assinalada) e que se diferenciam, ao interno da espécie humana, Pedro e Joaquim.

A mesma expressão “matéria designada” possui originariamente uma valência de tipo ostensivo:
‘designada’ é de fato a matéria que se pode indicar, assinalar, designar concretamente, e que,
portanto, é localizada segundo as três dimensões do espaço, e não a matéria entendida em
sentido absoluto. Este referimento ao problema da individuação oferece também a ocasião para
esclarecer em que relação estejam entre eles o indivíduo, a espécie e o gênero. Gênero e espécie
representam o modo em que alguma coisa pode ser predicada de um sujeito.

Gênero é aquilo que quando vem predicado de um sujeito conjuntamente à diferença lhe mostra
a essência. Podendo ser predicado de várias coisas, um mesmo predicado pode ser gênero em
confronto as espécies subordinadas e espécie em confronto a um gênero superior: ‘animal’, por
exemplo, é gênero em confronto a ‘racional’, mas é espécie em confronto a ‘corpo’. A espécie é
aquilo que é subordinado a um gênero. A relação entre gênero e espécie não é todavia
perfeitamente reversível; o gênero se predica da espécie, porque possui uma extensão mais
ampla, enquanto a espécie não pode ser predicada do gênero.

A diferença específica é invés aquilo que permite, ao interno de um mesmíssimo gênero, de


distinguir entre eles espécies diversas, isto é, de predicar o pertencimento de uma coisa a uma
espécie em detrimento de outra. Ao interno do gênero ‘animal’, a diferença ‘racional’ separa,
por exemplo, a espécie humana das outras. A união do gênero e da diferença específica constitui
– como se disse – a definição; o homem, para restar no mesmo exemplo, se define, de fato,
‘animal racional’.

Ao interno da espécie, os indivíduos – como apenas se é visto – se distinguem entre eles em


virtude da ‘designação’ que recebem da matéria considerada sobre o aspecto da quantidade
dimensional; a espécie se distingue invés do gênero em virtude de uma sua particular
‘designação’ que lhe vem da forma: Pedro se distingue de ‘homem’ (como espécie), porque em
Pedro a matéria se encontra concretamente em determinadas dimensões quantitativas; ‘homem’
se distingue como espécie do gênero ‘animal’ em virtude da sua diferença específica que lhe
vem da forma, isto é, da racionalidade.

A racionalidade não é alguma coisa que se ajunta ao gênero ‘do externo’ (se assim fosse, todo
ser racional não seria um animal), mas constitui de fato uma determinação daquilo que é contido
somente em nível implícito ou indeterminado no gênero mesmo: o gênero ‘animal’ contém em
si – indistintamente – diferenças específicas como ‘racional’ ou ‘irracional’; ‘homem’ e ‘cavalo’
se distinguem invés entre eles porque em nível específico estas diferenças vêm consideradas de
modo explícito ou determinado. Tudo aquilo que se encontra na espécie – conclui Tomás – se
encontra também no gênero, ainda que seja em nível indeterminado.

Não é necessário todavia acreditar que a diferença específica se limite a indicar somente a
forma: essa é tirada da forma, mas se refere ao tudo. Em geral, se deve logo dizer que nas
substâncias compostas o gênero se deduz da matéria, a diferença da forma, mas sempre é
somente se matéria e forma vêm entendida para indicar o tudo e não uma parte determinada e
concreta. De forma analógica, o gênero está para a diferença, assim como a matéria está para a
forma [o gênero não se confunde com a matéria]. O gênero não é a matéria, mas se deduz da
matéria como aquilo que indica potencialmente o tudo, isto é todas as possibilidades alternativas
representantes das diversas diferenças que constituem as espécies subordinadas.

Este ponto é para Tomás particularmente importante: toda essência pode de fato ser considerada
seja como uma parte, seja como um tudo, mas é somente nesta última acessão que ela pode
servir de predicado. Peguemos por exemplo o termo ‘corpo’: esse pode indicar ao mesmo tempo
tanto uma parte do animal quanto o gênero (aquele das substâncias corpóreas).

No primeiro sentido, se considera ‘corpo’ somente aquilo que possui aquela forma tal pela qual
esse resulta localizado, isto é colocado nas três dimensões, esgotando-se exclusivamente à
consideração de tal forma: nesta acepção, ‘corpo’ é somente parte do animal existente, porque a
esse deve se ajuntar uma qualquer forma externa (aquela do cavalo ou a alma racional para o
homem) para obter uma substância completa.

Mas eu posso considerar o corpo em abstrato como aquilo que contém já virtualmente, ainda
que a nível indistinto, todas as possíveis diferenças específicas de onde poderia ser determinado:
neste sentido ‘corpo’ serve de gênero para ‘animal’, porque tudo aquilo que se encontra na
noção de animal está já contida implicitamente na noção de corpo. A mesma coisa pode se dizer
pode se dizer da relação entre ‘homem’ e ‘animal’: ‘animal’ é considerado gênero somente na
medida em que é entendido como aquilo de cuja forma possa derivar a capacidade de sentir e de
mover-se, a prescindir de qualquer forma se trate. Então, quando se toma alguma coisa como
parte, se abstrai realmente de todas as possíveis determinações que se poderiam ajuntar a ela;
quando se toma a mesma coisa como gênero, se deve considerá-la como potencialmente
determinável, sem excluir tudo aquilo que essa pode implicitamente conter (abstração não
precisiva).

Gênero, forma e diferença são portanto, deduzidos, nas substâncias compostas, respectivamente
da matéria, da forma e do composto mesmo, mas não coincidem com a matéria, a forma e o
composto. Aqui ocorre não confundir o plano lógico com aquele real; se diz de fato que o
homem é um ‘animal racional’ (definição) mas não que o homem é composto de ‘animal’ e
‘racional’. É verdade, invés, sobre o plano físico, que o homem é composto de alma e corpo. Na
ordem real, o homem é efetivamente uma terceira coisa que difere tanto da alma quanto do
corpo; sobre o plano lógico, ‘homem’ é invés, um conceito a si que resulta simplesmente da
união de dois conceitos.

E assim como, em sentido real, não se atribuem ao homem todas as propriedades que são
exclusivas ou só da alma ou só do corpo, assim o conceito de homem não recebe a predicação
dos conceitos dos quais é constituído: em geral, não se pode dizer que a definição é o gênero ou
a espécie. E se é verdade que o gênero indica toda a essência de uma espécie, não é todavia
necessário que todas as espécies pertencentes a um único gênero possuam uma única essência
comum. A unidade do gênero – unidade lógica – é devida inteiramente à sua indeterminação:
uma vez ajunta às formas, se constituem espécies efetivamente diversas. Analogamente, a
espécie contém em nível indeterminado tudo aquilo que é contido no indivíduo, ainda que seja a
nível indistinto. Quando invés a espécie vem considerada sem a matéria designada, serve de
parte, isto é da forma (como no caso do termo ‘humanidade’).

Porque a matéria designada não faz parte daquilo que faz de um homem um homem, essa não
reentra na humanidade, mas vice-versa porque a humanidade – como forma – é somente parte
do composto humano, e a parte não se pode predicar do todo, se tem também que a humanidade
não se pode predicar do homem: não podemos de fato dizer que o homem é humanidade ou que
Pedro é humanidade. Neste sentido se compreende em que modo a essência do homem possa
ser entendida com o termo ‘homem’ que com aquele ‘humanidade’: ‘homem’ indica a essência
como um tudo, e portanto, seja ainda que a nível implícito, também a matéria designada, sendo
assim predicado dos indivíduos; ‘humanidade’ indica a essência como parte – isto é como a
forma que exclui a matéria designada, e em quanto tal não pode ser predicada dos indivíduos.

Todavia, a essência pode ser considerada ao menos de três diversos maneiras: Em primeiro
lugar, segundo a lição de Avicena, a essência pode ser considerada em sentido absoluto, isto é,
enquanto si mesma indiferentemente à existência ou a não existência, à particularidade ou a
multiplicidade. Se a essência fosse uma, não poderia de fato ser comum a mais indivíduos, e se
fosse multíplice, não poderia encontrar-se inteiramente em um só indivíduo. Em si mesma, a
essência não é que a essência (‘essentia est essentia tantum’).

Mas além do sentido absoluto, a essência pode ser considerada também enquanto existente na
alma (isto é, enquanto dotada de ser cognitivo) ou nas substâncias singulares (enquanto dotada
de ser real). Neste último caso, é evidente que a essência não pode ser assumida como
predicado: aquilo que é individual não pode de fato ser comum a mais realidades. Portanto, resta
apenas uma possibilidade: somente a essência existente na alma pode servir de universal,
porque essa é desnudada pelo intelecto das condições individuantes e apresenta um caráter de
similitude ou comunança com todos os indivíduos realmente existentes, uma vez que vem
deduzida pela abstração. Por isto, Tomás conclui, citando explicitamente Averroé, que é o
intelecto a criar a universalidade nas coisas: os universais existem somente no intelecto.

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