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Tudo evidencia que a Filosofia procede por conceitos.

Esta afirmação acima pode parecer, a princípio, apenas uma grande


frase de efeito. Contudo, dá para considerá-la a grande pedra angular da
Filosofia. Iremos investigar as considerações do Cossutta sobre a noção de
“conceito”, seu papel e suas consequências filosóficas, não somente em um
texto, mas como na própria noção de Filosofia e Filosofar.

 I - Conceitos

Ao dizer que a Filosofia procede por conceitos, devemos nos perguntar


o que é um conceito. Cossutta não fecha o conceito de Conceito, mas nos dá
boas explanações para chegarmos a ter uma noção do que este é.
Uma das primeiras caracterizações que podemos pensar, por nós
mesmos, é que um conceito é apenas uma definição, um vocábulo. Afinal, o
uso “técnico” de um conceito qualquer está presente não somente na Filosofia,
mas em diversas outras disciplinas, como a Matemática e as Ciências da
natureza. Mas, dentro da Filosofia, um conceito vai muito além disso: 

“O conceito não é apenas uma entidade assinalável graças à presença de um


vocábulo, é também uma função mediadora que organiza a ordem interna do discurso.
Na medida em que essa função é apta para designar a si mesma, e portanto para emergir
numa palavra ou numa configuração de palavras (‘o ser enquanto ser’ de Aristóteles, ‘a
extensão’ em Descartes, ‘a intuição’ em Bérgson..” (COSSUTTA, 2001, p.41)

A investigação deve focar em entender como funciona essa função dentro de


um texto filosófico. 

 Processo de instauração do sentido.


 
“Se não há Filosofia sem conceito, e se o conceito é uma função, devemos
aprender a analisar a maneira pela qual a significação dos conceitos se acha instaurada
no texto, e os papéis que lhe são atribuídos na discursividade filosófica. À primeira
vista, apreendemos isso através de uma terminologia: fixar e delimitar o sentido dos
termos, assim como escolhê-los, depende de operações complexas e específicas que
chamamos de processo de instauração do sentido. Ele pode estar fixado em alguns
lugares privilegiados do percurso textual ou durante elaborações em função das
necessidades” (COSSUTTA, 2001, p.41)

Isso pode ser encontrado claramente ao longo dos textos de Aristóteles.


Dois exemplos que podemos destacar estão presentes no Organon e na
Metafísica, onde temos sessões inteiras discutindo noções conceituais
introdutórias de Aristóteles. No Organon, conjunto de textos de lógica e
metafísica de Aristóteles, podemos elencar as dez categorias do ser, os
predicados ou gêneros do ser: substância, quantidade, qualidade, relação,
lugar, tempo, estado, hábito, ação, paixão. 

Consideremos o conceito  de substância: 


“2a11 - Substância é a que é dita, no sentido mais fundamental, primeiro e
absoluto, a que não é dita de nenhum sujeito, nem está em algum sujeito, por exemplo, o
homem individual e o cavalo individual” (ARISTÓTELES, 2019, p.113) 

O texto sobre as Categorias do ser em Aristóteles tem um papel de abrir


os textos lógicos de Aristóteles, e que segue toda uma ordem específica dentro
do Organon: Categorias, Da Interpretação, Analíticos Primeiros, Analíticos
Segundos, Tópicos e Refutações Sofísticas.  
As Categorias seriam os termos tomados individualmente, Da
Interpretação trataria das proposições realizadas com esses termos. Por
exemplo: O homem é baixo. Nesse caso nós temos a aplicação de dois termos
individuais (homem e baixo), que derivam dos conceitos de substância e
qualidade, presentes nas Categorias. Essa é a principal razão pela qual a
Lógica Aristotélica é considerada uma Lógica Ontológica. Temos nos conceitos
e nos livros dos conceitos a principal ferramenta para construção do
pensamento deste autor. 

O mesmo pode ser encontrado na Metafísica de Aristóteles, conjunto de


livros a respeito da Ontologia de Aristóteles. Onde temos no livro Delta (V),
a separação de um léxico Filosófico que serve como base para o que Cossutta
irá chamar de “campo conceitual”:

“Mas não basta ficar o sentido das expressões num vocabulário para que seja
instituído um universo autônomo de sentido, pois é preciso ainda integrá-las em
contextos que concorrem para a construção do seu significado. Não se pode dissociar
um conceito dos usos que são feitos dele. Além do mais estes não permanecem isolados;
um sistema de remissões e de relações tece a meada muito densa que desenha o campo
conceitual de uma doutrina” (COSSUTTA,  2001, p.41) 

E o conceito de substância aqui é fundamental para Aristóteles, pois é o


que ele chama de substância primeira, e que permite com que o ser carregue
todas as outras categorias e que permite com que possamos entender as
causas do ser, objetivo primário dentro da Metafísica:

“A Palavra ‘ser’ apresenta vários sentidos que foram por nós classificados em
nossa exposição dos diversos sentidos em que os termos são empregados.
Primeiramente denota o ‘o que’ de uma coisa, isto é, a individualidade, e em seguida a
qualidade, ou a quantidade ou qualquer outra das demais categorias. Ora, de todos esses
sentidos contemplados por ‘ser’, o primordial é claramente o ‘o que’, o qual denota a
substância; com efeito, quando descrevemos a qualidade de uma coisa particular,
dizemos que é boa, ou má, e não de três cúbitos ou um homem; mas quando
descrevemos ‘o que’ ela é não dizemos que é branca ou quente ou de três cúbitos, mas
que é um homem ou um deus; e diz-se que todas as demais coisas são porque são
quantidades ou qualidades, ou paixões ou qualquer outra categoria do ser no primeiro
sentido(Isto é, do ‘o que é’, da substância).(ARISTÓTELES 2016, Livro VII, p.181).
Percebe-se que o estudo do ser, da ontologia, confunde-se com o estudo do
conceito da substância. 

 II- Consequências Filosóficas. 

Existem diversas consequências Filosóficas ao se analisar o papel que o


Conceito tem dentro de um texto filosófico, Cossutta aqui nos alerta: 

“O fato de que o filósofo deva incessantemente prestar atenção ao sentido vai


levá-lo a formular observações sobre a linguagem em geral, sobre o estatuto filosófico
da significação, de tal modo que ele será levado elucidar filosoficamente seu próprio
uso da linguagem…”(COSSUTTA 2001, p.45).

“Não há ideia, das que se apresentam em metafísica, que seja mais obscura e
mais incerta do que as de poder, de força, de energia, de conexão necessária, das quais é
preciso tratar o tempo todo em todas as nossas pesquisas. Tentaremos portanto, nesta
seção, fixar, se possível, o sentido preciso desses termos e assim eliminar uma parte
dessa obscuridade que é motivo de tantas queixas nesse gênero de
Filosofia.”(COSSUTTA, 2001. p.46).

Cossutta nos alerta que Hume antecipa o movimento feito pela Filosofia
analítica anglo-saxã, no século XX, onde a análise da Linguagem nos levaria a
se livrar dos problemas obscuros da Filosofia, que não são, segundo
Wittgenstein, problemas: “A maioria das proposições e questões que se
formulam sobre temas filosóficos não são falsas, mas absurdas”(TLP 4.003).
Outros abusos de Linguagem também são notados: 

“Na linguagem corrente acontece com muita frequência que uma mesma palavra
designe de maneiras diferentes - pertença, pois, a símbolos diferentes - ou que duas
palavras que designam de maneiras diferentes sejam empregadas, na mesma proposição,
superficialmente do mesmo modo. Assim, a palavra “é” aparece como cópula, como
sinal de igualdade e como expressão de existência…”(TLP 3.323)

“Assim nasce facilmente as confusões mais fundamentais( de que toda a


filosofia está repleta)”(TLP 3.324).

Salientamos, contudo, que o Wittgenstein, apesar de continuar usando


considerações sobre a linguagem, mudou, em linhas gerais, sua forma de
pensar. Iremos analisar agora as consequências filosóficas presentes no
pensamento do Segundo Wittgenstein e compará-las às considerações feitas
por David Hume (este citado por Cossutta, no texto). 

Assim como no Tractatus, o segundo Wittgenstein acredita que não há


nenhum sentido nos problemas filosóficos. As análises e essas conceituações
apenas abusam das palavras em um contexto não-prático. Esse tipo de análise
linguística é um contrassenso para o segundo Wittgenstein. Isto porque os
Filósofos apenas pegam palavras que fazem sentido no nosso cotidiano para
realocar na atividade Filosófica:

“ Emprego aqui as palavras impressão e ideia num sentido diferente do habitual,


esperando que me concedam essa liberdade. Talvez eu esteja sobretudo restabelecendo
o sentido primitivo da palavra ideia, sentido que o sr. Locke havia alterado para fazê-la
designar todas as nossas percepções”.(COSSUTTA, 2001, p.43)

Para Wittgenstein, ambos, Locke e Hume, estão errados. Qualquer


pessoa, que tenha o mínimo de treinamento na língua, consegue entender
perfeitamente o sentido das palavras impressão e ideia. A mesma coisa com o
conceito de substância de Aristóteles, apresentado anteriormente. O principal
problema aqui é não entender como a Gramática da nossa Linguagem
funciona:
“Os problemas não são resolvidos pelo acúmulo de novas experiências, mas pela
combinação do que é já há muito tempo conhecido. A filosofia é uma luta contra o
enfeitiçamento do nosso entendimento pelos meios da nossa Linguagem”(PI §109).

1-COSSUTTA, 2001, p.40

Alan Freires de Oliveira, 201910193611

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