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Quem quer que tenha alguma vez aprendido uma língua estrangeira sabe

que apenas o estudo do vocabulário não lhe permitirá dominar o novo


idioma. Mesmo que memorizasse um dicionário inteiro, não seria capaz
de formular corretamente a mais simples enunciação; pois não poderia
compor uma sentença sem determinados princípios de gramática. Precisa
saber que algumas palavras são substantivos e outras verbos; precisa
reconhecer algumas como formas ativas ou passivas do verbo, e conhecer a pessoa e o
número que expressam; precisa saber onde está o verbo na sentença, a fim de
compreender o sentido que tem em sua mente. Meros nomes separados de coisas (…) não
compõem uma sentença. Uma fileira de palavras que poderíamos derivar correndo os
olhos pela coluna da esquerda, no dicionário – por exemplo, “especilizar especiaria
espécie especieiro especificação” – não diz nada. Cada palavra por si tem significado,
porém, a série de palavras não tem (…).
A estrutura gramatical, portanto, é uma fonte adicional de significância. Não
podemos chamá-la de símbolo, uma vez que nem é um termo; mas desempenha uma
missão simbolífica. Liga vários símbolos, cada qual com ao menos, um sentido
fragmentário próprio, para compor um termo complexo, cujo significado é uma
constelação especial de todos os sentidos envolvidos. O que a constelação especial é,
depende das relações sintáticas dentro do símbolo complexo, ou proposição. Suzanne K.
Langer (1895-1986).

De Frege aprendi a meticulosidade e a clareza na análise dos conceitos


e das expressões lingüísticas, a distinção entre expressões e aquilo que
elas designam, assim como, a propósito destas últimas, entre aquilo que
ele denominou Bedeutung (‘denotação’ ou nominatum) e aquilo que
designou Sinn ‘sentido’ ou significatum). (…). Uma outra tese,
proveniente substancialmente de Frege, me pareceu de extrema importância: a tarefa da
lógica e da matemática, no interior do sistema total do saber, consiste em estabelecer a
forma dos conceitos, das asserções e das inferências, formas aplicáveis em toda parte e,
por conseguinte, também no âmbito do conhecimento extralógico. Consequentemente, a
natureza da lógica e da matemática pode ser bem entendida, considerando apenas com
muita atenção o seu uso nos domínios extralógicos, especialmente na ciência empírica.
(…). Graças ao ensino de Frege, compreendi tanto a exigência de toda a referência ao
significado como, ao mesmo tempo, o enorme destaque dado à análise do próprio
significado. Julgo serem estas extactamente as raízes do meu interesse filosófico, por um
lado, pela sintaxe lógica, bem como, por outro lado, por essa parte da semântica que pode
demonimar-se de teoria do significado. Rudolf Carnap (1891-1970).

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I – APÊNDICE 

Visadas Epistêmicas sobre os Signos

Esboços duma gramática Filosófica

Entendo por visada todo ato que manipula um significante (ou ícone ou
símbolo): a uma simples observação duma palavra ou vocábulo, há uma seqüência
de unidades mínimas a que denominamos letras. A noção de sucessão comporta
tanto a escrita (visual) como a fala (auditiva). Esta intencionalidade é uma
operatividade psíquica predominantemente cognitva e – na maioria das vezes –
involuntária.

Consciência é, pois, fundamentalmente direcionalidade a algo. Nem toda vivência


é intencional, mas a vivência intencional é consciência no sentido pleno da palavra.
Ora, Husserl aceita e desenvolve a idéia de Brentano de que há diferentes maneiras de
intencionalidade. De modo, as diferenças essenciais das vivências não dizem respeito,
propriamente, a seu conteúdo imanente e não se orientam a partir de classes dos
objetos, mas segundo a maneira como se referem aos objetos. E, assim como há
diferenças de relação no lado do sujeito, deve haver algo no lado do objeto que a isso
corresponda, isto é, não propriamente a diferença do conteúdo imanente dos objetos,
mas diferenças dos objetos enquanto objetos de tais ou quais atos. Há diferentes
objetividades, portanto, a ser tematizadas pela fenomenologia, que assim se manifesta
como estudo dos fenômenos,dos dados objetivamente no como de seu dar-se.
(OLIVEIRA, 1996: 42).

(…). Na maneira como falamos das coisas, já se mostra uma pré-compreensão das
coisas, e a tarefa da filosofia consiste exatamente na explicitação e tematização crítica
dessa nossa pré-compreensão do real, que é obrigatoriamente mediada
lingüisticamente. (OLIVEIRA, 1996: 33).

Avaliemos uma combinação como ‘cama’. A identificação dos

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componentes é um fator analítico, ou seja, o reconhecimento das unidades que
compõe a palavra em questão. Se invertermos a combinação das unidades (letras),
podemos ter outra palavra, como por exemplo: ‘maca’. Também a palavra ‘roma’,
possui as mesmas unidades, constituindo a palavra ‘amor’ por combinação368
diferente. A ordem das sucessões refere-se às variações de encadeamento das
unidades (letras).

(...) ao antigo sentido da palavra estrutura em psicologia: É provável que o


aparecimento da teoria da Gestalt tenha sido um fator importante nesta revolução:
“combinação dos elementos em que se manifesta a vida mental, considerada sob um
ponto de vista relativamente estático”, vem sobrepor-se um outro, antinômico: “em
oposição a uma simples combinação de elementos, um todo constituído de fenômenos
solidários, de modo que cada um depende dos outros e pode ser aquilo que é apenas na
(e pela) sua relação com eles. (BASTIDE, 1971: 06).

É facilmente notório que percebemos os agrupamentos mais pela


combinação do que pelas unidades que os constituem; isto é abordado na
Psicologia da Gestalt (Forma369). “Organização” é um conceito caro à Psicologia
da Forma: o quanto a noção de grupo, de conjunto (no caso da figura) é capaz de
alterar nosso juízo (e mesmo a percepção). Aos dados sensoriais (figura e som)
temos uma forma, uma maneira de apreendê-los, impondo-lhes conjuntos e
critérios de organização dos dados sensíveis, ultrapassando assim a
“mera”percepção sensorial para inscrever-lhe os nossos condicionamentos
mentais (formais).
Serão elas, somente o aspecto que toma, em nossa apreensão subjetiva,
uma realidade física estranha, em princípio, a toda organização? Ou bem será a
Forma uma noção geral, que tem suaaplicação fora da psicologia? Poder-se-ia
acrescentar, à fenomenologia?

Os termos forma, estrutura, organização, pertencem tanto à linguagem biológica


quanto à linguagem psicológica. (...) A palavra adaptação resume essas complexas
relações do todo e das partes. Pode-se assim aproximar as formas psíquicas e as
formas orgânicas. Como poderia ser de outro modo? (...) A vida mental surge no seio

368 Recombinar as mesmas letras para formar outra(s) palavra(s) = Anagrama.


369Como tradução deste termo proponho uma alternativa menos vaga, mais precisa:
Configuração!

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da vida fisiológica; por suas raízes mergulha no organismo. A percepção e o
pensamento estão ligados a funções nervosas. A organização que o psicólogo estuda
deve ser aproximada à que o fisiologista estuda. (...) E se não há elementos psíquicos
independentes, tampouco há processos cerebrais elementares independentes.
(GUILLAUME, 1960:14).

Pesquisadores notaram que a configuração dum determinado grupo


(imagem ou palavra por exemplo) é apreendido mais pela disposição de seus
elementos do que pela discriminação, ou seja, do que pelo inventário das unidades
que o compõem: sendo o resultado diferente da soma de suas partes, pois a
apreensão das partes já é dotada de um sentido, um sentido de conjuntos.

(…) uma rigorosa formalização, baseada no aspecto sistêmico do objeto investigado,


leva à formulação de alguns princípios essenciais, que surgem precisamente na medida
em que tal objeto perde sua substancialidade (ou, se se quiser, a espessura material que
os sustenta) e configura-se como um emaranhado de relações redutíveis a um número
restrito de traços fundamentais. Isto é, “formas” comuns, princípios de estruturação
que dão vida às diferentes configurações, podem ser captadas por detrás da
heterogeneidade das substâncias preparadas. (BONOMI, 2001: 103).

(…). Numa perspectiva associacionista, o ponto de partida é constituído por um


mosaico de dados sensoriais “atômicos” para os quais se trata de encontrar um
princípio de coligação. (…) Ora, a psicologia da Gestalt inverte esta perspectiva: a
ideia do dado sensorial “elementar” é uma abtração freqüentemente enganadora, o que
conta é a estrutura de campo. A organização do conjunto perceptivo (e, portanto, de
sua articulação em “coisas”) é um fato primário, e não é dedutível de uma
multiplicidade de partículas elementares. (…). O problema central é portanto o do
sentido (Sinn) inerente à experiência perceptiva, da articulação originária desta última
em configurações globais dotadas de sentido, e não em simples agregados sensoriais.
(BONOMI, 2001: 71).

Apesar das unidades (morfemas) serem dotados de um significado mínimo


– se levarmos em conta que são formas livres e não formas presas – também
haverá o fator de posição de tal morfema num texto ou num situação: pois há
atributos ou propriedades que serão associadas ao significado inicial perante uma
sintaxe [regras de combinação (distribuição das palavras enquanto categorias
sintáticas (sujeito, predicado, complemento etc.) e morfolóficas: (substantivo,

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verbo, adjetivo), regras de seleção (lexical) e de co-ocorrência (semântica)].

Os fatos psíquicos são formas, unidades orgânicas que se individualizam e se


limitam no campo espacial e temporal de percepção ou de representação. (...) A
percepção das diferentes classes de elementos, e das diferentes espécies de relações,
corresponde a diferentes modos de organização de um todo, que dependem ao mesmo
tempo de condições objetivas e subjetivas. (...) Uma parte, num todo, é algo distinto
dessa parte isolada ou em outro todo, por causa das propriedades que deve ao seu
lugar e à sua função em cada um deles. (...). O problema da percepção consiste em
determinar a constelação física de excitantes correspondente a cada forma percebida, e
as variações da primeira que modificam a estrutura da segunda. Cada formação é uma
função de diversas variáveis, e não mais uma soma de diversos elementos.
(GUILLAUME, 1960: 12-13).

O que permite numa determinada língua a separação das palavras, quando


faladas, é o conhecimento prévio do léxico dessa mesma língua.

(…) para Saussure, as operações necessárias à determinação de uma unidade


pressupõe que a referida unidade seja relacionada com as outras e recolocada no
âmbito de um organização de conjunto. E é isso que os saussurianos entendem quando
falam de sistema ou estrutura da língua: os elementos lingüísticos não têm uma
realidade independentemente de sua relação com o todo. (DUCROT/TODOROV,
2007: 27).

(...). O estruturalismo implica, portanto, duas idéias: a de totalidade e a de


interdependência. (...), o estruturalismo consiste em tomar seja em que caso for a
atitude totalizante. Mas para totalizar é necessário relacionar o que se deve mostrar
também como separável. (LYOTARD, 1986: 06).

(...) Segundo o Filósofo Granger, a noção de estrutura poderia então, ser assim
definida: Sistema integrado, de modo que a mudança produzida num elemento
provoca uma mudança nos outros elementos. (PIAGET, 1970: 09).

Na escrita, durante um tempo considerável na história humana, a escrita não


possuiu uma separação das palavras com ‘espaços’, como fazemos nas línguas
atuais. Se, na escrita – como apreensão sensível visual – facilitamos a leitura para
a identificação das palavras por um recorte de grupo proporcionado pelos espaços;
na fala, uma frase pode não separar as palavras por uma pausa.

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A GRAMÁTICA GERAL se propõe formular certos princípios aos quais todas as
línguas obedecem, e que fornecem a explicação profunda do emprego destas; trata-se,
portanto, de definir a linguagem, de que as línguas particulares constituem casos
particulares. (…).
Se todas as línguas têm un fundamento comum, é que todas têm o objetivo de
permitir que as pessoas se “signifiquem”, dêem a conhecer uns aos outros seus
pensamentos. (DUCROT/TODOROV, 2007: 15).

(…). Alguns lingüistas chegaram a julgar necessário presumir um instinto


classificatório especial no homem para poderem dar conta do fato e da estrutura da
fala humana. “O homem”, diz Otto Jespersen:

é um animal classificador: em certo sentido, pode ser dito que todo o processo da fala
não passa de uma distribuição de fenômenos – dos quais não há dois que sejam
idênticos em todos os aspectos – em classes diferentes, com base nas semelhanças e
desemelhanças percebidas. No processo de atribuição de nomes testemunhamos a
mesma tendência inerradicável, e muito útil, de ver a parecença e expressar a
similitude nos fenômenos através da similitude nos nomes. Mas o que a ciência
procura nos fenômenos é muito mais que a similitude, é a ordem. As primeiras
classificações que encontramos na fala humana não tem qualquer objetivo estritamente
teórico. Os nomes dos objetos cumprem sua tarefa se nos permitirem comunicar
nossos pensamentos e coordenar nossas atividades práticas. Têm uma função
teleológica, que aos poucos se desenvolve para função mais objetiva, “representativa”.
(…). Em alguns idiomas a borboleta é descrita como um pássaro, ou a baleia como um
peixe. Quando a ciência começou suas primeiras classificações, precisou corrigir e
superar essas semelhanças de superfíciais. Os nomes científicos nãos são criados ao
acaso; seguem um distinto princípio de classificação. A criação de uma terminologia
sistemática coerente não é, de modo algum, um aspecto acessório da ciência, e sim um
de seus atributos inerentes e indispensáveis. (CASSIRER, 2005: 340 e 341).

(…) a Gramática, tal como entendia Vaugelas, não passava de um registro de usos, ou
melhor, de “bons usos”, sendo a qualidade do uso julgada sobretudo à luz da qualidade
do usuário. A Gramática Geral, por sua vez, procura dar uma explicação dos usos
particulares a partir de regras gerais deduzidas. (DUCROT/TODOROV, 2007: 17).

Uma vez que na maioria das vezes falamos num contínuo de emissão
sonora, como podemos entender uma frase composta por diversas palavras, uma
vez que a emissão sonora é contínua? Ou seja, que não sofra recortes para que

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possamos discriminar, reconhecer tais grupos de palavras numa frase falada?

(…) poder-se-ia dizer que a relação entre língua e fala é precisamente a distinção entre
um sistema de virtualidades abstratas e o conjunto de suas realizações empiricamente
observáveis, entre forma pura370 e uso concreto. (BONOMI, 2001: 100).

(…).Segundo Herder, a fala não é uma criação artificial da razão, nem deve ser
explicada por um mecanismo especial de associações. Em sua tentativa de estabelecer
a natureza da linguagem, Herder põe toda a ênfase sobre o que chamada de reflexo. O
reflexo, ou o pensamento reflexivo, é a capacidade que o ser humano tem de
distinguir, detre toda a massa indiscriminada da corrente de fenômenos flutuantes,
certos elementos fixos para poder isolá-los e concentrar sua atenção neles:
O homem manifesta a reflexão quando o poder de sua alma age de modo tão livre
que consegue segregar de todo o oceano de sensação que irrompe por todos os seus
sentidos uma onda, por assim dizer; e consegue deter essa onda, chamar a atenção para
ela e ter consciência dessa atenção. Manifesta a reflexão quando, de todo o sonho
bruxuleante de imagens que passam por seus sentidos, consegue apanhar-se em uma
imagem espontaneamente, obsevá-la com clareza e com mais tranqüilidade e abstrair
características que lhe mostram este e não outro é o objeto. Assim, manifesta a
reflexão não só quando consegue perceber vívida ou claramente todas as qualidades,
mas também quando consegue reconhecer uma ou várias delas como qualidades
distintivas… Ora, por quais meios ocorreu tal reconhecimento? Por uma característica
que ele deve abstrair e que, como elementos de consciência, apresentou-se claramente.
Bom, exclamemos então: Eureka! Esse caráter inicial da consciência foi a linguagem
da alma. Com isso, a linguagem humana foi criada. (CASSIRER, 2005: 70 e 71).

É justamente através dum conhecimento prévio do léxico que nos permite


o cortarmosa homogeneidade sonora com um ato mental de divisão da frase por
palavras. Tal fenômeno demonstra que nossa escuta está longe de ser passiva. Ao
ouvirmos uma frase em nossa língua, operamos uma divisão... divisão essa que
tem a função de reconhecer na homogeneidade da manifestação sonora, uma
agrupamento heterogêneo a que chamamos palavras ou mais propriamente:
morfemas. Assim, de maneira análoga aos ‘espaços’ que separam, que delimitam
por heterogeneidade da proporção dos espaços de uma letra para a outra, com um

370Respectivamente,modelo ideal (classes e categorias) como critérios a serem aplicados em


casos singulares (empíricos ou significados)que são seus elementos (conteúdos) correlatos.

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‘espaço’ maior que identifica um grupo (palavra); separamos através da
imaginação de tais signos contínuos, por uma descontinuidade em nossa
recepção sensorial auditiva em sucessão.

(…) O campo originário, que inicialmente parecia composto por uma massa confusa
de elementos heterogêneos, começa deste modo a revelar linhas de força, centro de
articulação, entre os quais transparece uma primeira dimensão de sentido. (BONOMI,
2001: 125).

Às combinações de letras, denominamos palavras. Tal ato revela a


produção, a formação duma palavra por acréscimos sucessivos de letras (seja ou
por sons ou por imagens). Aos cortes daquilo que escutamos, tal ato revela as
formas conjuntivas já na apreensão sensível dos significantes, impondo-lhes
através da divisão (corte371), uma ordem, ou melhor, uma ordenação conjuntiva já
conhecida. Assim, adequamos a escuta nos moldes culturais do léxico da língua
materna.

(…), nossos termos e nomes cotidianos são os marcos de quilometragem da estrada


que leva aos conceitos científicos, é nesses termos que recebemos nossa primeira visão
objetiva ou teórica do mundo. Tal visão não é simplesmente “dada”; resulta de um
esforço intelectual construtivo que não poderia alcançar seus fins sem a constante
assitência da linguagem. (CASSIRER, 2005: 221 e 223).

Se o conjunto sensorial depende da totalidade coesa das partes como


fundamento, como critério de seu agrupamento, revelando assim na percepção
uma organização conjuntiva espontânea; pelos objetos ideais de Husserl,
significamos e ordenamos os objetos através de definições e relações. A
constituição do objeto de que tanto fala EDMUND HUSSERL é uma complexidade
maior da constituição do objeto sensorial, visto que este já recebe sentidos,
ordens, conjuntos que são atos dos sujeitos percepientes.

Há o que é geralmente chamado de organização da experiência sensorial. A


expressão refere-se ao fato de campos sensoriais terem, de certo modo, sua própria
psicologia social. (...) Isto demonstra a operação de processos em que o conteúdo de

371Esta faculdade humana (operativa) que atua sobre signos (internos e externos) foi
chamada por Pierre Bourdieu de: principium divisiones… como já apareceu numa das citações
que selecionei.

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certas áreas é unificado e, ao mesmo tempo, relativamente segregado de seu ambiente.
A teoria mecanicista, com seu mosaico de elementos separados é, naturalmente,
incapaz de explicar uma organização nesse sentido. (KÖHLER, 1968: 70).

Vimos que a associação atomista cede espaço para as estruturas


operatórias, visto que este último afirma a necessidade de relações entre unidades
e o todo. O despertar para unidades em relações mútuas não comporta a visão da
determinação unilateral (exclusiva) das partes – características da associação
atomista –, e nem do todo sobre as partes – característica das totalidades
emergentes. Assim como Husserl superou criticamente o empirismo e
racionalismo, bem como o objetivismo e subjetivismo, a Gestalt supera a visão da
teoria mecanicista do “mosaico de elementos isolados” em prol do
reconhecimento da interação como momento dinâmico não redutível às partes
isoladas: e mais, o resultado de tal interação nem é menor, nem maior do que a
soma de suas partes: mas uma indefinição que será definida pelas intensidade,
direção, freqüência das partes em relação ao conjunto, gerando assim uma
modificação quantitativa e, portanto, qualitativa das operações travadas entre as
partes. Husserl e Cassirer apontaram para o caráter construtivo, ou melhor, o ser
humano como operador constitutivo: desde as formas perceptivas (ícones) já
trabalhadas em formas conjuntivas, até o âmbito ideativo (símbolos) da produção
de sentido.

O que realmente percebemos consiste, antes de mais nada, em entidades


específicas, tais como coisas, figuras, etc., e também grupos de que essas entidades
fazem parte. Isto demonstra a operação de processos em que o conteúdo de certas
áreas é unificado e, ao mesmo tempo, relativamente segregado de seu ambiente.
(KÖHLER, 1968: 70).

O problema da significação e seus correlatos externos são antigos e atuais.


Noutros termos é a problematização entre objeto e consciência. A síntese dos
Gestaltistas e Husserl reside no seguinte: guardada as devidas diferenças de
enfoque e natureza da investigação, organizações em formas sensoriais para os
primeiros e em formas ideais (categoriais) para o segundo: o fato é que ambos
descrevem atos do sujeito (percepiente e cognoscente, sensorial e abstrato/ideal),
atos esses espontâneos (involuntários) por parte do sujeito quando exposto a um
determinado objeto ou fenômeno. A idéia de constituição, seja da experiência

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sensível seja a da consciência e seus objetos ideais são compartilhados pelos
psicólogos da Forma e pelo Fenomenólogo Husserl. A idéia de correlação
estrutural é também solidária do Estruturalismo, como sendo nossos atos – sejam
mais sensoriais, sejam mais abstratos – sempre em referência ao objeto, ao mundo
circundante.
A idéia de conhecimento372 como produto da relação necessária entre
noese e noema, bem como a essência como correlato da correspondente estrutura
interna do objeto guarda íntimas relações com o paralelismo, ou seja, a isomorfia
da atividade da consciência (uma vez depurada do dogmatismo) e o objeto pelo
qual atuamos, visamos, intencionamos. A Gestalt e os Estruturalistas postulam
uma similaridade qualitativa entre níveis, a que pode ser chamada de paralelismo
entre as formas operativas do sujeito (percepiente e epistêmico) a manipular os
dados sensoriais. A diferença entre esses dois é que, no primeiro, a apreciação
duma melodia, por exemplo, é algo que não ocorre na dimensão externa, ou seja,
as relações entre notas sucessivas e a tonalidade que infere modos de apreensão
pela posição da nota no acorde. O segundo, por sua vez, faz parte da constituição
interna do objeto, uma vez que os atos intencionais da consciência epistêmica
(transcendental nos termo de Husserl) articulam relações entre as partes,
reconhece propriedades e explica por gêneros abstratos (categorias explicativas) a
partir da experiência sensível.Se no primeiro caso (Gestalt) temos modos de sentir
a partir de dados sensoriais; no segundo (Fenomenologia) temos modos de
explicar (doação de sentidos) as relações das partes e dos momentos, bem como as
propriedades e descrição das essências de Husserl. Com este último temos o
correlato da descrição essencial em seu caráter ontológico, ou seja, como
descrição dos seres, de seus aspectos necessários: numa palavra, da estrutura
interna, da constituição do objeto pela apreensão essencial, formal, via objetos
ideativos. Os objetos ideativos são artifícios, visadas da consciência que
pertencem ao sujeito, mas que remetem às peculiaridades dos fenômenos.
O paralelismo não existe entre fatos elementares, mas sim entre formas,
fisiológica e psíquica, apresentando uma comunidade de estrutura. Tal é o princípio
do isomorfismo, pelo qual a teoria da Forma renova a velha noção de paralelismo. Por

372 Conhecimento como processo. Nesta perspectiva Husserl intervêem com a noção de
pedaços e momentos. Se aqueles são recortes de objetos sensíveis, estes são recortes dos
processos e, portanto, somente pensáveis como dependentes da gama de movimentos que o
erigiu.

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essa doutrina, prenhe de conseqüências filosóficas, nega-se a estabelecer, sobre a base
dessa propriedade de organização, uma separação entre o espírito e o corpo. O espírito
não é uma força organizadora que, de maneira misteriosa, por uma atividade
espontânea e incondicional, faria surgir, de um caos de processos fisiológicos, uma
ordem que lhes seria completamente estranha. E Köhler põe como título de um dos
seus capítulos a frase de Goethe: “Was innen ist, is aussen” (O que está dentro
também está fora). (Fonte???) (GUILLAUME, 1960:15).

Não que haja equivalência entre o externo e o interno, mas o


reconhecimento duma atividade formal gradativa entre os níveis: sensoriais,
psíquicos (afetivos) e intelectuais (categorias). Todos esses modos de apreensão
estão numa interdependência relativa, cada qual com sua especificação, mas
também, cada qual dependente da atividade dos demais? Sim. Mas por quê?
Porque são momentos de um processo e não pedaços de objetos!

A definição de forma e conteúdo como “pontos de vista complementares”, como


momentos correlativos da investigação estrutural, traduz na realidade uma atitude mais
geral, que é de recusa da oposição entre o abstrato e o concreto. (BONOMI, 2001:
125).

Como momentos, são recortes duma certa operatividade, dum conjunto de


fenômenos sucessivos e simultâneos. A tal paralelismo de formas em seus
diversos níveis de manifestação e função, os Estruturalistas chamá-los-ão de
Homologia Estrutural, como o faz, por exemplo, L. Strauss, na antropologia.

[...] a análise intencional conduz a distinguir entre sujeito e objeto, ou consciência e


mundo, uma correlação mais original que a dualidade sujeito-objeto e sua tradução em
interior-exterior, já que é no próprio interior da correlação que se opera a separação
entre interior e exterior. Mas o acesso a essa dimensão primordial só é possível se a
consciência efetua uma verdadeira conversão, isto é, se ela suspende sua crença na
realidade do mundo exterior para se colocar, ela mesma, como consciência
transcendental, condição de aparição desse mundo e doadora de seu sentido. Está aí
uma nova atitude que Husserl chamará atitude fenomenológica.
A consciência não é mais uma parte do mundo, mas o lugar de seu
desdobramento no campo original da intencionalidade. Isso significa que o mundo não
é em primeiro lugar e em si mesmo [...] mas sim que ele é em primeiro lugar o que
aparece à consciência: “O mundo, na atitude fenomenológica. Não é uma existência,

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mas um simples fenômeno. (DARTIGUES, 1973: 27-28).

Entretanto, Husserl ataca Cartesius (vulgo Descartes) pela


substancialização da atividade da consciência como também no que isso implica:
a independência da suposta alma em relação ao corpo, o que contradiz o postulado
da dependência necessária do processo do pensamento e sentimento, uma vez que
não são coisas, objetos, mas sim, movimentos complexos dum processo que
resulta do corpo, da própria operatividade sutil desse corpo (uma parte
especializada; a saber, neurônios). Tais implicações chegam no dogma do espírito
como algo apartado do corpo e não como sendo uma especificidade, uma
faculdade pertencente à estrutura, à constituição e função do que chamamos
corpo.

[...]. A árvore não é outra coisa senão a unidade ideal de todos esses “momentos
sensíveis” que são o rugoso, o pardo, o verde, todos esses “momentos sensíveis” que
se modificam à medida que me aproximo da árvore ou ando em volta dela, que se
encadeiam e convergem na certeza de que aí, no jardim, há uma árvore. Esta certeza
ou “crença”, como dirá Husserl, não é uma qualidade da árvore, mas um caráter do
“noema” da percepção. A realidade, a exterioridade, a existência do objeto percebido e
o seu próprio caráter de objeto dependem das estruturas da consciência intencional,
estruturas graças às quais a consciência ingênua vê o objeto como o vê. [...].
O fato de que o objeto e finalmente o próprio mundo dependam assim dessas
estruturas conduzirá Husserl a dizer que eles são constituídos. A fenomenologia
tornar-se-á conseqüentemente o estudo da constituição do mundo na consciência, ou
fenomenologia constitutiva. [...] “É preciso aprender a unir conceitos que estamos
habituados a opor: a fenomenologia é uma filosofia da intuição criadora. A visão
intelectual cria realmente seu objeto, não o simulacro, a cópia, a imagem do objeto,
mas o próprio objeto”.
[...] Assim a fenomenologia abarca tudo o que abarcam as metafísicas tradicionais,
mas jamais abandonar o solo da experiência, já que a referência à intuição é
permanente. (LYOTARD, 1986: 26-27).

A esse estudo dos atos intencionais da consciência como modos, como


sentidos que explicam o mundo, são mais que explicações, constituem o próprio
fenômeno, não mais como coisa externa, mas como correlato noemático da
atividade noésica. Esta última, explica um fenômeno a partir de objetos ideais que
guardam relação com aspectos (significados de recortes epistêmicos) das

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manifestações do fenômeno. Constituir o mundo não significa tomar o lugar da
substância, mas explicar o que esta tem de essencial, quais suas relações entre as
partes constituintes e propriedades e funções de cada uma delas dentro do todo, do
conjunto, numa palavra: dentro do sistema da consciência a articular predicados,
definindo essências (fatores dependentes dum fenômeno específico). A própria
noção de sistema dos Estruturalistas pode-se aplicar à consciência que tanto sente,
percebe, como também simboliza, doa sentido e explica: significa o que é esse
objeto ou fenômeno, quais suas reações em face do meio a que está sujeito,
sobretudo na interação entre unidade e meio, entre objeto e entorno.

[...] o “a priori da correlação universal” tem como concepção central a idéia de que o
sujeito e o objeto aparecem como inseparáveis. Sendo assim, trata-se de uma
correlação de dois pólos que não podem existir independentemente; de “uma
vinculação essencial, definida por leis a priori, sem as quais não seriam concebíveis a
consciência nem o mundo”.
[...] Não se trata aqui de uma posição realista, na qual o objeto está isoladamente
independentemente do sujeito nem de uma posição idealista, na qual tudo está
representado no sujeito. [...] Correlação na qual encontramos dois pólos no sujeito
intrinsecamente ligados: um pólo que é caracterizado pelo ato que visa (noese), e que,
ao captar os dados, os dota de sentido; e o pólo da coisa vivida (noema), o próprio
conteúdo. [...]. (GOTO, 2008: 68-71).

Toda a fundamentação de tais atos constitutivos (de sentido, para o objeto


ou processo) converge para o vivido, ou seja, para a referência externa (dos
estímulos aos nossos sensores).

A redução fenomenológica fez, com efeito, aparecer como resíduo, que não pode
ser reduzido, a vivência da consciência. Mas esta vivência é vivida por um sujeito, ao
qual se referem os objetos do mundo e de onde vêm as significações. [...].
(DARTIGUES, 1973: 31).

Aqui Husserl sugere o estudo da significação, sua problemática, no


processo significador (semântico) que tanto vale para os modos intencionais do
sujeito, descrevendo fenômenos e relações através das vivências da consciência
(analítica intencional, egologia) e intuindo essências (semântico e ontológico),
como também, produzindo conhecimento através da passagem de coisas para
fenômenos.

523
É importante lembrarmos que toda linguagem é uma formação, ou seja,
uma montagem de unidades mínimas que tomamos como modelos, como
paradigmas necessários que engendram-se, tomam formas diversas no
encadeamento significante. Nesse ínterim, a Teoria Semântica de HUSSERL é
pertinente:

Para Husserl, a significação de uma frase predicativa é um objeto. Mas que


objeto? Um objeto composto. Desse modo, a significação de toda a frase, enquanto
decorrência da significação de suas partes constitutivas, deve ser entendida como uma
composição. Ora, essa composição pressupõe, pois, objetos tanto com seus elementos
como com seu resultado. (OLIVEIRA, 1996: 47).

“o que os fenomenólogos chamam de intuição das essências pode também ser


chamado de escrutínio cuidadoso do significado das palavras”. (ADJUKIEWICZ,
1979: 46).

Tal preocupação do significado refere-se simultaneamente aos termos que


utilizamos, mas também aos conceitos, definições que doamos às coisas, aos
fenômenos. Aqui, uma unidade entre significado e ser, semântica e ontologia, no
processo do conhecimento; entre noese e noema a constituir o sentido do mundo
através do discurso, da simbolização da experiência sensível através da
linguagem, tanto das categorias como dos significados, no processo predicativo
doador de sentido. Tal unidade, sentiremos também na relação consciência e
mundo, uma vez que para eu me conhecer preciso descrever minhas operações,
minhas visadas representacionais, uma vez que só me conheço, só tenho acesso a
mim mesmo como movimento, como dinamismo representacional.373

[...]. A evidência primeira, o terreno absoluto para o qual cumpre voltar não será mais
o sujeito, mas o próprio mundo tal como a consciência o vive antes de toda a
elaboração conceptual. Tal será, notadamente, a interpretação de Merleau-Ponty:
“Voltar às coisas mesmas é voltar a esse mundo antes do conhecimento, do qual o
conhecimento fala sempre e com relação ao qual toda determinação científica é
abstrata, signitiva, e dependente, como a geografia com relação à paisagem onde
aprendemos pela primeira vez o que é uma floresta, uma campina ou um rio.
(DARTIGUES, 1973: 32).

373 Sígnico ou signitivo na linguagem de Merleau-Ponty.

524
Se na natureza há ordem e agrupamentos, o ser humano, como extensão
dessas qualidades está inserido nela, é algo que interage a partir dum solo comum:
a natureza em seus diversos níveis de manifestação. Se nos campos sensoriais as
partes são enxergadas em grupos específicos e tal ação pertence ao sujeito
percepiente como um movimento não adquirido, ou seja, não aprendido, mas
espontâneo(natural); então, o sujeito cognoscente de Husserl, com sua doação de
sentido que constitui o objeto enquanto entendimento de propriedades (elementos
e qualidades) e categorias (essências e relações) são algo que integram o objeto,
nosso entendimento dele, tanto quanto é necessário e homólogo à unificação de
dados sensoriais em unidades discriminativas e tais em conjuntos maiores.

É evidente que, uma vez que a teoria mecanicista exclui quaisquer inter-relações
dinâmicas entre as partes de um campo, tal campo pode ser disposto de qualquer
maneira arbitrariamente escolhido. Em um simples mosaico, cada elemento é de todo
indiferente à natureza de seus vizinhos. (...) os fatos físicos não podem ser insensíveis
às características de outros fatos ocorridos em sua vizinhança. (KÖHLER, 1968: 70).

Há também uma decodificação mais elementar do que a morfética (forma


das palavras) que converte bidirecionalmente a palavra falada em escrita. Ao
ouvirmos uma frase, cada fonema (unidade mínima sonora que é a letra falada e
ouvida) é apreendida num conjunto que corresponde a uma escrita. O significante
sonoro converte-se em nossa imaginação em significante escrito... e a recíproca é
verdadeira: o significante escrito é convertido por nós numa modo falado... ainda
que não articulado pela fala, mas mentalmente correspondido, imaginado ou
simulado.
Se a apreensão fonética VERSA pelo agrupamento dos sons, ou seja pelo
corte dum grupo de fonemas; assim também a apreensão morfética VERSA pelo
agrupamento das imagens (escritas) pelo corte dum grupo de morfemas. Signo
sonoro e signo escrito convertem-se em nossa mente em seus respectivos
correlatos expressivos e, através dessa operação, discriminamos na fala, o
contínuo sonoro, por um descontínuo imaginado em nossa mente, que remetem-
nos às palavras escritas.
Esse mecanismo conversor (bidirecional) e fragmentador (porque corta,
divide) constitui a base da informação, da comunicação humana. A conversão e a
fragmentação são momentos do mesmo processo, a saber: da faculdade
predominantemente analítica, com a função de reconhecimento, ou seja, por uma

525
projeção do já conhecido, que por sua vez discrimina a massa sonora linear, em
fragmentos justapostos na série de palavras. O nível ou âmbito fonético, como um
modo de organização, como condição necessária da comunicação humana, como
uma Forma Conjuntiva Fonética: opera a base para que a discriminação lexical
monte-se (assim como os fonemas) uma classificação num outro nível ou âmbito
de abstração: uma Forma Conjuntiva Morfética.
Uma classe de palavras, como por exemplo: madeira, água, metal, pessoas
e demais apreensão sensoriais pelo tato e visão são rotulados de substantivos.
Como sabemos, tudo aquilo que é passível de descrição sensorial guarda um
aspecto denotativo. Uma classe de palavras, como por exemplo: afeto, ternura,
indignação, valoração, ansiedade, desejo, belo, feio etc.. demais juízos de valor no
tocante a sentimentos são rotulados de adjetivos. Como sabemos, tudo aquilo que
é passível de descrição de estados subjetivos, de qualidades guardam um aspecto
conotativo.

A classificação é um dos aspectos fundamentais da fala humana. O próprio ato de


denominação depende de um processo de classificação. Dar um nome a um objeto ou
ato é incluí-lo em um certo conceito de classe. Se tal inclusão fosse prescrita de uma
vez por todas pela natureza das coisas, ela seria única e uniforme. (…). E as
classificações que encontramos na fala humana tampouco são feitas ao caso; são
baseadas em certos elementos constantes e recorrentes de nossa experiência sensorial.
Sem tais ocorrências não haveria um suporte, um ponto de apoio, para os nossos
conceitos lingüísticos. (CASSIRER, 2005: 220).

De início, a classificação é definida em termos de uma operação lógica que


consiste em hierarquizar as coisas do mundo sensível em grupos e gêneros cuja
delimitação apresenta um caráter arbitrário. (BOURDIEU, 2007: XV). Obs.: Trecho
de autoria do Prof. SÉRGIO MICELI.

Sausürre utilizou-se dos termos sintagma e paradigma. O que estudamos


ainda há pouco, o eixo das sucessões, são as combinações que montam palavras e
frases. O que ele entende por paradigma é, por exemplo, uma associação de
campo (conjuntiva) daquilo que é similar.

b) Descrever a maneira como diferentes elementos se combinam é dizer que


lugares respectivos eles podem tomar no encadeamenteo linear do discurso. (….).
Descrever um sintagma é dizer quais unidades o constituem, em que ordem de sucessão,

526
e, se elas nãos são contíguas, a que distância se encontram uma das outras.
PARADIGMA. No sentido amplo, chama-se paradigma toda classe de elementos
lingüísticos, qualquer que seja o princípio que leve a reunir estas unidades. Neste sentido
considerar-seão como paradigmas os GRUPOS ASSOCIATIVOS de que fala Saussure
(…) e cujo elementos são reunidos apenas por associações de idéias. (…) Diante do
grande número de critérios divergentes sobre os quais se poderiam basear tais
paradigmas, muitos lingüistas modernos procuraram definir um princípio de classificação
que estivesse ligado ao papel único das unidades dentro da língua.
(DUCROT/TODOROV, 2007: 108 e 107).

Por exemplo, as seguintes palavras: medo, receio, pavor, temor podem


serem agrupados num conjunto que os reúna por verossimilhança de significados,
que conhecemos tecnicamente por sinônimos. Se lá, vimos o eixo das sucessões
que VERSAM sobre os significantes; aqui, vemos o eixo das simultaneidades, ou
seja, das associações que agrupam termos por familiaridade quanto a seus
significados aproximados. Noutro exemplo: formiga, cantiga, espiga... tais termos
podem ser agrupados por uma classe que denominarei de rima. Se no exemplo
acima, a verossimilhança foi da ordem dos significados; aqui, a similaridade é da
ordem dos significantes. É a familiaridade sonora que permite um ato epistêmico,
ou seja, a visada Conjuntiva que organiza os elementos por similaridade: seja ou
de significante ou de significado.

A convicção básica de Husserl é que a fundamentação última do conhecimento só


pode acontecer fenomenologicamente, isto é, a partir de uma pesquisa sobre os atos do
conhecimento. O problema da possibilidade do conhecimento objetivo só se resolve a
partir das intenções subjetivas de conhecimento, o que mostra a modernidade da
postura husserliana. (OLIVEIRA, 1996: 38).

(…) o que é peculiar ao ponto de vista da Gestalt é a consideração imanente co campo


perceptivo, a determinação de uma estrutura que atua na própria percepção e nela
encontra sua motivação. O próprio campo sensorial não é, assim, um mosaico de
estímulos, mas é originariamente organizado, é estruturado desde o início. (…). Como
poderá a recordação de um casa intervir se em meu campo atual de visão certas linhas
não se organizarem já de modo tal que eu possa falar de uma “semelhança” desta casa
com outra que eu já vi? E mais, mesmo admitindo que seja determinante à recordação
de uma organização precedente, é preciso ainda da conta desta organização primária
(…). (BONOMI, 2001: 73).

527
(…). Sem um complexo sistema de símbolos o pensamento relacional simplesmente
não pode nascer, nem muito menos desenvolver-se plenamente. Não seria correto
dizer que a mera consciência das relações pressupõe um ato intelectual, um ato de
pensamento lógico ou abstrato. Essa consciência é necessária até nos atos elementares
de percepção. A teorias sensacionalistas descreviam a percepção como um mosaico de
dados simples dos sentidos. Os pensadores dessa corrente menosprezaram
constantemente o fato de que a própria sensação não é, (…), um mero aglomerado ou
feixe de impressões. A moderna psicologia gestaltiana corrigiu essa visão. Mostrou
que os mais simples processos perceptuais implicam elementos estruturais
fundamentais, certos padrões ou configurações. Este princípio serve tanto para o
mundo humano como para o animal. Mesmo em estágios comparativamente baixos da
vida animal, a presença desses elementos estruturais – em especial das estruturas
espaciais e ópticas – foi provada por experiências. A simples percepção das relações
não pode, portanto, ser vista como uma característica específica da consciência
humana. Contudo, encontramos no ser humano um tipo especial de pensamento
relacional que não tem paralelo no mundo animal. (CASSIRER, 2005: 68).

Já que Sausürre batizou de Paradigma as associações por familiaridade,


utilizar-me-ei do termo Paradigma II para expressar um pensamento meu.
Paradigma II é toda associação que estabelece uma relação de um significante que
aponta para algo que não é ele... ou seja, a todo o significante duma língua, temos
pelo menos um significado que é seu conteúdo semântico. O Paradigma II guarda
a associação mental(psíquica) entre o plano da expressão (significante) e o plano
da conteúdo (imagem mental ou mesmo conceito) pelo qual nossa mente AGE a
partir do estímulo significante: a reação com o significado convencional (mas, na
maioria dos casos, compartilhado).
Se o Paradigma I corresponde ao agrupamento, à classificação por
similitude de fala e conteúdo por comparação; o Paradigma II corresponde à
descrição ou referente pelo qual o significante é um instrumento pelo qual
reagimos com imagens e conceitos374. O significante, nesse sentido, é um meio
externo de atingirmos, ou melhor, reagirmos com signos internos. Toda a
subjetividade (ou também consciência) é uma operação sígnica da imaginação
com respostas não só fixas, mas em constante enriquecimento de significados na
presença dos significantes. Pensar, sentir é articular signos, em novos
encadeamentos, em derivações e também em produções de temas e categorias que

374 Respectivamente: Ícones e Símbolos.

528
são abstraídas dum conjunto menor.

(…). É na intersecção de seu horizonte externo com seu horizonte interno que a coisa
vem a se constituir: por um lado, encontra-se em relação com conjuntos mais
compreensivos (introduz-se num campo), por outro lado compreende a multiplicidade
de subconjuntos (é analisável em suas partes internamente constitutivas). (BONOMI,
2001: 75).

(…) A linguagem e a ciência são os dois processos principais pelos quais avaliamos e
determinamos nossos conceitos do mundo exterior. Precisamos classificar nossas
percepções sensoriais e agrupá-las em noções e regras gerais para podermos dar-lhes
um sentido objetivo. Tal classificação resulta num esforço persistente no sentido de
simplificação. (CASSIRER, 2005: 234 e 235).

A esse conjunto crescente que, por enquanto, só mencionei os âmbitos


fonéticos e morféticos, também ocorrem no semântico. Mas antes de
prosseguirmos, falta-nos considerar o aspecto classificatório que mencionei sobre
os substantivos e adjetivos. Se a morfologia tem como base a montagem de
palavras num primeiro momento, num segundo, há um grau de abstração maior,
pela operatividade não mais na construção de palavras por montagem das
unidades mínimas (como no caso do fonema e morfema), mas na associação de
campo ou seleção por critério comum (Paradigma I) e de significado ou
associação de algum evento ou definição ou objeto a que o significante se reporta
ou representa-o (Paradigma II). Este é o processo de atribuir significado =
significação = ação que produz significados = associação.

(…). Os termos da fala comum não podem ser medidos pelos mesmos padrões que
aqueles com que expressamos conceitos científicos. Comparados com a terminologia
científica, os termos da fala comum apresentam sempre um caráter um tanto vago;
(…) eles são tão indistintos e mal definidos que não resistem à prova da análise lógica.
Mas, não obstante esse efeito inevitável e inerente, nosso termos e nomes cotidianos
são os marcos de quilometragem da estrada que leva aos conceitos científicos, é nesses
termos que recebemos nossa primeira visão objetiva ou teórica do mundo. Tal visão
não é simplesmente “dada”; resulta de um esforço intelectual construtivo que não
poderia alcançar seus fins sem a constante assistência da linguagem. (CASSIRER,
2005: 221 e 222).

529
Se a abstração do Paradigma I é campo de semelhanças e o do Paradigma
II375 é associação conceitual-referente-fenômeno, o Paradigma III corresponde
ao agrupamento por característica mais geral: substantivo, adjetivo por exemplo.
Tal abstração tem a função de classificar por aspectos comuns, determinadas
funções que qualquer palavra da mesma classe pode ter numa frase. O âmbito
sintático, antes de ser uma leitura, uma interpretação do morfema enquanto
palavra, é uma interpretação do morfema em seu aspecto mais geral: não mais a
consideração madeira, água, metal ou mesmo medo, receio, pavor...
respectivamente, agora, substantivos e adjetivos, ou seja, classes e não mais
unidades que figuram numa ordenação predicativa que é a frase e que lida mais
com o termo geral de tais classes do que das unidades, das singularidades.
Se cada aspecto comporta implicações sui gêneris à sua própria natureza, a
língua como rede de relações, de combinações, regras e interpretações só pode
prestar sua eficácia se lidar com regras gerais que comportem ou abarquem os
termos singulares = aplicação de critérios. A abstração, ou seja, a construção de
termos que se agrupam em características não apenas como mole, duro, quente e
frio da dimensão sensível, mas características comuns como substantivos que
guardam determinadas funções numa frase da dimensão ideativa.

A definição de forma e conteúdo, como “pontos de vista complementares”, como


momentos correlativos da investigação estrutural, traduz na realidade uma atitude mais
geral, que é de recusa da oposição entre o abstrato e o concreto. (…). Com o avanço
da investigação estrutural o sistema estudado tende cada vez mais a manifestar sua
unidade interna, sua coesão e seu caráter exaustivo em relação aos fenômenos
examinados. As estruturas descobertas perdem progressivamente sua particularidade
incial e tendem a generalizar-se, por trás da multiplicidade dos dados empíricos
transparecem relações cada vez mais simples que, pela sua recorrência, abrangem um
campo de fenômenos muito amplo e garantem sua inteligibilidade (…). Mas a
unidade assim explicitada não é uma forma fechada sobre si mesma, caracteriza-se por
uma constante abertura para o evento, por uma capacidade de extensão. (BONOMI,

375 Este aspecto (Paradigma II) na verdade é o primeiro numa questão cronométrica:
primeiro associamos um conteúdo (Paradigma II), para depois dispô-los, reuni-los num
grupo ou classe por algum familiaridade ou elemento comum (Paradigma I) e, finalmente,
para agruparmos perante um característica comum: substantivo, adjetivo, verbo (Paradigma
III). Será este última paradigma que possibilitará a Sintaxe: que será um Paradigma IV =
função do Paradigma III na oração = sujeito, predicado etc.

530
2001: 125 e 126).

Se a classe ‘verbos’ é ação, então haverá implicações diferentes de


posições e significados possíveis na construção frasal que leva em conta – de
maneira quase totalmente automática376– as regras que incidem sobre as
classes de palavras no âmbito funcional e não no âmbito formativo da palavra.

(…) o que está em jogo aqui não são os juízos reflexivos do sujeito, mas suas
intuições profundas, o conjunto de regras por ele tacitamente aceitas, que agem a um
nível inconsciente. (BONOMI, 2001: 108).

A finalidade dessa gramática não é ditar normas mas dar conta de todas (e
apenas) as frases gramaticais, isto é, que pertencem à língua.
Assim é que surge a Gramática Gerativa de Noam Chomsky. Gerativa porque
permite, a partir de um número limitado de regras, gerar um número infinito de
seqüências que são frases, associando-lhes uma descrição. O mecanismo que essa
teoria gerativa instala é dedutivo: parte do que é abstrato, isto é, de um axioma e um
sistema de regras, e chega ao concreto, ou seja, as frases existentes na língua.
(ORLANDI, 2007: 38 e 39).

Se a Morfologia I lida com o enfoque formativo, construtivo, na


montagem do morfema; a Morfologia II lida, por sua vez, com o enfoque
funcional, na montagem da frase.

A MORFOLOGIA trata das palavras, tomadas independentemente de suas relações na


frase. De um lado, são distribuídas em diferentes classes, denominadas “partes dos
discurso” (nome, verbo, etc.). De outro, indicam-se todas as variações que uma mesma
palavra pode sofrer, dando as regras para a formação dos gêneros e dos números, para
a declinação, para a conjungação. (DUCROT/TODOROV, 2007: 59).

O domínio dessas regras é no geral involuntário (implícito) mas que pode se


tornar consciente com o estudo (explicitação das regras de uso do modelo geral
abstracto ou potencial = competência, para o caso singular concreto ou atual =
desempenho).

376Esta atividade semi-voluntária, ou seja, quase autômata corresponde a uma atividade Pré-
Consciente: que será condição necessária para a atividade consciente de articulação,
significação e dedução. Arrisco predicar que esta operação Pré-Consciente equivale à
Estrutura Profunda do caríssimo NOAM CHOMSKY.

531
(…). O recurso de Chomsky às estruturas profundas projeta como linha de
desenvolvimento uma explicitação dos universais, ou seja, daquelas “faculdades
mentais” subjacentes e comuns à luz das quais adquirem sentido pleno as diferentes
configurações das línguas. (…). Finalmente é importante sublinhar aqui que a
formulação do problema gerativo leva Chomsky a recusar, como destituída de sentido,
a velha antinomia entre objetivismo e subjetivismo. (BONOMI, 2001: 109).

Tanto Chomsky quanto seus exegetas freqüentemente assimilaram sua oposição


entre COMPETÊNCIA e DESEMPENHO lingüísticos à distinção entre língua e fala.
A competência de um sujeito que fala francês – competência que deve ser
representada na gramática gerativa do francês, – é o conjunto das possibilidades que
lhes são dadas pelo fato, e apenas pelo fato, de que domina o francês: possibilidade de
construir e reconhecer a infinidade das frases gramaticalmente corretas, de interpretar,
dentre estas, aquelas (também em número infinito) que são dotadas de sentido, de
descobrir as frases ambíguas, de sentir que determinadas frases, eventualmente muito
diferentes pelo som, possuem, contudo, forte semelhança gramatical, e que outras,
foneticamente muito próximas, são gramaticalmente muito dessemelhantes etc. (…).
(…) as competências, tomadas em conjunto, apenas manifestam a possibilidade de dar
uma interpretação semântica a seqüências fônicas. (DUCROT/TODOROV, 2007: 121
e 122).

A compreensão e formação de algo “novo” faz-se na medida em que


aplicamos as regras de formação, transformação e de decodificação dos sinais
(partes, subconjuntos, conjuntos e totalidade da proposição ou texto).

Toda gramática gerativa relevante ocupar-se-á geralmente de processos mentais


que se encontram muito além do nível de consciência real ou mesmo potencial; além
disso, é perfeitamente evidente que os detalhes e os pontos de vista do falante a
respeito do próprio comportamento e da própria competência podem estar errados.
Assim, uma gramática gerativa procura explicar aquilo que o falante efetivamente
sabe, não aquilo que ele pode relatar a respeito deste conhecimento (Chomsky, A.T.S.,
1965, p. 8). (BONOMI, 2001: 108).

Para Chomsky, a tarefa do lingüista é descrever a competência do falante. Ele


define competência como a capacidade que todo falante (ouvinte) tem de produzir
(compreender) todas as frases da língua. Também faz parte dessa capacidade todo um
saber que o falante tem a respeito das frases: ele sabe comparar estruturas sintáticas

532
semelhantes, sabe separar frases que fazem parte da língua das que não fazem, etc.
Nessa perspectiva, não interessa a performance, ou seja, o desempenho de
falantes específicos em seus usos concretos, mas essa capacidade que todo falante
(ouvinte) ideal tem.
Partindo dessa capacidade, ele define a língua como um conjunto infinito de
frases. Esse “infinito” dá à definição de língua um caráter aberto, dinâmico, criativo.
Não se trata, entretanto, de qualquer criatividade, mas de uma criatividade governada
por regras. A língua não se define só pelas frases existentes mas também pelas frases
possíveis, aquelas que se pode criar a partir das regras. (ORLANDI, 2007: 39 e 40).

Saussure define Signo lingüístico como unidade de


significante/significado, como dois momentos necessários 377 – na qual só
existem em relação ao outro – do processo representacional (ou representação
psíquica nos termos de Franz Brentano). Algo muito próximo de Husserl no
tocante ao sujeito/objeto como movimentos, momentos dessa unidade maior:
conhecimento. Se uma organização é factual, um sistema é da ordem do discurso,
uma vez que esta é possível perante a significação de sua malha, de sua rede
interna articulada. Um sistema é a apreensão inteligível “dinâmica” da
organização combinatória “estática”, pensada também como leis (regularidade
operativa) de relações entre as partes constituintes do conjunto.
Ora, se pensamos sobre leis de relações, precisamos da categoria
transformação para explicar movimento, mudança e a interdependência dinâmica
das partes (elementos).

As transformações… Se o característico das totalidades estruturadas é depender


de suas leis de composição, elas são, portanto, estruturantes por natureza e essa
constante dualidade ou bipolaridade de propriedades de serem sempre e
simultaneamente estruturantes e estruturadas, é que explica, o sucesso dessa noção
(...). Ora, uma atividade estruturante não pode consistir senão em um sistema de
transformações. (...) O sistema sincrônico da língua não é imóvel: repele ou aceita as
inovações em função das necessidades determinadas pelas oposições ou ligações do
sistema (...) no sentido de Chomsky, a concepção saussuriana de um equilíbrio de
certo modo dinâmico prolongou-se rapidamente na estilística de Bally, que já se
estriba em transformações em um sentido de variações individuais. Quanto às Gestalts
psicológicas, seus autores falaram desde o início em leis de “organização”, que

377 Necessários e dependentes como vimos na teoria das partes e o todo de Husserl.

533
transforma o dado sensorial (...) acentuam esse aspecto transformador de percepção.
(...) Mas coloca-se então, inevitavelmente, o problema da fonte dessas transformações,
logo, de suas relações com uma “formação”, simplesmente. Sem dúvida, é preciso
distinguir, numa estrutura, seus elementos, que são submetidos a tais transformações,
e as leis próprias que regem estas últimas. (PIAGET, 1970: 12-13).

Não aquilo que o falante é capaz de relatar o que fez, mas simplesmente o
que faz sem ajuda de alguém que explicite passo-a-passo as regras de formação e
transformação. Tal fazer é chamado de intuitivo (por Chomsky e seus
seguidores), ou por mim, de atividade Pré-Consciente que já internalizou as
regularidades da fala, para extrair-lhes das recorrências pontos em comum, regras
assimiladas por uma atividade abaixo do campo mental consciente.

O juízo de gramaticalidade é baseado em regras.


O fato de poder o sujeito falante fazer um juízo de gramaticaliadde (ou ser levado
a um tal juízo) sobre um conjunto infinito de frases, mesmo que jamais as tenha
ouvido antes, deve-se a que esta apreciação se funda, não na memória e na
experiência, mas num sistema de regras gerais que foram interiorizadas durante a
aprendizagem da língua. Logo, ao construir uma gramática gerativa que engendra as
frases gramaticais, e esta apenas, o lingüista formula uma hipótese sobre os
mecanismos utilizados inconscientemente pelo falante. A cada tipo de
agramaticalidade, portanto, corresponderá um componente da gramática. Desta forma,
são as regras do componente sintático que proibirão o enunciado sintaticamente
agramatical. (DUCROT/TODOROV, 2007: 128).

(…). Os falantes interiorizam um sistema de regras que os torna aptos a produzir


frases, mesmo as que nunca foram ouvidas mas que são possíveis na língua. A tarefa
do lingüista é explicitar essa capacidade do falante, é mostrar sua gramática.
(ORLANDI, 2007: 40).

Há uma diferença entre o conceito de agramaticalidade e de


representabilidade! O primeiro é definido pelos lingüístas como regras de
formação fonético e sintático em sua maioria. Por exemplo, na gramática
portuguesa há regras ortográficas de acentuação e letras: convenções que não
afetam o significado das palavras (desde que não haja ambigüidade que se resolve
por diferenciação de acento). Já, na regra da gramática inglesa, o advjetivo “deve”
anteceder um substantivo (tal regra não ocorre em português); na gramática
portuguesa (como na grega também), tal convenção é permitida tanto ao adjetivo

534
ou antes ou depois do substantivo. Tais regras, por inciderem sobre a disposição
dos significantes numa frase são batizadas de regras sintáticas. Distinguo dois
tipos de situações agramaticais (sendo uma acidental/contingente/arbitrário e
outra, essencial/constante/necessário).
Quando afirmo que é proibido o adjetivo anteceder um substantivo (tal
como ocorre na Língua Inglesa) temos um caso do primeiro tipo: no Português e
no Grego é permitido ambas as possibilidades de sucessão entre substantivo e
adjetivo. Este proibir da Língua Inglesa em nada afeta o significado global da
frase: não há um fator moral aqui além da convenção prescrita por tal gramática.

Consideramos noutro capítulo a distinção feita por Henry Sweet entre palavras-
plenas e palavras-forma. Palavras-plenas são essencialmente aquelas que podem ser
tratadas com uma certa propriedade pelo dicionário, ao passo que as palavras-forma
(apesar de sempre virem referidas no dicionário) têm de ser tratadas pela gramática da
língua. Os linguistas modernos preferem distinguir entre LÉXICO e GRAMÁTICA. (…).
O problema da distinção entre gramática e o léxico é posto freqüentemente, na
lingüística moderna, em termos de distinção entre frases que são inaceitáveis, ou
«desvios», por razões gramaticais, e as que são excluídas por razões lexicais. Não há
aparentemente qualquer dificuldade em reconhecer um «desvio» gramatical. Temos,
por exemplo, * The boys in the garden (Os rapazes está no jardim). Neste caso só é
desrespeitada uma regra, mas podemos facilmente inventar frases que pareçam não
obedecer a qualquer regras, como * Been a when I tomato (Sido um quando eu
tomate). Em contrapartida, vamos rejeitar, mas por razões diferentes * The water is
fragile (A água é frágil) ou * The flower walked away (A Flor foi-se embora). Trata-se
neste caso de um problema de co-ocorrência ou restrição de seleção que determina a
co-ocorrência de elementos lexicais, rejeitando aqui a co-ocorrência de water e fragile
e de flower e walk.
Têm no entanto sido manifestadas opiniões contraditórias quanto a estes dois
tipods de restrição, um gramatical e o outro lexical, não havendo acordo sobre se são,
em princípio, diferentes. (…). Assim, Chomsky criou a frase Colour-less green ideas
sleep furiously (Ideias verdes incolores dormem furiosamente) que parece ser
impecável do ponto de vista gramatical, mas completamente inaceitável em termos
lexicais. (…).
Apesar de tudo isto, Chomsky tentou, mais tarde, tratar as restrições de selecção
como fazendo parte da gramática (…). Não vamos com certeza dizer que * John drank
the meat (John bebeu a carne) é uma frase não gramatical no mesmo sentido em que o
é * The boys is in the garden. Para os falantes nativos a diferença é perfeitamente

535
clara, pois reagiremos demaneiras diferentes perante os dois tipos de «desvio». Se se
trata da infracção a uma regra gramatical, podemos, e é o que geralmente fazemos,
corrigir a frase (…); se a frase não respeita qualquer regra gramatical, rejeitam-la pura
e simplesmente como um disparate. Porém, nos casos em que o desvio se verifica em
relação às restrições de selecção, sendo portanto de natureza lexical, tentamos
normalmente «dar-lhe sentido», procurando integrá-la num contexto que a torne
pertinente. A frase John drinks fish (John bebe o peixe) poderia parecer um desvio até
nos lembrarmos de que se podia referir a sopa de peixe, e também não é de modo
algum difícil encontrar uma interpretação poética (ou até talvez científica) para a frase
The water is fragile. (…). (PALMER, 1979: 131 a 134).

Contudo, quando temos uma frase que é incoerente pela seleção lexical
incompatível entre sujeito e predicado, predicado e verbo… então, tal construção
(Formação, nos termos de RUDOLF CARNAP) é um caso do segundo tipo: o de
agramaticalidade que desrespeita uma Coerência Comunicativa: que pode ser o
de amalgamar um predicado a um verbo (incompatível semanticamente → não se
deve usar, sob pena de repreensão por combinar elementos incompatíveis =
contraditórios) ou mesmo um predicado a um sujeito (também incompatível
semanticamente → não se deve usar, sob pena de repreensão por combinar
elementos incompatíveis = contraditórios).
O segundo conceito – o de representabilidade (Habermas) – são regras
semânticas e pragmáticas que, independente das variações culturais convencionais
(como as supracitadas regras gramaticais) são características essenciais
(constantes) para a coerência dos significados das palavras e dos conteúdos
semânticos – com seus aspectos – para derivações dedutivas. É através do critério
da categoria explicativa filosófica essencial-acidental ou nas ciências naturais
constantes-variáveis que definirão se ou uma regra é convencional – quando
variável e acidental – ou se uma regras é condição necessária para a
Comunicação. É o desejo de coerência dos signos que torna possível argumentos
sem falácias, consenso semântico e pragmático e a representação discursiva ou
teórico dum estado de coisas (fenômeno ou referente).

(…), como regra e para a maioria dos pensadores, em vez de nossas referências
determinarem os nossos símbolos, o vínculo e a interligação dos símbolos é que
determinam a nossa referência. Limitamo-nos a zelar por que não ocorre violação
alguma de certas regras de procedimento. Algumas dessas regras não são de grande

536
importância, como as exageradas nas partes da gramática que se ocupam do uso
literário e das convenções para a formação de frases. Outras, porém, são de um caráter
muito diferente e são devidas, nada mais nada menos, à natureza das coisas em geral.
Por outras palavras, essas regras são leis lógicas no sentido de que qualquer sistema de
símbolos que não lhes obedeça deve falhar como um meio de registrar referências,
independentemente daquilo a que essas referências sejam feitas. Essas necessidades
fundamentais de um sistema de símbolos e as simples regras de discurso polido acima
mencionadas estiveram sujeitas, historicamente, a alguma confusão. (OGDEN-
RICHARDS, 1972: 210).

Chamarei de ‘Inconsciente’ apenas as atividades involuntárias dotadas de


intenção que difere do desejo de interagir com a informação ou linguagem.
Assim como sonhamos sem os controlar (atividade involuntária); esta
espécie de pré-reflexão é uma atividade também involuntária: assim como a
lembrança e diversas formulação dedutivas ou sínteses: nos quais não notamos a
articulação do pensamento (o movimento dos significantes), mas sua ação é
inferida pelo resultado: sabemos que é condição necessária uma elaboração prévia
de dados novos, para depois concluirmos algo. Neste sentido, ainda que não
dominemos passo-a-passo o que ocorra dentro de nós: sabemos que algo ocorre
para além de nossa própriocepção mental devido às atuações desse extrato Pré-
Consciente (como pano de fundo do pensamento, formação frasal ou gramatical) e
o Inconsciente (como atividade igualmente involuntário, mas como algo dotado de
volição própria e diferente da Consciente).
Quereis um exemplo de atividade Pré-Consciente para definitivamente
diferenciarmo-lo do Inconsciente? Aqui vai:
Quando tentamos lembrar de uma palavra, diversas outras palavras são lhe
associadas: palavras parcialmente semelhantes (eixo metafórico) ou algumas
situações que ou antecedem ou sucedem a palavra que desejamos lembrar (eixo
metonínimo). Estas duas operações são involuntárias e apenas o resultado delas, o
resultado deste processo operativo chega ao campo consciente: as palavras que
chegam em nossa tela mental e que são provenientes dessa operatividade –
associada quase que por varredura – para se aproximar gradualmente até
atingirmos a palavra desejada (esquecida).
O plano Sintático, como construção de complexidade ainda maior que a
fonética e a morfética I, depende da classificação que é a Morfologia II, ou seja,
da abstração (separação por classes) que confere um papel normativo e derivativo

537
nas regras de formação frasal pelas quais os morfemas estão suscetíveis e
desempenham esse papel se e na medida em que correspondem, participam da
mesma classe gramatical: substantivo, adjetivo, verbo etc.. Meu esforço é de uma
descrição operativa da formação de constructos ideais (subjectos) como mediação
de seus significados (conceitos e referentes = objectos)378. A gênese ou o
desenvolvimento dos graus de complexidades crescentes e hierárquicos das
Formas Conjuntivas nasceu de meu breve estudo sobre duas magníficas figuras da
subjetividade humana: JEAN PIAGET (Psicólogo e Filósofo) e NOAM CHOMSKY
(Lingüista e Filósofo):

(…) É por isso que se pode falar aqui do problema genético: que é, em definitivo, o
problema das operações constitutivas ou, como diz o próprio Piaget, “construtivas” do
sujeito.
Deste ponto de vista, compreende-se o interesse de Piaget pela obra de Chomsky,
interesse que também neste caso sera aqui exemplificado com algumas observações de
ordem extremamente geral. Com o questionamento do proceder rigidamente
“indutivo”, a investigação deixa de caracterizar-se como processo de segmentação e
de classificação dos dados observáveis, e se orienta para as operações que geram
aqueles dados. Isto é, o discurso segue uma direção que conduz da heterogeneidade
dos fatos empiricamente perceptíveis para um núcleo limitado e homogêneo de
possibilidades constitutivas: em outras palavras, adquire relevância (como já acontece
com Saussure) o problema de explicar a multiplicidade, que no limite se apresenta
como infinita, das produções através da capacidade geradora de um repertório finito de
possibilidades formais: isto é, através do caráter combinatório e recorrente destas
possibilidades. (BONOMI, 2001: 106 e 107).

O enriquecimento semântico advém tanto de experiências externas, como


também das internas. Estas, podem ser de caráter valorativo (axiomático), como
também de cognitivos (epistêmicos). Cada nova associação que predique por
derivação das regras frasais e lógicas podem frutificar noções semânticas
(aprofundamento conceitual) e derivações sintáticas (derivações lógicas,
implicações… inclusive pragmáticas).

378À interação entre interno e externo – noese e noema nos termos de EDMUND HUSSERL – no
processo constituidor dos objetos: os objetos serão para nós o resultado das visadas ideais
nos sensoriais, obtendo assim uma síntese semântica a partir da interação mútua entre os
dois aspectos ou momentos do processo de significação = conhecimento = doação de sentido
(em características essenciais e não acidentais).

538
Como são expressas relações na linguagem? Na maioria, são simbolizadas por
outras relações, como em quadros, mas são nomeadas, exatamente como os
substantivos. Denominamos dois itens, e colocamos o nome de uma relação no meio;
ist significa que a relação mantém juntos dois itens. “Bruto matou César” indica que
“matar” medeia Bruno e César. Onde a relação não é simétrica, a ordem de palavra e
as formas gramaticais (caso, modo, tempo, etc.) das palavras simbolizam sua direção.
“Bruno matou César” significa algo diferente de “César matou Bruno” e “Matou César
Bruno” não é absolutamente uma sentença. A ordem da palavra determina, em parte, o
sentido da estrutura. (LANGER, 2004: 82).

Ao descrever que a uma atividade contínua de nosso intelecto a propor


subjectos (classes e categorias = formas conjuntivas de percepções sensoriais, de
afetos e de conceitos), descrevo o fenômeno da Incidência, a saber: a
possibilidade heurística das abstrações a que chamamos de língua a articular
(combinar e associar) condições, aplicar critérios e significar ou interpretar.
Quando tal atividade incide sobre uma classe, teremos algo ainda mais geral
(abstrato), mas servir-nos-á de chave de leitura = (necessário/contingente, gênero-
espécie, essencial-acidental, dentro-fora, existente e não-existente, interno-
externo, natural-cultural etc.).

(…) pode-se dizer que o problema central consiste em dar conta da capacidade por
parte do organismo, de gerar o “novo”, da sua produtividade. No interior desta atitude,
o interesse é polarizado, não só pelas estruturas “de superfície”, mas também pelas
“estruturas profundas”, ou seja, pelo conjunto restrito das estruturas elementares em
que se baseia a complexidade (e a variedade) das estruturas empiricamente
observáveis. O que é pertinente neste nível é portanto a estrutura formal das operações
do sujeito (isto é, suas possibilidades geradoras, a competência tácita que ele tem de
um língua), e não o uso observável que dela faz em situações concretas. (BONOMI,
2001: 107).

Todas elas são categorias mais gerais que reordenam, reestruturam o


acervo lingüístico (lógico-semântico) a serem aplicados em casos pertinentes e
singulares: com a complementação do contexto atual e pragmático a que podem
complementar seu emprego e resultado. Esta atividade intelectiva é mais que uma
heurística de palavras – como neologismos por exemplo – são heurísticos
enquanto amplitude de alcance explicativo, abrangência de fenômenos e
profundidade enquanto precisão semântica: o que garante uma definição ou

539
conceituação necessária = essencial. Este último foi o desejo de Husserl de que
uma ciência ideal fosse apodíctica e, nos termos de Apel, que uma fundamentação
última da Pragmática Transcendental (isto é, regida por regras gerais ou ideais
= critérios comunicativos) é possível… trabalhoso, mas possível, desejado e
eticamente Comuns – unidade comum a ser aplicada a casos… casos esses sempre
singulares.

Poder-se-ia dizer, portanto, que, na medida em que subimos dos dados


empiricamente perceptíveis para sua possibilidade geradora, lidamos com um sujeito
em certo sentido idealizado. (BONOMI, 2001: 107).

Dessa forma, a fenomenologia inaugura uma nova forma de análise. “A análise do


valor dos princípios lógicos que conduz a pesquisas centradas no sujeito”, tais como a
Lógica Formal e a Lógica Transcendental. (LYOTARD, 1986: 22).

A percepção sensível, real, o objeto ideal, ou, como Husserl o denomina, o objeto
categorial, se constitui por meio de um ato categorial, que se distingue do sensível na
medida em que é fundado em outros atos. Portanto: a partir de sua concepção
objetivista, Husserl é levado a compreender as situações objetais, os fatos como
objetos compostos, mas como objetos de uma ordem diferente da daqueles objetos de
que eles se compõem, e tenta resolver os problemas aqui surgidos por meio de sua
teoria da síntese categorial. (OLIVEIRA, 1996: 47 e 48).

Se as classes abstraem-se dos termos como madeira/água/metal e


medo/receio/ansiedade, as Categorias: sujeito da frase, e complemento são ainda
mais gerais. Por perderem-se de vista suas unidades, ou seja, por não mais
INCIDIREM sobre as unidades como esta madeira e metal que já foram abstraídas
como substantivos, somente pela atribuição dos substantivos que guardam
determinadas funções e disposições permitidas na frase é que conferirão, por
exemplo, a categoria Sujeito da frase. Quando a INCIDÊNCIA for uma abstração
de seu aspecto sensorial como os substantivos, ou sentimentos como os adjetivos,
chamá-lo-emos de Classes ou Gêneros. Quando a INCIDÊNCIA for nas Classes ou
Gêneros, teremos não só generalidade maior, mas implicará noutra qualidade de
termo: uma Categoria.

A tarefa é distinguir a composição real da composição ideal. Para Husserl, esses


dois tipos de composição são fundamentalmente diferentes, de tal modo que, enquanto

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a primeira é atingida pela percepção, a segunda, só é constituída pelo pensamento, o
que não significa que não seja real. Também o pensamento, para Husserl, é uma forma
de consciência do objeto e também do ato. Ora, os atos do pensamento são chamados,
em função de sua distinção, atos categoriais, e sua característica é que eles
representam as objetividades compostas precisamente enquanto compostas o que só é
possível enquanto ele se ao mesmo tempo representam seus objetos parciais. A
representação de cada objeto parcial é, por sua vez, um ato. Dessa forma o ato
categorial é necessariamente um ato sintético e, portanto, fundado essencialmente em
outros atos, isto é, em atos sensíveis, que representam os objetos reais, os quais fazem
parte das objetividades sintéticas. Por meio dos atos fundados, os categoriais, realiza-
se a composição dos objetos dos atos fundantes, isto é, os sensíveis, e com isso se
constitui uma nova objetividade, a objetividade sintética. (OLIVEIRA, 1996: 48).

A produção de significado ocorre de diversos modos: por neologismos


(formações de palavras), por implicações lógicas (predicações por sintaxe =
texto), por enriquecimento conceitual (predicações semânticas = contexto
relacional), mas também e principalmente, por novas categorias (abstrações de
classes).O novo é produto de combinações e associações que engendram graus de
complexidades nas Formas Conjuntivas, tanto pelo alcance das generalidades,
como também nas implicações Lógico-Semânticas que as Categorias podem
reorganizar (enquanto outras ordenações discursivas, argumentativas) como
também do grau e precisão do alcance conceitual numa investigação que se depare
com um conteúdo, ou seja, com um enriquecimento semântico sobre determinado
tema, estado, situação, descrição ou qualidade.

A diferença entre objetos reais e objetos ideais fundamenta-se na diferença dos


atos respectivos, isto é, na diferença do modo como os objetos são dados ao homem.
Uma composição da situação objetal se explica em sua diferença da composição,
porque essa composição é uma composição de um ato categorial. Existe realmente
essa situação objetal? Sim, na medida em que a síntese categorial se fundamenta nos
objetos reais que dela fazem parte. (OLIVEIRA, 1996: 48).

Mas, afinal, o que é uma visada (subjetiva)? Para que ela ocorra, há toda
uma conjuntura sócio-cultural que pode abrir espaço e até mesmo estimular tal
atividade (capacidade) abstrativa e predicativa, como também coagir –ou direta ou
indiretamente – paraque nenhum indivíduo desprenda energia na reflexão
heurística, só porque os papéis sociais definidos e que estão em voga não

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conferem valor, ou mesmo desvaloram a atividade articulativa, como se fossem
apenas para acadêmicos num círculo fechado, num “papo cabeça” de
desocupados, ou mesmo devido à inércia mental provocada pelo conteúdo dos
meios de comunicação de massa e pelos discursos que visam manter o status quo
de dominação: ideológicos-discursivos-visão de mundo.Uma visada é um
interesse vivo pela produção de sentido que segue regras de derivação para
afirmarmos algo sobre a natureza, a sociedade e sobre nós mesmos. Cada juízo de
valor – quando condiocionadas a reduzirem sua atividade ao mínimo –
estáimpregnado de camadas que obliteram uma produção que seria livre, livre
para afirmar, negar e levantar hipóteses, problemas e possíveis soluções, caso o
indivíduo fosse uma entidade com certo grau de vontade própria e não coagido de
expressar idéias correntes que legitimam um estado sócio-cultural com valores
invertidos e mesmo destituídos de desenvolvimento subjetivo e
intersubjetivo.Cultuar o estado de coisas – de instituições e de discursos vigentes
– é uma espécie de território invisível demarcado do que “deve” ser
problematizado e pensado. Numa metáfora: é um jogo de cartas marcadas na qual
a competição é cerceada por limites conceituais e axiomáticos que exprimem mais
a marca da carta do que a possibilidade de jogarmos num estado de espera pelo
novo. Há uma xenofobia generalizada que destitui os discursos problematizadores
– estes que apontam para incoerências e injustiças sociais – que são anulados tanto
na esfera volitiva do indivíduo, como também em sua capacidade intelectiva
(como mímesis do já dado) que raramente ultrapassa a realidade dada (situação
sócio-cutural).Ainda que de maneira implícita, SABEMOS quando há
argumentos falaciosos e tendenciosos, ainda que não possamos distinguir os
critérios que regem o verdadeiro do falso, o justo o injusto, ou mesmo, do válido e
do inválido. Há uma vaga percepção interna da incoerência e enviesamento dum
determinado discurso, mas como é necessário um labor que não somos
estimulados para tal, um labor em investigar, analisar e detectarmos as falhas, as
mentiras parciais, os desvios de foco, os convencimentos apelativos de
sentimentalismo e de hipocrisia que ainda se pautam mais na autoridade
reconhecida no que nos critérios de verdade e validade (lógicos), de conceitos
(semânticos) e de valores (psíquico-pragmáticos). Por motivos que ainda
desconhecemos, aceitamos e emitimos explicações que longe estão de darem
conta dos critérios esparsamente mencionados acima... na maioria dos casos, certa
dose de medo, de resistência psíquica em lidar com o que pode ser melhor,

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justamente porque necessita de labor, empenho, sagacidade e comprometimento:
em suma, MUDANÇA!
Nunca o conhecimento – ou melhor, as informações – foium termo tão
destituído de suas bases de emancipação e construção duma realidade social e
psíquica favorável para pensarmos e sentirmos as intenções e conseqüências da
maneira que vivemos e o quanto reproduzimos os mesmos valores (desvalores?).
A aceitação dum discurso pode ser por autoridade reconhecida alheia às nossas
vivências, mas também pode ser uma reconstrução que se inicia pelo discurso
interno e externo do “como” justificamos para nós e para outros, os valores, ações
e vícios que vivemos, produzimos e reproduzimos.
Se não domino a linguagem tão pouco identificarei meus próprios
discursos de origem involuntária que permeiam nossa consciência e que temos
pouco controle. As causas e também as intenções são elementos que integram uma
noção menos distorcida de que os pensamentos geram relações humanas. A
interpretação intencional é mais importante que apenas a causal das ciências
naturais, uma vez que analisamos uma intenção não apenas pelo texto emitido,
mas pelo contexto não expressado que se relaciona como inter-texto e contexto
extra-lingüístico: que apenas uma investigação e ponderação das implicações de
tais idéias, argumentos e ações é que configurarão uma interpretação intencional
do agente informacional: que pode ou ser ou não Comunicativo.

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