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13.

Expressão e Conteúdo

Até aqui, mantivemo-nos apegados iI alltiga tradição


segundo a qual um signo é, antes de mais nada, sigilo de
alguma coisa. Essa é a concepção corrente à qual IIOS
conformamos, e é também uma cOllcepção amplamente di-
fundida em epistemologia e lógica. No entanto, queremos
demonstrar agora que, do ponto de vista lingiiístico, ela é
insustentável; aliás, sob este aspecto estal1los de acordo COll\
as teorias lingüísticas modernas.
Segundo a teoria tradicional. o sign0 é a ('xl'reuiio
de um cOllteÚdoexterior ao prÓprio signo; pclo contrário. a
teoria moderna (formulada el11pmticular por r. de Saussure
e, a seguir, por Leo Wcisberger ,) concehe o signo (Onh1
Ull\ todo formado por uma expressão e um conteÚdo.
:a o critério de adequação que deve decidir sohre a
escolha entre as duas concepções. Para tanto, deixaremos,
por ora, de falar em signos pois, n1io sahendo o que são,
procuramos defini-Ios, a fim de falar daquilo cuja existência
constatamos, isto é, a fI/lição JCllli,ílica. situada entre duas
grandezas: expressão e collteÚdo. ~ partindo dessa consi-
deração fundamental que poderelll(\s decidir se é adequado
considerar a função semiótica como uma função externa 011
interna da grandeza que chamamos de signo.
Adotamos os termos eXl'rl's.rãoe (,()/lI"lÍdopara desig-
nar os funtivos que contraem a função elll questão, a função
I. W.E"8p.I\Crn, I~o. Ccrmnnish~r(~md";"'lc AfflfUJtudlrifr, 11'27, xv,
p. JfH e s. ldrm,. '"d4'~crnlGn"he Fonchu'l~f'n. InZ8. XXX"I, p. :lIfI f' ~.;
i,'r". Afullf!UIW"chr. tlnd Gt'b'r.,bildtln~. GiHtill~I'II. IH2H.
54 PROLEGOMENOS " U~I" TEORIA DA LINGUAGEM ~:XI'II~:SSJ\O E C;O~ 1\ 1>0 55

semi6tica; esta é uma concepção puramente operacional e poderia de modo algum procedcr a uma descrição exaustiva
formal e, nesta ordem de idéias, nenhum outro significado do texto -
e, por conseguinte, lampouco uma descrição
é atribuído aos termos expressão e conteúdo. empirica no sentido que aqui lhe atribuímos respeitando -
Sempre haverá solidariedade entre uma função e (a as funções que o estabelecem (d. Capo 9). Em suma, não
classe de) seus funtivos: não se pode conceber uma função teríamos um critério objetivo que pudesse ser utilizado como
sem seus termos que não passam, estes, de pontos elttremos base para a análise.
dessa função e, por conseguinte, inconcebíveis sem ela. Se Com o objetivo de precisar a natureza da fuução semití-
uma única e mesma grandeza contrai alternativamente di- lica, Saussure aventurou-se a considerar a expressão e o
versas funções diferentes, e parece poder ser concebida co- conteúdo, tomados separadamente. sem se ocupar com a
mo selecionada por essas funções, mesmo assim não se tem função semiótica. Eis ao que ele chegou:
aí um único funtivo mas sim vários, que se transformam em
objetos diferentes segundo a função a partir da qual são Considerado em si mesmo, o pensamento é como urna nebulosa
onde nada está necessariamente delimil:u'o. N50 hil idéi:,~ pree5ta.
considerados. De um outro ponto de vista, isso não impede belecidas, e nada se distin!!ue noles do aparecimento da lin!!ua...
que se possa falar de "mesma" grandeza, por exemplo A 5ubstância fônica não é nem mais rixa nem mais rfghla; não é
quando se consideram as funções que dela participam (que um molde cujas tormas o pensamento deva neccssariamente tomar,
são contraídas por suas partes) e a estabelecem. Se várias mas sim uma matéria plástica que se divide, por sua vez, em partes
séries de funtivos contraem uma única e mesma função, isso distintas a fim de fornecer os significanles de quc o pen5amento
necessita. Porlllnlo, podemos represcntar (...) a IIngua (...)
quer dizer que há solidariedade entre a função e o conjunto como uma série de subdivisões contíguas ,lesenhmla. 5imult:lI1camcnle
desses funtivos; conseqüentemente, cada funtivo seleciona a no plano inderinido da!<lidéias conlusa~ (. . .) e no plano não men05
função. indeterminado dos sons (...); a Iingu3 elabora 5uas unidades ao
constituir-se entre duas massas amorla< (...) ('.<1" """'/>;11"\,<;0
Também há solidariedade entre a função semi6tica e rrodllt lima fornlfl. não lima m/tSlúllcin 2.
seus dois funtivos: expressão e conteúdo. Não poderá
haver função semiótica sem a presença simultânea desses Mas esta experiência pedagógica.por mais feli7 que
dois funtivos, do mesmo modo como nem uma expressão e
seja sua formulação, na realidade não tcm sentido, e o pró-
seu conteúdo e nem um conteúdo e sua expressão poderão
prio Saussure deve tê-Io imaginado. Numa ciência que
existir sem a função semi6tica que os une.
evita qualquer postulado não necessário, nada autoriza que
A função semi6tica é, em si mesma, uma solidariedade: se faça preceder a língua pela "substância do conteÚdo"
expressão e conteúdo são solidários e um pressupõe necessa- (pensamento) ou pela "substância da expressão" (cadeia
riamente o outro. Uma expressão só é expressão porque fônica) ou o contrário, quer seja numa ordem temporal ou
é a expressão de um conteúdo, e um conteúdo s6 é conteúdo numa ordem hierárquica. Se conservamos a terminologia
porque é conteúdo de uma expressão. Do mesmo modo,
é impossível existir (a menos que sejam isolados artificial-
de Saussure, temos então de nos dar conta e justamente -
11partir de seus dados ~ de que 11substânciadependeexclu-
mente) um conteúdo sem expressão e uma expressão sem sivamente da forma e que não se pode, em sentido algum,
conteúdo. Se se pensa sem falar, o pensamento não é um atribuir-lhe uma existência independente.
conteúdo lingüístico e não é o funtivo de uma função semió-
Uma experiência que, contrariamente, parece jllstificada,
tica. Se se fala sem pensar, produzindo séries de sons sem
consiste em comparar diferentes línguas e daí extrair, a se-
que aquele que os ouve possa atribuir-Ihes um conteúdo,
guir, aquilo que há de comum em todas elas, seja qual for
isso será um abracadabra e não uma expressão lingüística,
c tampouco será o funtivo de uma função semiótica. Evi- o número de línguas que se esteja considerando. Se se
dentemente, não se deve confundir ausência de conteúdo com procede a uma abstração do princípio de estrutura propria-
mente dito, que comporta a fuoçflo semilítka e todas as
ausência de sentido: o conteúdo de uma expressão pode
perfeitamente ser caracterizado como desprovido de sentido
funções que dela se pode deduzir - prillcípio que, ellquanto
tal, é naturalmenle comum a todas as líuguas, mas cuja exe-
de um ponto de vista qualquer (por exemplo, o da lógica
normativa ou do fisicalisll1o) sem com isso deixar de ser um cução é diferente em cada uma delas - descobre-seque esse
conteúdo. falor comum é uma grandeza que sÚ se define pela função
que a une ao princípio de estrutma da língua e a todos os
Se se deixasse na análise do texto, de considerar a fun-
ção semi6tica, não se poderia delimitar os signos, e não se 2. SA.."~!iv"r:. F. clt., Clltlrt. 2. c.(I., 1'1' 1,')')-I.'i7
56 PIIOLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM
EXPIIESSXO F. CONTF.OOO
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(atores que fazem com que as Unguas se distingam umas


das outras. A este fator comum chamaremos sentido. etc.), a seguir o conceito "saber" sob uma forma que pode
significar o imperativo em outras combin:tções; aqui ainda
Podemos ver assim que, em diferentes línguas, as ca- não há obieto;
deias,
em esquimó, tem-se "não-sabendo-sou-eu-isso", isto é,
jeg véd det ikke (dinamarquês) . um verbo derivado de 11010"ignorância" com surixos de
1 do not know (inglês) primeira pessoa, sujeiro, e de terceira pessoa, objeto 3.
je nc sais pa.r (francês) Vemos, portanto, que o senlido "não-formado" que se
en tiedii (filandês) pode extrair dessas cadeias lingüísticas assume uma forma
na/m'ara de modo diferente em cada língua. Cada uma dessas lín-
(esquimó)
guas estabelece suas fronteiras na "massa amorfa do pen-
samento" ao enfatizar valores diferentes numa ordem
apesar de tod:ts as diferenças, têm um fator comum: o
diferente, coloca o centro de gravidade diferentemente e dá
sentido, o mesmo pensamento que, assim considerado,
apresenta-se provisoriamente como uma massa amorfa, aos centros de gravidade um destaque diferente. f como
uma grandeza não analisada, definida apenas por suas fun- os grãos de areia que provêm de unw mesma mão e que
formam desenhos diferentes. ou :tinda Como a nuvem no
ções externas, isto é. por sua função contraída com cada
céu que, aos olhos de Hamlet, mud:t de fonn:t de minuto
uma das proposições cit:tdas. Seria possível pensar que o
sentido é analisável a partir de vários pontos de vista. e a minuto. Assim como os mesmos grãos de arei:t podem
que análises diferentes podem fazê-Io surgir como outros formar desenhos dessemelhantes e a mesma nuvem pode
assumir constantemente formas nov:ts. do mesmo modo é
tantos objetos diferentes. Seria possível, por exemplo,
analisá-Io de um ponto de vista lógico qualquer ou de um o mesmo sentido que se forma ou se estrutura diferente-
ponto dc vista psicológico qualquer. Percebe-se que ele mente em diferentes línguas. São apenas as funções da
deve ser analisado de um modo particular em cada uma língua, a função semiótica c aquelas que dela decorrem.
dessas Ifnguas, coisa que só podemos compreender do se- que determinam sua forma. O sentido se torna. a cada
guinte modo: o sentido é ordenado, articulado, formado de vez, substllncia de uma nova forma e não tem outra exis-
modo diferente segundo as diferentes Ifnguas: tência possível além da de ser snbstância de uma forma
qualquer.
em dinamarquês, tfrn-~e inicialmente jeg (eu), a se- Port:tnto, constatamos no (,()lIteríd()lingiiíslico. em seu
guir véd (sei - presente do indicativo), a seguir um objeto.
processo, uma forma específic:t. a forma do colltelÍdo. que
det (o) c enfim a neg:tção. ikke;
é independente do sentido com o qual ela se mantém numa
em inglês, tem-se de início "eu", a seguir um conceito relação arbitrária e que ela transforma em .ruh,rttillciado
verbal que não tem existência autônoma na proposição contelido.
dinamarquesa, a seguir a negação e finalmente o conceito Vê-se, sem dificuldade, que isso é igualmente válido
"saber" (mas nad:t que corrcspond:t :t "sei", e nenhum para o .ristenra do conteúdo. Pode-se di7.er que um para-
objetu) ;
digm:t num:t língua e um paradigma correspolHknte numa
em francês, tem-se de início ell seguido por uma es- outra língua podem abranger uma mesnl:t 7.Onade sentido
pécie de negação (que, no entanto, é algo bem diferente que. destacada dessas línguas. constitui um contínuo amorfo
das negações dinamarquesa e inglesa. pois nem sempre ela e não analisável no qual as fronteiras se colocam apen:ts
tcm o sentido de negação), a seguir sei e um outro signo através da formação das línguas.
curioso que é às vezes chamado de negação mas que tam-
Por trás dos paradigmas que. nas diferentes línguas, são
bém pode significar "um passo"; tal como em inglês. não
há objeto; formados pelas designações de cores. podemos. por subtra-
ção das diferenç:ts, isolar um tal contínuo mnorfo: o espec-
em finlandês, vem de início um verbo que significa tro das cores no qual cada língua cstabelece arbitrariamente
"eu-não" {ou, mais exatamente, "não-eu", com o signo suas fronteiras. Enquanto que essa zona de sentido se
para "eu" vindo em segundo lugar; nesta língua, a negação
é um verbo que :tssume :ts marcas da pessoa e do número: 3. Fiumos IhJtrnçll.o do 'Rto d,' que o 1tIl'!tnm !'it'nthlo tnmh(.tn pod~.
em algumns df'sJRS Ifugun,. Assumir R rnuu:! 11(" cnflt'ill~ lir'ltilhlicnJ hn'tRtltr
ell "eu-não", et "tu-não", ei "ele-não", emme "nós-não" dlrnentf's: em rranc~ I~ "'~n.o,.(', em esquimó as"k fi" t..f1.1!:i,,1c (tl,',ivndo dr
DJO que siRniricft mais 011 menos "bAstR''').
58 PROLEGOMENOS A UMA TEORIA DA LINGUAGEM EXPRESSAO E CONTEODO 59

forma, no lodo, mais ou menos do mesmo modo nas prin- fronteira enlre o presenle e o futuro; a formação é ainda
cipais Ifnguas da Europa moderna, não é difícil enconlrar diferenle nas línguas que, (como o lalim, grego antigo e
em oulros lugares formações diferenle. Em galês, "verde" porluguês) distinguem várias formas de pretérito.
é em parle gwyrdd e em parte glas, "azul" corresponde a Esla ausência de concordância no inlerior de uma
glos. "cinza" é ora glas. ora llwyd. "marrom" corresponde
mesma zona de senlido enconlra-se em toda parle. Com-
a llwyd; o que significa que o domínio do espeélro reco-
berlo pela palavra porluguesa verde é. em galês, atravessado pare-se, por exemplo. as seguinles correspondências entre o
por uma linha que leva uma parle desse mesmo domínio dinamarquês, o alemão e o francês:
para o domínio coberto pelo português azul, e que a fronleira nal/'" (/r/lr('
que a língua porluguesa traça entre verde e azul não existe em trae
galês; a fronteira que separa azul e cinza lambém lhe falia,
assimcomo aquela que, em porluguês,opõe cinzae marrom; 1Iolz I,o;~
em compensação, o domínio representado em porluguês por .rkov
cinla é, em galês, dividido em dois, de lal modo que a lJ'ald
metade se relaciona com a zona do porluguês azul e a lo',:t
oulra melade à do marrom. Um quadro esquemático per-
mite perceber de imedialo a não concordância entre as Podemos disto concluir que a função semiÓtica institui
fronleiras: uma forma em um de seus funtivos, a saber o conte.údo, a
gwyrdd forma do conteúdo que, do ponto de vista do sentido, é
verde arbitrária, e explicável apenas pela função semiótica de que
ela é manifeslamenle solidária. !;: nesle sentido que Saus-
azul sure lem razão, evidentemente, ao distinguir enlre form:1 e
glas
cinza substância.
Ilwyd
marrom Pode-se fazer a mesma observação a respeito do se-
gundo funtivoda função semi6tica,a expressão. Tal como
Também o latim e o grego são, nesle domínio, dife- a zona das cores e as zonas dos morfemas se subdividem
rentes das principais línguas européias modernas. A gama diferentemenle nas línguas urna vez que cada líugua lem
de "claro" para "escuro" que, em várias línguas, se divide seu número de p:11avrasp:1ra exprimir as cores, seu número
em Irês regiões: brmlco, cinza. preto, é dividida, em oulras de números, seu número de tempos etc.. de lal modo que
línguas, num mimero diferente de regiões, seja pela supres- uma comparação das línguas fal surgir 7.On:1Sno campo
são da região média ci'17:I, seja, pelo coulrário, por urna fiJuico, lonas que se subdividem diferenlcllleute conforme
subdivisão mais delalll:1da dessa mesma lona. as línguas. Pode-se pensar, por exclllplo. IIUIII d"lIIíllio
Os paradigmas dos morfemas fazem surgir uma situa- fonético-fisiológico do qual se pode d:u urna representação
ção semelhante. A zona do número é analisada de diferen- especial de várias dimensões, e que se apresenta corno um
les maneiras, conforme as línguas dislingam apenas um contfnuo não analisado mas analidvel COIIIII,por exemplo.
singular e 11mplural ou conforme acrescenlam a estes um na base do sistema de fórmula "anlalfahélicas" de Jespcrsen.
dual (como o grego antigo e o lituano) ou mesmo um Numa lal zon:1 amorfa encaixam-se arbitrariamente figuras
paucal. quer se trale apenas de 11mtrial (como na maiori:1 (fonemas) em número variável segnndo as línguas, urna vez
das línguas da Melanésia. em Sa'Jir, língua indonésia que as fronleiras se eslabelecem em diferentes lug:1res do
ocidental falada nas ilhas entre Mindanao e Celebes. e em contínuo. e o que aconlece como o conlÍnuo definido pelo
cerlos dialetos do kulin, língua do sul da Auslrália) ou um perfil mediano da parte superior da boc:1, da faringe aos
quadral (como na Iíngn:1micronésia das ilhas Gilberl). A lábios; nas línguas que nos são f:1luiliares, esta lOna se sub-
zon:1 lemporal é analisada de modo diferente, de um lado divide em três regiões: uma região posterior k, uma região
média t e uma região anterior p; ':e nos atemos às oclusivas,
nas línguas que (com exceção das perífrases) têm apenas
vemos no entanlo que o esquimó e o letão distinguem duas
um prelérito e um presente (como o dinamarquês) e onde
o presenle cobre o domínio daquilo que é fuluro em oulras regiões de k cuja fronteira é diferente nessas duas línguas.
O esquimó situa-a entre uma região uvular e uma região
línguas e, de outro l:1do, nas línguas que estabelecem IIm:1
velar, ? letão entre um:1 região velar e \IIn:1 região pa-
60 rnOl.EGOMF.NOS 11 IIMII TF.OIIIII 1>11I.INCUAGEM EX\'JIESS!\O E CONTE0\10 61

lato-velar; inúmeras línguas hindus distinguem duas regiões [IJ,,:llIn J, o alemão rlJcr1Ii:nl, o dinamarquês (I):r.1I'li1nl,
de t, uma retroflexa c uma dental ete. Um outro conUnuo o japonês [bEJuJinuJ reprcscntmn diversas formas de um
evidente é fornecido pela zona vocálica. O número de mesmo e único sentido de expressão (o nomc da cidadc de
vogais varia de uma língua para outra, pois suas fronteiras são Berlim). Evidentemente, é indifcrente que o scntido do
estabelecidas de modo diverso. O esquimó distingue ape- .. conteúdo seja também o mesmo, como acontcce aqui. Po-
nas uma região i, uma região /I e uma região a; na. maioria deríamos dizer, do mesmo modo, que a pronuncia do inglês
das línguas, a primeira se decompõe em uma região i mais got, do alemão Gotl e do dinamarquês Rodt representam
estreita e uma região e; a segunda em uma região /I mais formações difercntes de um mesmo scntido de cxprcssão.
estreita e uma região o; em várias línguas, cada uma dessas Neste cxemplo, o sentido da exprcssão é o mcsmo, mas o
regiões pode ser abrangida por uma linha que separa as sentido do contcúdoé diferente, tal como em je TI!.'.rai.rplU
vogais arredondadas (y, 0; u. o) das que não o são e I do not knolV o sentido do contcúdo é o mesmo. enquanto
( i, tj lU, lIi estas últimas - curiosas vogais "opacas" que quc o scntido da expressão é difcrcntc.
s;io raras lia Europa - pudcm ser encontradaspor exemplo Aquele para quem o sistcma dc funçClcsdc urna língua
no .tamul, em várias lín/!uas do Uml oriental e no rumcno); dada (sua língua materna, por exemplo) é familiar forma
com a mesma aberlura que i e /I, pode-se formar vogais nessa língua um scntido de contcúdo ou um sentido de
mediolinguais arredondadas, como no norueguês e em sueco
expressão que ele percebeu. "Falar com um sotaquc" é
( u) ou não arredondadas, como em russo (i). Graças esscncialmente formar um sentido dc exprcssão conforme
à extraordinária mobilidade da língua, as possibilidades que as condições funcionais sugeridas pela líllgua materna do
a linguagem pode utilizar são infinitamente grandes, mas elocutor.
permanece o fato característico de que cada língua coloca
suas próprias fronteiras 110interior dessa infinidadc de pos-
Isto nos moslra que as dnas grandczasquc contracm
sibilidades. a função semi6tica, a expressão e o contcÚdo, comportam-se
de modo homogêneo em relaçiio a ela: é cm virtude ela
Sendo manifcstamcntc a mesma a situação para a
expressão e seu conteúdo, convém ressaltar este paralelismo funçiio scmiótica, e apenas em virtude dcla, quc existcm
esses seus dois funtivos que sc pode agora dcsignar com
pelo uso de uma mesma terminologia para a expressão e
para o conteúdo. Seria possível assim falar de um sentido precisão como sendo a forma do contcúdo e a forma da
da expressão, e nada impede de fazê-Io, embora isso seja expressão. Do mesmo modo, é cm razão da forma do con-
teúdo e da forma da expressão. e apcnas em razão delas,
algo contrário ao habitual. Os exemplos citados, o perfil
mediano da parte superior da boca c o contínuo das vogais, que existem a substância do conteúdo c a substância da
são assim zonas fonéticas de sentido que se formam difcren- expressão, que surgem quando sc projcta a forma sobrc o
temente nas línguas conforme suas funções específicas, e que, sentido, tal como um fio esticado projela sua somhra sobre
enquanto sllbstdncia da expressão, ligam-se, através dessc uma superficie continua.
fato, à sua forma da expressão. Podemos agora voltar a nosso ponlo dc partida, a sig-
Constatamos esse fenômeno em relação ao sistema de nificação mais adequada da palavra sigTlo, a fim de ver
expressão, mas podemos, como fizemos em relação ao con- claro na controvérsia que opõe a lingüística tradicional à
teúdo, demonstrar que o mesmo acontece com o processo. moderna. Parece justo que um signo seja signo dc alguma
A formação especifica do sistema de uma dada língua pro- coisa e que essa algnma coisa rcsida dc algum modo fora
duz naluralmente efcitos sobre o processo, em virtude da do próprio signo; é assim quc a palavra boi.r (madeira,
simples coesão que existe entre o sistema e o processo. lenha, bosque) é signo de um tal objeto determinado na
Por um lado as fronteiras internas do sistema que não coin- paisagem e, no sentido tradicional, esse objeto não faz
cidem de uma língua à outra; por outro lado, na cadeia, as parte do signo. Ora, esse objcto da paisagcm é lima gran-
relações possíveis entre os fonemas (certas línguas, por deza relevante da substância do conteíldo, grandeza que,
exemplo as da Oceânia e as africanas, não admitem grupos por sua denominação, liga-se a uma forma do conteúdo sob
consonantais; outras línguas s6 conhecem certos grupos a qual ela se alinha com outras grande7as da substância
consonantais definidos, variáveis de uma língua para outra; do conteúdo, por exemplo a matéria de quc é feita uma
a posição do acento é regida por leis diferentes conforme as porta. O fato de que um signo é signo de alguma coisa
línguas etc.) que fazem com que um sentido da expressão significa,portanto, que a forma do conteúdo de um signo
não assuma a mesma forma nas diferentes línguas o inglês pode compreender essa alguma coisa como substância do
PROJ.F.GOMENOS A {I~IA TEORIA DA LlNCUAGEM Ex.rJlESS},o F. !:o:-n EClI)O
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conteúdo. Tal como antes sentiamos a necessidade de da linguagem. Todo signo, todo sistcma de signo, toda
empregar a palavra sentido para a expressão tanto quanto Ifngua enfim, abriga em si ullla forma da expressão e uma
para o conteúdo, também agora devemos, no desejo de forma do conteúdo. .e por isso que a amílise do texto
esclarecer as coisas e a despeito da atitude consagrada cuja deve conduzir, desde seu primeiro est;ígio, a ullla divisão
estreiteza de visão se torna evidente, inverter a orientação nessas duas grandezas. A fim de ser exaustiva, a análise
do signo. Dever-se-ia assim dizer que um signo é o signo deve ser realizadade tal modo que em cada estágio a divisão
de uma substância de expressão: a seqüência de sons [bwa] se faça em partes as mais extensas possíveis. isto é, partes
enquanto fato único pronunciadohic et nunc, é uma gran- em menor número possível, quer seja no interior da cadeia
deza que pertence à substância da expressão que, em virtude em sua totalidade ou no interior de qualqller uma de sllas
apenas do signo, se liga a uma forma da expressão sob a seções. Se um texto compreende, por exelllplo, frases e
qual é possivel reunir outras grandezas de substância da proposições, pode-se mostrar que o nÜmcro das proposições
expressão (outras pronúncias possíveis, por outros elocuto- é mais elevado que o de frases. Portanto, n:io nos devemos
res ou em outras ocasiões, do mesmo signo). aventurar de inicio a dh'idir o texto em proposições, mas
Por mais paradoxal que possa parecer, o signo é, sim dividi-Io em frases, e a seguir passar para a divisão em
portanto, ao mesmo tempo, signo de uma substância de proposições. Se nos ativermos a esse princípio, descobl ire-
conteúdo e de uma substância da expressão. :e neste sen- mos que no primeiro estágio um texto é sempre divisível em
tido que se pode dizer que o signo é signo de alguma coisa. duas partes; este número extrcmamente pequeno garante-lhe
Por outro lado, não há razão alguma para decidir que o uma extensão máxima, e são a lillllClda r:epresJãn c a
signo é apenas o signo da substância de conteúdo ou (coisa linha do conterido que, através da função semiÓtica, são
que certamente ninguém ainda imaginou) apenas signo da solidárias uma em relação à outra. Divide-se a seguir a
substância da expressão. O signo é uma grandeza de duas linha da expressão e a linha do conteúdo, tomadas separa-
faces, uma cabeça de Janus com perspectiva dos dois lados, damente, levando-se necessariamente em conta sua interação
com efeito nas duas direções: "para o exterior", na direção no Interior dos signos. Do mesmo modo, :J primeira
da substância da expressão, "para o interior", na direção articulação do sistema da língua levará :J que se estabeleçam
da substância do conteúdo. seus dois paradigmas mais amplos: a face da e:epre.não e
Toda terminologia é arbitrária e, portanto, nada pode a face do conteúdo. A fim de designar por 11m mesmo
impedir o emprego da palavra signo para designar mais par- termo de um lado a linlra da e:epre.r.rãoe a facr da expre.r.rão
ticularmente a forma da expressão (ou mesmo, se se quiser, e, do outro lado, a linlra do cCI1Itelidoe a face do collteÚdo.
a substância da expressão, o que entretanto seria tão absurdo escolhemos respectivamente os tennos p/alio da exprenão
quanto inútil). Contudo, parece mais adequado utilizar a e plano do conteúdo (escolhemos esses termos conforme
palavra signo para designar a unidade constitufda pela a formulação de Saussure que Cit<1l110S <1nteriorrllentc: "o
forma do conteúdo e pela forma da expressão e estabelecida plano (. . .) das idéias (. . .) c ( . . .) o ( . . .) dos sons").
pela solidariedade que denominamos de função semi6tica. Se No decorrer da análise, este modo de proceder tra7.
o termo é empregado para designar apenas a expressão ou simultaneamente clareza e simplific<1ção,ao meslllo lem('o
qualquer uma de suas partes, a termiuologia, ainda que prote- em que ilumina com uma luz até aqui desconhecida todo o
gida por definições formais, corre o risco de provocar ou de mecanismo da Ifngua. Partindo desse ponto de visla. será
favorecer, conscientemente ou não, o engano bastante difun- fácil organizar os domínios secundários da lingiiística se-
dido segundo o qual urna Ifngua não passa de uma nomencla- gundo um esquema judicioso e sllperar de 11111 a vez por
tura pura e simples, uma reserva de etiquetas destinadas todas a subdivisão atual da gramática elll fonélica, morfo-
a serem atribuidas a objetos preexistentes. Por sua natureza, logia, sintaxe, lexicografia e semântica, suhdivisão pouco
a palavra signo será sempre ligada à idéia de um termo satisfat6ria, claudicante sob vários aspectos e cujos domínios
designado; é por isso que deve ser utilizada de tal maneira em parte se sobrepõem. Uma vez reaIi7.ada, a análise
que a relação entre o signo e aquilo que ele designa seja mostra além do mais que () plano da expressão c o do
posta em evidência do modo mais claro possfvel e não conteúdo podem ser descritos, exaustivamente e não contra-
possa constituir-se em objeto de simplificações que a defor- ditoriamente, como construfdos de modo iuteiramente auá-
mem.
logo, de modo que se pode prever nos dois planos categorias
A distinção entre a expressão e o conteúdo, e sua in- definidas de modo Inteiramenteidêntico. Isso s6 fará con-
teração na função semiótica, são fundamentais na estrutura firmar novamente a correção da concepção segundo a qual
expressão e conteúdo são grandezas da mesma ordem, iguais
sob todos os aspectos.
Os próprios termos plano da expressão e plano do
conteúdoe, de modo mais geral, expressãoe conteúdo,
foram escolhidosconforme o uso corrente e são inteiramente
arbitrários. Através de sua definição funcional é impossfvel
sustentar que seja legftimo chamar uma dessas grandezas
de expressãoe a outra de conteúdo, e não o contrário. Elas
s6 se definem como solidárias .uma em relação à outra, e
nem uma nem outra podem ser definidas de modo mais
exato. Consideradas em separado, s6 é possfvel defini-Ias
por oposição e de modo relativo, como funtivos de uma
mesma função que se opõem um ao outro.

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