Você está na página 1de 100

DANTE LUCCHESI

SINTAXE DA LINGUA
PORTUGUESA
Copyright © 2012 Dante Lucchesi

Sumário

Introdução
O Estudo da Gramática................................................................03
Capítulo 1
A Arquitetura da Linguagem.......................................................12
Capítulo 2
O Núcleo da Estrutura Sintática...................................................30
Capítulo 3
Constituintes Oracionais..............................................................53
Capítulo 4
Construções Sintáticas Especiais.................................................80
Capítulo 5
O Período Composto...................................................................85
Capítulo 6
Estrutura dos Constituintes Frasais............................................100

2
Introdução
O Estudo da Gramática

A Sintaxe é a disciplina que estuda o sistema através do qual combinamos as


unidades significativas da língua (as palavras) para formar frases. Atualmente, a
Ciência da Linguagem Humana (a Linguística) denomina gramática esse sistema que
o indivíduo usa para falar sua língua materna. Porém, tradicionalmente o termo
gramática tem outro significado: conjunto de regras que devem ser usadas para falar e
escrever corretamente em uma língua. Não se trata de um conhecimento científico, mas
de uma convenção social, perpetuada pela tradição, nas sociedades letradas. Este livro
não faz parte disso que se denomina tradição gramatical, não se preocupando em
definir “o que é certo ou errado”, no uso da língua. Ao invés disso, apresenta uma
proposta de estudo científico da gramática (no sentido que a linguística contemporânea
atribui ao termo), descrevendo sua estrutura e analisando suas propriedades essenciais.
Assim, como primeiro passo, vamos definir o que seja esse objeto do estudo cientifico
da língua, em contraposição à visão de língua desenvolvida há mais de dois milênios
pela tradição gramatical.

1. O que é gramática?

A gramática é o sistema mental através do qual transformamos os nossos


pensamentos em frases. Quando um indivíduo conversa em sua língua materna, ele
analisa a estrutura e interpreta o significado de todas as frases que fala e ouve. Para
fazer isso, aciona um sistema tão complexo que o mais poderoso computador já
produzido é incapaz de fazer o que qualquer ser humano faz trivialmente – conversar
em sua língua materna –, seja esse indivíduo, um falante erudito, ou um falante iletrado.

3
Ou seja, não existe linguagem caótica e sem regras. Toda frase que qualquer falante de
uma língua humana produz é gerada por um sistema articulado de regras. Por dominar
esse sistema que gera todas as potenciais frases de sua língua, o falante sabe reconhecer
uma frase bem formada (uma frase gramatical) de uma frase mal formada (uma frase
agramatical). Assim, qualquer falante nativo do português sabe que a frase (1) é
agramatical.

(1) * Eu cortar o cabelo amanhã.1

Se ouvimos alguém falar essa frase, pensamos logo que se trata de um


estrangeiro, que fala o português imperfeitamente, como segunda língua. Mas, trata-se
de um conhecimento intuitivo, ou seja, qualquer falante nativo do português sabe que
essa frase é mal formada, mas não sabe explicar por que ela é mal formada. O estudo
científico da linguagem humana visa a explicitar esse conhecimento intuitivo – a
competência linguística do falante nativo de uma língua humana –, por meio de
procedimentos analíticos que formalizam suas propriedades constitutivas.
No caso específico da frase (1), a Linguística é capaz de dizer que ela é
agramatical porque não realiza uma das propriedades universais da linguagem humana.
Em qualquer frase produzida em qualquer língua humana, o evento referido deve ser
situado temporalmente em relação ao momento em que a frase é produzida, por meio de
um elemento gramatical. Na frase (1), o ato de cortar o cabelo ocorrerá no dia
seguinte ao momento em que a frase é dita, mas essa informação é fornecida pela
palavra amanhã, ou seja, é fornecida lexicalmente.
É preciso introduzir um elemento gramatical que expresse a informação de
tempo futuro – o verbo auxiliar vou – para tornar essa frase aceitável em português:
(2) Eu vou cortar o cabelo amanhã.
Como já foi dito, essa não é uma propriedade exclusiva da língua portuguesa, ela
está presente em todas as línguas humanas e diz respeito ao que se denomina Sistema
de Tempo, Modo e Aspecto (TMA). Em francês, também não se pode dizer je me
couper les cheveux demain, é preciso introduzir o auxiliar vais, como em português: je
vais me couper les cheveux demain. O mesmo acontece em chinês. A frase (3) é
agramatical, porque falta o verbo auxiliar que maracá futuro 去 (qù). A frase assume a
forma gramatical em (4) com a partícula que indica tempo, modo e aspecto

1
O asterisco colocado antes da frase é a notação utilizada para indicar que a frase é agramatical.

4
(3) * 明天 我 理发

(4) 明天 我 去 理发
Míngtiān wǒ qù lǐfà
Amanhã eu vou cortar-cabelo2

Além do sistema de TMA, todas as línguas humanas têm um sistema de


pronomes, para expressar as pessoas do discurso. Quando nos referimos a uma ação, por
exemplo, devemos informar se essa ação foi praticada por quem fala, por quem ouve,
por uma terceira pessoa, etc. Gramaticalmente, essa informação é dada por um
pronome (e.g., eu, você, eles) ou por uma flexão verbal (trabalhamos, partiram).
Assim, toda língua tem uma partícula gramatical, através do qual o falante se refere a si
mesmo: eu, em português; I [ái], em inglês; 我 [wǒ], em chinês mandarim; ami, em
quimbundo; saya, em malaio; ako, em tagalog (filipino), etc.
Também é possível, em qualquer língua humana, encaixar uma proposição na
outra, como podemos ver nos exemplos abaixo.

(5) Eu vi que ela caiu.


(6) J’ai vu qu’elle était tombée. (francês)
(7) Vido sam da je pala. (croata)
(8) Saya melihat bahawa dia jatuh. (malaio)

São meras coincidências? Não, o sistema de TMA, os pronomes pessoais e o


encaixamento de orações são propriedades universais da linguagem humana. Fazem,
parte, portanto, da Faculdade da Linguagem, também chamada Gramática Universal
(GU).
A GU é uma representação de uma faculdade da mente humana, que distingue o
homo sapiens de todas as outras espécies animais, inclusive de outras espécies de
hominídeos, como o Homem de Neandertal, hoje extintas. Isso significa que a
Faculdade da Linguagem está presente na mente de todos os indivíduos da espécie
humana, desde o seu surgimento, há mais de cem e cinquenta mil anos; fazendo parte,
portanto, do patrimônio genético da espécie. Ela é o resultado de um longo processo de
evolução, no qual os hominídeos foram se tornando bípedes, desenvolvendo o polegar
opositor; rebaixando a glote e aumentando o espaço da cavidade faríngea; ingerindo

2
Lǐfà é uma lexia composta que reúne o verbo e objeto de cortar o cabelo em uma única palavra.

5
mais proteínas e aumentando sua massa cerebral, até que esse conjunto de condições
deu origem a um animal simbólico, com uma consciência que lhe permite decompor a
sua percepção do real em unidades significativas e articular essas unidades de sentido
em proposições lógicas. Essa capacidade cognitiva está intimamente associada à
linguagem verbal, na forma como a conhecemos hoje.
A substância natural da linguagem humana é a fala – ondas sonoras produzidas
por um conjunto de órgãos do corpo humano denominado aparelho fonador. Trata-se,
portanto, de uma manifestação que se situa no que os antropólogos chamam de cultura
imaterial. Isso torna a questão da origem das línguas uma das mais desafiadoras para o
conhecimento científico, por conta da falta de evidências materiais que possam dar
sustentação empírica ao seu estudo pela ciência. Nesse campo de investigação, uma das
hipóteses fortes é a de que só o homo sapiens teria desenvolvido esse sistema tão
sofisticado de linguagem. Com isso, pode desenvolver formas mais avançadas de
relação e cooperação social, predominando sobre as demais espécies de hominídeos –
como, por exemplo, o homem de Neandertal –, levando ao desaparecimento destas
outras espécies, o que ocorreu há cerca de 30 mil anos. Porém, a questão é polêmica, e
não há um consenso em torno da condição do homo sapiens como único hominídeo que
se tornou um ser simbólico, desenvolvendo a linguagem na forma como ela se apresenta
modernamente. Arqueólogos ainda debatem se ornamentos corporais e ferramentas
sofisticadas de osso, entre outros elementos indicativos de uma cultura simbólica,
encontrados juntos com ossadas de neandertais teriam sido produzidos
independentemente por essa espécie, ou se já seriam provenientes do contato com o
homo sapiens.
A Faculdade da Linguagem, ou Gramática Universal, seria o arcabouço
estrutural que está na base de todas as línguas humanas – um conjunto de propriedades e
mecanismos que estão presentes na gramática de todas as línguas. Assim, em termos de
estrutura gramatical, haveria pequenas diferenças na forma como as línguas realizam as
propriedades universais da Linguagem. Por exemplo, a categoria da pessoa do discurso,
como vimos, está presente na gramática de todas as línguas. Porém, há línguas, como o
italiano e português (de Portugal), que expressam essa categoria, preferencialmente,
pela flexão verbal, omitindo o pronome sujeito – como se pode ver nas frases (9) e (10);
e há línguas, como o francês e o inglês, em que o pronome sujeito tem de estar
obrigatoriamente realizado para expressar essa categorial gramatical – cf. exemplos (11)
e (12).

6
(9) Ieri siamo andati al teatro.
(10) Ontem fomos ao teatro.
(11) Hier nous sommes allés au théâtre.
* Hier sommes allés au théâtre.
(12) Yesterday we went to the theater.
* Yesterday went to the theater.3

Um outro aspecto que diferencia a forma como as línguas realizam a Gramática


Universal é a ordem dos constituintes na frase. Em todas as línguas, existe a relação
entre o verbo transitivo e seu complemento. Porém, em línguas, como o português, o
complemento vem normalmente após o verbo, já em línguas, como o japonês a ordem
normal é objeto-verbo, como se pode ver nos exemplos abaixo:

(13) Maria leu a carta.


SUJ verbo OBJ
(14) Miwa-ga tegami-o yonda.
SUJ OBJ verbo
Miwa a carta ler

Passando da filogenia (o plano da origem e de relação entre as línguas) para a


ontogenia (que trata da evolução da língua no indivíduo), a concepção da Faculdade da
Linguagem como uma espécie de software mental que nos capacita a falar uma língua
humana explica como as crianças adquirem a língua materna tão rapidamente sem a
necessidade de qualquer treinamento específico para esse fim. A ideia é que as crianças
estão programadas para falar. A mente da criança já conteria um arcabouço básico da
gramática de qualquer língua humana (a Gramática Universal), composta por
subsistemas como o sistema de TMA. Só que seriam valores abstratos puros, sem uma
forma definida. Ao ouvir, por exemplo, uma frase como eu já falei, a criança receberia a
forma concreta eu, com a qual deveria preencher a categoria abstrata 1ª pessoa do
singular de sua gramática mental; assim como a forma concreta, o morfema –ei, que
passa a corresponder ao valor de passado concluído em seu sistema mental de TMA.4
Ao associar as formas linguísticas que ouve dos adultos às categorias abstratas da GU, a

3
A falta do pronome sujeito torna a frase agramatical em francês e inglês.
4
Os morfemas de passado concluído, em português, expressam cumulativamente a informação de TMA e
de pessoa do discurso. No exemplo dado, -ei expressa, além da informação gramatical de passado
concluído, a informação gramatical de 1ª pessoa do discurso.

7
criança vai definindo os valores da gramática específica de sua língua materna, e a
forma definitiva dessa gramática particular devera estar maturada na mente do falante
por volta da sua pré-adolescência. Isso explica por que, aos três ou quatro anos de idade,
a criança, que nessa fase da vida ainda tem um desenvolvimento intelectual muito
limitado (não é capaz, por exemplo, de realizar operações aritméticas elementares), já
domine a parte essencial de um sistema gramatical tão sofisticado.5
Na medida em que a competência linguística do falante (o conhecimento que
ele mobiliza para se comunicar com os demais falantes de sua língua nativa) seja um
conhecimento implícito e intuitivo,6 a aquisição da língua materna é um processo
intuitivo e espontâneo, que não carece de treinamento especial. 7 Bem diferente é o
processo de aquisição da escrita e da linguagem do saber formal,8 que envolvem
técnicas que requerem uma formação específica. A escola deve fazer com que o aluno
seja capaz de transitar do senso comum, o conhecimento que ele adquire em sua vida
cotidiana, para o saber formal, que ele tem de dominar, no plano da ciência, da vida
institucional etc. O estudo dessa modalidade especial de língua, própria do
conhecimento formal e tradicionalmente denominada norma culta, é um dos requisitos
essenciais para o aluno aceder ao conhecimento científico, jurídico, institucional etc. A
tradição gramatical está intimamente ligada a esse estudo, próprio das sociedades
letradas.

2. A Tradição Gramatical

O funcionamento da língua tem intrigado os estudiosos desde a Antiguidade. Na


Grécia clássica, grande filósofos, como Platão e Aristóteles, procuraram analisar o
sistema da língua, decompondo a estrutura dos enunciados verbais, no que era
denominado partes do discurso. E categorias como verbo e adjetivo, que até hoje são

5
Essas questões, cruciais para os estudos de Aquisição da Linguagem – um ramo importante da
Linguística Contemporânea –, são apresentadas aqui de forma bastante simplificada e imprecisa.
6
Isso significa que o falante normalmente desconhece as propriedades do sistema mental que usa para
formar e compreender as frases de sua língua, tais como o fato de o núcleo dessas frases ser formado por
um verbo e seus argumentos.
7
Ou seja, os pais não precisam se preocupar em ensinar os filhos a falar, pois isso ocorrerá naturallmente,
exceto em situações excepcionalmente traumáticas, ou em casos de sérios distúrbios mentais.
8
O saber formal (da ciência e das representações institucionais da cultura de tipo civilizado, por
exemplo), opõe-se ao saber intuitivo (também denominado senso comum), do qual lançamos mão para
lidar com as coisas no nosso dia-a-dia, em casa e na vida familiar.

8
utilizadas na análise gramatical, foram formuladas nessa época. Mas a análise
gramatical começou a adquirir as feições que a caracterizam nas sociedades modernas,
em um grande centro do conhecimento, no período tardio da cultura helênica, a cidade
de Alexandria, no Egito. No século III A.C., os filólogos alexandrinos buscavam
recuperar a forma original dos grandes poemas homéricos – a Ilíada e a Odisséia (textos
capitais da cultura helênica) –, que haviam sido escritos cerca de quinhentos anos antes.
As mudanças que a língua grega sofrera nesse período eram vistas como corrupções de
sua forma mais perfeita: a língua de Homero. Assim, o estudo da língua passou a ter
como princípio norteador a fixação da forma mais perfeita do idioma – aquela
encontrada nos clássicos do cânone literário.
No pragmatismo da cultura romana, que dominou o mundo antigo, após o
período helênico, o estudo da Gramática adquiriu um fim mais prático, associando-se ao
estudo da Retórica. Os debates públicos travados no Fórum e no Senado eram cruciais
na disputa pelo poder na sociedade romana. Assim, era imperioso ser um exímio orador,
usando a língua com destreza e grande poder de persuasão. Nesse contexto, o estudo da
gramática se identificou com a arte de escrever e falar bem. Essa concepção atravessou
a Idade Média e foi transferida na era moderna ao estudo das línguas nacionais.
A homogeneização linguística em torno de uma forma de língua considerada
superior desempenhou um papel ideológico decisivo na formação dos modernos estados
nacionais, estabelecendo a equação: uma nação – um governo – uma língua. Isso
explica a força do paradigma da tradição gramatical nas sociedades contemporâneas,
dominadas pela cultura letrada. No senso comum, a existência de uma única forma
correta de língua é tida como uma verdade objetiva e inquestionável, de modo que o
estudo da língua só pode ser concebido como uma forma de fazer o aluno falar e
escrever corretamente. O estudo científico da linguagem humana tem demonstrado que
há uma grande dose de mistificação nessa concepção de língua e do seu ensino, mas o
peso de uma tradição cultural secular e as poderosas forças ideológicas que a sustentam
fazem que uma visão mais realista de língua fique restrita aos muros das universidades,
e a modernização do ensino de língua materna ainda tem de vencer uma enorme
resistência na ideologia hegemônica na sociedade.

9
3. O estudo científico da gramática e a variação linguística

Com o advento da Linguística Moderna no início do século XX, foram


desenvolvidas pesquisas empíricas que demonstraram que toda variedade de língua tem
uma organização estrutural e goza de plenitude funcional dentro de seu universo cultural
próprio. Ou seja, qualquer falante de uma língua humana é capaz de dizer tudo o que ele
pensa em sua língua materna. Ele não é capaz de dizer o que não pensa. Isso implica
que muitas deficiências que são vistas como deficiências linguísticas são, na verdade,
limitações de ordem cognitiva e refletem a incapacidade do indivíduo em desenvolver
um raciocínio mais formalizado e complexo.
No plano estritamente linguístico, é muito difícil encontrar deficiências, já que
até os indivíduos com graves transtornos mentais têm a sua competência linguística
preservada. São raros os indivíduos que não conseguem dar uma forma verbal aos seus
pensamentos, porém elaborar textos mais longos e bem articulados, com encadeamento
lógico e coerência interna, não é uma habilidade vulgar, requerendo todo um
treinamento especial para o domínio dessa técnica. No seu sentido próprio, o nosso
saber linguístico é a competência que simplesmente nos permite transformar nossos
pensamentos em frases, produzir textos mais longos e complexos depende de outras
habilidades cognitivas. Diante disso, não tem qualquer fundamento um axioma muito
em voga em certos modelos pedagógicos, segundo o qual o estudo da gramática tem que
ser feito no texto e não em frases soltas. O material da análise gramatical é constituído,
sim, simplesmente por frases, sem necessitar, na larga maioria dos casos, do texto ou do
contexto, em que foram produzidas.
Todas as frases que os falantes de uma língua reconhecem como de sua língua
nativa são dados para o estudo científico da gramática, independentemente de serem
consideradas certas ou erradas pela tradição gramatical. E uma das características de
todas as línguas humanas vivas é que sempre existe mais de uma forma linguística de
expressar um mesmo conteúdo cognitivo, como se pode ver nos exemplos abaixo:

(15) A aluna cujo pai é engenheiro tirou uma nota boa na prova de
matemática.
(16) A aluna que o pai dela é engenheiro tirou uma nota boa na prova
de matemática.

10
Essa possibilidade de dizer a mesma coisa de forma diferente é o que a ciência
da linguagem chama de variação linguística. As frases (15) e (16) estão perfeitamente
estruturadas e são aceitas pelos falantes nativos do português como frases da sua língua,
ou seja, todas são gramaticais. Entretanto, as duas frases são avaliadas de forma
diferenciada, no plano sociocultural, em função das prescrições veiculadas pela tradição
gramatical. Segundo os preceitos da gramática normativa, a frase (15) é a forma correta,
e a (16) está errada. Está distinção baseia-se em uma convenção social, e não há
fundamentação linguística para dizer que (15) é melhor que (16), nem o contrário.
O estudo científico da gramática deve contemplar a variação linguística,
tomando como objeto de análise legítimo qualquer variedade de uso da língua e
buscando explicar os mecanismos gramaticais que permitem a produção de estruturas
sintáticas alternativas. O estudo da variação linguística é importante, em primeiro lugar,
por que é essa flexibilidade inerente a estrutura da língua que permite que ela funcione
em situações culturais tão diversas, como uma feira livre e uma sessão de um tribunal de
justiça. Em segundo lugar, é importante estudar a variação linguística para tentar
compreender uma das características essenciais de todas as línguas humanas: elas estão
sempre mudando, mesmo que seus falantes não se deem conta disso. E as mudanças se
implementam na língua através dos processos de variação linguística. No início, uns
poucos falantes começam a expressar uma ideia com uma forma linguística diferente,
essa forma linguística nova se difunde socialmente e passa a alternar com a forma
linguística antiga. Essa situação de variação pode durar séculos ou mesmo se manter
indefinidamente na língua. Porém, pode acontecer de a forma antiga cair em desuso e
desaparecer. Assim, a mudança se completa.
Esses são os princípios que nortearão a análise gramatical da língua portuguesa
que será desenvolvida aqui. O objetivo principal desse estudo é descrever e analisar o
conhecimento que um falante nativo do português emprega quando usa sua língua, o
que inclui sua capacidade de produzir frases formalmente distinta mas que têm o mesmo
significado, bem como compreender frases formadas de uma maneira distinta daquela
que ele emprega normalmente.

11
Capítulo 1
A Arquitetura da Linguagem

Em termos bem básicos, podemos dizer que quem sabe falar uma língua sabe um
conjunto mínimo de palavras dessa língua e as regras que nela se empregam para
combinar essas palavras em frases. Isso nos permite distinguir os dois módulos
essenciais do conhecimento linguístico: o léxico e a gramática (também denominada
sintaxe, ou ainda, morfossintaxe). Essa divisão do conhecimento linguístico é
confirmada pelos livros que tradicionalmente descrevem uma língua: o dicionário e a
gramática. Conquanto seja evidente essa separação entre o léxico e a gramática,
poderemos constatar que existe uma profunda interação entre esses dois módulos do
conhecimento linguístico, não se podendo falar de dois conjuntos discretos entre si.

1. O Léxico

O léxico é o conjunto de palavras de uma dada língua e resulta da capacidade


cognitiva dos seres humanos de decompor o real em coisas distintas, através da
faculdade mental de atribuir um significado individualizando a cada coisa. Podemos
denominar essa faculdade como a capacidade de conceituar. Assim, cada palavra da
língua expressa um conceito. Ou seja, uma palavra não remete a um objeto do mundo
real, mas expressa uma definição, com a qual é possível identificar um conjunto
potencialmente infinito de objetos que se ajustam a essa definição. A palavra árvore não
remete a um objeto do mundo real (uma árvore em particular), mas expressa um
conceito que permite ao indivíduo identificar um conjunto potencialmente infinito de
objetos que se enquadram no conceito ‘árvore’. Portanto, cada palavra da língua é uma
unidade básica de sentido.

12
Ferdinand de Saussure, o fundador da Linguística Moderna, definiu, assim a
palavra como signo linguístico, constituído pela relação arbitrária entre uma sequencia
sonora (a combinação de sons da palavra árvore, por exemplo), dita significante, e um
conteúdo semântico (a ideia que vem a nossa mente quando ouvimos a palavra árvore),
dita significado. A relação entre o significante e o significado é imediata e
indissociável, tanto que Saussure comparou o signo linguístico a uma folha de papel,
sendo um lado da folha o significante, e o seu verso, o significado; portanto, não se
pode apartar um do outro. 9
O léxico de uma língua reflete o mundo cultural em que vive a coletividade que
usa essa língua, bem como seu meio ambiente. Assim, na língua dos esquimós existem
dezenas de palavras para designar o que designamos apenas com uma única palavra:
neve. Por outro lado, palavras como cadeira, ortografia e computador, que fazem parte
do léxico da nossa língua, estão ausentes em muitas línguas de sociedades tribais, que
desconhecem esses objetos. O advento da civilização e da escrita são fatores que
determinam um enorme crescimento do léxico de uma língua, tanto que línguas como o
português, o alemão, o francês e o inglês, usadas por sociedades que têm uma tradição
escrita milenar, têm atualmente um léxico constituído por cerca de meio milhão de
palavras, enquanto o léxico de uma comunidade ágrafa (sem escrita) não chega a seis
mil palavras. Mas, se analisarmos o léxico de uma língua como o português, veremos
que a grande maioria das palavras pertence aos vocabulários técnicos da medicina, do
direito, da filosofia, da física etc., e são desconhecidas do grande público. Um falante
dessas línguas, com pouca ou nenhuma escolaridade, domina entre três a quatro mil
palavras somente.

2. A gramática

A gramática diz respeito às regras de combinação das palavras para formar as


frases e a forma adequada que cada palavra deve assumir em cada frase. As regras de
formação das frases definem, sobretudo, a ordem em que as palavras devem figurar no
enunciado verbal e a relação que se estabelece entre elas. Muitas vezes, é necessário
introduzir partículas gramaticais para sinalizar essas relações. Em uma frase como:

9
Curso de Lingüística Geral. 5 ed. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein;
prefácio de Isaac Nicolau Salum. São Paulo: Cultrix, 1973.

13
(17) A Maria gosta de chocolate.

A partícula gramatical de indica que chocolate completa o sentido de gosta. Já


em uma expressão como o chocolate da Maria, a mesma partícula já serve para
estabelecer uma relação entre a coisa possuída (o primeiro termo da expressão: o
chocolate) e o possuidor (o segundo termo: a Maria).
Já a forma que a palavra assume na frase tem a ver com algumas informações
que a gramática da língua determina que sejam fornecidas quando se usa um
determinado tipo de palavra. Essas informações são denominadas categorias
gramaticais. Quando se usa, por exemplo, um nome (palavra que tradicionalmente
designa os seres e as coisas), é preciso dizer, normalmente, se se trata de um ou mais de
um indivíduo, bem como informar o seu gênero. Se uso a palavra menino, ela aparece
com uma das seguintes formas: menino, menina, meninos, meninas, para indicar o
gênero e o número, que são as categorias gramaticais da classe dos nomes, em
português. Os valores das categorias de gênero e número devem ser corretamente
indicados no contexto de cada frase; caso contrário, essa frase se torna agramatical,
como se pode ver no exemplo abaixo:
(18) *Essa menino são adoráveis.
As categorias gramaticais definem propriedades essenciais da faculdade da
linguagem, tornando-a um sistema muito eficaz e econômico. A categoria gramatical de
número, por exemplo, é uma forma muito econômica de codificar a informação. Se
precisássemos de uma palavra para designar ‘um menino’ e outra para designar ‘mais de
um menino’, e assim por diante, necessitaríamos de quase o dobro das palavras de que
dispomos, para expressarmos essa informação que fazemos apenas com o acréscimo de
um –s ao final da palavra. Por outro lado, as categorias gramaticais correspondem às
categorias mentais, com que os seres humanos organizam a sua percepção do mundo.
Portanto, estudar gramática é uma forma de estudar as categorias que formam o
pensamento humano.
Nesse sentido, uma das categorias essenciais da gramática das línguas humanas
é a categoria de tempo, modo e aspecto ligada à classe dos verbos. Qualquer frase
produzida em qualquer língua humana tem de conter ao menos um elemento gramatical
que: (i) situe temporalmente o evento referido em relação ao momento em que a frase é
proferida (a categoria tempo), (ii) indique se o evento referido é real ou irreal (a

14
categoria modo); (iii) as características de duração e realização do evento (a categoria
aspecto).
Como vimos no enunciado apresentado em (1), e agora repetido com o número
(19), a frase em questão é agramatical, porque não possui uma marca gramatical de
tempo, modo e aspecto (TMA).
(19) * Eu cortar o cabelo amanhã.
Ela só se torna gramatical quando essa marca é introduzida, como exemplificado
em (20):
(20) a. Eu cortarei o cabelo amanhã.
b. Eu vou cortar o cabelo amanhã.
Em português a informação de tempo modo e aspecto pode ser dada através da
flexão verbal, como em (20)a – forma sintética –, ou por meio de um auxiliar que
forma uma locução verbal com a forma nominal do verbo, como em (20)b – forma
analítica. As frases em (20) exemplificam um caso de variação linguística em
português na forma de expressar o que tradicionalmente se chama futuro do presente.
Podemos então dizer, numa linguagem técnica, que a variável forma verbal do futuro
do presente contém duas variantes. A variante expressa em (20)a é a variante padrão,
de maior prestígio social e usada nas situações de comunicação formal, sobretudo na
escrita. A variante expressa em (20)b é variante inovadora, de menor prestígio social,
predominando largamente na comunicação informal, mesmo na escrita. A variação,
como vimos no capítulo anterior, é inerente ao funcionamento e à estrutura das línguas
humanas.
Seja na forma analítica, seja na flexão verbal, a informação de tempo, modo e
aspecto tem de estar marcada gramaticalmente, para que seja formada uma frase em
português, ou em qualquer outra língua humana.

3. A relação entre léxico e gramática

Na competência linguística do falante nativo de uma língua humana, como o


português, o conhecimento do léxico não está dissociado do conhecimento da
gramática. De certa forma, o conhecimento da gramática permeia o conhecimento do
léxico, e este se projeta naquele. O conhecimento que o falante tem das palavras de sua

15
língua não se restringe ao conhecimento da forma e do significado, mas abarca também
as propriedades gramaticais de cada palavra. Essa especificação gramatical é que
orienta a seleção das palavras para formar as frases. Tomemos, como exemplo, as
palavras brincar e brincadeira. Ambas têm um significado muito semelhante, referente
ao ‘ato de brincar’, mas têm especificações gramaticais muito distintas, que fazem da
primeira palavra um verbo e a segunda um nome. O falante nativo sabe, por exemplo,
que numa frase a primeira palavra deve ser acompanhada de um constituinte que
informe o agente da ação de brincar, como exemplificado em (21); já a segunda
palavra deve ser precedida por um determinante e por vir seguida de um modificador,
formando o argumento de um predicador verbal ou nominal, como exemplificado em
(22).

(21) As crianças brincaram à tarde toda.


(22) Essa brincadeira de roda é muito divertida.

Por saber isso, o falante nativo não se atrapalha, nem faz confusões, como
exemplificado abaixo:

(23) *As crianças brincadeiras à tarde toda.


(24) *Esse brincamos de roda é muito divertido.

Assim, as unidades do léxico estão agrupadas de acordo com suas propriedades


gramaticais em subconjuntos que a tradição gramatical denominou classes de palavras.
As classes de palavras se definem, essencialmente, pelas propriedades gramaticais
compartilhadas pelas palavras que as compõem.

4. Palavras referenciais e palavras gramaticais

A questão da relação entre o léxico e a gramática se coloca também no que


concerne a certos tipos de palavras que usamos para formar frases. A grande maioria
das palavras de uma língua se refere às coisas do mundo exterior. São, portanto,
palavras referenciais e se agrupam, essencialmente, em três grandes classes de
palavras:
• Os nomes, que se referem grosso modo aos seres e coisas;

16
• Os verbos, que se referem grosso modo às ações e aos processos físicos,
orgânicos e mentais;
• Os adjetivos, que designam estados e qualidades.
Entretanto, há palavras cujo significado não remete ao mundo real, mas a
relações e informações definidas pela estrutura gramatical da língua. São as palavras
gramaticais, exemplificadas nas frases abaixo:

(25) Comprei o livro ontem.


(26) O vestido da Maria está lindo.
(27) Ela disse que não vem.

O artigo definido o, em (25), informa que o livro a que a frase se refere já é


conhecido pelo falante e pelo(s) ouvinte(s). A preposição de, em (26), estabelece uma
relação entre o vestido e a Maria, nos termos de coisa possuída e possuidor,
respectivamente. E o complementizador que serve apenas para encaixar a oração não
vem como complemento do verbo disse da oração matriz.
As palavras referenciais se agrupam em classes muito numerosas que
constituem conjuntos abertos, pois a cada momento é possível criar um novo nome, ou
verbo, ou adjetivo na língua, em função de objetos, atitudes, ou conceitos novos que vão
surgindo na vida social. Assim, não é possível, por exemplo, dizer precisamente quantos
nomes, adjetivos e verbos existem em português, pois a qualquer momento um novo
nome, verbo ou adjetivo pode ser criado. Além disso, o elenco de palavras dessas
classes pode variar bastante de uma língua para outra, em função das diferenças
culturais entre os povos que as falam. Palavras como foguete, elétrico, redigir, que
fazem parte do léxico do português, não estão presentes no léxico de muitas outras
línguas.
Já as palavras gramaticais constituem classes fechadas e pouco numerosas. Um
exemplo extremo é a classe dos artigos, que, em português, só tem dois elementos, os
quais se flexionam em gênero e número:
(i) o artigo definido: o,a,os,as; e
(ii) o artigo indefinido: um, uma, uns, umas.
Não é possível criar um novo artigo ou uma nova preposição, por exemplo,
como se criam nomes, verbos e adjetivos. A criação de uma nova palavra gramatical é
um processo muito lento e, no geral, resulta de um processo de mudança, denominado

17
gramaticalização, no qual uma palavra ou expressão referencial vai assumindo
gradualmente a função de uma palavra gramatical. Um exemplo bem acessível de
gramaticalização no português é a conversão da expressão nominal a gente, que
originalmente significava ‘um grupo humano’ (e.g., “a gente deste lugar é muito
desconfiada”), e passou a funcionar como pronome da primeira pessoa do plural,
concorrendo com a forma canônica nós, como nos versos da canção do grupo de roque
brasileiro Titãs: “a gente não quer só comida, a gente quer comida diversão e arte”, cuja
variante padrão é: “nós não queremos só comida, nós queremos comida diversão e arte”.
Esse processo de gramaticalização do a gente levou séculos para se consolidar na
língua.
Do ponto de vista da distinção entre léxico e gramática, a questão que se coloca
é: as palavras gramaticais fazem parte do léxico ou são introduzidas no módulo
gramatical do conhecimento linguístico, no momento da formação das frases? Essa é
uma das questões que desafiam os cientistas da linguagem (os linguistas) que buscam
descrever o processo mental através do qual transformamos nossos pensamentos em
frases. Por outro lado, isso só vem a reforçar a visão que enfatiza a profunda interação
entre léxico e gramática, que não podem ser vistos como dois conjuntos estanques e
apartados. Na próxima seção, vamos fazer uma breve descrição das classes de palavras,
procurando distinguir as classes de palavras referenciais das classes de palavras
gramaticais, o que também não é uma tarefa fácil.

5. As Classes de Palavras

A definição da classe dos nomes, verbos e adjetivos, dada na seção anterior e


repetida abaixo, tem uma base semântica – isto é, define essas classes de palavras em
função do sentido comum de seus elementos.
• Os nomes: referem-se aos seres, coisas e fenômenos;
• Os verbos: referem-se às ações e aos processos físicos, orgânicos e
mentais;
• Os adjetivos, que designam estados e qualidades.
Esse parâmetro, muito usado pela tradição gramatical, não é o mais eficaz, em
termos analíticos, pois essa definição semântica, a rigor, não nos permite distinguir um

18
nome de um verbo, ou um verbo de um adjetivo. Por exemplo: corrida significa uma
ação (o ato de correr), mas não é um verbo; brilhar diz respeito a uma qualidade de
certos objetos, mas não é um adjetivo; e assim por diante.
É mais eficaz analisar as classes de palavras em termos de suas propriedades
formais e funcionais. As classes de palavras se definem pela forma como as palavras
que as compõem se flexionam e pela função que desempenham na frase. Como vimos
acima, a flexão serve para expressar os valores das categorias gramaticais associadas a
cada classe de palavra, e a função sintática diz respeito à posição que a palavra deve
ocupar na frase.
A seguir, vamos fazer uma apresentação sumária e não exaustiva das classes de
palavras em português, como base nesses parâmetros formais e funcionais.
Começaremos pelas classes de palavras referenciais, que são, por excelência, as
classes dos nomes, verbos e adjetivos. Em seguida, traçamos um rápido panorama das
classes de palavras gramaticais.

5.1. A classe dos nomes


Em português, as categorias gramaticais ligadas à classe dos nomes são:
número, gênero e referencialidade. A maioria dos nomes se flexiona em número,
através do acréscimo do morfema de plural –s, que indica se tratar de mais de um
indivíduo: casa : casas; ponto : pontos; pé : pés, etc. A flexão de gênero informa o
sexo, no caso dos nomes dos seres vivos: gato : gata; menino : menina; sogro : sogra,
etc. Mas, para a maioria dos nomes, o gênero é só um classificador gramatical, indicado
pela flexão dos determinantes e dos modificadores:

(28) uma casa bonita


(29) o muro alto
(30) essa foto é linda
(31) o planeta mais afastado

O gênero nesses casos é arbitrário. Não há nenhuma razão para casa e foto serem
nomes femininos e muro e planeta serem nomes masculinos; tanto que o gênero das
palavras que se referem às coisas varia mesmo entre línguas bem aparentadas, como as
línguas românicas. Em português mar é masculino (o mar); em francês, é feminino (la
mer). Já flor, que é feminino em português (a flor), é masculino em italiano (il fiori).

19
Os artigos também servem para informar o nível de referencialidade em
relação aos nomes. Em uma frase, o nome pode se referir à espécie, como em (32)a; a
um indivíduo dessa espécie que acabou de ser introduzido no discurso como uma
informação nova, como em (32)b; ou como um indivíduo já referido anteriormente,
como em (32)c.

(32) a. Um livro é sempre uma boa companhia.


b. Ontem mesmo comecei a ler um livro muito interessante.
c. O livro é um romance histórico.

Em (32)a, temos uma referência genérica [-específico]; já em (32)b. temos uma


referência específica a um livro em particular, que é desconhecido do ouvinte
[+específico; -definido], esse nível de referencialidade é marcado pelo artigo
indefinido; em (32)c, uma referência específica definida a um livro específico, do
qual o ouvinte já tomou conhecimento [+específico, +definido], o que é marcado pelo
artigo definido. A referência genérica, em português, não tem uma marca gramatical
específica, pois nomes de referência genérica podem vir precedidos por um artigo
definido – como em (33)a –, ou podem vir precedidos por um artigo indefinido – como
em (33)b –, ou podem ainda vir sem qualquer artigo – como em (33)c.

(33) a. A bactéria é um ser vivo.


b. Uma bactéria é um ser vivo.
c. Bactérias são seres vivos.

Sintaticamente, os nomes normalmente funcionam como núcleo de argumentos


em predicações verbais e normais. Regidos por uma preposição podem funcionar como
adjuntos (cf. próximo capítulo).

5.2. A classe dos verbos


Para além da categoria de tempo, modo e aspecto, já referida anteriormente, os
verbos também se flexionam para expressar os valores da categoria gramatical pessoa
do discurso (também denominada pessoa e número). Essas categorias gramaticais do
verbo podem ser marcadas separadamente – como em trabalharemos e trabalhavam,
em que os morfemas -re- e -va- expressam os valores de tempo, modo e aspecto e os
morfemas -mos e -m expressam os valores de pessoa e número –, ou simultaneamente,

20
como em trabalhei e trabalhou, em que os morfemas -ei e -ou indicam
cumulativamente tempo, modo e aspecto e pessoa e número.
Funcionalmente, os verbos são os principais predicadores da língua (cf. próximo
capítulo). E, como já foi dito, não se pode formar uma frase em português sem pelo
menos uma forma verbal flexionada em tempo, modo e aspecto e pessoa e número.

5.3. A classe dos adjetivos


Os adjetivos se flexionam em gênero e número, como os nomes: bonito,
bonita, bonitos, bonitas. A flexão em número é mais geral do que a flexão em gênero.
São raros os adjetivos que não se flexionam em número (e.g., simples), mas há muitos
que não se flexionam em gênero e só se flexionam em número: feliz : felizes; grande :
grandes; etc. Sintaticamente, os adjetivos funcionam como predicadores em predicações
nominais (cf. próximo capítulo), ou como modificadores de um núcleo nominal nos
Sintagmas Nominais (cf. Capítulo 4).

5.4. As classes de palavras gramaticais


As classes de palavras estritamente gramaticais são:
• Operador de negação: não.
• Artigos (definido e indefinido): indicam o nível de referencialidade dos
nomes (cf. supra).
• Preposições (de, para, a, em, por, sem, etc.): são fundamentalmente
conectivos que estabelecem relações entre constituintes da frase.
• Conectores (que e se): servem apenas para encaixar uma oração na
outra.
• Demonstrativos (este, esse, aquele): são determinantes do nome como
os artigos e expressam os valores da categoria gramatical da dêixis
(situar os objetos especialmente, em relação às pessoas do discurso),
podendo assumir no texto um valor anafórico (referencia a um termo já
mencionado anteriormente) ou catafórico (referência a um termo que
será enunciado em seguida). Flexionam-se em número e gênero,
expressando, além do masculino e do feminino, o valor de gênero neutro
(isto, isso, aquilo). Podem substituir um Sintagma Nominal. (cf. Capítulo
4)

21
• Pronomes (eu, vocês, me, se, consigo, mim, meu, teu etc.): expressam os
valores da categoria gramatical pessoa do discurso nas diversas funções
sintáticas, podendo substituir um Sintagma Nominal ou atuar como
determinante do núcleo de um Sintagma Nominal (cf. Capítulo 4).
• Quantificadores: todos, cada, muitos, poucos, vários, nenhum etc.
• Palavras Interrogativas: quem, onde, quando, por que, o que etc.
• Conjunções (porque, embora, mas, e, ou, portanto etc): estabelecem
relações lógico-semânticas entre orações, ou entre constituintes de uma
oração (cf. Capítulo 3).
Como já foi dito, as palavras gramaticais têm um valor universal, estando
presentes na grande maioria das línguas humanas.

5.5. A classe dos advérbios


Tradicionalmente, o conhecimento científico busca analisar o real, decompondo-
o em conjuntos discretos – o que se denomina taxonomia. Contudo, modelos
epistemológicos mais recentes, como a Teoria dos Conjuntos Difusos,10 têm
argumentado no sentido de que um modelo que prevê a existência de interseções entre
os conjuntos, de modo que esses conjuntos formem um continuum, se ajusta mais à
realidade. Esse princípio epistemológico será adotado na análise que aqui se apresenta.
No que concerne às classes de palavras, a distinção entre classes de palavras referenciais
e gramaticais não é estanque. Há uma classe mais heterogênea, a classe dos advérbios,
que se situa na fronteira entre as classes de palavras referenciais e as classes de palavras
gramaticais. Há advérbios que têm um caráter bem gramatical – tais como: hoje,
sempre, longe, já, mais, muito etc – e advérbios que têm uma natureza mais referencial,
como é caso dos advérbios em -mente (tranquilamente, fatalmente, mansamente etc.),
que constituem, inclusive, um conjunto aberto (a qualquer momento, é possível criar um
novo advérbio em -mente), o que é uma característica proeminente das classes de
palavras referenciais. Portanto, a divisão de palavras em classes, bem como a distinção
entre palavras gramaticais e palavras gramaticais, deve ser vista, menos como uma
divisão do conjunto de palavras de uma língua em compartimentos estanques, do que
como um continuum, em que se passa gradualmente de uma classe para outra.

10
Cf. ZADEH, Lotfali. Fuzzy Sets and Systems. In: FOX, J. (Ed.). System Theory. Nova York:
Polytechnic Press, 1965b. p. 29–39.

22
6. Frase, Oração e Período

A gramática é o sistema mental que transforma os nossos pensamentos em frases


sintaticamente estruturadas. 11 Uma frase sintaticamente estruturada deve conter ao
menos uma forma verbal marcada gramaticalmente para tempo, modo e aspecto; seja
uma forma verbal flexionada, como em (34) abaixo, seja uma locução verbal, como em
(35). Essa forma verbal pode ser apenas a conexão entre um predicador nominal ao
seu argumento externo, como em (34), ou ser um predicador verbal que seleciona
seu(s) próprio(s) argumento(s), como em (35):12

(34) Maria estava insegura ontem, na reunião.


(35) João vai trabalhar com o avô esta manhã.

Como se verá em detalhes no próximo capítulo, o conjunto formado por um


predicador nucelar, seja ele nominal ou verbal, e seu(s) argumento(s) é o núcleo da
estrutura sintática básica da língua, denominada oração. Além do predicador nucelar e
seu(s) argumento(s), a oração pode conter outros constituintes denominados adjuntos e
apostos. A oração per se pode constituir uma frase da língua, como em (34) e (35)
acima, o que a tradição gramatical denomina oração absoluta e período simples.
Porém, a frase pode ser constituída por mais de uma oração, como em (36) abaixo, em
que a frase é constituída por três orações que se organizam a partir das formas verbais
tinha dito, é e discordo. Portanto, o número de orações de um período é igual ao
número de formas verbais que esse período contém.

(36) João tinha dito que a Maria é imatura, mas eu discordo de sua
opinião.

A tradição gramatical denomina período composto a essas frases constituídas


por mais de uma oração. Portanto, uma frase é um conjunto de orações, podendo ser um
conjunto unitário. Por outro lado, uma oração só poderá constituir uma frase sozinha se
contiver uma forma verbal marcada em tempo modo e aspecto (TMA). As orações

11
Não estamos considerando aqui certos tipos especiais de frase que a tradição gramatical chama de frase
nominal e frase de situação – exemplificadas abaixo em (1) e (2)b, respectivamente – e que só são
usadas em situações muito específicas.
(1) Votação da reforma tributária hoje na Câmara dos Deputados.
(2) a. A Maria chegou?
b. Não.
12
A estrutura dessas predicações nominais e verbais será tratada no próximo capítulo.

23
abaixo, formadas em torno de formas verbais não marcadas em TMA não podem formar
sozinhas uma frase:

(37) *José agredir o colega.


(38) *João trabalhando com o irmão.
(39) *Finalizado o trabalho.

Em (37) o verbo está no infinitivo; em (38), no gerúndio e em (39), no


particípio passado; são as chamadas formas nominais ou formas não-finitas do
verbo. As orações que contêm esse tipo de forma verbal só podem formar uma frase se
combinadas com uma oração que tenha uma forma verbal finita, ou seja, uma forma
verbal flexionada em TMA, como em (40) e (41), ou uma locução verbal, como em
(42):

(40) Maria viu José agredir o colega.


(41) O pai quer o João trabalhando com o irmão.
(42) Finalizado o trabalho, vamos poder descansar.

Portanto, uma frase sintaticamente estruturada deve conter ao menos uma forma
verbal finita, ou uma locução verbal. Para finalizar este capítulo vamos analisar
brevemente a forma como os verbos expressam as categorias de tempo, modo e aspecto.

7. Flexão do verbo

Sendo uma língua indo-europeia, o português é uma língua flexiva, de modo


que os valores de muitas categorias gramaticais são expressos através da flexão, tal é
caso das categorias verbais de tempo, modo e aspecto. Para marcar os valores dessas
categorias, um morfema flexional se une ao radical do verbo como um sufixo, gerando
formas como: trabalhará, corria, partiram, etc. Na primeira forma, o morfema –rá–
expressa a informação de modo indicativo e tempo futuro. Já na segunda forma, o
morfema –ra– informa que se trata do modo indicativo, tempo passado (que a tradição
gramatical chama de pretérito) e aspecto concluído (que a tradição gramatical chama
de perfeito).

24
O modo é categoria gramatical que se refere ao grau de realidade atribuído a um
enunciado. Essa informação pode ser fornecida lexicalmente por meio de expressões,
como:

(43) Eu acho que o João estava nervoso.


(44) Não há dúvida de que o João estava nervoso.

Gramaticalmente, essa informação de modo é fornecida pela flexão do verbo,


simultaneamente com a informação de tempo e, em alguns casos, com a informação de
aspecto. Tradicionalmente, distinguem-se três valores para a categoria gramatical de
modo: indicativo, subjuntivo e imperativo. O indicativo expressa a certeza do falante
sobre o evento referido, de modo que a frase traduz um fato real13 – cf. exemplo (45). O
subjuntivo é o modo da incerteza, quando o falante se refere a um evento possível,
hipotético ou mesmo irreal14 – cf. exemplo (46). Já o imperativo indica uma ordem, um
pedido ou um apelo – cf. exemplo (47).

(45) João estuda latim.


(46) Se eu me controlasse, não teria dito aquilo.
(47) Por favor, passe-me a caneta.

No plano lógico-semântico, devemos distinguir apenas dois modos: o indicativo


(realis) e o subjuntivo (irrealis), sendo o imperativo incluído no subjuntivo, já que um
evento referido numa ordem/pedido/apelo é um evento que não tem uma existência
objetiva. Porém, a distinção do modo imperativo pode ser mantida em função do seu
valor pragmático: a função de uma frase no imperativo afeta diretamente o ouvinte,
distinguindo-se das frases dos tempos indicativo e subjuntivo, normalmente frases
declarativas, em princípio, neutras, em relação ao ouvinte.
A categoria gramatical do tempo situa o evento referido em relação ao momento
da enunciação. Em (48), o evento referido ocorreu antes do momento da enunciação –
tempo passado; em (49), está ocorrendo no momento da enunciação – tempo presente;
e em (5)), ocorrerá depois do momento da enunciação – tempo futuro.

(48) A Maria saiu com o João.


(49) A Maria está em casa.
(50) Ela voltará.

13
Na literatura linguística, usa-se também a palavra latina realis para indicar esse modo.
14
Donde a designação irrealis, que também se encontra na literatura linguística.

25
Assim como ocorre em relação ao modo, a informação de tempo pode ser dada
lexicalmente, como se pode ver na frase abaixo, em que a essa informação é dada pelo
advérbio amanhã.

(51) A Maria viaja amanhã.

A categoria gramatical aspecto diz respeito a certas características ou dimensões


do evento ou processo designado pelo verbo, tais como: duração, início, conclusão,
frequência etc. A tradição gramatical não dá muita atenção a essa categoria gramatical,
fazendo somente a distinção aspectual de concluso e inconcluso em relação ao passado:

(52) A Maria saiu antes do João chegar.


(53) A Maria saía quando o João chegou.

Em (52) a ação de sair ocorreu no passado e já se concluiu – o que a tradição


gramatical denomina pretérito perfeito;15 já em (53), a ação situada no passado não se
concluiu – o que a tradição gramatical denomina pretérito imperfeito.
Comparado a outras línguas, como as línguas eslavas, o português exibe, de fato
poucas marcas gramaticais de aspecto. Contudo, essa informação é frequentemente
expressa na língua por meio de locuções verbais.

8. Locuções Verbais

Para além da flexão verbal, as informações de TMA também podem ser


fornecidas por meio de uma locução verbal, em que um verbo – denominado verbo
auxiliar – se liga a uma forma não-finita de outro verbo (infinitivo, gerúndio ou
particípio passado) – denominado verbo principal, como no exemplo abaixo:
(54) Maria já tinha saído, quando João chegou.
O verbo principal (o particípio passado do verbo sair) carrega a significação
referencial do processo verbal (a ação de deixar um lugar). Já o verbo auxiliar combina-
se ao verbo principal para marcar o valor da categoria gramatical de TMA, no caso da
frase (45), a locução verbal tinha saído indica um passado anterior a outro passado (que
a tradição gramatical denomina pretérito mais-que-perfeito); ou seja a ação de Maria
sair já havia se concluído antes da ação de João chegar acontecer.

15
Em sua origem, o adjetivo perfeito significada ‘concluído’.

26
As locuções verbais por excelência são os chamados tempos compostos,
formados com os verbos que funcionam tipicamente verbos auxiliares: ter/haver, estar e
ir:

(55) A Maria tem saído bastante.


(56) A Maria já havia saído.
(57) A Maria está saindo.
(58) A Maria vai sair.
Esses verbos que funcionam como auxiliares também funcionam como verbos
plenos, carregando um significado referencial:

(59) Maria tem muitos livros.


(60) Há um depósito no fundo da construção.
(61) João está no escritório agora.
(62) Luíza vai à praia todo fim de semana.
Dessa forma, podem funcionar como verbos principais em locuções verbais:
(63) Maria vai ter muitas tarefas diferentes nessa nova função.
(64) Tem havido muitos problemas nesse setor.
(65) João vai estar no escritório amanhã.
(66) Estou indo agora para o trabalho.
Um verbo que tem uma função eminentemente gramatical é verbo poder.
Normalmente esse verbo atua como um auxiliar modal, com o valor de possibilidade:

(67) Eu posso fazer isso pra você.


Já o verbo dever também atua como auxiliar modal com valor deôntico (de
obrigação):

(68) Devemos ajudar ao próximo.


Já o verbo querer também expressa o valor modal de volição (vontade):
(69) João quer terminar este trabalho hoje.
Outros verbos podem atuar como auxiliares, mas expressando um valor
aspectual. Tal é o caso de verbos como: continuar, indicando o prolongamento do
processo verbal; começar, indicando o início do processo verbal; ou acabar, indicando
a conclusão da ação expressa pelo verbo:

(70) Ela continua trabalhando em casa.


(71) Ela começou a gritar.

27
(72) Ela acabou de escrever um livro.
A locução verbal formada pelo verbo ser + o particípio passado do verbo
principal é usada para expressar a voz passiva:16

(73) Este documento é assinado pelo supervisor.


(74) Todos os sobreviventes já foram resgatados.
Por fim, podemos acrescentar algumas construções, que, não sendo
propriamente locuções verbais, são composições lexicais com valor verbal, que
denominamos lexias verbais compostas. Nessas construções, um verbo, denominado
verbo leve, forma com seu complemento uma expressão que equivale a um verbo da
língua, como ocorre nos seguintes exemplos:

(75) Ele deu um beijo na irmã. [ = beijar]


(76) Vamos dar uma volta na cidade? [ = passear]
(77) É melhor você dar um tempo. [ = aguardar]
O verbo dar é o verbo leve por excelência, podendo ser empregado com esse
valor em um vasto elenco de expressões. Contudo outros verbos podem ser usados
como verbos leves, em um número mais restrito de expressões, como nos seguintes
casos:

(78) Depois do almoço, eu sempre tiro um cochilo. [ = cochilar ]


(79) O patrão passou uma descompostura no empregado. [ = repreender]
(80) Chamou a atenção do subordinado. [ = advertir ]
Se considerarmos como locução verbal a combinação de um verbo auxiliar com
um verbo principal, a lexia verbal composta não seria propriamente uma locução verbal.
Mas, se considerarmos o termo locução verbal no sentido mais amplo de conjunto de
palavras que funcionam como um único verbo, a lexia verbal composta pode ser
considerada uma locução verbal.
As locuções verbais podem-se combinar, formando conjuntos com três ou quatro
formas verbais:
(81) Eu não estou podendo lhe atender agora.
(82) O supervisor já tinha chamado a atenção desse funcionário antes.
(83) Desse jeito, o regulamento vai continuar sendo desrespeitado.
Em (70), temos o verbo auxiliar no tempo composto (estou podendo) em uma
locução modal (podendo atender); em (71) a lexia verbal composta (chamar a
16
A construção da voz passiva será tratada no capítulo 3.

28
atenção) vem na forma de um tempo composto (tinha chamado); e em (72),
combinam-se o tempo composto (vai continuar), com uma locução aspectual
(continuar sendo) e uma estrutura passiva (sendo desrespeitado), conjugando, assim,
quatro formas verbais em uma única locução. Portanto, a locução verbal é um conjunto
de duas ou mais formas verbais que funcionam como um único verbo.
Sumariamente, podemos classificar as locuções verbais (no sentido mais amplo
do termo em tipos:
1. Tempo composto
Locução verbal formada pelos verbos auxiliares pela junção de um verbo
auxiliar (ter/haver, estar e ir) com uma forma particípio, gerúndio ou
infinitivo de um verbo principal, para dar as informações de TMA.
Ex.: A Maria vai viajar na semana que vem.

2. Locução modal
Locução verbal formada por verbos, como poder, querer e dever, com uma
forma do infinitivo de outro verbo, para expressar o modo irrealis.
Ex.: Eu posso terminar o relatório hoje mesmo.

3. Locução aspectual
Locução verbal formada por verbos, como começar, continuar e costumar,
com uma forma do infinitivo de outro verbo, para expressar um valor do
aspecto verbal.
Ex.: Júlia continua trabalhando neste jornal.

4. Estrutura passiva
Locução verbal formada pelo verbo ser e o particípio passado do verbo
principal, para expressar a voz ativa.
Ex.: Este bilhete ainda não foi carimbado.

5. Lexia verbal
Combinação de um verbo leve (no geral o verbo dar) e um Sintagma
Nominal, que funciona como um único verbo.
Ex.: Ela até me deu um beliscão quando eu falei isso.

29
Capítulo 2
O Núcleo da Estrutura Sintática

O primeiro objetivo do método de análise aqui desenvolvido é fornecer os


elementos para uma análise taxonômica básica de todas as frases da língua, reduzindo
os elementos da análise a uns poucos primitivos teóricos. Assim, vamos apresentar um
esquema taxonômico baseado, fundamentalmente, em quatro categorias analíticas
básicas: predicador, argumento, adjunto e aposto. A estrutura sintática básica da
língua, a oração, tem como núcleo uma predicação, o conjunto formado por um
predicador e seu(s) argumento(s). A essa estrutura nuclear, podem-se acrescentar
informações suplementares através dos adjuntos. E, por fim, qualquer informação sobre
um dos constituintes dessa estrutura pode ser inserida, por meio de um constituinte
parentético, denominado aposto.
Tomemos como exemplo a seguinte frase:
(1) Felizmente, a Maria não contou logo a verdade para o João, seu irmão
mais novo.
O primeiro passo do método de análise aqui proposto é identificar a forma
verbal. Só há uma forma verbal – contou –, portanto a frase (1) é constituída por apenas
uma oração. A estrutura sintática dessa oração se articula em torno da forma verbal
contou, que é um predicador verbal. Enquanto predicador, o verbo é uma palavra
relacional, e o conteúdo semântico da predicação definida por cada verbo da língua faz
parte da competência linguística de qualquer falante nativo. No exemplo em foco, o
conteúdo semântico da predicação definida pelo verbo contar é: quem conta, conta
alguma coisa a/para alguém. A partir dessa configuração semântica, podemos
identificar os argumentos do predicador verbal:
• quem contou: a Maria
• o que contou: a verdade

30
• a quem: o João
O conteúdo semântico do verbo contar define os actantes do processo a que
esse verbo se refere: (i) o agente do processo, que deve ser um ser humano que
transmite (ii) uma informação verbal a (iii) outro ser humano. Se essas especificações
semânticas fossem violadas, o resultado seria uma frase agramatical:
(2) *Felizmente, o altar não contou logo a verdade para o João, seu irmão
mais novo.
(3) *Felizmente, a Maria não contou logo uma cadeira para o João, seu
irmão mais novo.
(4) *Felizmente, a Maria não contou logo a verdade para o vazio da
existência, seu irmão mais novo.
Assim, a carga semântica define a estrutura argumental do verbo, ou seja, os
constituintes que deverão conter as informações requeridas pelo verbo enquanto
predicador. Esses constituintes, que são argumentos do verbo, saturam a predicação
(preenchendo as lacunas abertas pelo verbo – o predicador), e o conjunto formado pelo
verbo e seus argumentos é núcleo da estrutura sintática da oração verbal. Na frase (1),
o núcleo da oração que a constitui é: a Maria contou a verdade ao João.
Os argumentos verbais se dividem em internos e externo, sendo a predicação
verbal máxima constituída por um argumento externo e dois argumentos internos.
A frase (1) constitui um exemplo da predicação verbal máxima, sendo a Maria o
argumento externo do verbo, e a verdade e ao João, os argumentos internos.
O argumento externo (ou seja, o sujeito – segundo a denominação consagrada
pela tradição gramatical) situa-se, normalmente, à esquerda do verbo e especifica a
flexão verbal relativamente à categoria de pessoa e número. Assim, na frase (5), o
sujeito os convidados não se refere nem ao falante, nem ao ouvinte, e se refere a mais de
um indivíduo, o que tradicionalmente se denomina 3ª pessoa do plural. Com isso, o
verbo deve vir marcado morficamente com esse valor para a categoria pessoa do
discurso, por meio do morfema –m, no fenômeno morfossintático denominado
concordância verbal.
(5) Os convidados ainda não chegaram.
Além do argumento externo, o verbo também pode selecionar um ou dois
argumentos internos, também denominados complementos verbais. Os
complementos verbais podem vir regidos por uma preposição, como exemplificado em
(7), ou se ligarem diretamente ao verbo, como exemplificado em (6). Não há qualquer
31
mecanismo morfossintático de concordância entre o verbo e seu(s) argumento(s)
internos em português.
(6) Maria escreveu várias cartas esta manhã.
(7) Maria gosta de chocolate.
Definidos o verbo e seu(s) argumento(s), o que resta na estrutura da oração são
os adjuntos, que contêm informações circunstanciais relativas ao processo referido pelo
verbo (tais como: tempo, modo, causa, lugar etc), ou um comentário geral sobre o que
está sendo dito, ou a fonte dessa informação. Na frase (1), os constituintes que
desempenham a função de adjunto são: felizmente, não e logo. Por fim, temos um
constituinte parentético, uma explicação sobre quem é o João: o irmão mais novo da
Maria – esse constituinte parentético é um aposto.
Tomemos agora a frase apresentada em (8) abaixo. Nesta frase, a forma verbal
era não é um predicador, pois não seleciona semanticamente os seus argumentos.
(8) Segundo seu relato, a Maria, sua irmã mais velha, era muito introvertida
na infância.
A seleção dos argumentos implica uma restrição de sentido, como ocorre com
verbo contar, que é um predicador verbal. Ao contrário do verbo contar, o verbo ser
não restringe de modo algum o constituinte que pode ocupar a posição de sujeito, em
termos de traços semânticos, tais como: ser humano ou não, ser concreto ou abstrato, e
assim por diante. Como se pode ver nas frases abaixo (todas formadas com o verbo ser
o sujeito da frase (9), a Maria, tem o traço semântico [+humano]; já em (10), o sujeito,
esta poltrona, tem os traços semânticos [-humano, -animado, +concreto]; e em (11), o
sujeito, a felicidade, tem os traços semânticos [-humano, -animado, -concreto].
(9) A Maria é loura.
(10) Esta poltrona é confortável.
(11) A felicidade é uma quimera.
Nessas frases, o termo que restringe semanticamente o sujeito é o predicador
nominal: loura, em (9); confortável, em (10); e quimera, em (11). O adjetivo loura
seleciona um argumento que deve ter o traço semântico [+humano], o que tornaria
agramatical uma frase como:
(12) *Esta poltrona é loura.
Já o adjetivo confortável, ao contrário, seleciona um argumento com o traço
semântico [-humano], o que tornaria a frase (13) agramatical, e assim por diante.
(13) *A Maria é confortável.

32
Logo, a forma verbal nessas frases liga o argumento ao predicador nominal,
introduzindo as informações de tempo modo e aspecto. Esse conjunto argumento-
verbo de ligação-predicador nominal forma o núcleo das orações nominais.
Retornando à frase (8), o núcleo da oração nominal é: a Maria era muito
introvertida; sendo o predicador nominal introvertida modificado pelo intensificador
muito. Definido, assim, o núcleo da estrutura sintática da oração, os constituintes
remanescentes são, ou adjuntos, ou apostos. Os constituintes segundo seu relato e na
infância são adjuntos, e o constituinte sua irmã mais velha é aposto de a Maria.
Todas as orações, que formam as frases da língua, são estruturas sintáticas que
se articulam em torno, ou de uma predicação verbal, ou de uma predicação nominal.
Portanto, o melhor método para analisar a estrutura sintática das frases de uma língua é
identificar o(s) predicador(es) e seu(s) argumento(s). Feito isso, classificam-se os
constituintes eventualmente remanescentes entre adjuntos e apostos. Assim, com base
em apenas quatro categorias taxonômicas, é possível analisar a grande maioria das
estruturas sintáticas da língua. Ficam de fora apenas algumas estruturas especiais
relativas a uma posição estrutural que se situa à esquerda da oração, na qual são
inseridos o tópico frasal, as estruturas de focalização, os conectivos oracionais e as
palavras interrogativas; aos quais podemos acrescentar ainda, como constituintes para-
sintáticos, o vocativo e as interjeições. Neste capítulo, vamos fazer uma descrição
detalhada das predicações nominais e verbais, dos argumentos, dos adjuntos, do aposto.
No próximo capítulo, trataremos das estruturas que se situam à esquerda da oração, bem
como dos constituintes para-sintáticos.

1. A predicação como núcleo da estrutura sintática

O principal objetivo da análise gramatical é explicar como combinamos as


palavras, ao formarmos as frases. Como vimos na introdução deste capítulo, a hipótese
central desta análise é que a predicação está na base da formação de qualquer frase da
língua. A predicação é um processo desencadeado por uma palavra relacional
denominada predicador. Os verbos são os predicadores por excelência. Por exemplo,
ao formar uma frase com o verbo ver, o falante tem de necessariamente informar duas
coisas: (i) o ser vivo que vê e (ii) a coisa vista. Os constituintes que fornecem essa

33
informação na frase são os argumentos, enquanto o verbo é o predicador. A
predicação é conjunto formado pelo predicador e seus argumentos. Assim, na frase
(16), a forma verbal viu é o predicador e os constituintes Maria e o acidente são seus
argumentos.
(14) Maria viu o acidente.17
Adotaremos aqui a seguinte notação, que informa que ver é um predicador
verbal que seleciona dois argumentos:
(15) ver [ __ V __ ]
Para além dos verbos, os adjetivos também podem atuar como predicadores,
como na frase abaixo:
(16) Maria era imatura.
Para formar uma oração a partir do adjetivo imaturo, é preciso informar o ser
que vai ser qualificado dessa maneira. Assim, na frase (18), Maria é argumento
externo do predicador nominal imatura, o que é representado pela seguinte notação:
(17) imatura [ __ N ]
Nas orações formadas com um predicador nominal, é preciso introduzir uma
forma verbal, denominada verbo de ligação, mais para introduzir a informação de
tempo, modo e aspecto, do que para fazer a ligação entre o nome e o adjetivo.18
A denominação predicador nominal equivale a predicador não-verbal, função
que pode ser desempenhada também por um nome que assume uma função predicativa,
como na frase abaixo:
(18) Maria é professora.
professora [ __ N ]
Como já dissemos, a predicação é o núcleo da unidade sintática básica da língua:
a oração. Mas nem sempre uma predicação é o núcleo de uma oração.

17
Nesse e nos próximos exemplos, o predicador vem em negrito, e o(s) argumento(s), em itálico.
18
Tanto é assim que, em algumas línguas, como as línguas crioulas, com o valor default da categoria de
tempo, modo e aspecto (que grosso modo corresponde ao presente do indicativo), o verbo de ligação é
suprimido como no exemplo abaixo, extraído do caboverdiano, crioulo português falado no arquipélago
de Cabo Verde:
(1) Maria bunito.
Maria é bonita.

34
2. Predicações Nucleares e Secundárias

Ao contrário da predicação verbal, a predicação nominal nem sempre


desencadeia uma estrutura sintática oracional. Observemos as frases abaixo:
(19) A mulher muito inteligente intimida muitos homens.
(20) A implosão do prédio ocorreu antes do amanhecer.
Em (19) o predicador nominal, o adjetivo inteligente, que tem como argumento
o nome mulher, forma apenas o Sintagma Nominal a mulher inteligente (com a
aposição do artigo definido a como Determinante), que é, por sua vez, argumento do
predicador verbal intimida. A predicação formada em torno da forma verbal verbal
intimida é que constitui o núcleo da oração/frase. Nesse caso, a forma verbal intimida é
o predicador nuclear, enquanto o adjetivo inteligente é um predicador secundário.
O mesmo ocorre na frase (20). O predicador nuclear é a forma verbal ocorreu,
que seleciona, como argumento externo, o constituinte a implosão do prédio, sendo o
constituinte antes do amanhecer um adjunto. Por sua vez, esses constituintes contêm
uma predicação secundária. O nome implosão requer um argumento interno, do prédio
(que a tradição gramatical classifica como complemento nominal), o que
representamos assim: [ N __ ]. O advérbio antes também necessita de um argumento
interno, do amanhecer, que a tradição gramatical também classifica como complemento
nominal.
Chamamos a atenção para o fato de que nesses casos, o predicador nominal
seleciona um argumento interno, que fica à direita do predicador, e não um argumento
externo, que fica à esquerda do predicador, como no caso do adjetivo inteligente.

3. Predicações Nominais

Os predicadores não verbais, ou seja, as palavras relacionais que não são verbos,
denominadas predicadores nominais, podem pertencer a qualquer uma das seguintes
classes de palavras: adjetivos, nomes, advérbios e preposições. Qualquer uma dessas
palavras pode ser um predicador nuclear, ligando-se ao seu argumento externo por meio
de um verbo de ligação, como exemplificado abaixo:
(21) Ele é capaz de tudo.

35
(22) Eu sou a cura de todos os males.
(23) João está longe de casa.
(24) Luísa é contra a sua proposta.
Sintagmas Nominais e Sintagmas Preposicionados também podem funcionar
como predicadores nominais, como exemplificado, respectivamente, abaixo:
(25) João é meu primo de segundo grau.
(26) Maria está em estado choque.
A tradição classifica os predicadores nominais nucleares como predicativos do
sujeito, sendo o sujeito o argumento externo do predicador nominal.

3.1. Estrutura sintática das predicações nominais


É mais comum que os adjetivos e nomes possam atuar como predicadores
nucleares – cf. respectivamente (21) e (22), acima. Já os advérbios e as preposições que
podem atuar como predicadores nucleares – cf. respectivamente (23) e (24), acima – são
raros. Quando são predicadores, advérbios e preposições formam normalmente
predicações secundárias.
Por outro lado, chamamos a atenção para o fato de que, nas frases (21) a (24)
acima, os predicadores nominais selecionarem tanto um argumento externo, quanto um
argumento interno, o que representamos com a seguinte notação: [ __ N __ ]. Portanto,
os predicadores nominais podem ter uma das seguintes configurações:
(27) [ __ N ]
(28) [ N __ ]
(29) [ __ N __ ]
Os adjetivos e os nomes, como já dissemos, formam mais comumente a
predicação do tipo [ __ N ], exemplificada assim:
(30) Maria ficou nervosa.
(31) João já é pai.
Os adjetivos e nomes que selecionam um argumento interno são minoritários:
(32) Maria está consciente disso.
(33) Esta é a resposta às suas críticas.
Nesses casos, os adjetivos sempre têm dois argumentos – [ __ N __ ], seja ele
um predicador nuclear – como em (32) –, seja ele um predicador secundário – como em
(34) abaixo. Já os nomes que selecionam um argumento interno podem receber também

36
um argumento externo, numa predicação nuclear – como em (33) –, ou só selecionar um
argumento interno – [ N __ ] –, como em (35) abaixo, quando funcionam como
predicadores secundários.
(34) Ele assumiu uma posição favorável à sua.
(35) Todos desejam a superação desse impasse.
Já os advérbios e as preposições, quando são predicadores, normalmente só
selecionam um argumento interno – [ N __ ] –, funcionando como predicadores
secundários, como nos exemplos abaixo:
(36) Pedro chegou depois do chefe.
(37) Maria assumiu essa posição perante os colegas.

3.2. Estrutura semântica das predicações nominais


Semanticamente, uma predicação nominal, em princípio, une um termo
qualificado – o argumento, que a tradição gramatical denomina sujeito de um
predicado nominal – a um termo qualificador, o predicador nominal – que a tradição
gramatical denomina predicativo do sujeito. Tomemos como exemplo as frases abaixo:
(38) João é professor.
(39) Maria está muito irônica.
(40) Gilda continua debilitada.
Nas frases acima, o predicador nominal atua como termo qualificador,
atribuindo uma condição, uma qualidade ou um estado ao termo qualificado, o seu
argumento externo. Nesses casos, a predicação nominal pode ser definida como uma
predicação atributiva.
Não sendo um predicador, mas apenas o elemento gramatical que expressa os
valores da categoria tempo, modo e aspecto, o verbo de ligação não impõe qualquer
restrição semântica ao argumento externo (o sujeito), no que diz respeito, por exemplo,
aos traços [+/- concreto] ou [+/- humano]:
(41) Maria está triste inteligente.
(42) Esta cadeira é confortável.
(43) Seu raciocínio parece metafórico.
Ou seja, o termo que restringe a seleção semântica do argumento, numa
predicação atributiva, é o predicador nominal. Em (41), o triste seleciona um argumento
com o traço semântico [+humano]; já em (42) o adjetivo confortável requer um

37
argumento externo com o traço semântico [-animado]; e em (43), o adjetivo metafórico
só é compatível com um argumento com o traço [-concreto]. A incompatibilidade
semântica entre o predicador nominal e seu argumento externo explica a
agramaticalidade das frases abaixo:19
(44) *Maria é confortável.
(45) *Esta cadeira parece metafórica.
(46) *Seu raciocínio está triste.
O fato de o verbo de ligação não atuar como um predicador não significa que
esse elemento gramatical não tenha um conteúdo semântico próprio.

3.3. Propriedades essenciais e propriedades acidentais


Em português, os verbos de ligação, por excelência, são os verbos ser e estar.
Essa oposição lexical entre os verbos ser e estar permite a distinção entre propriedades
essenciais e acidentais:
(47) Maria é inteligente.
(48) Maria está cansada.
O verbo ser é usado para atribuir uma qualidade que faz parte da própria
condição do ser, da essência do indivíduo – como em (47). Já o verbo estar é usado para
atribuir a um indivíduo um estado passageiro, transitório – como em (48). Isso permite
uma distinção como a apresentada a seguir, que não é possível em muitas línguas:20
(49) Maria é doente.
(50) Maria está doente.
Em (49) a doença é uma condição permanente e característica da pessoa,
enquanto que em (50) é um estado transitório.

3.4. Outros verbos de ligação


Outros verbos podem funcionar como verbos de ligação, expressando uma
informação aspectual (de duração, reiteração, etc):
(51) João continua doente.

19
Como dito na apresentação deste livro, a análise aqui desenvolvida se restringe, no que concerne aos
seus aspectos semânticos, ao plano denotativo da linguagem. A liberdade criativa da linguagem poética,
não permite uma verificação rigorosa das hipóteses sobre as restrições semânticas da língua.
20
Em inglês, por exemplo, só há um verbo de ligação, o verbo to be. Assim, às duas frases em português
corresponde uma única forma possível em inglês, expressa abaixo, que pode assumir um valor semântico
ou outro, consoante o contexto em que a frase é proferida, ou seja, pragmaticamente:
(1) Mary is sick.

38
(52) João anda nervoso.
Esse valor se distingue do valor semântico-sintático que esses verbos assumem
quando são usados como predicadores verbais plenos:
(53) João andou muito ontem.
(54) João continuou o trabalho do seu antecessor.

3.5. Predicações nominais equitativas


Para além das predicações nominais atributivas, de que vimos tratando até
aqui, existem as chamadas predicações nominais equitativas, nas quais, ao contrário
do que ocorre nas predicações nominais atributivas, não há propriamente um termo
qualificado e um termo qualificado, de modo que os dois termos da equação se
equivalem e podem se alternar nessas funções, como se vê nos seguintes exemplos:
(55) A causa do acidente foi a falta de manutenção.
A falta de manutenção foi a causa do acidente.
(56) Joaquim é o melhor aluno da turma.
O melhor aluno da turma é o Joaquim.
Nos exemplos acima, a inversão dos termos não implica qualquer alteração na
entoação da frase, diferentemente do que ocorre em uma predicação nominal atributiva:
(57) A Maria está doente.
Doente está a Maria.
Nesse caso, a inversão dos termos, com o termo qualificador vindo antes do
termo qualificado, é necessariamente acompanhada de uma alteração da entoação da
frase, que assume um valor contrastivo, de ênfase, como ocorre num diálogo do tipo:
- O João está doente.
- Não, doente está a Maria.

3.6. Predicações nominais sem argumento


Há frases em que a predicação nominal ocorre sem que o predicador nominal
selecione um argumento externo, o que se enquadra no que a tradição gramatical
denomina como orações sem sujeito:
(58) Era inverno.
(59) Hoje são 21 de março.21

21
Observe-se que o constituinte hoje é um adjunto, e não o argumento externo da predicação.

39
(60) Foi no tempo da colheita.
Como podemos ver nos exemplos acima, a predicação nominal sem argumento
ocorre em frases que se referem a épocas, estações do ano ou datas. Mas é possível que
esse tipo de frase também ocorra em comentários genéricos sobre uma situação em que
o falante se encontra:
(61) É complicado.
(62) Está difícil.
Nesses casos, podemos assumir que a predicação nominal também não contém
argumento.

3.7. Concordância verbal nas predicações nominais


Normalmente o verbo concorda com o argumento externo (o sujeito), em pessoa
e número – cf. exemplo (65) abaixo –, contudo, nas predicações nominais, o verbo de
ligação ser pode concordar com o predicador nominal (o predicativo do sujeito), quando
este vem no plural, como ocorre em (66):
(63) Tudo está em ordem.
(64) Tudo são flores, no início.

3.8. Formas alternativas dos predicadores nominais


Os predicadores nominais podem vir na forma de uma expressão preposicionada
ou serem introduzidos pela conjunção como:
(65) Maria está de cama.
(66) O João era como um irmão pra mim.

4. Predicações Verbais

As predicações verbais são as mais frequentes na língua e podem assumir uma


das seguintes configurações:
(67) [V]
(68) [ V __ ]
(69) [ __ V ]
(70) [ __ V __ ]

40
(71) [ __ V __ __ ]
Cada uma dessas cinco possíveis configurações da predicação verbal na língua
pode ser exemplificada, respectivamente, da seguinte maneira:
(72) Choveu muito ontem.
(73) Havia três pessoas na sala, no momento da explosão.
(74) João trabalha muito.
(75) Maria escreveu um belo poema.
(76) José entregou o envelope ao funcionário.
As configurações apresentadas acima definem o que denominamos estrutura
argumental do verbo. A definição da estrutura argumental é parte da especificação
gramatical de cada verbo da língua. Semanticamente, os verbos que têm a estrutura
argumental representada em (67) – [ V ] –, expressam um fenômeno da natureza. Já os
verbos que têm a estrutura argumental (68) – [ V __ ] –, têm, normalmente um valor
existencial. Já os verbos que têm uma das estruturas argumentais representadas em (69),
(70) e (71) expressam, normalmente, um processo orgânico ou psicológico ou uma
ação.

4.1. Predicações verbais sem argumento [ V ]


Nas frases que se referem a fenômenos meteorológicos – com representação em
(67) e exemplo em (72) acima –, o verbo reporta o processo em si, sem qualquer actante
que pudesse ocupar a posição de argumento. Nesse caso, o verbo não é propriamente
um predicador, mas não deixa de desencadear o processo sintático que forma uma
frase/oração na língua, que a tradição gramatical denomina oração sem sujeito. Em
certas línguas, como o inglês e o francês, um pronome ocupa a posição sujeito:
(77) It’s raining.
Está chovendo.
(78) Il pleut.
Chove.
Mas não se trata, a rigor, de argumento externo do verbo, mas da expressão
gramatical da categoria de pessoa do discurso, o que é necessário para tornar a frase
gramatical. No português, a forma verbal da 3ª pessoa do singular (a forma da não
pessoa) expressa o valor negativo dessa categoria, ou seja, a forma impessoal do verbo.
No inglês e no francês, como o verbo praticamente não se flexiona em número-pessoa,

41
22
é necessário colocar sempre um pronome para indicar o valor dessa categoria
gramatical. Esses pronomes (it e il) são partículas expletivas (ou pronomes
expletivos), isto é não têm valor referencial (ou informacional), têm apenas um valor
gramatical.

4.2. Predicações existenciais [ V __ ]


A representação (68), exemplificada em (73), remete às predicações existências
canônicas, nas quais o verbo seleciona apenas um argumento interno. A forma canônica
do verbo existencial em português é o verbo haver, contudo, no Brasil, o verbo ter
comumente assume essa função:
(79) Tinha três pessoas na sala, no momento da explosão.
A tradição gramatical também classifica essas orações como oração sem sujeito,
sendo o verbo existencial um verbo impessoal, que não deve concordar com seu
argumento interno, devendo permanecer sempre na 3ª pessoa do singular – a forma do
verbo não marcada para a categoria pessoa do discurso.23 Porém, é comum no português
do Brasil a construção de frases em que o verbo existencial concorda com o que seria o
seu argumento interno:
(80) Haviam três pessoas na sala, no momento da explosão.
Nesse caso, fica em questão o estatuto do constituinte três pessoas, pois o verbo
só concorda com o argumento externo, não com o argumento interno. Poder-se-ia
invocar o paralelo com outra predicação existencial da língua, constituída com o verbo
existir. Nesse caso, a tradição recomenda a concordância do verbo com seu argumento:
(81) Ainda existem muitas coisas sem explicação na ciência.
As predicações existenciais com o verbo existir ficam na fronteira entre as
predicações com apenas um argumento interno – [ V __ ] – e as predicações com apenas
um argumento externo – [ __ V ]. Essa alternância se verifica em outras estruturas da
língua. Trata-se das frases com o verbo com fazer que se referem ao tempo
meteorológico ou ao tempo decorrido:

22
As marcas de pessoa e número que aparecem na escrita do francês não têm correspondência na
linguagem falada.
23
Em inglês, a posição de sujeito, nesses casos, é preenchida por uma partícula locativa – there (lá) – e
(cf. tradução abaixo), e o verbo existencial to be (ser) concorda com o argumento:
(1) There were three people in the room at the momento of the explosion.
Em francês, a posição de sujeito também preenchida pelo mesmo pronome il, que aparece nas frases que
se referem a fenômenos metereológicos, acompanhado da partícula locativa y:
(2) Il y avait trois personnes dans la salle au moment de l'explosion.

42
(82) Fez muito calor ontem.
(83) Faz dois anos que ele partiu.
De acordo com o padrão normativo do português, o verbo fazer deve assumir,
nessas construções, a forma impessoal da 3ª pessoa do singular. Porém, no uso corrente
da língua o verbo concorda o constituinte que o segue, o que apontaria para uma
estrutura argumental do tipo [ __ V ], com a posposição do argumento externo, o
sujeito:
(84) Fazem dois anos que ele partiu.
Já o contrário ocorre com o verbo dar também usado com referência ao tempo.
A normatização gramatical recomenda a concordância com argumento, o que pressupõe
a estrutura argumental [ __ V ] com a posposição do sujeito:
(85) Já deram três horas.
Contudo é comum o emprego do verbo dar nesse contexto com valor impessoal
– como no exemplo abaixo –, o que apontaria para a estrutura argumental [ V __ ]:
(86) Já deu três horas.
Esses casos só vêm a reforçar a ideia de que as fronteiras entre as construções
predicativas [ V __ ] e [ __ V ] não são muito nítidas, na estrutura gramatical da língua

4.3. Predicações com apenas um argumento externo [ __ V ]


Os verbos que selecionam apenas um argumento externo podem ser divididos
em dois grupos: os verbos agentivos – exemplificados em (87) – e os verbos não-
agentivos24 – exemplificados em (88):
(87) João trabalhou muito.
(88) Um paciente morreu ontem.
Verbos como trabalhar selecionam um argumento que é o agente da ação, ou
seja, o indivíduo efetivamente pratica a ação de trabalhar, trata-se de um ato voluntário.
Já verbos como morrer selecionam um argumento que não é o agente da ação, mas que
designa o ser que é a sede de um processo orgânico ou psicológico, denominado
experienciador. A tradição gramatical classifica indistintamente toda essa classe de
verbos como verbos intransitivos (ou seja, que não selecionam um argumento interno),
mas há diferenças que justificam a subdivisão dessa classe de verbos monoargumentais
em duas subclasses distintas. Em algumas línguas, como o francês e o italiano, que

24
Denominados verbos inacusativos no âmbito da Gramática Gerativa.

43
expressam o passado concluído (pretérito perfeito) através de uma locução verbal –
denominada passado composto –, o auxiliar empregado junto aos verbos agentivos é o
haver – cf. exemplos em (89) –, enquanto que o auxiliar utilizado com os verbos não-
agentivos é o verbo ser – cf. exemplos em (90):
(89) Jean a travaillé beaucoup.
Giovanni ha lavorato molto.
(90) Un patient est mort hier.
Un paziente é morto ieri.
No português brasileiro, os sujeitos dos verbos não-agentivos tendem a ser
pospostos ao verbo, sem que ocorra a concordância verbal:
(91) Até agora só apareceu três candidatos.
Assim, os verbos não-agentivos aproximam-se do verbo existencial existir e
ficam no espaço indistinto da fronteira entre as predicações [ __ V ] e [ V __ ], já
referido acima

4.4. Predicações com um argumento externo e um interno [ __ V __ ]


Os verbos com essa estrutura argumental são os mais numerosos na língua.
Nesses casos, o verbo pode se ligar diretamente ao seu argumento interno, sendo
denominado pela tradição gramatical verbo transitivo direto – cf. exemplo (92) –, ou a
ligação entre o verbo e seu argumento interno pode ser feita por meio de uma
preposição, o que tradição gramatical denomina verbo transitivo indireto – cf.
exemplo (93), em que o argumento interno ajuda é regido pela preposição de:
(92) Maria comeu o bolo todo.
(93) João precisa de ajuda.
Incluímos nessa classe os chamados verbos de movimento – cf. exemplos em
(94) –, que a tradição gramatical classifica como verbos intransitivos e a Gramática
Gerativa classifica como verbos inacusativos.
(94) Luísa foi ao teatro.
Maria saiu de casa ontem.
João chegou em casa cansado.

44
Assumimos que os verbos de movimento têm a estrutura argumental [ __ V __ ],
em função de sua carga semântica: (i) quem vai, vai a algum lugar; (ii) quem chega,
chega em algum lugar; (iii) quem sai, sai de algum lugar; e assim por diante.25
Por fim, vamos chamar a atenção para os verbos de posse e os verbos locativos,
exemplificados, respectivamente, em (95) e (96):
(95) João tem dois irmãos.
(96) Três pessoas estavam na sala, no momento da explosão.
Semanticamente, esses verbos se aproximam dos verbos existenciais, tanto que
as frases acima podem ser parafraseadas, respectivamente, da seguinte maneira:
(97) Há duas pessoas no mundo que são irmãs do João.
(98) Havia três pessoas na sala, no momento da explosão.
Ou seja, ter um irmão não implica o ato de possuir. É possível que a pessoa nem
tenha consciência da existência de um irmão seu. Do mesmo modo, o verbo estar em
(96) indica mais a existência do que o ato de estar em algum lugar.
Há, entretanto, frases em que esses verbos de posse e locativos têm uma carga
semântica mais condizente com a dos verbos transitivos, como nos exemplos abaixo:
(99) João tem uma casa de praia.
(100) Dois alunos ficaram na sala, após o fim da aula.
Em (99), o verbo ter refere-se ao ato consciente e voluntário de possuir alguma
coisa; assim como o verbo ficar, em (100) expressa a ação consciente e voluntária de
permanecer em um lugar. Portanto, os verbos de posse e locativos, ora exibem uma
natureza semântica de verbo transitivo, ora exibem uma natureza semântica de verbo
existencial.

4.5. Predicações com um argumento externo e dois argumentos internos


[ __ V __ __ ]
Por fim, o predicador verbal pode selecionar um argumento externo e dois
argumentos internos (sendo classificados como verbos transitivos diretos e indiretos
ou verbos bitransitivos), exibindo a seguinte estrutura argumental: [__ V __ __ ].
Nessa predicação, o primeiro argumento interno liga-se diretamente ao verbo sem a
interveniência de uma preposição, ao passo que o segundo argumento interno tem de ser
regido por uma preposição.
25
A relação entre a carga semântica do verbo e sua estrutura argumental será tratada na subseção 4.6.
abaixo.

45
Nas estruturas em que o segundo argumento expressa o destinatário da ação
verbal, a preposição tradicionalmente empregada na língua é preposição a; sendo que,
no português brasileiro, é crescente a substituição dessa preposição pela preposição
para nesse contexto. Esse grupo, por sua vez, se divide em dois subgrupos. O primeiro é
constituído pelos verbos dativos, tais como: dar, doar, entregar, fornecer etc. O
segundo grupo é constituído pelos verbos discendi: dizer, contar, relatar, pedir etc.
Esses dois subgrupos podem ser exemplificados com as seguintes frases: 26
(101) João entregou o documento ao / para o funcionário.27
(102) Luísa disse a verdade aos / para os pais.
Por outro lado, há estruturas na língua que são simetricamente opostas a essas,
que podem ser exemplificadas em frases do tipo:
(103) O meliante tomou o doce da criança.
(104) O menino ouviu bons conselhos do avô.
Nesses casos, o segundo argumento vem sempre regido pela preposição de.
Há ainda as predicações com três argumentos, em que o segundo argumento
interno tem um valor locativo, pois o processo verbal se refere ao ato de colocar
alguma coisa em algum lugar. Fazem parte desse grupo verbos tais como: pôr, colocar,
depositar, inserir, etc. A frase abaixo é um exemplo dessa predicação:
(105) Maria pôs a chave na gaveta.
Nesses casos, o segundo argumento vem sempre regido pela preposição em. Para
esse tipo de predicação também há uma construção invertida, com o segundo argumento
sendo igualmente regido pela preposição de:
(106) João tirou a chave do bolso.
O segundo argumento com valor locativo pode ser regido também pela
preposição a/para, em frases do tipo:
(107) A enfermeira conduziu o paciente à sala de radioterapia.
(108) Um carro-forte transportou o dinheiro do pagamento para a
sede da empresa.
Com esse tipo de verbos, o segundo argumento, ao invés de ter um valor
locativo, pode representar o destinatário do processo verbal:

26
Como uma variante do primeiro grupo, temos ainda as frases formadas com verbos como dedicar,
devotar, etc; em que o destinatário pode ser uma causa ou uma atividade fim, como podemos ver nos
exemplos abaixo:
(1) Dedicou sua vida à luta pela liberdade.
(2) João dedica todo tempo livre ao estudo.
27
Para uma melhor visualização, os argumentos internos virão sublinhados a partir de agora.

46
(109) Joana levou a encomenda a /para os avós.
Por fim, há ainda os casos de predicação com dois argumentos internos em que o
segundo argumento vem regido pela preposição com:
(110) A menina dividiu o lanche com os colegas.
(111) Vou falar do seu caso com o diretor.
Portanto, podemos sumarizar essa subseção, afirmando que os verbos com dois
argumentos internos se distribuem pelas seguintes equações semânticas:
1. dar/dizer alguma coisa a/para alguém
2. colocar algo/alguém em algum lugar
3. levar algo/alguém a/para alguém/algum lugar
4. dividir algo com alguém
As duas primeiras equações têm suas contrapartidas invertidas em estruturas que
expressam os processos de:
1a. tirar alguma coisa de alguém
2a. retirar algo/alguém de algum lugar
Em todas essas equações, o primeiro argumento interno do verbo é expresso por
um constituinte nominal não preposicionado que se refere a uma coisa ou ser vivo, que
é objeto do processo verbal; enquanto o segundo argumento interno é expresso por um
constituinte nominal preposicionado que se refere, ou ao destinatário do processo verbal
(normalmente um ser humano ou uma instituição), ou ao lugar a que se destina o
processo verbal.

4.6. Especificação semântica da estrutura argumental dos verbos


A estrutura argumental do verbo é determinada pela carga semântica desse
verbo e diz respeito à ação ou processo do mundo real a que ele se refere. Essa
especificação semântica, que determina a estrutura argumental do verbo, faz parte da
competência linguística de qualquer falante nativo da língua, de modo que qualquer
falante sabe intuitivamente a estrutura semântica de cada verbo de sua língua nativa,
como exemplificado abaixo:
• Verbo nevar: neva.
• Verbo existir: existe algo.
• Verbo derrubar: alguém/algo derruba alguém/algo.
• Verbo doar: alguém doa algo a alguém.

47
Assim sendo, muitos verbos restringem semanticamente os seus argumentos.
Por exemplo, verbos como ver, pensar, escrever, discordar, entre muitos outros, só
aceitam como argumento externo um ser vivo, como se pode contatar nos exemplos
abaixo:28
(112) Maria viu o acidente.
*A ambulância viu o acidente.
(113) João só pensa na namorada.
*A pedra só pensa na chuva.
(114) João já escreveu o requerimento.
*A cadeira escreveu uma carta.
(115) O vendedor discordou do gerente.
*A árvore discordou da Maria.
Essa especificação contida no significado referencial do verbo determina a
seleção semântica dos elementos nucleares da estrutura sintática da oração.

4.7. Variação na estrutura argumental dos verbos


Em princípio, cada verbo teria somente uma estrutura argumental, definida em
função de seu conteúdo semântico. Contudo há alguns verbos que admitem mais de uma
estrutura argumental. Tal é o caso de verbo falar e tratar, como se pode ver nos
exemplos abaixo:
(116) Maria já falou com o João.
(117) O professor falará hoje sobre o Modernismo.
(118) Ontem a Maria falou de você (com o diretor).
(119) Você deveria tratar esse ferimento com mais cuidado.
(120) Os membros do júri não trataram do seu caso.
(121) Vou tratar do seu problema com o diretor.
Muitos verbos que a tradição normativa recomenda que sejam usados com um
argumento interno regido pela preposição a, são usados normalmente como transitivos
diretos no português do Brasil, como se pode ver nos exemplos abaixo:
(122) Mais de vinte mil pessoas já assistiram (a) esse espetáculo.
(123) Hoje em dia os filhos não obedecem mais (a)os pais.

28
Cf. nota 19.

48
No geral, a variação na estrutura argumental do verbo decorre da gama de
significados distintos, porém relacionados, que esse verbo pode assumir, no que se
chama polissemia. Tomemos como exemplo o verbo contar, que pode ser usado com os
seguintes sentidos:
(124) João não contou o dinheiro que recebeu do irmão.
(125) A professora contou uma fábula para os alunos no início da aula.
Em (124), o verbo contar tem o sentido de ‘computar’ e seleciona um argumento
interno sem preposição; já em (125), tem o sentido de ‘narrar’ e seleciona dois
argumentos internos. Assim, o espectro semântico do verbo pode determinar uma
variação na composição de sua estrutura argumental.
Além desses, há muitos casos em que o verbo pode admitir mais de uma
estrutura argumental. O verbo escrever, por exemplo, pode ter a estrutura [ __ V __ ],
quando se refere ao ato de escrever per se, ou estrutura [ __ V __ __ ], incluindo um
destinatário em sua estrutura argumental, como exemplificado abaixo:
(126) João está escrevendo suas memórias.
João está escrevendo uma carta para a namorada.
Portanto, o princípio de que cada verbo tem uma e apenas uma estrutura
argumental, não é gral na língua.29

4.8. Predicadores verbais que selecionam como argumento interno uma


nova predicação
Alguns verbos podem selecionar como argumento interno uma nova predicação.
Nesses casos, a predicação encaixada como argumento interno do verbo da predicação
principal pode ser de natureza nominal e verbal.

4.8.1. Verbos que selecionam como argumento interno uma predicação nominal
Verbos que se referem ao ato de avaliar alguém ou alguma coisa selecionam
uma predicação nominal como argumento interno, como podemos ver nos seguintes
exemplos:
(127) O tribunal julgou a ação improcedente.
(128) João acha a Maria inteligente.

29
Essa questão será retomada adiante, na seção 8.

49
Além do argumento externo, esses verbos selecionam como argumento interno
uma predicação nominal, o que pode ser representado pelo seguinte esquema:
(129) [ __ V [ __ N ] ]
Na frase (127), o argumento externo da forma verbal julgou é o tribunal, já o
argumento interno é composto pelo predicador nominal, o adjetivo improcedente, e seu
argumento externo, a ação – o mesmo se aplica à frase (128). A tradição gramatical
classifica o predicador nominal dessas orações como predicativo do objeto direto.
Assim, os adjetivos improcedente e inteligente seriam os predicativos dos objetos
diretos a ação e a Maria, respectivamente, em (127) e (128).
A estrutura formada pelo predicador nominal (o predicativo do objeto) e o seu
argumento (o objeto direto) constitui uma oração nominal reduzida. Diz-se que essas
orações nominais são reduzidas, porque elas correspondem a orações nominais plenas,
formadas com a introdução de um conectivo oracional (que) e um verbo de ligação:
(130) O tribunal julgou que a ação era improcedente.
(131) João acha que a Maria é inteligente.
Nessa configuração, a oração como um todo constitui o argumento interno do
verbo.
Verbos causativos como fazer e tornar também podem selecionar uma
predicação nominal como argumento interno:
(132) João tornou a Maria feliz.
(133) João fez a Maria feliz.
Nesses casos, a oração nominal reduzida não pode ser desdobrada em uma
oração plena:
(134) *João tornou que a Maria seja feliz.
(135) *João fez que a ficasse Maria feliz.
Também verificamos uma variação na forma sintática dos termos da predicação
nominal encaixada, podendo vir um dos termos regido por uma preposição:
(136) João fez da Maria uma mulher feliz.
(137) Eles transformavam lixo em mercadoria.
O predicador nominal também pode vir precedido pela conjunção como:
(138) A Maria vê o João como um bom partido.
(139) Vamos tomar esta amostra como exemplo.
Isso também se verifica quando a predicação nominal constitui uma oração (cf.
3.8. acima):

50
(140) Esses vizinhos eram como membros da família.

4.8.2. Verbos que selecionam como argumento interno outra predicação verbal
Os verbos que podem selecionar como argumento interno outra predicação
verbal se distribuem basicamente em dois grupos: os verbos perceptivos (ver,
observar, escutar, surpreender, etc) e os verbos causativos (mandar, permitir, impedir,
proibir, etc.), exemplificados respectivamente da seguinte maneira:
(141) Uma testemunha viu o sequestrador entrando no prédio.
(142) O professor mandou o João sair da sala.
A estrutura argumental dessas frases pode ser representada esquematicamente da
seguinte maneira:
(143) [ __ V [ __ V __ ] ]30
Assim, o verbo da predicação principal seleciona como argumento interno uma
oração verbal reduzida, cujo verbo vem na forma do gerúndio – como em (141), em
que o predicador verbal viu toma como argumento interno a oração reduzida de
gerúndio o sequestrador entrando no prédio –, ou na forma do infinitivo – como em
(142), em que o predicador verbal mandou toma como argumento interno a oração
reduzida de infinitivo o João sair da sala.
Como ocorre com as orações nominais reduzidas, essas orações verbais
reduzidas também podem ser desdobradas em orações plenas, com a introdução do
conectivo oracional e com a forma verbal se flexionando em tempo, modo e aspecto:
(144) Uma testemunha viu que o sequestrador entrou no prédio.
(145) O professor mandou que o João saísse da sala.
Nesses casos também, a oração como um todo passa a ser o argumento interno
do verbo da predicação principal.
Com os verbos causativos, uma preposição pode reger a forma verbal da
predicação encaixada:
(146) O marido proibiu a Maria de trabalhar.
(147) O cardeal convenceu o sequestrador a se entregar.

30
A estrutura argumental da predicação encaixada mudará consoante o verbo empregado:
(1) Eu vi você nascendo. [ __ [ __ V] ]
(2) A testemunha viu o acusado entregando um envelope ao policial . [ __ [ __ V __ __ ] ]
Em (1), o verbo nascer só seleciona um argumento externo; já em (2), o verbo entregar seleciona um
argumento externo e dois internos.

51
Nesses casos, alguns verbos admitem uma oração plena como complemento,
outros não:
(148) O marido proibiu que a Maria trabalhasse.
(149) *O cardeal convenceu que o sequestrador se entregasse.

5. Predicações Verbo-nominais

Para além das estruturas descritas em 4.8.1. acima, um predicador verbal se


combina com um predicador nominal em estruturas do tipo:
(150) João chegou em casa triste.
Nesses casos, o predicador nominal não toma como argumento externo o objeto
direto do verbo da predicação principal – como em 4.8.1. acima –, e sim o mesmo
constituinte que já é o argumento externo do predicador verbal. Na frase (150), o nome
João é argumento externo, tanto do verbo chegar, quanto do adjetivo triste. Assim
sendo, a tradição gramatical classifica esse predicador nominal como predicativo do
sujeito. Com base nisso, postulamos que, nessas estruturas, as predicações estão
coordenadas, o que fica claro quando desdobramos a predicação nominal em uma
oração plena:
(151) João chegou em casa e estava triste.
Em (151) temos duas orações coordenadas, e o argumento externo do predicador
nominal triste é o pronome ele, não realizado foneticamente, mas que é sujeito da
segunda oração.

52
Capítulo 3
Constituintes Oracionais

Como vimos no capítulo anterior, os constituintes da oração são basicamente o


predicador e seus argumentos, os adjuntos e o aposto. No caso das predicações
verbais (as mais frequentes na língua), o verbo e seus argumentos expressam,
respectivamente, um evento ou processo e seus actantes. Os adjuntos acrescentam
informações circunstanciais ou uma informação geral sobre a proposição. O aposto é
uma explicação que pode ser agregada a qualquer constituinte da oração.
Semanticamente, os argumentos e os adjuntos adverbiais se distinguem da
seguinte maneira. Os argumentos se referem a seres, coisas, fenômenos eventos e
conceitos, ao passo que os adjuntos adverbiais dão informações relativas a lugar, tempo,
modo, intensidade, causa etc.31 Morficamente, os argumentos são constituídos por
constituintes de natureza nominal, enquanto os adjuntos adverbiais por um constituinte
de natureza adverbial. O problema fica com os constituintes nominais preposicionados,
que podem figurar, tanto como argumentos, quanto como adjuntos.
Assim, a distinção entre argumentos e adjuntos nem sempre é fácil. Frases como
(1) e (2) abaixo podem sugerir que os constituintes no comércio e com vendas sejam
argumentos do verbo trabalhar, com base em raciocínios falaciosos, do tipo: quem
trabalha, trabalha em algum lugar, ou quem trabalha, trabalha com alguma coisa.
(1) João trabalha no comércio.
(2) João trabalha com vendas.
Na verdade, o verbo trabalhar é normalmente intransitivo, isto é, não seleciona
um argumento interno, apesar de que frases formadas somente por esse verbo e seu
argumento (externo) sejam raras na língua, ocorrendo apenas em situações
pragmaticamente bem específicas. Entretanto a naturalidade de frases, como (3), em que

31
Uma exceção são os complementos locativos, que serão tratados na seção 9, a seguir.

53
muito não pode ser obviamente tomado como argumento interno de trabalha – dado o
seu caráter eminentemente adverbial –, revelam caráter predominantemente intransitivo
do verbo trabalhar.
(3) João trabalha muito.
Em face desses problemas, vamos propor dois procedimentos analíticos, para
distinguir os argumentos dos adjuntos. Em primeiro lugar, tomar axiomaticamente a
tipologia da predicação verbal apresentada na seção 4 acima, segundo a qual o verbo
pode ter, no máximo, três argumentos – um externo e dois internos. Além disso,
vamos propor o princípio da projeção estrita. Segundo esse princípio, a estrutura
argumental de um verbo é definida por sua carga semântica essencial. Tomemos como
exemplo a seguinte frase:
(4) João fugiu do stress da cidade para a vida tranquila do campo.
Como identificar o(s) argumento(s) dessa frase? Recorrendo à significação
essencial do verbo fugir: quem foge, foge de alguém, ou de algo. Assim, os argumentos
da frase (4) são: João e do stress da cidade. O constituinte para a vida tranquila do
campo é um adjunto adverbial.
Outro caso interessante é o de verbos como sentar(-se) e deitar(-se). Frases
como (5) e (6) podem sugerir que esses verbos selecionam um argumento interno: quem
senta, senta em algum lugar; quem se deita, se deita em algum lugar.
(5) Maria sentou no chão mesmo.
(6) João deitou-se no sofá, para descansar depois do almoço.
Porém, vamos assumir aqui que a significação essencial desses verbos
concentra-se no movimento de sentar e deitar, analogamente ao que ocorre com verbos
como agachar(-se) e ajoelhar(-se). O local onde se senta ou se deita não integra o
núcleo da carga semântica do verbo. Consequentemente, esses verbos devem ser
classificados como intransitivos, e o constituinte locativo que eventualmente os
acompanhar deve ser classificado como adjunto adverbial de lugar.
Apesar da coerência e da consistência da adoção desses dois procedimentos
analíticos, reconhecemos que não há na língua uma fronteira sempre nítida entre
argumentos e adjuntos, devendo-se pensar sempre em um continuum, com uma zona de
interseção entre os dois conjuntos. Além disso, deve-se reconhecer também o fenômeno
da flutuação na transitividade verbal, da qual falaremos agora.
Verbos como trabalhar, correr e estudar são normalmente intransitivos como se
pode ver nas frases abaixo:

54
(7) João trabalha muito.
(8) Maria estudou com Pedro ontem.
(9) Luísa corre sempre pela manhã.
Contudo, esses verbos podem selecionar um argumento interno em alguns
contextos. Na frase (10) abaixo, nesse projeto é argumento interno de estou
trabalhando. Podemos considerar de modo análogo, astronomia, em (11), e a Maratona
de Nova York, em (12).
(10) Estou trabalhando muito nesse projeto.
(11) Maria vai estudar astronomia.
(12) O João já correu a Maratona de Nova York.
Se alguns verbos normalmente intransitivos podem funcionar eventualmente
como verbos transitivos, o inverso também ocorre. Verbos como comer e beber são
transitivos, ou seja, selecionam um argumento interno, o que é determinado por sua
significação essencial: (i) quem como come alguma coisa; (ii) quem bebe, bebe alguma
coisa. Isso pode ser exemplificado da seguinte maneira:
(13) João comeu três pedaços do bolo.
(14) Maria bebeu dois copos d’água.
Porém, esses verbos são empregados frequentemente sem argumento interno em
frase do tipo:
(15) João come bem.
(16) Maria quase não bebe.
Nesse contexto, o verbo comer assume a significação de ‘alimentar-se’, e o
verbo beber, a significação de ‘ingerir bebida alcoólica’.
Portanto, ocorre uma flutuação na estrutura argumental de alguns verbos, no que
concerne a seleção de seu argumento interno. Um fenômeno relacionado a isso é a
ocorrência de falsos argumentos, exemplificados a seguir:
(17) Os nativos dançavam uma dança frenética.
(18) Naquela tarde chovia uma chuvinha rala.
Nessas frases, os constituintes uma dança frenética e uma chuvinha rala
apresentam-se como argumentos internos dos verbos dançar e chover respectivamente.
Entretanto, não obstante sua forma, esses constituintes tem um valor adverbial, como se
pode ver nas paráfrases apresentadas agora:
(19) Os nativos dançavam freneticamente.
(20) Naquela tarde chovia ligeiramente.

55
Em face disso, esses constituintes são classificados como falsos argumentos,
pois têm uma forma de argumento, mas um valor de adjunto adverbial.

1. Argumentos do verbo

Os elementos que saturam a predicação verbal, os argumentos, dividem-se em:


argumento externo e argumento(s) interno(s). O argumento externo é o primeiro que
aparece na predicação, antes do verbo. O(s) argumento(s) interno(s) figura(m) na
fórmula da predicação, após o verbo. O verbo pode selecionar, no máximo, um
argumento externo e dois argumentos internos. Na classificação sintática tradicional, o
argumento externo corresponde ao sujeito do verbo, e os argumentos internos, aos
objetos ou complementos verbais.
A estrutura sintática composta pelo verbo e seus argumentos está intimamente
relacionada ao conteúdo semântico que tal predicação expressa, numa relação entre
forma e conteúdo, que se encaixa nos moldes da dicotomia saussuriana entre
significante e significado. Assim, podemos dizer a estrutura sintática formal,
denominada estrutura argumental do verbo, está dialeticamente relacionada a seu
conteúdo semântico, que pode ser formalizado através do que se denomina grade
temática do verbo. Tomemos a seguinte frase como exemplo:
(21) Ontem, na festa, João beijou Maria.
Em sua estrutura argumental, o verbo subcategoriza o constituinte João como
seu argumento externo, que desempenha a função sintática de sujeito; e o constituinte
Maria como seu argumento interno, que desempenha a função de objeto direto, o que
é formalizado em (22). No plano semântico, a grade temática do verbo beijar atribui o
papel temático de AGENTE a João (aquele que pratica a ação expressa pelo verbo
voluntariamente) e o papel temático de PACIENTE a Maria (aquele que sofre a ação
expressa pelo verbo), o que é formalizado abaixo, em (23):
(22) beijar [ ___SUJ V ___OD ]
(23) beijar { AGENTE ____ PACIENTE }
Nas subseções a seguir, vamos descrever a função sintática e os papeis temáticos
do argumento externo, na subseção 9.1.; e as funções sintáticas e os papeis temáticos
do(s) argumento(s) interno(s), na subseção 9.2.

56
1.1. Argumento externo
Sintaticamente, no plano da estrutura argumental, o argumento externo
desempenha a função sintática de sujeito, aquele constituinte que normalmente precede
o verbo, especificando os traços de pessoa e número que, em línguas flexivas, como o
português, o verbo deve exibir, flexionando-se adequadamente, no que a tradição
gramatical denomina concordância verbal. Semanticamente, de acordo com a grade
temática do verbo, o argumento externo pode designar o ente que, voluntária ou
involuntariamente, desencadeia a ação ou o processo expresso pelo verbo, como
exemplificado, respectivamente em (24) e (25) abaixo; mas pode designar também o ser
que é sede de um processo psíquico ou fisiológico, como exemplificado em (26), ou
ainda, excepcionalmente, o sujeito pode vir a se referir ao ente que sofre a ação expressa
pelo verbo, como exemplificado em (27).
(24) Maria escreveu um belo ensaio.
(25) O calor derreteu a fiação.
(26) Essa planta está murchando.
(27) João apanhou dos colegas na escola.
Como foi dito acima, essas diferentes formas como o ente referido pelo sujeito
atua no processo ou ação expressa pelo verbo define o seu papel temático.

1.1.1. Papeis temáticos do sujeito


Em (24) acima, o verbo escrever seleciona um argumento externo (Maria), ao
qual atribui o papel temático de AGENTE, e um argumento interno (um belo ensaio), ao
qual atribui o papel de TEMA – cf. representação da grade temática em (28). Em (25), o
verbo derreter seleciona um argumento externo (O calor), ao qual atribui o papel
temático de FONTE, e um argumento interno (a fiação), ao qual atribui o papel de
PACIENTE – cf. representação da grade temática em (29). Em (26), o verbo murchar
seleciona somente um argumento externo (Essa planta), ao qual atribui o papel temático
de EXPERIENCIADOR – cf. representação da grade temática em (30). Em (27), o
verbo apanhar seleciona um argumento externo (João), ao qual atribui o papel temático
de PACIENTE, e um argumento interno (os colegas na escola), ao qual atribui o papel
de AGENTE – cf. representação da grade temática em (31).
(28) escrever { AGENTE ____ TEMA }
(29) derreter { AGENTE ____ PACIENTE }

57
(30) murchar { EXPERIENCIADOR ____ }
(31) apanhar { PACIENTE ____ AGENTE }
Portanto, o argumento externo, o sujeito, pode assumir vários papeis temáticos,
conquanto a tradição gramatical faça referência, no mais das vezes, ao papel de
AGENTE da ação expressa pelo verbo.

1.1.2. A função sintática do argumento externo e concordância verbal


Ainda no que concerne ao significado, mas já no plano da estrutura gramatical, o
sujeito está associado à expressão da categoria gramatical pessoa do discurso. Essa
categoria faz parte da programação da espécie humana, ou seja, integra a Gramática
Universal (GU), logo está presente, de alguma forma, na estrutura gramatical de
qualquer língua humana. Em qualquer língua, a referência verbal a um processo
específico deve estar associada a uma das pessoas do discurso: aquele que fala, ou
primeira pessoa; aquele que ouve, ou segunda pessoa; ou um terceiro ente, externo à
interação verbal, ou terceira pessoa. A categoria pessoa está associada à categoria
número. Assim, temos: a primeira pessoa do plural, a referência ao falante e outra(s)
pessoa(s); a segunda pessoa do plural, a referência aos ouvintes; e a terceira pessoa
do plural, a referência as pessoas ou coisas que não estão interagindo no ato ilocutório.
A terceira pessoa é também denominada não pessoa, na medida em que se trata de uma
referência que abarca, tanto pessoas, quanto coisas. Além disso, a pessoa referida, por
não participar da interação verbal, assume a natureza de objeto (da ação verbal) e não
sujeito (da ação verbal).
A expressão dessa categoria gramatical pode-se dar por meio de um pronome
que ocupa a posição de sujeito, ou por meio da flexão verbal, ou ainda por esses dois
meios simultaneamente. O inglês e o chinês dispõem basicamente dos pronomes
pessoais para dar essa informação na frase, já o espanhol e o italiano, usam
precipuamente a flexão verbal, embora disponham também de pronomes pessoais
sujeito. Situação análoga à dessas últimas é a que encontramos no português, fazendo
com que a categoria de pessoa do discurso se expresse simultaneamente pela presença
de um pronome sujeito e pela flexão verbal, como nas formas fixadas no período
clássico da língua, conservadas até os dias atuais pela tradição gramatical e apresentadas
no quadro a seguir:

58
1ª pessoa do singular eu trabalho
2ª pessoa do singular tu trabalhas
3ª pessoa do singular ele trabalha
1ª pessoa do plural nós trabalhamos
2ª pessoa do plural vós trabalhais
3ª pessoa do plural eles trabalham

Nesse paradigma, o verbo assumia uma forma específica para cada pessoa do
discurso (sendo a forma da 3ª pessoa do singular a forma não marcada, ou seja, a única
que não exibe um morfema flexional para indicar a informação de pessoa e número),32 o
que tornava dispensável a presença do pronome sujeito.
O uso do pronome sujeito nos casos em que se quer enfatizar essa informação é
uma característica de boa parte das línguas que evoluíram do latim (uma língua
amplamente flexiva), como o espanhol e o italiano atuais. Situação semelhante é
encontrada em Portugal, que mantém esse paradigma de flexão verbal, à exceção da 2ª
pessoa do plural, em função da perda do vós e da forma verbal correspondente.
Já a situação do português brasileiro se diferencia dessa, em boa medida, já que,
para além do vós, o tu caiu em desuso em boa parte do território brasileiro e o a gente
predomina sobre o nós na linguagem oral, na maioria das regiões do país. Como essas
formas inovadoras – você(s) e a gente – se conjugam com as formas verbais não
marcadas da 3ª pessoa, houve uma sensível redução na flexão verbal, como se pode ver
no quadro abaixo:
1ª pessoa do singular eu trabalho trabalhava
2ª pessoa do singular você trabalha trabalhava
3ª pessoa do singular ele trabalha trabalhava
1ª pessoa do plural a gente trabalha trabalhava
2ª pessoa do plural vocês trabalham trabalhavam
3ª pessoa do plural eles trabalham trabalhavam

Nesse paradigma, o verbo só incorpora dois morfemas flexionais, sendo que, a


rigor, só a 1ª pessoa do singular dispõe de um morfema privativo, que só figura em dois
tempos verbais – o presente do indicativo e pretérito perfeito. Com essa configuração, o

32
Os morfemas flexionais das demais pessoas do discurso estão em negrito no quadro acima.

59
português brasileiro exibe um paradigma de flexão verbal “mais pobre’ que o francês,
uma língua românica em que a presença do pronome sujeito é obrigatória. Contudo, o
português brasileiro ainda permite a construção de frases sem a presença do pronome
sujeito, com exemplificado abaixo:
(32) Fomos à praia ontem e nos divertimos bastante.
Apesar de admitir frases com o chamado sujeito nulo, a frequência de emprego
do pronome sujeito no português brasileiro é bem superior à observada nas demais
línguas românicas que admitem a ausência do sujeito, como o italiano e o espanhol,
bem como do português de Portugal. Com isso, os brasileiros, sobretudo na linguagem
informal, não seguem o preceito da tradição gramatical de só empregar o pronome
sujeito nos casos de ênfase.
Na variedade popular da língua no Brasil, aquela empregada por boa parte da
população que não tem acesso à escolaridade, o nível de emprego do mecanismo da
concordância verbal é ainda muito baixo, sendo preservado somente, em relação à 1ª
pessoa do singular, como se pode ver no quadro abaixo:
1ª pessoa do singular eu trabalho
2ª pessoa do singular tu trabalha
3ª pessoa do singular ele trabalha
1ª pessoa do plural nós trabalha
2ª pessoa do plural vocês trabalha
3ª pessoa do plural eles trabalha

Pesquisas sociolinguísticas sobre a fala de comunidades rurais isoladas das


regiões mais pobres do país (como a região nordeste) constataram que a frequência de
emprego de formas verbais flexionadas (e.g., nós trabalhamos e vocês/eles trabalham)
não passa de 20%. Ou seja, em cada dez frases produzidas por esses falantes, apenas em
duas o mecanismo da concordância verbal se faz presente, embora a falta de
concordância verbal, como exemplificado em (33) abaixo, sofra uma forte condenação
social.
(33) Nós pega os peixe.
O estigma social que se abate sobre essas construções, típicas da linguagem
popular brasileira, resultam de uma atitude discriminatória e preconceituosa, que não
tem qualquer fundamento linguístico. Um paradigma flexional similar a esse é

60
encontrado, por exemplo, na língua inglesa (como se pode ver no quadro comparativo
abaixo), que é hoje o idioma mais valorizado no mundo. Nos dois paradigmas, somente
uma pessoa tem uma marca flexional própria: no português popular do Brasil é a 1ª
pessoa do singular (trabalho); no Inglês, a 3ª pessoa do singular (works). Se isso não
compromete o poder de expressão da língua inglesa, nem a impede de ser veículo do
saber formal, o mesmo se aplica ao português popular do Brasil.

Português Popular Inglês


eu trabalho I work
tu trabalha You work
ele trabalha He/she/it works
nós trabalha We work
vocês trabalha You work
eles trabalha They work

O que ocorre é que as línguas humanas dispõem, basicamente, de dois


mecanismos gramaticais para expressar a categoria de pessoa e número na oração: a
flexão verbal e a presença do pronome sujeito. Como se pode ver no quadro abaixo,
línguas como o italiano expressam essa informação gramatical através da flexão do
verbo, o que inibe a presença do pronome sujeito, que acaba tendo nessas línguas um
valor mais lexical, do que gramatical; já línguas como o inglês, expressam essa
informação gramaticalmente através da presença obrigatória do pronome sujeito.

Italiano Inglês
lavoro I work
lavori You work
lavora He/she/it works
lavoriamo We work
lavorate You work
lavorano They work

Uma situação ainda mais idêntica ao do português popular do Brasil é a do


chinês, que não tem flexão verbal de pessoa e número, e admite o sujeito nulo. Mais

61
uma vês essa características estrutural da variedade linguística não constitui um óbice ao
desenvolvimento, pois a China é o país que experimenta o maior nível de crescimento
econômico no mundo contemporâneo.
Portanto, no português brasileiro, a informação gramatical de pessoa e número
pode ser dada, ora pela flexão verbal, ora pela presença de um pronome sujeito. E
muitas vezes, sobretudo na comunicação oral, essa informação pode não ter uma forma
gramatical na frase, sendo capturada pragmaticamente, pelas informações não verbais,
sempre disponíveis na situação de interação verbal, ou por relações co-textuais que o
ouvinte pode estabelecer, independentemente de uma sinalização linguística explícita na
oração.

1.1.3. Sujeito não referencial


Como vimos acima, o verbo pode não selecionar um argumento externo. É o que
acontece com os verbos que indicam fenômenos meteorológicos (cf. seção 4.1. do
capítulo anterior). Verbos como chover e ventar não requerem, em sua grade temática,
um AGENTE, ou mesmo uma FONTE, para o processo do mundo real a que se
referem. A questão que se coloca, então, é se haveria uma posição para o argumento
externo nesses casos. A observação de línguas como o inglês sugere que sim, na medida
em que um pronome expletivo (it) ocupa a posição de sujeito nas orações com esses
verbos, como exemplificado em (34) abaixo. Já no português brasileiro, essa posição
tem de ficar obrigatoriamente vazia – cf. (35) –, sendo a presença de um pronome
expletivo agramatical – cf. (36).33
(34) It´s raining a lot.
(35) Está chovendo muito.
(36) *Ele está chovendo muito.
Seria o caso de pensar na existência de um sujeito não referencial, que não teria
uma forma fonética em algumas línguas, mas que teria em outras. Dessa forma haveria
sempre uma posição argumental de sujeito na estrutura argumental do verbo – [ __ V ] –
, mesmo no caso desses verbos, que não têm um sujeito referencial, que recebesse um
papel temático. Porém, adotaremos aqui uma interpretação formal distinta dessa.
Manteremos a posição que, na estrutura argumental dos verbos que indicam fenômenos
meteorológicos e de verbos existenciais, como haver (cf. seção 4.2. do capítulo

33
Em variedades dialetais de Portugal, é admitida a presença desse pronome expletivo, de modo que essa
frase não seria agramatical nessas variedades dialetais portuguesas.

62
anterior), não há a posição de argumento externo, ou seja, de sujeito. A presença de
uma partícula expletiva, aparentemente na posição de sujeito, em línguas como inglês,
não passaria de uma expressão gramatical obrigatória da categoria de pessoa e número,
não se podendo ver, a rigor, nessas marcas gramaticais, a expressão de um sujeito
sintático. Tanto é assim que, em línguas em que a categoria de pessoa e número é
expressa gramaticalmente pela flexão verbal, a posição de sujeito não pode ser
preenchida. É o caso do português, língua em que esses chamados verbos impessoais
(como chover e haver) devem vir sempre na 3ª pessoa do singular, que é, na verdade, a
forma verbal não marcada para pessoa (cf. seção anterior). Portanto, ratificamos a
formalização das estruturas argumentais dos verbos que indicam fenômenos
meteorológicos e de verbos existenciais, apresentadas, respectivamente, nas seções 4.1.
e 4.2. do capítulo anterior, quais sejam: [ V ] e [ V __ ]. Com isso, mantemos a devida
simetria entre a grade temática e a estrutura argumental dos predicadores verbais. O
verbo só abre uma posição argumental na estrutura sintática se atribui a essa posição
um papel temático no plano da significação referencial.

1.1.4. Indeterminação do sujeito


O constituinte que ocupa a posição do sujeito (assim como todos os constituintes
que possuem um núcleo nominal) pode-se referir a indivíduos, como exemplificado em
(37), ou a uma espécie, gênero ou classe de indivíduos, como exemplificado em (38):
(37) A Maria respeita muito o avô.
(38) As pessoas devem respeitar os mais velhos.
Gramaticalmente, o português dispõe de uma partícula o pronome se para
expressar a indeterminação do sujeito – cf. exemplificado em (39) –, o que se
denomina também sujeito de referência arbitrária. Para além do se, outros pronomes
pessoais podem assumir essa referência genérica, para além da referência específica
em que são normalmente empregados. Tal é o caso do você e do nós ou a gente, como
se pode ver, respectivamente, nos exemplos (40) a (42):
(39) Vive-se mais quando se vive com moderação.
(40) Você sempre se sente inseguro diante do desconhecido.
(41) Devemos respeitar os mais velhos.
(42) A gente sempre se sente inseguro diante do desconhecido
As frases (39) a (42) não se referem a uma pessoa específica, mas aos seres
humanos em geral. Em orações reduzidas que se articulam em torno de uma forma

63
verbal não finita, como as em destaque nos exemplos (43) e (44), pode-se postular
também a existência de um sujeito de referência arbitrária que não tem expressão
fonética.34
(43) Vivendo com moderação, vivemos mais.
(44) É proibido fumar nesta sala.
A língua é forma, portanto, em frases em que o se funciona como índice de
indeterminação do sujeito (segundo a terminologia da tradição gramatical), podemos
postular que o sujeito formal dessas orações é o pronome se, que assume aí o valor
nominativo, em oposição ao valor acusativo que assume quando funciona como
pronome reflexivo ou recíproco (cf. seção 1.2.5. abaixo). Nesses casos, o verbo vem
sempre na 3ª pessoa do singular, como ocorre em (39) acima. Porém, a gramática
normativa postula que, com os verbos transitivos diretos, o se tem outro valor, o de
partícula apassivadora, indicando que o verbo estaria na voz passiva. 35 De acordo
com a análise tradicional, a frase (45) corresponderia à frase (46), sendo está última
classificada como voz passiva analítica, enquanto aquela seria a voz passiva sintética.
(45) Cumpriu-se o prazo estabelecido.
(46) O prazo estabelecido foi cumprido
Em face dessa correspondência entre as frases (45) e (46), o sujeito da oração
(45) seria, não o se, mas o Sintagma Nominal o prazo estabelecido, assim como ocorre
em (46). Com base nisso, a gramática normativa prescreve que o verbo deve concordar
com esse constituinte, quando estiver no plural, como ocorre em (47):
(47) Cumpriram-se todos os prazos estabelecidos no edital.
Porém, essa análise não é consensual na tradição gramatical.36 E, se ela reflete a
intuição de pelo menos uma parte dos falantes de alguma época pretérita da língua, hoje
ela entre em flagrante conflito com a percepção da maioria dos usuários da língua no
Brasil, mesmo os chamados cultos, que percebem o se sempre como índice de
indeterminação do sujeito, mesmo com os verbos transitivos diretos, de modo que não
fazem a concordância prescrita pela tradição normativa, como exemplificado em (48),
que soa mais natural para os brasileiros do que a frase (47):
(48) Cumpriu-se todos os prazos estabelecidos no edital.

34
Esse sujeito recebe o rótulo PRO na análise gerativista, em oposição ao rótulo pro, atribuído aos
sujeitos nulos de referência específica.
35
A voz passiva será tratada na seção 10 deste capítulo.
36
Gramáticos da estatura de um Said Ali, por exemplo, da primeira do século XX, opuseram-se a tal
visão, defendendo que o se seria sempre índice de indeterminação do sujeito independentemente da
transitividade do verbo.

64
1.2. Argumentos internos
Na análise das orações formadas com verbos transitivos (aqueles que selecionam
um argumento externo e um ou dois argumentos internos), uma questão que se põe é:
com qual dos dois lados o verbo estabelece uma relação mais íntima? Com o argumento
externo que o precede ou com o(s) argumento(s) interno(s) que a ele se segue(m)?
Adotamos aqui a hipótese de que, no processamento sintático-semântico da
oração, o verbo une-se primeiramente a seu(s) argumento(s) interno(s). Esse conjunto
constituído pelo verbo e seu(s) complemento(s) forma uma unidade sintática que, por
sua vez, se combina, em seguida, com o argumento externo, o sujeito do verbo. Isso fica
claro, por exemplo, com um verbo como quebrar. Esse verbo define a sua significação
através da relação com seu argumento interno, para depois selecionar um argumento
externo. Ao combinar-se, por exemplo, com o SN o copo, o verbo assume um
significado que requer um sujeito AGENTE, cf. exemplo (49). Mas, ao combinar-se
com o SN a perna, o conjunto formado passa a requerer um sujeito
EXPERIENCIADOR, cf. exemplo (50):
(49) João quebrou o copo.
(50) João quebrou a perna.
Esquematicamente, a relação do verbo com seus argumentos pode ser
representada, então, da seguinte maneira:
(51) [ ___ [ V ___ ___ ] ]
Esse fato é também percebido pela gramática tradicional, que define o
argumento interno como complemento verbal, ou seja, o constituinte que completa o
sentido do verbo. O sentido final do verbo só se atualiza na oração com a presença de
seu(s) complemento(s), o que pode alterar até sua estrutura argumental, como ocorre,
por exemplo, com o verbo contar. Na frase (52), o verbo contar tem o sentido de
‘computar’ e só seleciona um argumento interno; já na frase (53), o verbo assume o
sentido de ‘narrar’, relacionando-se a dois argumentos internos.
(52) João não contou o dinheiro.
(53) João contou a verdade à Maria.
Como já foi visto acima, quando o verbo seleciona apenas um argumento
interno, este pode-se ligar diretamente ao verbo, ou vir regido por uma preposição.
Quando o verbo seleciona dois argumentos internos, o primeiro normalmente liga-se
diretamente ao verbo, enquanto o segundo vem regido por uma preposição. O papel

65
temático assumido pelo argumento interno está parcialmente relacionado à sua posição
sintática.

1.2.1. Os papéis temáticos dos argumentos internos


Quando o verbo seleciona somente um argumento interno, este assume
normalmente o papel temático de PACIENTE – cf. exemplo (54) – ou TEMA – cf.
exemplo (55). No primeiro caso, o ente referido pelo argumento interno é diretamente
afetado pela ação ou processo expresso pelo verbo, o que não ocorre quando o
argumento interno tem o papel de TEMA.
(54) A ventania destelhou algumas casas.
(55) João pensa muito na Maria.
Geralmente, os argumentos internos que têm o papel de PACIENTE ligam-se
diretamente ao verbo, enquanto os que têm o papel de TEMA vêm regidos por uma
preposição; o que as correntes funcionalistas da análise linguística contemporânea
buscam explicar por meio do princípio da iconicidade, segundo o qual haveria uma
relação direta entre forma e sentido na estruturação da língua. A preposição serviria para
expressar a relação indireta do objeto com a ação verbal; já sua ausência expressaria
melhor a forma como a ação verbal afeta o ente referido pelo argumento interno. Porém,
trata-se apenas de uma tendência geral, que admite muitas exceções, como se pode ver
nas frases abaixo:
(56) João bateu na Maria.
(57) Eu imaginei outra coisa.
Em (56), o argumento interno tem o papel temático de PACIENTE, pois é
diretamente afetado pela ação expressa pelo verbo, porém é regido pela preposição em.
Já em (57) ocorre o contrário, o argumento interno, que não é afetado pela ação verbal,
assumindo o papel de TEMA, liga-se diretamente ao verbo.
Mais raramente, o argumento interno pode assumir o papel temático de FONTE
– cf. exemplo (58) –, ou até mesmo AGENTE – cf. exemplo (59). Em ambos os casos,
esse argumento vem regido por uma preposição.
(58) A radiação está emanando do reator da usina.
(59) O vizinho apanhou da mulher ontem.
Quando o verbo seleciona dois argumentos internos, em uma estrutura dativa ou
discendi, o primeiro argumento assume normalmente o papel de TEMA, enquanto o

66
segundo, o papel de DESTINATÁRIO37, tendo como referência, normalmente, seres
humanos, como exemplificado abaixo:
(60) João deu uma rosa à namorada.
(61) O avô contava histórias para as crianças.
Por fim, os verbos de movimento selecionam um argumento interno que
expressa um lugar, como exemplificado em (62), nesses casos o argumento interno
assume o papel temático LOCAL. Esse também é o papel temático do segundo
argumento dos verbos do campo semântico de pôr ou de conduzir, que selecionam dois
argumentos, como exemplificado em (63):
(62) Luísa viajou para São Paulo ontem.
Não passamos por Itabuna ainda.
Maria foi à padaria logo cedo.
(63) Coloque sempre as chaves nesta gaveta.
Vou levar você pra casa.
Portanto, considerando todos os papeis temáticos que os argumentos internos
podem assumir, podemos pensar que a relação entre o conteúdo semântico (papel
temático) e a forma (estrutura sintagmática – Sintagma Nominal ou Sintagma
Preposicionado) dos argumentos internos poderia ser explicada por outro princípio
distinto do princípio da iconicidade – o princípio da economia. Como o papel temático
mais comum do argumento interno é o de PACIENTE , essa seria, normalmente, a
forma não marcada (sem preposição). Ao assumir papeis temáticos menos frequentes
(particularmente, os papeis de FONTE, AGENTE, DESTINATÁRIO e LOCAL), o
argumento interno viria marcado por uma preposição.

1.2.2. Funções sintáticas dos argumentos internos


Na estrutura dativa ou discendi, o primeiro argumento, que se liga diretamente
ao verbo e tem o papel de TEMA, desempenha a função de objeto direto (OD) do
verbo; o segundo argumento, o DESTINATÁRIO, regido pela preposição a ou para, a
função de objeto indireto (OI), como exemplificado acima em (60) e (61), e
representado pelo seguinte esquema:
(64) dar contar etc [ ___SUJ V ___OD ___OI ]

37
Na literatura linguística, esse papel temático também é denominado BENEFICIÁRIO ou META.

67
Entretanto, a tradição gramatical também classifica como OI todos os
argumentos internos regidos por preposição, mesmo quando esse constituinte é o único
argumento interno do verbo, como os exemplificado abaixo:
(65) Ela gosta de mim.
O João só pensa na Maria.
Antes de morrer, clamou por piedade.
Nunca briguei com esse funcionário.
Porém, é necessário fazer uma distinção no conjunto de argumentos internos
regidos por preposição. Nas frases (60) e (61), o constituinte preposicionado é o
segundo argumento interno, é regido pela preposição a/para, tem o papel de
DESTINATÁRIO, com o traço semântico [+humano], e pode ser substituído por um
clítico, como se vê abaixo:
(66) João deu-lhe uma rosa.
(67) O avô contava-lhes histórias.
Já os argumentos preposicionados de (65) têm o papel de TEMA ou
PACIENTE, são regidos pelas preposições de, em, por e com, e não podem ser
substituídos por um clítico, como se vê abaixo:
(68) *Ela gosta-me.
*O João só lhe pensa.
*Antes de morrer, clamou-lhe.
*Nunca lhe briguei.
Não é boa uma classificação que agrupa sob o mesmo rótulo elementos de
natureza diversa, como constatamos aqui. Por isso, vamos fazer a distinção entre objeto
indireto e complemento oblíquo. Serão classificados como objeto indireto apenas os
argumentos regidos pela preposição a/para, com papel temático de DESTINATÁRIO e
que podem ser cliticizados. Para além, dos verbos que selecionam dois argumentos, o
OI também pode completar o sentido de verbos que selecionam apenas um argumento
como exemplificado em (69) abaixo. Sendo um OI, esse constituinte também pode ser
cliticizado:
(69) A proposta agradou a você?
A proposta lhe agradou?
Todos os demais argumentos internos regidos por preposição, como os
apresentados em (65), serão classificados como complemento oblíquo, exceto os que
têm o papel temático de LOCAL, que serão classificados como complemento locativo.

68
Os complementos locativos completam o sentido dos verbos de movimento
(denominados também verbos locativos) – como exemplificado em (62) acima, ou
funcionam como segundo argumento dos verbos do campo semântico de pôr ou de
conduzir – cf. exemplo (63) acima. Os complementos locativos podem ser regidos pelas
preposições a, para, em, de e por, como exemplificado abaixo:
(70) Maria foi à feira.
(71) Júlia vai viajar para a Europa, na próxima semana.
(72) Deposite o dinheiro nesta conta.
(73) João quase não sai de casa.
(74) Nós vamos passar pela Bélgica.
Aqui novamente, nos apartamos da tradição gramatical, que classifica esses
constituintes como adjunto adverbial de lugar. O critério usado tradicionalmente é de
base semântica: todos os constituintes que expressam informação de tempo, modo,
lugar, causa etc são classificados como adjunto adverbial. Porém, em nossa análise,
prevalece o parâmetro da predicação, da subcategorização semântica do verbo. Os
chamados verbos de movimento requerem um argumento que expressa lugar, assim:
quem vai, vai a algum lugar; quem viaja, viaja para algum lugar; quem deposita,
deposita algo em algum lugar; quem sai, sai de algum lugar; quem passa, passa por
algum lugar; e assim por diante. A prevalência desse parâmetro da seleção semântica do
verbo impõe a classificação desses constituintes como complementos verbais e não
adjuntos adverbiais.
Por um processo de abstração comum na língua, verbos tradicionalmente
utilizados para indicar localizações espaciais podem ser empregados, num nível mais
abstrato, em planos temporais ou conceituais, como exemplificado abaixo:
(75) A Idade Média vai da queda do Império Romano do Ocidente, em
476, até a tomada de Constantinopla pelos turcos, em 1453.
(76) O filme vem do Surrealismo e passeia por grandes nomes da
história do cinema.
Também nesses casos, trata-se de complementos locativos.

1.2.3. Supressão do argumento interno


Muitas vezes, os argumentos verbais não vêm expressos na oração, ou porque já
foram referidos anteriormente, como em:
(77) Não posso consultar esse livro porque já devolvi pra biblioteca.

69
Ou porque o processo verbal é referido em si mesmo, não sendo relevante
explicitar o seu objeto, como em:38
(78) João comeu bem.
Maria pensa demais.

1.2.4. Pronomes complemento


O mecanismo sintático da pronominalização permite que os argumentos
internos sejam expressos por pronomes pessoais, demonstrativos, possessivos e
indefinidos que têm, ou um valor dêitico,39 ou anafórico, ou catafórico. Um elemento
gramatical anafórico é aquele que é correferente (isto é, refere-se ao mesmo ente do
mundo real) de um constituinte já expresso anteriormente no discurso – cf.
exemplificado em (79). Já o elemento catafórico é o que é correferente de um termo
que ainda será enunciado no ato verbal – cf. exemplo (80):
(79) O João ofendeu a Maria. Eu confirmo isso.
(80) Só lhe digo isto: desista dessa ideia.
Os pronomes pessoais, que expressam as distinções relativas às pessoas do
discurso, ainda exibem a propriedade da flexão de caso, isto é, assumem uma forma
diferente, conforme a função sintática que desempenham na oração, como se pode ver
no quadro abaixo, que toma por referência o elenco dos pronomes apresentados pelas
gramáticas normativas:
SUJEITO OD OI OBL ADVERBIAL
eu me me mim comigo
tu te te ti contigo
ele o/a lhe si consigo
nós nos nos nós conosco
vós vos vos vós convosco
eles os/as lhes si consigo

A gramaticalização das expressões nominais você e a gente como pronomes da


segunda pessoa e da primeira pessoa do plural, respectivamente, produziu significativas
alterações na forma dos pronomes complementos, já que essas expressões não se

38
Isso será retomado na próxima seção.
39
As partículas gramaticais dêiticas expressam distinções relativas ao local (aqui, lá etc), ao momento
(agora, amanhã, depois etc), ou aos participantes do ato de fala (eu, você, este, aquele etc).

70
flexionam em caso, como se pode ver no quadro abaixo, que representa melhor as
formas pronominais de uso corrente no Brasil:
SUJEITO OD OI OBL ADVERBIAL
eu me me mim comigo
você você, te e lhe você, te e lhe você você
ele/ela o/a e ele/ela lhe e ele/ela ele/ela ele/ela
a gente a gente a gente a gente a gente
vocês vocês e lhes vocês e lhes vocês vocês
eles/elas os/as e eles/elas lhes e eles/elas eles/elas eles/elas

No quadro atual, a flexão de caso só não foi afetada na primeira pessoa do


singular. O uso do você implicaria uma perda da flexão de caso em relação à 2ª pessoa,
já que essa forma nominal não exibe tal propriedade – cf. exemplo (81). Porém, o você
alterna com a forma complemento te, correlata do tu – cf. exemplo (82); o que contraria
a tradição de que ao você deveriam corresponder as formas da 3ª pessoa: o/a, lhe e si e
consigo. Já o desaparecimento quase completo do clítico acusativo (o/a) na linguagem
coloquial, no Brasil, fez com que o lhe fosse empregado na função de OD (ou seja, com
valor de acusativo) – cf. exemplo (83) –, além de ser empregado normalmente com o
valor de dativo (OI) – cf. exemplo (84). O mesmo vale para o si e o consigo, que só são
empregados em algumas construções específicas, predominado o uso do você nessas
funções – cf. exemplos (85) e (86). Na segunda pessoa do plural, o vocês substituiu
completamente o vós (claramente um arcaísmo hoje no Brasil), com as mesmas
implicações morfossintáticas – cf. frases apresentadas em (87).
(81) Você me viu ontem no teatro, mas eu não vi você.
Você me pediu, mas eu não disse a você o número do meu
celular.
(82) Você me viu ontem no teatro, mas eu não te vi.
Você me pediu, mas eu não te disse o número do meu celular.
(83) Você me viu ontem no teatro, mas eu não lhe vi.40
(84) Você me pediu, mas eu não lhe disse o número do meu celular.
(85) Você só pensa em si!
Você só pensa em você!

40
A forma padrão, nesse caso, seria: “Você me viu ontem no teatro, mas eu não a/o vi.”

71
(86) Ela não quer sair consigo.
Ela não quer sair com você.
(87) Vocês me viram ontem no teatro, mas eu não vi vocês.
Vocês me pediram, mas eu não disse a vocês o número do meu
celular.
Vocês me viram ontem no teatro, mas eu não lhes vi.41
Vocês me pediram, mas eu não lhes disse o número do meu
celular.
Vocês só pensam em si!
Vocês só pensam em vocês!
Ela não quer sair com vocês.
A perda do clítico acusativo fez também com que o ele/ela praticamente
deixasse de se flexionar em caso no discurso informal, tanto no singular, quanto no
plural, como se pode ver nas frases em (88), com exemplos apenas no singular. Além
disso, o pronome complemento da 3ª pessoa (no singular ou no plural) é frequentemente
suprimido, especialmente quando não se refere a seres animados – cf. exemplo (89).
Nesses casos, postula-se a existência de uma categoria vazia (CV), que expressa a
presença implícita daquele argumento interno.
(88) A Maria me viu ontem no teatro, mas eu não vi ela.
A Maria me pediu, mas eu não disse pra ela o número do meu
celular.
Já combinei com a Maria e vou com ela pra festa.
(89) Eu queria comprar esse livro/esses livros, mas não comprei
___CV.
O a gente, por sua origem nominal, também é empregado, sem qualquer
alteração em sua forma, em todas as funções sintáticas – cf. exemplo (90). Entretanto, é
possível que a forma a gente, na função de sujeito, se combine com formas flexionadas
do nós nas funções de complemento verbal ou adjunto adverbial – cf. exemplo (91).
(90) A gente viu a Maria ontem no teatro, mas ela não vi a gente.
A Maria pediu um favor pra gente.
A Maria vai pra festa com a gente.
(91) A gente viu a Maria ontem no teatro, mas ela não nos vi.

41
A forma padrão, nesse caso, seria: “Você me viu ontem no teatro, mas eu não as/os vi.”

72
A gente encontrou com a Maria e ela nos contou essa história.
A gente já combinou com a Maria, e ela vai conosco.
Portanto, a propriedade da flexão de caso, que o português conservou do latim
apenas nos pronomes, encontra-se atualmente no Brasil em um amplo processo de
variação, no sentido da sua simplificação.

1.2.5. Pronomes reflexivos/recíprocos e expletivos


As línguas humanas dispõe de um elemento gramatical, o pronome
reflexivo/expletivo, utilizado quando o AGENTE e o PACIENTE da ação verbal são o
mesmo ente. Na 3ª pessoa, esse pronome (com a forma se) é distinto do complemento
(o/a/os/as) – cf. exemplos (92) e (93). Na 1ª e na 2ª pessoa, o reflexivo/recíproco não
tem uma forma específica – cf. exemplos (94) a (97).
(92) O João já se cortou com essa faca.
(93) O João e Maria se beijaram na festa.
(94) Eu já me cortei com essa faca.
(95) Nós nos beijamos com paixão.
(96) Já te cortaste com essa faca.
(97) Crescei e multiplicai-vos.
Ao longo da história da língua, o pronome reflexivo pode perder seu valor
referencial, tornando-se um pronome expletivo – cf. exemplos (98) e (99). Nesses
casos, o pronome passa a ser parte integrante do verbo, o que a tradição gramatical
denomina verbo pronominal. Isso significa que no léxico mental do falante, não existe
um verbo apaixonar ou suicidar, que pode se combinar com um pronome reflexivo no
processo de constituição da oração, como ocorre com os verbos cortar e ver, por
exemplo. O falante aprende esses verbos como apaixonar-se e suicidar-se, tanto que, se
falta o pronome – cf. exemplos (100) e (101) –, a frase soa agramatical para a maioria
dos falantes brasileiros.42
(98) Eu me apaixonei pela Maria.
(99) O João não se suicidou, foi assassinado!
(100) *Eu apaixonei pela Maria.
(101) *O João não suicidou, foi assassinado!

42
Uma exceção são os falantes do chamado dialeto mineiro.

73
Entretanto, nem sempre é fácil distinguir quando o pronome tem valor
referencial (ou seja, é reflexivo) ou não tem carga semântica (é expletivo), como se
pode ver nos seguintes casos:
(102) Maria se sentou na cabaceira da mesa.
(103) Maria se penteava demoradamente.
Vamos adotar aqui a seguinte posição. No caso dos movimentos do corpo (como
sentar-se, levantar-se, deitar-se etc), vamos classificar o pronome como expletivo,
levando em conta que nesses casos frequentemente o pronome pode ser suprimido sem
comprometer o sentido da frase – cf. exemplo (104). Já com verbos como pentear, que
selecionam mais comumente um argumento interno – cf. exemplo (105) –, vamos
classificar o pronome como reflexivo.
(104) Maria sentou na cabaceira da mesa.
(105) Maria penteou o filho com esmero.

2. Adjuntos

Os adjuntos são constituintes que se agregam ao núcleo da oração, formado pelo


predicador e seus argumentos, acrescentando informações de seguinte natureza:
(i) sobre as circunstâncias em que se deu o evento referido;
(ii) sobre a fonte da informação transmitida;
(iii) um comentário geral sobre o que foi dito.
As informações do tipo (i) são dadas por constituintes que são classificados
como adjuntos adverbiais, já as informações dos tipos (ii) e (iii) são dadas por
constituintes que classificaremos aqui como adjuntos adfrasais. Tomando como
exemplo a frase (106), para além do verbo (colocou) e seus argumentos (um policial, um
envelope e no bolso da vítima), temos o constituinte segundo a testemunha, que
funciona como adjunto adfrasal, e os constituintes sorrateiramente e logo após o
acidente, que funcionam como adjuntos adverbiais.
(106) Segundo a testemunha, um policial colocou um envelope
sorrateiramente no bolso da vítima, logo após o acidente.

74
Os adjuntos também podem ser usados em predicações nominais, como se pode
ver na frase (107) abaixo, em que felizmente é o adjunto adfrasal e ontem e durante a
reunião são os adjuntos adverbiais.
(107) Felizmente, a Maria foi muito ponderada ontem, durante a
reunião.
Enquanto a informação dada por um argumento é requerida pelo predicador
empregado na frase, a informação dada por um adjunto é de certa forma opcional,
decorrendo do nível de detalhamento que o falante quer dar à informação transmitida
pela frase.

2.1. Adjuntos adverbiais


Os adjuntos adverbiais expressam informações circunstancias sobre o evento,
processo físico ou orgânico, estado etc expresso na oração. Essas informações são
classificadas tradicionalmente, pelo seu conteúdo, da seguinte maneira:
Tempo
(108) João voltará ao trabalho amanhã.
Modo
(109) Maria dormia profundamente.
Intensidade
(110) João come pouco.
Lugar
(111) As crianças brincavam atrás do galpão.
Causa
(112) Ele não lhe cumprimentou por timidez.
Instrumento
(113) Ela cortou o pão com a tesoura.
Companhia
(114) Maria foi ao cinema com o namorado.
Condição
(115) Luísa sairá de casa se for aprovada no concurso.
Finalidade
(116) Evitei esse assunto para que o João não ficasse constrangido.

75
Contudo, a gama de informações coberta pelos adjuntos adverbiais é
demasiadamente ampla e diversificada, de modo que qualquer classificação de base
semântica será sempre incompleta e imprecisa.
Como se pode ver nos exemplos acima, os constituintes que desempenham a
função de adjunto adverbial podem ser: (i) um advérbio – cf. exemplos (108) a (110);
(ii) um Sintagma Adverbial – cf. exemplo (111); (iii) um Sintagma Preposicionado –
cf. exemplos (112) a (114); (iv) uma oração – cf. exemplos (115) e (116).

2.2. Negação
A rigor, a partícula de negação não não deveria integrar o elenco dos adjuntos
adverbais, pois trata-se de uma partícula gramatical que tem um comportamento muito
específico e diferenciado, assemelhando-se mais a um morfema flexional do verbo – um
prefixo. Esse caráter de afixo gramatical faz com que a sua colocação pré-verbal seja
praticamente obrigatória, como se pode ver nos exemplos abaixo:
(117) O João não fez o trabalho.
(118) *Não o João fez o trabalho.
(119) *O João fez não o trabalho.
(120) O João fez o trabalho não.
A gramaticalidade da frase (120) decorre do fenômeno da dupla negação, que
ocorre na linguagem oral, no qual a partícula de negação é repetida no final da oração:
(121) O João não fez o trabalho não.
Assim, a frase (120) é uma redução da frase (121), ocorrendo o apagamento da
partícula de negação na primeira posição:
(122) O João não fez o trabalho não.
Entretanto, a negação pode ser expressa de outras formas, como, por exemplo,
por advérbios de tempo com um valor negativo:
(123) Nunca mais eu vou falar com a Maria.
(124) O João jamais faria isso.
Nesses casos a co-ocorrência com a partícula de negação é agramatical:
(125) *Nunca mais eu não vou falar com a Maria.
(126) *O João jamais não faria isso.
Exceto, quando o adjunto adverbial de tempo vem após o verbo;
(127) Eu não vou falar com a Maria nunca mais.

76
(128) O João não faria isso jamais.
O mesmo acontece quando a negação é expressa por um quantificador (que a
tradição gramatical denomina pronome indefinido) que ocupa a posição de argumento
externo (sujeito) do verbo, como ninguém em (129). Ou seja, a co-ocorrência com a
partícula de negação é agramatical – cf. exemplo (130). Porém, quando o quantificador
que tem valor negativo está modificando o argumento interno do verbo, como ocorre no
exemplo (131), a co-ocorrência não é agramatical.
(129) Ninguém fez o trabalho.
(130) *Ninguém não fez o trabalho.
(131) Esse estudante não fez nenhum trabalho.43

2.3. Adjuntos adfrasais


Propomos aqui a categoria de adjunto adfrasal, para distinguir dos adjuntos
adverbiais os constituintes que se situam normalmente à esquerda da oração, separando-
se desta, muitas vezes, por uma pausa. Essa posição sintática especial seria ocupada por
constituintes que expressam um juízo de valor sobre o que se diz no corpo da oração –
cf. exemplo (132) – ou a fonte da informação contida na oração – cf. exemplo (133).
(132) Infelizmente, a Maria não veio.
(133) Segundo a matéria do jornal, o acidente ocorreu antes do início
da cerimônia.
Excepcionalmente, esses constituintes podem vir no meio ou no final da oração:
(134) O ladrão, certamente, fugiu pela janela.
(135) É caso de expulsão, segundo os estatutos da entidade.
Por outro lado, os adjuntos adverbiais podem vir no início da frase, separados
dos demais constituintes da oração por uma pausa:
(136) Na semana passada, não houve aulas.
(137) Por causa do trabalho, o João brigou com a mulher.
Os pronomes pessoais que desempenham normalmente a função de objeto
indireto podem ser empregados com o valor de adjunto adfrasal, como nas seguintes
frases:
(138) Não me venda essas ações tão cedo.

43
O purismo gramatical condena essa construções, muito utilizada no português contemporâneo,
recomendando construções do tipo:
(1) Esse estudante não fez qualquer trabalho.

77
(139) Me parece que a Maria anda cansada
Essas frases podem ser parafraseadas da seguinte maneira:
(140) Na minha opinião, você não deve vender essas ações tão cedo.
(141) Pra mim, parece que a Maria anda cansada
Assim, fica evidenciado o valor de adjunto adfrasal desses pronomes, o que
levou alguns gramáticos a classificá-los como dativos de opinião ou dativos de
interesse.

3. Aposto

O aposto é um termo parentético que introduz uma explicação sobre qualquer


constituinte da oração, o aposto pode ser constituído por um Sintagma Nominal – cf.
exemplo (188) – ou por uma oração relativa – cf. exemplo (189).
(142) Aquele funcionário, o João, pode entregar essa encomenda.
(143) Vou recorrer a Maria, que é especialista nesses assuntos.
O aposto vem sempre destacado por pausas na linguagem oral, o que a escrita
representa pelo emprego obrigatório da vírgula.

4. Constituintes parassintáticos

Algumas frases contêm constituintes que não integram a sua estrutura sintática.
Esses constituintes parassintáticos seriam o que tradicionalmente se denomina como
vocativo e interjeição.

4.1. Vocativo
O vocativo é constituinte através do qual se nomeia o interlocutor:
(144) Oh, Deus, por que me abandonaste?
(145) Espelho, espelho meu, existe alguém mais bonita do que eu?

78
4.2. Interjeição
As interjeições são elementos que expressam verbalmente uma exclamação – cf.
exemplo (146) –, ou a expressão sublinguística de uma emoção em seu estado mais
bruto – cf. exemplo (147) –, ou ainda uma partícula fática sublinguística – cf. exemplo
(148).
(146) Nossa! Como você está pálido!
(147) Há-há! Te peguei.
(148) Hum-hum, Claudia, senta aí.

79
Capítulo 4
Construções Sintáticas Especiais

1. Voz Passiva

A língua oferece a possibilidade de o argumento externo (OD) ser alçado à


posição de argumento externo, passando a desempenhar a função sintática de sujeito
paciente, na chamada voz passiva, como exemplificado em (2) abaixo, que corresponde
à voz passiva da frase (1), que está na voz ativa. Nesse caso, o sujeito da voz ativa
figura na voz passiva regido pela preposição por, desempenhando a função sintática de
agente da passiva.
(1) João pintou este quadro ontem.
(2) Este quadro foi pintado pelo João ontem.
A voz passiva requer uma configuração especial da forma do verbo, denominada
estrutura passiva (cf. capítulo anterior), na qual o verbo SER figura como verbo
auxiliar que se combina a forma do particípio passado do verbo principal. O auxiliar
ser concorda em pessoa e número com o sujeito (paciente, nesse caso), como ocorre
com todas as locuções verbais. Além disso, a forma do particípio passado do verbo
principal também deve concordar em gênero e número com o sujeito paciente, como
exemplificado abaixo:
(3) Todas as encomendas foram conferidas por mim.
No plano discursivo-pragmático, a voz ativa é uma estratégia muito empregada
quando a informação do AGENTE da ação verbal não é relevante, como na frase (298).
Ao ouvir essa frase o ouvinte normalmente não se interroga sobre quem resgatou as
vítimas do acidente.
(4) Todas as vítimas do acidente já foram resgatadas.

80
Essa possibilidade muito frequente de supressão do agente da passiva coloca em
questão a natureza desse constituinte sintático. Seria ele um argumento ou um adjunto
adverbial? A observação de uma língua como o latim, que exibia flexão de caso nos
constituintes nominais, pode fornecer evidências empíricas valiosas para elucidar essa
questão.
Em latim, o constituinte que exercia o papel de agente da passiva portava
normalmente as marcas flexionais do chamado caso ablativo, que correspondia ao
adjunto adverbial. Quando o agente era um ser inanimado, usava-se o ablativo puro,
sem preposição – cf. exemplos (5) e (6). Quando o agente da passiva era um ser
animado, usa-se a preposição ab, antes de ablativos começados por vogal – cf.
exemplo (7) –, ou a variante a, antes de ablativos antecedidos por consoante – cf.
exemplo (8).
(5) Auro conciliatur amor. (Ovídio, Ars Amatoria)
‘o amor é obtido pelo ouro’
[amor, nominativo; auro, ablativo (2ª declinação); conciliatur, verbo na passiva]
(6) Avarus animus nullo satiatur lucro. (Sêneca)
‘o espírito avarento não é saciado por nenhum lucro’
‘o espírito avarento não se sacia com lucro algum’
[Abl.: nullo lucro (2ª declinação); Satiatur: verbo na passiva]
(7) Ab amicis libenter moneamur.
‘Sejamos advertidos de boa vontade pelos amigos’
[mur é a terminação verbal de passiva]
(8) Carthago a Romanis deleta est.
NOM Prep. + ABL Passiva analítica (passado)
‘Cartago foi destruída pelos romanos’
A morfologia do agente da passiva no chamado latim clássico confirma o
caráter de adjunto adverbial desse constituinte, já sugerida por sua opcionalidade. Essa
definição reforça o caráter econômico do modelo de análise aqui sistematizado, que
utiliza apenas quatro categorias analíticas básicas (predicador, argumento, adjunto
e aposto), como primitivos teóricos, para analisar toda a estrutura sintática da oração.
Outras categorias serão necessárias, quando a análise transcender o escopo da oração (a
estrutura sintática nuclear da língua), alcançado estruturas periféricas, da chamada
periferia esquerda da oração, o que será feito no próximo capítulo. Mas antes,
trataremos de outras estruturas sintáticas especiais relacionadas à voz passiva.

81
2. Construções Ergativas

Em algumas construções sintáticas, um verbo transitivo pode receber um sujeito


paciente, sem que seja necessária a morfologia passiva, como exemplificado em (9) a
(11) abaixo. Essas construções são muito frequentes na linguagem coloquial e popular e
podem ser denominadas construções ergativas, porque nelas o argumento interno do
verbo, com o papel temático de PACIENTE também é alçado à posição de sujeito.
(9) As vidraças partiram.
(10) O pneu do carro esvaziou.
(11) A mandioca colhe no inverno.
Reparem que, em seu uso normal, esses verbos selecionam um sujeito, que tem o
papel temático de FONTE ou AGENTE – cf. exemplos (12) a (14) –, e os constituintes
que nas frases acima ocupam a posição de sujeito desempenham a função de OD.
(12) O impacto da explosão partiu as vidraças.
(13) Alguém esvaziou o pneu do carro.
(14) A gente colhe a mandioca no inverno.
Quando o verbo vem acompanhado da partícula se em construções desse tipo,
pode-se postular, aí sim, a existência de uma passiva pronominal, como se verá a
seguir.

3. Passiva Pronominal

Nas frases (15) e (16) abaixo, não se pode definir o se como índice de
indeterminação do sujeito, porque essas frases têm um sujeito sintático e ainda
expressam a FONTE do processo referido pelo verbo, por meio de constituintes que têm
uma natureza adverbial: na explosão, em (15); e com o calor excessivo do motor, em
(16). Muito menos é possível dizer que se trata de um pronome reflexivo ou recíproco
porque, nem os operários se feriram uns aos outros, nem os pistões se fundiram por si.
Consequentemente, só nos resta a opção de classificar esse se como partícula
apassivadora e essas construções como passivas pronominais.
(15) Sete operários se feriram na explosão.
(16) Os pistões se fundiram com o calor excessivo do motor

82
Semanticamente, o sujeito dessas frases recebe o papel temático de PACIENTE
porque sofre a ação do processo referido pelo verbo, e os constituintes na explosão e o
calor excessivo do motor, que expressam a FONTE do processo verbal, podem ser
classificados como agente da passiva, ampliando-se o escopo dessa classificação.44
Essa análise se baseia na relação que se pode estabelecer entre as frases (15) e (16) com
as frases (17) e (18) abaixo, que seriam assim as correspondentes ativas daquelas.
(17) A explosão feriu sete operários.
(18) O calor excessivo do motor fundiu os pistões.
Observe-se ainda que essas construções que estamos chamando de passivas
pronominais só são possíveis quando o sujeito da voz ativa tem o papel temático de
fonte. Quando o sujeito da voz ativa tem o papel de AGENTE tal conversão para a
passiva pronominal não é possível, como se pode ver com as seguintes frases:
(19) Os soldados explodiram o paiol.
*O paiol explodiu-se com os soldados.
(20) O ourives funde metais preciosos.
*Metais preciosos fundem-se no ourives.

4. Sujeito Tópico

As frases abaixo têm uma estrutura que revela uma das peculiaridades do
português brasileiro:
(21) O carro furou o pneu.
(22) Salvador tem 365 igrejas.
(23) Esses pincéis não pintam bem.
O sujeito sintático dessas frases não corresponde ao papel temático que o verbo
atribui normalmente ao seu argumento externo, tanto que podemos fazer as seguintes
paráfrases:
(24) Algo furou o pneu do carro.
(25) Tem 365 igrejas em Salvador.
(26) Não se pinta bem com esses pincéis.

44
O fato de esses constituintes serem regidos por outras preposições (em e com), que não a tradicional
por, e terem um caráter flagrantemente adverbial vai ao encontro da posição assumida aqui, segundo a
qual o agente da passiva seria um adjunto adverbial.

83
Nas paráfrases, podemos ver que o constituinte o carro, regido pela preposição
de, desempenha a função de modificador do constituinte o pneu e que os constituintes
Salvador e esses pincéis, regidos respectivamente pelas preposições em e com,
desempenham a função de adjunto adverbial. Portanto, nas frases (315) a (317), esses
constituintes são alçados à posição de sujeito, tanto que o verbo concorda com eles,
como se pode ver claramente em (317). Contudo, esse sujeito tem uma característica
especial, aproximando-se da posição de tópico, uma posição que fica fora da estrutura
nuclear da oração, no que se chama sua periferia esquerda. A periferia esquerda será o
tema do próximo capítulo. E esses sujeitos que ficam no limiar da estrutura da oração
serão classificados como sujeito tópico, por sua natureza híbrida entre sujeito e tópico.

84
Capítulo 5
O Período Composto

1. Processos de conexão de orações no período

Os processos de conexão de orações no período podem ser definidos em dois


tipos fundamentais: o encaixamento sintático e o encadeamento lógico-semântico.
No encaixamento sintático, uma oração se insere na estrutura sintática de outra
oração. Pode-se, então, distinguir os seguintes tipos de encaixamento sintático:
(i) a oração é encaixada como um argumento do verbo da oração
principal, ou como um predicativo do sujeito, ou como um aposto;
(ii) a oração encaixada liga-se a um nome da oração principal,
modificando-lhe o sentido, ou acrescentando uma informação à sua
referência;
(iii) a oração encaixada acrescenta uma informação circunstancial à
predicação contida na oração principal.
Assim, pode-se dizer que o encaixamento sintático é o que a tradição
gramatical chama de subordinação. A subordinação refere-se à dependência de uma
oração que funciona como termo de outra, donde essa se chama principal, e aquela,
subordinada. Assim, a divisão feita acima também corresponde à tradicional divisão
das orações subordinadas em substantivas, adjetivas e adverbiais, respectivamente.
Nesse sentido a subordinação está relacionada a uma dependência estrutural e não
semântica; ou seja, de forma, não de conteúdo.
Já no encadeamento lógico-semântico, duas orações formalmente autônomas
relacionam-se por um nexo lógico de causa, contradição, disjunção, etc. Nesse
sentido, o encadeamento lógico-semântico corresponderia ao que a tradição gramatical

85
chama de coordenação, orações estruturalmente independentes, mas reunidas em
relações de sentido.

2. O encadeamento lógico-semântico

Nas chamadas orações coordenadas o nexo lógico-semântico que une as


orações é normalmente explicitado pela conjunção, como se pode ver a seguir.
Oração Coordenada Aditiva [relação de conjunção]
João comprou os salgadinhos, e a Maria trouxe o vinho.
Oração Coordenada Alternativa [relação de disjunção]
Fale agora, ou cale-se para sempre.
Oração Coordenada Adversativa [relação de contradição]
Ele se acha o máximo, mas ninguém o leva a sério.
Oração Coordenada explicativa [relação de causa]
Ele não faz muitas amizades, porque é muito arrogante.
Oração Coordenada conclusiva [relação de conseqüência]
Ele é muito tímido, portanto seria incapaz de dizer uma coisa dessa.
Porém, não ocorre uma relação biunívoca entre a conjunção e a relação lógica,
com se pode ver abaixo:
Ele mirou o alvo e errou. [relação de contradição]
O processo de encadeamento lógico-semântico une orações estruturalmente
independente, ao passo que no encaixamento sintático uma oração é inserida na
estrutura de outra, sendo dependente dela. Com base nisso, a tradição gramatical
denomina o primeiro processo de coordenação e segundo de subordinação. Mas, como
se verá adiante, nem sempre esta distinção assenta em bases muito consistentes.

86
3. O encaixamento sintático

No processo de encaixamento sintático, tradicionalmente chamado de


subordinação, uma oração é inserida na estrutura de outra, ora desempenhando a
função de argumento do verbo da oração principal (ou ainda como um predicativo ou
um aposto), ora como um adjunto de um nome da oração principal, ora como um
adjunto adverbial ou adfrasal. Com base nessa distinção, a tradição gramatical divide as
orações subordinadas em: substantivas, adjetivas e adverbiais.

3.1. As orações completivas (ditas subordinadas substantivas)


As orações que são tradicionalmente classificadas como orações subordinadas
substantivas são aquelas que são introduzidas por um complementizador, daí serem
aqui classificadas como completivas. O complementizador, que a tradição gramatical
denomina conjunção integrante, é uma partícula gramatical, cuja função é a de
introduzir uma oração na outra. O caráter gramatical da classe dos complementizadores
evidencia-se com o seu reduzido elenco e a sua falta de valor referencial. Em português
são complementizadores apenas as partículas que e se. As orações completivas são,
portanto, orações encaixadas por excelência. Em seu uso mais comum, essas orações
funcionam como um complemento do verbo da oração principal. Em um tipo de
construção especial podem funcionar como sujeito do verbo da oração principal. Além
disso, é possível encaixar orações como complemento de um nome, na posição de
predicativo e como aposto de um Sintagma Nominal. Dessa forma, as orações
completivas podem são classificadas, segundo a sua função, como:
Subjetivas
(1) É preciso que todos prestem muita atenção agora.
[É preciso muita atenção agora.]
(2) Consta que ele não fez a prova.
(3) Foi acordado que os juros não serão pagos.
Objetivas Diretas
(4) Todos querem que você volte.
[Todos querem a sua volta.]
(5) Eu não sei se a Maria já entregou o documento.

87
Oblíquas
(6) Não se esqueça de que você está doente.
[Não se esqueça da sua doença]
(7) Aconselho-te a que procures um médico.
Completivas Nominais
(8) Ela ressaltou a necessidade de que todos colaborem.
[Ela ressaltou a necessidade da colaboração de todos.]
Predicativas
(9) Meu maior medo era que ele desconfiasse de alguma coisa.
[Meu maior medo era uma possível desconfiança dele.]
Apositivas
(10) Só desejo uma coisa: que sejam felizes.
[Só desejo uma coisa: a sua felicidade.]
As glosas dos exemplos (1), (4), (6), (8), (9) e (10) servem para demonstrar que
essas orações são denominadas tradicionalmente substantivas porque desempenham
uma função sintática na oração principal que normalmente é desempenhada por um
Sintagma Nominal, cujo núcleo é um nome (substantivo).
As orações subjetivas (que desempenham a função de sujeito) só ocorrem:
(i) em predicações nominais, do tipo: É bom que...; É importante que...;
Não é verdade que..., etc.;
(ii) com verbos inacusativos, como em: Parece que... ; Aconteceu que...,
etc; ou
(iii) em estruturas passivas: Foi decidido que... ; Foi ignorado que..., etc.
Nesse último caso, podem ser incluídas as construções da chamada passiva
sintética:
(11) Sabe-se que ele não é uma pessoa de confiança.
[É sabido que ele não é uma pessoa de confiança.]
(12) Não se considerou que ele tentou socorrer a vítima.
Em todos os casos, as orações subjetivas vêm após a oração principal. Nesse
caso, vale o princípio de que os constituintes mais pesados (ou seja, mais extensos) são
deslocados para o final da oração. No caso das orações subjetivas, a aplicação desse
princípio é categórica, pois a ordem SUJEITO – PREDICADO nesses casos é
agramatical:
(13) *Que todos prestem muita atenção é preciso agora.

88
(14) *Que ele não fez a prova consta.
(15) *Que os juros não serão pagos ficou acordado.
As orações objetivas diretas normalmente completam o sentido de verbos
discendi (dizer, perguntar, declarar, etc), volitivos (querer, desejar, exigir, etc),
epistêmicos (saber, reconhece, imaginar, etc.), ou perceptivos (ver, perceber, ouvir,
etc.).
A tradição gramatical denomina orações subordinadas substantivas objetivas
indiretas o que aqui se classifica como oblíquas. A função de Objeto Indireto (OI),
como definida aqui, não pode ser desempenhada por uma oração, na medida em que se
trata de uma referência a um ser humano que é o destinatário de um processo verbal,
como exemplificado em:
(16) Ela me deu um lindo presente.
(17) Maria entregou o formulário ao funcionário.
As orações oblíquas são raras na linguagem cotidiana, exceto aquelas que
completam o sentido de verbos como esquecer, gostar, etc. Nesses casos, ocorrem
normalmente sem a preposição de, que é obrigatória quando o complemento oblíquo
não é uma oração:
(18) Não se esqueça que você está doente.
[*Não se esqueça a sua doença.]
(19) Ele gosta que você corte seu cabelo bem curto.
[*Ele gosta um corte bem curto.]
Por intermédio do complementizador, uma oração plena (isto é, com uma forma
verbal flexionada em tempo e modo) é encaixada em outra oração, dita principal. Mas
esse encaixamento pode ser feito sem o complementizador. Nesse caso, a oração
encaixada é dita reduzida e articula-se em torno de forma verbal que não se flexiona
em tempo em modo (uma forma verbal no infinitivo, no gerúndio ou no particípio
passado). Praticamente todas as orações completivas podem ser reduzidas, como se vê
nos seguintes exemplos:
Oração Subjetiva Reduzida de Infinitivo
(20) É preciso prestar muita atenção agora.
Oração Objetiva Direta Reduzida de Infinitivo
(21) Ela admitiu estar apaixonada por você.
Oração Objetiva Direta Reduzida de Gerúndio
(22) Eles viram você entrando no escritório.

89
Oração Oblíqua Reduzida de Infinitivo
(23) Não se esqueça de cumprir sua promessa.
Oração Completiva Nominal Reduzida de Infinitivo
(24) Ela ressaltou a necessidade de todos se empenharem.
Oração Predicativa Reduzida de Infinitivo
(25) Meu maior medo era ele desconfiar de alguma coisa.
Oração Apositiva Reduzida de Infinitivo
(26) Só desejamos uma coisa: sermos felizes.
Quando a oração completiva oblíqua é reduzida, a preposição não é suprimida,
cf. exemplo (23).
As orações completivas também podem ser introduzidas por uma palavra
interrogativa (quem, o que, quando, como, por que, onde, quanto). Nesse caso, a
oração pode desempenhar todas as funções sintáticas nominais, até a de OI, como
demonstrado nos exemplos abaixo:
Sujeito
Quem fez isso não está mais entre nós.
Por que ele fez isso é um mistério.
Objeto Direto
Não sei como ele escapou.
Ela viu quando a peça se soltou.
Objeto Indireto
Isso interessa a quem gosta de colecionar peças exóticas.
Eu dei o prêmio a quem o merecia.
Oblíquo
Lembre-se de quando nós éramos duas crianças inocentes.
Eu não posso gostar de quem me trai assim.
Locativo
Eu vou pra onde possa ser reconhecido.
Ele escapou de onde ninguém conseguiu escapar.
Complemento Nominal
Só será feito o credenciamento de quem entregou todos os documentos.
Predicativo
Isso é o que eu sempre quis.
O problema é quanto isso vai nos custar.

90
Aposto
Eu só queria saber uma coisa: o que o teria levado a fazer isso.
Nunca esquecerei aquele momento, quando ele me acenou pela última vez.

Aposto
Os candidatos serão recepcionados por quem estiver no plantão na hora.
Agora ele é ajudado por quem antes desprezou.

Essas orações introduzidas por palavras interrogativas constituem um tipo


híbrido de oração, pois compartilham propriedades das orações completivas
(subordinadas substantivas) e das orações relativas (subordinadas adjetivas). Por um
lado, ocupam a posição de um argumento da oração principal, o que é uma propriedade
das orações completivas, mas, por outro lado, são introduzidas por um elemento
pronominal que desempenha uma função sintática na oração encaixada, o que é uma
propriedade das orações relativas. Por conta dessa última característica, a linguística
contemporânea denomina essas orações de orações relativas livres. As relativas livres
distinguem-se das orações relativas propriamente ditas, porque essas últimas se ligam a
um Sintagma Nominal da oração principal, como se verá a seguir.

3.2. As orações relativas (ditas subordinadas adjetivas)


As orações relativas, que a tradição gramatical denomina orações subordinadas
adjetivas, ligam-se a um nome como um modificador pós-nuclear, ou como um aposto,
como se pode ver, respectivamente, na decomposição analítica dos SN sujeitos das
frases abaixo:

(27) O homem que acabou de chegar é um grande amigo do seu pai.

SN SUJEITO V. Lig. SN PREDICATIVO


DET Nu MOD é um grande amigo do seu
pai
art. def. nome oração relativa
o homem que acabou de chegar

91
(28) Pelé, que era genial nos gramados, não foi tão brilhante fora
deles.
SUJEITO APOSTO NEG V PREDICATIVO Adj. Adv.

SN oração relativa OP LIG SADJ SADV


Nu que era genial nos gramados não foi tão brilhante fora deles

Nome próprio
Pelé

As orações que desempenham a função de modificador são classificadas como


orações relativas restritivas, e as que desempenham a função de aposto são
classificadas como orações relativas explicativas (ou apositivas). No primeiro caso, a
oração relativa especifica a referência do SN, como se pode ver no exemplo (29) abaixo,
em que a oração relativa restringe a referência no conjunto dos alunos àqueles que
desejam participar da atividade:
(29) Os alunos que desejam participar desta atividade deverão se
inscrever na secretária da escola até amanhã.
Já as orações relativas explicativas apenas acrescentam uma informação a um
SN de referência já definida, como se pode ver abaixo:
(30) A Maria, que é muito emotiva, chora por qualquer bobagem.
As orações explicativas são delimitadas na fala com pequenas pausas, o que não
ocorre com as restritivas. Por conta disso, a convenção ortográfica determina que as
orações explicativas devem vir sempre entre vírgulas, já as restritivas nunca vêm entre
vírgulas. Nesse caso, o uso ou não da vírgula altera o sentido do período na escrita,
como se pode ver nos exemplos abaixo. Em (30), todos os competidores estavam
exaustos e desistiram da prova naquele momento. Já em (31), só os competidores que
estavam exaustos desistiram da prova, os demais prosseguiram.
(31) Os competidores, que já estavam exaustos, desistiram da prova
naquele momento
(32) Os competidores que já estavam exaustos desistiram da prova
naquele momento
Ao tempo que se ligam a um nome (ou a um SN), denominado antecedente, os
pronomes relativos também desempenham uma função sintática na oração que
introduzem, como se pode ver nos exemplos abaixo:

92
Sujeito
A polícia identificou o funcionário que ____ desviava as verbas do Ministério.
Objeto Direto
Ela já comprou o livro que o professor indicou _____.
Objeto Indireto
Não identificamos a pessoa a quem o espião entregou o envelope _____.
Oblíquo
Ela falou de uma coisa de que eu não me lembrava _____.
Locativo
Está é a gaveta em que eu coloquei o recibo ____.
Adjunto Adverbial
Não encontro aquela gravata com que fui ao casamento da Maria _____.

Há, portanto, uma posição vazia na oração relativa que se liga ao antecedente
através do pronome relativo, constituindo uma cadeia de referencialização. Na norma
padrão do português, os pronomes relativos vêm acompanhados da preposição que rege
a posição a que estão ligados na oração relativa, como se pode ver nos exemplos abaixo:
(33) a. Havia condições a que nos opúnhamos. (opor-se a)
b. Havia condições com que não concordávamos. (concordar
com).
c. Havia condições de que desconfiávamos. (desconfiar de)
d. Havia condições por que lutávamos. (lutar por)
Na linguagem coloquial do Brasil, não se encontram tais construções. Na fala
espontânea dos brasileiros, a preposição é suprimida, numa construção denominada
oração relativa cortadora:
(34) Aquele rapaz que você conversou na festa é meu amigo.
Em outra construção que também caracteriza a fala informal dos brasileiros,
ocorre o preenchimento da posição vazia com um pronome pessoal, numa construção
denominada oração relativa resumptiva:
(35) Aquele rapaz que você conversou com ele na festa é meu amigo.
Nesse caso, diz-se que o pronome relativo está perdendo o seu caráter
pronominal, assemelhando-se a um complementizador, que não desempenha qualquer
função sintática na oração que introduz.

93
Uma evidência disso é o fato de que, na fala espontânea brasileira, as relativas
com antecedente praticamente só são introduzidas pelo conectivo que, o qual é
desprovido de traços de pessoa, gênero e número, como os demais pronomes relativos.
Os pronomes relativos que portam tais traços são:
• o qual: traços de gênero e número (a qual; os quais; as quais)
• quem: traço de pessoa
O traço de pessoa do relativo quem manifesta-se nas orações relativas
preposicionadas, nas quais o pronome relativo deve concordar com o traço [+ ou –
humano] do antecedente, como se pode ver nos exemplos abaixo:
(36) O rapaz com quem você saiu ontem é meu amigo.
* O rapaz com que você saiu ontem é meu amigo.
(37) O computador em que gravei esse arquivo estava com vírus.
* O computador em quem gravei esse arquivo estava com vírus.
Outro pronome relativo que praticamente desapareceu da gramática natural dos
brasileiros é o pronome cujo, que também exibe os traços de gênero e número: cuja,
cujos, cujas. O pronome relativo cujo é empregado na norma padrão quando o pronome
relativo está ligado a uma posição de adjunto adnominal com valor de posse, no sentido
mais amplo desse termo, como exemplificado em:
(38) A aluna cujo pai está sendo investigado na CPI deixou de
freqüentar a escola. [o pai da aluna está sendo investigado na CPI]
Na fala coloquial, os brasileiros usam normalmente as relativas cortadoras ou
resumptivas:
(39) A aluna que pai está sendo investigado na CPI deixou de
freqüentar a escola.
(40) A aluna que pai dela está sendo investigado na CPI deixou de
freqüentar a escola.
Portanto, na gramática mais natural dos brasileiros as orações relativas só se
ligam a um antecedente por meio de um conectivo que exibe atualmente muito poucas
características de um pronome propriamente dito.

94
3.3. As orações (subordinadas) adverbiais
As orações adverbiais estão na fronteira entre o encaixamento sintático e
encadeamento lógico semântico. Na frase (38) pode-se dizer que a oração adverbial
desempenha a função de adjunto verbal de tempo na oração principal, configurando,
portanto, um caso de encaixamento sintático. Porém, na frase (39), a relação entre as
orações do período é de natureza lógico semântica (relação de contradição). Essa
mesma relação une um tipo de oração que a tradição gramatical classifica como
coordenada, como exemplificado em (40); ou seja, tratando-a como uma oração
autônoma em relação à outra oração do período.
(41) João só chegou em casa quando já estava anoitecendo.
[João só chegou em casa à noite.]
(42) Embora estivesse doente, Maria não deixou de cumprir o prazo.
(43) Maria estava doente, mas não deixou de cumprir o prazo.
Dessa forma, pode-se dizer que as orações adverbiais estão na fornteira entre o
encaixamento sintático e o encadeamento lógico semântico. Nesse sentido, deve-se ter
em conta que, assim como ocorre com os advérbios, as orações adverbiais também
constituem um conjunto heterogêneo, sendo necessário estabelecer uma taxonomia dos
tipos de orações que são agrupadas sob o rótulo de orações (subordinadas) adverbiais.
Há orações adverbiais que desempenham a função de adjuntos oracionais – cf.
exemplos (41), (42) e (43). Essas orações, tradicionalmente classificadas como orações
subordinadas adverbiais conformativas, constituem um caso claro de encaixamento
sintático.
(44) O João, como todos sabemos, é um funcionário muito
responsável.
(45) Consoante opinam alguns, o futebol é imprevisível.
(46) O suspeito deve ser indiciado, conforme determina a lei.
Há orações adverbiais que portam uma informação de tempo e de lugar, como
exemplificado em (44) e (45), respectivamente. Nesse caso assemelham-se aos adjuntos
adverbiais. Porém, muitas orações que são aparentemente temporais, seriam melhor
classificadas como condicionais, configurando, menos um encaixamento sintático, do
que um nexo lógico-semântico, como se pode ver em (46), e sua glosa.
(47) Ele terminou trabalho, quando já passavam das três da manhã!

95
(48) Não há justiça, onde não há democracia!45
(49) Quando eu ganhar na loteria, vou comprar este apartamento.
[Se eu ganhar na loteria, vou comprar este apartamento.]
Assim na maior parte das orações adverbiais, configura-se mais um
encadeamento lógico-semântico com a outra oração do período, do que propriamente
um encaixamento sintático, como se pode ver a seguir.
Oração Subordinada Adverbial Final
Ele se sacrificou, para que os irmãos pudessem escapar.
Oração Subordinada Adverbial Condicional
Se o promotor insistisse um pouco mais, obteria um confissão do acusado.
Oração Subordinada Adverbial Proporcional
A vida torna-se mais difícil, à medida em que envelhecemos.
Em alguns casos, inclusive, o nexo lógico-semântico que une uma oração
adverbial à chamada oração principal encontra um paralelo perfeito com as orações
coordenadas.
Oração Subordinada Adverbial Causal X Oração Coordenada Explicativa
(50) Este candidato está desclassificado, já que não cumpriu o prazo.
(51) Este candidato está desclassificado, pois não cumpriu o prazo.
Oração Subordinada Adverbial Concessiva X Oração Coordenada
Adversativa
(52) Embora estivesse doente, Maria não deixou de cumprir o prazo.
(53) Maria estava doente, mas não deixou de cumprir o prazo.
Oração Subordinada Adverbial Consecutiva X Oração Coordenada
Conclusiva
(54) Estava tão escuro que não se via nada.
(55) Estava muito escuro, logo não se via nada.
Nesse plano, é muito difícil distinguir o que tradicionalmente se chama de
coordenação e subordinação.

45
A Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) não contempla esse tipo de oração.

96
4. Os conectivos oracionais

Tanto no caso da relação lógico-semântica, quanto no caso do encaixamento


sintático, o encadeamento de orações no período pode ocorrer sem o recurso a um
conectivo oracional, como exemplificado abaixo:
(56) Está tudo bem, o pior já passou.
(57) Vim, vi, venci.
(58) Atingir o sucesso a qualquer preço é o lema da atualidade.
(59) Ele disse estar apto para o serviço.
Porém, nas situações normais de interação verbal, é mais frequente que as
orações se combinem por meio de um conectivo oracional. O tipo de conectivo
empregado está diretamente ligado às propriedades sintáticas e semânticas das
estruturas que se formam no processo de conjunção de orações no período. Desse modo,
podem ser definidos os seguintes tipos de conectivos oracionais:
1. Complementizadores (conjunções integrantes)
Introduzem as orações completivas (subordinadas substantivas)
(60) Maria disse que virá ao encontro.
(61) Maria não sabe se virá ao encontro.
(62) É necessário que o aluno se dedique à disciplina.
2. Conjunções
Introduzem as orações coordenadas e subordinadas adverbiais
(63) Maria disse que viria, mas não apareceu.
(64) Embora tenha dito que vinha, Maria não apareceu.
3. Pronomes Relativos
Introduzem as subordinadas adjetivas, estando, por isso, sempre ligados a um
núcleo nominal.
(65) O problema a que você se referiu está sendo resolvido.
(66) A menina cujo pai é engenheiro é boa em matemática.
(67) Foram contratados novos funcionários, os quais devem ser muito
bem treinados.
4. Palavras Interrogativas (QU)
Introduzem as subordinadas adverbiais e as completivas (denominadas, nesse
caso, relativas livres). São conectivos multifuncionais, que desempenham, o

97
papel de conjunção, complementizador ou pronome relativo, como mostram
os respectivos exemplos abaixo.
(68) Quando Maria saiu, estava chovendo.
(69) Não sei quem fez isso.
(70) Está é a casa onde nasceu Castro Alves.
Quando estiverem ligadas a um termo antecedente, como no exemplo (70)
acima, as palavras interrogativas devem ser classificadas como pronomes
relativos.
5. Preposições
Introduzem as orações reduzidas.
(71) Hoje em dia, para ser bem sucedido, o indivíduo deve se sujeitar
à lógica do mercado.
(72) A necessidade imperiosa de ser bem sucedido acaba gerando
estados de ansiedade e depressão.

As propriedades sintáticas e semânticas relacionadas a cada tipo conectivo são


apresentadas no quadro abaixo:

QUADRO COMPARATIVO DOS CONECTIVOS ORACIONAIS


TIPO DE PROPRIEDADES
CONECTIVO pede forma verbal tem função sintática na possui valor com encaixamento da
flexionada oração que introduz semântico oração que introduz
Complementizador + - -/+ +
Conjunção + - + -
Pronome Relativo + + -/+ +
Palavra Interrogativa + + + +
Preposição - - -/+ +/-

Os complementizadores, que não tem qualquer valor semântico46, servem apenas


como conectores oracionais, encaixando uma oração com uma forma verbal flexionada
em tempo e modo em uma oração principal. As conjunções e as locuções conjuntivas
também relacionam orações com formas verbais plenas, mas ao contrário dos

46
Note-se, entretanto, que o complementizador se seria uma forma marcada, associada à ideia de dúvida,
incerteza.

98
complementizadores, têm valor semântico, expressando relações lógicas, tais como:
contradição, consequência, proporcionalidade, etc. Os pronomes relativos também
fazem a ligação entre duas orações plenas, mas, ao retomarem a referência de um SN
anterior, ocupam uma posição sintática na oração que introduzem, diferentemente dos
complementizadores e das conjunções, que não têm uma função sintática na oração que
introduzem. O relativizador universal que não tem valor semântico, já o pronome o qual
tem os traços de gênero e número (a qual, os quais, as quais), e o relativo cujo indica
posse e assim por diante. As palavras interrogativas relacionam orações com formas
verbais flexionadas em tempo e modo, tem valor semântico e desempenham uma função
sintática na oração que introduzem. E as preposições funcionam como conectivos
apenas introduzindo orações reduzidas (com formas verbais do infinitivo e do gerúndio)
e não desempenham função sintática na oração que introduzem. Dividem-se entre
aquelas que não têm valor semântico (como o de) e as que têm (como o para, que indica
finalidade). Os complementizadores, pronomes relativos e palavras interrogativas
encaixam uma oração em outra, a oração principal. As conjunções estabelecem uma
relação lógica entre duas orações independentes. E as preposições funcionam nos dois
tipos de situação relação lógico-semântica e encaixamento sintático.

99
Capítulo 5
A Estrutura dos constituintes frasais

100

Você também pode gostar