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Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 1

Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 41
Bem-vindos à 41ª aula de nossa Escola Tomista. Estamos no Tratado das
Categorias ou predicamentos IX.

Pois bem, fiquei hoje de concluir o assunto relação – ad aliquid –, mas não
só o farei senão que já começarei a tratar outro dos predicamentos ou categorias,
ou seja, a ubiquação. Hoje, perdoem-me se não for uma aula muito vivaz, estou
muito cansado, com dor de cabeça, etc., mas tentarei uma boa aula assim
mesmo.

Pois bem, (...) que, entre os filósofos, sempre houve disputa quanto ao
relativo, quanto à relação, quanto ao ad aliquid e, com efeito, isto desde a época
de Sócrates. Sempre houve e continua a haver. E vemos ainda que não é fácil a
exegese, o entendimento, a inteligência do capítulo de Aristóteles sobre o ad
aliquid em seu livro As Categorias. Não é fácil, não é fácil. Uma parte é
relativamente fácil, mas ficam muitas perguntas no ar e ele termina esta mesma
parte de seu opúsculo não no âmbito exatamente da ciência, da certeza, do
apodíctico, senão que o faz no terreno do dialético, ainda da opinião, da busca
da opinião mais provável. Lembrem-se disso na aula passada.

Pois bem, eu vou dar aqui o que me parece se deva concluir agora,
digamos apodicticamente, de todas as dúvidas que ficaram da aula passada.
Seguirei em grande parte a Santo Tomás de Aquino, mas avançarei coisas que
ponho em meu livro Tratado dos Universais que um dia sairá, se Deus quiser.

Pois bem, no comentário à Física de Aristóteles, diz Santo Tomás que pode
resumir-se a definição de Aristóteles para o ad aliquid da seguinte maneira: a
relação consiste unicamente na referência a outra coisa. Repita-se: a relação
consiste unicamente na referência a outra coisa. Igual se refere a desigual,
desigual a igual, semelhante a semelhante, ou melhor, desigual a desigual,
semelhante a semelhante, pai e filho, e assim todos os exemplos que eu dei na
aula passada. Esta, com efeito, é a definição mais abrangente que se pode dar
da categoria ou predicamento relação. A relação consiste tão somente na
referência a outro, a outra coisa. Isto quer dizer que, por sua razão ou noção
própria, por seu logos próprio, por sua noção própria a relação não significa mais
que a referência a outro. Por sua noção própria, por sua razão própria, por seu
logos próprio, por seu conceito próprio a relação, o ad aliquid, não significa mais
que referência a outro. Mas atenção: a relação é um acidente e já vimos que
todo acidente é algo. É claro, todo e qualquer acidente não tem – como temos
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visto desde o início desta parte – todo e qualquer acidente não tem ser por si,
senão que tem ser na substância e não tem quididade ou essência senão em
abstrato, não em concreto, porque em concreto o que tem quididade ou
substância, ou essência é a substância. Isso está visto. Mas as categorias, os
acidentes melhor dizendo, não são entes de razão, eles são algo na substância,
algo de verdade na substância, algo real. E mais, como veremos antes até da
Física, mas sobretudo na Física Geral, distingue-se da substância os acidentes
não por uma distinção de razão, mas por uma distinção real. Trato isso
longamente, profundamente no meu livro Da arte do belo, a distinção real entre
substância e acidente. Os acidentes são algo na substância, real e distinguem-
se realmente, não só segundo a razão, da mesma substância.

Pois bem, então se temos que a definição geral de relação, que a relação
não significa mais que referência, que respeito, que relação obviamente a outro,
é preciso ver que elementos entram numa relação. É isto que não está tão claro
na parte relativa ao relativo de Aristóteles no seu livro As categorias. Não está
tão claro. Então podemos dizer que há três elementos numa relação: um sujeito
que diz ordem a outra coisa, que diz referência a outra coisa, e é neste sujeito –
a substância ou análogo (tá certo?) – é no qual, é nele que a relação tem
existência, tem ser. A relação não tem ser senão nesse sujeito que é o
fundamento da relação, como aliás para todos os acidentes. Os acidentes têm
por fundamento um sujeito. Que sujeito é este? É a substância! O mesmo se
diga da relação, do relativo.

Pois bem, tem de ter, além do mais, um termo, outra coisa a que a relação
diga ordem ou referência. É o referente, digamos assim. E um fundamento em
que se baseia a própria referência. Então são três elementos: um sujeito que diz
respeito ou ordem a outra coisa no qual a relação tem ser; um termo a que o
sujeito diz ordem ou referência ou respeito; e um fundamento em que se baseia
a mesma referência.

Pois bem, para que, então, uma relação seja real, é necessário que todos
esses elementos sejam reais. Por exemplo: direita-esquerda. A direita e
esquerda se diz com base em mim mesmo. Eu sou, claro que direita e esquerda
são relativos mutuamente, são recíprocos. Só há direita se houver uma
esquerda; só há esquerda se houver uma direita. E o fundamento primeiro desta
relação sou eu mesmo como substância. No entanto imagine-se que estejamos
olhando para uma pilastra, uma pilastra, um pilotil, qualquer coisa assim, e
dizemos que há uma cadeira à direita da pilastra e há uma mesa à esquerda da
pilastra. Veja que esquerda e direita agora são entes de razão, porque a pilastra
que é redonda não tem direita ou esquerda. Eu tenho direita e esquerda. Então
eu digo que a direita ou a esquerda da pilastra, mas é a minha direita e a minha
esquerda, não a da pilastra. Veja que, no caso da pilastra, a relação, se se
considera enquanto pilastra, não tem fundamento real. Portanto é uma relação
que não é senão um ente de razão.
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Diz Tomás de Aquino: a relação sempre se funda sobre algo absoluto: eu


e outra coisa que também é absoluta. Substância. A substância é o substrato
das relações reais, reais. Por quê? Porque a substância é o fundamento de todos
os entes! Ela é o fundamento de todas as categorias, ela é a própria categoria
principal e é o fundamento das demais categorias. Por quê? Porque todas as
demais categorias são acidentes e os acidentes não se dão senão na mesma
substância.

Relembre-se, ademais, que há três acidentes intrínsecos na substância: a


quantidade, a qualidade e a relação que devem estudar-se nesta ordem com a
diferença de que a quantidade e a qualidade são absolutamente intrínsecos a
mim. São absolutamente intrínsecos a mim que eu tenha tal peso ou que eu seja
branco. Isso é intrínseco, é ab intrinseco. Quanto à relação, também é intrínseca,
mas diz respeito a outro, ou seja, não é absolutamente intrínseca. Então a
quantidade e a qualidade são absolutamente intrínsecos, enquanto a relação é
relativamente intrínseca. Todos os demais acidentes, como vimos em algum
documento que listei, são extrínsecos.

Pois bem, mas admite Santo Tomás que outras categorias, que outros
acidentes possam servir de fundamento à relação, desde que, obviamente, se
considere que esses outros acidentes têm eles mesmos fundamento na
substância. A substância é o fundamento último remoto, próximo ou remoto, mas
é remoto se a relação se funda em outras categorias acidentais. Sempre o último
fundamento é a substância, mas pode haver relação fundadas proximamente –
não remotamente que é a substância – fundadas proximamente em outras
categorias acidentais. Por exemplo: a semelhança – vimos o exemplo da
semelhança na aula passada – funda-se, em primeira instância, na qualidade.
Claro! É uma qualidade que haja semelhança ou dessemelhança, que o
semelhante seja semelhante ao semelhante, o dessemelhante seja
dessemelhante ao dessemelhante. São qualidades! Então a relação se funda aí
na qualidade que, por sua vez, se funda na substância.

Quanto à igualdade, à igualdade, algo é igual ao outro. Isto é o quê? É uma


concordância, uma relação fundada na quantidade. Então pode haver
fundamento próximo, não remoto, para relações em dois, sobretudo nestes dois
acidentes: a quantidade e a qualidade.

Pode haver também – creio, isto ainda estou por decidir – na ação e na
paixão que sempre implicam um movimento e o movimento, para que vocês
veem, todo movimento é movimento em sentido lato como veremos. Como vocês
verão no Da arte do belo, o movimento se diz em sentido lato, ele é sinônimo de
mudança. Pode ser um movimento local – ir daqui pr’aqui – pode ser a geração,
pode ser a corrupção, pode ser o aumento, pode ser a diminuição, pode ser a
alteração, etc. Há várias espécies, são seis espécies, seis espécies de
movimento ou mudança. Pois bem, em todo movimento ou mudança há um
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termo chamado em latim a quo – a, o azinho puro – e depois quo (q-u-o), a quo
que é de que se parte na mudança. Toda e qualquer mudança ou movimento
tem de partir de um ponto e este ponto é o que se chama a quo, a quo, do qual,
a partir do qual. E qual é?... E tem de ter um ponto de chegada. E como se diz
esse ponto de chegada? Filosoficamente ad quem, ou seja, a-d de ad aliquid, a
mesma coisa, quem, ou seja, q-u-e-m, ad quem. Vejam a preposiçãozinha ad,
exatamente o que diz relação. Então se há um termo ad quem, ou seja, para o
qual, ao qual, então parece que há certa relação. Aprofundo, agora já não na
arte do belo, não tem nada que ver com isso, mas no Tratado dos Universais.
Ainda apanho um pouquinho disso, mas chegarei lá.

Pois bem, mas atenção: uma relação não pode ser fundamento mesmo
próximo de outra relação, porque, se houvesse isso, remontar-se-ia ao infinito.
Se uma relação fosse fundamento de outra relação seria necessário que outra
relação fosse fundamento desta relação e assim sem fim ao infinito. Ora, quando,
no conhecimento, se remonta ao infinito, isso quer dizer que não se conhece
absolutamente nada. É impossível, como se estudará – estamos chegando lá! –
como se estudará na Física, é impossível que as causas remontem ao infinito.
Nenhum remontar-se ao infinito nos dá conhecimento. É preciso parar sempre
em algo primeiro. Esta é, aliás, a prova, as vias de Santo Tomás para provar a
existência de Deus, são exatamente a negação de que se possa remontar ao
infinito na série de causas, senão que há que sempre deter-se numa primeira
causa incausada, porque, se fosse causada, eu precisaria remontar a outra
causa e se esta causa fosse causada, remontar-se-ia a outra causa, e assim não
se pararia a nada e não se teria conhecimento. Um exemplo: vemos a Catedral.
Ora, podemos remontar a série de causas de que resultou a Catedral: os
operários, os pedreiros, os eletricistas, os capatazes, os mestres-de-obra, o
engenheiro, mas ou se para no arquiteto, ou antes na mente do arquiteto, de
onde saiu o projeto da Catedral, ou não se conhecerá a Catedral. É impossível
remontar ao infinito. Assim, se uma relação fosse fundamento de outra relação,
seria preciso outra relação que fosse fundamento da primeira e assim ao infinito
e não se conheceria nada.

Bom, vamos, no entanto, aprofundar aqui – vejam que eu mesmo em certas


coisas ainda estou no terreno do mais provável, é assim mesmo. Como diz o
Padre Calderón em algum de seus livros, já não lembro qual, há lugar para a
tópica ou dialética, ou seja, para a opinião mais provável no âmbito da mesma
ciência. Claro que tem que ser restrita, porque, se é ciência, a ciência há de ser
apodíctica e não opinativa, mas, dentro da ciência, há de haver, pode haver, a
opinião. Por exemplo: na Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino, quando
ele trata os dias da criação – não sei se já falei disso, se falei perdoem-me –,
quando ele trata dos dias da criação ele simplesmente recolhe a opinião dos
vários doutores anteriores a ele quanto a se foram sete dias, ou um dia angélico
como queria Santo Agostinho, ele apenas a recolhe, explica todas, mostra os
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prós de cada uma e termina aí. Ele não é conclusivo, porque ele mesmo não
havia alcançado, quanto aos dias da criação, uma opinião, uma demonstração.
Ele não conseguiu demonstrar. Como não conseguiu demonstrar, preferiu ficar
no campo da recolha das opiniões mais prováveis.

Pois bem, diga-se que o... quanto à distinção real entre substância e
relação, para que seja tal – real – é preciso, então, que haja um fundamento,
mas pode perder-se a relação que nasceu, que se gerou, que proveio deste
mesmo fundamento. Ela pode desaparecer. Por exemplo, é um exemplo já mais
ou menos clássico, creio que até Mário Ferreira dos Santos o refere em seu
comentário às categorias: imagine-se uma luz de uma vela que ilumina um
quarto, um cômodo. E o que se vê numa vela que ilumina um cômodo? A vela,
antes de tudo, é o fundamento e ela está acesa, mas, mais que acesa, ela ilumina
o cômodo. Suponhamos agora, no entanto, que entrou alguém neste cômodo e
este alguém que entrou, assim como o mesmo cômodo, é iluminável, assim
como as coisas são cognoscíveis ou sensíveis, como vimos na aula passada.
Esse que entrou é iluminável, ou seja, pode iluminar-se pela luz. Sem a luz não
veríamos nada. Pois bem, então assim como havia coisas cognoscíveis antes
de o homem pisar na terra e assim como havia coisas sensíveis antes de o
homem pisar na terra, assim há algo iluminável – que é um homem – e algo que
pode iluminar – que é a vela acesa. Pois bem, antes esqueça-se o cômodo,
vamos pensar só na pessoa que entrou nesse cômodo e na vela que está acesa.
Se olharmos, então, esta coisa conjunta – a vela acesa e o homem que entrou
no cômodo – temos aí duas coisas: primeira que a vela está acesa e segunda
que ela ilumina algo, no caso alguém. A vela, então, ou a luz da vela se determina
a algo. E que algo é este a que se determina enquanto iluminadora? O homem
que entrou no cômodo.

Então alguém há de dizer: pois bem, mas isso é de razão! Não, não é!
Porque, se essa pessoa saiu do cômodo – esquecendo que o próprio cômodo é
iluminado –, a vela continua acesa, mas já não ilumina. Vejam que são duas
coisas distintas, com distinção real e não de razão: enquanto havia um homem
dentro do cômodo, a vela o iluminava e só ilumina aquilo que é iluminável. Logo,
tem-se uma relação entre iluminar, iluminação e iluminável. Iluminação dá a vela
acesa; iluminável é o homem que está no cômodo. Se, no entanto, sai este
homem do cômodo, continua a vela acesa e potencialmente iluminadora, mas já
não há relação entre ela e o iluminável que é o homem, razão porque a distinção
entre fundamento e acidente da relação é real. Se não fosse real, não
desapareceria uma das coisas – ou seja, a iluminação e o iluminável – e não
apareceria quando entrasse alguém no cômodo.

É verdade que a vela não ganha nada, nem perde nada. Não ganha nada
quando ilumina alguém, nem perde nada quando esse alguém sai, mas não só
logicamente, mas ontologicamente, realmente, positivamente, objetivamente
queimar, arder a vela é uma coisa, iluminar uma pessoa é outra e isso decorre
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do fato de que uma coisa não pode existir sem a outra. Não pode haver a
iluminação sem a luz, não pode haver ilumina... mas só se é iluminável, só se...
alguém só é iluminado se houver a relação com a vela que ilumina. Ou seja, a
relação tem um fundamento. O fundamento pode deixar de ter essa relação se
a pessoa sair do cômodo, mas, se ela entra no cômodo, temos duas coisas: a
iluminação, o ato de iluminar, e o ato de ser iluminado. É uma relação, é uma
relação e esta relação é algo real na coisa, conquanto na substância, conquanto,
conquanto, insista-se e insista-se, não pudesse existir senão nesta mesma coisa
que é o fundamento ou substrato ou sujeito ou substância.

Este exemplo da iluminação dá um... é... ele é claríssimo, né? Ele mostra
realmente que há uma distinção entre o acidente relação e seu fundamento.

Pois bem, como se viu a relação exige, não exige só dois termos que se
referem um ao outro, mas exige o fundamento dessa relação.

Pois bem, antecipo um caso interessantíssimo e único, e único: nós temos


relação a Deus, porque dependemos dele quanto ao ser, mas Deus não tem
nenhuma relação a nós, porque é o único ente que não depende de modo algum
de reciprocidade. Este é um caso único, extremo, que se estudará na Metafísica
primeiro e, depois, na Suma Teológica. Repita-se: as criaturas, aqueles que
foram tirados de nada por Deus, têm relação, dizem respeito a Deus enquanto
dependem dele para estar no ser, para ter vindo ao ser e para permanecer no
ser, mas Deus não tem nenhuma relação às suas criaturas. Agora a relação das
criaturas a Deus é real, enquanto a relação de Deus às criaturas é tão somente
de razão. Este é um caso extremo, não pensou nisto Aristóteles. Como vocês
verão na Metafísica, Aristóteles subiu altíssimas montanhas metafísicas, chegou
quase ao cume delas, mas não alcançou o cume dessas alturas, dessas
montanhas metafísicas. Desceu. É como se não tivesse tido fôlego para dar os
últimos passos metafísicos na montanha, nas alturas da Metafísica. Quem os
dará por ele será Santo Tomás de Aquino ao – atenção – ao sintetizar Aristóteles
com um Platão corrigido. Completa, Santo Tomás, Aristóteles, corrige Platão e,
sobre o edifício do aristotelismo, ele põe um domo, uma cúpula platônica
corrigida, neoplatônica corrigida. Esta é a grande síntese metafísica de Santo
Tomás que veremos com gáudio, com alegria quando alcançarmos a Metafísica
e, depois, a Teologia Sagrada.

Pois bem, recapitulemos as propriedades da relação mais


sistematicamente. Ela tem capacidade, ela pode receber, ela pode receber
contrários, ela tem contrários, ela tem contrários, mas não os tem per se,
essencialmente, em termos essenciais, mas apenas acidentalmente, per
accidens, porque só tem contrário em razão de seus fundamentos. Já vimos que
relações como a de semelhança tem de ter fundamento no seu sujeito. Um
exemplo: tome-se, tome-se duas paredes beges, bege, da cor bege, de cor bege,
duas paredes beges. Pois bem, uma parede bege tem semelhança com outra
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parede bege, mas não pelo bege, não pela cor, mas pela parede que é seu
substrato, que é seu sujeito, tomado aqui ao modo de substância, conquanto a
parede seja uma substância com acidentes artificiais, porque a parede é
resultado da arte humana. Pois bem, então a parede bege é semelhante a uma
parede bege; uma parede azul é dessemelhante de uma parede bege. Como
veremos ao fim, nos pós-predicamentos, neste mesmo capítulo de nossa Escola,
os predicamentos ou categorias, os dois contrários (branco e negro) não podem
estar ao mesmo tempo no mesmo sujeito. Uma parede não pode ser bege e não
bege ao mesmo tempo, ela não pode ser bege ou azul ao mesmo tempo, bege
e azul ao mesmo tempo. Ou ela será bege, ou ela será azul.

Eu acho que o exemplo não foi bom. Desculpem-me, desculpem-me


porque estou falando de contrários. Apaguem um pouco isto que eu disse.

Pois bem, pense-se numa parede branca. Uma parede branca é


semelhante a uma parede branca. E esta parede branca é reciprocamente
semelhante àquela outra parede branca. Mas uma parede branca é
dessemelhante de uma parede preta, negra. E a parede preta é dessemelhante
de uma parede branca. Pois bem, branco e negro são contrários e, como
veremos nos pós-predicamentos deste nosso tratado, os contrários não podem
dar-se no mesmo sujeito. Se assim é, a relação não tem contrários per se, mas
per accidens. O que é semelhante a uma parede branca é a parede e o que é
dessemelhante de uma parede preta é uma parede. Então, só por acidente é
que a relação entre uma e outra parede existe, ou seja, é por acidente, porque
depende do fundamento e de que haja dois fundamentos: uma parede e outra
parede. Se não houver as duas, como os contrários não podem estar em um
mesmo sujeito, não haveria relação. Só há relação, então, per accidens, não per
se. Igualmente a relação não está sujeita a mais e a menos per se, mas só
acidentalmente. É o sujeito mesmo que é sujeito, que está sujeito a mais e
menos.

Tomemos ainda o exemplo das paredes brancas. Eu posso dizer que uma
parede é mais branca que outra, claro. Isso é uma relação! E a outra é menos
branca que uma. Isso é uma relação! Mas a relação aí, ela não é uma vez mais
per se, mas sim per accidens. Por quê? Depende do fundamento em que está a
brancura. A brancura está na parede, então é a parede que é mais ou menos
branca que a outra.

O que é semelhante pode tornar-se mais semelhante e o que é


dessemelhante pode tornar-se mais dessemelhante. E neste caso haveria uma
variação qualitativa, porque semelhança e dessemelhança, como eu disse, são
qualidades. Mas esta relação que muda é também acidental, é per accidens,
porque o que muda é o fundamento, é o sujeito que é mais ou menos semelhante
ou mais ou menos dessemelhante.
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Depois os termos relativos admitem conversão, já que um é explicado pelo


outro. O escravo se explica pelo senhor de escravos e o senhor de escravos se
explica pelo escravo.

Finalmente, os relativos são de natureza simultânea, porque se


mutuamente eles se dizem respeito um ao outro. Se um desaparece, acabou a
relação, assim como o iluminado... deixa de haver relação se aquele que entrou
no cômodo saiu deixando de ser iluminado pela vela. Mas esta simultaneidade
se toma só em termos formais, porque, com efeito, se um pai e um filho são
simultaneamente pais e filhos, materialmente o pai antecede ao filho e o filho
pode sobreviver à morte do pai – materialmente, mas formalmente só se é pai
quando se tem um filho e só se é filho quando se foi feito por um pai. O
fundamento não necessariamente é simultâneo, mas formalmente a relação é
simultânea.

E finalmente a reciprocidade que se dá sempre. Estão simultaneamente no


intelecto, porque um dos relativos é sempre definido pelo outro. Não se pode
definir tio sem definir sobrinho e vice-versa.

Muito bem. Vamos agora tentar solucionar a questão da cabeça que foi,
cabeça e mão que foi a dúvida posta por Aristóteles no final. Pois bem,
Aristóteles mesmo já havia resolvido isso. Se bem lembrarem, ele falou de asa
e alado, de timão e timoneado, e falou de cabeça e de acabeçado, ou seja,
aquele que tem cabeça, aquilo que tem cabeça. E aí há uma relação. E qual é o
fundamento dessa relação? A substância, tanto a substância que é o todo – está
certo? –, o corpo que tem cabeça, como a substância que é parte desse todo e
que só é substância em segundo grau, digamos assim. Porque, com efeito, a
cabeça não existe sem o corpo, a cabeça depende do corpo. Então a relação
está aí entre cabeça e acabeçado ou provido de corpo. Esta é a relação. Ou, se
ainda se quiser, é a relação entre parte e todo. Qual é o fundamento? É o próprio
corpo e a própria cabeça. Sempre o sujeito será o próprio corpo e a própria
cabeça. Então a relação é real, distingue do fundamento ou substância ou
sujeito, ainda quando se trata de substância que seja parte ou de substância que
seja todo.

Relembre-se: todo, só o todo é propriamente substância porque ele cumpre


os dois sentidos. Só o todo. Que duplo sentido é esse? Primeiro o sentido de
substância como aquilo que subsiste, que existe, que é por si e aquilo que é
suporte de acidentes. Pois bem, a cabeça, a mão ou qualquer outra parte do
corpo não subsistem por si. Então nesse sentido não são substância, mas são
sim suporte de acidentes. O nariz, que é uma parte, pode ser aquilino, ou reto,
ou arrebitado. Então nesse sentido é substância, porque é suporte de acidentes,
mas obviamente o nariz não pode subsistir por si. Como dizia Aristóteles, se se
corta a mão, só muito impropriamente se poderá chamar a esta mão separada
do corpo, mão, enquanto o corpo permanece corpo ainda que sem a mão. Veja,
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portanto, que não se pode fazer, haver relação entre mão e corpo, porque pode
haver corpo sem mão, mas assim como a relação entre a cabeça e acabeçado
– ou provido de cabeça – assim também a relação entre mão e provido de mão,
assim como a relação entre asa e alado.

Creio que se resolve assim o problema posto por Aristóteles. Obviamente


estamos num problema intricadíssimo, mas creio que seja suficiente, creio que
não deva – deixe-me ver à quantas estamos – creio que não devo insistir
demasiado neste ponto. Agora baste o dito. À medida que nós avançarmos, por
exemplo, na Metafísica, voltaremos a estudar as categorias detidamente.
Lembrem-se que eu sempre disse que as categorias têm, são entendidas
incoativamente, inicialmente na Lógica – que é onde estamos, no Tratado das
Categorias –, mas só terminantemente, só completamente na Metafísica. Então
na Metafísica se entenderá perfeitamente tudo o que aqui ainda tem de obscuro.

Eu vou citar uma frase de Santo Tomás de Aquino em sua carta escrita ao
Frei João – seu confrade de religião, dominicano, né? – e que se tornou um
opúsculo seu muito famoso chamado De modo studendi, ou seja, do modo, sobre
o modo, acerca do modo de estudar. É um opúsculo cuja leitura lhes recomendo
a todos. É de fácil, encontra-se fácil na internet. Pois bem, o primeiro dos
conselhos que ele dá ao Frei João, a seu confrade quanto ao modo de estudar
é: escolhe entrar pelos riachos e não imediatamente no mar, porque há que
chegar ao mais difícil pelo mais fácil. Então não vamos já ao mar. Comecemos
pelos riachos, porque, pelos riachos, que são o mais fácil, alcançaremos o mar
que é o mais difícil, e a Metafísica, como verão, é um mar. Vocês que são meus
alunos e que me acompanharem até a Metafísica verão que teremos ali um
verdadeiro gáudio, uma verdadeira alegria. É como uma criança, seremos como
crianças nadando no mar da Metafísica. E é neste mar que Santo Tomás de
Aquino, em seu comentário à Metafísica de Aristóteles, mais tem pérolas
Lógicas. O seu comentário à Metafísica é um mar de pérolas lógicas. Então tudo
o que só começamos a entender agora, só incoativamente, incoativamente
entendemos agora, ou seja, nos riachos, entenderemos mais perfeitamente
quando mergulharmos no mar da Metafísica repleto de pérolas tomistas.

Muito bem, vou começar a dar-lhes a outra categoria. Que categoria é esta?
A ubiquação. Ubiquação vem de ubi latina, palavra latina, ubei. Pois bem, a
ubiquação.

Como todos os acidentes, elas são algo realmente na substância. E mais,


distingue-se da própria substância com distinção real como vimos até aqui
quanto à relação.

Pois bem, vejam, só vou começar que é um assunto difícil. É difícil por quê?
Primeiro porque Aristóteles não escreveu sobre ele. As categorias é um salto.
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Pois bem, então, para que entendamos o que é a ubiquação é preciso, ou


seja, é preciso entender o que é o lugar. Mas, para entender o que é o lugar, é
preciso dar um salto em nossa circularidade ou espiralidade, demos um salto
para a Física Geral para depois voltar e entender então a ubiquação, ubiquação.

Pois bem, definamos previamente a ubiquação. Veja, a ubiquação também


a trato muito detidamente no Tratado dos universais, enquanto aqui o Tratado
dos universais já estará plenamente informado pelas luzes da Metafísica, não
aqui. Ainda não chegamos à Metafísica aqui. Então vamos entender a ubiquação
na medida de nosso possível, começando por defini-la ou antes explicá-la.

A ubiquação de uma coisa, de uma substância, de algo, é aquela realidade


acidental que afeta esta coisa, esta coisa natural pelo fato de ocupar
determinado lugar. Repita-se: a ubiquação é aquela realidade acidental que
afeta uma coisa natural, da natureza, incluindo as coisas artificiais que são feitas
sobre as coisas naturais, então repita-se, a ubiquação é aquela realidade
acidental que afeta uma coisa natural pelo próprio fato de ocupar um lugar
determinado.

Vou repeti-lo para mim mesmo: a ubiquação é aquela realidade acidental


que afeta uma coisa natural pelo próprio fato de esta coisa natural ocupar um
lugar determinado.

O que é um movimento local? Então vamos ter de entender o que é o lugar.


O que é um movimento local? Vejam, meu dedo está fazendo um movimento
local. Olha aqui. O movimento local, então, da minha mão, de meu dedo, se
refere às mudanças que minha mão sofre segundo a ubiquação ao ir ocupando
diversos lugares. Veja, o movimento local – vejam o movimento local, aqui eu
estou fazendo um movimento local –, o que é este movimento local? Ele se refere
às mudanças que sofre segundo sua ubiquação ao ir ocupando diversos lugares.
A ubiquação, como todas as... como todos os acidentes é uma coisa real da
coisa, enquanto lugar é algo extrínseco. A ubiquação é algo na coisa; o lugar é
algo extrínseco à coisa. Não é que vem como... o lugar, a ubiquação é um
acidente ab extrínseco, mas ele é intrínseco, porque, se não fosse intrínseco, ele
não seria na coisa, real na coisa e ele é um acidente. Ele é ab, a partir do
extrínseco, mas é intrínseco, enquanto o lugar é algo extrínseco, completamente
extrínseco. O lugar nós podemos tomar ou deixar. Podemos tomar um lugar ou
deixar este lugar e é com respeito ao lugar que se determina, repita-se, a
ubiquação. Então repita-se: para entender o que é ubiquação é preciso primeiro
entender o que é o lugar. Vejam a circularidade da ordem das disciplinas.
Estamos na Lógica e temos de dar um salto à Física para voltar à Lógica. Claro,
não daremos tudo quanto a Física dirá sobre o lugar, mas é preciso saber o
essencial do lugar sem o que não se saberá o que é a ubiquação que depende
do lugar.
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Pois bem, o que é, propriamente falando, o lugar? O que é o lugar? Pois


bem, Aristóteles e Santo Tomás de Aquino dão a definição de lugar, definição
insuperável. Dê-se a definição: o lugar é o termo imóvel continente primeiro.
Vejam, eu vou explicar cada um destes termos. Eu estou um pouco preocupado
com a hora, mas eu vou continuar. O lugar – registrem isso porque eu vou
explicar partícula a partícula desta definição insuperável – o lugar é o termo
imóvel, imóvel continente primeiro. É o termo imóvel continente primeiro.

Vamos partícula a partícula desta definição.

Primeiro “termo”. A primeira partícula é “termo”. Pois bem, para entender a


partícula “termo” há que dizer que o lugar refere-se, se refere à magnitude das
coisas. Já estudamos a magnitude. Isto é a extensão da quantidade contínua.
Pois bem, o termo da quantidade contínua é o que delimita sua extensão. A
palavra “termo” vem do antigo termo grego. O termo grego era os limites da
propriedade das famílias na antiga, antiquíssima Grécia. Era no termo da
propriedade, nos limites da propriedade que, por exemplo, se enterravam os
mortos que eram cultuados. Pois bem, então repita-se: o lugar refere-se à
magnitude das coisas, isto é, à extensão de sua quantidade contínua. Pois bem,
o termo da quantidade é o que limita, delimita a sua extensão. Vejam estes três
exemplos: qual é o termo de uma reta? Uma reta? O termo de uma reta é o
ponto, o ponto é o termo, é o limite, é a delimitação da reta. O ponto delimita o
comprimento da reta. A reta tem comprimento e o ponto é o termo, o limite, a
delimitação da reta. E qual é o termo de um plano? É a linha. Se o termo da reta
era o ponto, o termo do plano é a linha, delimita a sua superfície. Vejam, o ponto
é o termo da linha, a linha é o termo da superfície – imagine uma mesa – o termo
da superfície é uma linha. E qual é o termo do corpo? É a própria superfície que
delimita o quê? Que limita o quê? Seu volume, seu volume.

Tudo isto está em Aristóteles e no comentário de Santo Tomás a


Aristóteles. Também o Padre Calderón em seu... em alguns... um opúsculo
esotérico, ou seja, só para os seus alunos chamado Curso de Física o repete.

Então repita-se: qual é o termo da linha? Qual é o limite da linha? É o ponto.


Qual é o limite do plano? É a linha, porque delimita sua superfície. O ponto
delimita o comprimento, a extensão da linha; a linha delimita a superfície do
plano, enquanto o termo do corpo é esta mesma superfície que delimita seu
volume. A minha superfície delimita meu volume, é o limite. Além da superfície
já não sou eu, é outra coisa. Certo?

Pois bem, as coisas naturais são corpos cujo termo é a superfície que
delimita o volume que ocupam, que têm. Num cubo são seis planos quadrados
em que terminam seus lados.

Pois bem, quando nos movemos, quando nos movemos deixamos um lugar
para ocupar outro. Não é isto? Eu estou aqui. Se venho pra cá, eu deixei um
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 12

lugar para ocupar outro e este lugar deixado vai ser ocupado por outra coisa, por
exemplo o ar. Eu estou aqui, estou neste lugar, saio daqui em movimento local
e me dirijo, e eu vou ocupar outro lugar e algo tem de ocupar aquele lugar que
eu deixei: o ar.

Pois bem, como relembra o Padre Calderón, ao falar de lugar ocupado,


imaginamos o espaço. Tanto nós como o ar ocupa o espaço. Mas atenção: diz
Aristóteles, chama a atenção Aristóteles que não é, não se deve imaginar o lugar
como o espaço ocupado. O lugar é a superfície terminal. Pois bem, assim como
a ubiquação é algo real na coisa, pois não é a mesma coisa, não dá no mesmo
estar num lugar ou noutro, assim também o lugar tem de ser real e é com respeito
a ele que se define a ubiquação.

Pois bem, estou ainda na primeira partícula.

Pensemos no espaço corporal nosso, no nosso espaço corporal que será


maior ou menor segundo sejamos mais gordos ou mais magros e pensemos
agora ao mesmo tempo no espaço que fica quando nos movemos – nos
movemos, fica o espaço. Mas isto é, como diz Aristóteles, o jogo da imaginação.
Por quê? Porque, enquanto estamos num lugar, o único espaço corporal real é
o nosso. Isto é de razão, é imaginação.

Na Física vamos estudar o espaço e vocês verão quão surpreendente,


quão surpreendentemente o que direi distará da noção que a Física moderna
tem de espaço. Pois bem, se definíssemos o lugar como o espaço ocupado, não
se trataria de algo real, mas de algo de razão e de razão matemática. Pois bem,
o lugar não é o espaço ocupado, mas a superfície terminal ou o termo. Foi assim
que começamos. O termo.

Pois bem, vou repetir esta parte e não vou para a segunda partícula porque
prefiro deixá-la e repetir a primeira partícula, dar de novo a definição, repetir a
primeira partícula e deixar o complemento, o estudo das demais partículas para
a próxima aula. É preciso ir devagar. Não só ir pelos riachos, mas ir devagar,
porque senão escorregamos.

Pois bem, vamos novamente à definição de lugar: o lugar é o termo imóvel


continente primeiro.

Pois bem, acabamos de dar e vou repetir a primeira partícula desta


definição: o termo. Relembre-se que termo tem aqui o sentido de delimitação, de
limite.

Pois bem, o lugar refere-se à magnitude das coisas, ou seja, à extensão de


sua quantidade contínua. Eu tenho uma extensão de quantidade contínua e há
um limite para isso: o termo.
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Pois bem, o termo da quantidade é o que delimita sua extensão. Então


repita-se que o termo de uma reta é o ponto que delimita seu comprimento; o
termo de um plano é a linha que delimita sua superfície e o termo do corpo é a
superfície que delimita seu volume.

As coisas naturais são corpos e seu termo é a superfície que delimita o


volume do corpo. As coisas naturais são corpos e seu termo é a superfície, seu
limite é a superfície que exatamente delimita o nosso volume, o volume que
ocupa o corpo.

Quando nos movemos deixamos um lugar para ocupar outro, outro lugar e
o lugar que ocupávamos e que ficou vago é agora ocupado, por exemplo, pelo
ar ou por outra pessoa.

Já vimos que o lugar não deve entender-se como espaço ocupado. Isso
seria um ente de razão matemático. O lugar não é o espaço ocupado, mas a
superfície terminal, o termo ou superfície terminal do corpo, do corpo.

Então, estudamos assim a primeira partícula da definição: termo.

Meditem sobre isso, matutem sobre isso, ruminem isso que, na próxima
aula, falarei das outras partículas quanto ao lugar. Repetirei o dito hoje, mas
assim vocês vão se acostumando com este assunto não fácil, mas também
tampouco impossível. Verão que, depois de entendido que o lugar não é o
espaço ocupado, senão que é o limite terminal do corpo, é seu termo, isto é um
grande passo, porque depois entenderemos porque é um termo imóvel,
continente e primeiro.

Antecipe-se que continente é aquilo que contém o conteúdo. Um copo é o


continente do conteúdo que é a água. Uma garrafa é o continente do vinho que
está nela. O vinho é o conteúdo, a garrafa é o continente; o copo é o continente,
a água é o conteúdo.

Então repita-se a definição de lugar: é o termo imóvel continente primeiro.

Vejam que estamos, repito, antecipando. Isto é uma seta, mas, dentro da
circularidade inescapável das disciplinas, não podemos entender o acidente
ubiquação senão como... sem sua referência ao lugar, e um lugar só se entende
na Física.

Eu vou falar ainda, ainda temos um tempo aqui, eu vou falar da segunda
partícula sem deter-me nela: imóvel, imóvel. Não é suficiente dizer que o lugar é
um termo, um limite, uma delimitação, porque podemos pensar como termo
corporal nosso como se fosse a camisa com que estamos vestindo. É como se
fosse uma pele nossa, a camisa é como uma pele sobre outra, sobre a nossa
pele. Mas o lugar deve ser definido, deve definir-se como termo que deixamos
quando nos movemos assim como trocamos, quando trocamos de camisa:
Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 14

deixamos uma camisa e pomos outra. Então quando saímos de um lugar e


vamos para outro, é como se tirássemos uma camisa e a trocássemos por outra.

Mas vejam, termo imóvel. Lembrem-se de animal racional que é a definição


de homem. O que é animal racional? Animal é gênero e racional é a diferença,
é a diferença específica. Lembram-se, lembram-se dos predicáveis? Lembram-
se das aulas desde o início do nosso curso?

Pois bem, na definição de lugar termo entra a modo de gênero, como se


fosse animal. Então é preciso encontrar agora sua diferença, ou seja, aquilo que
é racional na definição de homem.

Pois bem, a necessidade de tomar, de considerar, de definir um lugar como


algo diferente do termo mesmo, porque, com efeito, racional é diferente de
animal. O lugar é algo distinto do termo mesmo que é como seu gênero. É algo
distinto do termo mesmo dos corpos. Isso se vê quando se dá movimento de um
corpo com respeito a outros corpos. Então o que diferencia o termo que é lugar
do termo próprio do corpo – veja que se trata de dois termos: o termo que é o
lugar e o termo próprio do corpo. Imaginemos o nosso termo próprio do corpo
como a pele e o termo que é o lugar como a camisa. Qual é a diferença entre os
dois termos? É que nós, quando deixamos a camisa, vamos com nossa pele, a
camisa ficou para trás quando trocamos de camisa. Assim também o termo que
é o lugar que deixamos ficou pra trás, mas o meu termo foi pra outro lugar.

Vamos lentamente, não é fácil explicar isto! Vamos de novo. Trata-se de


dois termos: um – vejam, já vimos que um lugar é um termo, é um limite. Vejam,
lembrem-se do limite do termo grego, dos antigos gregos, né? Há cerca, que é
o termo da propriedade, e há o termo ou término da mesma propriedade. São
duas coisas. Uma coisa é o limite que delimita a propriedade, outra coisa é o
limite da mesma propriedade, é o termo da mesma propriedade. Então repita-se:
suponhamos que estamos num lugar e que o lugar é um termo, assim como
temos uma camisa sobre a nossa pele. A camisa é o termo que é analogamente
o lugar. E qual é o nosso termo? É a nossa pele. Então, quando – estou
simplificando para que se faça entendível, compreensível – quando deixamos
um lugar vamos com termo ou limite do nosso próprio corpo, mas deixamos o
lugar assim como deixamos a camisa, mas continuamos com a nossa pele que
é o nosso termo. Há dois termos: o lugar é um termo e há o termo do próprio
corpo que ocupa o lugar.

Como diz o Padre Calderón, antes do que ele diz, vemos, concluímos agora
do que acabo de dizer, que o termo do nosso corpo, o limite do nosso corpo é
móvel, ele vai com a gente, a nossa pele vai com a gente, mas o termo que é o
lugar é imóvel. Por que é imóvel? Porque ele continua ali. Eu saí, mas o ar ou
outra pessoa vai ocupar este lugar. Vejam, então, que o termo que é o lugar é
imóvel, enquanto o termo de meu corpo é móvel.
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Vocês já viram o que é uma holografia, holografia, certa técnica fotográfica


produzida pelo laser? É o emprego de uma luz, de uma luz coerente. Na placa
fotográfica ficam impressas as interferências provocadas pela luz refletida de um
objeto com a luz indireta. Pois bem, revelada esta placa com a luz do laser, se
forma a imagem tridimensional do objeto original. Pois bem, se se tratasse de
uma holografia, se nos tirássemos uma holografia de nossa posição corpórea,
teríamos como que desenhada a posição sucessiva do lugar que vamos
tomando e deixando no tempo. Vocês já viram isto, não? Já viram essas imagens
que vão desenhando os diversos... o movimento e os diversos lugares ocupados
por quem se movimenta.

Pois bem, o lugar de um corpo natural, portanto, pode definir-se como se


fosse a diferença como imóvel. Já vimos que ela é termo, agora acabamos de
ver que é imóvel, enquanto termo do corpo é móvel. Repita-se a imagem: se se
considera a nossa pele como termo do nosso corpo e o lugar como o outro termo,
como se fosse a nossa camisa, logo vemos que podemos deixar a camisa, mas
não podemos deixar a pele. Assim também o lugar é um termo que podemos
deixar, mas o termo de nosso corpo não o podemos deixar, senão que vai com
nosso mesmo corpo. Se se entende isso, já se começará a entender, começarão
a entender as duas outras partículas: é um termo imóvel continente, ou seja, que
contém, e primeiro. Mas isto o aprofundaremos na próxima aula.

Talvez na próxima aula eu já comece a dar a outra categoria seguinte à


ubiquação, que é o quando. Verei isto na mesma próxima aula.

Muito obrigado pela atenção, desculpe-me se hoje foi uma aula um pouco
arrastada, estou realmente hoje adoentado, mas creio que consegui passar o
necessário pra entendimento tanto da questão da relação quanto com respeito
às primeiras partículas da definição de lugar.

Qualquer dúvida, não deixem de escrever-me.

Muito obrigado pela atenção e até nossa próxima aula.

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