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Aristóteles: Metafísica e Ontologia (Sr David Ross)

METAFÍSICA

O motivo que inspira toda a Metafísica de Aristóteles é o desejo de adquirir aquela forma de
conhecimento capaz de merecer em maior grau a designação de sabedoria. O desejo de
conhecer, afirma Aristóteles, é inato ao homem. No grau mais baixo, manifesta-se no prazer
que sentimos em utilizar os nossos sentidos.

O estádio imediatamente superior em direcção ao conhecimento pleno, é aquele que está


envolvido no uso da memória, e que nos diferencia dos animais inferiores. O estádio seguinte,
apenas atingido pelo homem, constitui-se pela, por intermédio da qual, através da
coalescência de várias recordações da mesma espécie de objecto - por exemplo, daquilo que
curou Cálias, Sócrates e outros quando estes sofriam de uma certa doença - adquirimos, sem
disso conhecermos as razões, uma regra prática. Num estádio superior surge a arte, o
conhecimento das regras práticas repousando sobre princípios gerais. Acima de todos estes
situa-se a, o puro conhecimento das causas. Este estádio constitui o grau mais elevado por não
estar, como a arte. sujeito a qualquer fim prático ulterior, mas antes procurar o conhecimento
pelo conhecimento. É este o último e mais elevado produto da civilização.

A sabedoria não deve ser apenas ciência ou conhecimento das causas, mas sim o
conhecimento das causas primeiras e mais universais. Com efeito, isto satisfaz, de forma mais
completa, o critério de sabedoria de que fazemos uso naturalmente. É o conhecimento mais
profundo, o conhecimento do que é mais difícil de conhecer, uma vez que os seus objectos,
sendo os mais universais, constituem aquilo que se encontra mais distante dos sentidos; é o
conhecimento mais preciso, pois os seus objectos são os mais abstractos, os menos
complexos; o mais intuitivo; o mais auto-suficiente ou independente; e o que possui maior
autoridade, uma vez que é, inter alia, o conhecimento da causa final de todas as coisas. A
filosofia nasce do espanto primitivo, mas procura a supressão deste espanto, a compreensão
completa e adequada do mundo, de forma a nada existir na realidade das coisas, tal como
estas se apresentam, que se situe fora do espanto

Na Física, Aristóteles enumerou aquilo que considera ser as primeiras causas:

 a causa material,
 formal,
 eficiente e,
 final.
Duas questões fundamentais ocupam o espírito de Aristóteles:
 Primeiro é a metafísica possível enquanto única ciência suprema - quer dizer, enquanto
ciência sinóptica estudando natureza, não desta ou daquela realidade, mas do real como
tal, e deduzindo a natureza detalhada do universo a partir de algum princípio central? A
sua resposta, com base nos elementos fornecidos sobretudo pelos livros I e E, e com a
ajuda dos Segundos Analíticos, afirma ser possível uma ciência da metafísica. Tudo o que
é, possui uma certa natureza que lhe pertence simplesmente como ser, e isto pode ser
conhecido. Existem certos princípios verdadeiros de tudo o que é, os quais estão na base
de toda a demonstração - as leis da contradição e do terceiro excluído. Mas a metafísica
não pode deduzir o detalhe da realidade a partir destes, ou de quaisquer outros, princípios
centrais. Existem espécies distintas de realidade. Cada uma possuindo a sua própria
natureza e os seus princípios primeiros não deduzidos, mas apreendidos directamente, tai
como se passa a respeito dos primeiros princípios universais. Por outro lado. A natureza
essencial da realidade não se manifesta plena e equitativamente em tudo o que é. O ser
não é um atributo pertencente, na mesma razão, a tudo o que é. Existe uma espécie de ser
que é no sentido mais estrito e pleno: a saber, a substância. Todos os outros objectos são
simplesmente em virtude duma certa relação definida com a substância - como qualidades
da substância, relações entre substâncias, e assim sucessivamente. E o que é verdadeiro do
ser é-o igualmente da unidade' Tudo o que é, é uno' e tudo o que é uno é, e o termo
unidade possui sentidos diferentes, ainda que conexos, consoante seja unidade da
substância, da qualidade, da quantidade, etc. O e a (unidade) expressam os termos situados
abaixo da distinção das categorias, sendo aplicáveis a cada uma delas e. A estes devemos
acrescentar o termo. Contudo, este não possui o mesmo peso.

Existem três ordens de entidades: as que possuem existência substancial separada, mas
estão sujeitas à mudança; as que estão livres da mudança, mas apenas existem como
aspectos possíveis de distinguir nas realidades concretas; e as que, simultaneamente,
possuem existência separada e estão livres de mudança. Estas, são estudadas por três
ciências distintas: a física, a matemática e a teologia ou metafisicar. A física e a
matemática podem subdividir-se. Por exemplo, a matemática, nos dois ramos
fundamentais constituídos pela aritmética e pela geometria, bem como pelas suas várias
aplicações. E, assim como existem princípios comuns a todas as matemáticas (por
exemplo, que iguais tomados de iguais permanecem iguais), também existem princípios
próprios à aritmética e outros à geometria. Aristóteles mostra que, no respeitante ao
objecto da metafísica, é possível estabelecerem-se dois pontos de vista:
1. podemo-nos interrogar se a filosofia primeira persegue um fim universal ou,
2. se se refere a uma espécie particular de realidade. No entanto, os dois pontos de vista
são reconciliáveis. Se existe uma

 Quanto à segunda questão fundamental, que preocupa o espírito de Aristóteles, já lhe


tocámos por antecipação. Referir iro-nos à questão de saber se existem substâncias não-
sensíveis, tal como existem substâncias sensíveis, e assim for, qual o seu tipo. Os
universais são, tal como o pretendia Platão na sua teoria das ideias, entidades substanciais,
auto-subsistindo? Em particular, serão os universais de maior extensão, o ser e a unidade,
substâncias? Por outro lado, serão os objectos das matemáticas substâncias? A estas três
questões, Aristóteles responde com uma firme negação. A polémica contra as Formas
Platónicas, isto é, contra a substancialidade dos universais, constitui um dos leitmotiv da
metafisica, polémica esta a que Aristóteles regressa constantemente. Seria fastidioso
seguir esta polêmica até aos seus detalhes. Os argumentos possuem um valor bastante
desigual. O ponto fundamental é o seguinte: o mundo que nos é dado na experiência é um
mundo de coisas individuais e concretas, reagindo umas sobre as outras.

Os primeiros princípios de demonstração


Tendo estabelecido que a metafísica deve estudar os primeiros princípios de demonstração,
Aristóteles procede ao estabelecimento dos dois princípios fundamentais que estão na base de
toda a demonstração. Os dos Segundos Analíticos - a lei da não contradição e do terceiro
excluído. O primeiro é expresso, inicialmente, sob a forma: o mesmo atributo não pode
pertencer e não pertencer à mesma coisa, simultaneamente, a respeito do mesmo. Sem dúvida
que este princípio é estabelecido, de forma bastante objectiva, como uma lei do ser. Mas dele
segue-se uma lei psicológica: pensar que o mesmo atributo pertence e não pertence à mesma
coisa, no mesmo momento e a respeito do mesmo, equivaleria a ter em si os atributos
contrários, no mesmo momento e a respeito do mesmo. Ora, isto é impossível. Aristóteles não
tenta, e tem razão para assim proceder, provar esta lei. Pedir uma prova disto, afirma ele,
significaria denunciar uma falta de exercício lógico. Exigir uma prova de tudo equivale a
exigir uma regressão infinita; e não devemos formular uma exigência que, pela sua própria
natureza, não pode ser satisfeita. E se algo deve ser conhecido sem prova, o que é que pode
existir de mais apropriado ao conhecimento do que a lei da não contradição, uma lei que,
como vimos, é impossível de pôr em dúvida pelo pensamento, apesar de a podermos negar
por palavras? O que podemos fazer para aceitar esta, lei é:
1º refutar aqueles que a negam, mostrando-lhes que ao negar estão a admitir a sua
verdade;
2º mostrar a insuficiência das razões que alegamos para a negar

Nova determinação do objecto da metafísica


Após ter mostrado que o estudo do ser separado e imutável constitui o estudo do ser enquanto
ser, o livro E determina certos sentidos de irrelevantes à metafísica, a saber:

 1º ser por acidente ou acessório - A metafísica não estuda o ser acidental porque este não
pode ser de todo estudado. Uma casa, por exemplo, possui um número infinito de
atributos acidentais. A ciência não pode embarcar no estudo destas séries indefinidas de
atributos; a ciência da construção, por exemplo, concentra-se na construção duma casa
destinada a ser o que uma casa essencialmente é, um ar, e ignora os seus atributos
acessórios. Do mesmo modo, a geometria estuda, não todo e qualquer atributo do
triângulo, mas apenas aqueles que lhe pertencem enquanto triângulo. E a metafísica não
estuda aquelas conexões entre sujeito e atributo nas quais o atributo não deriva da
natureza do sujeito, mas lhe é acessório. Não estuda estas conexões pois estas não
constituem objectos de todo o conhecimento.

 2º ser como verdade - o outro sentido de ser não estudado pela metafísica é o de (ser como
verdade) A metafísica não o estuda por que pertence, não a objetos, mas a estados de
espírito. É estudado, devemos supor, não pela metafísica, mas pela lógica. Aristóteles
admite o facto, a noção de (coisas falsas) e presumivelmente, sem dúvida a de coisas
verdadeiras.

Substância
Na metafísica Aristóteles não fornece qualquer exposição acerca das categorias no seu
conjunto. As categorias outras que a substância são, por assim dizer, meros renovos e
concomitantes do ser.
Uma substância desprovida de qualidades é algo tão impossível quanto o é uma qualidade que
pressuponha uma substancia. A substancia é a totalidade da coisa. Incluindo as qualidades, as
relações etc, as quais formam a sua essência.

A substância é anterior à definição. Ao definirmos um membro de uma outra qualquer


categoria devemos incluir a definição da substância subjacente. Aristóteles supõe que a
definição de uma substância não implica a definição de um qualquer membro pertencente a
outra categoria. Contudo, isto não é verdade, uma vez que todas as diferenças de uma
substância constituem uma qualidade.
A substância é anterior ao conhecimento. Conhecemos melhor uma coisa quando conhecemos
o que ela é, mais do que quando conhecemos a sua qualidade, quantidade ou lugar. Com
efeito, se pretendemos conhecer algo pertencente a uma categoria diferente da substância,
temos de perguntar, não pelas suas qualidades, etc, mas pelo que ela é, pela sua quase-
substância, pelo que a constitui tal qual como é. Este argumento, a substância é concebida,
evidentemente, não como coisa concreta, mas como natureza essencial. Encontramos este
duplo sentido ao longo do exame consagrado por Aristóteles à substância

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