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Esta objeção é apresentada pelo próprio Hume, o que nada tem de extraordinário.
Isto porque as teorias filosóficas têm de ser submetidas ao teste da crítica. Mas não
deixa de ser curioso que Hume a tenha considerado irrelevante. A objeção parte da
seguinte experiência mental, descrita no livro Investigação sobre o Entendimento
Humano:
Esta experiência mental mostra que podemos ter ideias sem uma impressão prévia.
Por essa razão, é um contraexemplo ao princípio de que não há ideias sem
impressões prévias. Hume vê este contraexemplo como tão singular que não se
dispõe a discuti-lo. Todavia, dizer que um contraexemplo é singular não lhe retira
força. Na verdade, um único contraexemplo é suficiente para derrotar uma
afirmação que se pretende universal. (contraexemplo como técnica de refutação).
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B - Uma proposição que não é analítica nem sintética
Proposições expressas por frases como «Deus existe» ou «A alma é imortal», dado
que não são uma coisa nem outra, não teriam sentido.
Será esta proposição analítica? A resposta é, obviamente, «não»: a sua negação não
conduz a qualquer contradição.
Será ela sintética? A resposta é, mais uma vez, «não»; a experiência nada nos diz
acerca do tipo de proposição que defendemos.
Este resultado põe em causa uma das proposições centrais defendidas por Hume.
Já viu que Hume faz depender as relações causais de relações de sucessão temporal.
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Considere, no entanto, a seguinte experiência:
Uma pessoa encontra-se no cimo de uma rua. Um carro surge no início dessa rua e sobe em
direção ao sítio onde a pessoa se encontra. O acontecimento A apoia-se na experiência de
ver o carro a meio da subida; o acontecimento B, por sua vez, apoia-se na experiência de ver
o carro chegar ao fim da subida.
Há assim uma conexão causal necessária entre os acontecimentos A e B. Isto implica que a
sucessão temporal das duas experiências não pode ser alterada: a experiência do
acontecimento A não pode seguir-se à experiência do acontecimento B.
Logo, não são as relações causais que dependem das relações de sucessão temporal; são
estas que dependem das relações causais.
Como estas não exprimem conexões necessárias, mas simples relações de sucessão
temporal, os argumentos indutivos não justificam a verdade das suas conclusões.
Isto quer dizer que não aumentam, um pouco que seja, a probabilidade de as suas
conclusões serem verdadeiras.
Logo, as relações causais não podem ser simples relações de sucessão temporal.
Esta objeção tem, assim, uma importância central. Na verdade, se a teoria da causalidade de
Hume estiver errada, talvez a indução deixe de ser um problema.
Pelo menos, talvez deixe de levantar o problema que Hume viu nela.
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A Indução passaria a aumentar a probabilidade das crenças comuns e científicas que nela se
apoiam; seria, por isso, um tipo de justificação fiável.
O problema seria apenas o de saber quando estamos perante uma justificação indutiva
fiável. Em resumo, o problema seria o de saber que grau de probabilidade deveria ter
qualquer conclusão apoiada por um argumento indutivo para que este seja fiável.
Bertrand Russell considera que pode, efetivamente, não existir uma prova incontestável da
verdade de uma crença e, mesmo assim, esta encontrar-se racionalmente justificada.
Então, vejamos:
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A proposição A é justificada pela proposição B; esta, por sua vez, é justificada pela
proposição C; esta, por sua vez, é justificada pela proposição D; e assim sucessivamente, até
parar em proposições autoevidentes.
Por serem autoevidentes, estas proposições justificam-se a si mesmas. Deste modo, a sua
justificação não depende de outras proposições. Com estas proposições básicas, Descartes e
Hume esperavam travar a regressão infinita da justificação, vencendo assim o ceticismo.
Descartes esperava travar a regressão infinita com verdades a priori acerca do mundo, cuja
lista já conhece. Em última instância, a regressão infinita seria travada com a proposição
Deus existe e não é enganador.
Hume esperava o mesmo das proposições a posteriori que dessem conta das nossas
impressões mais vívidas.
Tanto um como outro testaram o desejo de obter conhecimento seguro a partir destas
proposições básicas ou primeiros princípios. Para isso, bastaria que raciocinassem da
maneira apropriada. Enquanto Descartes julgou ter sucesso, Hume forneceu mais razões
para sermos céticos.
Hume pretendia que as impressões fornecidas pela experiência eram os alicerces fiáveis de
todo o conhecimento. Descobriu depois que, afinal, não temos maneira de justificar, a partir
dessas impressões, as nossas crenças acerca de factos não observados.
No caso de Hume, o edifício não chega a cair, porque não chega sequer a ser construído. E,
uma vez mais, a vitória final pertence ao ceticismo.
O fundacionismo não capta a estrutura da justificação e este é o seu erro fatal por duas
razões:
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⮚ Porque, concebendo a estrutura da justificação como linear, uma única crença
errada na cadeia de justificações compromete a resposta ao argumento cético
regressão infinita.
Isto explica que o fundacionismo acabe por sucumbir nos braços do celticismo. De facto,
pedir que não se erre parece ser um voto demasiado otimista nas nossas capacidades
cognitivas.