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Escola Tomista – Apenas para uso dos alunos Página | 1

Escola Tomista
Professor Carlos Nougué
Aula 13
Bem-Vindos à aula 13 da Escola Tomista. Introdução à Lógica III. Não nos
percamos. Relembre-se, com o documento da aula passada em mãos, que
estamos ainda no Sed Contra (Mas contrariamente) de nossa longa questão
disputada para saber se a Lógica é uma disciplina à parte. Pois bem, esta é a
segunda e última parte deste Sed Contra.

Tivemos um panorama do que se passou quanto à Lógica no âmbito do


paganismo; resta-nos ver o que se passou no âmbito da cristandade, do
pensamento cristão. Já desde muito cedo os Padres católicos compreenderam
que, para enfrentar-se com o paganismo, era necessário fundar-se, de algum
modo, na mesma filosofia pagã. E o que tinham à mão os nossos Padres e
Doutores apostólicos, cujo cume foi Santo Agostinho? Tinham à mão o
neoplatonismo, de Plotino, que, de algum modo, derivava da doutrina de Fílon
de Alexandria. Naturalmente estava implícita aí a crença de que não há um
divórcio entre a natureza e a graça, entre a razão e a fé, e de que era possível
pôr ao serviço da fé os conseguimentos da razão, pelos filósofos pagãos.

Relembremos que a obra de Aristóteles está em grande parte perdida pelas


Arábias. A única coisa que contavam da obra de Aristóteles os nossos Padres
e Doutores eram algumas obras lógicas. Em suas Confissões, diz Santo
Agostinho, que lera as Categorias de Aristóteles, mas que preferia ficar com
dialética platônica; uma dialética platônica que lhe era conhecida mediante o
neoplatonismo. Que a utilização pelos Padres apostólicos da dialética
neoplatônica foi frutífera vê-se, justamente, pelos frutos dessa utilização. Quão
superior ao mesmo neoplatonismo era a doutrina dos nossos Doutores. Repita-
se que eles se valiam do neoplatonismo para, de certo modo, voltar-se contra o
mesmo neoplatonismo, que foi o último grande inimigo, até então, do
cristianismo.

Isto, no entanto, não deixou de ter suas marcas negativas no âmbito desta
mesma doutrina cristã inicial, cujo marco foi Santo Agostinho. Como quer que
seja, as invasões bárbaras durante o século V e VI derruíram o Império
Romano, que lhes parecia a todos A Civilização. Civilização igual a Império
Romano. E esta mesma civilização fora a que lhes permitira aos nossos
Doutores cristãos o uso da filosofia, o uso da doutrina de mestres gregos e
romanos. É bem verdade que o grande Boécio, neoplatônico cristão, pôde
traduzir e comentar grande parte da obra de Aristóteles. Mas, boa parte de sua
obra também se perderá. Pois bem, com a queda do Império Romano e as
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invasões bárbaras, apesar do trabalho magnífico de Boécio, tem-se a “Idade


das Trevas”. Realmente, até que se desse, no século VIII, o império Carolíngio,
viveu-se uma como “Era das Trevas”. Formava-se o feudalismo por uma
necessidade de defesa; os feudos nada mais eram que núcleos de resistência
militar às invasões. Surge, no entanto, o Império Carolíngio, e com ele renasce
a escola cristã. Renasce a escola cristã com princípios semelhantes àqueles
que nortearam a Didascalium, de Clemente de Alexandria. Eram as sete artes
liberais, que foram propiciadas pelas capitulares de Carlos Magno. Já desde
então se forma o Trivium, pela junção de três disciplinas: a Gramática, a
Retórica e a Dialética (lembremos que para Platão não se tratava de Lógica
propriamente, mas de Dialética).

O Trivium refletia esta múltipla influência neoplatônica, estoica e dos próprios


Padres da Igreja, e nela Aristóteles estava grandemente ausente. Mas, o
império Carolíngio não dura muito. E, no século X, que é o século de ferro, a
Igreja está em crise; e se a Igreja estava em crise, também estavam as escolas
cristãs e o ensino cristão. Mas é nessa mesma época que já se dá o embate
entre dialéticos e não dialéticos. De que se trata? Trata-se de que por
“dialéticos” se nomeiam aqueles que confiavam no serviço da razão à fé, no
serviço da filosofia à teologia. Mas, não raro, confiavam demasiadamente, a
ponto de querer explicar racionalmente as coisas da fé. Como veremos na
altura da Teologia Sagrada, com muita precisão, a fé não se demonstra,
conquanto possa explicar-se teologicamente, com o recurso da razão, alguma
dela. Algo da fé pode explicar-se, mas demonstrar os dados da fé era
impossível.

Pois bem, a luta entre dialéticos e não dialéticos foi acirrada. Entre os
dialéticos, não raro, se incorria em heresias. Mas, do lado dos não dialéticos,
que não o eram completamente, estavam São Pedro Damião ou um São
Bernardo de Clairvaux. Não é que eles fossem contra o uso da filosofia a
serviço da teologia, mas, especialmente em São Pedro Damião, não deixou de
haver exageros opostos aos exageros dos dialéticos (com uma diferença: os
dialéticos incorriam em heresias, e foram condenados em concílios). Vê-se que
não foi simples a história do desenvolvimento do pensamento cristão. Uma
coisa que há que registrar é que os pensadores cristãos de então nunca
pretenderam ser uma novidade absoluta; eram duplamente humildes, porque
reconheciam, por um lado, que a filosofia clássica era grande e que eles
deviam preservá-la de algum modo, e porque tentavam sempre submeter-se à
Revelação.

Santo Tomás dirá que não é que a fé ou a Teologia Sagrada necessitem da


filosofia, é que a debilidade de nosso intelecto necessita da filosofia para
manter-se na fé, e poder partir dela para fazer da teologia uma verdadeira
ciência. Claro, os Doutores de que estamos falando ainda não tinham isso tão
claro como o terá Santo Tomás de Aquino, mas não deixavam de mostrar que,
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de algum modo, já o percebiam. É no século XI que vai dar-se uma figura


capital para a nossa história, chama-se Santo Anselmo; e, ao mesmo tempo, a
fixação do ensino do Trivium. São as duas coisas que nos importam aqui.

Quanto ao ensino do trivium, que antecede as universidades, deixo-lhes um


opúsculo meu chamado “Das artes liberais: a necessária revisão”. Aí vocês
terão uma espécie de resumo do estado do Trivium. O Trivium teve duas
etapas; em ambas as etapas começava-se pela Gramática e vinha em segundo
lugar a Retórica. O que mudou nestas duas etapas foi o que se chama
Dialética. Num primeiro momento a Dialética envolvia a chamada Logica vetus,
que era o que chegara a esses homens do trabalho de Boécio, ou seja, a
tradução e o comentário de Boécio às Categorias de Aristóteles, e ao Peri
Hermeneias. E a estas duas obras se somava os Tópicos, de Cícero, e um livro
falso atribuído a Santo Agostinho. Era isso que constituía a dialética: a Logica
Vetus com a aqueles dois livros traduzidos e comentados por Boécio, mais,
esqueci-me de dizer, a Isagoge de Porfírio, mais os Tópico de Cícero, e mais
uma dialética falsamente atribuída a Santo Agostinho. Este era o Trivium. O
Quadrivium, como está no meu texto, incluía a Aritmética, a Geometria, a
Música e a Astronomia. Num segundo momento, já mais ou menos no âmbito
da criação impressionante de tantas universidades, esta Dialética excluirá o
livro falso atribuído a Agostinho e os Tópicos, e se terá o Órganon todo de
Aristóteles. Esta é a chamada Lógica Nova. Aí já estamos com Aristóteles
reinando mais absolutamente.

Pois bem, tudo isso decorreu de uma história complexíssima. Foi preciso
surgir, no século XII, a Escola de Tradutores de Toledo, cujo responsável era
Gundisalvo, e que teve o mérito não só de traduzir algumas obras lógicas do
árabe para o latim, mas também de traduzir as obras não lógicas de
Aristóteles. Isso contribuirá para que o esquema frágil das sete artes liberais
perdesse solidez. Isso se vai refletir nas universidades. Assim, havia, por
exemplo, quatro faculdades na Universidade de Paris: a faculdade das artes, a
faculdade de teologia, a de direito canônico e a de medicina. Pois bem, isso se
refletirá na faculdade das artes, que é prévia às demais Então, esta faculdade
das artes, que começa por ensinar o Trivium e o Quadrivium, acaba por
transformar-se, sem deixar de ensinar o Trivium, numa faculdade de filosofia.
Mas, deixemos como estão estas informações, e voltemos a Santo Anselmo.

Santo Anselmo é um dialético, digamos assim; ele tem confiança no serviço


que pode prestar a filosofia à teologia. Às vezes parece roçar nos exageros dos
dialéticos anteriores, mas ele estava no caminho certo. Ele vai posicionar-se,
por certo lado, na chamada “querela dos universais”. É o documento 1 desta
aula. Leiamos qual era o problema dos universais tal como posto por Porfírio
no prefácio de sua Isagoge. Vou lê-la: “[...] com respeito aos gêneros e às
espécies, não me porei a indagar se existem em si mesmos, ou se só existem
como puras noções do espírito; e, admitindo que existem por si mesmos, se
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são corpóreos ou incorpóreos; e, enfim, se estão separados ou se só existem


nas coisas sensíveis de que se compõem. Esta questão é muito profunda, e
exigiria um estudo mais detido e muito diferente do que me proponho a fazer
[aqui].”

Bela apresentação do problema. Na verdade, o que está refletindo Porfírio aqui


é o embate que houve entre sofistas, por um lado, e, por outro lado, Sócrates e
Platão. Os sofistas, como numa antecipação do nominalismo, negavam os
universais. Platão, porém, num realismo exagerado, dirá que não só existem os
universais, senão que existem à parte no hiperurâneo. Quem o resolverá será
Aristóteles; mas o resolverá, primeiro, em livros que se perderam, e depois de
maneira lacunar e, não raro, obscura.

Porfírio era um homem daqueles que tentaram combinar Platão e Aristóteles,


mas não conhecia perfeitamente a obra deste último, e, tampouco, conhecia
completamente a obra do primeiro. Pois bem, ele nesta obra, Iasagoge, diz que
não pretende resolver a questão, e deixa como em suspenso as duas posições,
de Platão e de Aristóteles. Ele deixa em aberto isso, e lança o problema para
os pesadores cristãos, sem saber que o estava fazendo; e, esses pensadores
cristãos, ao receberem este esquema do prefácio de Porfírio, envolvem-se na
querela dos universais.

Santo Anselmo fica antes com Platão contra aquele nominalismo que se dava
em Roscelino e em Abelardo. Para esses homens, cuja doutrina foi condenada
pela Igreja, os universais se resumiam, de algum modo, a palavras. Não será
muito diferente o que dirá Guilherme de Ockham posteriormente a Santo
Tomás e Duns Scot. Para Santo Anselmo existem realmente os universais, por
isso era Santo Anselmo um realista. Claro, o neoplatonismo já havia sido
corrigido. Não é que as idéias existam à parte, é que elas existem na mente de
Deus desde toda eternidade; existem em Deus, em vez de existirem, como no
mito do Timeu de Platão, independentemente e superiores ao próprio
Demiurgo. Esse deslocamento das idéias platônicas para a mente de Deus
salva, de toda e qualquer resto de heresia, a doutrina dos nossos Padres e
Doutores.

Santo Anselmo vai entender perfeitamente que estes universais se


individualizam. O problema é que ele ainda não entendia que o universal não é
só que da mente de Deus se individualiza nos indivíduos das espécies, é que
existem nos mesmos indivíduos das espécies, porque se não existissem, entre
um gato e uma gata não nasceriam sempre gatinhos. Tudo isso só se resolverá
com a doutrina tomista da distinção real entre essência e ser. Isto será o ápice
da doutrina tomista, e o ápice desta mesma Escola Tomista.

Dizia Boécio, indo além dessa querela apresentada por Porfírio, que os
universais ou são coisas ou palavras. Que sejam palavras foi o adotado pelos
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nominalistas; e que sejam coisas é o que antes adotam os realistas


exagerados.

Hoje, os historiadores da filosofia, costumam dizer que Santo Tomás será um


realismo moderado entre dois extremos como que eqüidistantes: o
nominalismo e o realismo exagerado. Está errado. Assim como Aristóteles, ao
resolver a querela entre sofistas e Platão, fica com Platão corrigindo-o, assim
também Santo Tomás, na querela entre nominalistas e Santo Anselmo, ficará
com Santo Anselmo corrigindo-o. Se é verdade que deste realismo exagerado
de Santo Anselmo decorre sua deficiente prova da existência de Deus, -- que
Kant chamará ‘Argumento ontológico’ (mau nome, porque é antes um
argumento ideológico), mas Santo Tomás refutará na Suma Teológica – Santo
Tomás fica com Santo Anselmo corrigindo-o e negando de todo o nominalismo.
Como diz o padre Calderón, este pôr a solução tomista como eqüidistante de,
por um lado, o nominalismo, e, por outro, certo realismo exagerado, é já,
perece, uma como concessão ao próprio ambiente dominante nominalista, que
existe desde a queda da escolástica.

Pois bem, no século XII começam as universidades. Aliás, em um século é


impressionantemente abundante o surgimento de universidades. Neste tempo
já se começava a romper a solidez do sistema das sete artes liberais. A
faculdade das artes de Paris, que era preparatória para as outras, já passa a
ser antes uma faculdade de filosofia geral, porque já se conhecem, mediante a
tradução da Escola de Toledo, obras de Aristóteles. Mas eis que o século XIII
será atribuladíssimo. Vejam, estão já os nossos teólogos com toda a
possibilidade de ter certeza que a Lógica é propedêutica a todas as demais
disciplinas como disciplina à parte. Mas eis que vem surgir uma série de
vicissitudes que fazem de todo esse reconhecimento um verdadeiro imbróglio.

O século XIII pode dividir-se em três correntes quanto à assimilação do


aristotelismo. Por um lado os averroístas, cujo nome principal será Siger de
Brabante. Siger de Brabante será o líder dos averroístas latinos. Que
pretendiam os averroístas latinos? Diziam eles que há duas verdades, uma
racional e uma teológica; e que elas podiam estar em contradição. Eram
aristotélicos em sentido estrito, mas daquele Aristóteles conhecido através dos
árabes, que, por sua vez, conheciam Aristóteles através de Alexandre de
Afrodísias. Não era um Aristóteles perfeito. Pois bem, incorriam em heresia os
averroístas, chamados averroístas latinos, contra os quais se baterão as duas
outras correntes; antes de tudo Santo Tomás de Aquino. Seu livro
antiaverroísta latino por excelência é “A Unidade do Intelecto, contra os
averroístas”. E, por outro lado, a corrente agostiniana, cujo luminares eram,
antes de tudo, franciscanos, São Boaventura, por exemplo. Deve dizer-se que
esta corrente não era propriamente só agostiniana, era também aviceniana
(recomendo-lhes, aos que quiserem lê-lo, o livro de Étienne Gilson “Por que
Santo Tomás criticou Santo Agostinho”).
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Pois bem, num primeiro momento uniram-se agostinistas-avicenianos e Santo


Tomás, contra o inimigo comum, que eram os averroístas. Mas, os
agostinianos-avicenianos se voltam contra Santo Tomás, e a eles se unem
outros nominalistas, entre os quais Pedro Hispano. Este Pedro Hispano é o
futuro papa João XXI, que teve a péssima idéia de autorizar ao bispo Étienne
Tempier que condenasse as teses averroístas como se estivesse condenando
o próprio aristotelismo, e incluí-se, entre as teses condenadas, algumas de
Santo Tomás de Aquino.

É difícil dizer se João XXI apoiou a condenação de pontos da doutrina de Santo


Tomás, mas, o certo é que se silenciou quanto a esta condenação. O fato é
que causou enorme dano ao desenvolvimento da filosofia e da teologia cristã,
que já se dava sob a égide de Santo Tomás de Aquino, fez com que houvesse
um retrocesso na figura de John Duns Scot, outro agostiniano-avicenista. Não
que, no âmbito da Lógica, ele seja nominalista, mas ao destronar o intelecto e
pôr em seu lugar a vontade, permite que seu sucessor, Guilherme de Ockham,
reincida no nominalismo. Por quê? O nominalismo, repita-se, é a negação dos
universais, mas o próprio do intelecto humano é a abstração dos universais
que, no entanto, existem não só na mente de Deus, mas nas coisas mesmas.
Ora, o renascimento poderoso do nominalismo é resultado do destronamento
da inteligência por Duns Scot, cuja doutrina é resultante da condenação de
pontos importantes da doutrina tomista. Santo Tomás vai resolver, de modo
mais perfeito ainda que Aristóteles, a querela dos universais. O fato é que
conquanto Santo Tomás diga e mostre que a Lógica é uma disciplina à parte
propedêutica a todas as demais disciplinas, -- e conquanto tenha resolvido
também a questão de ‘se esta disciplina à parte chamada Lógica é arte ou
ciência, ou se é as duas coisas’ – não o faz, porém, de forma sistemática, de
modo que não houvesse nenhuma dúvida quanto a isso por parte de seus
comentadores.

Pois bem, para a consolidação do nominalismo concorreu essa série de


fatores. O nominalismo de Ockham é como a confluência da sofística, que já
foi, de certo modo, nominalista. Esta sofística rebrotou, porém, com a
decadência da academia e do liceu platônica e aristotélico; rebrotou no
estoicismo, que também era, de certo modo, já nominalista. Esse nominalismo
vai renascer entre os dialéticos cristãos. Volta a aparecer, com certa força, com
Pedro Hispano, que será, como dito, o papa João XXI.

Pois bem, dá-se, âmbito do nominalismo, a Lógica no sentido em que nós a


estamos tratando. Eu mesmo já disse em algum lugar, talvez na Escola
Tomista, que Guilherme de Ockham era um bom lógico e um péssimo
metafísico, mas agora há que dizê-lo de outra maneira. Ockham era um “bom”
lógico, porque, na verdade, o que ele manejava bem era a figura do silogismo,
sem seu verdadeiro conteúdo. Entenda-se o que eu quero dizer. A Lógica,
como se verá, é a ciência do ente enquanto conhecido por nós; mas já vimos
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que nosso conhecimento é uma adequação do nosso intelecto à coisa, e a


coisa é o ente. Ora, a ciência do ente enquanto ente é a Metafísica; por esta
mesma razão Lógica e Metafísica estão intimamente vinculadas. E esta
vinculação se dá porque 1) nossa razão tem um modo próprio de funcionar,
que é pela abstração das essências; mas se nossa mente se adéqua à coisa, e
seu modo próprio de funcionar é abstrair as essências, não é senão porque
estas essências existem, de fato, nas coisas individuais das espécies. Isto quer
dizer que nossos conceitos têm fundamento da realidade. E é esta adequação
de nosso intelecto à coisa, e de nossas abstrações à realidade que se perde
com o nominalismo. O que faz o nominalismo? Negar que os universais
existam nas coisas, razão por que os nomes com que nomeamos tais
universais não são senão palavras acomodatícias. É o fim da Metafísica; e é o
fim da lógica enquanto ciência do ente conhecido que, por sua vez, tem
fundamento no ente enquanto ente. Portanto, a Lógica nominalista, conquanto
tenha aparência de lógica, não é Lógica no sentido mais profundo da palavra.

Não é, repita-se, que não houvesse tomistas de valor, havia-os; no entanto,


estavam acuados. Até que surge o Concílio de Trento. O Concílio de Trento é
uma vitória do tomismo; a hegemonia do Concílio foi claramente dominicano-
tomista. O Cardeal Caetano, um dos maiores comentadores da doutrina
tomista de todos os tempos, foi a figura de maior destaque no Concílio de
Trento; foi ele quem pôs ao lado da Bíblia, no altar do Concílio, a Suma
Teológica. Este grande comentador prosseguiu a obra lógica de Tomás de
Aquino; completou o comentário ao Peri Hemeneias; comentou as Categorias
de Aristóteles.

Com todo esse trabalho, Cardeal Caetano faz que o tomismo tenha grande
peso na segunda escolástica. O que é a segunda escolástica? É a pós-
tridentina. É enorme o peso do tomismo nessa segunda escolástica. Entre os
tomistas mais importantes dessa segunda escolástica está João de Santo
Tomás, que é, entre os tomistas pós Santo Tomás, aquele que mais
aprofundou a Lógica. Sucede, porém, que ele opera algumas deformações na
doutrina lógica de Santo Tomás. João de Santo Tomás, a par de seus desvios,
tampouco resolve bem a questão de se a Lógica é arte ou ciência. Pois bem,
estamos com a figura imensa de João de Santo Tomás, com todos seus
defeitos, a par do fim da Lógica propriamente dita no âmbito das doutrinas
filosóficas modernas; aí a Lógica, no máximo, será uma casca oca, em grande
parte por Kant, que deforma as Categorias de Aristóteles a tal ponto que as
torna irreconhecíveis.

Mas no âmbito da doutrina cristã, depois do fim da segunda escolástica, surge


uma terceira, que é amplamente dominada pelo neotomismo oriundo da
atuação de Leão XIII, São Pio X, Pio XI, Pio XII, após a encíclica de Leão XIII
“Aeterni Patris”. É o neotomismo, que se confunde um pouco com uma terceira
escolástica. Por um lado temos a obra magnífica de um Santiago Ramírez, com
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seu De Analogia; é um aprofundamento e uma sistematização que faltava ao


próprio Santo Tomás. Mas por outro lado, e em especial pelas mãos de
Jacques Maritain, temos o prosseguimento dos problemas legados por João de
Santo Tomás. Este é o estado da questão, até que surge o nosso padre Álvaro
Calderón.

O padre Álvaro Calderón é o primeiro a entender, de forma perfeita, que


conquanto Santo Tomás nos tenha legado uma filosofia, no-la legou em estado
assistemático. Santo Tomás era um teólogo que se valia da filosofia
aristotélica, de outras filosofias e de seu próprio raciocinar filosófico, o que
trazia implícita uma filosofia sistemática que, no entanto, não foi sistematizada
por ele mesmo; como que deixou a nós tomistas a tarefa de fazê-lo. Hoje o
padre Calderón dedica-se à sistematização da física aristotélico-tomista. O
padre Calderón deixou claríssimo que a Lógica não só é uma disciplina à parte
propedêutica a todas as demais disciplinas, senão que resolveu patentemente
a questão de ‘se a Lógica é uma arte ou uma ciência’, concluindo que é ambas.
Isto é o constituirá o corpo da resposta nesta questão disputada que nos
ocupa.

Portanto, isso que chamo “Introdução à Lógica” na Escola Tomista é altamente


caudatário da obra do padre Calderón. Quando, terminada a Introdução à
Lógica, entrarmos nas partes integrais da Lógica -- que são os Predicáveis, as
Categorias, o Peri Hermeneias e o os Analíticos Anteriores e Posteriores – já
não seremos caudatários do padre Álvaro Calderón, porque saltou esta etapa
para mergulhar na Física. Então, seremos caudatários, além de Aristóteles e
de Santo Tomás de Aquino, dos comentários do Cardeal Caetano, do
comentário de Boécio aos Predicáveis e ao trabalho de Jacques Maritain em
sua ‘Lógica Menor’. Depois, então, cairemos na Dialética, para depois ir à
Retórica e, enfim, à Poética. Estes serão os próximo passos, mas já os
daremos sabendo que há uma arte-ciência chamada Lógica.

Pois bem, diga-se que terminada esta introdução responderemos, antes de


entrar, no Órganon, aquelas três objeções que foram feitas em alguma aula
passada. Não nos percamos; tenham o documento da aula passada em mãos.
Ao final dessa introdução à Lógica vocês terão experimentado o que é uma
questão disputada, e de forma longa. Agora entraremos no longo corpus da
questão, que é a resposta principal.

Muito obrigado pela atenção.

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