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16.

0 QUE É A METAFÍSICAP

1. Introdução

A metafísica é a dísciplina que se ocupa dos problemas


ñlosóñcos mais gerais sobre a natureza da realidade. As oquas
disciplinas ñlosóñcas Lambém incluem problemas metafísícos
(na ñlosoña da arte, por exemplo, pergunta-se o que é uma
peça musical), mas de menor generalidadez metafísica apli-
cada, poder-se-ia dizer. E é claro que ciéncias como a física se
ocupam de problemas muitíssimo gerais sobre a natureza da
realidade (com0 é o caso da ongem do universo) ; contudo.
não se ocupam de problemas ñlosóñcos sobre a natureza
da realidade, pelo menos pr1'ncipalmente. L'm problema
é ñlosóñco quando só pode ser adequadamente abordado
usando metodologías ñlosóñcas, o que índui a ceodzação e
argumentação a pnon", a análise conceptual e a especulação
logicamente discíplinada.
As fronteiras da mezafísica não sâo rígidasz há zonas de
sobreposiçâo quer com outras dísciplinas ñlosóñcas quer
com ciêncías como a física. Quanto ao primeiro caso, os
problemas do liwe-arbím'0 e da identidade pessoaL por
exemplo, são metafísicos, mas sào por vezes abordados em
étíca, outras vezes em ñlosoña da mentez e a natureza e exis-
tência de d1'w'ndades são problemas metatísicos. mas são hoje
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nbordados sobretudo em ñlosoña da religiào Quanto ao tractos. Os particulares abstractos são eruidades que nüo
scgundo cascx a natureza última do ten1p0, por exempla têm localizaçào espáci0-rempoml. Cr-nm os númeroa ou
um tópico impormntc da metañísica e também da física. as proposíçóes. Os particulares concrctos tém Iocalimçàu
Contudo, alguns problemas ÍHOSÓñCOS S( lwe a natureza do espácio-temporal, e dividem-se em coisas (como árvores e
tempo estào mais intímamente relacionados com as teorias zebras) e acontecimen tos (como a segmda guerm mundiaFL
da ñsicaL outros são mais gerais e independentes delas. Finalmente. a.s coisas podem ser substànc1'as. LOITIO 05 seres
Apesar de as fronteiras da memfísica nào serem r1'0'1t,'das, é humanos e as pedras, ou não-substáncias, como os buracos
nuu'tí5511:'.o importante vcr claramente se visamos esclarecer e as sombrasz entidades Cuja existência depende cmuinu:›-
um aspecno merafísico de um dado conceito ou problema, ou mente de outras.
um aspecto não-metafísico. Um exemplo óbvio é o conceíto Este é apenas um examplo muitíssimo breve das categ0-
cle verdude Entregamomos a uma investigação metafísica rias mais gerais que uma teoría ontológica pode estahele-
quando queremos saber o que torna verdadeira uma fra5'e cer; evidcntementa outras teorias ontológicas estabelew rão
que, por hipótese. seja verdadeira. ou quando queremos Categorias diferentes. Muitas vezes. contud0, ñlósofos que
saber se há realmente verdades. ISLO contrasta fortemente não desenvolvem pormenorízadamente uma teoria ge ral das
com a ínvestigaçâo epistemológica a que nos entregamos categorias preocupam-se com alguns casos problema'ticos,
quando queremos saber se há. da nossa parte, genuíno pex'gL1ntando-se, por exemplo, em que sentido existem as
conhecimento de verdades. e, caso haja, em que condiçóes entidades lógicas e matema'u'cas, como os Conjuntos e os
ocorre e Como o distinguir da ilusão de que o temos. Da hipó- números, se é que existem em qualqut r acepção robusta
Lese de que mmca podemos conhecer verclades nàu se seoube do termo. Uma ontologia minimalista Lenrará excluir do
trlvialmente que nào há realmente verdacles, ainda que se domínio do ser (que por vezes se distingue do dominio da
possa arg11mentar nessa direcçã0, ao passo que é trlvial que se existéncia, que abrange apenas os seres com localização espá~
nào há verdades, nenhumas verdades podem ser conhecida5. cio~temporal) tudo o que não for objecto de percepção, por
w
exemplo; ou poderá aceítar entídades que nâo sejam objecto
› de percepçâo directa, ma.s que sejam necessárías para exp1i-
1
1.1. Ontologia \
q
car a nossa percepçào directa cle Othraa-“ entídades.

l
.' Neste contexto, invoca-se muitas vezes a chamada ~< nava-
A ontologia é uma disciplina da metafísica e vísa esLabe~ lha de Ockham», dando ênfase à icleia de que não dewmos
lecer uma teoria das Catcgon'as. Uma teoña das categodas incluir enu'dades, sem qualquer razào, na nossa ontologia.
visa descrever e explicar as categorias mais gerais da realí- Curíosamente, não temos qualquer registo hístórico em que
dade, o quà nos dirá se añnal exístem realmence números. Guilherrnc de Ockham formule explicitamente o princípio
por excmplo, ou uníversais - e, caso exístam. se existem no entia non sunt multiplicanda pmewr necessitatem Qnão se deve
mesmíssimo sentído em que existem árvores, por exemplo. multiplicar entídades sem necessidade). Do que Conhecemos
Uma teoría das categoñas poderá ter o seguinte aspectoz da sua ñlosoña, Lendía a elimínar entidades que outros ñló-
as entídades d1'viclem-se, exaustiva e separadamente, em sofos aceitavam. mas não invocava um princípio geral para
universaís e particulare5. No que respeíta aos universaís, o fazerz antes argumemava em particular contra cada tipo
Lanto podem ser propriedades (como a propriedade de de entidade que rejeitava.
ser redondo> como relaçóes (com0 a relaçào de am1'zade). A navalha de Ockham pode ser posta em causzL alegando
Quanto aos particulares, estes podem ser concretos ou abs- que também não devemos eliminar en tidades. sem qualquer
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razà~›. da nossa onr.ologia, dando ênfasc ã ídeia cle que o que os fundamemos da física, ainda que sc ucupc cle alguns temas
conm é tcr razo'es: é indífercme se sào razóes para eliminar que sáo tnmbém tramdos em f1's¡('a. '\_7:1 verdacka 21 ccorízacão
ou para induir entidades. sobre os fundamenros cla física é thc feita sobremdo em
ñlosoña da ciência, e nào em metafísíca.

1.2. FilosLyÍa anmeim


1.3. Breue lzzlstoha
v\.-'um cerLo senu'do, a metafísica foi a primeira das dísci~
plinns ñlosóñcax cstando na origem do impulso Cicmíñco c Apesar da rejeição da errizaçâo memfisica por pnrte
ñlosóñco dOS gregos da .~\ntiguídade. O rermo <~metafísica-›. dos cépticos da Antialoxidade e do desimuesse aparente de
conlud0. não era usado pelos metafísicos da Anniguidadm Sócrates por matérias que não se relaciormssern mais de perto
como Parménides. Hemclit0. os atomisms, Platão ou Aris- com a xida humana, a metafísíca coutinuou a Horcscer no
tóteles. \LIuitos deles davam às suas obras 0 título genérico período helení~..íco cla ñl(›'soña grega e depoís no mundo
~~Sobre a Natureza». e as reñexóes que Continham estavam medievaL Ainda que Lenha por vezes adquirído um perñl
na imersecção do que hoje vemos como teorízaçào físíca e místico. nomcaclamente com Plocíno C pseudo~Di0ní5ir.) 0
especulacso metafí51'ca. .~\I^eopag1'ta, readquiriu o seu perñl orimõhal com os e.s*colá5ti-
O termo «metafísicn» foi um acídente históric0, ocorrido cos, voltando a constituir-se como umu reflexão sobre a natu-
ou na Biblioteca de Alexandría, ou aquando da ediçâo das reza mais geral da realidade e afastandr›-se clo misticisnm.

. , _. 4
obras de :\ristóteles no mundo romano por Andrónico de A partir do século XVIIL com Dzwid Hume e sobretudo
Rodes. Era necessário organizar tematicamente as obras de com Immanuel I\a'nt, a possibilidade da metañsica começou
Aristótelcst e decidir onde pór uma estranhu obra dividida a ser posta seriamente em causa. Chegou Js*sim ao século \-V
em catorzc livros, com reflexóes sobre aspectos fundacionais com má fama, por duas razões pn'nc1'país. Primeira porque.

-_. _. _~
da reaüdadà do Conhecimento. da lógica e da línguagem. como se queixa Ixa"nt,

. . ^.
A essa obra foi dada uma designaçâo grega que signíñca
«0 que vem depois da física», e essa desígnação incluí uma A Metafísica [...] não foi até agora de Lal modo favorecida pelu

_..
expressâo que se tomou na nossa palaxra «metafísica». A ideia, destino que lhe permitisse emrar no rumo certo da ciência. ainda
pois, era que a obra se seguia à Físíca de :\r1'st0'teles, evem que seja a mais antiga dau cíência_s, e apesar de quc continuaria
. .,›. _.-
tualmente por ter Com esta algumas- conexo'es. Concudo, o em existência mesmo que todas as outras fossem devoradas por
próprio Arístóteles chamava~lhe apenas «ñlosoña primeiram um barbarismo voraz. (Cn'ttm da Ra:do Pura, B \."f\/": cf. .~\ VIII )
Deste m0d0. o termo «meta» tem em «metafísica» um
papel semântico muito clíferen Le do mesmo termo cal como Segundo, porque Hume foi muito persuzlsivo ao defen-
ocon e em «metalínguagenh. por exemplo. Neste ca50, trata~ der que só empiricameme podemos saber seja o que for
. . .- _ .

-se de uma linguaacrem que tem por objecto outra línguagemv sobre questões de facto e de existêncía - e a metafísica. apesar
Porém. a metafísica nâo é uma física da físích de tratar explicitamente das questóes de facto e de e.\'isrência
O termo «meta» não tem também em -<metaf1'síca» o mais gerais, não é uma disciplin.1'› empín'ca. :\.s~.:im. apcsur de
papel que tem em «metaética»; neste caso, o termo indica alguns dos mais importames ñlósofos do século xx. como
um estudo sobre a própria ética, uma teoria sobre os funda- Bertrand RusselL G. E. \/.Ioore e Gotnlob Frege terem explo-
mentos da ética. Porém, a metafísica nào é uma teoria sobre rado com nulitíssima perspicácía importzmces probleuus
WM~_ -WM.H
o QUE E Ax METAFÍSHJAE 203
264 TÚDOS OS SONHOS DO ~\›ÍL'-N.'DO E OLITROS ENSÀIOS

metafísícos, a disciplina continuava a ser vista como um Contud0, ainda que a metafísica possa ter conhecido, ao
puradtgnm do que nño se deve tcntar fuzer em ñlosoñaz isto longo de mais de dois mil e quinhemos anos dc espcrulaçàug
é particulannente eviclents em alguns empiristas lógícos, znomentos mnnos comedidos, conheccu também r:' princi-
assim cn_mo em Ludwig \\'i[tgensteín, que tendiam a ver a palmen te urn elevado - igor concepmal e lógíco. Além disso,
Inctafísica como uma actívidade mística. hist.0ric.amente, a metañsica nasce e alimenca-se de reflexócs
Porém, depois clo abandono dn ideia de que a activídade lógicas e linguísücas. Parrne'nides, com 0 seu ln an e a ídeia
ñlosóñca consisría exclusívameme na .1'nálise da linguagem. a de que só 0 Ser pode ser clizo e pensado. é um exemplo Ha~
teoñznção metafísica voltou a ñorescen Ac tualmente, os pro- grame; mas Ar'1'*.stóteles não 0 é menos, assim como Lantos
blemas tracücionais ClZl metafísica sâo novamente díscutidos fllósofos ao longo da história da metafísica. AssinL chegados
como parte integrantc e normal cla ínvcstigação Íílosçítícm ao século XX, não é cle espan tar que 0 renascimen to da inves-
tigação metafísica ocorra precisament6. em grande parte,
devido a desenvolvimentos cruciais da lógica e da ñlosoña
1.4. ÀIetafísica e Zinguagzmz da 1ínguagem.
Há uma enorme difcrença entre usar instrumentos lin-
Apesar de ser das mais antigas clisciplinas ñlosóñca5. guísticos e lógicos para fazer metaf1'sica, e reduzír 05 proble-
estando presenre desde as orígens da tilosoña - é talvez a mas metafísicos a problemas linguísticos e a actixidade meta~
sua mãe - a metafísica é ao mesmo temp0, Como que con- física à análise da linguagem. Nenhum físico hoje rejeitará a
tradítor1'amente, uma disciplína recente, no sentído em que centralídade instrumenml da matemática na sua activ1'dade,
só há pouco tempo foi reabilítada. Por essa razâo. não há mas rejeitará sem titubear que a físíca consista mermnente
no estudo da metafísica le consenso tão alargado quanto em análíse matemática. Analogamente, o uso intenso de ins-
aos seus temas centrais quanto o há na ética, por exemp10. trumentos lógícos e linguístícos foi signiñcativo ao longo da
Nos vários lixros recentes de introdução à metafísíca não se história da metafísica; mas se consíderarmos quc os proble~
encontra unanimidade na escolha de temas, apesar de se mas metafísicos são meras Confusóes línguisu'ca_s. paranlos
encon trar alguma sobreposíçâu pura e simplesmente de fazer metafísica, dado que nesta
Não se reiúndica. pois. o estatuto de cenrralidade consen- discíplina queremos conhecer a natureza úlüma da realidade
sual para os temas escolhídos neste capítulo para apresentar - 0 que certamente inclui a Iínguagem, mas não como uma
a metafísíca. Procurou-se, contudo, que os temas 1) fossem das suas Categorías fundamentais - ou pelo menos especular
exemphñcaúvos da natureza da disciplina e do que hoje se faz v:
1
com rigor sobre ísso.
nela, 2) que tivessem fortes conexões com a ñlosoña CláSSÍCLL
3) que ilustrassem a íntíma conexão entre a metafísx'ca, a Í
í
lógica e a linguagem e, ñnalmente, 43 que incluíssem con- l 1.5. A equivocidade do ser
ceítos e distinçóes instrumemais para dar os pnmeiros passos .'
.
no escudo cla metaffsica A distinção entre a realidade e a aparência é um dos
É
O terceiro aspecto merece um esclarec1'mento. Precisa- 1 tema5' Lransversais não apenas da mecafísica mas também
mentc porque subsiste por vezes uma ideia hístoricamente da ciêncía e das religiões; é defensável que se trata de uma
disr.orcída, a metafísica nào é vista como uma disciplina distinção crucial para agemes cognitivamente complexos e
de rigon mas an tes de delírío, ou perto disso: uma antítese de epistemícamente falíveis. No caso da metafísica, esta distin-
quaisquer sóbrias reñexões sobre a Iógica ou 21 hnguagem. ção diz respeito à diferença entre a genuína natureza dos
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aspectos mais gcrais da realidadc e u sua '1.paréncia. Esta trata cle identiñcar Adístótel<35 seja com o que tbn nem
difcrença nmn1'fe.~;t;1-se Cmcizllmemc nos diferentes usos do de explicitar Ll sua c0n.s*tituiçàa nem de lhe atrihuir
verbo ««ser». .-\s añrmaçóes seguintes, apesar de parecidas uma propriedade corm--.n, mas antes de afírmar que
entrc si. encerram diferenças mctañsicamente cruciaísz exíste.

1)' Sócrutes é humano. Ao longculeste Capítulo, exploraremos alguns problemzu


2> .~\ntóni0 Gedeào é Rómulo de Carvalho. metafísicos relacionados com estas quatro maneiras difer6n-
3) A estátua de D.]osé é cle bronze. tes de falar do que algo é ou do ser de algo.
4) Anlstóteles é (0u existey

O verbo «ser»› ocorre em toclas as añrmaço'es, na forma 2 Um'versais


«<é~›. E em algumas línguas, como o inglês e 0 grego, usa-se
de novo o mesmo verbo onde em português usamos o verbo Quando usamos o verbo «ser» na acepção predícatíva
<\estar~›: «Teetet0 está semado» exprime-se nessas e noutras estamos aparentemente a atribuir a algo uma propriedade.
línguas de novo com 0 verbo «ser». Deste mod0, se enten- Na añrmaçào 1 anterion atribuímos a Sócrates, denotado
clennos a metafísica como uma disciplina que se ocupa do pelo seu nome próprio, a propriedade de ser humano, o
ser. será uma boa ideía esclarecer pelo mcnos alguns dos que fazemos usando o predicado «é humano». Há aqui pelú
diversos semidos em que algo pode serz menos dois aspectos metañsicamente importantes.
Em primeiro 1ugar. estamos a pressupor uma distinção
N No sentido predicaüvo. 0 verbo «ser» atribui uma pr0- metafísica emre o particular Sócrates e a propriedade de ser
priedade a alg0: no nosso ca*so, atribui a Sócrates a hl Lmana Trata-se de uma dístínção metafísica no sentido em
propriedade de ser human0. Sócrates é humano no que as duas enúdades parecem pertencer a díferemes catego~
sentido em que tem essa propriedade. n'as fundanw ntais da realidade, ao passo que Sócrates e Aris~
No sentido ídentitativo, o verbo «ser» identiñca algo tóteles pertencem ambos à mesma Categoria fundamenLaL
com o que se podeüa pensar que era outra c0L-':a; no Comud0, não estamos apenas a pressupor uma disúnção;
nosso caso. identíñca Amónio Gedeào com Rómulo estamos também a añrmar uma relaçâo, que nào é símém'ca.
de Carvalha Antónío Gedeâo é Rómulo de Carvalho entre 0 partícular Sócrates e a propriedade de ser humanoz
não no senüdo de ter tal propriedade, mas antes de nomeadamente, é 0 par°._cular que Lem a propn'edade, não é
ser o mesmo que Rómulo de Carvalha a propríedade que tem 0 particulan Claro que há proprieda-
\.'o senüdo consütuúvo. 0 verbo -<ser>› expliciw aquilo des de propríedades - ser azul é uma propríedade que tem a
de que algo é te'ito: no nosso Caso, explicita quc lea propñedade de ser uma <:or - mus nenhum particular parece
dada esLátua é feita de bronze. .-\ estáLua retérida é de poder ser lido por qualquer ounra c(›isa, no mesmo sentido
bronze não no sentido de ter, estrítamente thlanda em que os particulares tém propriedades, e no sentjdo em
a propúedade de ser bronze. nem no sentido de ser que também as propdedndes tém propriedades.
idêntíca ao bronze. mas ames no sentido de ser feim Isto leva~nos a deñnir uu caracterizar os particulares
de bronze. como aquelas emidades quc podem Ler propriedadcs mw
43 No senrjdo exístenciaL o verbo «ser» añrma a existên- não podem ser propriedades seja do que fo'r. (Ainda que
cia de algo; no nosso exempla de An"stóteles. Não se possamos dizer que 0 Asdrúbal é um auténtico Sócrates, não
2ñx TODOS DS SONHOS DO \.llJ\.'DO E ODTROS ENSAIOS 0 Qljz É .›. METAFISILJV

estumos litemlmente a añrmar que ele Lem a propriedade 2.1. Relações


de ser Sócnues., mas antes que exibe grande parte das prc›-
prirànlacles mais distintivas dc S(›'crates.›* E caracLerizamos as Consiclcre~se as seguintes añrmaçõesc
proprtedades como os arnbums ou caracterislicas que tanto
os particulares Como as propriedades podcm Ler. Tudo isto l) Sócrates é humana
é ninda prelíminar e vago _9) Sócrates é o marido de Xantipa
Em segundo lugar, os particulares nào são ubíquos, ao
passo que ;15 propriedades parccem ubíqumx no sentido em A añrmação 2 difere marcadamente da l porque emolve
que camo So'cr;ues. Como Platão e muitos Uutros Lêm, todos uma relação entrc clois particulare.s.já a añrmdção 1 envohe
eles. a mcsma propriedadez sáo human05. Porém, Sócrates uma propñedade que vários particulares tém. mas estes náu a
não é ubiquu, no sentido em que nâo pode estar em dois têm em função de uma relaçâo com outros parúcularesz cada
lugares difcrentes ao mesmo tempo, ao passo que a misLe- particular que é humano é~o sem que imo envolva qualquer
riosa propriedade de ser humano parece estar exempliñcada relação com qualquer particular. Todavizu isso é preciamneme
em Váños lugares ao mesmo tempoz está exempliñcada onde o que não ocorre Com a relaçào de ser maridoz neste caso,
quer que esteja um ser humano. o que está em causa é precísamente a relação que exisce
Assimy somos levados a crer que as propriedades são uni- entre certos part1'culares. Ao passo que cada parúcular tem
Versais: cntidades ubíquas ou espalhadas no espaço Contudo, as propriedades que tem sem que para isso tenha de man-
como pode uma mesma coisa estar cm lugares diferentes ao ter qualquer relaçào com qualquer outro particular - nem
mesmo tempo? Se for um particular, parece que nâo pode. sequer consigo mesmo ~ as relaçõcs não são atributos deste
Todau'a. um uuíversal é, precísamentq uma entidade que, ou daquele particulan e nem sequer de conJunLos de particu-
por defmíçã0. pode estar em lugares diferentes ao mesmo lares; as relaçóes ocorrem apenas mtre particulares (ou en cre
tcmpo Mais estranhamente ainda os universais parecem proprie'dadc's) . ainda que possam mmbém ocorrer entre um
estar inteirameme presentes em lugares diferemes ao mesmo particular e ele mesmo.
tempoz añnaL Sócrates não tem uma parte apenas da pro- Uma clas relaçóes que Ievantam problemas metañsiccn
priedade de ser humano, e Platão oqua parte difereme da peculiares é a identidade. como veremos. Esm é uma rela-
mesma propñedada Pelo contrán'o, parece que ambos têm çào que só ocorre entre um particular e ele mesmol Apesar
a mesma propr1'edade. na mesma acepçàa e parece que a disso., a iclentidade é uma relaçáo e nâo uma propricdade
têm inteiramence. comum. no sentido em que diz respeíto à relação que um
Uma breve reflexão sobre añrmaçóes predícativas torna particular tem consigo mesm0, e que nào ECITI com qualquer
plausível consíderar que as propriedades são Lmiversaís. e outro; mas não diz respeíto ao parúcular em si. independen-
que os universais são entídades metañsícameme muitíssimo temente dessa relação, como acomcce com as propñedades
diferentes dos paru'culares. Aquilo a que se chan1.- tradicio- Comuns.
nalmente «<0 problema dos uníversais-› seria mais adequada- Num dos arngantOS famosos da metafísica do século xx
mente denominado «o problema das propr1'edades», pois 0 recorre-se às relações e foi proposto por Russell em 05 Pro~
Conceito de universal éjá uma prímeira resposm ao problema blpmas da Filosojím Quando começamos a reñectír sobre as
LÀN natureza das propriedades. propriedades. somos levados a crcr em universaís. Comud0.
as campainhas de alarme podem começar a soar. poís parece
que esmmos a admítir emidades misteriosas demasiado Iapi-
270 ÍÚDOS ÚS SUNHÚ> DO \|L'\.'DO E OUTROS ENSÀÍOQ O QUF E .\ METÀFlSsz

dameute - os universais - pam explicar uma coisa tão banal lhança p~;.~ssupóe que 21 semelhança é um univcrsuk a elimi-
qlmntu o mctu de \';1'rLls cmidudes serem hLun:1nu›. nacão foi malsucedida.
.-\ñ:~~mr A existência dc universLÚS enfrenta além clisso 21 E Russell foi aincla muis longcz ínmgine~se quc insisul
dikiculcladc adicional cle Ler. .1p2u'em.emente. escasso poder mos, perante esta 0hjecçáo, que añnul a semelhança que
CXPÍÍCJEÍYOZ dudo que 03 m1iversnis parecem estar fora do hzi eutre dois particulares brancos nào é a mesma relação
Lcmpo e clo espaçu uão poderño ter qualquer papel causalz de semellmnça que há entre outros quaisquer partículares
mas se nío Liverem qualquer papel causaL como poderão Nesse Cnso, diremOs quc é outrn relação, e nãu a mesma.
explicur sejn o que f0r? v:\lém clisso. qunndo começamos a Toclavia, como parecc haver algo de comum cntre a relação
penmr seriamente no que é isso cle um panícular cxcmpliñ- de semelhança que cêm dois particulares brancos e a relação
cnr um universaL a conversa Lorna~56 clemcmiado misteñosaz de semelhança que têm clois punicuhres azuisx Leremos de
os univemais parecem enúdades CLérÊL\5. fmltasnms que des- dizcr que essa.'s clua›" relanBcs de scxncllmnçn. apesar de não
cem silnulmnealnente cm vários lugnrezx c complccameme serem uma só, sâo semelhantes. O que parece lançar-uos
em cadu um deles. para dar qualidades ou atributos aos par- numa regressào infmitu pouco pmmissora.
ticulares.
Por estus e oquas mzóes. muitos ñlósofos tentaram ou
rejeitar a exústência cle universzu'5, ou ter uma concepçia 22 Propnedades panficulares
menos problemática deles. Uma das tentativas cle eliminar
universais é defender que a propriedade da b1*;u1cura, por Apesar desta 0bjecção, poclemos continuar a insistir que
e.\'emplo. não é de moclo algum uma entidnde, além dos nào há universais. e que pensar quc há é ser wítima cle uma
particulares. que Leria o papcl dc explicar o que é isso de ser ilusão 11'nguística, devído ao nmdo como categorizamos d rea-

_.4
branco. Deste pomo de vista. só há partículares brancos, não lidacle. Deste ponto de vísta, irzsiste~se que nacla há realmente
hcí o universal dn brancura. E 0 que ocorre é que, porque de comum entre dois particulares brancosz cada qual Lem a
esses xúrius parúculnrcs são scmelhantes entre si. dizemos sua própría erIICLlrLL .-\con(ecc apenns quc classiñcumos
que sào brancosy as cluas propriedades cla brancura como se fossem uma só,
Russell objectou a este argumento chamando 21 atenção porque nâo é relevante falar de duas brancurasv ao pmw que
para 0 uso que nele se faz da relaçáo de scmelhanÇCL Tome- é relevante falar clos dois particulares e não de um apenas.
-se dois partículares bmncos. Segundo esta posição, não Chama-se «teoria dos tropos» a um certo modo de desenvol-
precisamos dO universal da brancura. que scria misteriosz1- ver este ponto de vista.

M ~-_.
mente exemplíñcado em ambosz apenas precisamos dos dois Inic1'almeme, este parece um ponto de vista ontologi~
particuhres e da relaçâo de semelhança que têm entre si. camente económíco, pois rejeita essas entideles estranhas
Contudo. Russell argumenta que a rclaçâo de semelhança que sào os universais. Contudo, o próprio conceiLo de eco-
que esses dois p.-1rticulares brancos têm emre si é a mesma nomia ontológica náo é isento de diñculdades. :\' diferença
relação de semelhança que quaísquer outros dois part1'cula- entre uma teoria dos tropos e uma tcoria dos Llniversais é
res Lêm entre sí. se forem semelhantesz mas se é a 1nesma, ilustrativa. Ton1e«se dois particulares brancos. O defensor
então isso quer dizcr quc a própría relação de scmelhamça dos universais añrma que estamos peramc três entidades.
%._ w-

é um universalz uma mesma entidadc espalhada ao longo e não duas - dois particulares e um universaL Isto podcrá
do espaç0. mas inteirameme preseme em cada caso. .~\ssim. parecer extravagante, mas a teoria dos Lropos não se lhe ñca
temar elíminar os universais recorrendo à relação de seme- atrás,. pois o seu defensor añrma que estamos peran Le quatro
Mmm
n wq TUDOS Ú.\.\17\HÚ\ DU Mí Í<D0 L OL TROS E_\'*Ã-\[US 1)Q¡,EE A ._\H-;T,›.risim2 273

entidadesz dois particulares e cluas pmpriedades. Qual da›“ de [Od05 esses particulares. esrá envolvida cmrra emidade: a
dum tmrLu é umis c~c0m3n11'car' A teorizx dos uníversais c0v.npro- proprícclddc cla brzmcurm que é comum a ruc esses parti›
nlC[C'-SC com menos enridmívsa mas 0 preço u pagar é Compro- <:ulares. L'ma maneira de rejeítar esm posição e msistir que Cl
meteme com entidades de cliferentes categorias ontológicav única coisa de comum :-1 todos o< particulares é pertencerem
partículares e universais. A teoria dos tropos compromet ° ao conjunto a que pertcnccmz 0 conjunto dos pamcuiares
-se com mais entidadcsx mas todas pcrcencem à mesma brancos. A pertença a este Conjunm é um fnao bruto e sem
categoria 0nt01ógica2 todas as entidades são partículare5. qualquer explicação: afinaL as expligaçóes têm de parar
O Conceiro de tropo obriga a rever a caracterízaçâo apre- algures.
sentada de par Lculmç añnaL um rmpo é uma propríedade A vantagem deste ponto de vista é nâo prccisar de uni~
partículmz mas não é um particular no semiclo em que So'cra- versais nem de rroposz só precisa de particulares e conjumos.
Les o é, Ao caraw cñzar um partícular como algo que 1) pode Ora. os conjumos sâo emidades emustivamcme especíñmdzw
Lcr propúedadea mas nâo pode SBF propriedade de seja o que pela Lcoria dos conjuntos (que pode ser emendidd como
for e .9) não é ubíquo, misturámOi dois conceitos diferen- um ramo da matemática ou da lóg1ca). pelo que não sào cle
tes. O primeíro aspecto capta as cntidades que são objecto modo algum um mistérío, como os universais ou os t.mpos.
de predícação mas não podcm predícar; o segundo aspecto L'ma diñculdade desta teoria é que 05 membros de um
capta a repetibilidade ou irrepetibilídade de uma entidade. conjumo parecem pertencer por vezes a uma categoria onto
Ora, nada parece 1'mpedír-nos, conce¡_)tualmente, de Cruzur lo'ma'ca diferente clo conj unto em si. Pala ver po rqx.1ê, Lome~se
os dois aspectos e defender que há. ou podcña haver, emi~ um conjunto de Clnco banana51 Cada uma das bananas é um
dades com a característica 1 mas sem a 2, e vice-versa; na particular com localização espácimtemporaL 0 que sigml
verdade, a Leoria dos tropos atirma que as propriedades Lêm ñca que podemos comê~las, por excmpla ou que têm c0r.
a característica _“7, aínda que não tenham a característica 1. Porém, 0 conjunto das hananas nào pode. aparenremenle.
O que signiñca que podemos insistir que a disúnção ser comido, e não tem cou aparentememe Daqui parece
crucial emre particulnres c universais confunde a díscussão, sengír-se que o conjunto dds bananas é ontologicmru _¡Le
que começa com a tentaüva de compreender correctamente diferente das bananas. Se isto Eor verdadeíro. talvez a eco-
quaís são as Condiçóes me f..3.f'ÍSiCd'S da predícação - quais são nomia omológnta da teoria que elimina as propriedades a
as categorias de cntidadcs envolúdas Usar o par conceptual favor dos conjuntos de particulares seja menos óbvia do que

parúcular /um'versal é Ver a predicaçàojá de um certo pomo poderia parecer.
4
dc vista teo'rico. em que as propriedades se caracterizam não Uma diñculdade mais séria é o problema da direcçáo
Crucialmente por permiúr a predícaçãa maa“ antes por serem da exp11'cação. que parecc invertida ncsta ICOFÍLL A explica~
repetíveis, e os particulares se caracteñznm não crucialmeme Ção mais natural para a pergunm ~<Por que razão pertencem
por serem objecto de predicação última, mas por não serem todos os objectos brancos ao conjumo dos objectos brancosP»
repetíveis. é que são brancosz parece que é 0 facto de se:. rn brancos que
explicn a sua pertença ao conjumo dos particulares brancos.
2
Comudo, esta teoria pretende explicnr as coisas ao conrsxáría
2.3. Conjuntos de particulares añrmando que 0 que explica que Lais particulares sejam bran~
1
r cos é a sua pertença ao conjumo dos puticulares brancos.
Considerc-se o conjunto dc todos os particulares brarr l
I Quem quiser objectar a esta teoria poderá deiLar mão a esta
1
Cr›s. O defensor da teoria dos universais defende que, além 1 dLñ'CLlldade.
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274 TODÚS 05 \.0"\.'H\)5 DÚ MLTNDO E (,›L'TR()5 kNSÀlOS u lLL E Lí ..\ ML=TAFÍSU xt 'n'"
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Fimlmente. podemos formar os kaljuntos que nos 2.:›, \ er'dul


upetccexx Conw 0 Conjunto to*rm;1du pclu dedo mindinho
csqucrdu de Sócmtesq a buzina do meu carm. a galá>úa mais Além disso. parece huver algunm arbiuariedude |'ing1u's-
populosa do universo e um átomo cle héHCL Om~ ou este con- Lica nos nossos pnjclicu(los. Isw podelá fazzrrpnus pensar que
>jnnto é unu propn'e(lade. ou náo. Se for, qualquer conjunto u nobrc czitegoria memfísica dos univcxwis nào passa dc r.<,)n-
dos mais dlSpares particulares consúuú uma p1'0priedade, densação de vapor linguístico. O e\cmplo fatmuso de Go0d~
0 que é pelo mcnos surpreendema Se não, a Leoria não man, do lívro Fm't0. Filxçcío e vaászím é 0 predicado arúñcioso
foi benx~suceclida ao usar conjuntos para eliminar as pro- v<ser xerdul», que hrJ›'e POdCInOS dcñnir da seguinte manciraz
pricdades e 05 univermisy pois prcssupóe primelro que há a algo é verdul se e só se ior visto peh primeira vez antcs do
propriedacle e 0 universal da brancura, por exempla para ano 2100 e for verde. ou for visto pela plímeíra vez dcpois
depnis formar o Conjunto dc Lodos os particulares que são do ano 2100 c for azuL Assím, segwmdo esna deñniç.ío. mdas
brancos: sem tal pl'ess¡.\p()slu, formzrse conjuntos que não as coisas a que até hoje chamámos v<verden são \'erdui5. mas
Constituem propn'edades. chegará um moment0, no ano 2”101. em quc chamaremos
«-verde›- a coisas que não sáo verduirx
A primeira reacção a um predicado destes é dizer que é
2.4. Pmdicados e p'ro;b1iedades artiñcioso, nâo exprimindo por isso qualquer propriedade
genuínaz é uma mera construção lógica Contudog tanto
Outra linha de ataque à teoria dos univcrsais é pór em podemcs deñnir o p."edl'caclo «ser verdul~› usando a lingL»\a-
causa a ídeia de que qualquer predicado cxprime uma pr0- gem do verdc, como podemos fazcr o ínversa Neste últímo
priedade genuína. A ideia é que é algo ingénuo peusar que caso, deñne-se o predicado «ser verde» do seguime modoz
há propriedddes gen uínas, quanto mais universais. corres- algo é verde se e só se for visto peln primeira vez antcs do
pondemes a cada um dos predicados quc usamos ou pode- ano 2100 e for verduL ou for w'sto pela primeira vez depois
mos usar. Os prcdicados sào demaáiado baratos c podemos do ano 2100 e for azerde. ('E. clar0, a deñniçâo de azerde é
formar os mais estranhos predicadus. tantos quantos qu1'5er- fácil de adiúnham
mos; mas não é muiio promissor pensar que todos exprimem O que isto parece mostrar é que se pensamos que o predi-
propriedades _° nuínus. cado «<serverdul» nâo exprime qualquer propn'edacle porque
Para tomar um caso óbvio, 0 predicado «sem proprieda~ é aru'11'cioso, teremos de pensar que mmbém o predicado «<ser
des», enquanto predicacla é tào leogtimo quanto 0 predicado verde» nâo exprime qualquer propriedade, pois também
x<sem are~.ms». Contndq revelaría pouca sagmtidade supor é artíñcíoso - não na nossa âinmnmgenm mas na línguagem
quc a propriedade de não ter propriedades existe só porque do verduL Porque um predicado que numa linmjmgem e
podemos formular r,al predicado. Se aceitarmos que nem artiñcioso náo o é noutra. náo podemos usar o gmu de ani-
todos os predicados que usamos exprímem propr1'edades. Íwzío como Cñtéxão para distínguir encrc os predicados que
teremos de começar por explicar quais são os predícados exprimem propríedades c os que nâo o Euzem.
que exprimem as propríedades que constirucm universais.
4. .›

a menos que aceítcmos a cxistêncía dc universais ridículos 2”.6. Un imsau a1u*'totélicos


Como o de eslar a ser pensado por um inexistente alt0.
No enlant0. parece que os predicudos mais sóbríos -
nomeadamcme os usados nu tísich químim. biologiu e ouuns
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TODOS OS SO\.HÕS DO MUNDO E OU TROS ENS-\IOS u QUE E A xm _st1A ,-\'~

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ciêncías dc imenso sucesso - captam ulgo de impurtante mesmo momcnto passou a cxistír nào uma <-nu'dade, mst
na real¡'cladc. pois permitem fazer Lenrias muitíssimo bcm- duas. PorênL a scgunda rmírladc aínda não é efcclivamente
-sucedidas. ao paSSO que os preclicadm como «ser vercluh um uníverçaL dado que é uma proprierrlade de um único
dariam a origcm a teorias que seríam amplamente refutadas particulars não está repeúda no espaço. L'L›IIIO os um'v«3rsais.
em _°r101. Um defensor dos universais poderá emáo usar eSCC Porém. quando surge um scgundo particular bmm:o, a prc›-
sucesso dos predicados cientíñcos e clefender que alguns pre- priedade dn brancura r0n1a-se o universal da br.1'ncura. E 0
dicados exprimem propríedades genuínas - nomeadamente universal cla hrancura volta a desaparecer de cena quando
os cientíñcos - apesar de nem todos 0 kàzererrL pelo que há Lodos os particulares brancos dcsaparecercm (0u toclos
menos universaís do quc predícados. menos uml É evídente que esta concepçâo de LlÚíVCfiaÍS
Esta abordagem dos Lmiversais é certamentc mais sóbria: Viola a icleia de Platào de que os universai5, a que ele chamava
e. baseand0-sc na ídeia de que as nossas teorias mais bem- <«forma.5.» ou uídeiasm são eternos. Porém, isso não é uma boa
-sucedidas prcssupóem a existência de çertos universais, razão para peusar que esr.á erradax
dá-nos uma razão admissível para aceítar que os universais Há pelo menos uma maneira de evitar que 21 hrancura
fazem parte da realidade - que nào são mera coudensação de possa ser primeiro uma mera propriedade e depois um
\'apor linmolística Porém, podemos insistir que os Lmiversais universaL quando surgem mais particuíares brancos. Essa
não habitam um reíno etéreo, estando ames nos particulares. maneiu é deñnir o conceíto de universnl de tal modo que
.~\.ssim, a brnncura não seria uma entidade sem localízação seja uma propriedade repetível; é irrelevante se está dP facto
espácio-temporal; ao invés, seña uma enüdade repeLíveL com repetída ou nã0. .-\ssim, a brancura é um universal mesmo
uáyias localizaçóes espácí0-temporais. que exista apenas um objecto branc0. pela simples razão
Esta última ídeia é admitidamente bizarra, mas menos de quc poderia haver mais objecnos brancos. Em Contraste,
bizarra do que se a brancura existisse num reino etéreo. Sócrates nào é urn universal porque é irrepetívelz não poderia
sem localizaçào espáCiO-temporal. Ê que, nesse Caso, seria haver mais de um Sócrates - para alíxio dos seus concidadãos.
muíto dífícil explícar Çomo algo íuúsível e sem localização no que se w'ra¡n livres do úníco que existíu condenandoo à
espaço poderia fazer um particular ser visivelmente branco morte assim que Líveram oportum'dade.
numa dada localização cspacialz añnaL o universal da bran-
cura deverá ser responsável pela brancura do particulan
Chegámos a uma posição quanto acn universais que é 3. Particulares
mais sóbria, e a que se chama «aristoteh'smo», por oposição
ao platonisma .-\mba5 aceitam que as propriedades são uni- «Sócrates é humano~> atribui uma propriedade a Sócra-
versaís, mas a pñmeira insiste, contra a segunda, que estes tes. E. como é óbvío, poderíamos atribuir~lhe correcmmeme
nâo exisnem num reino do outro rnund0, mas antes neste muitas outras propn'edades, como ateníense. grega marido
mesmo mundo, nos próprios par «.“'Çulares que têm as pr0- de Xancisz professor de Platàa etc. Mas onde acaba 0 =<etc.»
príedades em causa. e onde encontramos o parücular que tem Lodas essus proprie-
Esta posição irnplica que. caso nào existíssem parüculares dades-Í A perplexidade é quc se pensarmos em qualquer par-
brancos, não haveria o universal da brancura; e implíca que ticular e ñzerrnos a lísta das suas propriedades. nada parece
a propriedade da brancura pode exístir sem que exista 0 sobrar.
universal da brancura. Imagine-se o momemo cm que surv Vejamos um cuo mais simplesz um cubo cle aço. be" lhe
giu 0 primeiro partícular branc0; segt_1ndo esta Leor1'a. nesse reúrarmos a propzíedade de ser um cubo. ser de aço e ter
TODOS OS SL)\L'HOS DU 1\lL'\:-'l)0 E UL'TROS ENSAIOS 0 QUE E .›\ NJETAFÍSILAP ! 279

uma certa dimensá0. massa e con nada parece 50brar. Qn- le ~<idêntico» para a mera semelhançaz vé idêntíco», diz~se, ~ mas
está emào o pnrticular que tem codns essas propriedades? nào é iguabJ
O nosso problema agom é a imagem de espelho do pro~ Todavizn se pensarmos bClIL nâo parece haver estrita
blema unterior com as propriedndes. Uma saida para esta identidade qualítativa entre quaisquer dois particulares
perplexidade é aceitar que as coisas são mesmo assinL e que numericamente dístintos Cercamente que duas c:--".eiras
nào há partícularesz estes sào meras ilusóes da nossa parta tâo iguais quanto possivel não são realmente iguais, num
Esta saída nào é aceitável para quem rejeita os um'versai5. sentido rigoroso e esrrica Por exemplo, uão foram .1'mbas
pois o modo mais óbvio de a desemolver é defender que os feitas exactamente do mesmo pedaço de madeira, poís se
partículares sño apenas feixes de universaisz Supondo que o tivessem sido, o mesmo pedaço de madeira exactamente
LIS perplexídacles e diñcuiñíades Com 0 conceito de universal estaria a ocupar dois lugares diferentes ao mesmo tempo;
Eoram resolvidzm usamo-lo então pnra analisar o conceito mas é defensável que nenhum pedaço de madeira pode ocu-
de particulaxz AssinL Sócrates nào é algo para lá de todos par dois lugares diferentes ao mesmo ternpu. Além d1'sso.
os universais que exempliñcaz se elimínarmos todos esses nenhuma das cadeiras ocupa 0 mesmo lugar que a 0utra.
universais. nada resta. ao mesmo temp0.
Torna-se por isso plausível defender, como Leibniz nos
Novos Ensaios sobre 0 Entendimento Humano, que dados quai5-
3.1. Identidade nummta quer hípotéticos paru'culares, se estes tiverem exactamente
as mesmas propríeclades, entào nâo escávamos perante dois
Uma prímeira diñculdade com esta abordagem é que as particulares mas antes um só. Usando a notação lógica habi-
condíçóes de ídentídade dos parúculares são aparentememe tual, temos o seguinte:
díferentes clas condiçóes de identidlde de feixes de univer-
sais. Há dois Conceitos dístintos de ídentidadez a numérica VxVy VF[(Fx 3 Fy) _› x = 'v]
e a qualitatíva Ambas são relaço'es, mas a primeira só ocorre
entre um particular e ele mesmo, ao p.. ~50 que a ídemídade A este princípio chama-se por vezes «lei de Leíbniz» ou
qualitatíva pode ocorrer entre dois particulares (ainda que «princípio da identidade dos indiscerníveis». .-\o princípio
ocorra também, eüdentemente entre um particular e ele converso, lendo a condícional da direita para a esquerda.
mesmo). chama-se «<indiscernibilídade de idênticos», e e isso que
A identidacle numérica é tal que uma aflrrnação como deñne a identídade numérícaz
«Antóní0 Gedeào é Rómulo de Carvalho» só é verdadeira
porque, além dc Antónío Gedeáo ter todas as propr1'eda- Vx Vy VF [x = y -> (I"x -›"' Fy)]
des que tem Rómulo de Carvalho e w'ce-versa. não estamos
perante doís mas antes um particular apenas Compare-se O que esta fórmula quer dizer é que, dados quaisquer
Com uma aflrmaçâo como «0Jacinto é igualzinho ao \11án'0». dois particulares hipotétícos e clada qualquer propn'edade.
quando estamos a falar de dois gémeos verdadeíros, acaba~ se os dois particulares não sáo añnal dois mas um só, cntâo
dos de nascerr estes, por muíto iguais que sejam. não sào têm exactameme as mesmas propn'edades.
rigorosamente ígua15, precísamente porque são dois e nâo Os dois príncípios são bastante plausíveís. à partida. ape-
um apenas. (Curiosameme, na líncnbxa portucruõesa usa-se por sar de ser mais fácil ver maneiras de resistir ao primeiro.
vezes «igual>› para falar da identídade estrita, reservando-se Sejuntarmos os d0is, Concluímos que nenhuns particulares
É
s
o QUE ri A Mar.r-.isu.w
280 i TODOS 05 SONHOS DO MUNDO E OU TROS ENSAIOS 281

exactamente Com as mesmas propriedades diferem nume- exempliñcados mais cle uma VCL Ierào de o ser em diferen~
ricamemc e nenhuns p'1<rticuh1rc-'s xmmericamente idênticos tes lugares ou diferentes momemo›*. Comudq isso .›'ígniñca
diferrüm em ¡'›ropriech"1des. Ou .s_tja_ Concluimos que sempre que o primeiro triângulu branm não tem as mesmas pr0-
que temos identidade qualitativa estrita temos iràÀvmidade príedades do segundo triângulo m1-.ncn, poís a sua localízac
numérica, e n'(:e-versa. Ção espác1'o-temporal, que é uma propriedade como oucra
Podemos cle>:ejar clistínguir, emão, a identidade qualita- qualqueu é diferente. Deste morlo. a 0b_jecçào parecc ñcar
tiva est.rita. que acaba por conduzir à identídade numérica, anuladaz añnaL as _-;ondíc_o'es de idcntidade dos feixes de
se aceitarmos 0 pnkncípío da idencidade dos indíscerníveis. da universais coincidem. aparentemenm, com d5' condiçóes dc
ídenúdade qualitativa lataz dois part1'cul.1'res. numerícameme identidade dos particulares.
distíntosx sào qualitativameme idênticos em termos latos se
e só se tém um grande número de propriedades salientes
em comum, como ocorre com duas cadeíras que dizcmos 3.3. Tempo e ídentzdude
informalmente serem iguaíSA
Se aceítarmos a ideia de que a própria localizaçâo no
tempo é uma propñedade (relacional) que os partículares
3.2. Condições de ídentídade têm, e se aceitarmos tarnbém o princípío da indiscenúbilí-
dade de idênticos, parece seguír-se quc nenhum particular é
Aceítemos, a título de h1'pótese, que nào há identidade ídênüco a qualquer particular que não exista exactameme no
qualitativa estrita sem haver idemidade numéríc2L Se voltar- mesmo momento do prímciro Para ver porquê, considere~se
mos agora à ideia de que os partículares são apenas feixes de Sócrates as~ cinco da tarde; se consíderarmos q¡. - ele tem a
universais. vemos que nada parece impedir que dois uníver- propriedade de estar localizado nesse momentu do rempa
sais. digamos. sejam co-'exemplíñcados conj untamente váñas entáo 0 Sócrates das Cinco e dez não só não tem essa propn'e-
vezes, sem que haja qualquer diferença qualitatíva entre essas dade. Como tem outraz a de estar Iocal'1'zado noutro momemo
várias exemplíñcaçóext Por exemplo, nada parece impedir do tempo. Ora. o princípio da indiscenúbílidade de idénücos
que 05 universais da L °. .1cur.1' e da Ln'.1'ngulan'd.1'de (e só eles) é uma cond1'cional: sc a é ídêntíco a b, emáo a e b Lêm as
sejam c0-exempliñcados várías vezes. OrzL isto significaria mesmíssimas propriedades. Dado que 0 Sócraces da.s- cinco e
que teríamos dois particulares numerícamente distintos, dois o das cinco e dez nâo têm as mesmas propn'edades, conClLu'-se
m'ângu105 brancos, por exemplo, e não um só. se contarmos validamente, por modus tullens, que não se Lrata do mesmo
os partículares d1'rectameme; mas teremos um só parücular particulan Note-se que o problema não díz rcspeiw a Sócra-
se tudo o que coma para disünguir partículares entre sí é tes enquanto pessoa-, o que envolve diñculdades próprias
a natureza dos universais por eles exemplíñcados. AfmaL que emergem das suas propúedades psicológ1'ca›, 1mes díz
temos um ou dois tríângulos quando ambos exemp11f1'cam respeito a qualquer partículan incluindo um ácomu dc hélíu
exactameme os mesmos universaísF Parece entào razoável defender que as seguimes nñrma~
Uma maneíra de responder a esta diñculdade é ínsistir çóes são inconsístentesz
que a localização no espaço c no tempo é, em si, uma pro-
priedade (ainda que relacional) dos particulares. Podemos 1) Cada particular é ídéntico ao longo do tempo;
insistir que o concra-exemplo anterior ignorava que para que í 2) O pñncípío da indíscemibíüdade de idênticos é ver-
z
os universais da tríangularidade e da brancura possam ser k dadeir0;
.'
3
282 TODOS OS SONHOS DO MLÍNDCI F OleROS ENSÀIOS n QIJE li .›. \ía*.z›\FI>u;xn:

3\ A IOCaIização temporal é uma propriedade como -relacionais. só por issa são íntn"nsecas. PorénL há mzões pam
outm qualquelz pôr cm Causa estas duas 1deiu›, A segunda idem foi pwgma em
CJLISH Com u casu dn verdulz quzmto à pn'¡m°ira, C(›nsíd-›rr>_~se
Para SUSICIHÀLY n primeira idel'a, que parece muitíssimo a propriedade que ,\"L'cr›'maco tem de ser ñlho de àñstóteleaz
razoável - e. dlém disso, cupiLal pam fazer ciência - teremos Esta é uma pmpríedade relacionaL mas de modo algum
de abandonar uma das outras duas. Dada a plausibilidade da parece extrínseca; efectívan1ente, parece uma pmpriedadc
seguncla, a opção mais promíssom é abandonnr a terceira. Crucial de Nicómaco. sem a qual ele não cxísúrizL
chjamos como se pode Jrgumentar nessa direcção - sem A.55im. perzmte uma propr¡'edadc. seja ela reiacional ou
Jrgumcntar circularmcnte que é falsa porque desse modo não, falta-nos ainda saber se é intrinseca ou n-:10. Vimos quc
não temos de abandonar as 0utras. pelo menos algumas pmpriechldes relacionais talvez sçjam
ir.›'rinSc-.c.15': mas 5ê-looão Lodas elasP Eís uma razáo pam pen-
sar que nào.
3.4. LVIudança de Cambrídge Considerese a seguinte deñniçám um particular sorr^e
uma mudança se e só se ganha ou perde quaisquer propr1'e-
Considerc-5e um áLomo de hidrogéní0. na galáxía de dades, relacíonais ou não. Se aceitmmos esm deñniçñ0. enYÀO
.-\_ndrómeda. tranquilamente a fazer a sua w'd1'nha. Surpreen~ temos aquilo a que Geach, em God and the SouL ironicaments
dentemente, acabou de ganhar a propricdade relacíonal de chamou ~<mudança de C.ambridge~›: ESLC era 0 modo como
ñcar à distâncía dl do leitor. qui ':do há apenas dois secruandos (Geach añrma que) alguns ñlósofos de Ciambrídge (Ber-
estava à distáncia dn clo leitor - só porque o leitor deu dois trand Russell e _I. _\I. E. McTaggarU entendlam 0 conceito
passos cm frente. E o número de propriedades relacionaís merafísico de n1udunça, com respeito aos particulares. F. o
deste género que esse átomo está cominuameme a ganhar e problema é que esta concepçáo nâo distingne entre genuína
a perder é gigantesca O mesmo se pode dizer das propríc^t- ledança, que ccrumeme obedece este cn'tén'0. e a mera
dades relacionais que 0 leítor acabou de ganhar e perder mudança dc Cambr1'dge, que obedece ao Critério mas não
desde que começou a ler este parágrafo, algumas das quais parece de modo algum consütuír uma mudzmça gcnuína.
envolvem esse mesmo ár.omo, outras envolvem pessoas que É o caso das mudanças que o átomo acima mencíonado
o leitor nunca irá Conhecer porque eram Astecas e outras (não) softe em função de o leitor dar dois passos em frente.
envolvem quarks que emergiram um microssegundo depois ou das mudanças que o leítor (nào) sofre em função do que
dO Big Bangz acontece aos quarks pn'm0rd1'ais. Assim, Lalvez nem todas st
O que está em causa é semelhante ao problema ame- propríeclades relacionais sejam propriedades intrínsecas,
rior (~«Será que lOdOS 05 predícados expriruem propriedades propríedadcs com relcvàncía mecafísica para os particqu
genuínas?») . só que agora não se trata de saber se sáo genuí- res envolvídos
nas as relações expressas por estes predícados relacíonais - Imagine-se que temos boas razóes para aceitar a ideia
parecem perfeitamente genuínas, e nâo meras construçóes que parece bastante intuitivaL de que nem todo 0 processo de
línguísticas - mas antes se tais relaçóes constítuem. em algum perder e ganhar propriedades relacionais - ainda que sejam
sentido metañsicamente relevante, atributos dos particulares genuínas propriedades relacionais e náo meras pmjecçóes
envolvídosz serão propñedades íntrínsecax ou ext1'ínsecas? linguísticas - gera mudanças genuínas nos partícular'es envoL
Podemos pensar que as propriedades relac1'onais, só por vídos. Nesse caso, temos também razóes para levar a sén'o a
serem relacionais são extrínsecas e que as propriedades nã0- hipótese de que a propricdade relacional de esmr localizado
0 QUE E x MErAFísuM 285
284 TODOS OSÍ SONHOS DO ML .\D0 E OLTROS 'E'\.'$AIOS

num dado momento do tempo nâo tenth só por si, qualquer propriedade relevante para a m udança genuínzL C)m, temos
1^clevàncm memfísira no que respeita à natureza clo parLiCular mzões independemes para pensar que ism ê falsrL Log0,
em cnusa - ainda que se trate de umu propriedade genuinm temos razóes índependentm pam pensar que d rcsposta à
Deste modo. teremos uma razào independente para rejei- objecçâo nâo é prornissora.
tur que a 10L311'221L_'ão cemporal seja uma propriedade como Neste ponto, contudo, o defensor da ideia de que os
oucra qualquer - se acaso mmos cm mente propriedades particulares nada são senão feixes de Lmiversais tem uma
responsáveis por mudanças genuínas nos part1'culares. Pelo resposta promissurau Ao argumenmr contra a sua respusta
contrário, remos razóes para pensar que as propriedades à nossa objecçào. defendemos quc a Iocalização te1-._.)ora1
rekmionnis sào. por \'ezes, responsáveis por meras mudzm- não é relevan r.e para a identídade no sentido em quc ie um
Ças cie Cambridgez motdanças que nâo são genuínaax :'\ssim, parúcular se límítar a persistir no temp0. sem sofrer qualquer
o simples facto de um parúcular esLar sempre a perder e a outra nmdan_ca, é o mesmo particular que erzL OrCL o defem
ganhar propríedades relacionaís quanto à sua Iocalização sor da Leoña dos feixes pode agora fazer noLar que se a mem
Lemporai náo é relevante para pôr em causa a sua idenrjdade mudança no Lempo nâo é. só por SL uma mudança gennína. e
ao longo do Lempo. se aceitarmos o mesmo quanto il mudançzl de localizução no
espaço, o que parece razoáveL entào nào r,emos razóes para
añrmar que co-exemph'ñcaÇóes dos mesmos dois universaís
3.5. Feixes, identídade e tempo de uiangularidade e brancura que ocorram em momentos
díferentes do tempo ou em lugares diferentes do espaço não
Retomemos a ídeía original de que um particular não é podem constituir exactamente o mesmo particulan nume-
senào um feixe de uníversais; a objecção mencionada é que ricamente o mesmo, só porque têm diferentes lurnlizaçóes
nada parece impedir 05 universais da Lriangularidade e da espác1'0-temporm's. AñnaL a e b não sâo numerícamente o
brancura de serem repetidamente c_\'emplíñcados. Porém. mesmo se e só se um deles tíver propúedades quc o outro
neste caso, teríamos vários part1'culares, com diferemes loca- não tem. Porém, sc a única diferença de propriedades emre
lizaçóes espácio-temp0rais, mas um mesmo par de universais eles é uma diferença de propriedades relacionais quanto à
co-exemplíñcados isoladamemà Dado que uma COÍSCl não localizaçâo espác1'o-tempoml. e se concordarmos que esms
pode ser duas, parece que os particulares não podem ser ape- propriedades relacionais podem 1imimr-se a introduzir
nas feixes de univcrsaíí A resposta a esta objecção envolvia mudanças meramente de Cambridge, mas nào mudanças
considerar a propriedade relacional de estar localízado num metañsicamente genuín35. entâo precisamos de algo mais
dado momento do tempo Como uma proprieclade cuja posse para añrmar que a e b não são numericamence idênticos. E se
ou ausência seria relevante para a identidadez mas Lemos acaso forem numericamente ídêntícos. a objecção à ídeia
razóes inclependentes para pensar que isto é falso. Log0, de que um partícular é apenas um feixe de universais nâo
temos razócs índcpend ' Ites para pensar que a respostzx à l colhe. Esta rcspOSEZL contudo, Lem uma consequência estra-
¡
objecção não é promissorm : nhaz poderíamos contar dois triângulos brzmcos ao passar
Mém disso, a resposta à objecção era tal que tomava ¡ algures, porque estañam em 1ugares diferemes, apesar de.
impossível a identidade de qualquer particular ao lcmgo do numer1'cameme, ser apenas um triângulo branco. Por esta e
Lempo. Uma brcvc discussào localizou o pressuposto oculto outras razóes, poderemos desejar explorar alcernativas que
na argumentação: a ídeia de que a propriedade relacional nos permitam compreender a natureza dos particulares.
de estar localizado num dado momento do tempo era uma
TODOS 05 5()'\.HQS DO \lL›NDO E OUTROS E\.›S-\l()5 0 QUE E A '\«,1ET.-\Fl>l(v.\> 287
286

<
.“›”.6. S ubstámia meme que quanclo xubstituímos uma dcssas pranrhas nãu
dxzcmos quc o barco dct Tescu deixuu de Cxisun (.(›u(ud0. ao
Talxez exigm cfcctimmeme algo que seja O funclmnemo longo clo tempo mmos substituindo \ ãrías (le<~.as pxanchas,
omológíco último de toda A prech'caçào, aquilo sem o qual 05 até chegar a um ponto em que r_c›dus as prandms oñginuis
unívenais nâo puderiam serexen1p11'f1cac105. Chamemos~lhe do barco de Teseu tbram substítuícla_5. Estamos ainch perante
-«5ubs[ància». Podemos defender ideias rlif6r6nhf~ quanto o barco de TeseuF
à substànc1'a. em parte CIH função do que u'san'u_)s explican Se responclermos que 5im, teremos uma Cliñcxlídacle
">c tuclo 0 que quercmos explicar é n funclamenm mctafísico O nosso vizinho foi g'LlaI'c121rLd(.'› as pranchas velhas que fomos
da predicação, podemos insiscír que a substância é apenas retirando do barco de TÊSCLL Agora quejá ;15 tem todas.
o substrato de Loda .1 predicação. Esta concepção de suhs- reconstruiu o barco. Por que razão não é este o ba'co de
cância é compativel Com a ideia de que nenhuma substància Teseu, em vez do nossoP E se e como podem doís parúcula-
existe sem propriedadesz nesta acepcña a substámzia náo é res compostos de maléría ditbreme scr um e o mesmo c ter
um indiv1'duo. umzt enlidade Completa, últíma. ou. «:omo diferentes loculizaçóes espácio-t<=.mporaisE
por vczes c diz. um ~<.1"t0mo ñlosóñco». Consequememente, Se respondermos que nào, Lcremos de explicur quando
0 panidál 10 desta Concepção dc substâncm concorda quc deixou 0 barco de Teseu de existir e porquê. É implausível
quand.o. em pensamento. retíramos uma a uma Lodas as dizer que substimir uma prancha num barco an'iquí1ao barco
propríedades de um particulan 11Lh'.a parcce sobmr. .\'ada origínaL Nesse caso, qual foi a prancha CLga cxtracção ani-
sobra. efecu'vamente, porque um indivíduo é sempre uma quilou o barco oñginalF Ou quantas precisanlos extrair para
substância com uma ou mais p1^opn'edades. e não apenas uma aniquilar 0 barco originalF
substància isolada Nesta acepção minimalista de substância. Uma dns motivaçócs para ter uma teoría da 5L1b'.stància
nào se está obrigadh a considerar que a substância é uma é precisamente explícar a identidade dos parliculares ao
entidude subsistenle por si mesma. longo do Lemp0. Explicariamos a identidade de Sócrates ao
L'ma altemativa é conceber a substância como um indíví- longo do tempo. por exempla apelando para uma mcsma
cluo que subsiste por si mesmo, Ienha ou não propriedades. substância que sofre várías alteraçóes no longo do rempo.
ao passo que as propriedades sào entidades sem existéncia E pocleríamos argumentzxr que nem todos os particulares
independence. Isto parece fuzer da substáncia um parlicular são substánciasz em alguns casos, trata-se de aglomerados
nuz uma emidade completameme desprovida cle propriedm de subsnâncias. caso em que as suas condiçóes de iclenúdade
des. mas que pode recebcr propriedades. Como seria p0'\- sáo dífe ren tes das condíções de íden Lidade para 5ubstinc1'a.s.
siveL neste Caso, distinnbúr as substáncias emre si, ou como :\.ssim, o burco de Teseu nâo seria uma suhstância. rnas antes
poderíamos defender que há uma única substância. é algo um a.__-rlomc.1ido de substánci.1'-s. E as condíçócs de ídcmi-
que não podemos explorar aquL dade de agiomerados de substâncius sào cm grande parte
Convencionai51 dcpendcm dos nossos imeresses. Contudo.
no caso de Sócratesx ou da iguax u ídcnúdade ao Iongo do
3.7. O barw de Teseu tempo é uma questáo de haver uma mesma substància que
vui ürranímndo e perdendo propríedaues de um cerm genera
C<)nsídere-se o hnrco de TCSCIL L'ma vez que é inteíramen- mus nâo de OLIUOl val perdendo c ganhando propriedadcs
rc consmuído por pranchas dc xnadvirzL é períodicameme acidenlais. mzxs retém IOdZiS ns SLuLs propxicdades css< .~cíais.
rep'.1rn(ío. subsríminrlo Jlgrumas daqueias planchaxx Ccna-
288 TODOS OS SO\."HOS DO MIJXDO E OUTROS ENSAIOS 0 QUE E _›\ \.u-:TAF13U:A.> _"'”59

3.8. Propriedades essenciw hercla as cliñculdades da posição brevemente cxplorada de


que um partícuhlr nada mais é do que um tbixe de nníwfrsais
Consídere-se 0 cnsn da águzL Uma propriedade essew co~exemç vñcadmz Para ver porquâ i1n'ag¡'nP-se que Sócrates
cial dZI água é, aparentemente, a sua composicào quimicm nada majs é do que um conjunto de propriedades indiúdw
ser H__O. Se uma dada porção de água for realmente H°_O, adoras. A menos que tenhamos uma concepçáo especial de
não podcrizL aparentemente, não ser H__,(); mas se cstiver propr1'ed;1des, nada parece impedir que estas mcsmas p1'c›-
frCSCLL poderia õYÍanlCIUCIItC não o estan Esta última é uma priedades pertençam a maís de um objecro, sc os ccmtzumos
propriedadc aciclcntal da água. Uma substância tem uma em termos de Iocalizaçào no tempo e nO espar;o, ainda quc
propriedadc aciden tal quando pode perdê-la. sem deixar cle todos esses particulares fossem numericamence o mesm0.
ser a mcsma substância; ao passo que ccm uma propriedade Sem 0 Conceico de substância para garnntir que cada pa.rt.1'~
essencial quando nâo pode cleíxar de a ter sem deíxar de cular seja irrepetíveL as propn'edades, ainda que essenciais
ser o que é. e ind1'w'duadoras, não desempenham adequadamente esse
Caso um particular perca propriedades essenciais, muda papeL a menos que tenhamos dclas uma concepção especiaL
a substância: perde-se a idencidade ao longo do tempa Uma
porção de água por exemp10, pode Certamente sofrer uma
lransformaçãa quando o seu oxigénio é consumido e resta 3.9. O pwoblema da composiçâo
apenas o hídrogénio ›\.\'este caso, a porçào de água desapare-
ceu. transformando-se noutra coisaz não éjá uma porçào cle Consideremos de novo a añrmação «A estátua de D.José
água, mas antes uma porção de hidrogénio. Por outro lado, é de bronze». Neste caso, não estamos a fazer uma predicaçâo
quando a porção de água ganha e perde várias propríedades Como a que ocorre em «Sócrates é humano». Estamos a falan
21cidenmis, continua a ser água desde que retenha as suas pro- ao invés, da constituição da estátua. da matéria de que é ÍÊÍtzI
pricdades es~.;r~;nciais: neste Ca5'o, desde que continue a ser H__,O. Porém, que relação existe exactamente entre a matéria de
Algumas propriedades essenciais são individuadorax que é feita a estátua e 21 estátuaF Parece razoável pensar que
outras não. A propríedade essencial que a água Lem cle ser a matéria de que é feítu a estátua é uma condíção necessáña
HqO é i11d1'viduadora. se for verdadeiro que só a água é HOO da idenúdade da estátuaz esca não sena a estátua que é. ainda
e q_ue Ludo 0 que for H_,O é água. C.on(udo, admitindo qhe que tivcsse a mesma aparênc1'a, caso tbsse feita de cerâmica,
a propríedadc que SócríaLes tem de ser h umano é essenciaL ou de um pedaço diferente de bronze. Contudo. a matéría
esta não é uma propriedade essencial índíxiduadora, dado de que é feita a estázua nâo é uma condição suñciente da
que há muitos outros seres humanc›s. E nem o código gené- sua idcnúdade, dado que antes de a estátua ter sido fcitajá
tico de Sócrates é uma propriedade essencinl ind1'w'duadora, exiuía o pedaço de bronze A estátua nio é. pois. idénúca
porque dois irmãos gémeos ' - úindeíros têm o mesmo códígo ao peclaço de bronze de que é fe|'ta. Nesse caso. quantos
genético, mas são dois particulares e não um. particulares afmal existem quando estamos perante a est..'ítua
Um Crftico poclerá objectar que náo precisamos do Con- de bronze? Um ou d0is?
ceito de substãncia para dar conLa da identjdadc dos particu~ Se Considerarmos que diferentes condiçóes de identí~
lares ao longo do tempoz bustam ab propúedacles essenciais dade determinam diferentes parutularei parece que con-
índ1'w'duadoras. Deste ponco de vista, bastaria um particular cluiremos que estamos peran te dois particularesz a estátua e 0
manter as suas propriedades essenciais indíviduadoras ao pedaço de que é feita. Todavim isto parece víolar 0 pnncípío
longo do Lempo para mancer a sua identidade. Esta posiçáo intuitivo de que nenhuns dois par'u'culares podem ocupar o
mrwnmum
2'90 TODOS OS SOVHOS DO MUNDO E OUTROS ENJÊAIOS u QUE E A \.lE'l'›\FÍSlt,:\" 291

mcsmo cspaço ao mesmo tempa C.'ontuc10. é defensávd que e uma personagcm ñccionm nào podem ser rn_1mericameme
nem todos os parricularcs sào 5ubsníncias e que só C'Sf.,.-'\$ Lilti- idêmicas. pois tém pnnpriedadcü ínccnnpaLívdsx Por cxerw
mus estão impedidas de ocupar o mesmn espaço no mesmo plo. as pessozu rcnis são ..rn';tdas por outras pcssomz b›o\0gínz.~~
temp0, se forem difcrentes. Para ver porquê. consi(l<=.n.=-~:e de menlez ao pasao que as personagens ñccionais são criadas por
novo 0 caso da Jgua. L\'enhumas<h1a5 porçóes de água distin- outras pessoas. não biológica mas antes narrativamen.vc. por
Ias ocupam o mcsmo lugar ao mesmo temp0; mas Lalvez uma e.\'empl<:›, ou picu›'ríca¡nente. Ora, ncm as pessoas reaís são
estátua não seja uma substâncim mcsmo que a matéria de que críadas por outrns pessoas narrativamenta ncm as persona~
é feita Luua substánciam IÍ' .a estáma poderã scr uma con- gens de ficçâo são Criadas por outras pessoas biologlcamenta
ñguraçáo de uma dada substáncía - 0 hron7.e, no nosso «.11$r:›. Os dois géne:-›s de propriedades parecem nãn apcnas bas-
Desw ponto de v:'.~ta. (_›s escultores não fazem esr'.i[Lla.s, no sen- mntc d.15r.intos, como i11(“.0mp;1tívm's.
[¡. .'-o de fazerem SleStâllCía.S'; o que lezem cE dur uma ccrta Con- Contudv é perféitamente raznável dizer un Êherlock
ñguração a umzl dada substância. ou agregado de substânciasm Holmes ex1Ístc, numa certa acepçâo do termo. Talvez não
exista na mesma acepçáo em que Aristótcles exístiuv ou em
que o leítor existe. mas se não exístisse Sherlock Holmes
3.1 O. Existéncia Como poderíaxnos dlzer verdades sobre eleÉ E há muims vc'r-
dades que podemos dizer sobre ele, nomeadamente que é
Considere-se as aflmlaçóes «An'stóteles existe» e «<Sherlock uma criaçào líterária de Conan D0y'le, que. nas histórias por
Holmes existe›-. O que se nos oferece dizer. sem grande este cr1'adas. morava em Baker Street, que era muítíssimo
reñexão. é que a primeira é verdadeira e a segunda falsa, se hom a raciocinar e que Línha um amigo médico chzmado
entendermos que em ambos os casos queremos dizer que «\\'atson». Tudo ísto parece perfeitameme verdadciro, e tudo
existe ou existiLL Porém, e se qui<ermos incluir em «existe» isto parece dizer respeito a Sherlock Holmes. C.'<:›r1tudo. se
0 sentido futuro de oexisúra'»? Poderá Sherlock Holmes vir este não existe. como poderia tudo isto ser verdadeiroP
a existir, apesar cle nuuca ter existiclo? Aquí,ja' hesitamos Que talvez algo esteja errado neste raciocínio tornmse
sobre o que dizer. patente assim que nos damos conLa de que podemos usar o
L'ma das diñculdades é que Sherlock Holmes é uma per- mesmo géü tro de raciocínío para defeuder que para poder~
sonagem de ñcção literária, criada por Sir Arthur Conan mos negar .1 existéncia seja ao que for temos primeíro de
Doyle. Poclerá uma personagem de ñcção literária, que supor que exisr.e. Por exemplo, imagin6~SC que comcço a
nunca existiu na mesma acepçâo em que o leitor existe ou falar de Asdrúbal cla Cunha Fílhq que tem a Cnracterisúca
.~\Iistóteles exisúu, w'r a exístirF Como seria tal coisa? ínteressante de nào exisún nunca Ler cxistido e nunca úr a
Pelo menos à pñmeira w'sta. parece que c aparccimento existin Teremos de aceitar que exíste para poder dizer que
de alguém, daquí a uma semana, que obedecesse a mdas as não ex.*1'ste? Algo parece erTaclo aqui. \«_Ia5' o quéF
descriçóes de Sherlock Holmes (excepto us que dizr m rcs~
peito à sua Iocalízaçáo LemporaD nào seria um caso óbxio
em que diríamos que era realmente Sherlock Holme>, dírí- 3.11. NIodos de existéncía
amos antes, talveL que por uma coincidência Curiosa Linha
aparecido alguém muiLo parecido Com uma personagcm de Os nomes própríos sào fonte de perplexidadc memf=ísica
ñcçâo, mas que essa pessoa real não era a tal personagem porque nluitas vezes funcionam apenas cumo cuquetas :1trí-
de ñcçâo. AñnaL argumenmríamos Lalvez, uma pessoa real buídas OSLensivamemcz dndo parecer óbúo que nío podõ
392 TODOS OS SONHOS DO \.Í['NDO E 0I_'TROS E..\'SAIOS 0 QUE E A METAHSICA> L,”-).'›"

mos pór etiquetas ostensivmnente excepw no que crxiste. poclerá nzlefénder que esLes não cmistem no mesmú sencidr_›
parece que Ltsur um nome próprio é pressupor que algo em que existem os pmíimllareax ainda que nmbos existanL
cxiste ch seja a rcfcrência do nonwz Na Vcrdade. u logica A c.\'istêm;ia náo é unívucax poclerúequ dízezt
clássim parece pressupor que Lodo t:› nome usado na sua A nossa hcsimcào com <'› Caso de Shcrlouk Holmes deve~se
linguagem refere alga A fórmula seguinte é uma verdade talvez ao facto de náo estarmos perzmte um nome que careça
lógica na lógica Clássicaz em absoluto de refereme, nms antes perame um nome que
refere uma entidade de ñcçâo. Daí que tenhamos ínclinação
3xx= u para dizer que numa certa acepção Shex'.' ck Holmes nãQ
ex1'stc, mzls exism I'1()Llll“21. Toclavia, aceitar l>'[() nño implâca
Scja s<a»› o nome que f0r, esta fórmula añrma que existe accitar que a fórmula acimu da lógica clássica é rcnlmeme
isso que tal nome nomeizL Como seria de esperan mnitos uma verdade lógicuz pelo contráñtm podemos ínsistir que a
lógicos e ñlósofos rejeitam que esta fórmula seja uma ver- sua negaçâo (Vx ax = a) é verdadeira. em alguns rasos de
dade lógica, e propóem lógicas altcmativa5. (Í.'ertamente que alguns nomes. Para ver poquLê. 1'magine-se que esúpulo que
numa linguagem artíñciaL como é o caso cla logica. pode «Afrânio» é o nome do primeíro ser humano capaz de n'ajar
mos exigir que se use apenas nomes que tenham refercmes. maís depressa do que a luz. Imaginese aínda que ningjjém
P0rém, na linguagem corrente parece evidente que usamos pode viajar mais clepressa do que a luz. Parece entâo que 0
muitos nomes de particulares que nâo existem, pelo menos Afránío não existe, nem sequer ñccíona'hnente. Eis um a tal
na mesma acepção em que 0 leitor existe. que, como añmm a fórmula cn tre parênteses, clado qualquer
Imag1'ne-se que todos os nomes próprios foram introdu- particular x, x nào é a.. E não temos de aceitur absurdameníe
zidos ostensivamente. Esta é, ew'den(emente, uma imagem que 0 Afrânio existe para que possamos dízer que não e_\'isce.
simplísta do modo como funciona a linguagan mas poderá Contudo, olhe-se de novo para a fórmula que añrmamos
ajudapnos a compreender melhor 0 enígma dos nome$ sem verdadeíra, acerca de a. Eis uma maneim ermda de <:\'ph'cnr
referente. Se todos os nomes f<:.o nm introduzídos ostensíva< por que razão é ela verdadeira, na situaçâo que im.1'gina.l'nos:
mente. isso quer dizer que só pelante Aristóteles 0 nome dado que não há qualquer a, a fórmula é verdadeira porque
x<:\.r1'sto'teles» to'i introduzído na linguagem. por exemploz c añrma que qualquer coisa que tomemos nào será o refereme
assim para todos os nomes. de «n›.›. Que isto está crrado vê-se assim que nos damos conla
Mesmo nesse Caso. o nome «Sherlock Holmes» podeña de que a fórmula nada diz realmente acerca do nome ~<a»; na
5er introduzid0, ainda que, em rigor, não fosse ostensiva- verdade. limita-se a falar de a. e não do nome «<a~>. E. como
mente, mas antes descricivamentez é Como se Conan Dovle é óbvio, é muito diferentc falar de um nome de usar um
nos dissesse que «Sherlock Holmes» é o nome daquela perso- nomez 0 nome «An'stót.ele:~~› Lem 1eLras, mas Arisróteles não
nagem que descrevc nas suad narrarivas. É quase uma osten- tem letras. e Aristócelcs tinha pulmóes. mas «.-\risco'telcs»
sào. mas a diferença está no que é objecto da ostensàos não não tem pulmo'es.
uma pessoa reaL mas uma personagem de ñcção, uma ñgura Assim, a fórmula nada añrrna, de facto, sobre o nome
narratísz Contud0, isto parece ímplicar que afinal Sherlock «a»; o que a fórmula faz é añrmar que nacla do que existe é
Holmes existe - apenas não é uma pessoa reaL Poderá haver idêntico a a. Tod21n'a. agora não é assim tão óbvío que não
d1'te'rentcs acepçócs de existénciaP tenhamos dc admítir que a tem uma certa realidade para
Num certo Scntidu, já ximos que há diferemcs acepçóes que possamos dizer que não existe no sentido em que as
de existéncíaz quem defcndc que há universaisx por exempla outras Coísas existenL Ou seja. parece que Lem de exisúr
4
,. .,.M
TODOS 05 ÊONHOS DO ML NDO E L).',' FRUS |í\'§.-\Il)2>' o QÍJE É .›. XIETAFLÊHíñt ..'“í,
296

Uma \- -z mais, a seglmda prcmíssa só pode ser conhecida pois. de um teorema simples da lógich Se acloptarmos o
pela cxperiéncizL Isto sigmñca quc só pela expe n'êmtia pode- princípio Cle quc us ¡'esulr_ados cientíñcrb devem ser aceircs
mos eaher que a conclusão é xc^trr_lar.lci1“d. ()1'a. a C1')1]ClLlSZi-O, em ñlosoña a menas que Lenhamos fones razões corxtrár1'as,
cumo no caso :1n[eri0r. é uma Lese essencialistzL Daí que se este é um resultado que devc ser ac<eite, a menos que tenha-
possa chamar ~naturalizado~› a r:'ste género de essencialism0. mos fortes razóes concrárias.
(_Ínntudo. que razões temos para pensar que a primeira Dado que a premissa r_.*ondicional é a partc do aroub'mento
premissa cle ambos os tipos de raciocím'o, a premíssa condi- a favor da exísténcia de necessídades n1c=.tu.-:^~,;ir;as que mais
cionaL é verdadeiraP obvíamente pode .~:er posta cm questào, e clado que cemos
uma demonstraçáo lógica cla sua ve rdade, cemos boas razóes
para aceitar que há necessidades metafísicas2
4.9_. Necessidade dzz identidade

Segundo a tese da necessidade da identidade. as iclen- 4.3. Contra as necessidadas melajísitus


tidades verdadeiras, como ~<António Gedeão é Rátnulo de
Çarvalho-›, são necessariameme verdadeiras Exprime~se, As necessidades metañsicas não enfrcntam todas as mc›-
como acima. com uma condicionaL mas geralz mas diñculclades. A necessidade da ídentidade é bastante
menos problemática do que outras necessidades metafísicas.
Se o partícular a for idêntico ao particular b, então como 0 caso mencionado da água No primeiro Casov temos
necessaríamente a é idênúco a b. uma demonstraçâo lógica da sua condicional crucíalz no
segundo, não. .-\ssim, é possível resístir aS necessidades metav
Eís um breve argumento a favor desta tese Começamos físicas do seolamdo tipo, aínda que aceitemos as do primeir0.
com Lxma aplícaçâo do princípio cla indíscernibilídade de Que argumento poderá haven contudo, pam resxstir a
idénticosz se a é idéntico a b. entào se o primeiro Lem uma todas as necessidades metafísicaay isto para defender que

._. .
dada propriedade, o segundo também a tem. O segundo as únicas verdades necessárias sâo conceptLlais, e nâo meta~
passo é auñrmnr a Lese tr1'w'al da necessidade da auto-identí- físicas? O argumento não poderá consistir apenas em insis-

. .~
dadez dado que as verdades lóogcas são verdades necessárias tir que só as verdades conceptuais podem ser necessán'as.

.
e dado que é logicamente verdadeiro que a é ídêntico a a, pois isso é precisameme o que está em questão. _-\rgumentar
.SCg'L,lô-Se que a é necessar1'›.1'mr>.ntc-í idéntico a aA Ora, isto SÍng que nào há necessidades metafísicas porque estas não <ão
ñça que a tem a propriedade de scr necessaúamente idéntíco verdades conceptuais é Como argumentan no século _\'I.\:.
a a. Pelo princípio da indiscerníbilídade de idênticos, b, dudo que as mulheres não devem ter clireitos pOlíliCOS porque
ser idêntico a a, tem as mesmas propriedades que tem (L, são mulheres.
zomeadamentc tem a propríedade de ser necessariamente Outra maneira pouco promissora cle argumenmr concm a
ídéntico a a. Concluímos, poís. o que queríamosz supondo existéncia cle verdadei necessáñas que náo sejam conceptuais
._ . ›.«_w. -w».

que a é idémico a b, concluímos que a é necessaüamente é insistír que quando conhecemos algo empíncamentc sem
ídêntico a b. ser pelo pensamento apenas, sabemos que ísso é de Lal e tal
Esta é uma versão informal de um raciocínio que pode ser
demonstrado logicameme e que é discutido por Ixn"pke no g mod0, mas não sabemos se é ou náo necessañameme de tal
e tal modo. Assim, Sabemos pela experiência que a água é
se u tàmoso artigo de 1971, « Idemívz ancl \.'ecessity». Trata-se,
í H_À,O, por exemplm mas não sabemos peln experiência que
29 l TOUCIS OS SUNHÔS l)O ›\ÍLH\'D|) k Ul'TRO\' L-'N\_»'\I(')S U QUE E A |\Íl'.I.-\l"l.3l(.A' 295

pum pocler wr ohjeclo cle ntínnçtçóes. Nesse caso, crw udo. a verdndes rleccseárias que nñn scjdm lógicas. mmelnáúcas ou
l(›'g__icz1 clássíca está COFICCLLL no .'1$.sevcrnr que Lodns m numcs anulíu'cas.'-
inlrndlumn um cr.\l'5[c'nlt“ no (,l¡">'uu"x0; c csm pusil ) ó mais
pluusívcl se tivermos em conm que não implicn que tudn o
que cxiste na ncepcão de ser olqiecto de discurso existe na 4.1. 1\e'cessidzzde memfzbúa
mesnm acepçào em que :\ristóteles ou 0 leitor exxisteny
Chama~se unecessidacle mtttafísiczv a.›" hipotéticas \'erda-
des necesmñas que não sào verdndes lógícasy nem mcuen1ári-
-L Necessidade cas nem 21.1.1'lí[icas. Líma diferençu cruciul enrrc as nccessidm
des do primeiro grup0. a que chamaremns vconceptuais e
A necessidadc. possibilidndc c cnntingéncia são crymceitos as metafísicas é que estas últimas não sào estabelccidas com
importanles da mctafísica, e de ml morlo impormntes que base no racíocínio puro. como acontccc com as primeimx
é difícil ver como poderíamos pensar sem os Llsar. uinda Para ver o que isto quer clizer, tome-se 0 Caso da água,
que ao fazé .-) não nos apercebamos disso. A necessidade, mencionadoz a tese de que a água é essencialrnen Le HJO não
possibilidade e contingência são modaliuz .1c165 uléticas (do pode ser estabelecida com base no mciocínio puro p-0rque
grego aletheia, uverdadenk modos da \'erdade, Ou seja, uma inclui a tese dc quc a água é H.›O. que é algo que só podemos
añrmação é ve1'd:.1deira no modo da ner.essicladc, da possi- saber pela experiéncizL E se a Lese empírica de que a água
hilidade ou da contingênCiLL L'ma añrmação é uma \'erdade é HZO for falsa, a tese dc que a água é essencialmente H›,_O
nccessária quanda além de vercladeira uão poderia não ser é também falszL .~\35im. 0 raciocínio típico do essencialism é
\'erdadeira: é o caso da añrmação «Cinco mais sete é doze». um modus ponens:
Uma añrmação é uma verdade contingente quando poderia
nào ser verdadeiraz é o caso de «Sócrates nasceu em Atenas», Se a água for H__,O, será essencialmente H\,O.
se acaso ele poderia ter nascido noutro Iugan Quanto à pos- Ora. a água é realmcnte H\,O.
sibilidad6. é apenas a negação da necessidade da negaçâo: Logo, é essencialmente HJOÀ
añrmar que é possível que esteja a chover é añrmar que
nâo é necessário que não esteja a chover. Simeuicamentc a A segunda premissa só pode ser Conhecida pela expe-
necessidade é a negação da possibilidade da negação: añrmar riência; se só pudermos conhecer a conclusáo por meio de
que um dado triângulo tem necessariamente três lados é um raciocínio semelhance, entáo só poderemos conhecer a
añrmar que não é possível que esse tñángulo nào tenha três conclusão pela experiéncia pois tcremos sempre dc invocar
lados algo como a semymda prem1'ssa.
Os chsos mais óbxios de verdades necessáñas são as verdades Este género de racíocínio aplicmse _1 outros çasosz
da lógta e da matemáu'ca, assim como aw verdades analíúcas-.
Estas últimas sào añrmaçóes que podezazos saber que sào verda- Se .-\ntóm'o Gedeío for Rómulo de Carvalhu entáo
deiras exclusívameme com base no conhecímemo que texnos António Cedeio não podcria nào ser Rómulo
do signiñcado dos termos envolvidos na f1'asc. juntamentc de Carvalho.
com a sua esuumra sin tácticm o cxemplo oÀbvio é -<'\."enhum Ora. AnLónio Gedcão é Rómulo de Lhndho
solteíro é cnsad0». 0 que comrasta com «\L'enhum soltcíro Logo. António Gedeào não poderia nào ser Rómulo
rí feliz», que obviamente nào é analítíca. Contuda haverá de Cawath
M 4..
298 ÍÚDUS OS DÚNHOS LHJ MDNDO 'l.' OLíTROS ENSÃIUS 0 QUE É .»\ METAFISlCAr 299

a 2ígua é necessariamemc H,O; e como ccztamente nào 0 exper1'ência, por tcntativa e err0, que as vumos distinguíw 10
subemm pelo prnsLlInellU> ;1p_<rnus. se__,_v*ue-sc quc nÃo o subcu cntrc .si.
mos de tUdO em Lod<1›.
Esra maneím de argumentar é pouco promissm ›_v porque
defender qLu> não sabemos que há eA\'traterrcstres nào prova 4.~1. Induçáo e deduçãa
que não há c.\'[r21r,erres'Lres, apesnr rle a inversa ser trivial-
mcnte vcrchdeiraz se nàu há realmente extraterrestres. nüo Se houver necessidades metafísic2L9, o que se seg1_1c' daí?
sabemos que há extv.. Trrestresz Analoganmnte, mesmo que Podemos raciocinar sobre ist0., mesmo que não saibamos se
se prove que não cemus q Llalquer con hecimento de verdades há ou não tais necessidades.
nccessárias que não sejam verdades conceptuais, claí não se Ern primeiro lugan Considereáe as verdades úemíñcas
scgue trivialmente que tais verdades não existenL Poclemos tundamenmis Se fbr verdadeirn que a água é essencialmcnte
tentar argumcntar nessa dírecção, mas a implicação estã H_,O., entâo náo se conclui valia'an1ente. do simplcs facto de
longe cle ser triviaL unHa verdade ciencíñca ser logicamente c<_›~ ringenw_ que
Uma objecção maís moderada aceitará a existência de é realmente contingenta Assim_ se 0 único argumento a
algumas necessidades metafísicas, como a necessidade da favor da ideia de que a velocidade da luz é conringenta por
idenr.idade. mas não 0utras, como o caso da água. E a razão, exemplo, é o facto de esta nào ser estabelecida lógica nem
como vimr›5. é que no primeiro caso temos uma demons- matematicamen te, não temos boas razóes ainda para pensar
Lração lógica da conclicional CruciaL 0 que . ão temos no que a velocidade da luz é Contingente
segundo. Como não temos uma demonstraçâo lógica da O mesmo acontece com qualquer argumento induúva
condícional «Se a água for HK,O, será essencialmente H<,_O~›, Uma maneira de en tender 0 problema da1'nduçã› é añnnar
nãü temos qualquer razão pa_ra a aceitar. que, ao contrário do que ocoyre no caso dos argumenms
A resposta a esta objecção é que também não temos dedut1'vos. a verdade das premissas das índuçóes não exclui
dcmonstrações lógxbas das leis da física. mas nem por isso logicamente a falsidade clas suas conclusões. Por exemplo.
as abandonamos. \Lluitas vezes temos razóes indirectas a a verdade das premíssas da indução com base nas quais con-
favor da verdade dc uma dada tese, aceitand0-a pelo seu
sí cluímos que todas as porções de ávuaa são H\_,O, apesar de
poder explicativ0, por exemplo. No caso da água, se esna í só termos analísado um pequeno número delas, não excluí
não üver propriedades essenciais excepto as que podermos logicamente que algumas porções de água não são H_,O.
demonstrar log1'c;nnente que Lem, torna-se difícil explicar Contudo. se a água for essencialmente HQO, a verdade das
que os químicos se tenhcm interessado por um certo típo ã premissas da nossa indução exclui a.ñ-nal a~ falsidade da sua
de propriedades, e não por outro. .-\fma1, a água tem um 1
t conclusão, aínda que tal exclusâo não seja estabelecicla por
número inñnito de propriedadcs, mas só algumas delas sâo g meios lógicos.
reveladoras da sua naturcza.
O que o essencialista añ rma é que essas são as proprieda-
í Assim, talvez muítas verdades cíentíñcas sejam necessárias
ainda que sejam 1001D'L*arr1ente contingemes, e Lalvez muítas
des essenciais da água. ao passo que as outras são acidentaisz i conclusóes indutivas sejam bastante maís fortes do que ten-
mas só pela experiéncia aprendemos a destrinçar umas das 5 demos a pensar.
outras. Tudo 0 que trazemos pura a investigação da a'gua,
í1 Em segundo lugar, con51'dere-se a própria noçào de x-ali-
ainda antes de conhecermos a sua natureza, é que algumas dade lógica. A noçâo intuitíva cle validade kque as noçóes
propriedades serâo acidentais e Outras essencíaisz mas é por técnicas n'sam captar) é a secrucimez um argumemo dedutivo
31 W TODOS OS SUNHOb DO \.\|L'NDO E OLITROS E\.'b:\í03 o QL'E E A ME'. \¡-'l5'|(3.«'7~ 301

é válido se e só se é impossível que a sua conclusão seja falsa Porém, porque num argumento declutivo válido descobri~
e toclas as suas premissas verdnrleims. Om, se houver \-'t3r- mos esm impossibilidade peio pensmnento apenasx temos
dades necessán'.1's que nâo shejanl logicamente necessárias, tenclência para confundir as Coisas e pcnszlr que 05 meios
Lemos razóes para pensar que esta deñnição de validade está linguísticos que nos permítem saber dessa impossibilidade
errada, e que a nossa compreensão cla validade lógica precíaa são igualmente responsáveis por elzL Tr.›davía. se esta hipótese
de ser revísta estivesse c0r1'ecta, nenhum raciocínio poderia haver em que
Pois conside re~se a nñrmaçào «~:\n cónio Gedeâo é Rómulo fosse impossível as suas p1'enn's.~:as serem verdadeiras e a sua
de Carvalho~›. Se aceitarmos que esta é uma verdade necessá- conclusão falsa, sem q_ue o soubéssemos por meíos linguí5~
1'i;1. então 0 argumento ~<António Gedeão é simpátic0: log0, ticos apenas; znas há raciocinios clc'5'ses, como vímos; log<),
Rómulo de Carvalho é simpáúcon obedece à deñnição dada esta hipótese não está correcta.
de validade dedutiWL dudo que é impossível ter premissa
verdadcira e conclusão Íãlsa No entanto, o argumento não é
válídoz quem nào souber que AJILÓHÍO Gedeão é Rómulo de 4.5. Possibilia
Canalho e rejeítar a conclusão, ainda quc aceite a premissa,
não estará a cometer um erro de racíocínio. Compare-se com XVittgensteín nunca teve ñlhos, mas poderia ter Lido: não há
uma pessoa que nengle a conclusão de que António Gedeão qualquer espécie dc equídeos verdes. mas poderia haver. Estas
é portuguê5, apesar de aceitar a premíssa de que António duas afirmações parecem perfeitamen Le inócua5. e nào ape-
Gedeào e Fernando Pessoa são portuguesesz esta pessoa está nas no sentído em que compreendemos perfeitamente 0 que
claramente a raciocínar maL pois a Conclusào seguese logi- dizemz parecem verdadeíras, ou pelo menos plausíveis. C0n-
camente da premissa. tud0, há um resultado simples da lógica que parece alestar a sua
O que não temos, no caso do prímeiro arULDImenIQ é uma falsidade.
rota epistémica - como Edgington defende no seu artigo Podemos alargar a conhecida lógica clássica acrescen-
«Two .'ünds of Possibilityw - entre a premíssa e a conclusã0. tando dois opemdores, a CZiíXLI (D) e o cliamante (\>') , que sim-
apesar de ser metañsicameme impossível a premissa ser ver- bolizam respectivamente 05 operadores «necessariamence»
dadeira e a conclusão falsaL Porém, na realidadcjá é impossí- e «possivelmente». Numa das maneiras de o fazer. con tudo,
vel que a premissa seja verdadeira e a conclusão fal'5a- apenas rapidamente nos deparamos com a seguinte verdade lógicaz
nâo há como saber dísso por meios línguísticos apenas, sem
recorrer à expen'ênc1'a. Ôãx Fx -›3xÔFx
Duas hipóteses resultam de tudo istoz primeiro, que à
deñniçâo de dedução válida, para ser correcta, falta uma Esta fórmula é um resultado simples que não parece
cláusula epistémica. Nâo basta que seja ímpossívei ter pre- depeuder de quaísquer suposiçóes ou princípios que tenha-
míssas verdadeiras e conclusão falsa para que uma dedução mos razõcs para pôr em dúvida No entant0, 0 seu s¡'gn1ñ'cado
parece colídir directamente com a nossa intuição de que.
. .

seja válida; é preciso, além disso, que possarnos saber de tal


coisa sem recorrer à experiênCia, por meios exclusivamente apesar de \Vit[genstein nunca ter tido ñlhos, podería cer tido.
lógícos. Segundo, que é devido à natureza da realidade O que a fórmula añrma é que se for possível que exista algo
. -_.

extramental e extralinguística que é impossível que uma que seja F (p0r exemplo, que seja ñlho de W'ittgenstein),
dedução válida só tenha prcmissas verdadeiras e Conclusão então existe algo que é possivelrnente F Poderá parecer um
falsa, e nào dew'do ã linguagem, à lógíca ou ao pensamenta mero trocadílho, mas nâo é, Isto tornzrse mais Claro se pen~
. , . . w.
302 [»[1()s 05 50NHU5 nn MXJHDO l-. OLTROR FJMHUS 0 QLE E x Mmumr A> ws

sannus em nlguém quc dcfcndc quc Wir.Lg<,-nsteín poderia que csse algu Lemjá uma dadu <.'«›uíiguraçào. r.-omcadmneme,
rm tido um h'll1¡›. Esm pcssnn suposmmcnLc peusaqI.le21p(=.sar nào nos r.mnpmmere LUHI a ideia de quc esse algo já uma
cln não huwr qunlqucr pmsoa qur sçju ñlha <lc~ Wir.tg(-:ns- pessoa. E só porquc lemos esse compmmissa enadameme,
lcin. poclcrid haver csszl pcssozL '1*(›daviu, náo pcnsa que há que u fórmula parccc lãü (.'onr,1a-im.uítiu.
rvulmcmc alguém que pudcria scr ñlho clc Wittgcnstcim Efkctívamen te. quando pensamos que M ittgenstein pode-
E é e.s'u'idr:i;1quc purccc incompmível com a fórmula acima, ria tcr tldü um ñlho. nào pcnsamos que uma das pessoaa
(Ihamu-.se pmsil›ilzr,1, cm 11'lr›mt1'a, uo qne nãu cx¡'ste, mas que hoje existe podeña ter sido filha de Wittgenstein. O quf
pmlm igt CKiaLir - cumo r› tilho dc Witrgcnstcin. E 0 problema pensamos quc poderia cxisúr uma pessoa que nâo cxistñ
é que LCIHUb um reaullado SÍIHPICS du logiça quc afirma não quc fosse ñlha de Wirtbw:nstein. Ora, quaudo lemos a fú rmula
havcr pvwbilia. U quc purece u›'mrariar fromzllmcnte uma como se nos Comprometcssc com a ídeía de quc se Wittgeny
idcia quc dc uutm Inodu nàu Lcríamus raúu pam pôr em lcin pocleria Ler Lido um ñlho, cntão existe umu pessoa quc
(.';11¡-.;L É Llum quc podmnus rcver a nossa lógica, de modo a podcria ser ñlha dr:le, ficamos perplcx0s. Çomud0, nada
cvitar a tõrmula acima (a quc se chama «fórmula de Barcan», nos obriga a ler a fórmula clesse modo. A fórmula só nos
pois é um caso particular do axioma-c.squcma 1 l apresenmdo compromete com a ideia de que na circunstància em que
em 1946 por Ruth C. Barcan no arúgo «A Functional Cal- YVittgensLein tem um ñlho as entidades fundamentais do
culus of First Order Based On Strict Implication»). Porém, mundo estão combinadas de um modo difereme do que
o modo de o fa1.cr parecc artiñcioso e sem qualquer razào efectivamcme estã0; e isto é precisamente 0 que aparente-
indcpendcme exccpto o nosso dcscju de nào contrariar uma meme pensamos, se reñectirmos com cuidad0.
Comicção COIIIHIIL Náo poderá tal convicção eslar erradaP Contudo, as coisas não são assim tão simples, pois uma
Cons1'dere-se 0 que temos em mente quando pensamos pessoa pode muito bem argurnentar que náo há qualquer
que Wittgenstein poderia Ler tido um f1'lho, ainda que não razào para pensar que náo poderia haver mais emidades
0 tenha tido. Eosraremos a pensar numa Circunstância em fundamentais do que há. Imag1'ne-se que há um gazíliâo (um
que há mais entidadcs fundamentais no universo do qu as número que acaj ei de inventar) de enúdades fundamentais;
que efectivamente háP A resposta é que nãoz estamos ape- por que razâo añnal não poderia haver dois gaziliões de
nas a pensar que as entidades fundamemaís poderiam estar entídades fundamcmaísÊ Aparememente, nenhuma Iazão há
combinadas de outro modo. Analogamente, quando alguém para rejeitar esta hipo'tese. Ora. esta hipótese é íncompatível
faz uma casa, essa pessoa nada acrescentou ao mundo, em com a fórmula de Barcan. Logo, essa fórmula está errada e
termos de emidades fundamentaisz apenas combinou dS' coí- não é uma verdade lógica.
sas de maneíra diferentca Quando alguém faz uma casa, 0 \.'ote-se que quem assim argumenta não está comprome-
que constitui a casajá existia ances de a casa ter sido feita. tído com a ideia de que poderia realmeme haver maís enu'-
E o mesmo acontece quando duas pessoas geram uma dades fundamentais do que há; tudo 0 que a pessoa precísa
criançaz 0 que Constitui essa criançajá existia antes. Nem a defender é a possibilidade lógica de haver mais entidades
casa nem a criança víeram do nada; antes sâo resultados de fundamentais do que há, pois a fórmulu de Barcan, a ser
processos de transformação de coisas quejá exístíam. verdadeira, é uma verdade lógi<:3. De rnodo semelhante,
Com ísto em mente, podemos defender que a fórmula para negar que aEstzí a choven é uma verdade lógiCZL náo
de Barcan só añrma que se for possível que exista algo que precisamos de provar que nâu está a choven mas antes que
seja ñlho de Wíttgensteín, então há algo que poderia ser ñlho é logícamcme possível que nào estcja a chover. mesmo que
de Wittgenstein - ma5' não nos comprmnrte com a ídeia de esteja a Chover.
304 TODOS OS SONHOS DO XÍLÁNDO E OCTROS E\.'S.\l')S o QUÉ É .-\ \«.1~L"1'\FÍ.\'IL\" 305

Contudu. que razóes temos n f;wor da ideía de que pocle~ uma vez que é óhvio que não há pessoa algumd quc seja
ria huver mais enticlades fu¡1c1;-1n1en mis dn que háÍr Não pode possivelmelILe ñlhu de YVittgensteiIL
ser u ideia de que \\'1't[gensieín poderia ter tido le f1'lho. Isto seria uma razão forte pam abandonar a fórmula de
poisjá uhms que é defensável que isso é compatível Com Barcam nâo fossç dar-se o caso de csta fórmula exprimir
a fórmula dc Barcan Todos pensamos que podemos fazer simplesmenre a clistribuiçâo da possibilidade sobre a dis-
uma casa. mas nào pensamos que isso implica criar ex nilzilo ]unçào:
entíclades fund;in1611t3is. mas antes. e tã0-so', Combinar de
maneira diferente entídades Já existentes. A única razão Ô(Fa V Fb) -› tÍÔFa v ÔÍM
que temos a favor da ideia de que poderia haver mais enti-
dades fundmnentais clo que há é que isso nos parece iogi- Ora, estu é uma Verdade lógica banalz se é possível que
camenLe possí\ el. scm grande reñexàu. Purém. csta nào é Sócrates ou Platão sejam simpáticos. então ou é posàuel que
uma razão tbnà pois se. depois de Construir Cuidadosamente Sócrates seja simpático Ou que Platão 0 SEJZL Consequen-
um sistema c~.\'plíci[0 áe lógica, há um resultado que nega temente, temos fortes razóes para defender que é a nossa
tal aparêncíau e esse resultado nào depende de quaisquer compreensão deñciente do conceito de existência que nos
pressupostos obxiamente duvidosos, então 0 resultado em faz pensar que a fórrnula cle Barcan é fàlszL O ñlósofo br1'-
si é uma razào para pensar que a aparência inicial era uma tâníco Timothy NVilliamson desenvolveu recentemente, no
ilusào AñnaL talvez a quantidade dc entidades fundamen- livro JWodal Loozàt as Aletaphysim a ideiajá prew'amente men~
tais do Lmiverso seja, surpreendentemence. uma necessidade cionadaz 0 Conceíto puramente lógico de existência difere
lo'gica. da exístência empír1'ca. O conceito puramente lógico de exís-
A diñculcíude maís séria que enfrenta a fórmula de B's.r- tênria sionciñca apenas estar disponível para quantiñcaçâo e
can torna~se mais fácil de entender se con.<iderarmos cuida- predicação; nào signiñca que se trata de uma entidade com
dosamente 0 que signíñca realmente dizer que uma clada existência espácio-temp0ral, ou seja. emp1'n'ca. .-\ceitando
fórmula da lógica é uma verdade lógica C10n51'clere-se. por este conceito rarefeíto de exístênc1'a, a fórrnula de Barcan
exempla a verdade lógica Lrivíal seguimez torna-se trivialmente verdadeira, pois Ludo o que possivel-
mente ex1'ste, existe efectivamente no sentido lógico (ainda
Vx (_Fx -› Fxí) que nào empírico) do tem10.

ESLZIHIOS perante uma verdade lógíca precisamente por-


que represema a forma lógica de qualquer añrmação acerca 4.6. Mundos possívezk
de qualquer domínio de entidades, e mdas essas añrmações
são verdadex'ra.s. Ou seja, não ímporta se escamos a falar de Os conceítos de necessidade. possibilidade e contingên-
entidades fundamentais. ou de pessoas apenas. ou dc átomos cia podem ser traduzidos na linguagem dos mundos possí-
de zincoz em qualquer desses casos, é verdadeiro que todas veís. Esta linguagem tem clois aspectos muitíssimo dífe remes.
essas emidades quc tiverem uma dada propriedade F, têm Por um 1ado, é um dispositivo técnico da lógíca modaL que
essa propríedade. A5'*sim. se a fórmula de Barcan for uma nos pennite traduzir conceitos modais em conceitos quanúñ-
verdade lógica genuína, tcrá de ser verdadeim náo apenas Cacionais. Por outro lado, tem um certo apelo ímuíúv0. 0 que
corn respeito às entidades fundamentais, mas também com talvez permita compreender melhor os conceitos modais.
respeíto às pcssoas. E, claro, agora a fórmula parece falsa. Contud0. em ambos os casos, fxcamos com o problema de
y
306 TODOS OS SÚNHOS DO MUNDO E OLTTROS ENSAXOS u QUE E A \.H-.T.\l-'Ísl(I.-\? n
307


explicar o que são os mundos possíveis, por um lad0. e que mundo efectivo tenha qualquer prioridade. Deste ponto de
papel desempenham no que respeita ã modalidade. por vistzL os mundos meramente pwsíveis Lêm cxucmmentrr n
outrov mesma natureza do m undo efectivoz sào agrcgados (;0_mpl(-:-
Con51'dere-se o mundo tal como é. efectivamente; cha- .\'os de emidade5. e pelo menos algunms delas são concretdwz
maremos a isso <Imundo efectivo›~. Este indui tudo o que é Os outros mundos possíveis sâo [ãO reais quanto o mundo
efectivamente reaL íncluíndo entidades abstmctas. as há. efectivoz são como umversos paralelos ao n0550, mas sem
O mundo, tal como é. difere do mundo tal como poderia qualquer Conexão causal com o nosso. Esta é concepção de
sen mas nâo é.' se Sócrates pocleria ter nascido no Egipt0. 0 mundos possíveís quc Davicl Lewis desenvolve no livro On trz"e
mundo pocleria ser assinL mas não é. Chamemos «<mundos Pluraliqv of Hbríl - Nào é particuharmente populçu entre os
meramcnte possíveis» aos mundos que poderiam ser efecti- ñlo'snfos. nâo lecnds porque parece ofender o nosso sentído
vos. mas não sã0; quanto ao mundo efecu'v0. é obúamente de realídacle, mas tanIbe'v'- porque parece enfren tar diñcuL
possích pelo que o coqjunto d05 mundos possíveis inclui o dades xn0.'tais. \v'ejamos duas delas.
mundo efectívo e 05 mundos meramente possíveis. Añlrmar que Sócrates nasceu contíngentemente em .-\Le-
Temos agora uma maneira óbvia de traduzir as nossas nas é añrmar, na linguagem dos mundos possíveis. que ele
añrmações modais em añrmaçóes que dizem respeito aos nasceu em Atenas em alguns mundos possíveis e noquo lugm
mundos po›síveis. AssinL dizer que Sócrates é ateniense é noutros mundos possíveis. Porém. se os mundos possíveis
dízer que no mundo efcctivo elns é ateniensc Dizer que ele é forem Compostos de entidades concretas, como 0 mundo
possivelmeme egípcio é dízer que há pelo menos um mundo efectívo, Sócraces nào poclerá, em rígor, existir em maís de
possível onde ele é egípci0. Dizer que ele é necessariamente um mundo possível - pois se ísso ocorresse Sócrates seria
humano é dizer que ele é humano em todos os mundos rcpetíveL o que faria dele um uníversaL e não um particulan
possíveis. Fin:1-lmente, dizer que Sócrates nasceu Contingen- Assim. se quisermos manter 21 ideia de que os parúculares
temente em Atenas é dizer que Sócrates nasceu em Atenas sâo irrepetíveis, e que Sócrates é um particulan teremos de
pelo menos num mundo possíveL mas nasceu noutro lugar aceitar que Sócrates só existe no mundo efectivo. Toclavía, se
pelo menos noutro mundo possíveL o ñzermos, 1) ou abandonamos a ideia que Sócrates nasceu
Já ~_e vê que podemos traduzír a linolblagem modal numa comingememente em Atenas, dado que em nenhum outro
línguagem que quant1f1'ca sobre rnundos possíveisc «é neces~ mundo possível Sócrates existe e. portanto, nenhum mundo
sário que p» traduz-se por «<em todos os mundos possiveis, p»; possível existe onde ele tcnha naséído noutro lugarz ou 2j
-«é possível que p» Lraduz-se por «ern algum mundo possíveL inventamos uma nova maneira dc exprimír as añrmaçóes
p»: «é contingeme que p» traduz-se por «em algum mundo modais na linguagem dos mundos possíveisr Dado que a pri-
possível p e em algum mundo possível não-p». meim altematíva tomaria a linguagem dos mundos possíveis
irrelevame - todas as verdades sobre 0 mundo efecüvo que
envolvessem particulares seriam vacuamente necessárias - é
4.7. Crmtrapartes uma boa ideia explorar a segunda alternativa. Foi o que fez
David LemAs.
O que são os mundos po.s*síveis. exactamentâ E que Lewis defende que a traduçâo correcta de <«Sócrates nas-
relaçào têm com as modalidades.> Cma maneira de enten- ceu conüngememente em Ar,enas» é ~xHá um mundo possível
der os mundos possíveis leva sério a ideia de que todos os no qual a contraparte de Sócrutes nuceu noutro lugar que
mundos possíveis estão ontologicamente a par, sem que o não Ate.'1as, apesar :l-e, no mundo efectív0, Sócrates Ler nas-
TODOS 05 SONHOS DO MLNDO E OUTROS ENSAIOS O QL'E E .-\ \.lEl-áFISI(..-\'
308 7309

cidn em Atenas». (_'ma contrapartc de um particular dado é no quc respeita ao nosso Cubo efectixu Quamo à segunda
0 purtícular de outro mundo pmsível qum nesse n1und0, seja altenmciva, consiste em dcfender c ue IIESSP mundo possívcl
muis semelhante ao particular cle partídzL AssinL há vários 0 noâso cubo efectivo tem duas LOIIÍTZIPÉIT[C'S. P0rém, isso
munrrlos possíveis com paniculzlres que são contrapanes de signíñca que o nosso Cubo pode '.ser, s¡'1°r1ultaneamente. um
Sócralesz nesses lnLlHdOS, são OS parúculares mais semelhan~ cubo e uma esfera. Isto w'ola a 10'0'Iõ'ca inruítiva das proprieda-
Les a Sóçrates Estes partículares nào sào numericamente des em causm segundo a qual nenhum particular podc ser
idênticos n Sócrates, mas sào quah'tar,i\..)mente ídênticos a simultnneamente um cubo e uma esfera.
Sócrates. A segunda dificuldade clesm Concepção de mundos
Yejamos duas diñculdades a que esta perspectiva tem pOasíveis é a dessintonia entre os conceícos suposmmente
de dar rcsposuL Em primeiro lug3r, uma vez que as con- analisadus e elin1inados. por um laclo. e os conceitos usados
trapartes dc Sóc1 -.es nào ›ã0 numericamvnte idêntícas a para o fazcn por outro. O que A .~ rá realmente em causa nesta
Sócmtes, uada parece excluir a possibilidade de haver maís concepção de mundos possíveis é oferecer uma maneira
de uma contraparte de Sócrates num dado mundo possíveL de traduzir conceitos modais numa línguagem destituída
Isto torna~se m .*.'-'s fácil de compreender se pensarmos num de Conceitos modais. O conceito de mundo possíveL dcste
particular muito s¡'mples, com apenas Lrês propriedadesz é ponto de vista. não é modal: um mundo meramente possível
um cubo, é feito de aço e é branco. Num mundo possívei é tal e qual como o mundo efectivoy e estamos desde 0 inícío
onde Ludo é esférico e feito de madex'ra, excepto um prego, a supor que 0 munclo efectivo não tem quaisquer atributos
que é feito de aço, este prego é uma contraparte do Cubo; modaís. As'sim, elimina-se a linguagem moclaL falando ao
mas num mundo possível onde há várias coísas de aço e tam- invés cle mundos possíveis, que são entidacles exactamente
bém um prego de aço, a contraparte do cubo cle aço branco como o mundo efectivo. A díñculdade é que se os mundos
será um cubo de aço azuL E que dizer de um mundo possível possíveis não tiverem qualquer relação modal entre si, nada
no qual só há um cubo de aço vermelho e uma esfem de aço garante que possam desempenhar aclequadamente 0 seu
brancaF Neste Ca50, ou díremos que nâo há qualquer Contra- papel na análisc das añnnaçóes HlOddiS. Para xcr porquê,
parte do cubo de aço branco, ou que tem duas contrapartes. 1'ma010'ne-se que em todos os mundos possiveis há alñnetes.
Qualquer das altemativas enfrenta diñculdades. Imagine-se Isto é um facto bruto acerca dos mundos possíveís. e não
que defendemos que nào há nesse mundo qualquer Contra- podemos fazer seja o que for quamo a isso. Mas en tâo é pura
parte do cubo de aço verrnelho. A ideia aqui é que usamos e sírnplesmente falsa a nossa convicção de que os alñnetes
uma descríção deñnida («0 particular que...») para defmir são existentes Contingentes. Ou 1'm:1gíne-se que em todos
o conceito de contraparte e aceitamos a ceoria das descrições os mundos possíveís o particular maís semelhante a Sócra-
deñnidas de RusselL segundo a qual estas são falsas quando tes é sempre uma pedra azul; segilleác nào só que Sócrates
há maís de uma coisa que obedece à descrição dada. O prov pocleria ser uma pedra azuL como que essa é a sua nacureza
blema desta posiçâo é que noutro mundo possível exacta- mais genuína. Em resposta a esta diñculdade não se pocle
mente iguaL mas em que só há um dos particulares, ele é a defender que os mundos possíveis esgotam as possibilidades
contraparte do nosso cubo de aço branco. Isto é implausível lo'gicas, pois isso é admitir que há uma relação modal entre
porque signiñca que o que ocorre a um cubo de aço azul mundos possíveis - 0 que signitkaria que não se eliminou
possível ora é ora não é relevante para 0 nosso cubo de aço os conceitos modais, como se desejawa
efecu'vo, consoante se trata de um cubo que tem por compa-
nhia particulares que anulam ou não a sua relevância modal
SlH IUDÚS 0\' SO\H0\' Díl MLNDO E Ul' l'R()$ E\."Ç\\105 HQIIIñ 1~ \ MPÍ \H\l\ A 311

4.8. ÀIUdos de vr como u própnli 1'c-".alid;lclc:; na \c?rdadc. quundo LlSLIIHÚb o


recursn dos mundos poxhsíYCÍS na lúgicu HIHdlll nin esmmm
Tomos cermmcnte intuiçóes mmtu's. que poderão ser .'1 usar a próprin realidn<le. mus nntm (lesrrix;ñes da rvnlidndn
\'crd.-\dc'ir.15 ou tíllsast Lemos u intuiçâo cle quc So'cr;1tc.~.' nào Íi é à descri(,g›170 du rcullinludc Lal comu é quc chunmmus
podcria sc1 um chinelo ds quztrlm por cxmnplxx mas que umunclo Cbe“t1'\'o». c náo à próprin realídadc tal como cí
poderia ter nascido nu Egipto. PorénL quando pmlsnmos Quanto namreza dessn descriçñm podemos deixnr esta
isuL não parecc quc tcnlmmos em menLc outros munclos: questão em aberm - poderào ser descriçóes li1'1,.__rruísu'c215.
p.u'c-ce. ao im és. que temos em menre Snfc1"ates. e que é como frases ou atirmaçóes. ou poderào ser proposia3es. que
ucerca dele que temos imuições..\1inguagemsobre mundos, poderáo ser cntendidas dc diversas m.'mexr.1'.s'. Se entcndep
entendida COTDO ac1'ma. parece confunclir ns coisaan em vez mos as coisas dcste mudo, náo há literalmcntc um mundo
de as esclarecen possíveL no sentído dc um agregado de enúdades como o
Contudo. podemos exuender a linguagcm sobre mundos agregaclo quc Constitui a realidadcn nn qLul Sócrutcs tenha
de outra maneim. sugerida por Nathan Salmon em ~«The nuscido no Egipto, porque Sócrates não existc senào nn rea-
I..ogíc of “'hat Might Have Been». Considere~se de novo o lidade. O que há é uma descrição de um modo de ser de
numdo. tal Como é, .-\ expressào «<tal Como é» exprime um Sócmteg Clescrição que é parte cle um moclo de ser do mundo
modo de ser do mundo. ou da tomlidade das entidades do e que será verdadeira se esse for um dos modos de ser dc
mundo; ejá abre as portas à intuição cle que 0 munclo é de SócraLes_ e falsa caso comrário. AssinL se Sócmtes poderia
um mod0. mas poderia ser de muitos outros mod05. Um Ler nascido no Egipta esse é um modo de ser de Sócrates e
modo de ser do mundo é tal que Sócrates nasceu em Atenas; isso estabclece um modo de ser do mund0. 0 que permíte
outro modo de ser do mundo é tal que Sócrates nasceu no que añrmemoS, p1'torescamente, que há um mundo possível
Egipto. Falamos de modos de ser do mundo porque estamos no qw -.' Sócrates nasceu no Egipto.
intcressados na totalídade dos modos de ser dns entidzmlesz Deste ponto cle n'sta, não precísamos de inventar co¡1:ra-
mas. na maior parte dos casos. falamos apenas de modos de partes. pois Sócrates só há um - mas ele tem Vários modos
scr de alguns part1'culares, como Sócrates, ou de algumas de ser. E Captamos a nossa intuição originaL segundo a qual
substâncias, como a água. Falar de modos de ser do mundo é acerca de Sócrates que falamos quando dizemos que ele
tem a vantagem de nos permitir traduzir a linguagem modal poderia ter nascido no Egipto, e nào acerca de uma sua
na linguagem dos mundos possíveis. Isto porque passamos contraparte, e é acerca da realidade que falamos Lambém,
a entender os mundos possíveis nâo como agregados ma\.'i- dizendo que poderia ser diferente do que é: é de um mod0,
mamente completos de enúdades. mas antes como modos mas podeña ser de outro modo. Af1'nal, Lrata~se de estudar
de ser da tomlídade das entídades. Cada mundo possível é moda11'dades.
apenas um modo de ser da totalidade das cmidades. E isto é
a tradução, na linguagem Clos mundos possíveis, dos modos
da verdade - a conüngência, a necessidade e a possibilidadc 5. Outras questões
Um crítíco poderá argumentar que os mundos não
podem ser entendídos dessa maneíra porque o mundo efec- Abordámos alguns problemas cardinais da metafísica.
tivo não é apenas um modo de ser das entidadesz 0 mundo clássíca e comemporânea. A vastidão da área., e o seu renas~
eibcúvo é a própria toLalidade das entidades. A resposm a esw címento recente. torna discutível qualquer apresentação
o_bjecção é que o mundo efectivo náo tem de ser entendido sucinta da metafísicm ígnorámos temas quc poderiam Lcr
TODUS OS S()\4.H0\. DIA) \.I|_ NDO E ()L7TROb E\.'S-\l0$ 0 QL E E A :\Í'L.'T.›\Fl.\'l(w\r' 313

sido incluídos e incluímos temas que podelíam tex sido omi- da afirmacão de que Sócrates é humamy juntamente com a
údns. Dos temus incluído.s, añurámos apenas os primeiros sua ordeuL fhmmm lea trzlse verrlzuleim purque espelham u
pnssos da discussã0; e cacln almr11atim teóxéua e linha argu~ estrutura da realidade extmlinglLísticaz o parricnvllur Sócrates
memnrivu hrevemente abordadas obrigamm à exclusào de tem a proprieclade de ser humano.
muítas outru5. L'ma diñculdade desm perspectiva é dar conta cle añrma~
Terminamos mencionando alguns temas importantes cla Ções muitlíssimo gerais ou cle razoável complexidacle lógíca,
metafísica que nào puderam receber um tratamento menos como ~<Quandu os corvos se reproduzem no Inxerna a
smopuco. men-›s que algo os imptça, fazem um barulho infernal».
:\lém disso. nào sc vé pur que razão o isomnrñsmo seria
Jesponsável peía verdadez añnaL não é necessáno qualquer
5.1. Der"dade isomorñsmo entre a palavra ~<águan e a água para que o
termo reñra adequadamentc o que refere.
Consiclere-se de novo a añrmação «Sócrates é humano». Uma teoria deflacionism da xerdade procura mostrar que
Antes cle qualquer reñexão ñlosóñca elaborada. ,z›arece óbvio nada há Cle substancial no que respeita ã Verdade, além do
que esta añrmação será verdadeira se e só se Sócrates for Lruísmo mencionada Numa das suas encarnaçóebx parte-se
human0. Algo como este truísmo acerca da verdade foi cla ideia de que acrescentar /<é verd**-›,oieiro» a qualquer frase
expresso por .~\n'5tóteles, na zWeL'a/L'3ica: não acrescenta qualquer sigmñcado à frase on'ginal. Assim.
clado que
Dizer do que é que não é. ou do que não é quc é, é falso,
ao pd,'3o“"0 que dizer do que é ue é. e do que não é que nào é, é «Sócrates é humano» é uma aflrmação verdadeira
verdacleiro. (1011b25)
tem 0 mesmo signiñcado que
Porém. não se trata de uma ideia particularmente sur-
preendente. surgíndo também em alguns textos de Platão, Sócrates é humano,
como o Crátílo:
nada de metañsicamente substu ncial há para desenvolver.
O discurso que diz a.5 coisas como são é verdadeiro, e o que em termos de uma teoria da verdade.
as diz como não são é falso. (\385b) L'ma diñculdade desta perspecúva é que nem sempre o
predícado <«é verdadeir0» parece elímináveL Quando alguém
Ê no desenvolvímento deste truísmo e no papel que lhe añrma que de tudo o que o presidente disse, quase nada era
é atribuído numa teoría da verdade que diferem os t1'lo'sofos. verdadeiro, o predicado desempenha aqui um papcl crucialz
L7ma teoña da verdade como correspondência parte da não é fácil ver como o poderíamos eliminar e manter o sig-
ideia de que o truísmo da verdade pode ser adequadamente niñu io da frase originaL
de.senvolw'do, pnra dar corpo a uma teoria que explique o LÍma teoria identitativa da verdade ídenuñca as propo~
que faz uma añrmaçào verdadeira ser verdadeira. Numa das sições verdadeiras com a própria realidade, e considera as
sucu encarnaçóes defencle-se que há um isomorñsmo entre as proposíçcks OS portadores primáños de valor de Verdade; por
añrmaçóm~ verdadeiras e a reah'dade, isomorñsmo que não sua vez, as proposíçóes são objecto das nossas atitudes pro-
exíste no caso das añrmaçóes falsas. Assim, as componemes posicionaís (Crenças, desejos. etc.). Assim, Lome-se a crença

~L__^,
31+ TUDUb OS bUNHÚS DO MUNDU E UUYROS E\.'3.'-1(OS (r QH F r. \1F.Tu~f>'¡r.w'

de nlguém de que Sócrutes é human0. Deste pumo cle vista, porque Lornuria impossíwel clcacobrir que_ p01 v(:7.cs. algumas
0 <:›bjcc[o dcsta crença é a propcxsíção de quc Sócrates é das nossas melhmes tcorias são t-1115as.
humano. E u proposição é 0 prõprio Sócrates Com a pr0- Na su;1 cncarnaçào mais realí5ta. Consiste em sustentar
priedade -ie ser humano que o que consideramos que é \"el'dadei1'(). à luz das nossas
Uma diñculdade desm perspectiva é dar conta das pr0- Leorias nmis CLlidadoumen Le estabelecidas segundo padrões
posiçóes falsasx qnm muims vezes são objecto rlc CrenÇZL Evi- rigorosos de racional¡'dz1de. conrrolo dc erros e expcximentzr
dentemente. a proposiçào falsa de que Sócrates é um Chmelo ção sistemátim. Lcm maior probabilídade de ser verdadeira
de quarto não pode ser o próprio Sócrates, com as suas pr0- Isto é muirjssimo plausíveL mas nào é uma Leorizl da verdade.
priedades; nesse CZISO. e 0 quêP pois uma tcoria da vcrdade \'ísu expiicar o que .'.¡z uma añr~
Uma texwia da verdade como coerência dará énfase à maçào verdadeira ser verdadeira. e não em que Casos é mais
coerência das nossas crenÇ.^15, dedarandoms Verdúdeiras provável que Isz nossas añrmaçóes sejam Verdadeíras.
quando formam um todo coe¡'ente. Um todo é coercnte,
numa concepção minimalista deste conceito. sc e só se as suas
partes podem ser todas verdadeiras wm todo constituído Rerzlismo e arztí-reali.sm0
exclusivamente pelas añrmaçóes de que há extraterrcsrres e
não há marcianos é coerente porque essas duas añrmaçóes Ao contrário da concepção popular, em que o realista
são compatíveis entre sí). r\ssím, um codo constituído por é uma pessoa que aceita os aspectos desagradáveis da rea-
Luna añrmação e a sua negação não é coerente. lidade, opondo~se ao idealista, que sonha com um mundo
Uma primeira díñculdade dcsta perspectiva é que para melhor, em ñlosoña 0 realismo é a ideia de que há lea
deñnír o conceito de coerência precisamos aparememente realidade largamente independente de nós, opondo-sc ao
do conceito de vex'dade. pelo quc o primeiro não pode ser anti-realista, que defende que a realidade nào passa de uma
usado para analisar ou caractcrizar o segundo. Outra diñ- ñcção humana. -') debate entre estas duas posiçóes é tão
culdade é que a verdade não pode deixar de existir em pelo antigo quanto a ñlosoña, e começa com a consmtação de
menos alguns todos incoerentes, nomeadamente os que que por vezes nos enganamos e Cremos que era verdadeiro
incluírem simultaneameme uma proposição e a sua ne_ga- o que depois acabamos por crer que é falso; o passo seguinte
ção, ao passo que o defensor desta teoria parece obrigado a é añrman como Protágorasv que
defender que nos Lodos incoeremes não há verdade, preci-
samente porque a verclade é a coerênc1'.1'. Outra diñculdade De Lodas as coisas a medida é o homem. das coisas que são.
é náo ser impossíveL pelo menos conceptualmente. que um que o são. e das coisas que não são. que o não sáa zíDKSObD
Lodo coerente seja1'nteir.1mente constituído por proposiçócs
falsas. possibilidacle que parece incompatível com a tesc de Esta frasc 0põe~se ao truísmo sobre a vcrdade. expresso
que a verdade é apenas a Coerência do tod0. por Aristc›'teles e Platãa ainda que use quase as mesmas- pala-
Uma teoria pragmatista insisce qau a verdade é apenas o was.
resulmdo ñnal da investigaçã0. Esca ídeíu pode ser desenvol- As palnvras algo crípticas A;í: Protágoras foram entendi-
xída de uma maneira mais realista ou mais idealista. das por Platâo como a defesa do que hoje chamumos «anti-
Na sua encarnação mais idealist3, consiste em sustentar -realismo». Todavia, a oposiçào entre realismo e an u'-realismo
que seja 0 que for que. ã luz das nossas melhores teorias, con~ nào é menos cripciccu por isso, é de destacar 0 esforço de
siderarmos que é wrdadeira é xer«..".1deir0. Isto é implausível Michael Dummett para Caracteñzar com precisào 0 quc está
Z›'lh' FODOS OS SW ~HÚS DU ML'\'DU E (_›LwTR()S lÂNhÀIOS u QL r.- É A \xET.\Físu _^ .

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em causaL .-\té que pomo 0 5c-: euforço foi hem-succdido é cil conceden sem grande reHe\_'âo, que o anulrcalista tem
nuucria (h_=- (lcb21Le; acrcsce quc Dlemctr vin r› Lrahalho ñlm razáa
sóñco uomn cminentemcnte linguístíco, o que Certamente C.untmlo, o realista cliscordari Insistirá que a comra-
seria 1'c:¡'ei[:1d0 por algum clos ülósotbs. realístas ou náo. que factual ~Se oAJacinto eslivesse numa situmgáo que exíorjisse
Dummen Lentava caractcrimn Em [0du 0 caso, a 5ua pmposta coragem. agiria cora_j0samenten é verdadcira ou falsa. inde~
pode lzmçar alguma lLlL num debzue que nem sempre prima peuden temen te cle sabemxos se é verdadeíra uu falsa. .-\fmal.
pela clurczus é dífícil ver que teses clefcndem exactamen Le os não temos mancira de saber quantos cncos haviu no planeta
parlichírios cle p051'çr'›1.>s aparentemente opostas. Terra. há cem míl an05. mas é certamente r.ontra-intuitivo
FJIII cfeitos clrí disc ussào. ca1=acLer1'ze-sc a Coragem de um añrmar que, dcw'do 21 essa nossa inçapac¡d.1'de, não havia um
modo mnitíssimo pobrez uma pessoa é Coransa se e só se número cletermínado de cocos na Terra, hzí cem mil anoy
salva a \'¡- 13 de alguem .1'rriscundo a sua própria vidzL Pcrantc O untiwcalista invoca neste pOHLO do debutc 0 cunccuo
ulguém que poderia salvar uulm mas nâo o ñlz pula não se de veritícaçào em princípioz a razão pela qual há cem mil
arriscar a morren é correcto, süçundo n nossa camcteriza- anos havia um número determinado de cocos na Terra é
Çá0. añnnar que não é corajosau perante alguém que 0 faz, que, apesar de tal número não ser veriñcável de fa›cto. é veri-
é correcco dizer que é corajosa Contudo, o que dizer do ñcável em príncípi0. Isto signiñca quc. se acaso Livéssemos
jacinto. que nunca se viu em Círcunstâncias Lais que cnvol- recursos adequados e pudéssemos viajar no tcmp0, nada nos
vessem ter de arriscat a sua vida para salvar a vida de OutremF impediria de veriñcar qual era 0 número de cocos na Terra
É anajoso ou nãoF há cem mil anos.
Podemos argumentar que o seu modo cle agir nos fo'r- Colocur o debate em Lermos linguísticos poderá clari-
nece indícios do que ele faria se um dia se encontrasse numa ñcar um pouco as coisasz o anti-realism insiste que 0 valor
situação em que para salvar a vida cle alguém teria de arriscar de verdade das añrmações depende Lrucialmente da nossa
a sua \1Àd'.1.4Ã551'ln, 21 condícional contrafacmal «Sc Ojacinto se veriñcaçãa efectiva ou em princípio, da sua verdade ou falv
Cncon trasse numa situaçào em que fosse requeridn corngem, siclade; ao passo que o realista o nega. Assim, o ann'-realisr.a
agíria corJabsamen te» é encarada como verdadeíra, ou falsa, pode ser VÍSLO como alguém que rejeita a tese da bivaléncia.
face aos indícios disponíveií Conmdo, 0 que clizer se o modo segundo a qual toda a aflnnação declaraúva é verdadeíra ou
como viveu a sua vída não nos permite inferir sçja o que falsa, ao passo que o realista a acex'm.
for quanto ao que faria se estivcsse numa dessas situaçóesP Esta caracten'zação, contudo, pode ser wÀsta como deñ-
Uma maneira cle entender a diferença entre o rezllista e cíeme. Entre outras razóes, porque um realista poderá rejei-
o an ti-1*ealista é Consíderar que o primeiro irá defender que tar a tese da bivaléncia, precisamente porque pensa que a
a añrmaçâo «Ojacint0 é corajoso» é verdndeira ou lelsa, realidade inclui entidades vaga5'. por exempla como monces
ainda que náo tenhamos maneira de o saber: ao passo que de areia e pessoas calvas, relativamente às quais certas añr-
o anti~realista irá añrmar que essa mesma añrmação é desti- maçóes não sào verdadeíras nem falsas guma pessoa com
Luída de valor de verclade, precisameme porque nào temos zero cabelos é calva, com cem mil cabelos nào é cale mas
maneira de saber se é verdadeira ou falsa. se tiver apenas mil Cabelos parece que não é Calva nem deixa
Há aqui ecos clams palavras de Protágormz somos a medida de o ser). Esta rejeíção cla bivalêncía pode ser vista como
de todas as coisas. na acepção em que o verdadeíro ou falso realista, e nâo anti-realísta, pois não só é compatível com
depende da nossa capacidade para estnbelecer que é ver- a rejeíção da tese de que só é verdadeiro ou falso o que
<._

dndeiro ou falso. E no caso do jacinto não será muíto difí- podemos veriñcar que o é, como parece emergír da posição

.
.
LWM

wo-_
318 TODOS DS hONHOS DO \.lL'\XDO E OUTROS ENSAíOS o QL r. É A \.¡ET.\FÍSI( ›.: 319

de que a realidade é largamente independente do que como a banalidade de que as crenças que ---m<,›s sào verda-
pensamos cleLL deiras uu falsas inclepcndentmnente de pensarmos que 5ã0
Em qualquer c:15L›. a Caracterizacio do clebate em Lermos xerdadeims ou falsas. dado interpretar sistematicamente ué
da aceitaçào ou rejeição cla bimlência parece esconder, sob a verdadeir0» como «diz do que é que e'. e do que nào é quv-
sua roupagem linguíst1ca. um aspecto 1'mportante: o conceito nào é» e nño como «cremos que é verdaclciro~›.
anti-realista de wérdacle é e.\*c1usivamentc epistémico (a ver- O problema metafísíco do realismo não se confunde com
dade é 0 que cremos que é vcrdadeiroz se nada cremos sobre o problenm epistemológico da existência do mundo exte-
a coragem dojacin t0, ele não é Corajoso nem deixa de 0 ser) , ri0r. Este último apesar de ser por vezes cxpresso COIno se
ao passo que 0 conceito de verdade do realista é pelo menos fosse le problema metafiwlcov é na realidade um problema
parcialmente meLafísico (a verdade clepende crucialmente sobretudo epistemo1ógícoz 0 que está pñncipalmente em
da natureza da realidade independente dos seres humanos, causa náo é a exístência do mundo exterion mas ames ajus-
e as nossas crenças sáo irrelevantesç ojacinto é corajoso ou tíñcação da nossa crença no m undo enexímz Da hipotética
nã0. índependentemente de crermos uma coisa ou outra inexistência de boasjusúñmçóes a favor da nossa crença na
ou nenhuma delas). existência do mLmdn exteríor não se segue Lñúalmente que
Deste modo, podemos compreender melhor os olhares o mundo exterior não exíste.
de incredulídade entre o realista e o antí~realista. O rea- A menos. claro, que sejamos anti-re.1'listas,
lista tem diñculdade em entender como é possível levar
0 anti-realismo a séria pois isso parece implicar a nossa
omnisciênch se somos a medída de toclas as coisas, nâo õ.3. Por que há alg0?“
podemos ter crenças falsas. O anti-realista. Contudo, começa
por não entender a verdade como um conceito metafísico, A pergunta pela orígem da realidade é das mais funda-
mas antea exclusivamente epistémíco, de modo que não mentais, e que maior perplexidade provocm É defensável
lhe provoca qualquer inquietaçâo a acusação do realistaz o que foi uma das perguntas que estcve na Orígem da ñlosoña,
que este vê como unm monstruosidade ñlosóñca o outro e é detectável em algumas das reflexóes dos ñlósofos pré-
vé como a banalidade de que as crenças que cremos serem -socráticos. assim como em .-\:istóteles. Mas só com Leibniz a
verdadeiras Cremos serem verdadeiras, dado ínterpretar sis- pergunta recebeu a sua formulaçâo mais fecundaz «Por que
tematicamente «é verdadeiro» como «cremos que é verda- há algo em vez de nada?» Se Começarmos por fazer a lista
deíro» e não como «diz do que é que é. e do que nâo é que das alternativas, como Aristóteles, obtemos algo Como istoz
não é». 1) a orígem últím': das coisas é o nada. ou 2)' cada coisa veio
Por oucro lad0, o anti~realista tem díñculdade em enten- de uma coisa anterior. numa cadela inñníuL ou 3) a origem
der como é possível levar o realista a 5én'o. pois isso parece última das coisas é algo que nâo veío de coisa .›.lguma.
ímplicar a nossa omnísciêncíaz se toda a crença é determi- A Lendêncía para afastar a alternatíva 1 é naturaL ainda
nadamente vercladeira Ou falsa. rmda há que não possamos que numa seguncla reflexão nào seja de desprezarz .~\r'ístó-
saber que é verdadeiro ou falso. O realista. contuda começa teles considerava que a alternativa 2 nada explicava e por
por não entender a ves dade como um conceíto epistémico, isso defendeu 3: a origem última das coisas é algo eterno.
mas antes parcialmente metafísica de modo que não lhe que por isso nào Leve orígem em coisa alguma. P0rém. foi
provoca qualquer inquietaçâo a acusação do anu'-realisr.a: o Leibniz que se notabilizou por tenwr argumemar mais atu-
que este vê Como uma monstruosídade ñlosóñczl 0 outro Vê rndamente contra a segunda :1ltemau'va. a única VÍSLZI como
\[I'\.Ln) r ÕL TRUS E,\.7S\I0.S u r_›L 15 F x wvrwisu 49 Íãü I
:»“_“'I› TODUS US SO\›'HOS l\4›

uma a1ucnç_a à altenmtiva que também Leibniz queda l)'ià›'55m_.a- ou <'.~ exísLenLes contin,_,_'feutes formam uma cddeia
susmnmlz E n<.› contexto desm discu>sào quc surge não inñniIZL e.\'plicanr,lo a Cxistêntia nns dos outros. nu há um
só LI pergunm ml Çornn hqjc 11 formulmno~3. mas mmbém críador nL1ro-existent<-: que exphca n exmténcia última de
o importante pr1'ncí¡ o › dn rnzãn sulicienm ESLC princípio Ludos (›s txistenlês conu'11ge¡1tcs.
tem siclo cuidadosamcnte cstuclado na ñlosoña contempo- Leibniz defendia que poclemos descartar a hipótesc da
rânem e podemw cntendêJo pelo lhânus de duas maneiras série inñnim de exisrentes contingentes que se explicam
difex'el1les. entre si supondo que essa série existe. e mostmndú que
\.'11m.1'<:las fonnulacóes. Lratn-se da idcia .rle que para qual- mesmo assim falm explicur algoz a exístência da própria
quer verdmlc Contingente há outra verdade que a e.\'pl¡ca. sér1'e. O seu exemplo é o de vários e_\'cmplares de Elerrwnms
Por exempla a verclade clv que Sócrates nasceu em _~\tc'nas, zle Geomehim de ELICÍÍCÍCS. que sâo copiados uns dos outros._
ddmitindo que é concingenta é expliçada pcla verdadc de numn sequência intinitaz 11 emstência conúngente cle cada
que 21 5le mãe cstuva em ALcnas quaudo cle ÚRbCCLL Van exemplar explica-5c apelando a outm exemplur clo qual foi
Inwagen argumentou que esta versão clo princípio é falsa. copiado. Contuda pergunta Leibniz, como explícar a exis-
mas não podemos seguir aqui a sua argumentacãa A sua tência da própria série ou do conjunto infmito dos livrosP
icleia central é que u1na verdade conlingente náo pode ser Este é um exístente contíngente como qualquer outro e
explicada por meio de uma verclade não-comingente, mns as carece também de explicaçâo. L0g0, a hipótese de uma séñe
verdades Contingentes também não podem todas ser exp1i- 1'nñnita. na qual a existência de cada existente contíngente
cadas por oquas verdades contingentes; n conclusào é que é explicacla recorrendo a outro existente contingente ad
o princípio da razào suñciente seria falso se fosse formulado injínitunz, é descartada por ser incompatível com 0 príncípio
em terxnos de verdades. da razào suñciente.
Noutra das versóes. o priucípio é formulado em termos Uma crítica a este argu_ment0 é que pressupóe um enterr
cla explícaçâo da existência <:ontínbcrente: para qualquer dimento ermdo da noçào de C'un_junto. como se um conjunto
existente conu'ngente, há uma explícação da sua existência. de existentes tivesse existência independente dos exiscen~
Tome-se Sócrates, por exemplo; o que explica a sua exis- Les que o Constimem. razâo pela qual carece de explicaçâo
tência é que os aeus pais o conceberam e a sua mâe cleu-o à independente. Todav1'a, um conjunxo nào é le existente
qu. Se aplicarmos esta versão do princípio aos constituintes com existência independente dos seus membros. Isto com-
da realidade. vemos que concorda superñcialmeme com a preende-se melhor se Considerarmos que depois de alguém
nossa expcriênciaz explicamos quotidíanamente a existêncía explicar por que razão a Maria, aJosélia e o Francisco foram
de Cadu Contingente apelando a outro contingente, e ísso à praía, não seria parüculam1ente sábio insísúr que nâo expli-
é o que fazemos também em ciêncízL E é neste ponto que cámos aínda por que foram os Lrês à praiaz explicar por que
Leibniz ínsiste que temos Cle supor a existêncm de um criador razão cada um cleles foi à praia é explicun ao mesmo Lemp0.
auto-exístente - algo como 0 motor imóvel de .-\'ri5tóteles por que razão os três foram à praía.
~ para explicar a existéncia última de todos os existemes Leibniz poderia insistir que os Conjuntos sáo 0ntol0gica-
Contingentes. mente distintos dos seus membros. Contuda para sustentar
Recordando quejá descartámos - mlvez não muíto p0n- o argumemo de Leibniz não basta que os conjumos scjam
deradameme - a alternativa de ser 0 nada a origem últíma oncologicameme distintos dos seus membros; é preciso que
dos existentcs contingentes. resLa-nos duas alternatívas\ a sua existência seja independeme dos seus membr05. pois
depois de percorn'da a longa cadeia causal que remonta ao e isso que está em causa no príncípio da razáo suñciente
imww
TODOS DS SONHOS DO MLÔIDO E OLTRUE E.\>:\I(5.\ u QUE É A v\.lETAHSl(,-\' 32 3

E. pelo menos à primciru vism. nào parece que a exúaténcia Eis 0 início de um argumento a fàvor cla ideiu de que
dc um Conjunto de três bamrms ou cle trés pesSOAs s_eJ'n incle- há acontecimentos. na acepção de enticlades irreduzíveis
pendcnte da exiatência dos seus membros. a Coisa5. Considere-se um acontecimento simples. COHIO o
julgamcnto dc Sócrates. Este clecorreu num cletcrmiuado
período de cempo e não é identíñcável 5c olharmos apenas
5.-1'. .›-\c071tecimentos para le segmento estátíco cle tempa Isw rontrasta com o
próprio Sócratcs que é apamqtemente ldent1'ñC;-ive1seolhaF
L"1Il ñlósofo poderia argumentar que uma añrmaçào mos para um segmento estático de temp0.
como «Sócrates é hunlano~› é. csmtamente fakmdo. falsa. Af1- O segundo passo do argumen to é considcmr que apesar
naL certamcmc que hoje não é humano. porquejzi não existe. de os acon Lecimen tos se rem ohjecm de predicaçà0, como as
E apesar de ter sido humano durante cerca de setenu anos, COÍ535', sáo qualiñcáveis por meio dc advérbioap contrastando
não o foi durante os milhares de milénios em que ainda com as coisas, que aparentemcnte não o são .-bsím. apesar
não existizL De modo que, estritamente falando, Sócrates foi de tanto Sócrates como ojulgamento de Sócrates poderem
humano dumnte um certo pen'odo de tempo apenas; «Sócraces ser objecto de predicaçâo - podemos dizer que Sócrates era
é humano» não manifesta essa transitoriedada pelo que é sábê 3 e que a sua condenação foi tola - só 0 segundo podemos
uma añrmação memñsicameme enganadora. qualiñcar literalmente dizendo que decorreu rapidameme.
O que esté em causa nesta linha argumentativa é uma A rapidez poderá atr1'buir-se a SÓC rates. mas deñvadamentà
redução eliminadora de duas categorias omológtas distintasz como fpara usar um exemplo de .-\ristó[eles) podemns dizer
a categoria das coisas e a categoria dw acontecimentos ou derivadamente que o exercício físico é saudáveL apesar de
eventos. Quando pensamos na estrutura fundamental da primitivamente serem os organismos biológicos. como as
realidade é comum esquecermos o seu aspecto dinâmíco; pessoas, que são saucláveis ou não. Assim, temos razóes iní-
isso empurra-m)s para uma ontologia de coisas esLáLicas com ciais para pcnsar que talvez os acomeciuentos pertençam a
propriedades, ao invés de pensarmos em acontecimentos uma categoria ontológica diferente das coisas.
dínâmicos Com propn'edades. Assím, implicitamema faze~ Considere~se agora as inferências associadas a acomeci-
mos algo como 0 inverso da linha argumentativa do pará- mentos e aos advérbios que os qualiflcam. Da premissa de
grafo ameriorz ao invés de eliminarmos a categoria das coisas que falou rapidamence infere-se validameme que Sócrates
a favor da categoña clos acontecímemos, elimínamos esta falou2 mas Como-Í Se usarmos uma ontología de coisas e pro-
última a favor da primeirm priedades apenas, a inferência ñca com uma forma lógica
A metafísica dos acontecímentos traLa de dois problemas inválida: de «<Ra>›, Sócrates falou mp1'damente. inferimos
centrais1 há realmente acontecímentos, irredutíveís a qual~ «Fa». Sócrates falou. «Falou rap1'damente» não poderá ser
qucr outra categoria metafísica? Se há, o que podemos dizer formalizado como a conjunção de «falou» e « r›:1pidamente»,
de informativo sobre a sua natureza, começando pelas suas pois é 0 próprío falar que é qualiñcado pelo adwérbia e não
condições de idemidadeP O estudo ñlosóñco explícito da Sócrates.
metafísica dos acontecimentos começa no inícío do século A alternaüva é quantíñcar sobre acontecimenlos e añr-
XX. mas o tema estava inexplicitameme presente na ñlosoña mar que a forma lógica da inferência é algo como o seguinte:
grega da Antíguidadez o problema da mudança uo longo existe algo que é um acomecimento de Sócrates falan e esse
do Lempo, abordado na Antiguidade grcga, envolve crucial- acontecimento foí rápido; 10go, exíste um acontecímento de
meme o COnCCÍLO de acontecimento. Sócrates falar. A validade da inferência é agora óbvia; mas
324 TODOS OS SONHOS DÚ ML'\.'DÔ E OUTROS E\."S,\lOS O QL'›E. E .'~\ '\.IET.-\FISI(.A> 1320

acnbámos dc quantiñcar sobre acontecimemos. Se aceitar- morrer nào parece equixalente u cessar cle estnr VÍVFL Deñnir
mos a ¡deia de que existe realmente o que as nossas melhores n morte como o que ocorrc a um ser vivo quando cessn de
teorias clizem que existe. ou sejm aquilo de <¡- rz não podemos cstar n'vo sem possihilidade cle volLar a está~lo também não é
prcscindir para explicar Jdcquadmnente Lt lealitlddd, emáo muilo promisson pois nesse caso ressuscitdr nlolcxém seriu uma
parece quc temOS razóes para pcnsar que existem aCOn[e- impossibilidade conceptual - dado que ressuscitar a vida é,
cimentos. por deüniçào, devolver a dda a quem momentaneamente a
.-\cei[ando preliminarmente que 05 acontecimentos são pcrdeLL e nào reanimar quem estava vívo mas em suspensào.
encidades irredutíveis a outras catcgorias ontológicas, que Intu."u'van1ente. coruudo, cessar dc estar vivo parece
condiçõcs de idemidade LêmP Um plimeiro problem..~ é que dírectamente relacionaclo com a mortC. Podemos .1'ssim
podemos refcrir 0 que é aparememence o mesmo aconteci- pensar que haverá pormenores errados nas tentacivas de
mento de diferentcs mancir35, o que signiñca que o mesmo cleñnição acima, mus que a ideia central está corr›3ct;1. Con-
acomecimento permite fazer díferentes ínferências, conso- tud0. se aceitarm05, o que parece plausíveL que cessar de
ante 0 modo como o referírmos. Por exemplo, poclemos existir implica cessar de estar Vivo. quando um organismo
descrever a queda de alguém clizendo quc caíu, que caiu se reproduz cíndindose em dois parece cessar de estar Viv0,
ao olhar para o outro lado da rua, que caiu ao olhar para o dado que cessa de existin ainda que seja implausível dizer
outro lado da rua quando alguém o empurr0u, que caiu ao que o organismo morreLL
olhar para o oucro lado da rua quando alguém o empurrou Apesar desms diñculdades, aceitemos que morrer é cessar
com violéncim em Esmmos a tàlar clo mesmo acomecimento, de estar n'v0. Nesse caso, parece conceptualmente possível
realmenteP Ou estamos a falar de aspectos díferentes do cessar de estar vivo mas continuar a existir. Esta distinção
mesmo aconteciment0? Ou de diferentes ncontecimemosP conceptual é crucial para quem desejar defender a possibi-
lidade da impropriamente chamada uxída depois da morte»:
a ezdstência post mortenL
0.0. 1Worte Esta existência pode ser concebida como algo agTadável
ou como algo desagradáveL Os gregos da Antiguidade clabu
O que é a morteF Qual é o mal dc morrerF Estes sâo dois sica concebiam o mundo dos mortos como um lugar no qual
problemas metafísicos centrais sobre a morte. Responder 05 mortos persistem na e.x'i5tência. mas penosamence. prec1'sa-
adequadamente à segunda pergunca envoive ter pelo menos mente porque não estâo vívos. Plaáa ao 1'n\és, defendeu que
uma resposta preliminar à primeiraL Em conjunt0. os dois a existéncia depois da morte poderia ser muitíssimo melhor
problemas tém o potencial de pôr em causa o que é tido do que a existência viva porque pcrmitir-nos-ia contaccar
como óbvío em étícaz que matar um inocente é profunda- directameme com o mundo real das ideias. libermndomos
mente imoraL do mundo seusíveL merameme ilusór1'o.
À prímeira vista, 0 primeiro problema parece triviaL Considerar que há ou pode haver existência post rnorwm
e a resposta desinteressantez a morte, literalmente enten- envolve geralmente consiclerar também que há um sujeito
dida como conceito biológica é 0 que ocorre a um ser vivo cle experiência que persiste depois da morte. Quando se
quando cessa cle estar vivo. Porém, isto parece empir1'ca- nega a existência post martem, contud0, nega-se que persísta
mente falsoz quando os biólogos suspendem a vida dc um um s›.g'eito de expeñêucias depois da 1110rte. .-\ consequên~
0rganísm0, reavívando-o depr.<is, é defensável que nào mat:1- cia lógica aparente desta tese. concuda é surpreendcnte e
ram 0 organismo, ressuscitando-o a seguir. De modo que parece ter sido explorada pela primeira vez por Epicuro.
3 203 TODOS Ob bONHOS DH MUNDO E OUTROS L'N\'.\IOS o QI"[ E .›\ .\IET\FISI(.A\1

\."a suaj usmmeme fnmosa Carta a Menecem Epicuro m'gu- assimetria se explica pela nossa consciência de que em muiLos
mentn que o medo da morte é infundada :-\0 contrário Clos casos podemos mudar o futum, mas nuncn podemus mudm
seus contemporànemx que concebiam a morte como a Ces- 0 pasmda AssinL o desejo de estar xívo claqui n cem mms
sação da \1'du. 1'11.'1511à0. da c.\'istência. Epicuro prcssupõe que seriu racional porque estaria associado à idexa de que mlvcz
a morte é a Cessaçáo da e.\'ist*c-ncia e portan .\ também do se possa fazer algo que realize tal dcsejo, ao passo que é fúLil
ugeito de e.\'periéncías. De<.5e modo. u mortc cliñcilmente desejar ter nascido há cem anr_›s.
poderá ser \'ista como um mal porque. como argumenta Um segundo argumento a favor da írracíomlidade do
Epicura esta unada é. portanto, nem para os vivos nem para clesqjo clc imortalidnde baseia-se na ideia aristotélica de que
os morLos. \isto que não está presente nos \'ivos e os mortm os seres humanos sáo essencialmente Organismos binlógi-
já não sào~~ (p. 2). cos com uma dada constituiçâo e uma natureza temporaL
Apesar do seu óbvío apelo e aparente 1ógic3, 115 ideias de Descjar a imortalidade é imaginar. com poucos ponnenorcs.
Epicuro levantam perplexidades. Se a morte não é um ma], prolongar as coisas boas da údzL Comud0, as coísas boas cla
precisamente porque nâo existejá 0 sujeito desse suposto vida são as coisas boas da vida hn.'nana, e nenhumas coisas da
maL qual é o mal de matar alguém? Evidentemema 0 pro~ vícla humana são atemporais e etemas, mas antcs temporais
cesso de morrer poderá ser um maL o que Epicuro certa- e perecíveis. L'ma vída ecema para ser beatíñca não poderá
mente reconhecen'a. porque no processo em si pode ocorrer ser humana, e para ser humana não será senão um ínfemo
sofrimento, dado que o sujeito de experiências ainda exístc cle tédÍO e clesintercsse se for eterna. AfmaL ter uma vida
Comuda matar alguém sem dor - durame o sono. por exem- humana de pintor, por exemplo, é certamente desejáveL
plo - não deveria ser visto como um maL dado que depois mas ter essa mesma vida durante seis milénios é de um tédio
de morto não h.í qualquer SLJIÀCÍLO de experiências que poésa assuscadon
sofrer com a sua própria mor[e. É arcrLolmentável que nessa Platào não se deixaria impressionar com este tipo de
circunstância se provoca um mal aos amigos e famíliares da argumemo, insisúndo que os seres humanos Lêm em si uma
vítima. Porém, esta direcção argumentazva diñcilmente é parte etema, que só numa exístência etema poderá realizar-
promissora. pois signiñca reconhecer que não se provocou -se inteiramentez o nosso reino não é deste mundo. Contudo,
realmente qualquer mal a quem se mat0u. E reconhecer cal a perspectiva da beaúmde eterna post mortemenfrenta proble~
coisa é reconhecer que nenhum de nós se deveria importar mas análogos ã perspecúva de Epicuro. Se neste último caso
com a sua própría morte. Será írracional desejar nâo mor- é d1f'íc1'l de explicar o que há de mau em matar alguém sem
rerF Vejamos rapidamente dois argumentos a favor da ideia sofr1'men[0, no primeiro é difícíl explicar 0 que há de bom
de que é irracional desejar não morrer. admitindo ambos em nâo o fazer - dado que fazê-10 é mandar a pessoa para 0
a perspectiva de Epicuro de que com a morte cessa Loda a reino do outro mundo em que ela se realimrá plcnamcme.
existência. L'ma perspectiva moderada procurari encontrar um
O prímeiro argumento é que o desejo de exístir num caminho entre a Cila de Epicuro e .1' Canbdis de Platàa A tese
momemo distante do temp0. relativamente ao momento será cntão que J morte é um mal 1111 medida cm que excluír
actuaL teria de ser temporalmeme simétrico para ser rncío- possibilidades adequadas para um ser humzmo. mas que uào
nal. Porém. não é símétrica dado que as pessoas Lipicnmente é sempre um mul - Jntes é a condiçáo de possibilidadc de
desejam existir cem anos depois do momento actuaL por uma vida reconhecívelmenle humana. Desle ponto de v1'sta,
exemplo. mas não cem anos antes. Log0. não é racionaL a mortc é um mal para quem morre. apesar de 0 sujcíto das
L'ma maneira de resistír a esta objecçào é defendcr que a experiêncías cessar de existin porque faz senúdo lamenmr a
TODOS OS SONHOS DO \.1UNDO E OUTROS ENS.\IOS

QII
lxâ
m
morxe cle uma pessoa evocando as coisas boas que ela poderia
ter vixida Todavia, esta contxüàcuml implica apenas que ape-
sar de a pessoa ter cessado de existin poderia não ter Cessado
de existin caso em que Ieria tido boas experíências Evíta~se
assim a aparente consequência presumivelmente 1'ndese_jável
das teses cle Epicuro e Platão de que matar alguém não seria
um maL

17.

SÃO AS BANANAS PLANETAS?

Eis dois lugares~comuns no que respeita à ñlosoñaz men-


ciona-se Santo Agostinho, que dedara saber perfeitamente o
que é 0 tempo até alguém lhe pedir para o deñnír ou explicar
explic1'tamente; ou desespex a-se porque a ñlosoña se ocupa
de pormenores técnicos considerados irrelevan tes.
No prímeiro caso, não é uma ideía particularmente sábia
porque podemos repetir a perplexidade de Santo Agostll
nho com muitos outros conccitos importantcsz enquanto
não tentamos deñnHos ou expliCá-los explic1'tamente, pare-
cem óbvios, mas quando tentamos fazé-lo já nào 0 sâ0. Na
Verdade, é precisamcnte isso que faz Platão nos diálogos
aporétiC05, nos quais Sócrates faz 05 seus desgraçados ínter-
locutores subir as\ paredes porque se descobrem incapazes
de explicar explicitamente conceítos aparentemence óbvios
como a coragem, temperança, piedade ou conhecimenta
No segundo caso, corno no pn'meir0, o desconhecimento
da história da ñlosoña é manifesto. Trata-se de constmir a
fantasia histórica de que a ñlosoña seria uma espécie de di$-
curso ediñcante com paJaxreado pretensioso que nos aquiete
a alma, dízendo-nos exactameme o que gostamos de ouvir.
Que isto é uma fantasia históñca torna-se manifesto se pen-
sarmos num dos prímeiros momentos cruciais da história
~.

da filosoña, e de ampla ínfluência posteriort a discuss.1'_o


._
. _.,
W-_-

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