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E ESPIRITUALIDADE
Padre José Eduardo
Nos últimos tempos, o tema dos temperamentos voltou a ganhar espaço entre os
católicos. É uma recorrência sazonal, que aparece e desaparece do nada. É preciso
entender um pouco o que produz esses fluxos e a sua relação com a
espiritualidade.
A teoria dos temperamentos foi criada por Hipócrates (séc. V a.C.), a partir de
teorizações anteriores, e parte de uma cosmologia integrada, em que aquela
perspectiva do mundo composto por quatro elementos era compreendida como
espelhada no corpo humano, de acordo com as fases da lua.
3. A ruptura de Foucault
Butler leva o ideal foucaultiano às suas últimas consequências com a teoria queer e
a perspectiva de gênero, esvaziando o sujeito numa performatividade errática,
invisibilizando metafisicamente o indivíduo e libertando o desejo de maneira
completamente impessoal, atemática e arracional (a palavra existe e está
dicionarizada).
Até que ponto os filósofos se deram conta disso, não é possível afirmar, mas que o
paralelismo impressiona, ah, impressiona!
Em todos esses casos, percebemos como a matéria subjugou o espírito, como a
física suplantou a metafísica. Essa é a história do pensamento moderno. E é dela
que os nossos contemporâneos são escravos, embora pensem que a transcendem
pela sua inteligência. Como diria o velho Frei Tomás, a matéria não pode ser
intelectiva em ato! Isso continua sendo a grande trave de tudo.
Ou seja, a noção de realidade não é meramente cerebral. Sabemos que algo é por
uma faculdade intrinsecamente espiritual que, embora tenha limitações físicas, as
transcende em ato o tempo todo!
E é a partir deste núcleo que podemos reconstruir o caminho de volta para longe
dessa bipolaridade: não somos determinados univocamente por nenhum dos pólos,
mas multideterminados por todos em nossa autodeterminação livre e
autotranscendente.
Com efeito, os princípios das ações, segundo São Tomás, são “os vícios e as
virtudes” e os mesmos “não procedem da natureza, mas do costume” (III,85). Na
Suma Teológica, quando São Tomás já tinha atingido uma maior maturidade
teológica, ele afirma que “as virtudes morais são causadas pelas potências
apetitivas enquanto movidas pela razão” ou “por Deus” (I-II, q. 51, aa. 2 e 4).
Uma pulsão não nos pode dominar a ponto de obscurecer ou subjugar a nossa
razão e a nossa vontade. A virtude é o que nos permite não apenas disciplinar as
nossas pulsões, mas amar essa disciplina, porque orientada de acordo com a regra
da razão.
Apenas a virtude nos concede a posse da razão. Apenas quando somos virtuosos
fazemos aquilo que realmente queremos, não aquilo a que as nossas tendências ou
paixões nos coagem a fazer. E esse senhorio que podemos exercer sobre nós,
faz-nos transcender a nós mesmos em nossa própria experiência existencial
autopoiética. Mas isso não é tudo.
7. Liberdade e contemplação
Desde modo, o intelecto de um santo não é suscetível à mera influência dos astros
e as suas virtudes não são limitadas pelas suas predisposições psicossomáticas. A
vida espiritual justamente o desaprisiona disso. E é nisso que um cristão deveria
mirar, não na dependência das fisicidades materiais.
É nesse sentido que São João da Cruz exprobrava com tanta veemência aqueles
que dependiam de coisas exteriores e faziam toda a sua devoção voltar-se para
objetos materiais… Tanto faz se são imagens sagradas ou pedras ou velas ou
qualquer outro ente; o caminho da espiritualidade deve conduzir o homem para
dentro, não para fora.
O homem espiritual tem dentro de si tudo que lhe faria falta: as virtudes se
incorporam de tal modo às suas potências que ele já não sabe distinguir mais a sua
vontade daquilo que Deus quer, a lei entrou nele e, por isso, de certo modo, deixa
de existir como preceito e passa a ser um ditame do seu próprio interior.
Desamarrada de apegos e querências, pode voar a Deus, nada a impede de seguir
o sopro do Espírito Santo que a une misticamente a Cristo e, por Ele, a toda a
Trindade, sem desejar mais nada senão a pura união com o Deus que é Espírito.
Haverá liberdade mais perfeita do que essa? Não querer nada senão aquilo que já
tem: o Deus que transcende tudo, fazendo-a transcender-se nEle!…
A ideologia de gênero, por exemplo, não entrega aquilo que vende: promete livrar o
homem da determinação da heteronormatividade para agrilhoná-lo na
superdeterminação da gêneronormatividade.
Qualquer psiquiatra minimamente experiente sabe que a coisa mais complexa que
existe é fechar um diagnóstico de uma psicopatologia, uma vez que cada uma
ganha contornos cabalmente individuais, numa mistura caleidoscópica quase
impossível de se discernir; qualquer psicólogo sabe que psicoterapia tem muito de
artesanal e que as técnicas não dão conta de abordar a inabarcável diversidade dos
casos.
No fim das contas, todas essas técnicas, mesmo sendo mais ou menos
estandarizadas em protocolos científicos, que podem passar ou não por um crivo
metanarrativo respeitável, são meras aproximações, tentativas de enfoque de uma
realidade quase inacessível de ser enfocada. O trabalho de enfocar é calibrado caso
a caso, com muita dificuldade, sem a verdadeira certeza de se ter “pegado” o caso
pela eventual tipologia, porque a alma, a psique, não pode ser pega!