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ESPIRITISMO**

SANDOR FERENCZI (1899).

Definir uma coisa é muito difícil. Ninguém foi capaz de definir em uma frase o que é
filosofia. Alguns disseram que era: “a doutrina dos princípios essenciais da existência”, outros:
“uma ciência do conhecimento”. Que esses “saberes” se digam exatos não exclui que uma dimensão
transcendental exista, se manifeste e esteja em permanente construção.
Sem dúvida, o primeiro filósofo foi o homem meio selvagem que deixou de ser indiferente
ao mundo ao seu redor, criando cada deus à sua imagem, um deus do fogo, da lua, do trovão, do
relâmpago…Grande passo para a filosofia, na medida em que o homem rompeu com o realismo
descritivo puro e inocente para criar ligações causais entre muitos eventos, passando então do
mundo dos objetos perceptíveis ao das representações dos objetos.
Qual é então a essência do mundo? Quais são as causas e o destino do mundo? O que é
conhecimento? Qual é o fundamento ético do mundo? Todas essas questões são contemporâneas aos
primeiros esforços para representar o espírito humano. A partir de então, a “visão de mundo” dos
homens, evidentemente, foi modificada, seguindo assim os sistemas políticos e religiosos vigentes.
Dos sábios gregos aos cristãos ortodoxos, passando pelos materialistas franceses e ingleses, os
idealistas alemães e hoje os materialistas científicos, todos de fato dão respostas muito diferentes
aos problemas que agitam o espírito humano. Atualmente, nossa chamada inteligência cultural
inspira-se em temas do materialismo atomístico: o mundo seria então nada mais do que uma massa
infinita de partículas indivisíveis de diferentes tamanhos, cujo movimento vibratório cria luz, calor,
eletricidade etc.
A consciência humana nada mais seria do que o simples produto de uma configuração de
partículas do cérebro. Essa visão, no entanto, é difícil de ser apresentada por nossos professores de
física que se esforçam para ensinar essas ideias com grande convicção. Oh! Como tudo era tão
simples antes!!! Havia apenas sessenta ou setenta tipos de átomos e, desde então, surgiram dez
novos elementos, oito a dez tipos de vibrações do que chamamos de éter, que parece ser a essência
do mundo hoje. Aqueles que evocam as noções de unidade absoluta, alma, metafísica, são
considerados loucos.
Essa rígida visão materialista que atualmente reina na maioria dos médicos e biólogos é uma
reação às especulações ociosas dos filósofos alemães que reportam a Kant que, como sabemos,
considerava a teoria do conhecimento (Erkenntnisstheorie) como uma ciência, única, oferecendo a
única maneira de salvação, desprezando a experiência concreta, abandonando toda base científica
objetiva e seus esforços para explicar fenômenos e eventos apenas a partir do “eu”.
Felizmente, o “bom senso” não se satisfez com tal explicação, e o espírito humano jurou
fidelidade ao atomismo primitivo, teoria à qual o deslumbrante desenvolvimento das ciências
naturais agora atribui grande importância.
A fatalidade, na filosofia, está no fato de que não há progresso real em sua história: O
espírito humano passa de uma instância para outra, subestimando a verdade que, muitas vezes, brota
dessas duas posições extremo. Estamos atualmente testemunhando essas mudanças dentro da
filosofia. A “teoria do conhecimento”, purificada dos sofismas de outrora e de suas desastrosas
consequências, desfere um golpe terrível no “materialismo” que parece radical e inabalável.
“Como…” pergunta o cético, “…posso aceitar a ideia de que todos os objetos existentes são
apenas vibrações atômicas, se você não pode provar para mim que existem de fato átomos,
vibrações, e que todos os seres em devir não são puras aparências?" Ao que o físico responde: “Não
precisamos de metafísica!”.
Não é verdade, então, que outros dogmas se constituem e que um certo materialismo baseia
suas verdades nos conceitos de força e matéria, um pouco como o monoteísmo baseia-se na fé única
em Deus?
A partir disso, alguns autores imaginam que seria necessário retornar aos antigos espíritos e
fantasmas, quando a ciência falha nessas áreas, o que é uma possível consequência dessas ideias.
O progresso da consciência humana é organizado graças a essas crises e essas divergências.
Você tem que imaginar o progresso como uma carroça puxada por dois cavalos onde um domina o
outro para depois ser dominado por ele; a carroça, então, avança caoticamente, em zigue-zague e
com incessantes sacudidelas.
A referida ciência dos espíritos e fantasmas, embora tradicionalmente fechada a qualquer
teoria explicativa, poderia encher bibliotecas inteiras. Essas teorias não constituem uma unidade
coerente, embora sejam reagrupadas sob o nome de espiritismo, espiritualismo, ocultismo,
animismo ou quaisquer outros epítetos dados às ciências transcendentais.
A ideia comum de todas essas teorias é a hipótese da imortalidade da alma, entendendo por
isso que após a morte, a vida psíquica de um ser não termina, mas passa por vários processos de
purificação. Imediatamente, esta alma renasce, reencarna e, se sua vida anterior foi livre de pecado,
pode entrar em relação com a sua, manifestar-se, emitir sinais escritos ou orais deste outro mundo
em que se encontra, através de pessoas que conseguem criar, eles mesmos, um estado psíquico
particular.
A partir daí, seu espírito – que pode ser bom ou ruim – pode conhecer o futuro e ver a
distância. Os espíritos malignos obviamente despertam todos os tipos de inconsistências e piadas.
Aksakoff, o primeiro, a organizar uma impressionante massa de documentos bastante confusos
sobre esse assunto, para fazer uma espécie de classificação de todos esses fenômenos sobrenaturais.
Ele relatou e nomeou todos os fenômenos revelados pelos médiuns e disso, ele distinguiu três
formas particulares. O personismo em primeiro lugar e todos os fenômenos transcendentais que
derivam exclusivamente do domínio do indivíduo; por exemplo, o movimento de uma moeda em
um pedaço de papel onde estão inscritas letras do alfabeto, a escrita e os sinais de médiuns, tabelas
de adivinhação, etc.
Quando a alma do médium (ou uma de suas partes) sai do corpo, produz um efeito psíquico
à distância, então falamos de animismo. O espírito entra, principalmente por telepatia, em
comunicação espiritual com outros seres distantes, move objetos distantes (telecinesia) ou faz surgir
objetos imaginários espontaneamente e por materialização. O que se chama espiritismo
propriamente dito consiste no aparecimento, direta ou indiretamente, do espírito superior em si
mesmo. Desta forma há fenômenos espirituais visíveis e fotografáveis, manifestações repentinos
que atingem a imaginação, conselhos, discursos morais e verdadeiros ensinamentos metafísicos.
Mencionamos também, entre os principais fenômenos sobrenaturais, a imaterialização e o
aparecimento de espíritos “através das paredes”, e muitas outras expressões muito específicas, que
como podem ver, não faltam. No entanto, mesmo em meio aos homens nutridos pelas luzes do
progresso, há quem escute perplexos as histórias sobre as estranhas manifestações dos espíritos,
geralmente apresentadas com a insistência persuasiva característica dos espíritos fantásticos e
doutrinados. É melhor, a meu ver, considerar com um olhar crítico os fatos e fenômenos
sobrenaturais, e fazê-lo com a acuidade e o senso de objetividade que caracterizam os verdadeiros
sábios. Que não se envergonhe de participar das sessões de mesas espíritas ou de assistir a algumas
manifestações organizadas por espíritas e compostas por profanos. Esse fenômeno é, de fato, muito
importante no plano sociológico, e nossos melhores especialistas, em vez de zombar dele, fariam
melhor em levá-lo a sério. Eles poderiam contribuir assim com os instrumentos de sua ciência e
organizar (por que não?) sessões, a partir de experiências que pudessem levar à remoção de todas as
barreiras da vontade. Entre eles, cavalheiros inteligentes e cultos, cuja alma e sistema nervoso são
perfeitamente saudáveis. Crookes, Lombroso, Du Prel e muitos outros sábios não são apenas
adeptos do espiritismo em si, mas de fato verdadeiros profetas sobre o assunto. Entendemos, então,
por que a estratégia antiespiritualista como a de Tóth Bela não é suficiente. Tudo se passa como se a
tendência a se opor a um movimento se tornasse um fenômeno de grande amplitude, seja com o
silêncio, seja com uma rejeição que eu qualificaria como apodíptica.
Tal atitude leva à criação de falsos mártires entre os membros das religiões espíritas. Agora,
está claro que nada faz as religiões se desenvolverem melhor do que a abundância de pessoas que se
apresentam como vítimas, até mártires perseguidos pelo racionalismo. Os animistas hoje são
considerados as grandes vítimas do avanço da ciência, assim como Galileu ou Giordano Bruno que
foram incompreendidos em seu tempo, perseguidos e queimados. Desta forma, Aksakoff acusa
Wundt, um dos líderes do antiespiritualismo, de “misoneísmo”, ou seja, de antirreformista, e o
compara com Benedel Carpcow que ocupa a cátedra de Wundt na Universidade de Leipzig no
século XVI, e de quem conhecemos sua fama de caçador de bruxas que executou vinte mil bruxos e
"bruxas", de todas as linhagens. Também se afirma que certas pessoas ao redor de Galileu não
estavam preocupadas em chamá-lo de “mestre da dança” dos sapos. A academia de Paris denuncia
oficialmente o hipnotismo, que atualmente é, pelo menos, considerado sem importância.
Não seria melhor que os antiespiritualistas acabassem lutando, rejeitando e refutando sem
conhecimento prévio, todas essas hipóteses que merecem ser aprofundadas?
É melhor, a meu ver, considerar com um olhar crítico os fatos e fenômenos sobrenaturais, e
fazê-lo com a acuidade e o senso de objetividade que caracterizam os verdadeiros sábios. Que não
se envergonhe de participar das sessões de mesas espíritas ou de assistir a algumas manifestações
organizadas por espíritas e compostas por profanos. Esse fenômeno é, de fato, muito importante no
plano sociológico, e nossos melhores especialistas, em vez de zombar dele, fariam melhor em levá-
lo a sério. Eles poderiam contribuir assim com os instrumentos de sua ciência e organizar (por que
não?) sessões, a partir de experiências que pudessem levar à remoção de todas as barreiras da
vontade. Eles puderam observar os fenômenos reais distinguindo-os dos efeitos de sugestão ou
autossugestão que se insinuam. Afirmo isso porque acredito que há verdades a serem consideradas,
mesmo que sejam subjetivas e não “objetivas”.
Os resultados obtidos em favor dos movimentos espíritas podem ser muito semelhantes aos
alcançados pela alquimia. A certa altura, era para fabricar ouro, e essa oportunidade permitiu
descobrir novas fórmulas e composições químicas.
Com os espíritas, corre-se o risco de chegar a algo comparável ao que conheciam os
herdeiros do camponês da fábula: o pai, lembremo-nos, diz, em seu leito de morte, que enterrou um
tesouro. Desta forma, ele consegue que os filhos trabalhem a terra, e a verdadeira recompensa não
será o ouro esperado, mas sim a colheita abundante e frutífera. O ouro dos alquimistas parece-me
semelhante ao tesouro dos espíritas: sua ciência provavelmente será a rica e inesperada colheita de
um campo ainda inexplorado: o da psicologia.
Como ciência, a psicologia ainda está em sua infância.
As famosas experiências e teorias de Feschner, Wundt e Mosso, para citar alguns, lançam
alguma luz sobre o funcionamento do mais elementar do espírito. A influência das sensações,
sentimentos e transformações psíquicas (Gefühl, Empfindung), bem como suas relações primitivas
com a atenção, associações, percepção, afetos e vontade, são fenômenos estudados de perto que
revelam o funcionamento do psiquismo humano. Por outro lado, o amor, o ódio, a raiva, a memória,
o conhecimento, o esquecimento, a reflexão, o senso moral, a sensibilidade artística, a psicologia
das crianças e a psicologia das massas, infelizmente ainda permanecem nas mãos dos românticos e
autores de histórias fantásticas.
No entanto, o que sabemos hoje mostra cientificamente e decisivamente que existem no
centro do espírito, elementos inconscientes e semi-inconscientes que participam intimamente de seu
funcionamento. Fazemos, de fato, inúmeras coisas lógicas mesmo que nossa consciência não
perceba.
Tomaremos três exemplos:

1. Todo mundo já observou que é possível sonhar durante uma palestra ou ler uma página em voz
alta sem entender uma palavra: Inchaço anormal das veias jugulares, cuspe sangrento e um tumor
tumoral no Manubrium Sterni.

2. Não é incomum alguém tocar uma folha de piano enquanto conversa muito logicamente com
outra pessoa. Não é este um exemplo que poderia ser chamado de divisão das funções espirituais?
3. Tomemos finalmente as faculdades da memória: há milhões de informações contidas no cérebro
humano. No entanto, quando penso, não fantasio uma coisa de cada vez. Os demais permanecem
“subconscientes”, sem que sua existência desapareça por causa deles.

É muito provável, creio eu, que um grande número de fenômenos ditos “espirituais” sejam
eles próprios a expressão de divisões psíquicas, por ocasião das quais uma ou muitas partes do
espírito são experimentadas, apenas uma alcançando a consciência enquanto a outras funcionam
automaticamente, fora da consciência imediata.
Isso pode, talvez, explicar como um médium consegue direcionar uma moeda,
involuntariamente, inconscientemente e sem querer enganar, de uma letra do alfabeto para outra, de
modo que palavras compreensíveis sejam formadas.
O que importa, no fundo, se um lampejo remove ou não a fidelidade ao espiritismo.
Argumentos autoritários definitivamente não pesam na balança. Seria altamente preferível que um
estudioso (associado a pesquisadores) tomasse as coisas por conta própria, o que eliminaria
charlatães e trapaceiros, tornando apreciável quantidade de conhecimento informativo e
enriquecedor para as ciências psicológicas.

NOTAS:
** “Spiritismus”, de Gyógyászat, 1899, nº 30.

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