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Conto A boneca no bolso: vasalisa, a sabida

O conto A Boneca no bolso: Vasalisa, a sabida, relata a história de uma


menina que perdeu a mãe muito cedo, tendo que aprender a lidar, sozinha, com as
situações impostas pela vida. Assim como acontece em outras histórias, como em
Cinderela, por exemplo, o pai de Vasalisa, eventualmente, se casa com uma nova
mulher, uma viúva, e passa a morar com ela e suas duas filhas, que assumem,
respectivamente, os papéis de madrasta e filhas más.
Analisando de forma minuciosa e aprofundada, nota-se que a história de
Vasalisa pode ser remetida à fase de iniciação da mulher, trazendo à tona a “intuição
feminina”, na forma da boneca recebida pela mãe. Como Vasalisa sempre a consulta
em momentos de necessidade e dúvida, a boneca funciona como a própria intuição
de Vasalisa. Além disso, o conto retrata também o “desprendimento” psicológico que
deve haver entre a filha e a figura materna, o que, em outras palavras, pode ser visto
como o começo da independência, uma vez que, a menina precisa sair de casa,
sozinha, para enfrentar o desconhecido.
O conto em análise se mostra bastante distinto, em vários aspectos, de outros
contos populares mundiais. Apesar disso, ele comunga com outros contos de
características comuns constitutivas de seu arcabouço. Dessa forma, é possível
identificar, ao longo do texto, muitas das passagens da jornada do herói, como
teorizadas por Joseph Campbell em seu livro intitulado “O Herói de Mil Faces”. São
identificáveis, assim, as fases da jornada conhecidas como “chamado da aventura”,
“auxílio sobrenatural”, “passagem pelo primeiro limiar” e “ventre da baleia”, e que
serão detalhadas e exemplificadas a seguir.
O chamado da aventura - também conhecido como o despertar do eu -,
acontece quando a madrasta e suas filhas armam um plano de deixar todo o fogo da
casa apagar para que pudessem mandar Vasalisa ir buscá-lo na casa de uma bruxa,
chamada Baba Yaga, que ficava na floresta; assim, depois de arquitetar o plano,
deram a ordem, e Vasalisa acatou, indo buscar o fogo na casa da bruxa. A
madrasta, que é uma figura maldosa, pode ser considerada o arauto, pois anuncia a
aventura a partir do momento que manda a menina sair de casa. Além disso, a
madrasta e suas filhas podem ser consideradas as vozes interiores (reprimidas
geralmente) da própria Vasalisa, chamando-a para sair de sua zona de conforto a
fim de que experimente/viva coisas novas. Durante a sua jornada, Vasalisa
depara-se com três homens que viajam a cavalo: o primeiro homem, num cavalo
branco, representa o dia; o segundo, num cavalo vermelho, a tarde; e o terceiro,
num cavalo preto, a noite. Estes homens, em seus respectivos cavalos, podem ser
pensados como guias, marcando o novo período e as novas fases da vida da
Vasalisa, por exemplo; afinal, a indicação dos períodos do dia difere daquelas de sua
vida anterior ao chamado.
Nesse primeiro estágio da jornada do herói - o chamado da aventura -, o
destino convoca Vasalisa e a transfere para um lugar desconhecido, que se
apresenta ao leitor sob a forma de uma floresta habitada por seres sobrenaturais,
como os três homens montados a cavalo (representando os horários) e a bruxa,
chamada Baba Yaga, por quem Vasalisa procura. Assim, como os seres que
habitam esse lugar, há ainda outros aspectos sobrenaturais. Um exemplo claro disso
é a casa de Baba Yaga, feita de caveiras e ossos em redor, cujas janelas são
formadas por dedos humanos (das mãos e dos pés) e cuja porta frontal é ornada por
um focinho com vários dentes agudos, que funciona como tranca. Além disso, a
casa se sustenta sobre pernas amarelas e escamosas de galinha, andando de um
lado para o outro sozinha, além de, às vezes, girar como uma bailarina em transe,
isto é, um lugar sombrio habitado por seres e acontecimentos estranhos e
sobrenaturais.

Vale salientar que o segundo estágio da jornada - a recusa do chamado - não foi
identificado no decorrer do conto.
No terceiro estágio da jornada - o auxílio sobrenatural-, percebe-se que a mãe
pode ser vista como a figura protetora, uma vez que, mesmo estando em seu leito
de morte, aconselha e dá de presente uma boneca para sua filha, a fim de que ela
possa usá-la/consultá-la sempre que precisar. Em outras palavras, é como se a mãe
deixasse a boneca com a filha como uma forma de proteção, conforme pode ser
evidenciado no trecho “Estas são as minhas últimas palavras, querida – sussurrou a
mãe. – Se você se perder ou precisar de ajuda, pergunte à boneca o que fazer. Você
receberá ajuda...”. A partir deste conselho, fica evidente que a boneca é o auxílio
sobrenatural, visto que é uma boneca que pode realizar coisas que os humanos
fazem, como aconselhar e executar atividade como arrumar a casa, por exemplo;
além disso, é provável que a boneca seja vista também como um amuleto. É
importante retomar a ideia de que a boneca pode ser a intuição da Vasalisa,
aflorando-se depois que a mãe faleceu, isto é, logo após precisar vivenciar novas
experiências sozinha; além de poder ser também uma forma de substituir a proteção
da mãe.

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